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Aventuras Indianas
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Chamuças de Bacalhau
No qual se prova que mal se chega à Índia se começa logo a rezar aos santinhos. Mami e Rita descobrem um macaco de 6 metros. Acham-se a dormir na Rua do Inferno. Jantam com Siddarth, o príncipe e sua estranha família. Mami arrepende-se (não pela última vez) de não ter trazido saco de cama. O que têm em comum o Ananás de Cristal e o Für Elise do Beethoven?
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II.
Our Indian Cousin
Agora sim, entra o genérico do filme. Connosco a dançar coreografias
absolutamente tontas e com mais não sei quantas personagens, que vocês ainda
não conhecem, mas a seu tempo chegarão até a ter nomes! Em menos de nada
deixamos esse mundo fabuloso de cores garridas e voltámos à realidade.
Estamos numa sala em obras, numa espécie de triagem entre turistas, indianos
e outros intrusos. Desde que entrámos no aeroporto, que estamos envoltas num
nevoeiro tão denso que, como o reizinho, por momentos achámos que tínhamos
ido parar a África.
O cansaço da noite não dormida, era suplantado pela curiosidade de
sabermos se teríamos ou não alguém à nossa espera, como ficara combinado
por telefone com o hotel. O facto de estarmos três horas atrasadas, tornava a
coisa ainda mais misteriosa e enquanto procurava na mala, o papel onde eu
jurava que “só ia mesmo à Índia ver uns monumentos e não era para lá ficar a
viver, nem morta”, constatei que a pequena água dos Himalaias, que eu tinha
tão discretamente fanado, se tinha entornado toda para cima da máquina
fotográfica e do primeiro rolo de papel higiénico a usar! Por este facto, ficámos
com artísticas fotos “embaciado style” nos três primeiros dias e eu repensei a
minha honestidade.
“Não, não trazemos vegetais connosco. Viemos mesmo só olhar para os
elefantes”, com esta frase–passe, lá entrámos finalmente na Índia…
Ao pé do desembarque de Nova Deli, a rampa da Portela parece uma
passerelle de moda italiana! Havia uma série de malta bizarra a pegar em
folhinhas com nomes e outros que se limitavam a sacar turistas indecisos. Já
sem acreditar que ainda alguém estivesse à nossa espera, reparamos numa folha
de papel, onde se lia Mrs. Rita. Na outra ponta da folha estavam dois indianos
magritos com um sorriso de orelha a orelha:
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- Estávamos a ver que nunca mais chegavam - cumprimenta um deles, num
inglês cheio de jeitos - já cá estávamos há três horas!
Mas como o disse com uma cara de quem estava habituado a esperar três
horas por tudo, nem estranhámos. Já instaladas no mini carro, (porque na Índia
os carros são invariavelmente pouco maiores que o do Mr. Bean) eis que fomos
parados por um polícia que, com um ar homicida ex-KGB+S.A e iniciais que
tais, perguntou se ali, alguém se chamava Rita, como dizia no papel. A Rita não
fez mais que a sua obrigação e disse “que a Rita ali era ela” e o polícia pode
confirmar por métodos claramente científicos que não estávamos a ser raptadas
por gente mal intencionada.
É tempo agora de um momento musical que nos acompanhará até ao
Hotel. Nesta meia hora de carro temos uma apoplexia ao constatar que para
além de guiarem à inglesa, eles guiam também à indiano e isso é gravíssimo.
Imaginem que premiaram 2 milhões de Suzukis, 7 milhões de riquexós e 5
milhões de motos a um país de ceguinhos. Inventaram um ror de buzinas
diferentes e disseram “guiem”! O resultado é qualquer coisa de parecido com as
provas de piscina nos “Jogos Sem Fronteiras”…. Foi no meio dessa selva que
fomos parar. Eu bem que tentei por o cinto de segurança, mas isso não existia.
Enquanto cravávamos as unhas nos estofos, íamos respondendo às
perguntas típicas do tipo de estava ao lado do motorista. “Sim, lá na terra somos
quase todos cristãos”, “Uau, a sério? Rita é um nome Indiano?!”, “Ouça lá, não
vê que está a andar em sentido contrário?”, “CARA%$#, CUIDADO COM A
CARRINHA DAS BANANASSSS”, “Aquilo é um macaco gigante? Meu deus,
deve ter pelo menos 6 metros! É um parque de diversões? Um templo?! Merda!”
O que vale é que os indianos devem estar habituados à heresia ocidental muitas
vezes ao dia. Agora não saber que aquilo não era o Godzilla? Francamente…
Sim meus amigos, é verdade. Há vacas nas ruas, cães vadios a dormir e
porcos a chafurdar, ao lado de todo o tipo de vendedores, que se sentam
encolhidos à Gollum, em cima das próprias bancadas das mercadorias. Há
bananas e batatas, cenouras da cor de tomates, ovos tão brancos que parecem
cozidos e todo tipo de fruta que nós, não devíamos nem olhar, sob pena de
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apanhar diarreias de quinze dias. Toda esta gente se junta a outros milhares que
se passeiam, que mijam contra as paredes, que cospem qualquer coisa
encarnada como fazem os camelos, que dormem no passeio e não se sabe se já
lerparam ou se ainda pagam impostos. E depois há os bebés com bebés ao colo,
praticamente nus, muito moglis e despenteados que fazem o ar mais triste do
mundo enquanto pedem rupias. E há mulheres a trabalhar na construção civil,
vestidas de sari e homens que passeiam carinhosamente de mãozitas dadas.
E depois há as cores. São uma loucura. Tudo tem cor. Até o lixo parece
ter saído de um quadro do Matisse. Os autocarros apinhados, os Tuktuks
(riquechós), os cartazes de políticos indianos de turbante, os edifícios, as lojas. É
tudo patrocinado pela Robialak várias vezes. São amarelos-canários, verdes-
papagaio, vermelhos-catatua, laranjas-rei-leão, azuis-golfinho-doente. Não se
percebe bem se chegámos ao zoo, ou se estamos completamente pedrados. Mas
a verdade é que só quando se chega à Índia, se percebe que até ai se andou a ver
o mundo a preto e branco.
É claro que tudo isto nos entrou pelos olhos adentro e saiu. Ninguém
consegue apreciar a poesia sociologicó - crómatica quando acha que vai levar
com um camião em cima. Ir à Índia era de facto uma experiência religiosa pois
que em meia hora lá e já tinha rezado Avé Marias pela Quaresma inteira. E foi
no meio deste fervor beato que entrámos na nossa rua, que mais tarde e por
razões que se prendem com os atractivos da mesma, viremos a apelidar
carinhosamente de “Rua do Inferno”.
Pahar Ganj não foi onde Judas perdeu as botas, foi mesmo onde Judas se
enforcou à meia-noite! Enfiem o Intendente e o Casal Ventoso dentro da rua da
Betesga e o resultado é um jardim japonês ao pé da rua do nosso pomposo Hotel
Cottage Crown Plaza. Sim, Cottage Crown Plaza! Mas isto foi um segundo antes
de percebermos que os indianos chamarão Sheraton ao bordel da esquina, se
assim o entenderem, desde que lhe chamem Sheraton Cottage, Sheraton Inn ou
Sheraton Palace. Foi com um ar chocado que Mami e Rita se viram a entregar os
passaports para o check in nesta pérola do mundo hoteleiro. Ainda não era
meio-dia e já tinham acontecido demasiadas coisas impossíveis!
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Subimos ao o quarto “to get fresh”, expressão cuspida pelo indiano que
nos tinha trazido do aeroporto e com quem combinámos ir dar umas voltinhas
para ver as vistas. O quarto é chiquitito se compararmos com a rua onde mora.
Tem uma cama grande, dura como cimento, lençol de baixo e os cobertores mais
fofos em que já me enfiei. Há um painel de interruptores com sete botões,
ventoinha, Tv e um foleiro candeeiro em forma de Ananás de Cristal suspenso
no tecto. Há ainda duas janelas pequeninas que dão para as traseiras, onde fica
um restaurante indiano que começa a refogar seja lá o que eles refogam a partir
das seis da manhã. Perdemos um minuto nestas constatações, enquanto a Rita
lavava os dentes e eu descobria que a casa de banho tinha um balde e um púcaro
de plástico que supostamente substituía o papel higiénico. E após concluir que
não tínhamos banheira, descobri que a própria casa de banho era a banheira!
Havia um chuveiro fixo que prometia molhar absolutamente tudo!
Num ápice descemos para ir ter com o tipo. Como descrevê-lo? Hmm,
indiano, na casa dos 20-50 com um sorriso simpático. Mal nos viu começou com
uma prosa incompreensível que soava a qualquer coisa como “vamos sei lá
onde, mas primeiro vamos buscar o meu primo e depois vamos a casa da minha
mãe porque eu não dormi nada hoje, e só preciso de get fresh e depois podemos
ir ver o sightseeing e depois rebéubéu e o caraças.” Neste ponto a Rita olha para
mim com um ar de “what the fuck?”, eu olho para a Rita com um ar de “Oh my
god!” e damos por nós a ir bem coladinhas ao tipo pela rua fora, a olhar para
tudo, enquanto tudo olhava para nós. Quase morremos atropeladas várias vezes
em dez metros, quando finalmente entrámos num pequeno hotel de nome
sonante (claro), em cuja recepção morriam cinco relógios parados, que já teriam
dado as horas de famosas capitais mundiais, em gloriosos tempos, num toque
falhadíssimo de cosmopolitismo, do género NY, LONDON e PAHAR GANJ!
Foi neste pardieiro, que conhecemos melhor o que se viria a tornar num
grande amigo e primeira personagem deste filme: Siddarth era o seu nome,
Prince para os amigos, e que afinal não tinha 50 mas sim 27 anos. Quem tinha
50, era a namorada, uma polaca divorciada, que vinha a Nova Deli fazer
business algumas vezes por ano e lá se tinham apaixonado entre uma
buzinadela ou outra.
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O Prince, não era um indiano qualquer. O rapaz viajava, já tinha vindo à
Europa e coordenadas que tal. Estabeleceu-se logo entre nós os três uma
relação tão simpática e natural, que parecíamos irmãos na Igreja Universal do
Reino de Deus, num almoço de fim-de-semana. Lá nos confessou como tinha
sido enganado em Budapeste e ostracizado um pouco por todo o planeta, por ter
ar de taliban sem barba. A Rita, sempre bem disposta, fazia uma data de
conversa e em menos de meia hora sabíamos a vida do Prince desde o berço.
Sim, estas somos nós as duas abraçadas à mãe do Prince. Uma indiana
baixinha e gordinha com um ar de avó querida que desde há uma hora que nos
empanturra com um thali (bandeja com vários recipientes contendo inúmeras
coisas comestíveis e chapatis para acompanhar). Em menos tempo que leva a
dizer “soltura” já estavam, Mami e a Rita, a comerem fruta descascada e todo o
tipo de coisas inomináveis que tínhamos prometido nem tocar. A mãe ia-nos
trazendo chapatis atrás de chapatis e nós nem sabíamos como comer aquilo
tudo. Misturámos o yougurt e as lentilhas com a sobremesa de cenoura,
marchava tudo ao mesmo tempo. Uma javardice que à falta de alternativa só
nos chegava à boca pelas mãos.
A casa, era o que se poderia considerar pobre e velha, mas eles tinham
criancinhas a servir, por isso ainda não eram pobres o suficiente. Sentadas na
cama-sofá (porque era mesmo uma cama a fazer de sofá), vimos as mil
fotografias das férias do Prince pelo mundo, enquanto tentávamos fazer
conversa com a mãe. “Então o seu marido onde está?”, ela apontava para a
parede, para a fotografia de um velhote envolto em flores, “Ups, wrong
question”, “Então e gosta da namorada do Prince? Bonita ein?!”, wrong again.
Apesar da nossa pouca polidez, ela era de uma simpatia genuína, com grandes
olhos sorridentes que nos iam descascando maçãs. Despedimo-nos com muitos
beijinhos e abraços (literalmente) e saímos de lá honradas com tamanha
hospitalidade de gente tão humilde, jurando pela santa que nunca tínhamos
conhecido pessoas mais queridas e outros etecetras. Nunca esperamos ser tão
bem tratadas. Ainda há uma hora tínhamos estado na pior rua das nossas vidas
e agora sentíamo-nos em casa da avó!
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Ahhh, só um ocidental perdido na Índia, conseguirá perceber o alívio que
de repente experimentávamos. Já não estávamos nas favelas do Rio de Janeiro,
estávamos somente em Armação de Pêra. As coisas não eram tão assustadoras
como pareciam. Tínhamos conhecido um Prince que nos levava pelas ruas de
Nova Deli, enquanto respondia às nossas perguntas mais embaraçosas “Conta lá
como é que vocês se limpam sem papel higiénico”, “Porque é que há
autocolantes de deuses nas paredes das ruas”, “As vacas são de quem? Podem
ser ordenhadas por qualquer pessoa?”, “Com tanta criancinha nua não há
pedófilos?”, “Como não sabes o que são pedófilos?”, “Aquele ali está morto?”,
“Porque é que não cheira mal?”
Passámos a tarde à volta de uma zona chamada Connaught Place, com
edifícios brancos do género Estoril, versão “Planeta dos Macacos”.Vimos lojas
de marcas conhecidas, cada uma com seu segurança armado sentado à porta e
entrámos em algumas delas mas não comprámos nada. O dinheiro ainda era um
estranho para nós…a Rupia!
Pela Virgem, a Rupia é mais que dinheiro. A Rupia é uma nação, é uma
maldição. A Rupia é a palavra mais usada na Índia. Tudo vale rupias, tudo quer
rupias, tudo custa rupias. Bem, tudo não. O Prince é um gajo à maneira! Avisa-
nos de todos os esquemas dos indianos e leva-nos a beber um café gelado numa
cafetaria muito europeia. Entusiasmada com a limpeza do estabelecimento,
procurei logo a casa de banho, da qual vejo sair um Sihk, que só faltava vir com
as mosquinhas atrás! O dito WC estava em “estado de sítio” e então, eu percebi
que não se deve julgar o livro pela capa, mas sim o café pela casa de
banho!
Depois de mais meia hora a passear, percebemos que o Prince não nos
estava a mostrar a Índia que nós almejávamos conhecer. Nós queríamos ir aos
mercados cheios de gente, especiarias e tecidos, onde as pessoas se roubavam
umas às outras enquanto cospem tabaco para o vizinho do lado. Queríamos ver
lojas que vendiam saris a preços de pobrezinho e alfarrabistas com livros
apodrecidos do tempo em que o próprio Buda andava a aprender a ler. Mas o
Prince gostava mais de mostrar que também se ouvia na rádio os Black Eyed
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Peas e que também tinham a Pepe Jeans, e que tudo o resto era um bocado feio
e perigoso demais para nós.
Por isso andávamos às voltas, um tanto aborrecidas, quando de repente,
como que saído de um sonho hindi, lá estava ele: o actor do filme que eu tinha
visto no avião. Um mega cartaz anunciava o último blockbuster que ninguém
queria perder, “Tar Zameen Par”, com o grande actor (porque o cartaz era
enorme, quase do tamanho do macaco-gigantesco-barra-templo) Aamir Kan,
que entretanto já tinha emagrecido aí uns vinte kilos, num espantoso exercício
de anorexia. Surpreendido com a nossa cultura cinematográfica de algibeira, o
Prince compra logo bilhetes para irmos ver o filme no dia seguinte, gesto que
custou um dinheirão e nos pôs completamente babadas. Entretanto encontrei
uma carrinha que vendia livros usados e comprei um do Philip Pulman (menos
indiano só o George Michael) por 150 Rp. Supostamente o vendedor tinha dito
One Fifty e eu lá achei que uma rupia e meia era um negocio do caraças, só
depois de meia hora de grunhidos é que eu percebi que eram 150 rupias. Lá
troquei os Gandhis pelo livro e percebi que assim sendo, a viagem do aeroporto-
hotel não tinham sido 5 Rp mas 500Rp! Como ainda pensávamos em euros era
tudo muito baratinho e passou (1euro=58Rp).
Entretanto tínhamos pedido ao Prince que nos orientasse um bocado a
viagem, porque nos 30 dias de Índia só sabíamos onde queríamos ir, não
sabíamos como, nem quando, nem com que cara. Ficámos descansadas, quando
ele nos disse que iríamos jantar a casa da mamã e lá falaríamos sobre isso. Ele
conhecia malta em vários sítios e íamos conseguir óptimos preços. Que sonho,
Rita e Mami sorriem e telefonam para casa a contar a sorte, os pais dormirão
descansados, pelo menos esta noite.
Por falar em noite, são agora 9 da mesma e aceleramos em puro delírio de
50km/h, pelas ruas de Deli (que noite ainda têm pior aspecto). O rádio está a
tocar a música dos Ghostbusters, o que dá a tudo um ar mais surreal e ainda
mais absurdo. Nós vamos felizes e relaxadas e até já trememos menos com cada
quase acidente que acontece. Entretanto o carro pára e o Prince diz que vai só ali
comprar o jantar, que é melhor ficarmos no carro e trancarmos as portas! “Olá,
fechar as portas? Devemos estar num sítio bonito, devemos”.
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A cena que se segue, merece o Óscar da culinária. Preparem-se. Prince
dirige-se para uma espécie de lojinha de animais. Cá fora existem umas gaiolas
com galinhas e outras aves e o nosso amigo não faz mais nada que escolher o
futuro frango. As bichas bem cacarejam e esperneiam mas não vale a pena pois
só uma será escolhida e cortada aos bocadinhos in loco. A galinha dorme agora
nas minhas mãos, ainda quente e aos cubinhos dentro dum saquinho preto, e
experimento a nojenta mas viciante sensação de ir tentando descobrir o que era
o quê.
Já em casa, temos a sorte de conhecer o resto da família. Passo a explicar
a árvore genealógica. Aquela gorda mãe, tinha três filhos, o Prince e mais dois,
cujo nome não decorei, mas chamar-lhe-emos Rajú e Abú. O Rajú era gordo e
tinha um brinco na orelha, uma gorda esposa e por sua vez uma gorda filha. O
Abú era mais magro e tinha ar de Paquistanês. A mulher era menos gorda que a
primeira. Tinham um filho, que parecia um macaquinho saltitão e que devia
pesar no máximo dez kilos. Depois havia uma pequena população flutuante de
pseudo-escravos, que não percebemos se faziam ou não parte da família.
Nessa noite, brincámos com as crianças, jogámos um jogo tipo snooker
com os dedos entre bastante pó de talco e visitámos os quartos da casa. Surreal,
é pouco original para descrever aqueles quartos, com fotos de bebés vestidos de
marajás, brinquedos do Mcdonalds e estrelinhas no tecto. Em cada um destes,
havia uma cama grande, onde dormiam os pais e os filhos (já diz o adágio que “o
incesto começa em casa”), e imagens de revistas cortadas e colados à parede, às
três pancadas. Eu não sabia se havia de rir ou de chorar, de fugir ou de dar
esmola. O jantar propriamente dito, passou-se numa espécie de varanda,
connosco, a mãe e os 3 homens da casa. As esposas, nem vê-las. Tinham
passado a noite a cozinhar uma data de coisas deliciosas, mas hiper picantes,
que nos punham a beber Kingfisher (cerveja) como se fosse água benta. Depois
deste repasto e enquanto fumávamos cigarrinhos indianos, falámos sobre a
nossa viagem. O Rajú elaborou logo um plano para 20 dias, ao qual não faltava
sequer um colorido casamento hindu da prima torta, para o qual seríamos
convidadas de honra. Tudo isto por apenas 1000 euros cada!
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Stoppppppp! Corta! Mami e Rita olham uma para a outra aflitas, depois
dos cigarros e da cerveja há um momento de lucidez que diz: “C’mon, that’s too
much for us, we dont have that kind of money!”. Interessa dizer que o nosso
budget é 700 euros para os trinta dias. E o que eles nos ofereciam eram apenas
vinte dias, faltando os dez dias que queríamos passar em Goa. Duas horas
demorámos nós em conversações. Eles apresentavam o esquemazinho. Nós
falávamos uma com a outra em português, eles uns com os outros em hindi e
depois entre nós em inglês. À meia-noite tínhamos um plano feito. Vinte e três
dias por 600 euros cada. O negócio foi fechado e houve logo um brinde às
relações luso-indianas, e muita galhofazinha.
A criançada voltou, trazendo os cadernos da escola e estiveram a
mostrar-nos os TPCs. A Rita às tantas, fartou-se e decidiu ir mandar uns emails.
Eu, fiquei cá fora a fazer conversa com o Àbu, que é como quem diz; aquelas
perguntas-respostas da praxe, troca de galhardetes entre pátrias. De repente,
entra a esposa em cena e começa a discutir acaloradamente com o desgraçado.
Ou muito me engano, ou já é a terceira vez que a esposa vem ter connosco.
Desta vez já sem o lenço do sari. “Ó diabo…Estarei eu a assistir a uma
verdadeira cena de ciúmes indiana?”, ela ia olhando para mim com um
sorrizinho parvo perguntando: “Tão a comidinha estava boa? fui eu que a fiz!”, e
eu, na maior, ia respondendo com a boca cheia de doce de cenoura “Está divina
cara amiga, melhor que isto, nem o arroz doce da avó.” Mas a intuição feminina
não engana e eu ali estava claramente a mais, e se não me punha a pau, ainda
assistia a um homicídio à Bollywood. Assim pus-me andar, não sem antes trazer
a Rita, que estava encafuada no mini-quarto do Prince, a tentar, em vão, falar
no Skype.
Uma e meia da manhã, estamos finalmente deitadas na nossa cama dura.
Eu já estou arrependida de não ter trazido saco de cama (a contar com hotéis de
qualidade, querias mais nada!) e não seria a última vez que me viria a
arrepender. Pelo menos aqui os cobertores não picam. Três da manhã e ouvem-
se cães a uivar e, imagine-se, o “Für Elise” do Beethoven em midi, que deve ser o
toque de um telemóvel que ninguém atende. Já tocou 20 vezes and still
counting. São quatro da manhã e, de repente, ouço uma sonora gargalhada. A
Rita começa a rir e já não consegue parar e eu junto-me a ela. “ISTO É DE
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LOUCOS”. Passámos a noite toda acordadas, a ouvir gargalhadas de outros
quartos. Pelos vistos é a reacção normal depois de um dia de Índia. Estivemos o
resto da noite a comentar tudo, do princípio ao fim: “Viste os quartos deles?”,
“O que é que era aquela comida, meu deus, acho que vou ficar meio ano sem
paladar”, “E a criancinha gorda”, “Mas são todos amorosos não achas?”, “Bem,
nem sabes, ia arranjando problemas conjugais ao Àbu.”, “Ainda bem que
encontrámos o Prince, é mesmo boa gente, nem sei como nos havíamos de
orientar por esta maluquice toda sem ele”.
Sim, o Prince tinha sido uma dádiva, tudo ia correr bem! Isto achávamos
nós às 6 da manhã…