Chesnais, François – A Mundialização do Capital

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  • 7/27/2019 Chesnais, Franois A Mundializao do Capital

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    FICHAMENTO - Chesnais, Franois A Mundializao do Capital

    Captulo 1 - Decifrar palavras carregadas de ideologia

    As publicaes que fazem a mais extremada apologia da "globalizao" e do "tecno-globalismo" apresentam essemundo que est nascendo como "sem fronteiras" (borderless, ttulo do livro de 1990 de Ohmae) e as grandesempresas, como "sem nacionalidade" (stateless, expresso empregada pela influente revista Business Week,1990).

    Termos vagos e ambguos: Esses termos, portanto, no so neutros. Eles invadiram o discurso poltico eeconmico cotidiano, com tanto maior facilidade pelo fato de serem termos cheios de conotaes (e por issoutilizados," de forma consciente, para manipular o imaginrio social e pesar nos debates polticos) e, ao mesmotempo, vagos.

    O termo de origem francesa "mundializao" (mondialisation) encontrou dificuldades para se impor, alem daconstataao de ser o ingles a lingua por excelencia do capital, tambm,com certeza, pelo fato de que o termo"mundializao" tem o defeito de diminuir, pelo menos um pouco, a falta de nitidez conceitual dos termos"global" e "globalizao".

    A palavra "mundial" permite introduzir, com muito mais fora do que o termo "global", a idia de que, se aeconomia se mundializou, seria importante construir depressa as instituies polticas mundiais capazes decontrolar o seu movimento. Ora, isso o que as foras que atualmente regem os destinos do mundo no queremde jeito nenhum. Os grandes grupos" industriais ou operadores financeiros internacionais, que acabam derecuperar uma liberdade de ao que no conheciam desde 1929, ou talvez mesmo desde o sculo XIX, estoainda menos dispostos a ouvir falar de polticas mundiais coercitivas.

    Ocorreu uma liberalizao muito ampla do comrcio exterior. Mas seu efeito foi sobretudo fa cilitar as operaesdos grupos industriais multinacionalizados. o que se manifesta na importncia do intercmbio intracorporativo(40% do comrcio dos EUA e do Japo), e sobretudo do nvel dos suprimentos internacionais em produtos semi-elaborados e produtos acabados, organizados com base em terceirizao internacional.

    O capital produtivo agora est vontade para pr em concorrncia as diferenas no preo da fora de trabalhoentre um pas - e, se for o caso, uma parte do mundo - e outro. Para isso, pode atuar, seja pela via do investimento,seja pela da terceirizao.

    Adaptar-se s imposies dos mercados financeiros?

    Em 1993, s a liquidez concentrada nas mos dos fundos mtuos de investimento (mutual funds), companhias deseguro e fundos de penso atingia 1 26% do PIB dos EUA e 165% do PIB do Reino Unido. No mesmo ano, asadministradoras americanas e europias desses fundos (menos de 500, as que realmente interessam)concentravam em suas mos, sem contar os bancos e fundos japoneses, 8 trilhes de dlares. Mesmo que na

    poca apenas uns 5% dos fundos estivessem investidos sob forma de carteira de divisas - proporo que seelevaria a 12% em 1 995 -, j so 400 bilhes de dlares que podem ser mobilizados s por esse grupo deoperadoras. A partir da compreende-se por que os 300 bilhes de dlares que o Banco da Frana e o Bundesbankalemo empenharam conjuntamente para tentar preservar o Sistema Monetrio Europeu (SME), em julho de1993, no foram suficientes para frear os ataques contra o franco e por que os bancos centrais no tm mais meiosde "punir" os especuladores.

    Internacionalizao do capital e mundializao

    A idia subjacente a esta obra que a mundializao deve ser pensada como uma fase especfica do processo deinternacionalizao do capital e de sua valorizao, escala do conjunto das regies do mundo onde h recursos

    ou mercados, e s a elas.

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    Aspectos importantes da mundializao:

    O IED (investimento externo direto) suplantou o comrcio exterior como vetor principal no processo deinternacionalizao.

    O IED caracteriza-se por alto grau de concentrao dentro dos pases adiantados, especialmente os da Trade.Esse acerto de alvo se fez s custas dos pases em desenvolvimento. O chamado intercmbio intrasetorial aforma dominante do comercio exterior. Caracteriza-se pelo intercmbio intragrupo, no quadro dos mercados

    privados das multinacionais, bem como por suprimentos internacionais, organizados pelos grupos, em nsumos e

    produtos acabados. A integrao horizontal e vertical das bases industriais nacionais separadas e distintas estocorrendo a partir do IED.

    Os grupos industriais tendem a se reorganizar como "empresas-rede". As novas formas de gerenciamento econtrole, valendo-se de comp lexas modalidades de terceirizao, visam a ajudar os grandes grupos a reconCIliara centralizao do capital e a descentralizao das operaes, explorando as possibilidades proporcionadas pelateleinformtica e pela automatizao.

    O grau de interpenetrao entre os capitais de diferentes nacionalidades aumentou. O investimento internacionalcruzado e as fusoes-aquisioes transfronteiras engendram estruturas de oferta altamente concentradas a nvelmundial. Sobre essa base, houve o surgimento de oligoplios mundiais num nmero crescente de indstrias.Constitudos sobretudo por grupos americanos, japoneses e europeus, eles delimitam entre si um espao

    privilegiado de concorrncia e de cooperao. Esse espao defendido conta a entrada de novos concorrentes defora da rea da OCDE, tanto por barreiras de entrada de tipo industral quanto por barreiras comerciais regidas

    pelo GATT.

    A ascenso de um capital muito concentrado, que conserva a forma monetria, a qual favoreceu, com grandeslucros, a emergencia da "globalizao financeira", acentuou os aspectos financeiros dos grupos industriaIS eimprimiu uma lgica financeira ao capital investido no setor de manufaturas e servios.

    O movimento da mundializao excludente. Com exceo de uns poucos "novos pases industrializados", que

    haviam ultrapassado, antes de 1980, um patamar de desenvolvimento industrial que lhes permite introduzirmudana na produtividade do trabalho e se manterem competitivos, est em curso um ntido movimento tendente marginalizao dos pases em desenvolvimento. Esse movimento caracterizou-se, na dcada de 80, por um clarorecuo dos IEDs e das transferncias de tecnologia aos pases em desenvolvimento, bem como por um comeo deexcluso de vrios pases produtores de produtos de base, em relao ao sistema de intercambio.

    A mundializao o resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente interligados, mas distintos. Oprimeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulao ininterrupta do capital que o capitalismoconheceu desde 1914. O segundo diz respeito s politicas de liberalizao, de privatizao, de desregulamentaoe de desmantelamento de conquistas sociais e democrticas, que foram aplicadas desde o inicio da dcada de1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan.

    A perda, para a esmagadora maioria dos pases capitalistas, de boa parte de sua capacidade de conduzir umdesenvolvimento parcialmente autocentrado e independente; o desaparecimento de certa especificidade dosmercados nacionais e a destruio, pata mutos Estados, da possibilidade de levar adiante polticas , prprias, noso conseqncia mecnica da globalizao, intervindo como processo "externo", sempre mais coercitivo,impondo a cada pas, a seus partidos e a seus governos uma determinada linha de conduta Sem a interveno

    poltica ativa dos governos Thatcher e Reagan, e tambm do conjunto dos governos que aceitaram no resistir aeles, e sem a implementao de polticas de desregulamentao, de privatizao e de liberalizao do comrcio, ocapital financeiro internacional e os grandes grupos multinacionais no teriam podido destruir to depressa e toradicalmente os entraves e freios liberdade deles de se expandirem vontade e de explorarem os recursoseconmicos, humanos e naturais, onde lhes for conveniente.

    Terceirizao: essas tcnicas de organizao servem principalmente aos grandes grupos, os que emitem pedidos,para fazer recair sobre as firmas "terceiras" os imprevistos conjunturais e para impor aos assalariados dessasfirmas o peso da precariedade contratual, combinado com nveis salariais bem inferiores.

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    Concentrao transfronteiras e oligoplio mundial: Observar a hierarquia das regies a serem exploradas,segundo o interesse que tm para os pases e grupos que constituem o oligoplio, bem como a rede mundial dos

    pontos que lhe esto mais estreitamente associados. Espao de rivalidade industrial. Esse espao um lugar deconcorrncia encarniada, mas tambem de colaboraao entre os grupos. A ele pertencem, essencialmente, gruposoriginarios de um dos trs plos da Trade, pois as relaes constitutivas do oligopolio sao por si mesmas, demodo intrnseco, um importante fator de barreIra de entrada, ao qual podem agregar-se, depois, outros elementos.Mundializao e agravamento da polarizao

    No enfoque das "business schools", o termo "global" se refere capacidade da grande empresa de elaborar, paraela mesma, uma estratgia seletiva em nvel mundial, a partir de seus proprios interesses. Esta estratgia global

    para ela, mas integradora ou excludente para os demais atores, quer sejam pases, outras empresas outrabalhadores. A extenso indiscriminada e ideolgica do termo, tem como resultado ocultar o fato de que umadas caractersticas essenciais da mundializao justamente integrar, como componente central, um dupomovimento de polarizao, pondo fim a uma tendncia secular, que ia no sentido da integrao e da convergncia.

    H uma polarizao interna a cada pas (concentraao de rendimentos numa exgua parcela da sociedade), e outrainternacional. Os pases da periferia so pases que praticamente no mais apresentam interesse, nem econmico,nem estratgico (fim da "guerra fria"), para os pases e companhias que esto no centro do oligopolio. So pesosmortos, pura e simplesmente. No so mais pases destinados ao "desenvolvimento", e sim reas de "pobreza(palavra que invadiu o linguajar do Banco Mundial), cujos emigrantes ameaam os "pases democrticos".

    Observa-se uma ntida tendncia marginalizao dos pases em desenvolvimento. Essa tendncia estevemarcada, nos anos 80, por um forte recuo dos IEDs e das transferncias de tecnologia destinados grande maioriadesses pases, bem como por um incio de excluso, do sistema de intercmbio, de muitos pases produtores de

    produtos bsicos. Esses pases foram golpeados em cheio, ao mesmo tempo, pela conjuntura mundial e pelastransformaes tecnolgicas ocorridas no centro do sistema, no sentido de substituio dos recursos tradicionais

    por produtos intermedirios industriais, provenientes de indstrias intensivas em pesquisa e desenvolvimento(novos materiais e biotecnologias). E.M.Mouhoud (1993) utiliza o termo "desconexo forada" para caracterizaressa marginalizao de reas inteiras dos continentes, em relao ao sistema de comrcio internacional.

    A civilizao da mundializao

    - indstrias de "mdia" - campo importantssimo da valorizao do capital - essas indstrias tiveram um papelimportante em reforar o nivelamento da cultura e, com isso, a homogeneizao da demanda a ser atendida anvel mundial.