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 Francisco C Xavier André Luiz Entre a Terra e o Céu Entre a Terra e o Céu Desta história, recolhida por André Luiz entre a Terra e o Céu, destacam-se os impositivos do respeito que nos cabe consagrar ao corpo fsico e do culto incessante de servi!o ao bem, para retirarmos da romagem terrena as melhores vantagens " vida imperecvel# $este livro, n%o somos defrontados por qualquer situa!%o espetaculosa# $em heróis, encarnando virtudes dificilmente acessveis# $em an&os inabord'veis# (m cada captulo, encontramos a nós mesmos, com nossos velhos problemas de amor e ódio, simpatia e desafeto, através da cristaliza!%o mental em certas fases do caminho, na penumbra de nossos sonhos imprecisos ou na sombra das pai)*es que, por vezes, nos arrastam a profundos despenhadeiros# (m quase todas as p'ginas, temos a vida comum das almas que aspiram " vitória sobre si mesmas, valendo-se dos tesouros do tempo, para a aquisi!%o de luz renovadora#  Aqui, os quadros funda mentais da narrativa nos s%o ntimamente familiares### + cora!% o af lito em pr ece#  A me nte paralisada na ilus%o e na dor# + lar varrido d e pr ov a! *e s#  A s enda fustigada de lutas# + desvario do cime# + engano da posse# (mbates do pensamento# Conflitos da emo!%o# ( sobre a conte)tura dos &atos puros e simples paira, por ensinamento central, a necessidade de valoriza!%o dos recursos que o mundo nos oferece para a reestrutura!%o do nosso destino# (m mui tas ocasi*es, somos induzi do s a fit ar a amplid%o celestial, incorporando energia para conquistar o fut uro ent retanto, mui tas ve zes so mos constrangido s a observar o trilho terrestre, a fim de entender o passado a que o nosso presente deve a sua origem# $e st e li vr o, so mos fo r!ad os a contempl ar -n os por dentro, no ch%o de nossas e)peri.ncias e de nossas possibilidades, para que n%o nos falhe o equilbrio " &ornada redentora, no rumo do porvir# Dele surge a voz inarticulada do /lano Divino, e)ortando-nos sem palavras0 1 A Lei é viva e a 2usti!a n%o falha3 (squece o mal para sempre e semeia o bem cada dia3###  A&uda aos que te cercam, au)iliando a ti mesmo3 + tempo n%o p'ra, e, se agora

Chico Xavier - André Luiz - Entre a Terra e o Céu

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Obra espírita de Chico Xavier.

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Francisco C Xavier Andr Luiz Entre a Terra e o Cu

Francisco C Xavier Andr Luiz Entre a Terra e o Cu

Entre a Terra e o CuDesta histria, recolhida por Andr Luiz entre a Terra e o Cu, destacam-se os impositivos do respeito que nos cabe consagrar ao corpo fsico e do culto incessante de servio ao bem, para retirarmos da romagem terrena as melhores vantagens vida imperecvel.

Neste livro, no somos defrontados por qualquer situao espetaculosa. Nem heris, encarnando virtudes dificilmente acessveis. Nem anjos inabordveis.

Em cada captulo, encontramos a ns mesmos, com nossos velhos problemas de amor e dio, simpatia e desafeto, atravs da cristalizao mental em certas fases do caminho, na penumbra de nossos sonhos imprecisos ou na sombra das paixes que, por vezes, nos arrastam a profundos despenhadeiros.

Em quase todas as pginas, temos a vida comum das almas que aspiram vitria sobre si mesmas, valendo-se dos tesouros do tempo, para a aquisio de luz renovadora.

Aqui, os quadros fundamentais da narrativa nos so ntimamente familiares...

Ocorao aflito em prece.

A mente paralisada na iluso e na dor.

Olar varrido de provaes.

A senda fustigada de lutas.

O desvario do cime.

O engano da posse.

Embates do pensamento.

Conflitos da emoo.

E sobre a contextura dos jatos puros e simples paira, por ensinamento central, a necessidade de valorizao dos recursos que o mundo nos oferece para a reestruturao do nosso destino.

Em muitas ocasies, somos induzidos a fitar a amplido celestial, incorporando energia para conquistar o futuro; entretanto, muitas vezes somos constrangidos a observar o trilho terrestre, a fim de entender o passado a que o nosso presente deve a sua origem.

Neste livro, somos forados a contemplar-nos por dentro, no cho de nossas experincias e de nossas possibilidades, para que no nos falhe o equilbrio jornada redentora, no rumo do porvir.

Dele surge a voz inarticulada do Plano Divino, exortando-nos sem palavras:

A Lei viva e a Justia no falha! Esquece o mal para sempre e semeia o bem cada dia!...

Ajuda aos que te cercam, auxiliando a ti mesmo! O tempo no pra, e, se agora encontras o teu ontem, no olvides que o teu hoje ser a luz ou a treva do teu amanh!...

EMMANUEL

Pedro Leopoldo, 23 de janeiro de 1954.

1 - Em torno da preceNo Templo do Socorro (Instituio da cidade espiritual em que se encontra o Autor. - Nota do Autor espiritual), o Ministro Clarncio comentava a sublimidade da prece, e ns o ouvamos com a melhor ateno.

Todo desejo dizia, convincente manancial de poder. A planta que se eleva para o alto, convertendo a prpria energia em fruto que alimenta a vida, um ser que ansiou por multiplicar-se...

Mas todo petitrio reclama quem oua interferiu um dos companheiros. Quem teria respondido aos rogos, sem palavras, da planta?

Ovenerando orientador respondeu, tranquilo:

A Lei, como representao de nosso Pai Celestial, manifesta-se a tudo e a todos, atravs dos mltiplos agentes que a servem. No caso a que nos reportamos, o Sol sustentou o vegetal, conferindo-lhe recursos para alcanar os objetivos que se propunha atingir.

E, imprimindo significativa entonao voz, continuou:

Em nome de Deus, as criaturas, tanto quanto possvel, atendem s criaturas. Assim como possumos em eletricidade os transformadores de energia para o adequado aproveitamento da fora, temos igualmente, em todos os domnios do Universo, os transformadores da bno, do socorro, do esclarecimento... As correntes centrais da vida partem do Todo-Poderoso e descem a flux, transubstanciadas de maneira infinita. Da luz suprema treva total, e vice-versa, temos o fluxo e o refluxo do sopro do Criador, atravs de seres incontveis, escalonados em todos os tons do instinto, da inteligncia, da razo, da humanidade e da angelitude, que modificam a energia divina, de acordo com a graduao do trabalho evolutivo, no meio em que se encontram. Cada degrau da vida est superlotado por milhes de criaturas... O caminho da ascenso espiritual bem aquela escada milagrosa da viso de Jacob, que passava pela Terra e se perdia nos cus... A prece, qualquer que ela seja, ao provocando a reao que lhe corresponde. Conforme a sua natureza, paira na regio em que foi emitida ou eleva-se mais, ou menos, recebendo a resposta imediata ou remota, segundo as finalidades a que se destina. Desejos banais encontram realizao prxima na prpria esfera em que surgem. Impulsos de expresso algo mais nobre so amparados pelas almas que se enobreceram. Ideais e peties de significao profunda na imortalidade remontam s alturas...

Omentor generoso fz pequeno intervalo, como a dar-nos tempo para refletir e acentuou:

Cada prece, tanto quanto cada emisso de fora, se caracteriza por determinado potencial de frequncia e todos estamos cercados por Inteligncias capazes de sintonizar com o nosso apelo, maneira de estaes receptoras. Sabemos que a Humanidade Universal, nos infinitos mundos da grandeza csmica, est constituda pelas criaturas de Deus, em diversas idades e posies... No Reino Espiritual, compete-nos considerar igualmente os princpios da herana. Cada conscincia, medida que se aperfeioa e se santifica, aprimora em si qualidades do Pai Celestial, harmonizando-se, gradativamente, com a Lei. Quanto mais elevada a percentagem dessas qualidades num esprito, mais amplo o seu poder de cooperar na execuo do Plano Divino, respondendo s solicitaes da vida, em nome de Deus, que nos criou a todos para o Infinito Amor e para a Infinita Sabedoria...

Quebrando o silncio que se fizera natural para a nossa reflexo, o irmo Hilrio perguntou:

Contudo, como interpretar o ensinamento, quando estivermos frente de propsitos malignos? um homem que deseja cometer um crime estar tambm no servio da prece?

Abstenhamo-nos de empregar a palavra prece, quando se trate do desequilbrio aduziu Clarncio, bondoso , digamos invocao.

E acrescentou:

Quando algum nutre o desejo de perpetrar uma falta est invocando foras inferiores e mobilizando recursos pelos quais se responsabilizar. Atravs dos impulsos infelizes de nossa alma, muitas vezes descemos s desvairadas vibraes da clera ou do vcio e, de semelhante posio, fcil cairmos no enredado poo do crime, em cujas furnas nos ligamos, de imediato, a certas mentes estagnadas na ignorncia, que se fazem instrumentos de nossas baixas idealizaes ou das quais nos tornamos deplorveis joguetes na sombra. Todas as nossas aspiraes movimentam energias para o bem ou para o mal. Por isso mesmo, a direo delas permanece afeta nossa responsabilidade. Analisemos com cuidado a nossa escolha, em qualquer problema ou situao do caminho que nos dado percorrer, porqanto o nosso pensamento voar, diante de ns, atraindo e formando a realizao que nos propomos atingir e, em qualquer setor da existncia, a vida responde, segundo a nossa solicitao. Seremos devedores dela pelo que houvermos recebido.

OMinistro sorriu, benevolente, e lembrou:

Estejamos convictos, porm, de que o mal sempre um crculo fechado sobre si mesmo, guardando temporariamente aqueles que o criaram, qual se fora um quisto de curta ou longa durao, a dissolver-se, por fim, no bem infinito, medida que se reeducam as Inteligncias que a ele se aglutinam e afeioam. O Senhor tolera a desarmonia, a fim de que por intermdio dela mesma se efetue o reajustamento moral dos espritos que a sustentam, de vez que o mal reage sobre aqueles que o praticam, auxiliando-os a compreender a excelncia e a imortalidade do bem, que o inamovvel fundamento da Lei. Todos somos senhores de nossas criaes e, ao mesmo tempo, delas escravos infortunados ou felizes tutelados. Pedimos e obtemos, mas pagaremos por todas as aquisies. A responsabilidade principio divino a que ningum poder fugir.

Nesse instante, uma jovem de semblante calmo penetrou no recinto e, dirigindo-se ao nosso orientador, falou algo aflita:

Irmo Clarncio, uma de nossas pupilas do quadro de reencarnaes sob suas diretrizes pede socorro com insistncia...

um apelo individual urgente? indagou o Ministro, preocupado.

assunto inquietante, mas numa prece refratada.

Oprestimoso instrutor convidou-nos a acompanh-lo e seguimo-lo, atentamente.

2 - No cenrio terrestreNuma sala ampla, em que numerosas entidades trabalhavam solcitas, Clarncio recebeu da jovem um pequeno grfico que passou a examinar, cauteloso.

Em seguida, comentou, espontneo:

Ainda agora, falvamos de responsabilidade. Eis um fato que nos ilustra os conceitos.

E, exibindo o documento que trazia nas mos, explicou:

Temos aqui uma orao comovedora que superou as linhas vibratrias comuns do plano de matria mais densa. Parte de uma devotada servidora que se ausentou de nossa cidade espiritual, h precisamente quinze anos terrestres, para determinadas tarefas na reencarnao. No seguiu, porm, desassistida. Permanece sob nossa orientao, O nascimento e o renascimento, no mundo, sob o ponto de vista fsico, jazem confiados a leis biolgicas de cuja execuo se incumbem Inteligncias especializadas, contudo, em suas caractersticas morais, subordinam-se a certos ascendentes do esprito.

OMinistro deteve-se alguns instantes, analisando a pequenina e complicada ficha, todavia, como se provocasse a continuidade da lio que recebamos, meu companheiro considerou:

Mas, indiscutivelmente, na reencarnao h um programa de servio a realizar...

Sim, sem dvida aclarou o instrutor , quanto mais vastos os recursos espirituais de quem retorna carne, mais complexo o mapa de trabalho a ser obedecido. Quase todos temos do pretrito expressivo montante de dbito a resgatar e todos somos desafiados pelas aquisies a fazer. Nisso est o programa, significando em si uma espcie de fatalidade relativa no ciclo de experincias que nos cabe atender; entretanto, a conduta sempre nossa e, dentro dela, podemos gerar circunstncias em nosso benefcio ou em nosso desfavor. Reconhecemos, assim, que o livre arbtrio, tambm relativo, uma realidade inconteste em todas as esferas de evoluo da conscincia. No podemos olvidar, contudo, que, em todos os planos, marchamos em verdadeira interdependncia. Nas linhas da experincia fsica, at certo ponto, os filhos precisam dos pais, os doentes necessitam dos mdicos e os moos no prescindem do aviso dos mais velhos. Aqui, a habilitao depende dos educadores, o amparo eficiente exige quem saiba distribu-lo, e a transferncia de domiclio para trabalho enobrecedor, quando se trata de Espritos sem mritos absolutos, reclama o endosso de autoridades competentes.

Mas, que vem a ser uma orao refratada? indagou o meu colega, mordido de curiosidade. Hilrio fora igualmente mdico no mundo e,

tanto quanto eu, permanecia em tarefas ligadas responsabilidade de Clarncio, adquirindo conhecimentos especializados.

A prece refratada aquela cujo impulso luminoso teve a sua direo desviada, passando a outro objetivo.

Inclinvamo-nos a desfechar novas perguntas, no entanto, o orientador sossegou-nos, esclarecendo:

Esperem. Reconhecero comigo que nos achamos todos imanados uns aos outros.

Em seguida, falou para a jovem que o observava, respeitosa:

Chame a irm Eullia.

Alguns momentos passaram, rpidos, e a cooperadora mencionada apareceu irradiando bondade e simpatia.

Irm disse Clarncio, preciso , este grfico registra aflitivo apelo de Evelina, cuja volta ao aprendizado na carne foi garantida por nossa organizao. Parece-me estar a pobrezinha em extremas dificuldades...

Sim concordou a interpelada , Evelina, apesar da fragilidade do novo corpo, vem sustentando imensa luta moral. O pai, sobrecarregado de questes ntimas, tem a sade periclitante e a madrasta vem sofrendo obstinada perseguio, por parte de nossa desventurada Odila.

A genitora de Evelina?

Sim, ela mesma. Ainda no se resignou a perder a primazia feminina no lar. H dois anos empenho energia e boa vontade por dissuadi-la. Vive, porm, enovelada nos laos escuros do cime e no nos ouve, O egosmo desbordante f-la esquecida dos compromissos que abraou.

Zulmira, por sua vez, a segunda esposa de Amaro, desde a morte do pequenino Jlio caiu em profundo abatimento. Como no ignoramos, o pequeno desencarnou afogado, consoante as provas de que se fz devedor. A madrasta, contudo, que chegou a desejar-lhe o desaparecimento por no am-lo, encontrando-se sob as sugestes da mulher que a precedeu nas atenes do marido, cr-se culpada... Evelina, depois de perder o maninho em trgicas circunstncias, acha-se desorientada, entre o genitor aflito e a segunda me, em desespero... Ainda anteontem, pude v-la. Chorava, comovedoramente, diante da fotografia da mezinha desencarnada, suplicando-lhe proteo. Odila, porm, envolvida nas teias das prprias criaes mentais, no se mostra capaz de corresponder confiana e ternura da menina. Ela, entretanto, tem insistido com tal vigor na obteno de socorro espiritual que as suas rogativas, quebrando a direo, chegam at aqui, de tal modo...

Reparvamos o pequeno grfico em Silncio.

Sustando a pausa longa, o Ministro fixou Hilrio e indagou:

Compreendem agora o que seja uma orao refratada? Evelina recorre ao esprito materno que no se encontra em condies de escut-la, mas a solicitao no se perde... Desferida em elevada frequncia, a splica de nossa irmzinha vara os crculos inferiores e procura o apoio que lhe no faltar.

Passeando em ns o olhar muito lcido, concluiu:

Desejariam cooperar conosco na tarefa assistencial?

Sem dvida, o caso fascinava-nos a ateno.

O orientador, no entanto, recomendou esperssemos dois dias. Desejava inteirar-se, a ss, de todas as ocorrncias, para instruir-nos com segurana, quando estivssemos a usufruir-lhe a companhia.

Nossa excurso, todavia, foi marcada e, no momento preciso, achvamo-nos a postos.

Sem delonga na viagem, Clarncio, Eullia, Hilrio e eu encontramo-nos em residncia modesta, mas confortvel, num dos bairros do Rio de Janeiro.

O relgio citadino acusava exatamente vinte e uma horas.

Entrmos.

Em estreito compartimento, guisa de gabinete de trabalho e biblioteca, um homem de trinta e cinco anos presumveis lia, com visveis sinais de preocupao, um manual de mecnica.

Na secretria singela, desdobravam-se publicaes diversas, denunciando-lhe os estudos.

Clarncio, assumindo com mais propriedade o papel de mentor do nosso grupo, informou, gentil:

Este Amaro, o chefe da casa. Tem, no longo pretrito, complicados compromissos. Em muitas ocasies, usou projetis e lminas de ferro para o mal. Hoje, servidor categorizado numa ferrovia...

Em seguida, passmos a gracioso quarto prximo.

Encantadora adolescente de catorze anos bordava iniciais num leno de linho.

Magra e triste, parecia concentrar a mente nos olhos grandes e serenos. No nos assinalou a presena, mas, ao contacto das mos espirituais do Ministro, revelou indefinvel contentamento interior.

Instintivamente, desviou o olhar do pano alvo e fixou-o num retrato de mulher que pendia da

parede. Sorriu, enlevada, qual se conversasse com a imagem, enquanto Clarncio nos dizia:

Esta a nossa Evelina, cuja reencarnao foi por ns organizada, faz alguns anos. A fotografia uma lembrana da mezinha que j partiu. Evelina est ligada aos pais, atravs de imenso amor, desde sculos remotos. Veio ao encontro de criaturas e situaes das quais necessita para a garantia da prpria ascenso, mas trouxe tambm consigo a tarefa de auxiliar os progenitores. No momento, acredita-se amparada pela mezinha, entretanto, pelos mritos j acumulados na vida espiritual, ela mesma quem continua socorrendo o corao materno, ainda em luta...

Abracei, comovido, a mocinha exttica, que se guardava em luminoso halo de tranquilidade e, por alguns instantes, meditei na grandeza do amor e na sublimidade da orao.

3 - ObsessoPenetrmos o mais espaoso aposento da casa, onde uma senhora de aspecto juvenil repousava abatida e insone.

Moa de vinte e cinco anos, aproximadamente, mostrava no semblante torturado harmoniosa beleza. O rosto delicado parecia haver saido de uma tela preciosa, todavia, com a suavidade das linhas fisionmicas contrastavam a inquietao e o pavor dos olhos escuros e o abandono dos cabelos em desalinho.

Ao lado dela, descansava outra mulher, sem o veculo fsico.

Recostada num travesseiro de grandes dimenses, dava a idia de proteger a moa indiscutivelmente enferma, contudo, a vaguido do olhar e o halo obscuro de que se cercava, no nos deixavam dvida quanto sua posio de desequilbrio interior. Conservava a destra sobre a medula alongada da senhora vencida e doente, como se quisesse controlar-lhe as impresses nervosas, e fios cinzentos que lhe fluam da cabea, maneira de tentculos dum polvo, envolviam-lhe o centro coronrio, obliterando-lhe os ncleos de fora.

Indiferentes ambas nossa presena, foi possvel observ-las atentamente, identificando-se-lhes a posio de verdugo e de vtima.

Arrancando-nos da indagao silenciosa em que nos demorvamos, Clarncio explicou:

A jovem senhora Zulmira, a segunda orientadora deste lar, e a irm desencarnada que presentemente lhe vampiriza o corpo Odila, a primeira esposa de Amaro e mezinha de Evelina, dolorosamente transfigurada pelo cime a que se recolheu. Empenhada em combater aquela que considera inimiga, imanta-se a ela, atravs do veculo perispirtico, na regio cerebral, dominando a complicada rede de estmulos nervosos e influenciando os centros metablicos, com o que lhe altera profundamente a paisagem orgnica.

Mas, porque no h reao por parte da perseguida? inquiri, perplexo.

Porque Zulmira, a nossa amiga encarnada, caiu no mesmo padro vibratrio aclarou o instrutor. Ela tambm se devotou ao marido com egosmo aviltante. Amaro sempre foi pai afetuosssimo. O matrimnio anterior deixou-lhe um casal de filhinhos, mas o pequeno Jlio, formosa criana de oito anos, perdeu a existncia no mar. A segunda mulher nunca suportou, sem mgoa, o carinho do genitor para com os rfos de me. Revoltava-se, choramingava e doa-se constantemente, diante das menores manifestaes de ternura paternal, entrelaando-se, por isso mesmo, com as desvairadas energias da irresignada companheira de Amaro, arrebatada pela morte. Em suas preocupaes doentias, Zulmira chegou a desejar a morte de uma das crianas.

Pretendia possuir o corao do homem amado, com absoluto exclusivismo. E porque as atenes de Amaro se concentravam particularmente sobre o menino, muitas vezes emitiu silenciosamente o anseio de v-lo afogar-se na praia em que se banhavam. Certa manh, custodiando os enteados, separou Evelina do irmo, permitindo ao petiz mais ampla incurso nas guas. O objetivo foi atingido. Uma onda rpida surpreendeu o mido banhista, arrojando-o ao fundo. Incapaz de reequilibrar-se. Jlio voltou cadaverizado superfcie. O sofrimento familiar foi enorme. O ferrovirio sentiu-se psiquicamente distanciado da segunda esposa, ClaSsificando-a como relaxada e cruel com os filhinhos. Zulmira, a seu turno, acabrunhada com o acontecimento e guardando consigo a responsabilidade indireta pelo desastre havido, caiu obsidiada ante a influncia perniciosa da rival que a Subjugava do plano invisvel.

Clarncio fz ligeiro intervalo e continuou:

O sentimento de culpa sempre um colapso da Conscincia e, atravs dele, sombrias foras se insinuam... Zulmira, pelo remorso destrutivo, tombou no mesmo nvel emocional de Odila e ambas se digladam num conflito de morte, inacessvel aos Olhos humanos comuns. um caso em que a medicina terrestre no consegue interferncia.

Calara-se o Ministro.

Qual se nos registrasse a presena por intuio, Odila movimentou-se e, agarrando-se pobre senhora com mais fora, gritou:

Ningum a libertar! Sou infeliz me espoliada... Farei Justia por minhas prprias mos...

E contemplando a enferma com expresso terrvel, acrescentava:

Assassina! Assassina!... Mataste meu filhinho! Morrers tambm!...

A doente abriu desmesuradamente os olhos.

Extrema palidez cobriu-lhe a face.

No ouvia as palavras da adversria que lhe era Invisvel, mas, envolta na onda magntica que a enlaava, sentia-se morrer.

Clarncio afagou-lhe a fronte e disse, calmo:

Pobre moa!...

Hilrio e eu, instintivamente abeiramo-nos de Odila para afast-la com a presteza Possvel, mas o instrutor generoso deteve-nos com um gesto, advertindo:

A violncia no ajuda. As duas se encontram ligadas uma a outra. Separ-las fora seria a dilacerao de consequncias imprevisveis. A exasperao da mulher desencarnada pesaria demasiado sobre os centros cerebrais de Zulmira e a lipotimia poderia acarretar a paralisia ou mesmo a morte do corpo.

Mas, ento clamou Hilrio, contrafeito , como extinguir essa unio indbita? No ser justo afastar o algoz da vtima?

Clarncio sorriu e ponderou:

Aqui, o quadro diverso. Na esfera carnal, a cpsula fsica precioso isolante das energias desequilibradas de nossa mente, entretanto, em nosso plano de ao, no problema que observamos, essas foras desbordam ameaadoras sobre a infortunada mulher, cujo corpo pode ser comparado a uma lmpada de fraca receptividade, sobre a qual seria perigoso arremessar uma corrente superior capacidade de resistncia a que se enquadra. A inutilizao seria completa.

Que poderamos fazer? indagou Hilrio, desapontado.

Precisamos atuar na elaborao dos pensamentos da infortunada irm que tomou a iniciativa da perseguio. imprescindvel dar outro rumo vontade dela, deslocando-lhe o centro mental e conferindo-lhe outros interesses e diferentes aspiraes.

E no podemos comear, exortando-a?

OMinistro, sereno, obtemperou sem alterar-se:

Talvez, assim de momento, no pudssemos ou no soubssemos. A preparao indispensvel.

Nada custa uma conversao de censura... alegou meu companheiro, admirado.

Sim, uma doutrinao pura e simples seria cabvel, contudo, no podemos esquecer que a organizao cerebral da vtima permanece excessivamente martelada. Nossa interveno no campo espiritual de Odila deve ser envolvente e segura para evitar choques e contrachoques, que repercutiriam desastrosamente sobre a outra. Nem doura prejudicial, nem energia contundente...

O instrutor dirigiu piedoso olhar s duas mulheres e prosseguiu:

A questo nesta casa surge realmente melindrosa. necessrio buscar algum que j tenha amealhado na alma bastante amor e bastante entendimento para conversar com o poder criador da renovao.

Refletiu alguns instantes e aduziu:

Contamos em nossas relaes com a irm Clara. Rogaremos o concurso dela. Modificar Odila com o seu verbo coroado de luz, inclinando-a ao servio da converso prpria. Por agora, de nossa parte, somente nos possvel a dispensao de algum alvio e nada mais.

Recomendou a Eullia assistisse Evelina para o refazimento psquico de que a menina necessitava e, em seguida, aplicou recursos magnticos sobre Zulmira, em passes calmantes, de longo curso.

Qual se fosse brandamente anestesiada, a enferma passou da irritao serenidade e pareceu dormir aos olhos do esposo que chegara, de mansinho, acomodando-lhe os travesseiros.

4 - Senda de provasZulmira ausentara-se do corpo, mas no desfrutava a paz que se lhe estampara na mscara fsica.

Enlaada por Odila, a cujo olhar dominador se inclinava, submissa, no nos identificou a presena.

Com evidentes sinais de terror, ouvia as objurgatrias da rival que a acusava, exclamando:

- Que fizeste de meu filhinho? Assassina! assassina! Pagars muito caro a intromisso no lar que somente meu!... Destroarei tua vida, no me furtars o afeto de Amaro... Armarei o corao de Evelina contra ti!...

No, no!... respondia a vtima. No matei! no fui eu quem matou!...

Hipcrita! acompanhei os teus pensamentos, teus desejos, teus votos..

Zulmira desembaraou-se, de inopino, dos braos que a envolviam e correu para fora, seguida pela outra.

Esclarecendo-nos, bondoso, Clarncio observou:

Quando a pobrezinha consegue sossegar o corpo, cai no pesadelo agitado.

Acompanhemo-las. Dirigem-se praia, onde ocorreu a morte do pequenino. Premida pelo assdio de nossa irm desequilibrada, Zulmira ainda no se libertou das aflitivas reminiscncias de que se v possuda.

Pusemo-nos na direo do mar, antecipando-as no trajeto.

E, enquanto nos afastvamos, a conversao fz-se ativa.

No posso compreender porque a infeliz se declarou inocente... comentou Hilrio, pensativo.

Porque tamanha provao se no ela a autora do crime? inquiri por minha vez.

OMinistro, porm, informou, preciso:

Segundo as anotaes que j recolhemos da irm Eullia, Zulmira no propriamente a autora, mas, com loucas ciumadas do marido, desejou ardentemente a morte da criana, chegando mesmo a favorec-la. Para no repetirmos esclarecimentos aos quais j nos reportmos, faremos ligeiro retrospecto, to minudenciado quanto possvel, examinando o problema aflitivo do casal.

Depois de breve pausa, prosseguiu:

Amaro experimentava imensa devoo afetiva pelo filhinho. Quando Jlio adoecia, desvelava-se cabeceira do petiz com ilimitada ternura. Sabendo-o sem o carinho materno e reconhecendo que a madrasta no primava pelo amor, junto dos enteados, passava a dormir ao lado do caula, rodeando-o de mimos. Quando tornava a casa, cada dia, confiava-se a longas conversaes com o filho, lendo-lhe histrias ou escutando-lhe, atencioso, as narrativas infantis.

Assemelhavam-se a dois velhos amigos, a se bastarem um ao outro. Zulmira, em razo disso, ralada de despeito, passou a ver no menino um adversrio de sua felicidade domstica. A dedicao de Evelina para com o genitor no lhe doa tanto. A filha mais velha era mais doce e mais reservada. Comedida em suas manifestaes, sabia dividir gentilezas, sem olvidar a segunda me em seu culto de amizade. A madrasta nada sentia contra ela, mas o pequeno excitava-a. Jlio, no extremado apego ao genitor, costumava exagerar-se em traquinadas e caprichos que Amaro desculpava sempre, com benevolente sorriso. Zulmira, pouco a pouco, permitiu que o dio lhe ocupasse o corao e deixou que o cime a enceguecesse a ponto de suspirar pelo desaparecimento do alegre rapazinho. Despreocupava-se intencionalmente pela assistncia que lhe devia e abandonava-o s extravagncias, caractersticas de sua idade, alimentando o secreto anseio de presenciar-lhe o fim. Chegava mesmo a estimular-lhe indbitas incurses na via pblica, admitindo que algum veculo podia fazer o que no tinha coragem de realizar com as prprias mos... Foi nessa disposio de esprito que acompanhou a famlia ao banho matinal, em clara manh domingueira. Entregues ao contentamento da excurso, Amaro e a filhinha distanciaram-se, de algum modo, numa lancha pequena, enquanto Zulmira assumia a guarda do garoto. Foi ento que o crebro da moa deixou nascer escuras divagaes. No seria aquele o momento azado para consumar o velho propsito? E se relegasse o menino a si mesmo? Decerto, Jlio, em sua curiosidade infantil, no resistiria atrao para o seio das guas... Ningum poderia culp-la.

Passou do projeto ao e de pronto se afastou. Em se vendo a ss, o caula de Amaro interessou-se mais vivamente pelas conchas multicores a se multiplicarem na areia, perseguindo-as, encantado, pelo mar a dentro, at que uma onda veloz lhe chicoteou o corpo tenro, obrigando-o a mergulhar. A criana gritou, pedindo-lhe amparo... Realmente, poderia ter retrocedido alguns passos, salvando-a, mas vencida pelos sinistros pensamentos que lhe dominavam a cabea, esperou que o mar conclusse o horrvel trabalho que no tivera coragem de executar. Quando notou que o enteado havia desaparecido, comeou a clamar por socorro, de alma repentinamente dobrada pelo remorso, mas era tarde... Amaro acorreu, precpite, e, com o auxlio de companheiros, retirou para fora o corpinho inerte. Torturado, chorou amargosamente a perda do filhinho, recriminando a mulher. Foi ento que Zulmira, dominada pelo arrependimento e atormentada pela noo de culpa, desceu, em esprito, ao padro vibratrio de Odila que a seguia, em silncio, revoltada. Enquanto se mantinha com a paz de conscincia, defendia-se naturalmente contra a perseguio invisvel, como se morasse num castelo fortificado, mas, condenando a si mesma, resvalou em deplorvel perturbao, maneira de algum que desertasse de uma casa iluminada, embrenhando-se numa floresta de sombra.

OMinistro fz leve pausa de repouso e prosseguiu:

A pobre senhora, desde esse dia, perdeu a ventura domstica e a tranquilidade prpria. Ela e o marido respiram agora sob o mesmo teto, qual se fossem estranhos entre si.

Mas, frente da Lei, Zulmira culpada? perguntei com interesse.

Osbio mentor sorriu, significativamente, e considerou:

No, no sentido real da Lei, Zulmira no culpada.

Entretanto, deitando-nos um olhar mais expressivo que de costume, continuou:

Todavia, quem de ns no responsvel pelas idias que arroja de si mesmo? Nossas intenes so atenuantes ou agravantes das faltas que cometemos. Nossos desejos so foras mentais coagulantes, materializando-nos as aes que, no fundo, constituem o verdadeiro campo em que a nossa vida se movimenta. Os frutos falam pelas rvores que os produzem. Nossas obras, na esfera viva de nossa conscincia, so a expresso gritante de ns mesmos. A forma de nosso pensamento d feio ao nosso destino.

Hilrio e eu ouvamos, enlevados, sem pestanejar.

Clarncio, no entanto, guardando a intuio clara do servio imediato a fazer, para no delongar-se em digresses filosficas, retomou o fio central do assunto, esclarecendo:

Jlio trazia consigo a morte prematura no quadro de provaes. Era um suicida reencarnado... A segunda esposa de Amaro, porm, sofre o resultado das infelizes deliberaes que albergou no esprito. Padece o retorno das vibraes envenenadas que arremessou na direo do menino. Pelo cime, criou ao redor de si mesma um ambiente pestilencial, em que os seus prprios pensamentos malignos conseguiram prosperar, assim como um fruto apodrecido desenvolve em si mesmo os vermes que o devoram.

Supondo-se responsvel pela morte da criana, de vez que asilou o delituoso plano a que nos referimos, Zulmira abandonou-se ao mal que trazia consigo, imantando-se, ainda, ao mal de que a adversria portadora, e tornou-se, por isso, enferma e dementada.

E o pequeno, em toda a histria? inquiri, admirado.

Jlio foi conduzido regio que lhe prpria.

Mas, Odila no poderia v-lo, certificando-se de toda a verdade?

Infelizmente explicou o venerando instrutor , a infortunada criatura tem o centro gensico plenamente descontrolado e isso lhe impede a viso mais ampla. No consegue querer seno o marido, em vista do apego enlouquecedor aos vnculos do sexo, que a paixo nada faz seno desvirtuar. Odila possui admirveis qualidades morais que jazem, por enquanto, eclipsadas...

Desencarnou em largo vigor de seu idealismo feminino, sem uma f religiosa capaz de reeducar-lhe os impulsos, justificando-se, desse modo, a superexcitao em que se encontra.

Semelhante estado, contudo, transitrio e esperamos se submeta, de boa vontade, ao tratamento de reajuste que lhe ser dispensado, em breve. Melhorada a situao dela, creio que o problema ter imediata e construtiva soluo.

Ia perguntar algo de novo, mas atingramos a praia e Clarncio determinou nos pusssemos a observar.

5 - Valiosos apontamentos Alcanramos a orla do mar, em plena noite.

A movimentao da vida espiritual era a muito intensa.

Desencarnados de vrias procedncias reencontravam amigos que ainda se demoravam na Terra, momentneamente desligados do corpo pela anestesia do sono. Dentre esses, porm, salientava-se grande nmero de enfermos.

Ancies, mulheres e crianas, em muitos aspectos diferentes, compareciam ali, sustentados pelos braos de entidades numerosas que os assistiam.

Conversaes edificantes e lamentos doloridos chegavam at ns.

Servios magnticos de socorro urgente eram improvisados aqui e alm... E o ar, efetivamente, confrontado ao que respirvamos na rea da cidade, era muito diverso.

Brisas refrescantes sopravam de longe, carreando princpios regeneradores e insuflando em ns delicioso bem estar.

O oceano miraculoso reservatrio de foras elucidou Clarncio, de maneira expressiva ; at aqui, muitos companheiros de nosso plano trazem os irmos doentes, ainda ligados ao corpo da Terra, de modo a receberem refazimento e repouso. Enfermeiros e amigos desencarnados desvelam-se na reconstituio das energias de seus tutelados. Qual acontece na montanha arborizada, a atmosfera marinha permanece impregnada por infinitos recursos de vitalidade da Natureza. O oxignio sem mcula, casado s emanaes do planeta, Converte-se em precioso alimento de nossa organizao espiritual, principalmente quando ainda nos achamos direta ou indiretamente associados aos fluidos da matria mais densa.

Passvamos agora na vizinhana de uma dama extremamente abatida, quase em decbito dorsal frente das guas, recolhendo o auxlio magntico de um benfeitor que se iluminava no servio e na orao.

Clarncio deixou-nos por momentos, conversou algo com um amigo, a pequena distncia, e regressou, informando:

Trata-se de irm do nosso crculo pessoal, assediada pelo cncer. Foi retirada do veculo fsico, atravs da hipnose, a fim de obter a assistncia que lhe necessria.

Mas objetei, curioso esse tipo de tratamento pode sustar o desequilbrio das clulas orgnicas? a doente conseguir curar-se, de modo positivo?

OMinistro sorriu e aclarou:

Realmente, na obra assistencial dos espritos amigos, que interferem nos tecidos sutis da alma, possvel, quando a criatura se desprende parcialmente da carne, a realizao de maravilhas.

Atuando nos centros do perisprito, por vezes efetuamos alteraes profundas na sade dos pacientes, alteraes essas que se fixam no corpo somtico, de maneira gradativa. Grandes males so assim corrigidos, enormes renovaes so assim realizadas. Mormente quando encontramos o servio da prece na mente enriquecida pela f trans-formadora, facilitando-nos a interveno pela passividade construtiva do campo em que devemos operar, a tarefa de socorro concretiza verdadeiros milagres. O corpo fsico mantido pelo corpo espiritual a cujos moldes se ajusta e, desse modo, a influncia sobre o organismo sutil decisiva para o envoltrio de carne, em que a mente se manifesta.

Nesse ponto das explicaes, porm, o Ministro abanou a cabea e ajuntou:

Nossa ao, contudo, est subordinada lei que nos rege. No problema de nossa irm, o concurso de nosso plano conseguir to somente angariar-lhe reconforto. A molstia, em razo das provas que lhe assinalam o roteiro pessoal, atingiu insopitvel extenso.

Quer dizer que ela, agora, apenas se habilita morte calma? indagou Hilrio, atencioso.

Justamente confirmou o orientador. Com a cooperao em curso, despertar no corpo desfalecente mais serena e mais confortada. Repetindo as excurses at aqui, noite a noite, habituar-se-, com entendimento superior, idia da partida, transmitindo aos familiares resignao e coragem para o transe da separao; aprender a contribuir com o seu esforo, no sentido de aliviar-lhes as aflies pela humildade que edificar, dentro de si mesma... pouco a pouco; desligar-se- da carne enfermia, acentuando a luz interior da prpria conscincia, a fim de separar-se do ambiente que lhe caro, como quem encontra na morte fsica valiosa liberao para servio mais enobrecido. E, assim, em algumas semanas, mostrar-se- admirvelmente preparada ante o novo caminho...

Clarncio silenciara.

Oassunto requisitava-me a novas observaes.

Nesse caso comecei a falar, hesitante.

OMinistro, porm, sorriu compreensivo e atalhou, esclarecendo:

J sei a tua concluso. isso mesmo. A enfermidade longa uma bno desconhecida entre os homens, constitui precioso curso preparatrio da alma para a grande libertao. Sem a molstia dilatada, muito difcil o xito rpido no trabalho da morte.

Nesse instante, contudo, Zulmira e Odila chegavam praia, em stio no longe de ns.

Clarncio recomendou-nos ateno.

Rodeamo-las, prestamente, qual se fossem irmo enfermas, sob a nossa guarda.

Nem uma nem outra nos identificavam a presena. To pouco pareciam interessadas pelo movimento no logradouro.

A primeira esposa de Amaro centralizava o olhar sobre a presa, enquanto que a vtima revelava na expresso facial o intraduzvel terror dos que se abeiram do extremo desequilbrio.

Zulmira ensaiava o gesto de quem se propunha a regressar precipitadamente a casa, mas, contida pela companheira, avanava, entre a aflio e o pavor.

E, repetindo as mesmas acusaes que j ouvramos, Odila martelava o crebro da outra, reiterando, desapiedada:

Recorda o crime, infeliz! lembra-te da horrvel manh em que te fizeste assassina! onde colocaste meu filho? porque afogaste um inocente?

No, no! gritava a pobrezinha dementada no fui eu! juro que no fui eu! Jlio foi tragado pelas ondas...

E porque no velaste pela criana que meu marido levianamente confiou s tuas mos infiis? acaso, no te acusa a prpria conscincia? onde situas o senso de mulher? Pagar-me-s alto preo pelo relaxamento delituoso... No permitirei que Amaro te ame, alimentarei a antipatia dele contra ti, atormentarei as pessoas que te desejarem socorrer, destruirei a prpria casa de que te apossaste e me pertence!... Impostora! impostora!...

Sim, sim... concordava Zulmira, terrificada , no matei, mas no fiz o que me competia para salv-lo! Perdoa-me! perdoa-me! prometo empenhar-me no refazimento da paz de todos... Serei uma escrava de teu marido e restitui-lo-ei aos teus braos; converter-me-ei em serva de tua filhinha, cujos passos orientarei para o bem, mas, por piedade, deixa-me viver! Liberta-me! Compadece-te de mim!...

Nunca! nunca! bradava a interlocutora, friamente tua falta imperdovel. Mataste!

Deves confessar o delito perpetrado, frente da polcia!... Dobrar-te-ei a cerviz! Sers recolhida penitenciria, para que te mistures s delinqentes de tua laia!...

No! no! suplicava Zulmira, com sinais comoventes de angstia.

Se no aniquilaste meu filho bradava a outra, cruel , devolve-o aos meus braos!

Devolve-o! devolve-o!

Nesse momento, ambas se achavam frente de determinada nesga da praia.

Os olhos da pobre obsidiada adquiriram estranho fulgor.

Foi aqui! rugiu a perseguidora, rudemente aqui consumaste o sinistro plano de extino da nossa felicidade...

Qual se fora tangida de secretos impulsos, a segunda mulher de Amaro desprendeu-se dos braos que a constringiam e, penetrando as guas, clamava, aflita:

Jlio! Jlio!...

Odila, no entanto, perturbada e ensandecida, ps-se-lhe no encalo.

Sentindo-lhe a aproximao, Zulmira rodou sobre os calcanhares e disparou de volta ao lar.

Acompanhamos as duas, na competio a que se entregavam, sem perd-las de vista.

Varando a casa, incontinenti, dando a idia de que o corpo adormecido era poderoso magneto a atra-la, Zulmira despertou, alagada de suor, conservando no crebro de carne a impresso de que vagueara em terrvel pesadelo.

Tentou gritar, mas no conseguiu.

Faleciam-lhe as foras em colapso nervoso, insopitvel. A dispneia castigava-a com violncia, enquanto as coronrias se mostravam intumescidas.

Clarncio aproximou-se e aplicou-lhe fluidos salutares e repousantes.

Acalmou-se-lhe o corao, vagarosamente, o campo circulatrio tornou feio normal. Foi ento que a desventurada senhora conseguiu gemer, clamando por socorro.

6 - Num lar cristoPropnhamo-nos seguir o caso de Zulmira, no s para cooperar, a favor de suas melhoras, mas tambm para registrar os ensinamentos possveis, e, solicitando o concurso de Clarncio, dele ouvimos judiciosas ponderaes.

Sim disse , para auxiliar em processos dessa natureza, preciso marchar para a frente, mas, para compreender o servio que nos compete e avanar com segurana, necessrio voltar retaguarda, armando-nos de lies que nos esclaream.

No sabamos como interpretar-lhe a palavra, entretanto, ele mesmo nos socorreu, explicando, depois de ligeira pausa:

Para realizarmos um estudo geral da situao, convm o contacto Com outras personagens do drama que se desenrola. Ser-nos- interessante, para isso, uma visita ao pequeno Jlio, no domiclio espiritual em que estagia.

Oh! ser um prazer! clamei, contente.

Poderamos seguir agora? perguntou Hilrio, encantado.

OMinistro refletiu por segundos e observou:

Nas responsabilidades que esposamos, no aconselhvel indagar por indagar. Procuremos o objetivo, a utilidade e a colaborao no bem. No nos achamos em frias e sim em trabalho ativo.

Pensou, pensou... e aduziu:

Sei que amanh, noite, Eullia deve acompanhar duas de nossas irms encarnadas visitao dos filhinhos que as precederam na grande viagem da morte e que se encontram no mesmo stio em que Jlio se demora asilado. Poderemos substituir nossa cooperadora no servio a fazer. Seguiremos em lugar dela. Prestaremos assistncia s nossas amigas e examinaremos a situao da criana.

Anotando a preciosa lio de trabalho que aquelas expresses encerravam, aguardamos a noite prxima, com ansiedade real.

Na hora aprazada, descemos matria densa, em busca das irms que seguiriam conosco.

Deixou-nos o Ministro numa casinha singela de remota regio suburbana, depois de informar-nos:

Aqui reside nossa irm Antonina, com trs dos quatro filhos que o Senhor lhe confiou.

Incapaz de vencer as tentaes da prpria natureza, o marido abandonou-a, h quatro anos, para comprometer-se em delituosas aventuras. A dona da casa, porm, no desanimou. Trabalha com diligncia numa fbrica de tecidos e educa os rebentos do lar com acendrado amor ao Evangelho de Nosso Senhor Jesus. Tem sabido resgatar com valor as dvidas que trouxe do pretrito prximo. Perdeu, h meses, o pequeno Marcos, de oito anos, atacado de fulminante pneumonia, e com ele se encontrar, depois da prece que proferir com os pequeninos. Trarei comigo a outra companheira de nossa viagem. Quanto a vocs, auxiliem nas oraes e nos estudos de Antonina, at que eu volte, de modo a seguirmos todos juntos.

Hilrio e eu penetramos a sala desataviada e estreita.

Uma senhora ainda jovem, mas extremamente abatida, achava-se de p, junto de trs lindas crianas, dois rapazinhos entre onze e doze anos e uma loura pequerrucha, certamente a caula da famlia, que pousava na mezinha os belos olhos azuis.

Num recanto do compartimento humilde, triste velhinho desencarnado como que se colocava escuta.

Dona Antonina colocou sobre a toalha muito alva dois copos com gua pura, tomou um exemplar do Novo Testamento e sentou-se.

Logo aps, falou carinhosamente:

Se no me falha a memria, creio que a prece de hoje deve ser feita por Lisbela.

A pequenita levou as minsculas mos ao rosto, apoiou graciosamente os cotovelos sobre a mesa e, cerrando os olhos, recitou:

Pai Nosso que estais no Cu, santificado seja o vosso nome, venha a ns o vosso Reino, seja feita a vossa vontade assim na Terra como nos Cus, o po nosso de cada dia dai-nos hoje, perdoai as nossas dvidas, assim como perdoamos aos nossos devedores, no nos deixeis cair em tentao e livrai-nos de todo mal, porque vosso o Reino, o poder e a glria para sempre. Assim seja.

Lisbela abriu os olhos, de novo, e procurou silenciosamente a aprovao maternal.

Dona Antonna sorriu, satisfeita, e exclamou:

Voc orou muito bem, minha filha.

E dividindo agora a ateno com os dois meninos, entregou o Evangelho a um deles, convidando:

Abra, Henrique. Vejamos a mensagem crist para os nossos estudos da noite.

O rapazinho escolheu o texto, ao acaso, restituindo o livro s mos maternais.

A genitora, emocionada, leu os versculos 21 e 22 do captulo 18 das anotaes do apstolo Mateus:

Ento Pedro, aproximando-se dele, disse:

Senhor, at quantas vezes pecar meu irmo contra mim e eu lhe perdoarei? At sete? Jesus lhe disse: No te digo que at sete, mas at setenta vezes sete.

Calou-se dona Antonina, como quem aguardava a manifestao de curiosidade dos jovens aprendizes.

Opequeno Henrique, iniciando a conversao, perguntou, com simplicidade:

Mezinha, porque Jesus recomendava um perdo, assim to grande?

Demonstrando vasto treinamento evanglico, a senhora replicou:

Somos levados a crer, meus filhos, que o Divino Mestre, em nos ensinando a desculpar todas as faltas do prximo, inclinava-nos ao melhor processo de viver em paz. Quem no sabe desvencilhar-se dos dissabores da vida, no pode separar-se do mal. Uma pessoa que esteja parada em lembranas desagradveis caminha sempre com a irritao permanente. Imaginemos vocs na escola. Se no conseguirem esquecer os pequeninos aborrecimentos nos estudos, no podero aproveitar as lies. Hoje um colega menos amigo a preparar lamentvel brincadeira, amanh uma incorreo do guarda enfadado em razo de algum equvoco. Se vocs imobilizarem o pensamento na impacincia ou na revolta, podero fazer coisa pior, afligindo a professora, desmoralizando a escola e prejudicando o prprio nome e a sade. Uma pessoa que no sabe desculpar vive comumente isolada. Ningum estima a companhia daqueles que somente derramam de si mesmos o vinagre da queixa ou da censura.

Nessa altura do ensinamento, dona Antonina fitou o primognito e perguntou:

Voc, Haroldo, quando tem sede preferiria beber a gua escura de um cntaro recheado de lodo?

Ah! isso no replicou o mocinho muito srio , escolherei gua pura, cristalina...

Assim somos tambm, em se tratando de nossas necessidades espirituais. A alma que no perdoa, retendo o mal consigo, assemelha-se ao vaso cheio de lama e fel. No corao que possa reconfortar o nosso. No algum capaz de ajudar-nos a vencer nas dificuldades da vida.

Se apresentamos nossa mgoa a um companheiro dessa espcie, quase sempre nossa mgoa fica maior. Por isso mesmo, Jesus aconselhava-nos a perdoar infinitamente, para que o amor, em nosso esprito, seja como o Sol brilhando em casa limpa.

Expressivo intervalo fz-se notar.

Ojovem Haroldo, de semblante apoquentado, interferiu, indagando:

Mas a senhora cr, mezinha, que devemos perdoar sempre?

Como no, meu filho?

Ainda mesmo quando a ofensa seja a pior de todas?

Ainda assim

E, observando-o, inquieta, dona Antonina acentuou:

Porque tratas deste assunto com tamanha preocupao?

Refiro-me ao papai disse o menino algo triste , papai abandonou-nos quando mais precisvamos dele. Seria justo esquecer o mal que nos fz?

Oh! meu filho! comentou a nobre mulher no te detenhas nesse problema. Porque alimentar rancor contra o homem que te deu a vida? como conden-lo se no sabemos tudo o que lhe aconteceu? Seria realmente melhor para o nosso bem estar se ele estivesse conosco, mas, se devemos suportar a ausncia dele, que os nossos melhores pensamentos o acompanhem. Teu pai, meu filho, com a permisso do Cu, deu-te o corpo em que aprendes a servir a Deus. Por esse motivo, credor de teu maior carinho. H servios que no podemos pagar seno com amor.

Nossa dvida para com os pais dessa natureza...

Recordando talvez que a famlia se achava num curso de formao crist, a dona da casa acrescentou:

Um dia, quando Moiss, o grande profeta, foi ao monte receber a revelao divina, uma das mais importantes determinaes por ele ouvidas do Cu foi aquela em que a Eterna Bondade nos recomenda: Honrars teu pai e tua me. A Lei enviada ao mundo no estabelece que devamos analisar a espcie de nossos pais, mas sim que nos cabe a obrigao de honr-los com o nosso amoroso respeito, sejam eles quais forem.

A reduzida assemblia recolhia as explicaes, de olhos felizes e iluminados.

Haroldo mostrou-se conformado, todavia, ainda ponderou:

Compreendo, mezinha, o que a senhora quer dizer. Entretanto, se papai estivesse junto de ns, talvez que Marcos no tivesse morrido. Teramos o dinheiro suficiente para trat-lo.

Dona Antonina enxugou, apressada, as lgrimas que lhe caram, espontneas, ante a evocao do filhinho, e continuou:

Seria um erro permitir a queda de nossa confiana no Pai Celestial. Marcos partiu ao encontro de Jesus, porque Jesus o chamava. Nada lhe faltou. Rogo a vocs no darmos curso a qualquer idia triste, em torno da memria do anjo que nos precedeu. Nossos pensamentos acompanham no Alm aqueles que amamos.

Nesse ponto da conversao, Lisbela inquiriu, graciosa:

Mezinha, Marcos nos v?

Sim, minha filha esclareceu dona Antonina, emocionada , ele nos ajuda em esprito, pedindo a Jesus foras e bnos para ns. Por nossa vez, devemos auxili-lo com as nossas preces e com as nossas melhores recordaes.

Dona Antonina, porm, pareceu asfixiada por enormes saudades. Enquanto os meninos comentavam com interesse os ensinamentos da noite, demorava-se absorta, mentalizando a imagem do pequenino...

Quando o relgio assinalou o fim do culto, solcitou a Henrique fizesse a orao de encerramento.

O petiz repetiu a prece dominical, rogando ao Senhor abenoasse a mezinha, e o trabalho terminou.

A dona da casa repartiu com os pequenos alguns clices da gua cristalina que Hilrio e eu magnetizramos e, logo aps, pensativa e saudosa, retirou-se com os filhinhos para a cmara em que se recolheriam todos juntos.

7 - Conscincia em desequilbrioConsoante as recomendaes que havamos recebido, aguardmos dona Antonina, no estreito recinto em que se processara o culto familiar.

Agora, conseguamos reparar o ancio desencarnado com mais ateno. Conservando integrais remanescentes da vida fsica, abatido e trmulo, parecia inquieto, dementado...

Tentmos debalde uma aproximao.

No nos via.

Lembrei ao meu companheiro que poderamos densificar o nosso veculo, pela concentrao da vontade, e apressmo-nos na providncia.

Em momentos breves, fornecendo a impresso de recm-chegados, atramos-lhe o interesse.

O velhinho precipitou-se para ns, exclamando:

So oficiais ou praas? Esto pr ou contra?

Aquele olhar esgazeado era efetivamente o de um louco.

Hilrio e eu trocmos impresses de curiosidade e espanto.

E antes que nos pronuncissemos, comeou a chorar, convulsivamente, acentuando:

Quem trouxe aqui a idia de perdoar? em que ponto me situaria na questo? devo perdoar ou ser perdoado? No entendo a necessidade de discusso em torno de um assunto como esse entre fraca mulher e trs crianas... Comentrios dessa natureza devem ser reservados para pessoas aflitas como eu, que trazem um vulco no centro do crnio...

Assim dizendo, alteraram-se-lhe as feies fisionmicas.

Afigurou-se-nos mais distante da realidade, mais inconsciente.

Gritando quase, continuou:

Tudo teria sido modificado se me houvessem facultado o encontro com o novo Generalssimo... Sua Alteza compreender-me-ia a situao. Era propsito do Marechal requisitar-me para seu servio exclusivo, entretanto, por influncia do meu miservel perseguidor, sofri transferncia injusta...

Nosso inesperado amigo vasculhou com os olhos os recantos da sala, qual se temesse a presena de alguma testemunha invisvel, e prosseguiu:

Ouam, porm, o que lhes digo! Ele no somente pretendia afastar-me dos favores do Marechal doente, mas planejava furtar-me a mulher... Lola Ibarruri! como no haveria de quer-la com a paixo que me inspirou? Porque teria eu de seguir para Fecho dos Morros? O intento de me prejudicarem era evidente. Sem dvida, fui constrangido a sair, mas no fui alm de Tacuaral. O General Polidoro no me abandonaria... Devia regressar a Luque e regressei. .. O infame Esteves, contudo, agira sem descansar... Alm de assaltar-me os direitos de enfermeiro no Quartel General, desviara a ateno de Lola... A formosa Ibarruri no mais me pertencia. Entregara-se ao amigo desleal... Nossa pequena chcara de laranjeiras e nosso jardim estavam esquecidos... Quem disse que no me sacrifiquei na aquisio da encantadora casinha, por mim confiada prfida mulher?

Durante um ms longo e terrvel, suspirei pelo retorno aos carinhos dela... Quando tornei ao lar, naquela estrelada noite de maio, encontrei-a nos braos do traidor... Lola tentou desculpar-se, mas surpreendi-os juntos... Quis vingar-me, de imediato, espetando-o com meu punhal, todavia, as tropas deixariam a cidade, da a trs dias, e o meu inimigo, que se esgueirara na sombra, ante a minha aproximao deu-se pressa em viajar, a servio, no rumo de Itaugu... O dio passou a dominar-me, enceguecendo-me... Encontr-lo-ia em alguma parte, abra-lo-ia com a mesma cordialidade fingida com que me abraara pela primeira vez e arrancar-lhe-ia a vida... Assim fiz... Aparentei ignorar a realidade e busquei-o, sorrindo... e, sorrindo, envenenei-o... Creiam, contudo, que somente me abalancei a semelhante ato, porque ele era impudente, libertino, cruel... Assassinar-me-ia, se eu no tivesse o arrojo de liquid-lo...

Fz breve pausa e, em seguida, ajoelhando diante de ns, passou a clamar, de novo, em alta voz:

Oh!... para mim, estou certo de que pratiquei a justia, mas este homem realmente no me abandona! Lutei tanto!... Casei-me e organizei grande famlia!... Devotei-me religio, desfrutei os benefcios dos santos sacramentos e admiti que tudo estivesse amplamente solucionado, entretanto, depois de retirar-me do corpo fsico sob a imposio da velhice e da enfermidade, longe de encontrar o cu que parece cada vez mais distante de mim, reconheo que este homem continua a perseguir-me por dentro!... Faz muitos anos que me despedi dos ossos fatigados e perambulo, aflito e infeliz, carregando o inferno, dentro de mim!... A princpio, procurei o sepulcro, na esperana de soerguer meus restos e, escondendo-me neles, esquecer... esquecer... Compreendendo, porm, que meu desejo era de todo frustrado, fugi para sempre do lugar que me asila os despojos e devoro ruas e praas, buscando autoridades que me socorram...

Depois de passar as mos pelo rosto, enxugando as lgrimas, continuou:

senhores, por quem so!... ainda mesmo que o meu erro fosse to clamoroso assim, tanto tempo de convvio com este monstro a fitar-me, imperturbvel, no bastaria expiao que me compete ao resgate? Se eu confessasse o crime e me demorasse por menos tempo no crcere, no estaria redimido, diante dos tribunais?

Sentindo que algo nos caberia dizer guisa de consolo, afaguei-lhe a cabea branca e falei,

tentando ser gentil:

Acalme-se, meu irmo! quem de ns no ter desacertado no caminho da vida? sua dor no nica... Tambm ns trazemos o esprito pejado de aflitivas recordaes. As lgrimas de desesperao desajudam a alma...

Pelas citaes que ouvramos, percebi que o nosso interlocutor se reportava ao tempo da Guerra do Paraguai e, buscando penetrar o labirinto de suas palavras que estabeleciam ligao do passado com o presente, indaguei:

A que novo Generalssimo se refere?

Ah! ignoram?

E dando-nos a idia de quem vivia profundamente arraigado a particularidades do pretrito, aduziu:

Recordo-me com preciso... Sim, a proclamao dele era de 16 de abril... O Prncipe D. Gasto de Orlees era o novo comandante em chefe, mas muito me pesava o afastamento do Marechal...

Qual deles? perguntei, reavivando-lhe a memria.

O Marechal Guilherme Xavier de Souza. Era meu amigo, meu protetor... Doente, cansado, precisava de mim... contudo, afastaram-me dele... Esteves, o co infiel...

Nesse instante, porm, a voz extinguiu-se-lhe na garganta. Esbugalharam-se-lhe, os olhos e, como se estivesse atenazado no ntimo por foras terrveis, insondveis nossa observao, comeou a queixar-se, desesperado:

Ah! no posso continuar!... Ele, novamente ele, a crescer dentro de mim! Observa-me com asco e ainda lhe ouo as ltimas palavras no estertor da morte... No! No! bradava ele, agora, com evidentes sinais de angstia hei-de libertar-me! hei-de libertar-me! Tenho f!.

Comovidamente, acerquei-me do pobrezinho e considerei:

- Sim, meu amigo, a f representa o milagroso salva-vidas de todos os nufragos. Voc tem orado? tem pedido a Jesus amparo e assistncia?

Sim, sim..

- E ainda no lhe chegou qualquer sinal de socorro celeste?Oinfortunado centralizou em mim o olhar inquieto e informou:

H alguns dias, fui Igreja do Rosrio, recordando como sempre a visita que fiz at l, na vspera de minha partida para a guerra, e tanto rezei que tive a felicidade de ver o Marechal, que me apareceu, de sbito... Estava mais moo e incompreensivelmente refeito... Roguei-lhe proteo ao que me respondeu, informando que o meu caso seria tomado em apreo, que eu descansasse, pois ainda que os nossos erros sejam grandes, maior a compaixo de Deus que nunca nos desampara...

E, exibindo um gesto de profundo abatimento, acrescentou:

Mas, at agora, no tive o menor sinal de renovao do caminho...

Acariciei-lhe a nevada cabea e considerei, comovidamente:

Esteja convencido, porm, de que a bondade de Jesus no nos faltar.

Prometa ajudar-me! compadea-sedemim!

gritou o infeliz.

De corao, ntimamente tocado por semelhante apelo, hipotequei-lhe a deciso de colaborar em sua paz e soerguimento.

Quando o infortunado ancio procurava abraar-me, Clarncio chegou, guiando a outra pupila que nos acompanharia na excurso.

Simptica e humilde, aps cumprimentar-nos, manteve-se a distncia, O mentor, num timo, compreendeu o que se passava. Vimo-lo concentrar-se por momentos, densificando-se para auxiliar com mais presteza.

Saudado pelo velhinho, afagou-lhe a fronte e avisou-nos:

Permanece dementado. A mente dele fixou-se em recordaes que o obcecam.

Mais experiente que ns outros, guardou-o nos braos com paternal carinho, conquistando-lhe a confiana e inquiriu:

Que procura, meu irmo?

Venho suplicar o socorro de Antonina, minha neta. a nica pessoa que se lembra de mim com amor... Dentre os numerosos membros de minha famlia, s ela me oferece asilo na orao...

E, porque reiniciasse as referncias lamuriosas, o Ministro colocou a destra sobre a cabea de nosso interlocutor, como a sondar-lhe o ntimo em minuciosa perquirio e, em seguida, informou:

Temos aqui nosso irmo Leonardo Pires, desencarnado h cerca de vinte anos... Quando jovem, foi empregado do Marechal Guilherme Xavier de Souza e hoje conserva a mente detida num crime de envenenamento em que se envolveu, quando integrava as foras brasileiras acampadas em Piraju, no Paraguai. Podemos conhecer o delito, em suas particularidades, na tela das recordaes que o atormentam... um domingo de festa em campanha... 11 de julho de 1869... A missa celebrada em pleno campo por um frade capuchinho... O Conde dEu, com a luzida oficialidade do seu Quartel General, est presente... Nosso amigo, muito moo ainda, aparece no corpo da infantaria. No se mostra, porm, interessado nas graves advertncias do sacerdote, no ato religioso, nem no apelo ardente e patritico do Generalssimo, que pronuncia brilhante e inspirada alocuo para os convidados... Fita com impertinncia um companheiro recm-chegado de Itaugu, enfermeiro em servios especiais... E Jos Esteves, irrequieto brasileiro de olhos escuros e inteligentes, de garboso porte, com os seus trinta anos bem feitos...

Partilha com o nosso amigo o afeto de linda mulher desquitada, que abandonou o marido e um filho pelo prazer da aventura... Pires, o irmo que observamos, inconformado com os favores da criatura amada para com o patrcio que ele odeia, finge ignorar-lhe a situao e insinua-se maneiroso e gentil... Terminada a festa, convida Esteves para refeio mais ntima... E, juntos, comentam entusisticos as noitadas do Rio, ansiosos pelo retorno s sedues da retaguarda... Esteves entrosa-se com as impresses de Leonardo, confia nele e conversa, loquaz, at que o vingativo colega, na taverna improvisada, lhe oferece um copo de vinho com o veneno fatal... O companheiro bebe, experimenta estranhas vertigens e morre praguejando... O acontecimento recebido com admirao... Um mdico argentino chamado a opinar e verifica o envenenamento, contudo, as autoridades julgam o silncio mais acertado... As tropas deveriam seguir rumo a Paraguar e o caso encerrado sem maior investigao... Leonardo acompanha o Exrcito para a vanguarda e tenta esquecer o ocorrido... Convive ainda com a requestada mulher, por mais algum tempo, mas, de regresso terra natal, desinteressa-se dela e casa-se no Brasil, deixando vrios descendentes... Desencarna, valetudinrio; todavia, no leito de morte, reconhece que a lembrana do crime lhe castiga o mundo interior... Olvida quase todos os demais episdios da existncia para centralizar-se apenas nesse... Jos Esteves j reencarnou, demorando-se agora em outros setores de luta, mas Leonardo Pires vive com a imagem do assassinado que se revitaliza, cada dia, na memria dele, ao influxo das sugestes da prpria conscincia que se considera culpada... Como vemos, a Lei de causa e efeito a cumprir-se, natural...

Nesse instante, porm, Antonina, em seu veculo sutil, surgiu porta da cmara em que o seu corpo dormia, vindo ao nosso encontro.

8 - Deliciosa excursoOvelhinho desencarnado demonstrava absoluta indiferena, ante a descrio do nosso orientador, mas, como se a presena da nobre senhora lhe despertasse novo interesse, fitou-a, de olhos sbitamente iluminados, e bradou:

Antonina! Antonina!... Socorre-me. Tenho medo! muito medo!...

A interpelada, que fora do corpo denso se mostrava muito mais delicada e mais bela, fixou-o, triste, e inquiriu com amargurado semblante:

Vov, que fazes?

Oancio curvou-se e implorou:

Ajuda-me! Todos na famlia me esqueceram, com exceo de ti. No me abandones!... Ele, o meu ferrenho inimigo, me tortura por dentro. Assemelha-se a um demnio, morando em minha conscincia...

Tentava agora enla-la, aflito, mas Clarncio interferiu, indicando-nos:

Oua, amigo! Nossos irmos prometeram ampar-lo e, decerto, cumpriro a palavra. Nossa abnegada Antonina, no momento, precisa ausentar-se, em nossa companhia, por algumas horas.

E abraando-o, paternal, recomendou:

Voc pode igualmente auxili-la. Guarde-lhe a casa, enquanto os meninos repousam. Amanh, receber, por sua vez, o socorro de que necessita.

Ovelho sorriu conformado e aquietou-se.

Deixando-o a ss, na sala estreita, samos para a noite.

Entrelaando as mos e conservando nossas irms no circuito fechado de nossas foras, empreendemos a formosa romagem.

Quem na Terra poder imaginar as deliciosas sensaes da alma livre?

Viajando com a rapidez do pensamento, avanmos frente da sombra noturna, largando para trs o deslumbramento da aurora, em colorido e cantante dilculo...

Atingindo formosa paisagem, banhada de suave luz, em que um parque imponente e acolhedor se distendia, fixei o semblante de nossas companheiras, que se mostravam extticas e felizes.

Dona Antonina, amparando-se em Clarncio qual se fora uma filha apoiada nos braos paternos, inquiriu, maravilhada:

Porque no transformar esta excurso em transferncia definitiva? Pesa o corpo, maneira de insuportvel cruz de carne, quando conseguimos sentir a Terra, de longe...

verdade concordou a outra irm, que se sustentava em ns , porque no nos dado permanecer, olvidando os pesares e os dissabores do mundo?

Compreendemos ajuntou o Ministro, generoso , compreendemos quanta inquietao punge o esprito reencarnado, mormente quando desperto para a beleza da vida superior, entretanto, indispensvel saibamos louvar a oportunidade de servir, sem jamais desmerec-la.

Achamo-nos ainda distantes da redeno total e todos ns, com alternativas mais ou menos longas, devemos abraar a luta na carne, de modo a solver com dignidade nossos velhos compromissos. Somos viajores nos milnios incessantes. Ontem fomos auxiliados, hoje nos cabe auxiliar.

medida que avanvamos, ondas de perfume acentuavam-se, em torno de ns, revigorando-nos as energias e induzindo-nos a respirar a longos sorvos.

Flores de contextura delicada pendiam abundantemente de rvores vigorosas, embalsamando as leves viraes que sussurravam encantadoras melodias...

Como se trouxesse agora todo o busto engrinaldado de luz, Clarncio sorria, bondoso.

Emudecera-se-lhe a palavra.

Sentiamo-nos todos magnetizados e enternecidos ante a beleza do quadro que nos prendia a admirao.

Antonina, porm, como se estivesse irradiando insopitvel curiosidade, mesclada de alegria, voltou a exclamar:

Ah! se morrssemos hoje!... se a carne no nos pesasse mais!...

O Ministro, contudo, imprimindo mais grave entonao voz, mas sem perder a brandura que lhe era peculiar, considerou, de imediato:

Se hoje abandonassem o veculo de matria densa, quem diz que seriam felizes? Quem de ns obter a suprema ventura, sem a perfeita sublimao pessoal?

E, fitando Antonina com bondade misturada de compaixo, observou:

Agora, vocs visitaro filhinhos abenoados que a morte lhes arrebatou temporriamente ao convvio terrestre. Vocs se sentem como que num palcio dourado, em pleno paraso de amor, mas, e os filhinhos que ficam? Haver Cu sem a presena daqueles que amamos? Teremos paz sem alegria para os que moram em nosso corao? Imaginemos que as algemas do crcere fsico se partissem agora... O atormentado lar humano cresceria de vulto na saudade que as tomaria de assalto... A lembrana dos filhos aprisionados no Planeta acorrent-las-ia ao mundo carnal, maneira de forte raiz retendo a rvore no solo escuro. Os rogos e os gemidos, as lutas e as provas dos rebentos menos felizes da existncia lhes falariam ao esprito mais imperiosamente que os cnticos de bem-aventurana dos filhos afortunados e, naturalmente, desceriam do Cu para a Terra, preferindo a posio de angustiadas servas invisveis, trocando a resplendente glria da liberdade pelos dolorosos padecimentos da priso, de vez que a ventura maior de quem ama reside em dar de si mesmo, a favor das criaturas amadas...

As duas mulheres ouviram as sensatas ponderaes sem dizer palavra.

Finda a pausa ligeira, o instrutor continuou:

Somos devedores uns dos outros!... Laos mil nos jungem os coraes. Por enquanto, no h paraso perfeito para quem volta da Terra, tanto quanto no existe purgatrio integral para quem regressa ao humano sorvedouro! O amor a fora divina, alimentando-nos em todos os setores da vida e o nosso melhor patrimnio o trabalho com que nos compete ajudar-nos mutuamente.

Na paisagem banhada de luz, experimentei mais alta venerao pela Natureza, que, em todas as esferas, sempre um livro revelador da Eterna Sabedoria...

Nossas irms, tocadas por jbilo inexprimvel, afiguravam-se-me formosas madonas de sonho, repentinamente vivificadas, diante de ns.

pelo trabalho prosseguiu o orientador que nos despojamos, pouco a pouco, de nossas imperfeies. A Terra, em sua velha expresso fsica, no seno energia condensada em poca imemorial, agitada e transformada pelo trabalho incessante, e ns, as criaturas de Deus, nos mais diversos degraus da escada evolutiva, aprimoramos faculdades e crescemos em conhecimento e sublimao, atravs do servio... O verme, arrastando-se, trabalha em benefcio, do solo e de si mesmo; o vegetal, respirando e frutescendo, ajuda a atmosfera e auxilia-se. O animal, em luta perene, til gleba em que se desenvolve, adquirindo experincias que lhe so valiosas, e nossa alma, em constantes peregrinaes, atravs de formas variadas, conquista os valores indispensveis sublime ascenso... Somos filhos da eternidade, em movimentao para a glria da verdadeira vida e s pelo trabalho, ajustado Lei Divina, alcanaremos o real objetivo de nossa marcha!

Antonina, que parecia mais acordada que a sua companheira, para a contemplao do excelso quadro que nos circundava, perguntou, com enlevo:

- Porque no guardamos a viva recordao de nossas existncias anteriores? no seria bendita felicidade o reencontro consciente com aqueles que mais amamos?...

Sim, sim... confirmava Clarncio, enquanto nossa deliciosa excurso prosseguia, clere mas, na condio espiritual em que ainda nos situamos, no sabemos orientar os nossos desejos para o melhor. Nosso amor ainda insignificante migalha de luz, sepultada nas trevas do nosso egosmo, qual ouro que se acolhe no cho, em pores infinitesimais, no corpo gigantesco da escria. Assim como as fibras do crebro so as ltimas a se consolidarem no veculo fsico em que encarnamos na Terra, a memria perfeita o derradeiro altar que instalamos, em definitivo, no templo de nossa alma, que, no Planeta, ainda se encontra em fases iniciais de desenvolvimento. por isso que nossas recordaes so fragmentrias... Todavia, de existncia a existncia, de ascenso em ascenso, nossa memria gradativamente converte-se em viso imperecvel, a servio de nosso esprito imortal...

Mas se pudssemos reconhecer no mundo os nossos antigos afetos, se pudssemos rever os semblantes amigos de outras eras, identificando-os... aventurou Antonna, reverente.

Retomar o contacto com os melhores, seria recuperar igualmente os piores atalhou Clarncio, bondoso e, indiscutivelmente, no possuimos at agora o amor equilibrado e puro, que se consagra aos desgnios superiores, sem paixo. Ainda no sabemos querer sem desprezar, amparar sem desservir. Nossa afetividade, por enquanto, padece deplorveis inclinaes. Sem o esquecimento transitrio, no saberamos receber no corao o adversrio de ontem para regenerar-nos, regenerando-o. A Lei sbia. De qualquer modo, porm, no olvidemos que nosso esprito assinala todos os passos da jornada que lhe prpria, arquivando em si mesmo todos os lances da vida, para formar com eles o mapa do destino, de acordo com os princpios de causa e efeito que nos governam a estrada, mas somente mais tarde, quando o amor e a sabedoria sublimarem a qumica dos nossos pensamentos, que conquistaremos a soberana serenidade, capaz de abranger o pretrito em sua feio total...

OMinistro fz ligeiro intervalo, sorriu paternalmente para ns e rematou:

A Lei, contudo, invarivelmente a Lei. Viveremos em qualquer parte, com os resultados de nossas aes, assim como a rvore, em qualquer trato do solo, produzir conforme a espcie a que se subordina.

Ofirmamento parecia responder s sugestes da palestra admirvel.

Bandos de aves mansas pousavam na ramaria que brilhava no longe de ns.

OSol apresentava perceptveis raios diferentes, at agora desconhecidos apreciao comum na Terra, provocando indefinveis combinaes de cor e luz.

Por abenoada e colorida colmeia de amor, harmonioso casario surgiu ao nosso olhar.

Centenas de grrulas crianas brincavam entre fontes e flores de maravilhoso jardim.

9 - No Lar da BnoClarncio movimentou a destra, indicando-nos o quadro sublime a desdobrar-se sob a nossa vista.

Doce melodia que enorme conjunto de meninos acompanhava, cantando um hino delicado de exaltao do amor materno, vibrava no ar.

Aqui e ali, sob tufos de vegetao verde-clara, muitas senhoras sustentavam lindas crianas nos braos.

o Lar da Bno informou o instrutor, satisfeito. Nesta hora, muitas irms da Terra chegam em visita a filhinhos desencarnados. Temos aqui importante colnia educativa, misto de escola de mes e domiclio dos pequeninos que regressam da esfera carnal.

O Ministro, porm, interrompeu-se, de improviso.

Nossas companheiras pareciam agora tomadas de jubilosa aflio.

Vimo-las desgarrar, de inopino, qual se fossem atraidas por foras irresistveis, precipitando-se para os anjinhos que cantarolavam alegremente. Enquanto a que nos era menos conhecida enlaava louro petiz, com infinito contentamento a expressar-se em lgrimas, dona Antonina abraou um pequeno de formoso semblante, gritando, feliz:

Marcos! Marcos!...

Mezinha! Mezinha!... respondeu a criana, colando-se-lhe ao peito.

Clarncio fz sinal para as irms vigilantes, que se responsabilizavam pelos entretenimentos no parque, como a solicitar-lhes proteo e carinho para as nossas associads de excurso, e disse-nos, em seguida:

O pequeno Jlio no se encontra no grupo. Ainda sofre anormalidades que lhe no permitem o convvio com as crianas felizes. Acha-se no lar da irm Blandina. Rumemos para l.

Em poucos minutos, chegvamos diante de pequenino castelo muito alvo, em que se destacavam as ogivas azuis, coroadas de trepadeiras em flor.

Atravessamos extenso jardim, embalsamado de aroma.

Rosas opalinas, ignoradas na Terra, de mistura com outras flores, desabrochavam profusamente.

A irm Blandina recebeu-nos sorridente, apresentando-nos uma senhora simptica que lhe fora avozinha no mundo.

Mariana, nossa nova amiga, cumprimentou-nos, bondosa.

Findas as saudaes usuais, Clarncio tocou, direto, no assunto.

Desejvamos avistar o pequeno Jlio, que havia desencarnado por afogamento.

Blandina, que em plena juvenilidade trazia nos olhos os caractersticos de sublime madureza de esprito, respondeu gentilmente:

Ah! com muito prazer!

E, encaminhando-nos a iluminada pea, ornamentada de rseos enfeites, onde um menino repousava num leito muito branco, explicou, sem afetao:

Nosso Jlio, at hoje, ainda no se refez completamente. Ainda grita sob pesadelos inquietantes, como se estivesse a sofrer sob as guas. Chama pelo pai constantemente, apesar de parecer mais receptivo ao nosso carinho. Insiste pela volta a casa, todos os dias.

Acercamo-nos do bero largo em que descansava.

Omenino lanou-nos um olhar de atormentada desconfiana, mas, contido pela ternura da irm que o assistia, permaneceu mudo e impassvel.

Ainda no se mostrou em condies de partilhar os estudos com os outros? perguntou o Ministro, interessado.

No informou a interpelada, solcita , alis, os nossos benfeitores Augusto e Cornlio, que nos amparam frequentemente, so de parecer que ele no conseguir adquirir aqui qualquer melhora real, antes da reencarnao que o aguarda. Traz a mente desorganizada por longa indisciplina.

Bem humorada, acrescentou:

um paciente difcil. Felizmente, dispomos da cooperao de nossa devotada Mariana, que o adotou por filho espiritual, at que retorne ao lar terrestre. Foi preciso segreg-lo neste quarto, tamanha a gritaria a que se entrega por vezes.

Mas no tem recebido o tratamento magntico aconselhvel? indagou Clarncio, atencioso.

Diariamente recebe o auxlio necessrio esclareceu Blandina, com humildade , eu mesma sou a enfermeira. Passes e remdios no faltam.

E a irm conhece o caso em suas particularidades?

Sim, conheo. Eullia tem vindo at ns. Lastimo que a mezinha de nosso doente no esteja em condies de ampar-lo. Creio que o concurso dela poderia insuflar-lhe novas foras.

Entretanto, com exceo da irmzinha que se lembra dele nas oraes, ningum mais da famlia o ajuda.

Mezinha! Mezinha L.. clamou o pequeno, em voz rouca, erguendo-se e enlaando Blandina, plido e inquieto.

Que te incomoda, meu filho?

Di-me a garganta... lamentou-se o rapazinho.

A jovem benfeitora abraou-o, osculando-lhe os cabelos, e recomendou:

No te aflijas. Como que um moo de teu valor pode chorar, assim por nada? Imagina!

Temos trs mdicos em casa. E impossvel que a dor no fuja apressada.

Logo aps, sentou-o numa poltrona e solcitou a colaborao de Clarncio.

OMinistro, cuidadoso, pediu-lhe abrisse a boca e, surpreendidos, notmos que a fenda gltica, principalmente na regio das cartilagens aritenides, apresentava extensa chaga.

Oorientador aplicou-lhe recursos magnticos especiais e, em poucos instantes, Jlio voltou tranqilidade.

Ento? falou Blandina, amparando-o, afetuosa onde est agora a garganta dolorida?

E, visivelmente satisfeita, acrescentou:

J agradeceste ao nosso benfeitor, meu filho?

Omenino, hesitante, caminhou para o Ministro, beijou-lhe a destra com respeitoso carinho e balbuciou:

Muito agradecido.

Blandina ia dizer algo, mas Jlio correu para o seu regao, choramingando:

Mezinha, tenho sono...

A abnegada jovem acolheu-o, com ternura, reconduzindo-o ao repouso.

Quando tornou sala, Clarncio informou que doara ao enfermo energias anestesiantes.

Notara-o fatigado, resolvendo, por isso, induzi-lo ao descanso.

E, talvez porque nos percebesse o crebro esfogueado de indagaes, quanto quela minscula garganta ferida, depois da morte do corpo, o Ministro explicou:

pena. Jlio envolveu-se em compromissos graves. Desentendendo-se com alguns laos afetivos do caminho, no sculo passado, confiou-se a extrema revolta, aniquilando o veculo fsico que lhe fora emprestado por valiosa bno. Rendendo-se paixo, sorveu grande quantidade de corrosivo. Salvo, a tempo, sobreviveu intoxicao. mas perdeu a voz, em razo das lceras que se lhe abriram na fenda gltica. Ainda a, no se conformando com o auxlio dos colegas que o puseram fora de perigo, alimentou a idia de suicdio, sem recuar. Foi assim que, no obstante enfermo, burlou a vigilncia dos companheiros que o guardavam e arrojou-se a funda corrente de um rio, nela encontrando o afogamento que o separou do envoltrio carnal. Na vida espiritual, sofreu muito, carregando consigo as molstias que ele mesmo infligira prpria garganta e os pesadelos da asfixia, at que reencarnou, junto das almas com as quais se mantm associado para a regenerao do pretrito. Infelizmente, porm, encontra dificuldades naturais para recuperar-se.

Lutar muito, antes de incorporar-se a novo patrimnio fsico.

Registrvamos aqueles apontamentos com dolorosa admirao. Uma criana doente sempre um espetculo comovedor.

No nos atreviamos a manifestar nossos pensamentos de estranheza, todavia, o prestimoso amigo, assinalando-nos decerto as dvidas, acentuou:

H poucos instantes, comentvamos a sublimidade da Lei. Ningum pode trair-lhe os princpios. A Bondade Divina nos assiste, de mltiplas maneiras, amparando-nos o reajustamento, mas em todos os lugares viveremos jungidos s consequncias dos prprios atos, de vez que somos herdeiros de nossas prprias obras.

Oassunto constitua preciosa sugesto para interessantes estudos, mas, antes de enunciar qualquer pergunta, busquei aspirar, a longos haustos, as baforadas frescas de vento, que carreavam para o recinto vagas sucessivas de agradvel perfume.

10 - Preciosa conversao

Blandina, que parecia bastante versada nas questes da infncia, associando-se conversao que Clarncio desenvolvia, considerou, com interesse:

Efetivamente, a Lei invarivel, contudo, a criana desencarnada muitas vezes problema aflitivo. Quase sempre dispe de afeioados que a seguem, de perto, amparando-lhe o destino, entretanto tenho observado milhares de meninos que, pela natureza das provaes em que se envolveram, sofrem muitssimo, espera de oportunidades favorveis para a aquisio dos valores de que necessitam.

E sorrindo, bondosa, acrescentou:

O caso de Jlio no para mim dos mais dolorosos. Tenho visitado departamentos de reajuste em que se demoram irmos nossos, arrancados carne, violentamente, como frutos verdes da rvore em que se desenvolvem... Processos de mente enfermia que s abenoadas estaes regenerativas na carne conseguem curar...

Poderamos receber de sua experincia alguns exemplos objetivos? indagou Hilrio, curioso.

Ah! so muitos!... ponderou a nossa interlocutora, gentil temos para demonstrao mais prtica os absurdos da megalomania intelectual. H pessoas, na Terra, que no se acautelam contra os desvarios da inteligncia e fazem da astcia e da vaidade o clima em que respiram. Insistem na inrcia do corao, abominam o sentimento elevado que interpretam por pieguismo e transformam a cabea num laboratrio de perverso dos valores da vida. No cuidam seno dos prprios interesses, no amam seno a si mesmos. No percebem, contudo, que se ressecam interiormente e nem imaginam os resultados cruis da cerebrao para o mal.

Frequentemente, na luta mundana, avultam na condio de dominadores poderosos, com vastissimo potencial de influncia sobre amigos e adversrios, conhecidos e desconhecidos. Mas, esse xito ilusrio. Caem sob o guante da morte com grande alvio dos contemporneos e passam a receber-lhes as vibraes de repulsa. Semelhantes criaturas naturalmente so vtimas de si mesmas e sofrem os mais complicados desequilbrios mentais. Depois de perodos mais ou menos longos de purgao, aps a transio da morte, voltam carne, necessitados de silncio e solido para se desvencilharem dos envoltrios inferiores em que se enredaram, assim como a semente precisa do isolamento na cova escura para desintegrar os elementos pesados que a constringem, para novo desabrochar.

A moa esboou inteligente sorriso e continuou:

Imaginemos que a terra se recusasse a auxiliar as sementes que esperam reviver, O solo expuls-las-ia, e, em vez dos germens libertados para a vitria da plantao, teramos to somente pevides secas, em aflitiva inquietude, desorientando a lavoura. Em verdade, a maioria das mes constituda por sublime falange de almas nas mais belas experincias de amor e sacrifcio, carinho e renncia, dispostas a sofrer e a morrer pelo bem-estar dos rebentos que a Providncia Divina lhes confiou s mos ternas e devotadas, contudo, h mulheres cujo corao ainda se encontra em plena sombra. Mais fmeas que mes, jazem obcecadas pela idia do prazer e da posse e, despreocupando-se dos filhinhos, lhes favorecem a morte, O infanticdio inconsciente e indireto largamente praticado no mundo. E como o dbito reclama resgate, as delongas na soluo dos compromissos assumidos acarretam enormes padecimentos nas criaturas que se submetem aos choques biolgicos da reencarnao e vem prejudicadas as suas esperanas de quitao com a Lei.

Ante a pausa que se fizera natural, Inquiri:

Mas a Lei no traar princpios inamovveis? Pretender a irm dizer que uma criana pode desencarnar, fora do dia indicado para a sua libertao?

Sim, sem dvida atalhou o Ministro, que nos escutava , h um programa estruturado na Espiritualidade para as nossas tarefas humanas, entretanto, pertence-nos a conduo dos prprios impulsos dentro delas. Em regra geral, multides de criaturas cedo se afastam do veculo carnal, atendendo a servios de socorro e sublimao, mas, em numerosas circunstncias a negligncia e a irreflexo dos pais so responsveis pelo fracasso dos filhinhos.

Aqui explicou Blandina, delicada , recebemos muitas solicitaes de assistncia, a benefcio de pequeninos ameaados de frustrao. Temos irms que por nutrirem pensamentos infelizes envenenam o leite materno, comprometendo a estabilidade orgnica dos recm-natos vemos casais que, atravs de rixas incessantes, projetam raios magnticos de natureza mortal sobre os filhinhos tenros, arruinando-lhes a sade, e encontramos mulheres invigilantes que confiam o lar a pessoas ainda animalizadas, que, cata de satisfaes doentias, no se envergonham de ministrar hipnticos a entezinhos frgeis, que reclamam desvelado carinho... Em algumas ocasies, conseguimos restabelecer a harmonia, com a recuperao desejvel, no entanto, muitas vezes somos constrangidas a assistir ao malogro de nossos melhores propsitos.

Nesses casos... interferi, buscando maiores esclarecimentos.

Blandina, porm, percebendo-me a indagao ntima, adiantou:

Nesses casos, ainda e sempre, a Lei invarivel. As provas e tarefas sofrem dilao no tempo, mas sero cumpridas, afinal. Aquilo que no se realiza num sculo, pode efetuar-se em outro. Nossa boa vontade e nossa aplicao aos Desgnios Divinos podem abreviar qualquer espcie de servio. Quem persiste na direo do bem, mais cedo atinge a vitria.

E com o formoso sorriso que lhe bailava no semblante juvenil, acrescentou:

- No vale fugir s responsabilidades, porque o tempo inflexvel e porque o trabalho que nos compete no ser transferido a ningum.

Hilrio, que acompanhava a conversao com extremo interesse, considerou:

Antigamente, na Terra, conforme a teologia clssica, supnhamos que os inocentes, depois da morte, permaneciam recolhidos ao descanso do limbo, sem a glria do Cu e sem o tormento do inferno, e, nos ltimos tempos, com as novas concepes do Espiritualismo, acreditvamos que o menino desencarnado retomasse, de imediato, a sua personalidade de adulto...

Em muitas situaes, o que acontece esclareceu Blandina, afetuosa ; quando o Esprito j alcanou elevada classe evolutiva, assumindo o comando mental de si mesmo, adquire o poder de fcilmente desprender-se das imposies da forma, superando as dificuldades da desencarnao prematura. Conhecemos grandes almas que renasceram na Terra por brevssimo prazo, simplesmente com o objetivo de acordar coraes queridos para a aquisio de valores morais, recobrando, logo aps o servio levado a efeito, a respectiva apresentao que lhes era costumeira Contudo, para a grande maioria das crianas que desencarnam, o caminho no o mesmo. Almas ainda encarceradas no automatismo inconsciente, acham-se relativamente longe do auto-governo. Jazem conduzidas pela Natureza, maneira das Criancinhas no colo maternal. No sabem desatar os laos que as aprisionam aos rgidos princpios que orientam o mundo das formas e, por isso, exigem tempo para se renovarem no justo desenvolvimento. por esse motivo que no podemos prescindir dos perodos de recuperao para quem se afasta do veculo fsico, na fase infantil, de vez que, depois do conflito biolgico da reencarnao ou da desencarnao, para quantos se acham nos Primeiros degraus da conquista de poder mental, o tempo deve funcionar como elemento indispensvel de restaurao. E a variao desse tempo depender da aplicao pessoal do aprendiz aquisio de luz interior, atravs do prprio aperfeioamento moral.

Encantvamos as exposies claras e simples de nossa interlocutora, cuja palavra tangia com tanta felicidade graves problemas da vida.

Em suas frmulas verbais singelas e acessveis, penetrvamos inquietantes enigmas da puericultura.

Blandina sabia associar a compreenso e a graa, instruindo-nos com discernimento.

Comovido, diante das anotaes que lhe definiam a valiosa Posio cultural, Ponderei:

Usando semelhantes apontamentos, podemos entender com mais segurana, os processos dolorosos das enfermidades congnitas e das molstias insidiosas que assaltam a meninice no mundo. Sempre fui Possudo de aflitivo assombro, frente do mongolismo e da epilepsia, da encefalite letrgica e da meningite, da lepra e do cncer, na tenra organizao infantil.

E que dizer dos desastres irremediveis considerou Hilrio, com emoo , dos desastres que arrebatam adorveis flores do lar, deixando inconsolveis pais e mes? Por vezes numerosas, procurei resposta s terrveis inquiries que nos atormentam, perante corpinhos dilacerados, nos hospitais de sangue, sem conseguir ausentar-me do escuro labirinto.

Sim esclareceu a enfermeira, bondosa -, as reparaes nos martirizam na carne, mas, sem elas, no atingiramos o prprio reajustamento.

Cada qual de ns renasce na Terra apreciou o Ministro a exprimir na matria densa o patrimnio de bens ou males que incorporamos aos tecidos sutis da alma. A patogenia, na essncia, envolve estudos que remontam ao corpo espiritual, para que no seja um quadro de concluses falhas ou de todo irreais. Voltando Terra, atramos os acontecimentos agradveis ou desagradveis, segundo os ttulos de trabalho que j conquistmos ou conforme as nossas necessidades de redeno.

Bem humorado, acentuou:

A carne, de certo modo, em muitas circunstncias no apenas um vaso divino para o crescimento de nossas potencialidades, mas tambm uma espcie de carvo milagroso, absorvendo-nos os txicos e resduos de sombra que trazemos no corpo substancial.

Reparei, ento, com mais insistncia, a figura suave de Blandina. Porque se dedicara ela, assim, a trabalhos to complexos? No seria mais justo ouvir aquela conversao dos lbios da simptica Mariana, que ali se achava, junto de ns, em sua posio de matrona respeitvel?

Externei os meus pensamentos, perguntando, com discrio, jovem o porqu da grave tarefa de que se incumbia.

Blandina apagou a luz do sorriso que lhe adornava o semblante, como flor aberta que se fechasse, de sbito.

Pesado silncio pairou no recinto.

Mas, generosa e simples, adoou a expresso fisionmica e falou, quase conselheiral:

- Fui casada em minha ltima existncia e somente h trs anos terrestres me vejo, de novo, na vida espiritual. No pude acariciar um filhinho, em meus sonhos recentes de mulher, mas hoje sei que preciso reeducar-me no amor de me, consoante os dbitos que contra no passado. Realmente, sinto grande afeio pelas crianas, Contudo, tenho igualmente enormes dvidas morais para com elas...

O assunto descambava para um crculo particular, que devia ser sagrado aos noSsos olhos.

Por isso mesmo, Clarncio fz mudo sinal para mim e a conversao foi canalizada para outro rumo.

11 - Novos apontamentosHilrio, aderindo renovao da palestra, indagou da irm Blandina se ela era a dirigente do parque em que nos achvamos, ao que ela informou, com humildade:

No me atribua tamanho crdito. Tenho tarefas variadas aqui e alhures, entretanto, sou mera servidora. O nosso educandrio guarda mais de duas mil crianas, mas, sob os meus cuidados, permanecem apenas doze. Somos um grande conjunto de lares, nos quais muitas almas femininas se reajus