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Qualidade | Inovação | Rigor | Excelência | Dedicação | Profissionalismo | Prestígio Academia de Ciências, Letras & Artes - Fundão Docente: Isabel Duarte Disciplina: Português Cidade e as Serras - análise da obra de Eça de Queirós Último livro de Eça de Queirós, A Cidade e as Serras foi publicado em 1901, um ano após a morte do autor português. A obra não estava inteiramente acabada. Faltava a meticulosa revisão que Eça dedicava a seus romances antes de publicá-los. Ainda assim, é considerado um dos mais importantes livros do escritor, concentrando as principais características do período de sua maturidade artística. Nessa fase, Eça ameniza o rigor do método realista e reconcilia-se com seu país, Portugal, tão duramente criticado em romances anteriores, como O Crime do Padre Amaro e O Primo Basílio. TEMPO E ESPAÇO O narrador-personagem, José Fernandes, é quem conta a história do amigo Jacinto. A narrativa se passa no século XIX, quando Paris era considerada a capital da Europa e o centro do mundo. Portugal, no entanto, mantinha-se como um país agrário e decadente. Havia grande entusiasmo, nos meios intelectuais da época, pelas teorias positivistas de Augusto Comte, criador do sistema que ordena as ciências experimentais, considerando-as o modelo por excelência do conhecimento humano, em detrimento das especulações metafísicas ou teológicas. ENREDO A narrativa inicia-se com a história de dom Galião, grande proprietário que, ao escorregar numa casca de laranja, é socorrido pelo infante dom Miguel. Desse dia em diante, o rechonchudo velho torna-se partidário fanático do príncipe. Em 1831, dom Pedro retorna do Brasil para assumir o trono português, destronando seu irmão, dom Miguel.

Cidade e as Serras

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11º

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Qualidade | Inovao | Rigor | Excelncia | Dedicao | Profissionalismo | PrestgioAcademia de Cincias, Letras & Artes - FundoDocente: Isabel DuarteDisciplina: PortugusAno Letivo: 2014 2015

Cidade e as Serras - anlise da obra de Ea de Queirs

ltimo livro de Ea de Queirs,A Cidade e as Serrasfoi publicado em 1901, um ano aps a morte do autor portugus. A obra no estava inteiramente acabada. Faltava a meticulosa reviso que Ea dedicava a seus romances antes de public-los. Ainda assim, considerado um dos mais importantes livros do escritor, concentrando as principais caractersticas do perodo de sua maturidade artstica.Nessa fase, Ea ameniza o rigor do mtodo realista e reconcilia-se com seu pas, Portugal, to duramente criticado em romances anteriores, comoO Crime do Padre Amaroe OPrimo Baslio.

TEMPO E ESPAOO narrador-personagem, Jos Fernandes, quem conta a histria do amigo Jacinto. A narrativa se passa no sculo XIX, quando Paris era considerada a capital da Europa e o centro do mundo. Portugal, no entanto, mantinha-se como um pas agrrio e decadente.Havia grande entusiasmo, nos meios intelectuais da poca, pelas teorias positivistas de Augusto Comte, criador do sistema que ordena as cincias experimentais, considerando-as o modelo por excelncia do conhecimento humano, em detrimento das especulaes metafsicas ou teolgicas.

ENREDOA narrativa inicia-se com a histria de dom Galio, grande proprietrio que, ao escorregar numa casca de laranja, socorrido pelo infante dom Miguel. Desse dia em diante, o rechonchudo velho torna-se partidrio fantico do prncipe.Em 1831, dom Pedro retorna do Brasil para assumir o trono portugus, destronando seu irmo, dom Miguel. Indignado, dom Galio muda-se de Portugal para Paris, levando consigo Grilo, futuro criado de Jacinto.Em Paris, o filho de dom Galio, Cintinho, torna-se uma criana doente e tristonha. Quando adulto, seu aspecto no melhora. Em sua nica deciso mencionada no livro, prefere ficar em Paris e casarse com a filha de um desembargador a ir tratar-se no campo. Concluso: morre trs meses antes de nascer Jacinto, seu nico filho.Jacinto cresce como um menino forte, saudvel e inteligente. Na faculdade, seu colega Z Fernandes (o narrador) o apelida de "Prncipe da Gr-Ventura". Em Paris, andavam em voga as teorias positivistas, das quais o protagonista se revela entusiasta. Jacinto elabora uma filosofia de vida:

"A felicidade dos indivduos, como a das naes, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da mecnica e da erudio".

O resultado desse entusiasmo de Jacinto por Paris, porm, se revela desastroso. Z Fernandes retrata dessa forma a decadncia do protagonista, de quem se havia separado durante sete anos:

"Reparei ento que meu amigo emagrecera; e que o nariz se lhe afilara mais entre duas rugas muito fundas, como as de um comediante cansado. Os anis de seu cabelo langero rareavam sobre a testa, que perdera a antiga serenidade de mrmore bem polido. No frisava agora o bigode, murcho, cado em fios pensativos. Tambm notei que corcovava".

Z Fernandes, ento, tambm se deixa levar por Paris, ao ser dominado por uma paixo carnal pela prostituta Madame Colombe. O caso contraria as teorias de Jacinto, expostas no comeo do livro, segundo as quais o homem se tornava um selvagem no campo. Nesse caso, foi a cidade de Paris que transformou Z Fernandes num escravo de seus instintos.Segue-se uma srie de episdios que ilustram o ridculo que se escondia sobre a pretensa superioridade dos parisienses. Jacinto torna-se entediado, doente, chega a lembrar seu pai, Cintinho. Ento ocorre uma reviravolta: a igreja onde estavam enterrados os avs de Jacinto vem abaixo durante uma tormenta. Ele manda que se reconstrua tudo, sem se importar com os gastos.Na viagem de volta a Portugal, Jacinto perde quase toda a bagagem. Seu pas, no entanto, devolve a sade ao protagonista, que, revigorado, promove diversas melhorias em Tormes. Finalmente, ele se casa com Joaninha, camponesa e prima de Z Fernandes. Na ltima cena do livro, Z Fernandes, tambm enfastiado de Paris, parte para Tormes - o "castelo da gr-ventura" - com Jacinto e Joaninha.

CAMPO E CIDADEA temtica do campo versus cidade - recorrente nas obras do escritor portugus - o cerne do romanceA Cidade e as Serras, como o prprio ttulo indica. Na tradio da literatura ocidental, o gnero buclico ou pastoral sempre tratou da oposio entre a vida tranquila e sbia do campons e a vida urbana, cheia de agitao ftil. Para diferenciar o que ocorre no gnero pastoral e nesse romance, preciso entender os pressupostos daquela oposio. Por que a vida no campo seria mais "sbia" que a vida na cidade?O gnero buclico, cultivado por inmeros autores desde a Antiguidade, caracteriza-se pela criao de um personagem lrico - um pastor fictcio - cujo conhecimento provm da contemplao minuciosa da natureza. Sua expresso potica ser tanto mais eficaz quanto mais transmitir o efeito de possuir duas qualidades principais: sabedoria e simplicidade.O conceito de sabedoria mudou muito no decorrer da histria. Sem a pretenso de aprofundar aqui os vrios significados que a palavra teve, interessante mostrar como esse conceito se torna problema na obra de Ea.O terico Walter Benjamin definiu sabedoria como "a teoria entretecida na experincia", frmula que desvaloriza tanto a ao que se promove sem o governo da razo, limitada pela ignorncia (simbolizada na figura do selvagem), quanto a teoria desvinculada das aes e da vida sensvel (simbolizada principalmente pela informao).

MODERNIDADENo romance, um exemplo de como a questo aparece est na cena em que Z Fernandes, aps ter passado sete anos em Portugal, reencontra Jacinto em Paris. Depois de verificar que o amigo parecia mais magro e abatido e admirar-se com as inovaes do 202 (nmero da casa de Jacinto na capital francesa), Z Fernandes observa espantado o funcionamento de um telgrafo, que transmite a Jacinto a informao de que "a fragata russa Azoff entrara em Marselha com avaria".Enquanto isso, Jacinto est ocupadssimo ao telefone. O visitante pergunta ento ao anfitrio "se o prejudicava diretamente aquela avaria da Azoff". A resposta do entediado Jacinto : "Da Azoff?... a avaria? A mim... No! uma notcia".Trata-se de um dado que no tem importncia para Jacinto, pois sua existncia est completamente afastada do destino da embarcao russa. A informao, porm, estabelece um falso vnculo entre ambos os eventos. Jacinto assiste a tudo, mas no pode tomar nenhuma atitude. A constatao que o homem informado assiste a um jogo complexo de acontecimentos que se desenrolam por todos os lugares do mundo, muitos sem nenhuma relao aparente entre si, e fica como Jacinto diante do telgrafo: agoniado e entediado.Quando o protagonista volta a Portugal, encontra o mundo da experincia alheia teoria. Se em Paris ele tinha um milho de instrumentos incapazes de proporcionar uma vida saudvel, em Portugal falta-lhe at uma cama confortvel, sendo preciso improvisar uma entre as pedras.Vale lembrar que Jacinto fora chamado a Tormes - sua propriedade em Portugal - para reconstruir o tmulo de seus ancestrais, o que pode ser interpretado como uma religao do protagonista com suas origens, citadas no incio do livro. Porm, o Jacinto que retorna um homem muito informado e pode agora aplicar parte da grande carga terica que adquiriu ao contexto portugus. preciso primeiro livrar-se da complexidade intil do jogo das informaes e articul-las de modo eficiente. Em resumo: agir com simplicidade. O protagonista, ento, torna-se sujeito de uma ao bem direcionada, conseguindo promover muitas melhorias em Tormes, lugar atrasado e pobre.A ideia de sabedoria encontrada nesse romance, portanto, se desvincula do que determina o gnero buclico, em que a contemplao da natureza a responsvel pela produo do saber. O que vemos aqui uma ideia muito mais prxima de nossa modernidade, na qual h uma rutura entre a informao e a experincia pessoal.

CONCLUSOAs obras de Ea de Queirs podem ser agrupadas em trs fases: a primeira, experimental, em que o autor publicou artigos irregulares em folhetins; a segunda, fortemente realista, que vai desde a publicao deO Crime do Padre Amaro, em 1875, at a de Os Maias, em 1888; e a terceira, ps-realista, na qual o autor se reconcilia com a sua Portugal. Nessa, destaca-seA Ilustre Casa de Ramires, de 1900, alm deA Cidade e as Serras.A temtica tratada, campo versus cidade, vem de uma longa tradio literria e recorrente na obra do autor. Nesse romance, ele se dedica a mostrar a futilidade reinante em Paris e a satirizar as ideias positivistas que deslumbravam a juventude intelectual da poca.