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CIDADE E ESCOLA: MEMÓRIAS DOS SUJEITOS DO GRUPO ESCOLAR DE BATAYPORÃ (1955-1971) Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani 214 GEPHEMES/FAED/UFGD Thierry Rojas Bobadilha 215 GEPHEMES/FAED/UFGD Resumo: O artigo socializa resultados de pesquisa em andamento sobre a institucionalização da educação no sul de Mato Grosso, materializada em uma instituição primária criada na segunda metade dos anos de 1950, no município de Batayporã. A instituição inicialmente funcionou como Escola Rural Mista sendo em seguida transformada em Grupo Escolar. O empreendimento se organiza no cerne de um projeto de colonização ocorrido no Vale do Ivinhema, como empreendimento da Companhia Viação São Paulo Mato Grosso - CVSPMT, de propriedade do tchecoeslovaco, naturalizado brasileiro, Jan Antonin Bata. Neste trabalho foi dada ênfase ao aparecimento da colônia e ao funcionamento inicial da escola, privilegiando para a tarefa lembranças de sujeitos que dela participaram na condição de professor e aluno, buscando problematizar e historicizar suas memórias. Concebeu-se a memória, com apoio de estudos foucaultianos, como multiplicidades em deslocamentos constantes, como pontos de vista ou posicionamentos provisórios. Considerou-se que a instituição contribuiu na composição e conformação de subjetividades moldadas em processos de escolarização; e, simultaneamente, os sujeitos, suas narrativas, permanecem imprimindo e mesmo ampliando a função social que desempenhou na configuração da cidade e na própria formação, como também na educação de outras crianças e jovens que dela participaram, nos diferentes momentos históricos. Palavras-chave: Institucionalização da educação. Dispositivos. Memórias. INTRODUÇÃO O trabalho socializa resultados parciais de pesquisa em andamento sobre a institucionalização da educação que se inicia no ano de 1955, no Vale do Ivinhema, no distrito 214Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGEd, da Universidade Federal da Grande Dourados, Doutora em Educação-UFGD. E-mail: [email protected] . Pesquisa com apoio da FUNDECT/MS. 215Pedagogo, mestrando do PPGEd/FAED/UFGD. E-mail: [email protected] 656 III EHECO – CatalãoGO, Agosto de 2015

CIDADE E ESCOLA: MEMÓRIAS DOS SUJEITOS DO GRUPO … · Resumo: O artigo socializa resultados de pesquisa em andamento sobre a institucionalização ... Observou-se que a criação

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CIDADE E ESCOLA: MEMÓRIAS DOS SUJEITOS DO GRUPO

ESCOLAR DE BATAYPORÃ (1955-1971)

Rosemeire de Lourdes Monteiro Ziliani214

GEPHEMES/FAED/UFGDThierry Rojas Bobadilha215

GEPHEMES/FAED/UFGD

Resumo: O artigo socializa resultados de pesquisa em andamento sobre a institucionalizaçãoda educação no sul de Mato Grosso, materializada em uma instituição primária criada nasegunda metade dos anos de 1950, no município de Batayporã. A instituição inicialmentefuncionou como Escola Rural Mista sendo em seguida transformada em Grupo Escolar. Oempreendimento se organiza no cerne de um projeto de colonização ocorrido no Vale doIvinhema, como empreendimento da Companhia Viação São Paulo Mato Grosso - CVSPMT,de propriedade do tchecoeslovaco, naturalizado brasileiro, Jan Antonin Bata. Neste trabalhofoi dada ênfase ao aparecimento da colônia e ao funcionamento inicial da escola,privilegiando para a tarefa lembranças de sujeitos que dela participaram na condição deprofessor e aluno, buscando problematizar e historicizar suas memórias. Concebeu-se amemória, com apoio de estudos foucaultianos, como multiplicidades em deslocamentosconstantes, como pontos de vista ou posicionamentos provisórios. Considerou-se que ainstituição contribuiu na composição e conformação de subjetividades moldadas em processosde escolarização; e, simultaneamente, os sujeitos, suas narrativas, permanecem imprimindo emesmo ampliando a função social que desempenhou na configuração da cidade e na própriaformação, como também na educação de outras crianças e jovens que dela participaram, nosdiferentes momentos históricos.

Palavras-chave: Institucionalização da educação. Dispositivos. Memórias.

INTRODUÇÃO

O trabalho socializa resultados parciais de pesquisa em andamento sobre a

institucionalização da educação que se inicia no ano de 1955, no Vale do Ivinhema, no distrito

214Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação-PPGEd, da Universidade Federal da Grande Dourados, Doutora em Educação-UFGD. E-mail: [email protected]. Pesquisa com apoio da FUNDECT/MS.

215Pedagogo, mestrando do PPGEd/FAED/UFGD. E-mail: [email protected]

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de Batayporã (fundada em 1953)216, no sul do Mato Grosso uno217. A preocupação com a

educação escolar, primária e ginasial, em questão na pesquisa mais ampla em andamento, tem

se dirigido para a relação entre o projeto de colonização e o aparecimento da instituição e para

as práticas microfísicas que em seu interior se desenrolaram e lhe permitiram uma existência

particular (FOUCAULT, 1987; FISCHER, 2001). Neste artigo foram apresentados elementos

do aparecimento da cidade e da instituição.

Alguns conceitos foucaultianos constituíram-se em referencias e essa adoção implicou

considerar os escritos sobre a escola e os ditos dos sujeitos como narrativas de nosso tempo e

que contribuem para problematiza-lo. Assumir um diálogo com essas análises tem várias

implicações, entre as quais se se destacaram para a pesquisa ora socializada: a recusa da busca

de uma origem e de uma noção de poder como algo que se detém e que emanaria de

instituições como o estado. Trata-se antes de concebê-la como correlações de forças, que

produz saberes e os faz circular. Tal entendimento possibilita afirmar os processos de

institucionalização e a própria escolarização como dispositivos e a escola como sua parte

visível, material.

A noção de dispositivo foi tomada, com apoio de Foucault (1987), como uma rede de

poder-saber que se desenha pelo conjunto heterogêneo de práticas discursivas e não

discursivas (como a escola), e que se articula às demais estruturas. Nesse sentido, pode-se

afirmar que a educação participa da rede que conforma o dispositivo; é um dos seus

elementos. A natureza das relações entre esses elementos é de caráter estratégico e se localiza

no interior de relações de poder. A institucionalização da educação constituiu-se em

fundamento a uma escolarização possível.

216Ziliani (2010) explica que o nome da cidade de Batayporã é uma associação da língua guarani antecedido dosobrenome Bata (do proprietário da Companhia colonizadora da Região, Jan Antonin Bata). Bata, y= água, porã= boa, que significa “água boa do Bata”, em uma tradução livre.

217O Estado de Mato Grosso com a Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977 foi dividido em Estado de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Atualmente o município de Batayporã faz parte do MS.

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Para uma aproximação do objetivo proposto o texto foi dividido em duas partes.

Inicialmente apresentou a configuração da colônia e o aparecimento da instituição escolar e,

em seguida, uma análise entre outras possíveis, do funcionamento da escola enfatizando as

narrativas e posicionamentos dos sujeitos consultados.

1. A cidade e a instituição escolar

O lugar que passou a se denominar Batayporã surgiu de um projeto de colonização

empreendido pela Companhia Viação São Paulo Mato Grosso - CVSPMT, e inscrito na

estratégia governamental do Estado Novo, forjada pela expressão “Marcha para o Oeste”.

Conforme J. Ziliani (2010, p. 70), a Companhia foi fundada em 1908 e em 1941 foi

comprada pelo tchecoeslovaco Jan Antonin Bata. As principais finalidades da Companhia

eram:

[...] realizar e explorar as concessões em terras devolutas concedidas pelos governosde Mato Grosso e de São Paulo; explorar a indústria de navegação e transporte noRio Paraná e seus afluentes; explorar o comércio de gado para criação e para corte,além do comércio de gêneros alimentícios e outros de primeira necessidade; venderterras devolutas de suas concessões ou estabelecer núcleos coloniais; montar eexplorar estabelecimentos de criação ou de culturas agrícolas em suas terras ou nasque venha a adquirir.

A venda de terras de suas concessões e o estabelecimento de núcleos coloniais,

especialmente agrícolas, foram as principais atividades desenvolvidas no Vale do Ivinhema.

Primeiramente foi criado em 1949 o município de Bataguassú e no final do mesmo ano

iniciaram-se as vendas de terras na localidade da Fazenda Samambaia onde em 1953

organiza-se Batayporã, como distrito do município de Bataguassú. As primeiras famílias de

migrantes e imigrantes que se fixaram na colônia tinham origens diversas: nordestina,

paulista, mato-grossense, paranaense, japonesa, portuguesa e espanhola. A gerência das

atividades da CVSPMT na colônia passou a ser feita pela família Jindrich Trachta, que residia

no Brasil, cujo patrono era tchecoeslovaco e casado com uma brasileira.

A necessidade de ocupar os sertões, como condição à consecução da nação e a noção

de desenvolvimento (crescimento econômico e oferta de emprego), em voga naquele

momento histórico, são enunciados característicos do período privilegiado neste artigo. Para

fazê-los funcionar uma das estratégias utilizadas foi a instauração de colônias agrícolas,

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visando a ocupação do território nacional e, para tanto, a fixação do homem nos lugares

considerados desabitados e ao mesmo tempo improdutivos.

O dispositivo, como conceito e operador de análise, foi tomado com o apoio de

Foucault (1987), como um conjunto heterogêneo de práticas e discursos, um mecanismo

capaz controlar, moldar e dirigir as condutas e os ditos dos sujeitos.

O dispositivo de nacionalidade, por exemplo, buscava por meio de estratégias

diversas, inventar a nação, instituí-la; empreendimento que se intensificou nas primeiras

décadas do século passado. Nesse projeto, outro dispositivo pôs-se a funcionar: o dispositivo

de escolarização. Escolarizar implicava nacionalizar, moralizar e civilizar a população.

Naquele momento histórico a necessidade de oferta de educação formal se constituía

como condição defendida por uma parte significativa da população, de diferentes posições

sociais e políticas, tornando-se algo quase consensual. Nesses termos, entende-se a escola

como um dos efeitos de diferentes práticas e discursos em circulação na primeira metade do

século passado e não como causa.

O enunciado “lugar de criança é na escola”, contudo, resultou de um longo processo

de fabricação. Pode-se afirmar que para instituir a escola como uma necessidade, instaurar sua

positividade, foi preciso instrumentalizar diferentes dispositivos, como o de escolarização.

Conforme Varela; Alvarez-Úria (1991), para que a educação escolar se tornasse espaço-tempo

privilegiado de transmissão de saber, foi necessária sua objetivação como a “melhor”

alternativa à educação dos pequenos e não apenas uma entre outras possibilidades.

A colocação da infância e, também, da juventude na ordem dos discursos de final do

século dezenove e inicio do século vinte preconizava diferentes iniciativas,

[...] que iam de asilos às casas de correção, de instituições assistenciais religiosasaos colégios e, progressivamente, à escola primária, capazes de atender e conformaressa crescente população, num espaço-tempo ordenado. Discursos que pouco apouco se interligaram com o propósito de fazer funcionar a maquinaria escolar,tornada em pouco mais de um século, necessária, universal e pretensamente eterna,enfim, algo tido como ‘natural’, cuja positividade, entretanto, só nos é dada emobjetivações que tomamos como sendo a própria escola: sujeito de necessidades,sujeito de direitos, beneficiários, infância protegida, sujeito alfabetizado, trabalhodocente, profissional médio, força de trabalho especializada e qualificada e outras.(ZILIANI, 2014, p. 67).

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A primazia do saber científico, a defesa de noções como a de civilização e a de

progresso, a expansão de instituições como a escola, o enaltecimento da pedagogia (e o

necessário governo de crianças e jovens que lhe corresponde), inserem-se como elementos

fundamentais dos dispositivos em curso.

A institucionalização da educação na configuração sociopolítica denominada

Batayporã se materializou, em especial, com o aparecimento de uma instituição escolar,

criada em 1955, inicialmente denominada Escola Rural Mista (MATO GROSSO, 1955),

posteriormente Grupo Escolar de Batayporã. Observou-se que a criação oficial da Escola e

mesmo sua transformação em Grupo Escolar, deu-se dez anos antes de o lugarejo tornar-se

município e emancipar-se administrativamente.

Nas primeiras décadas do século passado os Grupos Escolares já se constituíam em

referencia de escola primária no país, pois representava um rompimento com o passado, visto

que, “[...] projetavam para o futuro, projetavam um futuro, em que na República, o povo,

reconciliado com a nação, plasmaria uma pátria ordeira e progressista” (FARIA FILHO;

VIDAL. 2000, p. 25).

Os grupos surgem nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, no final do século

dezenove. E, ao longo das duas primeiras décadas do século passado, aparecem e se

organizam em vários estados do país, como alternativa às escolas isoladas existentes,

inclusive no Mato Grosso uno. Segundo Vidal (2006, p. 8), configurando-se como escolas

graduadas,

[...] os Grupos Escolares aglutinavam em um mesmo edifício asantigas escolas isoladas, organizando a docência em torno de sériesescolares, que passavam a corresponder ao ano civil e eram concluídaspela aprovação ou retenção em exame final. O ensino seriado esequencial substituía as classes de alunos em diferentes níveis deaprendizagem, sob a autoridade única do professor, e era regulado pela

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figura do diretor, oferecendo organicidade e homogeneidade àescolarização e produzindo uma nova hierarquia funcional pública. 218

Até o ano de 1930 no sul do estado de Mato Grosso, havia apenas seis grupos

escolares “implantados nas cidades com maior número populacional e de maior

desenvolvimento econômico” (OLIVEIRA; GONÇALVES, 2011, p. 98), localizados em

Campo Grande, Corumbá, Miranda, Aquidauana, Três Lagoas e Ponta Porã.

As instalações em que a escola de Batayporã funcionou nos anos iniciais podem evidenciar que, longe de se constituir em alvo de atenção e de investimentos, tinha condições pouco favoráveis como outras instituições de educação primária da época. Inicialmente as aulas para os primeiros alunos matriculados eram ministradas em uma sala cedida pelo proprietário do único hotel do pequeno vilarejo, conforme Imagem 1 abaixo. Imagem 1: Primeira professora e turma da Escola Rural Mista, 1955.

Fonte: Acervo do Centro de Memória “Jindrich Trachta”, Batayporã, MS.

Ainda nos anos de 1950 foi construída uma edificação de madeira (Imagem 2) com duas salas pequenas, onde os setenta alunos inicialmente matriculados eram alfabetizados no sistema multisseriado e que funcionou nos anos seguintes. Segundo os sujeitos entrevistados, a construção foi realizada por dois portugueses, carpinteiros, que residiam na cidade e que nãocobraram pelo serviço, com o apoio da Companhia, na aquisição dos materiais. Não há referencia a qualquer apoio governamental.

218Entretanto, segundo Vidal (2006), a “pretendida hegemonia” dos grupos como referencia àeducação primária não se efetivou. Nas primeiras décadas do século passado outra forma de escola e de escolarização galgou espaços significativos no cenário educacional: a denominadaEscola Nova. Os Grupos Escolares deixaram de existir com a promulgação da Lei n. 5.692/71 (BRASIL, 1971).

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Imagem 2: Alunos e Grupo Escolar de Batayporã (anos 1950).

Fonte: Acervo do Centro de Memória “Jindrich Trachta”, Batayporã, MS.

No final dos anos de 1960 foi construído um prédio de alvenaria, com duas salas, no

mesmo terreno onde funcionava a construção de madeira (Imagem 2), que ainda foi

preservada por alguns anos. Prédio no qual passou a funcionar o Grupo Escolar até sua

extinção em 1974, quando ocorreu a integração do primário e do ginasial.219 O prédio de

alvenaria ainda existe e atualmente é utilizado como parte das instalações de outra escola da

rede estadual de ensino do município de Batayporã.

Para uma melhor aproximação do funcionamento da escola deu-se visibilidade as

memórias de sujeitos que contribuíram para materializá-la nas décadas de 1950 e de 1960.

2. A instituição escolar nas lembranças da primeira professora e de um ex-aluno:

(res)significando vivências individuais e experiências coletivas

Eu amo criança. Eu amo dar aula. Quando eu parei, nossa... eusonhava que eu tava dando aula sabe! (PROFª E., 2014).

O fragmento da narrativa da primeira professora da escola colocada como epígrafe

desta parte do artigo, não foi concebida como expressão de uma individualidade. Pois, para

tomar as narrativas dos sujeitos, recusou-se concebê-las como algo homogêneo, como

“unidade subjetiva” ou individualidade. Tratou-se de entender a memória, com apoio de

219Em 1969, conforme Decreto n. 813, de 12 de fevereiro de 1969, foi criado o Ginásio Estadual de Batayporã, e no ano de 1974 com a integração do Grupo Escolar e do Ginásio, a Instituição passou a se denominar Escola Estadual de 1º Grau “Jan Antonin Bata”.

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Albuquerque Jr. (2007, p. 200), como “composta de fragmentos de múltiplas vivências e

experiências ao nível individual e coletivo”, enfim, tomaram-se as memórias como

multiplicidades.

Tampouco a memória coletiva é o somatório das memórias individuais, mas um

campo, de discursos e de poder, em que as memórias individuais se configuram. Os outros nos

ajudam a fixar seus conteúdos, que buscam a preservação das convenções que o próprio grupo

cria. Assim, memória individual entendida como “um tecido de diferenças internalizadas”.

Historicizar essas memórias individuais e coletivas é de certo modo interpretá-las em

suas múltiplas significações; é propor certa elaboração do passado, conforme os conceitos

adotados como operadores de análise pelo pesquisador.

Tratam-se nas narrativas dos sujeitos entrevistados de memória voluntária, que pode

ser chamada de “lembrança”, diferentemente da memória involuntária ou reminiscência. A

memória voluntária é uma reorganização do passado, que segundo Albuquerque Jr. (2007, p.

202) resulta de: “[...] um trabalho de rememoração que é feito no presente, relativo ao

presente que foi e o presente que é”. Trata-se, neste caso, de refazer o passado, de imprimir-

lhe um sentido. Em nível consciente opera “através de associação e analogias entre

acontecimentos passados e presentes, buscando estabelecer a semelhança, o contínuo, o

mesmo” (ALBUQUERQUE JR., 2007, p. 200-201).

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas no mês de novembro do ano passado

e em janeiro deste ano. Foram entrevistadas duas ex-professoras da Instituição e três ex-

alunos, todos envolvidos com a Instituição nos anos de 1950 e 1960. Os alunos cursaram o

primário no Grupo Escolar de Batayporã e foram contatados por meio de um dos ex-alunos

entrevistados, que é funcionário público estadual e atualmente trabalha na secretaria da

escola, que desde 1998 (MATO GROSSO DO SUL, 1998) passou a se denominar Escola

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É, então esses dias eu tava falando [do] 7 de setembro [evento de 7 de setembro de2014 em Batayporã]... tava falando, olha gente quando eu era diretora [...] então agente naquela época a gente tinha só um tamborzinho assim um, aquele de baterassim [demonstrando como batiam] sabe? Pra desfilar, só tinha um daquele e mesmoassim a gente punha as criança na frente, ensinava eles a desfilar, e quando foi 7 desetembro agora [risos] . [...]. A gente cantava, todo dia cantava o Hino Nacionalsabe? ensinava eles a ser patriota também né, nossa eu fico boba hoje em dia elesnão querem nada com nada né. Foi três banda e bagunça, podia esse povo ensinaressas crianças a desfilar, os rapazinhos, as mocinhas né, o ginásio né, tão bonito né,7 de setembro uma data tão importante. (ENTR./PROF. E., 2014, p. 8).

A Constituição Federal (BRASIL, 1946) em vigor naquele período, estabelecia que o

ensino primário fosse gratuito e obrigatório, oferecido na língua do país, com o objetivo de

conduzir os homens à vida nacional, em conformidade com as virtudes morais e cívicas.

Também estabelecia que o ensino primário devia promover nos pequenos o sentimento de

cooperação social.

Em pronunciamento feito pelo governador Fernando Corrêa da Costa à Assembleia

Legislativa, enfatiza-se esse aspecto, para além dos conteúdos previstos nas disciplinas

escolares. Ensinar, “[...] implica ter conhecimentos que não se cifram sómente à leitura, à

escrita e à contabilidade, mas de higiene, saúde, domínio da terra e dos assuntos sociais mais

de interesse da coletividade em que atua o professor” (MATO GROSSO, 1952, p. 26).

Nas primeiras décadas do século passado os Grupos Escolares já se constituíam em

referencia de escola primária no país, pois representavam o desejado rompimento com o

passado, visto que: “[...] projetavam para o futuro, projetavam um futuro, em que na

República, o povo, reconciliado com a nação, plasmaria uma pátria ordeira e progressista”

(FARIA FILHO; VIDAL, 2000, p. 25).

Dialogando com autores da história da educação no país Vidal (2006, p. 9) aponta o

papel produtivo dos Grupos Escolares, que “[...] fundaram uma representação de ensino

primário que não apenas regulou o comportamento, reencenado cotidianamente, de

professores e alunos no interior das instituições escolares, como disseminou valores e normas

sociais (e educacionais)”.

Mesmo com a circulação dessas ideias sobre o papel desempenhado pelas instituições

escolares na vida nacional, não se tratou de um empreendimento simples e não funcionou de

forma idêntica em todas as localidades.

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A primeira professora da escola atuou no período de 1955 a 1967. Possuía na época o

ginásio e dava aulas na cidade de Mariápolis, no interior do estado de São Paulo221. Narrando

sua experiência afirma:

Eu lecionava numa fazenda, eu e uma amiga minha, acho que essa amiga minha atéjá faleceu. Mas ela morava aqui pra frente numa dessas cidades ai. E a gente ia a pé,6km. Andava a pé ou ia a cavalo, pessoal lá da fazenda davam o cavalo pra mim epra ela. Depois o ônibus começou a fazer a linha e ai a gente ia de ônibus. [...].Então eu já tava ralada já, já tinha experiência, não... pra mim tudo era bom. Eufalava pro meu sogro vou fazer o que eu posso, porque eu acho que o estudo é acoisa mais importante na vida da pessoa. (ENTR./PROFª E, 2014, p. 5).

No ano de 1954 quando se casou, contra a vontade do pai222, foi morar em Batayporã,

onde o marido residia, com a promessa de dar aulas na escola que seria criada, como condição

para a fixação dos colonos e de suas famílias:

Daí meu marido falou com Sr. Ênio Martins, que [era] o prefeito grandão lá falouassim: ahhh José preciso arrumar uma pessoa pra dar aula, porque agora vai abrirmuita venda de terra lá, e as crianças não pode ficar sem aula. Daí o José falou praele a minha futura esposa é professora lá, ela dá aula, ela pode dá aula lá. Ai elefalou ai, mas que benção você chegou na hora certa, e meu nome já ficou lá, eu nemcasei e o nome já tava lá, sabe!? (ENTR./PROFª E, 2014, p. 1).

A família de sírios que havia se instalado na recém-criada comarca de Batayporã eram

os sogros da professora E. Apesar da “promessa” de trabalho apontado no fragmento da

entrevista acima, os inícios da atuação da professora e a materialidade da própria escola foram

de improvisação, pois não havia espaço físico a ela destinado e nem mesmo a contratação da

professora estava negociada:

221Somente no início dos anos de 1970 chegaram à cidade as professoras com formação secundária, as chamadas normalistas. E, segundo narrativa do ex-aluno T (ENTR., 2014, p. 3),esse aspecto foi comemorado na cidade: “Ai eu lembro que o pessoal comentou na cidade, nossa chegou os professores formados, agora tem professor formado em Batayporã, mas eramprofessores formados, os normalistas né; pra época os professores formados”.

222A professora afirma ter parado de estudar porque na cidade de Mariápolis, SP, onde residia, não existia o curso normal e o pai não permitiu que fosse estudar em outra cidade.

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E meu sogro falou: - não eu dou um jeito pra você, você vai ensinar essas criançaspor aí, você não vai ficar sem ensinar não. O estudo é muito bom, precisa né deensinar pra não crescer sem saber nada. Eu falei olha, eu não sei onde que eu voudar aula! Vou dar ai na casa do meu sogro. Era bem ali na lagoa que ele morava,tinha um quartinho menor que essa sala, bem menor que essa sala aqui [a salaapontada possui em torno de 3m por 2,5m]. Então eles colocaram uns bancos decumprido assim sabe? E meu cunhado que estudava em Bauru ele tinha um quadroonde ele fazia seus desenhos dele, essas coisas sabe? Daí meu sogro falou vou pegaresse quadro aqui e vou transformar ele num quadro negro pra você. Daí meu sogropintou lá aquele quadro, e eu mexia naquele quadro, mas de vez em quando aquiloescorregava e a mão ia lá na frente, eu voltava pra trás, eu riscava o quadro né! Efoi indo assim, daí as crianças também traziam caderno até onde eu estava.(ENTR./PROFª E, 2014, p. 3).

A situação que a professora descreve não se constitui propriamente em um diferencial

ou novidade, visto que em outras escolas do Estado evidenciavam-se dificuldades e a

precariedade das instalações e infraestruturas. Oliveira e Gonçalves (2011, p. 98), referindo-se

aos grupos escolares existentes no estado de Mato Grosso até os anos de 1930, evidenciam

que “[...] no que se refere às condições físicas e materiais, nos primeiros anos de

funcionamento, esses grupos escolares, de modo geral enfrentavam dificuldades”.

Outro aspecto relevante, em termos de funcionamento da Instituição na primeira

década, refere-se ao cargo de direção. Em uma relação nominal dos diretores da Instituição,

disponível na EE “Jan Antonin Bata”, a primeira diretora relacionada é a professora E, que

teria assumido a gestão da escola de 1955 a 1967, ou seja, durante todo o período em que ali

ministrou aulas. Segundo a professora E. (ENTR., 2014, p. 8) explica: “[...] olha gente

quando eu era diretora dai, eu não fui diretora eu fui substituta sabe? Substituía a direção

porque eu era a mais velha da turma”. Entretanto, a mesma afirma nunca ter recebido como

diretora e não conheceu o diretor, pois nunca apareceu na escola no período em que lá

trabalhou (ainda não foi localizada a nomeação do diretor deste período); mas a escola recebia

a visita esporádica da inspeção escolar:

Vinha um outro rapaz e um rapaz que eu até esqueci o nome dele, ele vinha aqui eleolhava os livros de chamada, nós tinha o livro de chamada né, ele olhava os livros dechamada, eu mostrava pra ele aquele tempo tinha o boletim escolar, mostrava osboletim, os caderno de prova, aquele tempo as crianças faziam no caderno né asprovas, ficava registrado ali, era caderno só pra prova. (ENTR./PROF. E., 2014, p.17).

Observou-se um aumento significativo do número de matrículas, desde o segundo ano

de funcionamento da escola, formando duas turmas. Sem condições de assumir na prática as

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duas salas, a professora E. passou a receber o salário como se tivesse dando aulas para as duas

turmas, mas, por orientação de “deputados”, o seu marido, o senhor J. M. deu as aulas de uma

das turmas formadas, com a promessa de ser nomeado:

Não, ele começou logo que eu, que fez essas duas classes aqui e aumentou maiscrianças pra dar aula, então eles queriam que eu desse aula... [falei] eu não vou daraula o dia inteiro eu não aguento, além disso também eu vou dar aula de graça? Néeu dou um período, agora o outro como é que fazia? Daí então nós tinha osdeputados que vinham sempre aqui e eles falaram assim olha dona E. faz o seguintenós nomeamos o J... e a senhora leciona no nome dele, foi isso que aconteceu logono começo sabe? Também eu ia cedo aqui pra escola só vinha pra casa de tarde, atéo almoço minha sogra mandava pra mim ai na escola, que não dava pra sair daqui eir lá na lagoa almoçar e voltar, eu não aguentava né. Muito longe. (ENTR./PROF. E.,2014, p. 9).

Narrando a própria vivência, baseada nas conquistas da categoria na atualidade, a

professora E. critica as condições de trabalho nos começos da escola. Pelos dados obtidos

com a pesquisa até o presente momento, o senhor J. M. foi quem deu as aulas, mas não

recebeu o salário. No Livro de Matricula, Frequência Diária e Aparelhamento Escolar

(ESCOLA RURAL MISTA, 1956) aparecem os primeiros registros feitos pelo referido

professor. Tratou-se de uma estratégia para lidar com as necessidades objetivas, as práticas.

Lembremos que a inspeção era esporádica, o diretor ausente e a capital Cuiabá distante e de

difícil acesso.

Nesses termos o município de Bataguassú era a ponte estabelecida entre a capital

Cuiabá e o distrito de Batayporã, inclusive para os professores receberem seus salários. E,

segundo a professora E. (ENTR., 2014, p. 6 ), devido às condições pouco favoráveis de

estradas e transportes, mesmo Bataguassú tornava-se de difícil acesso: “É, logo no começo ia

em Bataguassú, não tinha estrada; mas como a gente sofria pra ir lá pegar esse dinheiro, e

deixava lá quatro, cinco meses, porque não dava para ir lá buscar todo mês”.

Aspecto esse que se evidencia mesmo na aquisição dos materiais para as aulas, que

não contava com apoio do governo do estado de Mato Grosso. Segundo a professora a compra

de materiais, como cartilhas para os alunos vinham algumas vezes do estado de São Paulo

(pela proximidade geográfica e mesmo pelas atividades e relações da Companhia com aquele

estado) ou do seu próprio salário:

[...] a gente tinha que vim material do estado de São Paulo, né. Caderno prafornecer pras crianças, lápis, borracha, e eu trazia com meu dinheiro sabe!? Se eles

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pagassem bem, se não pagasse amém, porque eles eram ... muita pobreza sabe!?Uma pobreza danada esse pessoal nesses buracos por aí, abrindo sítio né!. E entãoeu ajudava no que eu podia, fiz o que eu pude... (ENTR./PROFª E., 2014, p. 4).

A experiência do início da escolarização, a infraestrutura da escola e os materiais

disponíveis são narrados também pelo ex-aluno T.(ENTR., 2014, p.1); evidencia que:

[...] depois que chegou na minha idade escolar meus pais me levaram paraPresidente Epitácio. Eu fiquei um ano lá estudando o primeiro ano, só que não meacostumei, eu chorava muito de saudades dos meus pais [...]. E retornando aBatayporã, ai em 68 eu entrei nessa escola, aqui na escola de Batayporã e não tinha,não era prédio como era na escola em Epitácio, que era muito mais desenvolvido,que era escola já com alvenaria, que tinha dentista, que tinha uma infraestruturasuperbacana, totalmente diferente que aqui. Aqui a maioria dos alunos iam descalçospra escola, não tinha merenda e eu lembro que material não tinha, embora a gentetinha uma situação melhor, onde eu tinha Graças a Deus eu tinha é cadernos, livros,enfim, eu tinha uma vida assim que tinha muito material pra época né.

O funcionamento inicial da escola na sala do hotel ou pensão não fazia uma divisão

dos alunos por série, nem mesmo por gênero. Entretanto essa organização sofreu algumas

alterações assim que a edificação própria da escola, com duas salas, foi construída.

Pelo menos durante a primeira década o ensino na Instituição funcionou no sistema

multisseriado, que implicava em aulas heterogêneas e que, além de outros aspectos, exigiam

esforços significativos dos professores. Mesmo funcionando como Grupo Escolar, que

buscava se consolidar como representação de escola primária no país, as classes

multisseriadas permaneceram. Segundo a professora E. (ENTR, 2014, p. 10) as aulas

funcionavam do seguinte modo:

É, era assim. Porque a gente tinha que pegar criança desde a primeira série até aquarta-série não é. [...]. Eu passava primeiro pra, primeiro eu ia nas crianças queeram analfabetas né. E depois eu falava bom enquanto vocês vão se mexendo ai euvou na... Eu pegava e ditava pra eles, pra terceira, pra quarta, pra segunda né, quedaí já escreviam, já liam né. Era mais fácil. Eu levava cada pilha de caderno assim[demonstrando com as mãos] pra casa, pra corrigir, que eu corrigia tudinho aquelescadernos, corrigia e ficava até meia noite, uma hora da manhã corrigindo, corrigiatudo, meu marido me ajudava sabe, minha cunhada também me ajudava. [...]. A luzde velas...

Quanto a organização das turmas, havia desde a construção do prédio de madeira, com

duas salas, a divisão entre meninos e meninas. Como explicita um ex-aluno, referindo-se ao

ano de 1968, quando cursou a primeira série, além do recreio a convivência entre meninos e

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meninas era restrita, quase “proibida”. O outro momento desse contato ocorria durante a

realização dos “exames”, com a tensão que lhe corresponde, quando tinham de se sentar em

carteiras duplas. Para além da “vergonha” de sentar ao lado de alguém do outro sexo,

incomodava com a estratégia docente a impossibilidade de “colar”, ou seja, consultar a

resposta do colega em caso de necessidade:

E na época que a gente ia fazer exame, eu lembro que na primeira série, no primeiroum aninho meu, que nós fomos fazer exame, que a gente ficava morrendo de medo.Morrendo de vergonha porque o exame era feito naquelas carteiras que sentavam emdois, era um menino e uma menina; então os dois ficavam com vergonha porque agente não tinha relação de amizade e relação de intimidade, assim como tem hoje, ea gente morrendo de vergonha porque estava sentado do lado de uma menina e amenina vice-versa... morria de vergonha por estar sentado do lado de um menino,então pra não colar né. Eu lembro que eu fiquei morrendo de vergonha no exame. Euaté chorei porque eu sentei ao lado de uma menina né. E só porque a gente tinha aquestão de, como diz assim, é, que você não tinha aquele contato, era proibido né, agente morria de vergonha por causa disso, é, mas no recreio a gente tinha amizade,mas na hora de sentar junto... (ENTR./EX-ALUNO T., 2014, p. 2)

As aulas até final dos anos de 1960 e início da década seguinte eram ministradas de

segunda a sábado. No sábado a disciplina ministrada era Artes, cujas atividades se dirigiam às

brincadeiras, aos trabalhos manuais:

E uma das coisas que eu tive, também, que se chamava matéria de Artes né; que hojetem a Educação Artística, mas a matéria que a gente fazia a gente aprendia a fazerbrinquedos, é serrar, e as meninas aprendiam a fazer bordado, aprendia a fazercrochê, então se preparando para ser dona de casa, pra ser mãe, todas essas coisas. Eos homens eram preparados para fazer os serviços. Hoje eu tenho a habilidade fazeruma coisa em casa, isso tudo eu aprendi na escola também, certo. (ENTR/EX-ALUNO T, 2014, p. 3).

Elementos das vivências escolares que parecem ter afetado esse sujeito, que cursou o

magistério e graduou-se em educação artística, além de permanecer como funcionário da

escola, desde os anos 1970 até o momento presente.

Até final dos anos 1960 a escola no distrito de Batayporã oferecia somente o ensino

primário. Outro aspecto que a escrituração escolar evidencia é que havia alunos que se

matriculavam na primeira série durante a adolescência e possivelmente devido a inexistência

de oferta das séries seguintes na própria cidade, a maioria encerrava sua educação formal na

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Nas lembranças do aluno T., referindo-se ao final dos anos de 1960 e início dos 1970,

esses aspectos aparecem em vários momentos, entrelaçados com a valorização crescente da

educação formal, a ampliação das instituições e da oferta de educação pública:

[...] eles trabalhavam na roça, na lavoura, então eles vinham pra escola e os paistambém... tinha muito pais ignorantes que não... eu não estudei por que que eu vouestudar meu filho? Então tinha muito disso, então até enfiar na cabeça da pessoa etal, principalmente mulheres, por exemplo, as meninas, eu tinha aluna na sala deaula lá que já estava na idade de casar... certo? [...]. E é uma pena que na época ospais falavam não, você estudou até a 4ª, já sabe ler e escrever já tá bom demais. E eunão sei se ele [um colega] prosseguiu o estudo, eu tinha vontade até de encontraresse rapaz, [saber] o que que ele se tornou, se parou por ali. E muitos foiinterrompido após a 4ª série, uma pena.

Os aspectos privilegiados nesta parte do presente trabalho permitiram identificar

elementos parciais do funcionamento da escola, algumas das relações que se desenrolaram

durante as décadas privilegiadas e a função social que desempenhou na configuração da

cidade e na vida dos sujeitos que participaram de sua feitura. Sujeitos que, simultaneamente,

foram moldados em seu interior, em suas práticas e discursos.

Considerações em movimento

O artigo buscou uma aproximação da relação entre a constituição da cidade de

Batayporã, inscrita em um projeto de colonização efetivado na região do Vale do Ivinhema e a

primeira escola que se organiza na localidade nos anos de 1955, pinçando e enfatizando

acontecimentos das décadas de 1950 e 1960.

A primeira parte do trabalho descreveu o processo de colonização e a criação da

Escola Rural Mista, enfatizando as transformações ocorridas em suas edificações e o processo

de instauração da educação formal na cidade de Batayporã. A criação da escola foi um

empreendimento que contou com esforços da própria Companhia colonizadora e da

comunidade, interessados em fazer funcionar a máquina escolar e a escolarização de crianças

e adolescentes, como uma das condições ao desenvolvimento da colônia.

Na segunda parte buscou-se uma aproximação do funcionamento da instituição

escolar, dando ênfase a algumas das lembranças de dois sujeitos que participaram de sua

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história, nas décadas de 1950-1960. Lembranças que são moldadas pelas vivências e pelo

tempo presente.

Considerou-se que a instituição contribuiu para a composição de subjetividades

moldadas em processos de escolarização; e, simultaneamente, os sujeitos, suas memórias,

permanecem imprimindo e mesmo ampliando a função social que a Instituição desempenhou

na configuração da cidade e na própria formação, como também na educação de outras

crianças e jovens que dela participaram, nos diferentes momentos históricos.

REFERÊNCIAS

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VIDAL, D. G. Tecendo história (e recriando memória) da escola primária e da infância noBrasil: os grupos escolares em foco. In: ______ (Org.). Grupos escolares: cultura escolarprimária e escolarização da infância no Brasil (1893-1971). Campinas: Mercado das Letras,2006.

ZILIANI, J. C. Colonização: táticas e estratégias da Companhia Viação São Paulo Mato Grosso (1900 – 1960), 2010. 246 fls. Tese de Doutorado (Faculdade de Ciências e Letras de Assis), Universidade Estadual Paulista, Assis.

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FONTES

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BRASIL. Ministério da Educação. Lei n° 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa as diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2° graus. In: SAVIANI, D. Política e educação no Brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação do ensino. 2. ed. São Paulo, SP: Cortez: Autores Associados, 1988. Apêndice. p. 137-148.

ENTREVISTA. Professora E. Realizada em 29 de set. de 2014. Batayporã, 2014. 18 fls.

ENTREVISTA. Aluno T. Realizada em 28 de nov. de 2014. Batayporã, 2014. 13 fls.

IMAGEM 1. Primeira professora e turma da Escola Rural Mista, 1955. Centro de Memória“Jindrich Trachta”, Batayporã, MS.

IMAGEM 2. Alunos e Grupo Escolar de Batayporã, 1961. Centro de Memória “Jindrich Trachta”, Batayporã, MS.

IMAGEM 3. Alunas da Escola Rural Mista, em atividade cívica no dia 21 de abril de 1955. Centro de Memória “Jindrich Trachta”. Batayporã, MS.

IMAGEM 4. Alunos da Escola Rural Mista, em atividade cívica no dia 21 de abril de 1955. Centro de Memória “Jindrich Trachta”. Batayporã, MS.

MATO GROSSO. Decreto n. 2066, de 04 de março de 1955. Cria uma Escola Rural, Mista, no lugar denominado Samambaia, em Bataiporã, município de Bataguassú. D. O. n. 12.881, de 10 março de 1955. Cuiabá, MT, 1955.

MATO GROSSO. Decreto n. 813, de 12 de fev. de 1969. Regulamenta a criação do Ginásio Estadual de 1º Grau “Jan Antonin Bata”. Cuiabá, 1969.

MATO GROSSO. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. Mensagem apresentada pelo Governadordo Estado de Mato Grosso, Fernando Corrêa da Costa, por ocasião do início da Legislatura de1952. Imprensa Oficial [do] Estado de Mato Grosso. Cuiabá: Arquivo Público de MatoGrosso, 1952.

MATO GROSSO DO SUL. Decreto n. 9.104, de 12 de jun. de 1998. Regulamenta a denominação da Escola Estadual “Jan Antonin Bata”. D. O. n. 4.770, de 13 de jun. de 1998. Campo Grande, MS, 1998.

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