Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    1/9

      1

    CIÊNCIA, TECNOLOGIA, GÊNERO1 E OS PARADIGMAS CIENTÍFICOS2 

    Carvalho, Marilia Gomes de 3 Universidade Tecnológica Federal do Paraná

    Resumo

    As mulheres estão cada vez mais participando da produção científico-tecnológica,abordando temas peculiares às suas situações concretas de vida. A metodologiaqualitativa utilizada em grande parte dos estudos sobre C.T.eG, o olhar feminino

     para a realidade social e a sua interpretação estão mudando a ciência. Esta área deestudo traz para discussão a exclusão histórica que as mulheres sofreram e vêmainda sofrendo no campo científico-tecnológico, o que nunca foi tema das pesquisasmasculinas. Propõe-se trazer para reflexão a diversidade dos temas tratados no VIIICongresso Iberoamericano de Ciência, Tecnologia e Gênero realizado no Brasil em

    2010, nos eixos temáticos, conferências e mesas redondas, fazendo uma análise dostemas abordados, as metodologias de pesquisa utilizadas, questionando se ostrabalhos científicos apresentados e discutidos estão contribuindo ou não para amudança do paradigma tradicional de ciência. Ou será possível falar em rompimentodeste paradigma?

    Palavras chave: C,T.eG; Congresso Iberoamericano; Paradigma científico.

    Abstract

    Women are today producing more and more science and technology, studing particular themes in according with their lives. The qualitative methodology used inmost studies about Science, Technology and Gender (S,T.andG), a female view tothe social reality and its interpretation are changing science. These studies discussthe women historical exclusion of the scientific and technological field, theme thatmen didn’t research. In this article we reflect about the diversity of the studies

     presented on the VIIIth Iberoamerican Congress of Science, Technology and Genderin Brazil at 2010 in the different activities as research groups, conferences and roundtables. Their themes and methodology are analyzed, asking if they are changing thetraditional scientific paradigm. Or is it possible to say on rupture of this paradigm?

    Keywords: S.T.andG; Iberoamerican Congress; Scientific Paradigm.I

    Os estudos de C,T.eG realizados por mulheres cientistas mostram dentre outrascoisas, em primeiro lugar, que as mulheres sempre produziram conhecimento e, em

    1 Sempre que se fizer referência aos estudos relativos ao campo Ciência, Tecnologia e Gênero usar-se-á asigla C,T.eG.2 Este artigo está baseado em CARVALHO, Marília Gomes de (2011) “Estudos de ciência, tecnologia egênero: rompendo paradigmas?”CARVALHO, Marilia Gomes de (org.) Ciência, Tecnologia e Gênero:

    abordagens iberoamericanas. Curitiba. Ed. UTFPR, (2011), pp. 407-415. 3

     Dra. em Antropologia Social. Profa. do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE) daUniversidade Tecnológica Federal do Paraná. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas sobreRelações de Gênero e Tecnologia do PPGTE/UTFPR. [email protected]

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    2/9

      2

    segundo, que a ciência produzida pelos homens através de séculos, nem semprecontemplou as necessidades femininas.A presença das mulheres na Academia, nas Universidades e nas carreiras científicasnão se fez sem obstáculos nem desafios. Várias pesquisas nesta área doconhecimento revelam as dificuldades que elas enfrentaram assim como as

    discriminações e preconceitos que vivenciaram. Mas nem por isso elas deixaram de pesquisar, conhecer e trazer para a humanidade soluções inusitadas. A curiosidade éinerente a qualquer ser humano, seja homem ou mulher assim, tanto um quantooutro têm a mesma capacidade de realizar pesquisas científicas e produzirconhecimento.Aconteceu que historicamente o campo científico foi apropriado pelos homens queaí passaram a exercer a prática científica com exclusividade masculina. O mundocientífico foi então construído sob regras e códigos androcêntricos e patriarcais cujascaracterísticas são principalmente a objetividade e a racionalidade, característicasestas, que não se encaixavam nas características consideradas femininas pelasociedade da época (séculos XV-XVI-XVII).

    Após a Revolução Industrial, já consolidada na Europa no século XIX, ocorre umdesenvolvimento tecnológico essencial para o aumento da produtividade e oconsequente aumento da acumulação de riqueza, fundamental para o capitalismo. Asmulheres também foram excluídas das invenções e inovações tecnológicas, pois suasatividades estavam limitadas à esfera privada da domesticidade e maternidade.Mesmo as mulheres operárias que trabalhavam nas fábricas, apenas movimentavamas máquinas, mas não as concebiam. Por outro lado, o conhecimento tecnológico

     produzido pelas mulheres no ambiente doméstico não era considerado útil para omercado capitalista e representava, digamos assim, um conhecimento de “segundaclasse”, desvalorizado e não-científico. Assim, ciência e tecnologia foramconstruídas majoritariamente por homens, dentro de uma lógica masculina.A construção social do gênero, ou seja, como os homens aprendem o que devem serna sociedade e como as mulheres, da mesma forma, aprendem os padrões femininos,ocorreu na sociedade ocidental de uma maneira binária e dicotômica. Se formosanalisar as características associadas ao feminino, por exemplo, a delicadeza, aafetividade, a paciência, a submissão, a fraqueza física, o conhecimento tácito-intuitivo, são características que não podem estar presentes na construção científico-tecnológica. Elas atendem as necessidades da esfera privada, destinada às mulheres.Estas são características opostas e contraditórias às masculinas como aagressividade, competitividade, a força física, o agir racional e objetivo que estão

     presentes no mundo científico-tecnológico, e se realizam na esfera pública,

    tradicionalmente destinada aos homens. Não se pode negar que há umahierarquização social destas características historicamente consideradas femininas emasculinas assim como das mulheres e dos homens que as reproduzem (asfemininas possuem menor valor econômico).Por serem construções sociais, elas não são exclusivas das mulheres e há homensque também as apresentam. O mesmo se dá com as características masculinas. Porserem socialmente construídas, há mulheres que as assumem e que se comportamcomo homens, (de acordo com a construção social das pessoas do sexo masculino),apesar de nem por isso deixarem de ser mulheres. Aqui cabe uma relativização: estadivisão binária e dicotômica do que representa ser mulher ou homem nãocorresponde à realidade, (apesar das pressões que tanto elas quanto eles sofrem para

    reproduzi-las). Homens podem reproduzir características “femininas” no decorrer desuas vidas ou em situações específicas que estão vivenciando, da mesma forma que

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    3/9

      3

    mulheres podem assumir características “masculinas”, de acordo com as situações

    ou necessidades sociais que estão vivendo.Daí surge a pergunta: para as mulheres fazerem ciência e tecnologia elas devem se“masculinizar’? O fato das mulheres serem capazes de produzir conhecimentos

    científicos leva necessariamente à perda de suas características socialmente

    reconhecidas como femininas? É claro que não. A história da ciência e os exemplosdos estudos de C,T.eG estão repletos de nomes de mulheres cientistas que produziram ou vêm produzindo ciência, sem contudo deixarem de ser mulheres4.Mas os fatos trazidos pelas pesquisadoras sobre a produção científica das mulheresmostraram que elas não a produzem sob as mesmas condições que os homens. Aconsequência dos papéis femininos na esfera privada (cuidados domésticos, dosfilhos, doentes, idosos...), nem sempre permitem uma dedicação integral à pesquisacientífica que, dependendo de sua especificidade, assim o exige. Os resultados das

     pesquisas qualitativas realizadas com estas mulheres mostraram em seusdepoimentos os desafios que elas encontram para realizarem o trabalho científico.Isto acontece porque se, por um lado, as mulheres estão assumindo

    responsabilidades na esfera pública como, por exemplo, nas universidades ouinstitutos de pesquisa, para a produção de conhecimento científico e tecnológico, poroutro, os homens não adentraram na esfera privada, a fim de compartilhar com suasmulheres as atividades do cuidado, características do trabalho feminino no âmbitodo lar.É possível analisar esta questão sob uma perspectiva feminista. O fato dos homensestarem envolvidos nas atividades da esfera pública, social e economicamentereconhecidas e mais valorizadas, associadas à lógica da sociedade patriarcal, herançada sociedade européia que teve sua origem nos gregos, leva à formação de umasociedade onde os homens exercem o poder sobre as mulheres, sendo eles osdominadores e elas as subordinadas. Este fato se apresenta a eles como “natural” e

    foi preciso muita luta para que as feministas mostrassem aos homens e à sociedadede uma maneira geral, que esta construção histórico-cultural deveria ser modificada,ao mesmo tempo em que elas criavam espaços em várias dimensões sociais ondehistoricamente eram excluídas. Este processo não aconteceu sem grande esforço dasfeministas, nem sem lutas e perseguições às mulheres que ousavam transgredir os

     padrões vigentes. É um processo de mudança cultural de muitos conflitos eresistências, mas que por certo está trazendo alterações na sociedade que estádeixando de ser exclusivamente dominada pelos homens e passando a ser umasociedade onde as mulheres estão encontrando seu espaço em diferentes atividadesque não apenas na esfera doméstica.

    A crítica feminista à sociedade de tradição patriarcal incide sobre a exclusão dasmulheres de várias dimensões da vida que resultou em diversos movimentos sociais.Como exemplos pode-se citar a luta pelo voto, ainda no século XIX, que reverteuem um dos primeiros movimentos de mulheres pelos seus direitos civis, (o direito aovoto hoje já foi alcançado nas sociedades ocidentais), a participação da mulher no

    4 Estas “mulheres” aqui referidas são aquelas que se pautam nos padrões da sociedade ocidental, branca,letrada, cristã, colonizadora. Não se pode esquecer que há muitas outras mulheres que não estão incluídasneste modelo. Haraway, (1980), chama atenção para o fato de que quando se fala de mulheres cientistas o

     padrão é o acima citado, porém há mulheres colonizadas, como as negras, chicanas, indígenas, além deoutras, que nem sempre estão incluídas no mundo da ciência androcêntrica. HARAWAY, Donna.(1980)”Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX”. SILVA, Tomaz

    Tadeu (org.) Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte, Autêntica (2000), pp. 37-129.

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    4/9

      4

    mercado de trabalho em condições de igualdade de salário e de ascensão profissionalcom os homens, (não totalmente bem sucedida), a inexpressividade da participaçãodas mulheres na política, a discriminação das mulheres em cargos de chefia e dedecisão em diversos ambientes de trabalho, a luta contra a violência de qualquer tipo

     praticada contra as mulheres. Esta crítica feminista aparece também com relação aos

    temas de investigação das pesquisadoras feministas que vêm participando dosCongressos Iberoamericanos de Ciência, Tecnologia e Gênero desde o ano 1996 doséculo passado. Elas reivindicam a participação mais efetiva das mulheres, a suainserção, aceitação e reconhecimento no mundo da ciência e da tecnologia em seus

     países.Apesar das resistências as mulheres fazem parte do mundo científico-tecnológico.Durante muito tempo ficaram na invisibilidade, proibidas de aparecer na sociedadecomo cientistas, utilizando nomes masculinos ou cedendo os resultados de suas

     pesquisas a maridos, pais ou irmãos5, pois o trabalho científico era feito no ambientedoméstico e as mulheres participavam dele da mesma forma que os homens, porémnem sempre lhes era permitido assumi-los.

    A partir do momento em que foram criados os laboratórios de pesquisa e asuniversidades, as mulheres foram excluídas da possibilidade de fazerem pesquisascientíficas, uma vez que o acesso a estes ambientes lhes era proibido, pelo menos atéo final do século XIX e início do século XX.6. Vimos que ciência e tecnologia foramconstruídas sob bases masculinas, com interesses masculinos e resultados queatendessem às necessidades masculinas cujos paradigmas científicos desta épocaestavam pautados na objetividade absoluta e na crença de uma neutralidadeindiscutível. Acreditava-se que os homens, com sua racionalidade “exuberante”,eram capazes de produzir um conhecimento revelador de verdades universais edefinitivas.As referências para o estudo do corpo humano (realizado pelos homens), porexemplo, eram acerca do corpo masculino. Até o final do século XVII não secogitava a especificidade de um corpo feminino, com características diferenciadas7.O conhecimento das parteiras sobre o corpo das mulheres não era consideradocientífico e foi em alguns momentos históricos acusado de bruxaria. Da mesmaforma, o olhar sobre os primatas, no caso da primatologia, era tendencialmentemasculino, sendo o comportamento destes animais explicado através de observaçõesdos machos. As fêmeas e suas crias eram vistas como animais passivos quedependiam dos machos para a sua sobrevivência. Quando as mulheres primatólogasdesenvolveram estudos nesta área, seus olhares se detiveram no comportamento dasfêmeas e elas então descobriram as inúmeras atividades realizadas por estas fêmeas

    dentro do grupo, tais como garantir o alimento do grupo, fazer utensílios primitivos,e a escolha de seus parceiros sexuais, fatos que revelaram que elas não eramabsolutamente passivas.8 A presença das mulheres na pesquisa científica trouxe à tona uma série de temas atéentão não abordados, como os estudos sobre a subjetividade humana sob a ótica

    5 CASAGRANDE, Lindamir, SCHWARTZ, Juliana, CARVALHO. Marília Gomes de, LESZCZNSKI,Sonia Ana. (2005) “Mulher e ciência: uma relação possível?” Cadernos de Gênero e Tecnologia.Curitiba, n. 4 ano 1, pp. 31-45.6 SCHIENBINGER, Londa. (2001) O feminismo mudou a ciência? Bauru, Edusc.7 LAQUEUR, Thomas (2001) Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud, Rio de Janeiro,RelumeDumará. 8

      HARAWAY, Donna (2000) op. cit., SHIENBINGER, Londa (2001) op. cit., PÉREZ SEDEÑO,Eulália (2007) Cien años de soledad...y olvido. Universidad de Cantabria..

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    5/9

      5

    feminina e não sob a ótica dos psicanalistas masculinos. Verdades universais foramquestionadas. O método qualitativo passou a ser utilizado juntamente com métodosquantitativos, pois muitos estudos baseavam-se em experiências pessoais esubjetivas onde a pesquisa qualitativa é mais indicada.A crítica feminista faz vários questionamentos sobre o saber científico masculino.

    Em primeiro lugar sua posição de poder diante de outros saberes igualmenteimportantes para a sociedade. O poder masculino esteve ligado ao conhecimentocientífico e tecnológico e quando as mulheres passaram a também produzir estesconhecimentos, os homens reagiram, considerando-os como não científicos, sem oembasamento do tradicional método científico. Os fenômenos que atraíam asmulheres para a pesquisa científica foram diferentes dos interesses masculinos. É sóolharmos os estudos na área de C,TeG e observarmos os temas que interessaram àsmulheres que os investigaram para percebermos que são assuntos voltados aosinteresses femininos e que também merecem pesquisa científica.

    II

    A fim de fundamentar as afirmações até aqui feitas sugere-se um olhar para o teordos debates e discussões que ocorreram por ocasião do VIII CongressoIberoamericano de Ciência, Tecnologia e Gênero realizado na UniversidadeTecnológica Federal do Paraná, em Curitiba-PR/Brasil, em abril de 2010.As comunicações de pesquisa trouxeram os mais diversos resultados de investigaçõesrealizadas em sua maioria por mulheres cientistas das diferentes áreas doconhecimento. Estas comunicações seguiram os seguintes eixos temáticos propostos

     pelo Congresso: Gênero da História, Filosofia e Sociologia da Ciência e daTecnologia; Mulheres Pioneiras em Áreas Científicas e Tecnológicas; EducaçãoCientífico-Tecnológica e Gênero; Gênero e Divulgação Científica e Tecnológica;Discursos e Práticas Femininas na Ciência e Tecnologia; Gênero e o Sistema dePesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Divisão Sexual do Trabalho eProfissões Científicas e Tecnológicas; Saúde, Ciência, Tecnologia e Gênero;Inovações Tecnológicas (Biotecnologia, Nanotecnologia, etc) e Gênero; Design,Tecnologia e Gênero; Mídia, Gênero e Tecnologia; Gênero e Apropriações da Ciênciae da Tecnologia; Gênero e Tecnologias de Informação e Comunicação; Ciência eTecnologia: Inclusão / Exclusão das Mulheres9.Este Congresso contou com a participação de inúmeras mulheres renomadas na áreacientífica dos países iberoamericanos, proferindo conferências e trazendo temasimportantes para o debate nas mesas redondas a partir de suas investigações. Alguns

    assuntos abordados serão apresentados a seguir 

    10

    .Foi feito um alerta para os perigos que o desenvolvimento científico e tecnológico pautado nos princípios masculinos traz para o futuro do planeta e a continuidade daespécie humana. O modelo patriarcal de ciência e tecnologia foi criticadoconsiderando que há nele uma separação entre a humanidade e a natureza. O trabalhotradicionalmente realizado pelas mulheres de cuidar da vida, assim como da natureza,não são considerados como parte do sistema econômico, porém é o trabalho delas quesustenta a vida. As mulheres cientistas devem buscar novos métodos e novas

    9 A íntega das comunicações estão publicadas em formato CD, com ISNN 2177-3467 e também no sitehttp://200.134.25.85/eventos/cictg/ último acesso em 4/01/2012.10

     Os comentários que serão realizados na sequência deste artigo encontram-se em CARVALHO, MaríliaGomes de (2011). “Apresentação”. CARVALHO, Marília Gomes de (org.) Ciência, Tecnologia e

    Gênero: abordagens iberoamericanas. Curitiba. Ed. UTFPR. (2011) pp. 11-25.

    http://200.134.25.85/eventos/cictg/http://200.134.25.85/eventos/cictg/http://200.134.25.85/eventos/cictg/

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    6/9

      6

     pesquisas a fim de que possam encontrar conhecimentos que garantam asustentabilidade da vida e da natureza. Considerou-se que as mulheres sempre produziram conhecimentos científico-tecnológicos, pois fazer ciência e criar tecnologia fazem parte do que significa serhumano. A presença ou ausência das mulheres na ciência e tecnologia (as

    reconhecidas como tal pelo poder androcêntrico), afetaram a direção tomada nestasáreas. Investigações sobre a saúde e enfermidades poderiam ser diferentes caso fossemrealizadas por mulheres. Foi ressaltada e necessidade de se fazer mais pesquisas eanálises na área de C,TeG para saber melhor se, caso as pesquisas fossem realizadas

     por mulheres, seus resultados seriam realmente diferentes. As investigações médicas, por exemplo, não podem basear-se apenas no corpo masculino, mas devem levar emconsideração as especificidades do corpo feminino, tanto nos diagnósticos como nostratamentos.A diversidade dos gêneros no campo da ciência e da engenharia enriqueceria ostrabalhos relacionados à tecnologia, contemplando outras questões, ausentes nosinteresses de muitos engenheiros homens. O resultado desta diversidade poderia ser,

     por exemplo, a promoção do desenvolvimento sustentável. O planeta necessita davisão das mulheres e de suas vozes, unidas às dos homens, para buscar soluções aos

     problemas existentes.O tema sobre a participação das mulheres em expedições científicas foi trazido paradebate, pois são apresentadas como expedições compostas exclusivamente por

     pesquisadores homens. Em uma retrospectiva histórica, desde a Grécia Antiga, IdadeMédia, grandes navegações dos descobrimentos, expedições científicas, a expansãomarítima, as viagens do século XIX, até as pioneiras na aviação e a conquista espacialfoi analisada a presença das mulheres. Alguns nomes foram citados, seus feitos econtribuições para a ciência e o conhecimento dos novos territórios, sob a óticafeminina. Margaret Mead foi mencionada como uma antropóloga pioneira que comsua pesquisa entre os Samoa da Nova Guiné, trouxe material para a antropologia norteamericana com conhecimentos sobre crescimento e adolescência e uma abordageminusitada naquela sociedade com respeito à construção cultural dos mundosmasculinos e femininos.A descrição de um congresso de medicina realizado em Lisboa no início do século XXmostra a pequena participação das mulheres e as dificuldades que elas encontravam

     para se inserirem no meio das ciências médicas da época. A maioria das cientistaseram francesas e norte-americanas, mas muitas eram inscritas apenas com ossobrenomes de seus maridos, sendo que seus títulos –  Dra. ou Professora  –  não erammencionados como o eram para os homens. Eram anunciadas apenas como “Madame” 

    ou “Mademoiselle” ,  o que revela uma forma de discriminação. Nesta época haviatambém congressos feministas que reuniam mulheres cientistas profissionais emarcavam a contribuição das mulheres para a ciência. O cruzamento dos nomes,sobrenomes, temáticas de estudo destes diversos congressos representam um vastocampo de investigação para conhecer as relações entre os congressos científicos e oscongressos feministas do início do século XX.Mulheres pioneiras na ciência e tecnologia em diferentes países foi outro assunto dedebate. Por exemplo, os registros sobre matrícula e titulação universitária segundo osexo surgem na Argentina somente a partir de 1940. Houve referências sobre a

     participação das cientistas argentinas na medicina, as mulheres astrônomas, ascientistas na área de química e suas descobertas. Há mulheres pioneiras na Antártida

    onde muitas delas (biólogas) fizeram pesquisas, contribuindo com descobertasimportantes. Apesar das vicissitudes das viagens para esta região do globo, estas

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    7/9

      7

    mulheres mostraram que foram capazes de participar das expedições científicas,abrindo espaço para outras que as sucederam.O objetivo de pesquisas na área de C,T. e G tem sido o de gerar referenciais paradocentes e estudantes que buscam a equidade entre homens e mulheres na ciência e naacademia. Detalhes sobre as carreiras e vidas particulares de mulheres cientistas de

    diferentes áreas do conhecimento poderão ajudar outras mulheres que estão iniciandosuas atividades científicas.Uma questão importante para os estudos de C,T. e G é a tensão que se cria com a

     participação cada vez maior das mulheres nas ciências e nas universidades. Surgemquestionamentos sobre as dificuldades de inserção das mulheres nas ciências, a faltade reconhecimento pelo trabalho feminino por parte da comunidade científica,universitária e da sociedade. De acordo com discussões ocorridas a discriminação dasmulheres nas ciências existe, porque o trabalho científico requer tempo e dedicação,mas elas sentem-se muito atingidas pela discriminação a nível pessoal, envolvidas naesfera privada e familiar, além dos preconceitos sociais que enfrentam.Muitas atividades antes exercidas por mulheres, como por exemplo, a cura de doenças

    ou o parto, foram apropriadas pelos homens. A ginecologia passou de uma atividadeexclusivamente feminina para a mão de médicos, através do uso de instrumentoscomo o fórceps ou medicalizando o corpo das mulheres. É importante conhecer ahistória da ciência sob a ótica de gênero a fim de enriquecer as mulheres em todos ossentidos.A comparação com as trajetórias das cientistas do início do século e as atuais ajuda acompreender as transformações que ocorreram neste processo. Estudo realizado emZaragoza-Espanha revela que para as primeiras, o grande obstáculo para seguiremuma carreira científica era os afazeres domésticos, a carga familiar, em particular ocasamento. No grupo das cientistas atuais há uma minimização do assunto domésticoque não surge como um problema a resolver. Os caminhos estão abertos para asmulheres que iniciam suas carreiras científicas, não somente no âmbito da produçãocientífica direta, mas também na sustentação e no engrandecimento da comunidadecientífica. Detalhes biográficos de mulheres cientistas, ressaltando desafios que elas enfrentam

     para desenvolverem suas carreiras e se afirmarem no mundo científico e políticoelucidam as visões diferentes de homens e mulheres sobre suas atividades diante do

     poder político e da carreira científica. São problemas que têm uma só origem: adivisão do trabalho e dos papéis de gênero em uma sociedade patriarcal que projetasua sombra sobre toda a atividade humana. 

     No âmbito dos estudos sobre C,T.eG os processos e produtos das biociências e

     biotecnologias estão condicionados por preconceitos de gênero e de sexo quecontribuem para reforçar ou modelar os corpos e seus significados sociais e de gênero.Em casos complexos como a intersexualidade, por exemplo, pergunta-se: comoalcançar a cidadania em corpos tutelados pela ciência que constrói violentamente averdade de seu sexo? Os paradoxos que se criam em crianças e adultos que não podemdecidir sobre seus próprios corpos demonstram que o problema não está na tecnologiae na ciência, mas na autoridade dos que decidem sobre o uso terapêutico dedeterminadas tecnologias.Os corpos sexuados das tecnologias biomédicas e sua relação com as tecnologias decomunicação, como mediadoras dos ideais reguladores do sexo/gênero representamoutro assunto importante para pesquisas sobre C,T.eG, assim como o estudo da

    evolução e a utilização dos testes de verificação de gênero no esporte olímpico talcomo aparecem na imprensa esportiva.

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    8/9

      8

    Ainda sobre a questão de gênero e mídia estudos têm mostrado como os meios decomunicação, sobretudo a propaganda, tratam os corpos sexuados. Historicamenteexiste uma ditadura dos corpos que atinge mais as mulheres, traduzida em vários tiposde violência como, por exemplo, o culto antidemocrático à magreza extrema, queocasiona o aparecimento de transtornos alimentares como a bulimia e a anorexia. Uma

    visão crítica das mídias e a necessidade de formular e levar à prática políticas públicasque controlem este tipo de propaganda poderão amenizar este fenômeno.Um debate sobre as políticas de governo que agilizem o processo mais equitativo de

     participação das mulheres na ciência e tecnologia, criando condições para queaumente a participação delas principalmente nas áreas mais androcêntricas comcerteza contribui para que se atinja o equilíbrio de gênero na produção científico-tecnológica.

    III

    É possível afirmar que poucos cientistas homens se interessariam por desenvolver

    investigações científicas sobre os temas debatidos na área de C,T.eG. As mulherestrazem, portanto à sociedade conhecimentos de realidades que ficariamdesconhecidas sem suas pesquisas.A crítica aos paradigmas universais da ciência cartesiana/positivista e à exigência deuma neutralidade científica que se sabe hoje não existir, não foi exclusividade dasfeministas. Popper em 1965 e Kuhn em 1962 já levantavam a questão da

     provisoriedade do conhecimento científico e a possibilidade da co-existência dediferentes paradigmas em uma mesma época11.Se considerarmos que o conhecimento científico é histórico e culturalmente situado,não é possível exigir que ele seja universal, definitivo e neutro. Diz Eulália PérezSedeño:

    “... el conocimiento es, sobre todo, uma práctica que tiene lugar en un contexto particular y es evaluado con respecto a fines particulares: la ciencia es un proceso yactividad de comunidades científicas insertas en contextos sociohistóricos concretosen cuyo seno encontramos valores personales, sociales y culturales, preferencias degrupos o individuales, de tipo cultural, social, que inciden o pueden incidir endiversos modos y grados sobre la práctica científica” (PEREZ SEDEÑO, 2007)12.

    Ainda de acordo com Pérez Sedeño, 2007, a crítica feminista é uma das correntesque mais tem contribuído para a reconfiguração da epistemologia e uma reflexãosobre a ciência. A partir desta crítica foi possível visibilizar o sistema de dominaçãomasculina na ciência e tecnologia, pois conforme foi visto anteriormente oconhecimento científico implica também em um sistema de dominação. Bandeira,

    2008, também explora a mesma crítica feminista sobre o poder masculino para aconstrução e o método científico e como esta crítica provocou uma rupturaepistemológica significativa, porque incorpora a importância da vida privada e dasubjetividade do/a pesquisador/a no processo do conhecimento13.Sabe-se que a mudança de paradigmas científicos é algo que não ocorre em poucotempo, pois eles existem justamente para balizar o fazer científico e dar legitimidade

    11 POPPER, Karl R. (1965). “A lógica da investigação científica” Os pensadores. São Paulo, Ed.Abril, (1975) vol. XLIV, pp.263-384. KUHN, Thomas S. (1975). São Paulo, Ed. Perspectiva.  Aestrutura das revoluções científicas, São Paulo, Ed. Perspectiva.12

     PEREZ SEDEÑO, Eulália, (2007) op. cit.13 BANDEIRA, Lourdes (2008). “A contribuição da crítica feminista à ciência”.  Revista Estudos Feministas. Florianópolis, vol 16, n.1, pp.207-228.

  • 8/18/2019 Ciencia Tecnologia Genero y Los Paradigmas Científicos

    9/9

      9

    ao conhecimento produzido com base no método científico. Porém ele não éimutável, pois enquanto construção social e produto histórico-cultural o métodosofre alterações, da mesma forma que a sociedade se modifica através dos tempos.Estas alterações muitas vezes são tão profundas que chegam a trazerquestionamentos ao próprio fazer científico e produzir outras possibilidades de

     buscar o conhecimento, criando novas formas de conhecer o mundo.A produção científica na área da C,T.eG representa o surgimento de inovaçõesepistemológicas, com propostas de transformações nos paradigmas científicostradicionais, especialmente com propostas múltiplas e pluridisciplinares, quefavoreçam a produção de conhecimento a respeito de grupos historicamentedominados, não só as mulheres, mas também outros grupos que foram excluídos dahistória.

     Neste sentido, tendo em vista a realidade específica dos países latinoamericanos,uma realidade de povos colonizados, cuja ciência e tecnologia foram construídas deacordo com os paradigmas dos países colonizadores, sugere-se que se poderia pensarna construção de uma epistemologia que contemple as particularidades da América

    Latina. Considerando que o conhecimento científico-tecnológico é situado,determinado pelas condições históricas de sua produção, em que pesem assemelhanças percebidas nos fenômenos da C.T.eG em todos os paísesiberoamericanos, não se pode negar que as condições latinoamericanas de produçãocientífico-tecnológica são diferentes dos países europeus. Estudos comparativossobre C,T.eG entre os diferentes países da América Latina e os países ibéricos

     podem revelar as especificidades destes fenômenos, tendo em vista as condições doscontextos onde eles ocorrem e do conhecimento que sobre eles é produzido.Voltando aos temas aqui tratados, gostaria ainda de fazer referência a um ponto queconsidero importante para os estudos de C.T.eG. Trata-se da produção detecnologias que vão atender as necessidades das mulheres. Pelo fato de terem sidohistoricamente excluídas do universo tecnológico, são os homens quem planejam,concebem e produzem artefatos, produtos e técnicas que irão suprir as necessidadesfemininas. Assim, tecnologias reprodutivas e conceptivas, por exemplo, sãodesenvolvidas de maneira a provocar intervenções no corpo feminino querepresentam muitas vezes verdadeiras agressões aos corpos das mulheres. Pode-se

     perguntar: será que se as mulheres tivessem tido a oportunidade de desenvolvê-las,elas não teriam criado algo diferente das tecnologias concebidas pelos homens? Oconhecimento científico-tecnológico produzido por mulheres, para mulheres seriamais adequado às necessidades e interesses femininos?São questões que os estudos de C.T.eG trazem para o debate, com o intuito de, não

    só combater a dominação masculina que existiu durante séculos sobre as mulheresno campo científico-tecnológico, mas também com o interesse de colocar emdiscussão questões epistemológicas que estão em processo de transformação.