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Ciências, culturas e tecnologias: Divulgações Plurais · O uso de formatos alternativos na divulgação das pesquisas científicas é, também, o tema do artigo de Germana Barata,

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EDITORABONECKER

EditoraBoneckerLtda

RiodeJaneiro

1ªEdição

Abrilde2019

ISBN:978-85-7077-067-7

Todososdireitosreservados.

Éproibidaareproduçãodestelivrocomfinscomerciaissempréviaautorizaçãodoautoreda

EditoraBonecker.

ProjetoGráfico:CelesteM.N.Ribeiro

C569Ciências,culturasetecnologias:divulgaçõesplurais[recursoeletrônico]/OrganizadorasMartaMourãoKanashiroeDanielaTonelliManica.–RiodeJaneiro(RJ):Bonecker,2019.217p.:16x23cm

Formato:EPUBMododeacesso:WorldWideWeb,LeitoresdeEPUBIncluibibliografiaISBN978-85-7077-067-7

1.DivulgaçãoCientífica.2.Ciência,TecnologiaeSociedade.3.PercepçãoPúblicadaCiência.4.Arte,CiênciaeTecnologia.5.ComunicaçãodaCiência.III.Título.

CDD372.35

RuaHermengarda,60,sala407

Méier,RiodeJaneiro–RJ–CEP:20.710-010Tel.:(+5521)4132-7122www.bonecker.com.br

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MartaMourãoKanashiroeDanielaTonelliManica

CIÊNCIAS,CULTURASETECNOLOGIAS:DIVULGAÇÕESPLURAIS

RiodeJaneiro,2019

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APRESENTAÇÃO

DanielaT.ManicaMartaM.Kanashiro(orgs.)

2018 revelou-se um ano fortemente marcado pelas crises política,econômica e institucional no Brasil. Cortes orçamentários recaíramsobreosmaisdiferentessetoresnopaís,dentreosquais,nãopodemosdeixarde citar aqui aquelesque se intensificaramde forma violenta eatingiramCultura,Ensino,CiênciaeTecnologia.Ospronunciamentosdeagênciasdefomento,deuniversidadespúblicas(federaiseestaduais),ede associações e sociedades científicas têm sinalizado, de formarecorrente, o retrocesso desastroso que tais cortes devem causar,incluindogravesconsequênciasparaodesenvolvimentonacional.

Énestecenário,àprimeiravistapoucoanimador,queoMestradoemDivulgação Científica e Cultural (MDCC), do Laboratório de EstudosAvançados em Jornalismo (Labjor) e do Instituto de Estudos daLinguagem(IEL),daUnicamp,completadezanosdeexistência.Nãoàtoa, os dois últimos eventos anuais[1] (Edicc) vinculados ao MDCCtiveramcomotemaaresistênciadiantedosdesafiosquesecolocamnocotidiano e no horizonte, apontando para a busca por um futuro quenão seja aquele do pretérito, condicionado e indicativo de surpresa,incertezaeindignação.

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Ciências,culturase tecnologias:Divulgaçõespluraisdeveser lidonachave da insistência diária que o momento nos exige e também nosentido alegre dos encontros e da comemoração desse decênio de(r)existência.Afinal,

Vivemosemummundodesagradável,ondenãoapenasaspessoas,masos

poderes estabelecidos têm interesse em nos comunicar afetos tristes. A

tristeza,osafetostristessãotodosaquelesquediminuemnossapotênciade

agir. Os poderes estabelecidos têm necessidade de nossas tristezas para

fazer de nós escravos. O tirano, o padre, os tomadores de almas, têm

necessidadedenospersuadirqueavidaéduraepesada.Ospoderestêm

menosnecessidadedenosreprimirdoquedenosangustiar,ou,comodiz

Virilio,deadministrareorganizarnossospequenosterroresíntimos...Nãoé

fácil ser um homem livre: fugir da peste, organizar encontros, aumentar a

potênciadeagir,afetar-sedealegria,multiplicarosafetosqueexprimemou

envolvemummáximodeafirmação.(DELEUZE,1998,p.50-51)

É assim que a construção coletiva do Mestrado e do Programa dePós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural (PPG-DCC),composto também pelo Programa de Pós-doutorado almeja novosobjetosde investigação, abordagens teórico-metodológicasdiversasepossibilidadesdedivulgaçãoquesejampluraisedissonantes.

Os trabalhos que seguem reunidos neste livro refletemesse esforçocoletivodeprofessores,pesquisadoreseestudantesenvolvidosnessaconstrução e na busca constante de diálogos e convergênciaspossíveis, afirmativas e potentes, entre suas diferentes perspectivascientíficas e as múltiplas formas de expressão de conhecimentos,culturas,tecnologias,arteseciências.Essearranjodetextosrepresentaum vasto campode pesquisa e criação a ser explorado e espelha asquatro linhasdepesquisaqueestruturamoprograma (PPG-DCC) eoLabjor[2].

Considerando o caráter comemorativo dessa reunião de textos,iniciamosestacoletâneacomare-publicaçãodeumartigopublicadonarevista Journal of Science Communication em 2009, que detalha o

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programadeMestradoemDivulgaçãoCientíficaeCultural: “Mestradoem divulgação científica e cultural: relatos preliminares de umaexperiência inovadora no Brasil”, de autoria de Carlos Vogt, MarceloKnobel e Vera Camargo. O texto datado representa um documentohistóricoquemarcaatrajetóriaeoprojetodomestradoemseuinício.

A partir do segundo texto, a coletânea traz um material atual, querepresenta as revisões das linhas de pesquisa do programa de pós-graduaçãoparasuaconsolidação.“Oqueéletramentocientíficoequala sua relação com cultura científica, percepção pública da ciência ejornalismo científico” abre esse material, partindo do conceito de“letramentocientífico”paraexplorarconvergênciascomastemáticaseconceitosdocampodadivulgaçãocientífica.Seuautor,RodrigoCunha,argumenta que, colocado em relação e contraposição ao conceito dealfabetizaçãocientífica,otermo“letramentocientífico”possibilitariaumaabordagemmenosautoritáriaeexcludenteemaisabrangentesobreaciência, no sentido em que permite incorporar seus usos e sentidossociais.

AspectosdecidadaniaerelaçõesdepodersãotrabalhadosporGraçaCaldasno terceiroartigo, “DivulgaçãoCientífica,RelaçõesdePodereCidadania”. A autora enfatiza o caráter público da ciência e aimportância da cultura científica para o exercício da cidadania.Considerando o contexto recente de retrocessos políticos efundamentalismos,otextoindagasobrerelaçõeseembatesentreessesconceitos e valores existentes na sociedade, tendo em vista apercepçãopúblicadaciência.Educadores,comunicadores,cientistasedivulgadorestêmaimportantefunçãodepossibilitar“leiturascríticasdomundo”, ainda que enfrentando imensas dificuldades estruturais queenvolvem os universos da educação e da ciência. A formação dojornalistaedivulgadorcientíficodeve,segundoaautora,capacitarparacontextualizar informações e articular melhor os fatos, o que

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possibilitariaumapercepçãopúblicamaisconsolidadadaciênciacomobem público e como uma agenda social urgente. Caldas situa, nadivulgação científica, uma ação de importância fundamental para areduçãodasdesigualdadessociaiseapromoçãodacidadania.

Alguns experimentos para comunicar a ciência em articulação complataformas digitais são apresentados no trabalho de Vera Camargo,GildenirCarolinoSantos,AndreGarcia,EricaMariosaMoreiraCarneiro,MarinaGomes eCamila Delmondes, “A comunicação da ciência feitanas universidades: experimentações e projetos para alcançar osmaisdiversospúblicos”.Sãodescritosdoisprojetos,comosquaisoLabjoresteve diretamente envolvido. O primeiro “Portal de PeriódicosEletrônicos Científicos (PPEC)”, consiste na experiência de reunirperiódicoscientíficosproduzidosnaUnicampemumaúnicaplataformadigital. O segundo caso abordado é o projeto “Blogs de Ciência daUnicamp”, composto por blogs de pesquisadores e docentes daUnicampquetêmsededicadoaregistrarsuasatividadesdepesquisanumformatoalternativo,maisatrativoedefácilmanejoquealinguageme formato dos artigos científicos. A experiência com os blogs tempermitidoqueos resultadosepráticasdepesquisaalcancemtambémumpúblicomaisamplo,contribuindoparasuadivulgação.

Ousodeformatosalternativosnadivulgaçãodaspesquisascientíficasé, também, o tema do artigo de Germana Barata, “É hora deinstitucionalizarasredessociaiscomomeiodecomunicaçãorelevanteentre ciência e sociedade”. Defendendo o uso responsável das redessociais digitais para a divulgação do trabalho de cientistas, a autoraargumentaqueaocupaçãodessesespaçoséimportanteparaampliaropúblicoleitordosresultadosdepesquisa,esuarelevânciasocialmentepartilhada.Sugere, nesse sentido, umaadequaçãodo formatodessaspublicaçõesquepermitaumacirculaçãomaisconfortávelparao leitor,que os acessa pela internet, majoritariamente a partir de dispositivos

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como o celular. Defende também a importância das universidades epesquisadores potencializarem seus usos das redes sociais tendo emvista uma aproximação não só com o público de estudantes, mastambémcomasociedadedemaneiramaisampla.

Na linhadaPercepçãoPúblicadaCiênciaedaTecnologia,MilagrosVargueseSimonePallonedeFigueiredocontribuemcomotexto“Brasile México: percepção pública da ciência e o impacto das políticascientíficas”, um esforço comparativo de pensar as políticas deC&T apartir daspesquisasdepercepçãopúblicadaciência conduzidasnosdois países da América Latina. Ao descrever e mapear odesenvolvimento e consolidação de estruturas administrativas (CNPq,Capes, MCT) e políticas orçamentárias para C&T no Brasil (PADCT eFNDCT), as autoras contextualizam os projetos que fomentam aproduçãode indicadoresdeciênciae tecnologia, e a importânciadosestudosdepercepçãopúblicaparasuaprodução.NoMéxico,conformeargumentam, a adesão à Organização para Cooperação eDesenvolvimentoEconômico(OCDE)foiumdosprincipaiscatalisadoresda necessidade de produzir essas informações, que passaram a sertambémorganizadasatravésdeumasériedepesquisasdepercepçãopública.

PartindodaperspectivadaAnálisedeDiscurso,em“Mídia,circulaçãoe discurso”, Cristiane Dias enfoca os dispositivos tecnológicos comoinstrumentos de mídia, pensando especificamente o processo dacirculação do discurso. A autora traz a questão do “ao vivo”,problematizando a usual concepção de que ele permitiria um melhoracesso à “verdade”. Segundo o texto, o sentido se constrói em umoutro tempo e lugar que não somente no momento presente do “aovivo”, considerando ainda a importância da dimensão técnica dosilêncio,cujasrelaçõesedesdobramentossãotrabalhados.

Em“Coletoresdocotidiano:ojornalistaliterário,oantropólogoesuas

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idas ao campo”, Rafael Evangelista e Beatriz Guimarães de Carvalhoexploram as sinergias entre o trabalho de campo antropológico e ojornalismoliterário.Recuperandoalgunsdospressupostosclássicosdapesquisa etnográfica (imersão em campo, convivência, observaçãodireta, escuta, participação), os autores argumentam pelasconvergências possíveis entre essa prática e a do jornalismo literário,diferenciandoestesegundodojornalismonoticioso,queseproduzemoutrotempoecomoutrosobjetivos.A“coletadocotidiano”seproduzpor técnicas e metodologias muito próximas para a antropologia e ojornalismo literário,queosautoresdescrevemao longodo texto.Elestambémdiscutemsuasdiferenciações, ligadas às especificidadesdosofícios de antropólogos e de jornalistas literários, e seus públicosdiversosdeinterlocutores.

“Comunicação,ciênciaedivulgaçãodosconflitossocioambientaisnoBrasil”, de Edvan Lessa dos Santos e Antonio Carlos Rodrigues deAmorim, trazadiscussãodadivulgaçãocientíficaparamateriaissobreos conflitos socioambientais. Trabalhando com conteúdo produzidopela Comissão Pastoral da Terra, o “Caderno Conflitos no CampoBrasil”, e pela Fiocruz, o “Mapa de Conflitos envolvendo InjustiçaAmbiental e Saúde no Brasil”, os autores mostram como estãoorganizadas narrativas sobre os conflitos socioambientais brasileiros,sobretudocomrelaçãoàcrisedaágua.

Atemáticadoclimaedasnarrativaspossíveissobreambiente,mundoe política estão tambémpresentes em “Entre limites abre-se ummar:fazer escuta para novos possíveis na política de comunicação dasmudanças climáticas”, de Susana Oliveira Dias, Carolina CantarinoRodrigues e Fernanda Pestana. As autoras propõem buscar, nalinguagem, “gestos que desejam levar ao limite o pensamento com acomunicaçãoeasmudançasclimáticas”.Numaescrita-políticacomasimagens produzidas no projeto e exposição Marmetria, as autoras

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exploram os limites e potências narrativas para pensar as linhas eentrecruzamentosentreartes,ciências,filosofiasecomunicações.

“‘Células bonitas’: vitalidade e tecnoestética em um laboratório debiologia celular”, de Daniela Tonelli Manica, Amanda Mendes Fraga,Karina Dutra Asensi e Regina Coeli Dos Santos Goldenberg traz osresultadosdeumapesquisaetnográficasobreas fotomicrografiasdascélulas-troncoestromaismesenquimaisdosanguemenstrual (CeSaM).Essasfotomicrografiassãoapresentadascomofocodaspercepçõeseafetostecnoestéticosdaspráticaslaboratoriais.Asautorasargumentamqueascélulastêmumaexcelenteresistênciaàscondiçõesambientaisem laboratório, e essa vitalidade se torna visível pelas imagensobservadaspelomicroscópioduranteoseucultivo.Comapropostadeuma pesquisa antropológica que também efetua uma divulgaçãocientífica, e de um feminismo especulativo, em “simpoiese” com asCeSaM,asautorasprocuramarticularessa tecnoestéticaàpercepçãodequesetratamdecélulas“durasdematar”.

Em “Gênero e Raça em ações coletivas na internet: explorandorelações e abordagens teóricas”, Márcia Maria Tait Lima e PaulaCarolinaBatistaprocuramtrazerperspectivasteóricasemetodológicaspara abordar as temáticas de gênero e raça da perspectiva dadivulgaçãocientífica.AsautorasrecuperamosurgimentodadiscussãosobregêneronocontextodosEstudosSociaisdaCiência (STS)edosEstudos Culturais a partir da década de 1960. Em diálogo com osmovimentossociaisesuaefervescênciapolíticanaépoca,earticuladosàs noções de cultura e de política, também a crítica das feministasnegras,odebatesobreinterseccionalidadequeproblematizaaquestãodo sujeito (inclusive, e sobretudo, para o feminismo) e as discussõessobre a “colonialidade” do conhecimento científico são abordados notexto.Asautoras finalizamcomumadiscussãosobreasmobilizaçõessociais na internet, que têm permitido que discussões sobre gênero,

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raça,sexualidadeeoutrosmarcadoresdediferençaededesigualdadessociaissejammobilizados.

Finalmente,encerrandoessacoletânea,otexto“Divulgartecnologias:por uma relação inventiva com as máquinas”, de Marta Kanashiro eDiegoVicentim,propõeumareflexãosobreasrelaçõesentreohumanoe a tecnologia. Recuperando as discussões sobre o tema a partir deváriosautoresdaFilosofia,Comunicação,SociologiaeAntropologia,edosEstudosdeVigilância,osautoresargumentampelanecessidadedapolitização das tecnologias de informação e comunicação e de umadivulgaçãodastecnologiasqueabarqueessadimensão.

Boaleitura!

[1] Desde 2012, estudantes do mestrado organizam anualmente o evento Encontro deDivulgação Científica e Cultural (Edicc). Para mais informações, acesse:http://www.labjor.unicamp.br/?page_id=3229

[2] Informações sobre o Programa de Pós-Graduação (PPG-DCC) e suas linhas de pesquisapodemserencontradasem:http://www.labjor.unicamp.br

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃODanielaT.ManicaMartaM.Kanashiro(orgs.)

MESTRADOEMDIVULGAÇÃOCIENTÍFICAECULTURAL:RELATOSPRELIMINARESDEUMAEXPERIÊNCIAINOVADORANOBRASILCarlosA.VogtMarceloKnobelVeraReginaToledoCamargo

OQUEÉLETRAMENTOCIENTÍFICOEQUALASUARELAÇÃOCOMCULTURACIENTÍFICA,PERCEPÇÃOPÚBLICADACIÊNCIAEJORNALISMOCIENTÍFICORodrigoBastosCunha

DIVULGAÇÃOCIENTÍFICA,RELAÇÕESDEPODERECIDADANIAGraçaCaldas

ACOMUNICAÇÃODACIÊNCIAFEITANASUNIVERSIDADES:EXPERIMENTAÇÕESEPROJETOSPARAALCANÇAROSMAISDIVERSOSPÚBLICOSVeraReginaToledoCamargoGildenirCarolinoSantosAndreGarciaEricaMariosaMoreiraCarneiroMarinaGomesCamilaDelmondes

ÉHORADEINSTITUCIONALIZARASREDESSOCIAISCOMOMEIODECOMUNICAÇÃORELEVANTEENTRECIÊNCIAESOCIEDADEGermanaBarata

BRASILEMÉXICO:PERCEPÇÃOPÚBLICADACIÊNCIAEOIMPACTODASPOLÍTICAS

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CIENTÍFICASMilagrosVarguezSimonePallonedeFigueiredo

MÍDIA,CIRCULAÇÃOEDISCURSOCristianeDias

COLETORESDOCOTIDIANO:OJORNALISTALITERÁRIO,OANTROPÓLOGOESUASIDASAOCAMPORafaelEvangelistaBeatrizGuimarãesdeCarvalho

COMUNICAÇÃO,CIÊNCIAEDIVULGAÇÃODOSCONFLITOSSOCIOAMBIENTAISNOBRASILEdvanLessadosSantosAntonioCarlosRodriguesdeAmorim

ENTRELIMITESABRE-SEUMMAR:FAZERESCUTAPARANOVOSPOSSÍVEISNAPOLÍTICADECOMUNICAÇÃODASMUDANÇASCLIMÁTICASSusanaOliveiraDiasCarolinaCantarinoRodriguesFernandaPestana

“CÉLULASBONITAS”:VITALIDADEETECNOESTÉTICAEMUMLABORATÓRIODEBIOLOGIACELULARDanielaTonelliManicaAmandaMendesFragaKarinaDutraAsensiReginaCoelidosSantosGoldenberg

GÊNEROERAÇAEMAÇÕESCOLETIVASNAINTERNET:EXPLORANDORELAÇÕESEABORDAGENSTEÓRICASMárciaMariaTaitLimaPaulaCarolinaBatista

DIVULGARTECNOLOGIAS:PORUMARELAÇÃOINVENTIVACOMASMÁQUINASDiegoJ.VicentinMartaM.Kanashiro

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MESTRADOEMDIVULGAÇÃOCIENTÍFICAECULTURAL:RELATOSPRELIMINARESDEUMAEXPERIÊNCIAINOVADORANOBRASIL[1]

Master’sDegreePrograminScientificandCulturalCommunication:PreliminaryreportsonaninnovativeexperienceinBrazil

CarlosA.Vogt[2]

MarceloKnobel[3]

VeraReginaToledoCamargo[4]

1.PRESSUPOSTOSEOBJETIVOS

1.1AdivulgaçãoCientíficaeCulturalNo mundo contemporâneo, onde os avanços da ciência e as

inovaçõestecnológicaspermeiamasrelaçõespolíticasecomerciais,aformulaçãode umapolítica científica que assegure a reflexão sobre aproduçãonacional e suacolocaçãode formacompetitivanomercadonacional e internacional mostra-se um imperativo inadiável. Nessecontexto,odivulgadorcientífico,queatuanainterfaceentreaciênciaea sociedade, exerce uma responsabilidade ímpar. O conhecimentoglobaldosistemadeC&Tparaumaintervençãocríticanoprocessodaprodução científica, na política de captação de recursos e na sua

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alocaçãoéessencialaoexercíciodojornalismocientífico.NoBrasil,aspesquisas em jornalismo científico são incipientes, e é necessáriotransporessesconceitosparaopesquisadoruniversitário,noscentrosde pesquisa, que poderá atuar na área, seja analisando o que faz ojornalismocientíficoeodivulgadorcientífico,sejaanalisandoosatuaisavançosemciência&tecnologiaesuaacessibilidadenoBrasilatual.

Aresponsabilidadesocialdojornalistaespecializadoemcoberturadeassuntosdaciênciaégrandeeprecisaserpartilhadacomoscientistas.Ambosdevemtrabalharemcooperação,emboranãonecessariamenteemcumplicidade,poisnemsempreosobjetivosdeumsãocompatíveiscomosdooutro.Ademocratizaçãodoconhecimentocientíficoépartedotrabalhodojornalista,quedeveestaraserviçodasociedadeenãodocientista.

NoBrasil, asmarcantes diferenças regionais reforçama importânciade uma política científica que leve em consideração as diferentesrealidades nacionais e contribua para atenuar essas discrepâncias.Embora nas últimas décadas o país tenha investido, com algumsucesso, na formação de pesquisadores, através da implantação decursosdepós-graduação,aexistênciade ilhasdeexcelêncianoSuleSudeste brasileiro evidencia a concentração do conhecimento nessescentros.Comoosprincipaisveículosdecomunicaçãoeas instituiçõesdepesquisaestão localizadosnessas regiões,adivulgaçãodaciênciasegueamesmatendência,numprocessoderealimentaçãocontínuadadistorção.Dessa forma,aproduçãocientíficadequemestánasáreas“marginais”poucas vezeschegaaoconhecimentodaopiniãopública,dasempresasedogoverno.Omesmoacontecenarelaçãoentrepaísesdesenvolvidos e subdesenvolvidos. Boa parte da divulgação científicaaindaéconstituídaportraduçõesdematériaseartigosdejornalistasoupesquisadores estrangeiros, em detrimento da produção nacional deC&T.

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Mesmo nos grandes centros de pesquisa brasileiros, boa parte daprodução científica e tecnológica permanece nas prateleiras dasinstituições,querpor faltadeconhecimentopúblico,querpor faltadeconscientizaçãoempresarialegovernamental.Resideaí,maisumavez,opapeldojornalistacientífico.

Já no caso da divulgação cultural, para que um espaço efetivo delinguagem crítica no jornal se constitua, em relação ao espaçoacadêmico, em algo que não seja uma glosa descorada do que já láestá, para que esse espaço possa funcionar não só como espaço deorientação do consumo e do gosto, mas também como lugar dereflexão atenta à especificidade dos novos objetos do presente, énecessárioqueosencarregadospelasuaocupaçãotenhamumpreparoparticular,cuja formaçãoreflexiva lhepermitaconhecerosparadigmascríticos dominantes, não para reproduzi-los, mas como forma deeliminardoseuprópriodiscursotodaglosainvoluntária.Essaformação,para os objetivos maiores da divulgação cultural e reflexão sobre aprodução contemporânea da cultura, deve obter-se, em resumo, pormeiodapráticadacríticaedadescriçãodosobjetoscontemporâneos,daidentificaçãodaslinhasdeforçaquetencionamoscamposculturaisdopresenteedoexercíciodaintervençãoculturalemtextosacessíveisa leitoresnãoespecializados.Apropostadaáreadeconcentraçãoemjornalismo cultural é, justamente, organizar as condições para aformaçãocontinuadadeprofissionaiscomesseperfil.

1.2ObjetivosdoMDCCO Mestrado em Divulgação Científica e Cultural, nos moldes ora

apresentados, tem como objetivo, portanto, formar um profissionalhíbrido, que trabalhe com a ideia do sistema global de C&T, e aomesmotempoquetenhaumaformaçãoculturalsuficienteparaproduziranálisescríticasereflexivasdosobjetos,sejamelesosavançosdaC&T,os modos em que se dá a própria divulgação científica em nossa

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sociedade,ouoseventosartísticoseculturaisdaatualidade.OCursodeMestradoencontraassimcomoparceirosnaturaisoLaboratóriodeEstudosAvançadosemJornalismo(Labjor)eoInstitutodeEstudosdaLinguagem (IEL), e alguns professores e pesquisadores doDepartamentodePolíticaCientíficaeTecnológica(DPCT)doInstitutodeGeociências (IG)edoDepartamentodeMultimeios (DMM)do InstitutodeArtes (IA)daUniversidadeEstadualdeCampinas (UNICAMP).Alémdesses,oLabjorcontacomaparticipaçãodecientistasdeoutrasáreasdoconhecimentodestaedeoutrasUniversidades,muitosdosquaisjáaderiramàideiadesteprojeto.

Nosso objetivo principal é capacitar pesquisadores e jornalistas quepossamsededicaraoestudomaisaprofundadodadivulgaçãocientíficae cultural, a partir de diversos enfoques, buscando sempre a suainterconexão. Não pretendemos incorrer no erro de analisar umadivulgação acrítica e fragmentada dos resultados da ciência e dacultura, nem tampoucodoprocessode suaprodução, incluindo aí asdiferentesetapas,asdificuldadeseasmotivaçõessociais.Pretendemosformarumprofissionalcomcompetênciaparadiscutiremprofundidadea questão do jornalismo científico e cultural em nosso país, e realizarpesquisasespecíficasnaárea,demodoacolaborarparaumareflexãocríticaarespeitodomodocomoestaimportanteáreadoconhecimentovemsendoaplicadanoBrasil.

Não existe um curso de Mestrado no país com perfil semelhante,emboraalgumasexperiênciassimilares,bemsucedidas,venhamsendoimplantadas em diversos países (ver, por exemplo, o Master inComunicazione della Scienza, da Scuola Internazionale Superiore diStudi Avanzati (SISSA), Trieste, Itália[5]). No Brasil, os cursos maispróximosreferem-seaalgumasexperiênciasacadêmicasexistentesnaáreadejornalismocientífico,naformadecursosdeespecialização.Sãoainda poucos, mesmo que bem sucedidos, como é o caso do curso

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oferecidopelaprópriaUNICAMPatravésdoLabjor,doDPCTedoDMMe que vem desempenhando um papel fundador nas atividades deformaçãoacadêmicaeprofissionalnaárea.

ÉsobreaexperiênciacomoCursodePós-Graduação latosensuemJornalismoCientífico que foram assentados os propósitos e objetivosdeconstituir ummestrado inédito nopaís, segundoamesma filosofiaque agrega, na dinâmica do curso, a parceria instigante de diferentesáreasdoconhecimentoecontacomaparticipaçãoativadejornalistas,cientistasecríticosdearteeliteratura.

OMDCCpretendecontribuirparaqueosestudantessejamcapazesdecompreendera funçãosocialdaciênciaedaculturadopaís,paraque haja uma divulgação mais eficiente de sua produção. Pretendetambém,atravésdamídia,propiciarumaavaliaçãocríticadapolíticadeC&T no país, e da divulgação cultural de mercado. Espera-se aindamuniciá-los com uma base sólida nas discussões atuais sobredivulgação científico-cultural. Com base na convergência dasexperiências de cientistas, jornalistas e críticos espera-se possibilitaraosacadêmicosumaperspectivarelevanteecriativadedivulgaçãodeseu trabalho,eao jornalistaachancede trabalharadequadamenteascomplexasquestõesdaciênciaedacultura.

2.HISTÓRICOO interesse que a ciência desperta no público leigo é grande. O

númerode revistasespecializadasnoassuntodisponíveisembancaeos debates abertos recentemente com “descobertas”, como as daclonagem, são um indicativo de tal interesse. Entretanto, o quadroapontado por José Marques de Melo (1982), no final dos anos 70,continua a valer ainda hoje: “Se a Universidade brasileira já mantémcanaiseatividadesespecíficasparaadivulgaçãodaciênciaqueproduzem seus laboratórios e institutos de pesquisa, é lamentável constatar

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que o interesse pela popularização da ciência ainda não tenha sedesenvolvidoadequadamentenoscursosdejornalismomantidospelasmesmasuniversidades”.[6]

Foi nesse sentido que o Laboratório de Estudos Avançados emJornalismo (Labjor) criou, em 1999, o Curso de Especialização emJornalismo Científico, pós-graduação lato sensu. O objetivo foi o defornecer uma série de ferramentas indispensáveis a jornalistas epesquisadores que queiram trabalhar com Jornalismo Científico e/ouDivulgaçãoCientífica.

Jádesdeo início,a ideia teveumareceptividadeenorme.Aprimeiraedição do Curso de Especialização em Jornalismo Científico foioferecida na Unicamp de março de 1999 a junho de 2000. Dos 145inscritosparaas30vagasanunciadas,foramadmitidos40estudantes,dos quais 32 concluíram o curso, cumprindo todos os créditos edisciplinas.Entreos40selecionadoshavia:19jornalistase21cientistas(07 biólogos, 03 químicos, 02 bioquímicos, 02 engenheiros e 01 emcada uma das áreas de biomédica, de geologia, de antropologia, deodontologia,veterinária,sociologiaedeagronomia).Asegundaediçãoiniciou-seemmarçode2001efoiconcluídaemjulhode2002.Tivemos214inscritoseforamaprovados46alunos,provenientesdasseguintesáreas: jornalistas (22), cientistas sociais (3), geógrafo (1), médicos (3),físicos (3), biólogos (3), advogados (1), bioquímicos (4),biomédicos/enfermeiros (2), engenheiros (3) e nutricionista (1). Destes,39concluíramocurso.Jáparaaterceiraturma, iniciadaemmarçode2003, inscreveram-se 229 candidatos, dos quais foram selecionados119 para uma segunda fase. Destes, 47 foram finalmente escolhidospara compor a nova turma. Em janeiro de 2005, foram abertas asinscrições para a quarta turma. Inscreveram-se 307 candidatos, dosquais117foramselecionadosparaasegundafasee52aprovadosparafazer o curso. Para a quinta turma, com aulas que iniciaram-se em

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março de 2007, inscreveram-se 273 candidatos, dos quais 60 foramselecionados. Mais detalhes podem ser encontrados emhttp://www.labjor.unicamp.br/cursos/pos.htm.

Osdiferentesgrausnaformaçãoacadêmicadosestudantes,quevãode recém-formados a professores titulares, também contribuembastante para a riqueza e diversificação da experiência deaprendizagemdesenvolvidaduranteos trêssemestresdocurso (veroperfil completo das turmas emhttp://www.labjor.unicamp.br/cursos/turmas_pos.htm).

O curso é gratuito, tem duração de 3 semestres, com aulas àssegundas-feiraseemperíodointegral.Oprocessoseletivoécompostopor análise de texto e de currículo, numa primeira fase, e de provaescrita,provadeproficiênciaeminglêseentrevista,nasegundafase.

O objetivo do curso é capacitar jornalistas profissionais e cientistasparaadivulgaçãocientífica,comaintençãodetornarpúblicoodebatesobre C&T e reduzir a distância entre o conhecimento científico e ocotidiano das pessoas. Para o cientista, esta é uma oportunidade deobterumaformaçãovoltadaàdivulgaçãodepesquisas,queoscursosde graduação não contemplam. Para o jornalista, o curso podecontribuirparaumamelhorcompreensãodoprocessodeproduçãodaciência,bemcomodapolíticacientíficanacional.

Alémdasdisciplinas,osalunosparticipamdesemináriosepalestrascom destacados jornalistas e cientistas que se dedicam à divulgaçãocientífica. Outras atividades oferecidas são as oficinas de JornalismoCientíficoedeMultimeios,quepossibilitamocontatodosalunoscomexercíciospráticosdedivulgaçãonasdiversasmídias.

Paratornaraindamaisdinâmicaainteraçãoentreosparticipantesdogrupo, e também para dar às atividades do curso uma visibilidade euma prática mais profissional, foi criada a revista ComCiência

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(http://www.comciencia.br),quedesdeaprimeiraturmatemfuncionadocomo laboratórioparaosalunosecomoveículoefetivodedivulgaçãocientífica.Osucessodarevista levou-a,desde junhode2001,quandoda Reunião Anual em Brasília, a se transformar numa publicação emparceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência(SBPC).Amédiadiáriadeacessosvemcrescendoanoapósano,desdea criação da revista. A média de acessos à ComCiência é deaproximadamentequinzemilvisitasúnicaspormês.

3.JUSTIFICATIVAEOBJETIVOSNãoporacaso,agradualconquistadeespaçodaproduçãocientífica

brasileira na mídia tem sido acompanhada do próprio avanço daspesquisas realizadas em universidades e institutos de pesquisa, bemcomo da implantação de cursos de pós-graduação no país, desde oiníciodadécadade80.Osprimeirospassosdojornalismocientífico,noBrasil, foram dados, mais exatamente, no final dos anos 70, mesmaépoca em que Manuel Calvo Hernando veio lecionar no curso deextensão,naECA/USP.Algunspesquisadores,naprópriaUniversidadedeSãoPaulo,começaramadedicar-seao tema.VeraLúciaSallesdeOliveira fezumestudobiográficosobreJoãoRibeiro,WilsondaCostaBuenoconcluiusuatesededoutoradosobreadivulgaçãocientíficanagrandeimprensadoRiodeJaneiroeSãoPauloeMagaliIzawaestudouaabrangênciadenotíciascientíficasnodiaadiadaimprensabrasileira.[7]

O valor jornalístico da divulgação científica passou a ter umreconhecimentomaior namedida em que os cientistas começaram aparticiparmaisativamentedasdecisõespolíticas.Onoticiáriocientíficocomeçaadespertar,então,maior interessedasociedadeeamereceratençãodamídia.Entretanto,aomesmotempoemqueosveículosdecomunicaçãodemassacomeçaramaampliarapublicaçãodematérias

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deciência,cresciamtambémoserrosedistorçãodeinformaçõessobreC&T.

Por um lado, os jornais optavam por divulgar artigos escritos porcientistas ou de autoria mista e, portanto, nem sempre os critériosjornalísticos faziampartedoperfil dapublicação.Poroutro, a faltadeprofissionais especializados em coberturas científicas obrigou aseditorias da área emergente a deslocar jornalistas de outros setores,que tivessem interesse em cobrir ciência, mas que não tinhamconhecimento específico para esse complexo campo de atuaçãojornalística. A inexistência de cursos especializados em jornalismocientífico fez com que os profissionais recorressem quase sempre àformação autodidata. Esse processo vem se dando de formadesordenada, sem uma consciência completa dos conhecimentosnecessáriosàárea.

Alguns jornalistas, por empenho pessoal, conseguiram superar suasdificuldadeserealizarcoberturascompetentes,embora,namaioriadasvezes, desprovidas de uma visão crítica da informação que veiculam,comtodososriscosinerentesaessaformadedivulgação.Àsvezesosjornalistas científicos são instrumentalizados pelos próprios cientistasinteressados em promoção pessoal. Outras limitam-se a reproduzir,emboracorretamente,odiscursodocientista,semcontextualizá-looucolocá-lo em contraposição com outro, no caso de assuntos denatureza polêmica. O imediatismo da publicação no jornalismo diárionãocolaboracomo rigornecessáriona veiculaçãoda informaçãoemgeral,mas,principalmente,naqueladaáreacientíficaondealgunserrospodem prejudicar anos de trabalho, bem como a imagem de umcientistasério.Istoparanãofalarnacoberturasensacionalistafeitaporalguns jornais, que ora distorcem o conteúdo de pesquisas, oraprivilegiamapenasas “grandesdescobertas”.Entretanto,é importante

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assinalarque,emciência,aspesquisasconsideradas“menores”podemtertantaimportânciaquantoosmegaprojetos.

Esseconjuntode fatores fazcomqueadivulgaçãocientífica,muitasvezes, apareça recheada de impropriedades, dificultando acompreensão do público leigo. Além disso, contribui para que ocientista não tenha interesse em dar entrevistas à imprensa e prefiradivulgar os resultados de sua produção apenas em congressos e emrevistasespecializadas.

O curso de Mestrado em Divulgação Científica e Cultural tem aintenção de formar pesquisadores em divulgação científica e culturalquesejamcapazesde:

• EstudarediscutiraquestãodaDivulgaçãoCientíficaeCultural;• Democratizaroconhecimentocientíficoecultural;• Discutircriticamenteapolíticacientíficaeculturaldopaís;• Contribuir para adivulgaçãodaprodução científica e cultural dasáreasperiféricas;

• Reduziradistânciaentreoscriadoresdoconhecimentoeaopiniãopública;

• Estabelecerarelaçãodaproduçãocientíficaeculturalcomavidacotidianaeassuasrelaçõescomasociedadedeummodogeral;

• Possibilitaracompreensãodosfenômenosdaciênciaedacultura;• Conciliarorigorcientíficoecríticocomalinguagemjornalística;• Conscientizaroscientistasecríticosdeculturaparaadivulgaçãodesuaprodução;

• Contribuir para uma reflexão crítica sobre o conhecimentocientífico-culturalproduzidonopaís.

4.DESCRIÇÃODOCURSO

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O Curso de Mestrado em Divulgação Científica e Cultural pretendecontribuir para que os estudantes sejam capazes de compreender afunção social da ciência e da cultura do país, para que haja umadivulgaçãomaiseficientedesuaprodução.Pretende também,atravésdamídia,propiciarumaavaliaçãocríticadaspolíticasdeC&Tnopaís,edadivulgaçãoculturaldemercado.Espera-se,ainda,municiá-loscomuma base sólida nas discussões atuais sobre divulgação científico-cultural. Com base na convergência das experiências de cientistas,jornalistas e críticos espera-se possibilitar aos acadêmicos umaperspectiva relevante e criativa de divulgação de seu trabalho e aojornalistaachancedetrabalharadequadamenteascomplexasquestõesdaciênciaedacultura.

O programa tem um Componente Obrigatório composto por umacarga mínima de duas (02) disciplinas relacionadas aos conceitoscentrais deste programa multidisciplinar, e um Componente Eletivocompostodeduas(02)duasdisciplinasdentreumelencodedisciplinasa seremoferecidas, ou, de acordo com sugestão do orientador, devecursar disciplinas oferecidas pela Unicamp adequadas ao seu campoespecíficodepesquisa.Atéofinaldoprimeiroano,oalunodevedefinircompletamente a sua área de interesse e, dentro dela, elaborar eapresentarseuprojetodedissertação,comaajudadeumorientador.

4.1EstruturaCurricularAsdisciplinasdestemestradoestãodivididasem02grupos:

1.DisciplinasObrigatóriasO aluno de Mestrado deve cursar, obrigatoriamente, duasdisciplinasdesteelenco.

2.DisciplinasEletivasO aluno de Mestrado deve cursar, obrigatoriamente, duasdisciplinas deste elenco, ou, de acordo com sugestão do

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orientador, deverá cursar disciplinas oferecidas na UNICAMPadequadasaoseucampoespecíficodepesquisa.

Disciplinasdogrupo1:JC001–Ciência,TecnologiaeSociedadeJC002–Literatura,CulturaeSociedadeJC003–TópicosAtuaisemCiênciaeCulturaJC020–TextoeLinguagem

DISCIPLINAS SEMESTRELETIVOSUGERIDO CARGAHORÁRIATOTAL(H)

Grupo1Obrigatória1

PrimeiroSemestre 60

Grupo2Eletiva1

PrimeiroSemestre 60

Grupo1Obrigatória2

SegundoSemestre 60

Grupo2Eletiva2

SegundoSemestre 60

Exclusivamentepesquisa TerceiroSemestre

Pesquisa,redaçãodetrabalhosetese QuartoSemestre

TOTAL:240h

Tabela1.SugestãodeIntegralização.

Disciplinasdogrupo2:JC004–HistóriadaCiênciaedaTecnologiaJC005–Linguagem:Jornalismo,CiênciaeTecnologiaJC006–SociologiadaCiênciaJC007–EstudosCulturaisdasCiênciasJC008–TópicosAtuaisemJornalismoCientíficoeCulturalJC009–LeituraDirigidaJC011–OficinadeMultimeiosJC050–OficinadeJornalismoCientíficoeCulturalJC101–TópicosdeDivulgaçãoCientíficaJC107–TópicosdeDivulgaçãoCultural

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JC111–TópicosdeMetodologiaCientíficaJC112–TópicosdeLiteraturaBrasileira

4.2.LinhasdePesquisaAs linhasdepesquisanasquaisos alunospodemdesenvolver suas

DissertaçõesdeMestradoestãoindicadasabaixo,esevinculamàáreade concentração de modo flexível, dado o caráter intrinsicamentemultidisciplinar do curso. Os projetos de pesquisa a seremdesenvolvidospelosdocentesdocursoestão igualmentevinculadosaestasmesmaslinhasdepesquisa:

1.CulturacientíficaEstudosdedivulgaçãocientíficaedas relaçõesdaciênciacomasociedade.Estudos sobre jornalismocientífico nosmaisdiversos veículosdaimprensaedamídia(radiofônica,televisiva,eletrônicaeimpressa).Pesquisas em história da ciência e da técnica e sociologia daciência, assim como estudos das atividades de divulgaçãocientíficaemmuseusecentrosdeciênciaeoutras instituiçõesdeeducaçãonãoformal.

2.CulturaliteráriaEstudos da produção cultural e literária. Investigações sobrejornalismo literário nos mais diversos veículos da imprensa e damídia (impressa, radiofônica, televisiva,eletrônica).Reflexãosobrea produção contemporânea da cultura, por meio da prática dacrítica e da descrição dos objetos contemporâneos, daidentificação das linhas de força que tencionam os camposculturaisdopresenteedoexercíciodaintervençãocultural.

3.NovasmídiasdedivulgaçãoEstudos de divulgação científica e cultural emmídias inovadoras,comdestaqueparaconvergênciasdemídias.

4.Percepçãopúblicadaciênciaetecnologia

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Pesquisasdepercepçãopúblicadeciênciaetecnologia, incluindopesquisasdeopinião,pesquisasqualitativas,presençadeciênciaetecnologianamídia,construçãoeanálisedeindicadoreseprojetosde pesquisas que evidenciem a compreensão da ciência etecnologia.

4.3Perfildograduado

Perfisdoprofissionalformado• ProfessoresUniversitários;• Jornalistas;• Editores;• Pesquisadores para atuar em centros de pesquisa, museus eórgãosgovernamentais;

• Assessores de imprensa de universidades e instituições depesquisa;

• Cientistasdivulgadores interessadosemescreverparaamídiaouemescreverlivrosdedivulgação;

• Repórteresespecializados.

PerfiltécnicoProfissionaistreinadospara:

• Ensinar disciplinas em nível de graduação e pós-graduaçãorelacionadascomJornalismoCientíficoeCultural(JCC);

• RealizarpesquisasnaáreadeJCCedivulgaçãocientífica;• RedigirmatériassobreciênciaesobrepolíticadeC&T;• Redigirmatériassobreeventos,realizaçõesepolíticasculturais;• Redigirartigosdedivulgaçãoparaperiódicosespecializados;• Elaborar planos institucionais de divulgação científica (assessoriadecomunicação).

Perfilprofissional

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Queosjornalistas/cientistassejamlevadosa:• Desempenharopapeldeeducadorcientífico;• Desempenharopapeldedivulgadoresecríticosdacultura;• TornarpúblicoodebatesobreC&T;• Refletirsobreapolíticacientíficaetecnológica;• Pensarnadimensãoéticaesocialdoseutrabalho.

4.4CorpoDocenteConsiderando o caráter intrinsicamente interdisciplinar deste

Mestrado,ocorpodocenteéconstituídoporreconhecidosdocentesemdiversas áreas do conhecimento, que naturalmente desenvolvempesquisas em áreas correlatas às linhas de pesquisa tratadas peloMDCC.Dalistacompletadedocenteseorientadores,háprofessoresdaárea de Letras e Linguística, Jornalismo, Pedagogia, Geociências,Multimeios,Filosofia,Física,Biologia,Medicina,entreoutros.Paraumalistagem completa do perfil desses professores, basta acessarhttp://www.labjor.unicamp.br/cursos/docente_mest.htm.

CONCLUSÃOOMDCCéumprogramadepós-graduaçãoestruturadosobreaideia

dequeciênciaeculturaseencontramnaarticulaçãoqueoconceitodeculturacientífica–presentenaconcepçãodocurso–acarretaparaasatividadesprópriasdadivulgaçãocientíficaecultural.

Essasatividades,voltadasaoensino,àpesquisaeadiferentesaçõesinstitucionaisligadasàextensão,buscammotivarasociedadeemgeral,enela,ojovememparticular,paraoamordoconhecimento,tornando-o,nopresente,pelaspráticasdeiniciação,umjovemamadordaciênciae da cultura; no futuro, o portador da eterna juventude que oconhecimentoculturalecientíficoproporcionaemtodasasidadeseemqualquercircunstância.

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RESUMO:OMestradoMultidisciplinaremDivulgaçãoCientíficaeCultural(MDCC)iniciouassuasatividadesapartirdoprimeirosemestrede2007,eérealizadopeloLaboratóriodeEstudosAvançadosemJornalismo(Labjor)doNúcleodeDesenvolvimentodaCriatividade(NUDECRI)epeloInstitutodeEstudosdaLinguagem(IEL),ambosdaUniversidadeEstadualdeCampinas(UNICAMP).OprogramacontatambémcomoapoiodoDepartamentodePolíticaCientíficaeTecnológica(DPCT)doInstitutodeGeociências(IG)edoMediaTec–LaboratóriodeMediaeTecnologiasdaComunicaçãodoDepartamentodeMultimeios(DMM)doInstitutodeArtes (IA).OobjetivodoMDCCé formarecapacitarpesquisadoresque tenhamumconhecimento teóricomaisprofundo sobre asquestões atuais dadivulgaçãocientífica, aliandouma visãoglobal do sistemadaciênciaetecnologiaaodomíniodeumsólidorepertório literárioeculturalcontemporâneo.A interaçãodasdisciplinas oferecidas pelo MDCC prevê uma formação que permita tanto a reflexão crítica sobre asprincipaisrealizaçõesdaciência,datecnologiaedaculturanaatualsociedade,quantoarespeitodomodocomoamídiademassaouespecializadavematuandoparadivulgá-las.As linhasdepesquisafocalizamaanálisedaproduçãoculturaledadivulgaçãocientíficanosmaisdiversosveículosdeinformação,taiscomo,mídiaimpressa,radiofônica,televisivaeeletrônica,comdestaqueparalinhascomohistóriadaciênciaedatécnica e sociologia da ciência, bem como em outros espaços de divulgação da ciência e cultura, comomuseus,fórunseeventos.

ABSTRACT: The multidisiciplinary Master’s Degree Program in Scientific and Cultural Communication(MDCC)beganinthefirstsemesterof2007.ItisofferedbytheLaboratoryofAdvancedStudiesinJournalism(Labjor) of theCreativity DevelopmentNucleus (NUDECRI) and by the Institute of Language Studies (IEL),bothofwhichareentitiestheStateUniversityofCampinas(UNICAMP).TheprogramisalsosupportedbytheDepartmentofScientificandTechnologicalPolicy(DPCT)oftheGeosciencesInstitute(IG)andbyMediaTec–MediaandCommunicationTechnologiesLaboratoryoftheMultimediaDepartment(DMM)oftheArtInstitute(IA).TheobjectiveoftheMDCCistotrainandenableresearcherswithin-depththeoreticalknowledgeaboutcurrentquestionsrelatedtosciencecommunication.Aglobalvisionofthesystemsofscienceandtechnologyare joined together with an understanding of a solid, contemporary literary and cultural repertoire. TheinteractionamongsubjectsofferedintheMDCCseekstoprovideaneducationthatallowscriticalreflectionabout themainaccomplishmentsof science, technologyandculture inourcurrent societyand theway inwhich themass or specializedmedia haveworked in order to communicate these accomplishments. Theareasof research focuson theanalysisofculturalproductionandsciencecommunicationwithin themostdiverse means of information, such as print, radio, television and electronic media. There is a specialemphasis on areas such as science and technical history and the sociology of science, as well as otherspacesofscienceandculturalcommunication,suchasmuseums,forumsandevents.

[1]EstetextofoioriginalmentepublicadonarevistaJournalofScienceCommunication,aquemagradecemos pela concessão. Referência: C.A. Vogt, M. Knobel, V.R. Toledo Camargo,Master’sDegreePrograminScientificandCulturalCommunication:PreliminaryreportsonaninnovativeexperienceinBrazil,Jcom08(01),2009,C06.

[2] Carlos Vogt é Professor Titular na área de Semântica Argumentativa e Coordenador doLaboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Unicamp. E-mail:[email protected]

[3] Marcelo Knobel é professor titular do Instituto de Física “Gleb Wataghin” e Reitor daUniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp).E-mail:[email protected].

[4]VeraReginaToledoCamargoéDoutoraemcomunicaçãoePesquisadoradoLabjor.E-mail:[email protected].

[5]Disponívelem:<http://jekyll.sissa.it/ilas/msc.htm>Acessoem30jan.2019.

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[6]Melo,JoséMarquesde.“OJornalismoCientíficonaUniversidadeBrasileira-anotaçõesdeum observador participante”, in Congresso Ibero-Americano de Jornalismo Científico (4aedição),SãoPaulo,1982;pp.369-379.

[7]MELO,JoséMarquesde.QuandoaCiênciaénotícia.SãoPaulo,ECA/USP,1986.

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OQUEÉLETRAMENTOCIENTÍFICOEQUALASUARELAÇÃOCOMCULTURACIENTÍFICA,PERCEPÇÃOPÚBLICADACIÊNCIAEJORNALISMOCIENTÍFICO[1]

Whatisscientificliteracyandwhichisitsrelationwithscientificculture,publicunderstandingofscienceandscientificjournalism

RodrigoBastosCunha[2]

OQUEÉLETRAMENTOCIENTÍFICOEQUALASUARELAÇÃOCOMCULTURACIENTÍFICA,PERCEPÇÃOPÚBLICADACIÊNCIAEJORNALISMOCIENTÍFICOEste artigo tem como objetivo disseminar entre os interessados em

divulgaçãocientíficaoconceitodeletramentocientífico.Essegrupodeinteresse, considerando-se a categorização feita por Bueno (1984),envolveprofissionaisepesquisadoresdediversoscamposdeatuação,entreelesodo jornalismocientífico,dosmuseusdeciênciaedaquelacomunidade que está na base da cultura científica, a do ensino deciênciasedapesquisaemeducaçãocientífica.EmborasejacrescenteonúmerodetrabalhosnoBrasilsobreletramentocientíficopublicadosemperiódicos especializados ou anais de congressos, principalmente nocampodaeducaçãocientífica,predominam,emnúmerosabsolutos,ostrabalhos que tratam de alfabetização científica. Tanto na educação

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científica quanto no campo da comunicação de ciência, além dopredomínio do uso do termo “alfabetização científica”, são raros ostrabalhosqueusam referênciabibliográficadosestudosda linguagemoudoensinodelínguasparaapoiaraconceituaçãodotermoderivadodaquele tomado de empréstimo nessas áreas de estudo (Cf. CUNHA,2015e2017a).

Porisso,esteartigotemcomopontodepartidaadiferenciaçãoentreletramentoealfabetizaçãonasáreasdeestudosdalinguagemeensinode línguas,oque implicaemumposicionamentopolíticoe ideológicosobre o processo de promoção do contato com a cultura escrita (Cf.CUNHA, 2017be 2018).Após essadiferenciação, serãomencionadosalguns artigos sobre letramento científico publicados em periódicosinternacionais,eemseguidaseráfeitaumaconexãodessetermocomocampo da comunicação da ciência, em particular, na relação doconceito com a cultura científica, a percepção pública da ciência e ojornalismocientífico.

PORQUEFALAREM“LETRAMENTO”?DeacordocomoInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística(IBGE,

2004), praticamentemetadeda populaçãobrasileira era analfabeta nadécadade1950.Onúmerodealfabetizadoscresceucontinuamentenasdécadas seguintes e chegou, nos anos 1980, à proporção deaproximadamente¾dapopulaçãoalfabetizadaante¼analfabeta.

Essanovarealidadesociallevouomeioacadêmicobrasileiroarefletirsobrenovasdemandas,principalmentenomeiourbano, em relaçãoàcultura escrita. Não bastava conhecer o bê-a-bá, ser alfabetizado.Começaaserusadonocampodosestudosdalinguagemedoensinode línguaso termo“letramento”paradesignaroefetivousodaescritaempráticassociais,desdeasmaissimples,comoidentificarumalinhade ônibus, fazer uma lista de compras ou escrever um bilhete, às de

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diferentes graus de complexidade, como ler reportagens jornalísticas,escrever relatórios ou atas de reuniões, ler um romance, produzir umartigo acadêmico, redigir uma tese e assim por diante. O termo“alfabetização”, para os especialistas que propunham a mudançaterminológica naquele período, limitava-se a uma dicotomia entre osque não sabiam ler e escrever (analfabetos) e os que sabiam(alfabetizado),independentementedeessesúltimosusaremounãoesseconhecimentoempráticassociaisdeleituraeescritaeemquegraudecomplexidadesedariaesseuso.DeacordocomSoares:

as competências que constituemo letramento sãodistribuídasdemaneira

contínua, cada ponto ao longo desse contínuo indicando diversos tipos e

níveis de habilidades, capacidades e conhecimentos, que podem ser

aplicados a diferentes tipos de material escrito. Em outras palavras, o

letramentoéumavariávelcontínua,enãodiscretaoudicotômica.Portanto,é

difícil especificar, de uma maneira não arbitrária, uma linha divisória que

separariaoindivíduoletradodoindivíduoiletrado.(SOARES,2010,p.70-71.

Grifosdaautora.)

Asnovasdemandassociaisdeusodaescrita,quefizeramemergirnoBrasil,nosanos1980,otermo“letramento”,jácomeçavamasurgirumséculoantesnospaíses industrializados.Soares (2010,p.79)observaque,dopontodevistahistóricoeantropológico,é“significativoquealíngua inglesa tenha incorporado o termo illiteracy (ausência deletramento)muito antes que surgisse o termo literacy (letramento)”. Oprimeiro,segundoela, jáestavadicionarizadodesde1660,enquantooregistrodosegundosóaparecenofinaldoséculoXIX.Aautoraavaliaque o “surgimento de literacy nessa época reflete certamente umamudançahistóricanaspráticassociais:novasdemandassociaisdeusoda leitura e escrita exigiram uma nova palavra para designá-las.Consequentemente, um novo conceito foi criado” (SOARES, 2010, p.79).

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Alémde representar uma ruptura em relação à tradicional dicotomiaentrealfabetizadoseanalfabetoseexplicitaraideiadeumcontínuodomaissimplesaomaiscomplexo,o letramentoestá intimamente ligadoaomeio social emque ele acontece, sendo a escola o principal,masnãooúnico, jáqueaspráticassociaisde leituraeescrita tambémsedão no seio familiar, na esfera religiosa e no trabalho, entre outros.SegundoKleiman:

[...] pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências de

letramento, preocupa-se não com o letramento, prática social, mas com

apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de

aquisiçãodecódigos(alfabético,numérico),processogeralmenteconcebido

em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e

promoção na escola. Já outras agências de letramento, como a família, a

igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento

muitodiferentes.(KLEIMAN,1995,p.20.Grifosdaautora.)

A mais importante mudança proporcionada pelo novo termo, noentanto – pelo menos do meu ponto de vista –, e que mostrouresultados efetivos não apenas no processo de alfabetização decrianças, mas principalmente na educação de jovens e adultos, foitentar trazerdemaneiramaisrespeitosaparaacultura letradaaquelesquesempreestiveramforadela.Oqueissosignifica?

Embora a maioria das pessoas não se dê conta disso, a carganegativa do termo “analfabeto” é e sempre foi muito grande. Nãodesignaapenas “aquelequenãoconheceas letras,nãosabeobê-a-bá”.Oanalfabetoétidocomoumsercognitivamenteinferior,quesabemenossobreomundoemquevive.Kleimanexplica:

[...] o distanciamento entre a língua oral e a língua escrita devido à

especialização e ao funcionamento diferenciado de ambas configura uma

situaçãodiglóssica,nãode línguasdecontato,masde línguasemconflito.

Trata-se de duasmodalidades que constituiriam variedades discursivas da

mesmalíngua,sendoquecadaumatemstatuseprestígiosdiferentes,eque

também teriam diferenças devido às suas funções diferenciadas na

sociedade.(KLEIMAN,1995,p.49)

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Esse distanciamento entre uma cultura dominante e outra demenorprestígio acontece na relaçãode poder entre o professor que dominaumamodalidadeda línguaeumalunoquenãoadomina,eacontece,inclusive,entrepesquisadoresqueestudamaeducaçãocomoumtodoouoensinodelíngua,demaneiraespecífica.DeacordocomKleiman:

[...] uma vez que os grupos não letrados ou não escolarizados são

comparadoscomgruposletradosouescolarizados,estesúltimospodemvir

a ser a norma, o esperado, o desejado, principalmente porque os

pesquisadores são membros de culturas ocidentais letradas. Quando a

comparaçãoérealizada,estamosaumpassodeconcepçõesdeficitáriasde

grupos minoritários, concepções estas perigosas, pois podem fornecer

argumentos para reproduzir o preconceito, chegando até a criar duas

espécies,cognitivamentedistintas:osquesabemlereescrevereosquenão

sabem.(KLEIMAN,1995,p.27)

E daí surgem as derivações com o mesmo tipo de conotação: oanalfabeto digital é quem não sabe nada de tecnologia, o analfabetopolítico não entende nada de política, o analfabeto científico nãoconhecenadadeciência.Essaéavisãoautoritáriaearrogantedequemdetém determinado tipo de conhecimento, como se só o dele fosseválido.O respeitoaoconhecimentodooutroéuma formamuitomaisconvidativadelevá-loaconheceroutraformadeveromundo,contudo,semimporaeleessaformacomosendoaúnicapossíveleaceitável.

No campo da linguagem, esse respeito ao conhecimento do outroimplica em reconhecer a diversidade linguística como natural e lidarcom a escrita e a norma culta como uma das variedades da nossalíngua.Noensinode línguamaterna, adisciplinaqueéministradaemtodo o ensino fundamental ainda se chama Língua Portuguesa.Entretanto, o esforçodos estudiososda linguagem,principalmenteosque lidaram, desde os anos 1980, com a formação de professores,resultouemmudanças importantesnaformadeseensinaraquelaquenãoéexatamente“ALínguaPortuguesa”,massuavariedadedemaior

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prestígio, a norma culta, a escrita e suas expressões literárias maisvalorizadaspelaeliteintelectualdopaís.

Seumprofessordizaumacriançafalantenativadeportuguêsqueelanãosabeportuguês–alínguaoficialdeseupaís,usadanosônibus,noarmazémdaesquina,nasruas,naTV–,geraumconflitodeidentidadenessa criança e uma resistência à disciplina e ao professor. Se elerespeitaavariedadedefaladeseualunoesepropõeamostraroutrasvariedades,sendoumadelasdemaiorprestígio,suachancedecativaressealunoaumentabastante.Damesmaforma,imporaleituradeobrasclássicasda literaturade ficçãoem línguaportuguesae tratarogostoliterário do aluno como lixo não tem como dar bom resultado. Umacoisapodeseropontodepartidaparasechegaràoutra.

OQUESERIA“LETRAMENTOCIENTÍFICO”?Partindo dessa noção de letramento que vimos acima, o que seria

então o termo que dela deriva, o tal letramento científico, já bastanteusado no campo da educação científica – bem menos do quealfabetização científica, vale registrar –, mas talvez ainda um tantonebulosoparapesquisadoresdocampodacomunicaçãodaciênciaepraticamente desconhecido do público em geral? Assim como oletramentoéousodaescritaempráticassociais,oletramentocientíficoenvolvenãoapenasoconhecimentosobreaciênciaeatecnologia,masespecialmentesuainter-relaçãocomasociedade.

Hápelomenosduasformaspossíveisdeabordaraciência,tantonoensino, em particular, quanto na divulgação científica, de uma formageral:umacomênfasenanaturezadaciência–queenvolveconceitoscientíficos, teorias, fórmulas, métodos –; e outra com ênfase na suarelação com a sociedade. É importante frisar que não se trata deabordagens excludentes. São complementares, cada qual com suaênfase.Equandoo focoprincipalé falarda relaçãodaciênciacoma

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sociedade, isso envolve abordar os benefícios e os riscos dasdescobertas científicas, as questões éticas a elas relacionadas, osinteresses envolvidos, a origem dos recursos que financiam aspesquisaseospossíveisimpactoseconômicos,ambientaisesociais.

Outro ponto em comum com o termo do qual deriva é que oletramento científico também pressupõe que a aquisição doconhecimento sobre ciência nãopode ser tratada comoumaquestãodetudoounada,ouvocêsabeouvocênãosabe(eéum“analfabetocientífico”).Háumcontínuoqueabrangeváriosníveisdecomplexidade.NoBrasil,foifeitoem2014umlevantamentoemlargaescala–oúnicoatéagora–doletramentocientíficodapopulaçãojovem(apartirde15anos) e adulta. O Instituto Abramundo se juntou ao Instituto PauloMontenegro e à Ação Educativa, que já faziammedições bianuais doletramento do brasileiro (Cf. RIBEIRO, 2003)[3], para criar esse novoindicador,oqual,assimcomooquemedeoletramento,possuiquatroníveis,domaissimplesaomaiscomplexo(Cf.SERRAOetal.,2016).

Os responsáveis pela pesquisa que resultou no Indicador deLetramentoCientífico(ILC)ressaltamqueaquelelevantamento

não teve como referência amedição de aprendizagens escolares, embora

reconheça que a instituição escolar é (ou deveria ser) aquela que mais

contribuiparaadisseminaçãodasbasesdaculturacientífica.Dessemodo,

não está no escopo da proposta do ILC avaliar se a escola ensina

adequadamente ou não conteúdos e habilidades relacionados às ciências,

massimanalisar,deumlado,emquemedidaosconhecimentoscientíficos

estão presentes em diferentes dimensões da vida e, de outro, o quanto o

público jovemeoadultodemonstramautonomiaparadesenvolverpráticas

de letramentos científicos que envolvem a cultura escrita. (SERRAO et al.,

2016,p.336-337)

A terceira característica em comum do letramento científico com anoçãode letramentooriginadanosestudosda linguagemenoensinode línguas é o respeito ao conhecimento do outro. A ciência é umprodutoculturaldahumanidade,éuma formadeveromundo.Nãoa

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única,masademaiorprestígio.Issopressupõe,entreoutrascoisas,avalorização do conhecimento tradicional. Envolve, ainda, uma posturamenosarroganteeautoritáriadaquelequevaifalardeciênciaparaumleigo,paraumapessoanãoespecializada,sejanocampoespecíficodaeducaçãocientífica,sejanocampomaisamplodadivulgaçãocientífica.A chance de conseguir atingir um público não especializado se tornamaiorquandoarelaçãocomessepúblicoémaisdialógica[4],enão“decimaparabaixo”.

LETRAMENTOCIENTÍFICOECOMUNICAÇÃODACIÊNCIAOpesquisadorsul-africanodocampodaeducaçãocientíficaRüdiger

Laugksch,quesededicaaestudosrelacionadosaletramentocientíficoe percepção pública da ciência, fez uma revisão conceitual do termoletramentocientíficoabrangendotodaasegundametadedoséculoXX.SegundoLaugksch (2000,p.72), “o termoapareceupelaprimeiravezprovavelmente no artigo ‘Science literacy: its meaning for AmericanSchools’, de Paul Hurd, em 1958”, embora a ideia de que o públicodeveria ter algum conhecimento de ciência já existisse pelo menosdesdeoiníciodoséculoXX.Laugkschexplicaqueo

interesse no letramento científico no final dos anos 1950 estava ligado à

preocupação da comunidade científica americana em ter apoio público à

ciência para responder ao lançamento do Sputinik pelos soviéticos. Ao

mesmo tempo, os americanos estavam preocupados se suas crianças

estavam recebendo uma educação para capacitá-las a competir em uma

sociedadeemcrescente sofisticaçãocientífica e tecnológica. (LAUGKSCH,

2000,p.72)

O canadense Douglas Roberts (1983), também do campo daeducação, caracteriza os anos entre 1957 e 1963 como período delegitimação do conceito de letramento científico, que desde entãopassouaserumaespéciedeslogan educacional.Essesanos iniciais,segundoele,foramseguidosporumperíododevastainterpretaçãodoconceito, em que surgiram múltiplos e diversos sentidos para

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letramento científico. Laugksch (2000, p. 73) observa que o “conceitoseria reconhecidamentecontroversoporpertencer à classede termoscomo liberdade, justiça e felicidade, que apesar de suas qualidadesdesejáveis,sãoextremamentecomplexos”.

Em 1975, Benjamin Shen, professor de astronomia e astrofísica daUniversidadedaPensilvânia,nosEstadosUnidos,publicouumartigonarevista American Scientist, sobre a importância do letramento emciência tanto em países em desenvolvimento quanto em paísesindustrializados. Para ele (SHEN, 1975), não apenas as escolas, mastambém a comunicação de massa teria um papel importante napopularizaçãodaciência.Quandoserelacionaamídiacomletramento,éimportantequesedigaquenãosetrataapenasdejornaiserevistasimpressosou,nosdiasdehoje,dainternet,jáqueatelevisão,ocinemae o rádio também fazem parte da cultura letrada, com seu conteúdoroteirizado.

Shen(1975),emumatentativadeorganizarasmúltiplasinterpretaçõesdeletramentocientíficodamaneiraqueaciênciaemgeralconsideraamaiselegante–ouseja,quantomaissimples,melhor–,distingue trêsformas de letramento em ciência, com diferentes objetivos, públicos,conteúdos, formatos e meios de transmissão. A primeira é do tipoprático e envolve questões como saúde, alimentação e melhoria dospadrõesdevida.Umdosexemplosqueeleapresentasãoasvantagensdoaleitamentomaternoemrelaçãoàmamadeira–temacujarelevânciae necessidade de disseminação como questão de saúde públicacontinuaatualempaísesemdesenvolvimentocomooBrasilepresentenojornalismocientíficodehoje(Cf.FERNANDES,2018).Outroexemploapresentado por Shen (1975) envolve hábitos de consumo e acapacidadedecomparaçãodovalornutricionaldedoisprodutoscompreços semelhantes. A segunda forma de letramento em ciência, acívica, envolve o posicionamento do cidadão diante de políticas

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públicas relacionadas a ciência e tecnologia nas áreas de saúde,energia, agricultura,meio ambiente, comunicação e transportes, entreoutras.Aterceira,queShenchamadecultural,envolveointeressepelaciência como um produto cultural da humanidade, assim como amúsica ou a literatura. Essa terceira categoria se enquadra nainterpretaçãode“letrado”quemaisseaproximadoseusentidooriginal,tanto em português quanto em inglês, antes de surgirem os sentidosderivados de mudanças sociais: o letrado, aqui, seria o erudito, oinstruído,assimcomooapreciadordeShakespeareouBeethoven.

O texto de Shen foi publicado três anos depois da primeiraconferênciamundialsobremeioambiente, realizadaemEstocolmo,naSuécia,em1972.Santos (2007,p.477)observaque,naqueladécada,comoagravamentodeproblemasambientais,“começouasurgirumapreocupaçãodoseducadoresemciênciaporumaeducaçãocientíficaque levasseemcontaosaspectossociais relacionadosaomodelodedesenvolvimentocientíficoetecnológico”.Segundoele,emergiram“emdiversospaíses,nofinaldosanos1970enoiníciodadécadaseguinte,propostas curriculares para a educação básica com ênfase nas inter-relaçõesciência-tecnologia-sociedade(CTS)”(SANTOS,2007,p.477).

Nofinaldosanos1980,aAssociaçãoAmericanaparaoProgressodaCiêncialançouumprojetodelongoprazoparacontribuircomareformado ensino nos EstadosUnidos. Por um lado, esse projeto defendia oletramentocientíficopeloargumentodequeciênciaetecnologiaseriama base do desenvolvimento econômico. Havia a preocupação com aemergência das potências asiáticas (Japão,Coréia doSul, Singapura,Taiwan) na economia mundial e com a queda da produção científicaamericana em comparação com outros países. Por outro lado, adefiniçãodeumapessoacientificamenteletrada,nesseprojeto,nãoselimitava a conhecimento sobre física, química e biologia e passava aincluirtambémasciênciassociais.

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O biólogo e professor de filosofia da Universidade da Califórnia,Francisco Ayala, que ocupou a presidência da Associação AmericanaparaoProgressodaCiênciaem1995,defendeuoletramentocientíficoemseuprefácioaumrelatóriodaUnescopublicadoem1996(AYALA,1996). Segundo ele, não se espera que uma pessoa cientificamenteletradasaibaadefiniçãodemomentoangularouqueaexpressãodoDNAémediadaporumamoléculadeRNAtransmissor.Oqueseesperaéqueessapessoasaiba seposicionardiantedeumapolíticapúblicacomoautilizaçãodoabastecimentodeáguacomoveículoparaoflúorou a construção de uma usina de energia, ciente de que qualquerintervençãonomeioambientenãoésóbenéficaenemsómaléfica,eque as decisões envolvem colocar na balança as questões sociais,econômicas e ambientais. Ayala também defende a comunicação demassa comoumpoderoso agentepara a educação emciência, tantodostomadoresdedecisãoquantodeseuseleitores.

LETRAMENTO,CULTURA,PERCEPÇÃOEJORNALISMOOtermoscientificliteracy,quetraduzoaquicomoletramentocientífico

(Cf.CUNHA,2017b),ébastantedifundidonosEstadosUnidos.Emboranão seja sinônimo, tem pontos em comum com culture scientifique,usado na França, epublic understanding of science, usado no ReinoUnido(Cf.LAUGKSCH,2000).

No Brasil, o termo cultura científica contempla a ideia de que aprodução e a difusão do conhecimento científico fazem parte de umprocesso cultural. Esse processo envolve diferentes níveis decomplexidade, dependendo da audiência: a comunicação entre osparesnasrevistasacadêmicasenoscongressoscientíficos;aformaçãodecientistasnoensinosuperior(graduaçãoepós-graduação);oensinode ciência nas escolas; e, por fim, a divulgação da ciência para opúblicoemgeral.

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Assim como a noção de letramento originada nos estudos dalinguagemenoensinodelínguaedoconceitodeletramentocientíficoque dela deriva, o termo cultura científica também pressupõe aaquisição do conhecimento científico como um processo contínuo. Etanto no campo da educação quanto da comunicação, tambémpressupõe o respeito ao conhecimento de sua audiência, evidenciadonas críticas ao chamadomodelo de déficit – segundo o qual haveriauma lacuna de conhecimento (do aluno ou do público leigo) a serpreenchida(Cf.BROSSARD;LEWENSTEIN,2010).

Hámuitosediscutenocampodasciênciassociaisanoçãodeculturaem sua pluralidade (Cf. CUCHE, 2002). Primeiro, para quebrar oeurocentrismo e estudar as culturas de povos dominados peloseuropeusem todaasuacomplexidade.Depois,paraestudardiversosgrupos sociais específicos, com características culturais próprias. Daípassou-seafalaremculturaescolar(Cf.JULIA,1995),culturaperiférica,cultura letrada e, entre outras, cultura científica. Isso traz implícita aideia de que a ciência é um produto cultural da humanidade, assimcomoareligião,aculináriaeamúsica.Elaéproduzidaporhumanos(enãoporsemideuses).Nãoéinfalíveletampoucodesinteressada.

Os interessesenvolvidosnaproduçãodeciênciaetecnologia,sejamelespolíticosoueconômicos,sãoapenasumdosaspectosdarelaçãoentre ciência, tecnologia e sociedade. Outros aspectos dessa relaçãoenvolvem os benefícios e os riscos dos avanços científicos etecnológicoseseusimpactossociaiseambientais.

Assim como a noção de letramento científico dá ênfase aoconhecimentodasrelaçõesdaciênciacomasociedade–enãotantoànatureza da ciência –, os estudos de percepção pública da ciênciaenfatizam mais as questões sociais relacionadas à ciência do que oconhecimento de conceitos, teorias e fórmulas. As questões dosquestionários de larga escala desses estudos giram em torno de

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interesseeinformaçãosobreciênciaetecnologia,valoreseatitudesdopúblicoemrelaçãoaciênciaetecnologia,eengajamentodopúblicoemquestõesdepolíticaspúblicasenvolvendociênciaetecnologia.

Oqueojornalismoteriaavercomtudoisso?Emboraestejapassandopor transformações decorrentes dos avanços tecnológicos, daproliferação das mídias sociais e de novas formas de consumo deinformação, o conteúdo jornalístico continua sendo peça central eextremamente valorizada nas sociedades democráticas. E é condiçãodeexistênciadosveículosdecomunicaçãoatingirseupúblico.Quantomaisamploessepúblico,melhor.

O jornalismo científico é a ferramenta mais eficaz para levar a umpúblicomais amplo, de todas as idades, classes sociais ou níveis deescolaridade,asquestõesdeciênciaetecnologiaqueafetamavidadaspessoas em geral, para engajar esse público nos debates sobrequestõeséticasnaproduçãocientíficaetecnológica,parapossibilitaroposicionamento desse público em relação a políticas públicas queenvolvamciênciaetecnologia,sejanaáreadeenergia,detransportes,decomunicaçãoousaúde.

O próprio ensino em geral já vem incorporando o uso de textosjornalísticoshámuitosanos,tantocomomaterialcomplementarquantoem reproduções nos livros didáticos (Cf. CALDAS, 2002; CHIAPPINI,2000). Na educação científica, percebeu-se que o texto jornalísticosobre ciência tambémpode cumprir um papel importante em sala deaula.

Foradaescola,o jornalismo–quetambéméumprodutoculturaldahumanidade, com seus interesses, falível – pode se voltar tanto parapúblicos segmentados quanto para audiências mais amplas. E pode,enfim,contribuirparaomaiorembasamentodostomadoresdedecisão

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em políticas públicas, assim como daqueles que os escolhem nosprocessoseleitorais.

REFERÊNCIAS

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RESUMO: Este artigo tem como objetivo disseminar, entre a comunidade envolvida com a divulgaçãocientífica, o conceito de letramento científico. Seu ponto de partida é a diferenciação entre letramento ealfabetização nos campos dos estudos da linguagem e do ensino de línguas. Embora seja crescente onúmerodetrabalhosnoBrasilsobreletramentocientíficopublicadosemperiódicosespecializadosouanaisdecongressos,principalmentenocampodaeducaçãocientífica,predominam,emnúmerosabsolutos,ostrabalhos que tratam de alfabetização científica. Tanto nos trabalhos de pesquisadores da educaçãocientíficaquantodacomunicaçãodeciência,alémdopredomíniodousodotermo“alfabetizaçãocientífica”,sãorarosostrabalhosqueusamreferênciabibliográficadosestudosdalinguagemoudoensinodelínguasparaapoiaraconceituaçãodo termoderivadodaquele tomadodeempréstimonessescamposdeestudo.Após essa diferenciação, será feito um breve histórico sobre as publicações internacionais em torno doletramento científico, em suamaioria da área da educação, e em seguida será feita uma conexão dessetermo com o campo da comunicação da ciência, em particular, na relação do conceito com a culturacientífica,apercepçãopúblicadaciênciaeojornalismocientífico.PALAVRAS-CHAVE: letramento científico; educação científica; jornalismo científico; cultura científica;percepçãopúblicadaciência.

ABSTRACT: This article has the aim to disseminate among the community concerned with scientificpopularization theconceptofscientific literacy. It’sstartingpoint is thedifferentiationbetween literacyandalphabetization in the languagestudiesand language teaching fields.Although thenumberofworksaboutscientificliteracypublishedinspecializedperiodicalsorannalsofcongressesisincreasinginBrazil,mainlyinthefieldofscientificeducation,theworkswhichdealwithscientificalphabetizationpredominateinabsolutenumbers. Both in the works of scientific education researchers and the communication of science ones,besidesthepredominanceoftheuseoftheterm“scientificalphabetization”,theworksthatusesbibliographyfromthelanguagestudiesorthelanguageteachingtosupporttheconceptualizationofthetermderivedfromthat borrowed in these fields of studies are rare. After this differentiation, a brief review of internationalpublicationsconcernedaboutscientificliteracy,themajorityfromtheeducationarea,willbemade,andnext,a connection between this term with the field of science communication will bemade, particularly in therelation of this concept with the scientific culture, the public understanding of science and the scientificjournalism.KEYWORDS: scientific literacy; scientific education; scientific journalism; scientific culture; publicunderstandingofscience

[1]Esteartigoéumaversãoampliadadotextocommesmotítulopublicadonaediçãon.197darevistaComCiência,dossiêespecial inteiramentededicadoaotema“DivulgaçãoCientífica”,emabrilde2018.Disponívelem:<http://www.comciencia.br/o-que-e-letramento-cientifico-e-qual-sua-relacao-com-cultura-cientifica-percepcao-publica-da-ciencia-e-jornalismo-cientifico/>.Acessoem:13abr.2018.

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[2] Rodrigo Bastos Cunha é doutor em Linguística Aplicada pelo Instituto de Estudos daLinguagemdaUniversidadeEstadualdeCampinas(UNICAMP),pesquisadordoLaboratóriode Estudos Avançados em Jornalismo (LABJOR), docente do Mestrado em DivulgaçãoCientífica e Cultural (MDCC) e coordenador do curso de Especialização em JornalismoCientíficonamesmainstituição.E-mail:[email protected].

[3]Criadoem2001,oíndicedaquelelevantamentonacionalsobrehábitosdeleituradobrasileiroeseudesempenhoem testesdecompreensãode texto incorporouemseunomeo termopositivo–emborapoucousado–queseopunhaa“analfabetismo”:IndicadordeAlfabetismoFuncional. Contudo, o livro com textos de pesquisadores dos campos dos estudos dalinguagem,da literaturaedoensinode línguas, refletindosobreosdadosdaqueleprimeirolevantamento,temcomotítuloOletramentonoBrasil.

[4]SobreanoçãodedialogismodefendidapelofilósofodalinguagemrussoMikhailBakthin,verBakthin(1997).

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DIVULGAÇÃOCIENTÍFICA,RELAÇÕESDEPODERECIDADANIAScienceCommunication,PowerRelationsandCitizenship

GraçaCaldas[1]

Quevaleaciência?Quecontribuiçãonosdáparaa

compreensãodomundoemquevivemos?

Alémdegerartecnologia,éaciênciapartedaCultura?

JoséLeiteLopes(1988,p.257)

O impactodaciênciaeda tecnologianasociedadepodeseraferidopelo grau de desenvolvimento de um país, considerando seusindicadoressociaiseeconômicos.Cotidianamentesãodivulgados,emdiferentes plataformas e formatos, resultados da produção científicasem as devidas discussões e avaliações críticas para possibilitar anecessária compreensão, discernimento e posicionamento sobre ostemas em debate para a participação da sociedade e tomada deposições em temas de interesse público. Aomesmo tempo, cresce onúmero de formas criativas de divulgar ciência, seja por jornalistas,cientistasoupeloscidadãosemgeral,principalmentenasredessociais.Essas iniciativas são estimuladas por políticas públicas de divulgaçãocientíficaeporpremiaçõesnacionaiseinternacionais.

Nuncaaciência esteve tantonaberlinda, apesardeepor causadacrise mundial, seja por seus recursos cada vez mais escassos,particularmente no caso brasileiro, em função de políticas públicas

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míopes,quenãoreconhecem,adequadamente,opapeldaciência,datecnologiaedainovaçãocomomotoresdodesenvolvimentosocial.Aomesmo tempo, pesquisas de opinião pública demonstram grandeinteresse da sociedade pela ciência associada ao baixo nível deconhecimentoedeapropriaçãodaCT&I.

Mas qual é o valor do conhecimento, da educação, da cultura nasociedade? De que forma o conhecimento pode fortalecer a culturacientíficaparaumaformaçãocriticaecidadã?Oconhecimentodiferedainformação cotidiana, volátil, frágil, que envelhece, enquanto “oconhecimentorenovaelevavocêatémaislonge”,comoinsistiaemnoslembrar campanha por novas assinaturas do jornalO Estado de SãoPaulonosanos2009e2010.Oconhecimentodependenãoapenasdainformação, mas também e principalmente de sua contextualização,perspectivahistórica,desuaarticulaçãocomosdiferentes setoresdasociedade para a construção de uma cultura científica que leve emconsideraçãoideias,valores,crençaseideologias.

Poroutrolado,ainformação,acomunicaçãosãofundamentaisparaoprocesso permanente de mobilização da sociedade, organização earticulaçãodosatoressociaisedesaberes locaise regionais,emproldousosocialdaciência.Exatamenteporisso,comoobservamBragaeMafra (2000, p. 4), as pessoas precisam, além de informação,“compartilharvisões,emoçõeseconhecimentossobrearealidadedascoisas a sua volta, gerando a reflexão e o debate para a mudança”.Assim, a divulgação científica numaperspectiva crítica e analítica, emseusdiferentesformatoseplataformaspodegerarumaculturacientíficaque permita aos cidadãos serem sujeitos e participantes ativos naconstruçãodesuaprópriahistória.

Ao mesmo tempo, isto só será possível se houver diálogo ecooperação entre cientistas, jornalistas, educadores, divulgadores daciência, empresários, parlamentares edirigentes conscientesdopapel

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daCiência,TecnologiaeInovação(CT&I)paraobem-estarsocial.Paraque isso ocorra, é necessário a participação efetiva da sociedade nadefiniçãodaspolíticascientíficaseculturaisdopaís.

Além disso, é necessário garantir a apropriação do conhecimentocientífico que possibilite a tomada de posição e de decisões emquestõescríticascadavezmaisurgentescomomudançasclimáticas,ouso intensivodeagrotóxicosnaagricultura;osalimentostransgênicos;a exploração desenfreada da mineração; e até mesmo as tentativasseguidasde retomadadaenergianuclear, contra tendênciasmundiaisde valorização de energia renovável. No entanto, mudanças detrajetória, do rumo da história, dependem, fundamentalmente, demobilização social e da educação para a aquisição de uma culturacientíficaplenaeautônoma.

Esta educação científica pode ser feita de múltiplas maneiras, namídia,naescola,nosmuseus,noscentrosdeciência,nasredessociais,nasruas.Dequeforma,porém,essasiniciativaspodemcontribuirparauma percepção mais acurada da ciência, em que o radicalismocrescente da sociedade com o uso do fundamentalismo, dapseudociência, das fake news possam ser rechaçados? Qual ainfluência de valores, atitudes e crenças na percepção pública daciência?Comooconhecimentocientíficodesprovidode (pré)conceitospodecontribuirparaumaleituramaisisentaecríticadarealidade?

Aciênciaseduznãosópeloquepromete,mastambémpelofascínioqueexercesobreaopiniãopública.Entretanto,nemsempreaspessoasestão preparadas para entender os riscos e os benefícios doconhecimento científico e tecnológico, nem compreendem,adequadamente,asrelaçõesdepoderqueperpassamsuasdecisõeseações.Qual seria, portanto, o papel dos educadores, comunicadores,cientistas, divulgadores da ciência, para a construção de uma “leituracríticadomundo”paraaaquisiçãoeapropriaçãodoconhecimento?

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A leitura crítica do mundo implica, em primeiríssimo lugar, noaprendizadodalinguagemedapossibilidadedepercepçãohistóricadocontexto social. Entretanto, as dificuldades para isso são imensas epassam pelos pífios resultados da pesquisa do Instituto Nacional deEstudosePesquisas (INEP)de2017.Osdadosapontamquemaisde70% dos alunos do Ensino Médio não atingiram níveis consideradosbásicosnalínguaportuguesa[2].

Se os jovens não são capazes de interpretar textos básicos,obrigatórios das escolas, como esperar que possam compreender opapeldaciêncianasociedade?Comoesperarqueconsigamentenderasevidênciascientificasediferenciá-lasdapseudociência?Epior.Sãoestes alunos que vão ingressar nas universidades, no mercadoprofissional,semhorizontesclaros,semhabilidadesparamanejarcomarealidade cada vez mais complexa. Cabe, portanto, aos educadores,cientistas,comunicadoresemgeraladifíciltarefadesuperaçãodessasdificuldades encontrando mecanismos de formação científica e dedivulgaçãocientíficaquepossamdealgumaformareduzirogapentreoconhecimentoformaleonãoformal.

RELAÇÕESASSIMÉTRICASDurantemuito tempo as relações entre cientistas e jornalistas foram

orientadas pela desconfiança mútua, pautadas pelas tensões napercepção dos processos de produção da informação e doconhecimentocientífico.Dessaforma,asrelaçõesassimétricasentreasduasáreascontribuíamparaumadivulgaçãocientífica, cujaqualidadeeramuitasvezescriticada,quandonãoquestionada.Masrecentemente,faceaointeressecrescentedaopiniãopúblicapelaciência,alavancadapela credibilidade dos cientistas e da imprensa, ficou clara aresponsabilidadesocialdocientistaedojornalistanapopularizaçãodoconhecimentoparaasociedade.

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As relações se modificaram a partir do entendimento do modusoperandi de cada área, motivadas agora pela vontade comum decolaboraçãonadiscussãodosdilemaséticosquepermeiamaproduçãodo conhecimento e também no processo de disseminação deinformaçõescomaqualidadenecessária.Odiscursodosespecialistas,mediado e interpretado pela discurso do jornalista enseja um terceirodiscurso,odademocratizaçãodaciência,ajudandonaconstruçãodamemóriaindividualecoletivadopaís.

Caldas assevera que já foi o tempo em que a ciência podia sercompreendida como verdade absoluta ou definitiva, em que oscientistas,dotadosdeconhecimentoespecializadoeoutécnico,“eramos senhores absolutos, com competência inquestionável para orientargovernantes ou parlamentares nas escolhas sobre investimentospúblicos em CT&I e sobre o uso de tecnologias desenvolvidas”(CALDAS,2010,p.34).

Atualmente, com o aprendizado mútuo do papel de cada ator noprocessodedivulgação,as fronteirasestabelecidas foramsubstituídaspor trabalhos colaborativos, que não se limitam mais a esses doisatores, mas que incluem os educadores e diferentes setores dasociedade no necessário e urgente diálogo para a formação de umaculturacientíficaplena.

Mas de que educação e cultura científica estamos falando? Daeducação pela mídia? Nas escolas? Nas famílias? Sim, mas nãoapenas.Em temposde redes sociais, a informaçãocircula livremente,comosriscosinerentesaesseprocesso.Aomesmotempo,gruposdeinteresse, nem sempre em sintonia com o interesse público, sefortalecem com suas crenças, valores e idiossincrasias, exigindo dasociedade cada vez mais leituras acuradas de fatos, identificação denotícias falsas, leitura de cenários complexos, para tomadas dedecisões.

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Como,porém,lidarcomforçasantagônicaseestruturadasnoespaçopúblico com vozes dissonantes e desagregadoras que fomentamcomportamentosretrógradosquepromovemoobscurantismo,negandoas evidências científicas e o pensamento crítico e autônomo?Qual opapeldadivulgaçãocientíficanestecenário?

CIÊNCIAEPODERDivulgarciênciadeformacríticapassapeloconhecimentodahistória

e trajetória da política científica, suas ações e efeitos. Inadiávelcompreender:emquemedidaosresultadosdoconhecimentocientíficosão distribuídos igualitariamente à sociedade? Do que depende ademocratização e o acesso ao conhecimento científico e de seusbenefícios? Para além da disseminação dos resultados da produçãocientífica,éfundamentalqueosdivulgadoresreflitamsobreasrelaçõesdepoderquepermeiamaproduçãoeaapropriaçãodoconhecimentopelasociedade.

No final da década de 90, Mayor (1998) já alertava para aresponsabilidade social dos cientistas. Para ele, além doreconhecimentoaoscientistas,pelo importantepapelnaconstruçãoeno avanço do conhecimento em diferentes áreas, “deveríamos sercautelosos em comemorar seus triunfos demodo demasiado acrítico,poiselesforamdistribuídosdesigualmente”,observando,ainda,que“aciênciatevedelutarcontraeresponderamuitosinteressesdiferentesenemsempreconvergentesnasociedade”(MAYOR,1998,p.119-121).

Promessasfazempartedadivulgaçãocientíficainconsequente,comoascurasfrequentesdocâncer,muitasvezesdestacadasnascapasdarevista Veja e em outros veículos de comunicação, gerando falsasesperanças,semcomprovaçãocientífica.Mas, às vezes, é importantelembrar,aspromessassãodospróprioscientistascomofoiocasodo

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neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, com seu projeto “Andar deNovo”,quandoanunciouochuteinauguraldaCopadoMundode2014porumparaplégicousandoumexoesqueleto.Osresultadosesperadospelo mundo inteiro não corresponderam às promessas e foramcriticados por muitos outros pesquisadores. Assim, o papel dosdivulgadores vai além da mera repercussão das falas dos cientistas.Enfrenta,odurodesafiodequestionaraspesquisasesuasconclusõesapressadas, recorrendo à necessária cautela, ceticismo e a outroscientistas antes de divulgar feitos considerados miraculosos. Asincertezasdevemestaraoladodaspromessas.

Kneller (1980), por sua vez, nota que a ciência é uma atividadehumanaecomotalestásujeitaainteressesecircunstânciashistóricas.Com relação específica ao uso da tecnologia, adverte que éfundamental o debate sobre seus usos porque estes dependem doconhecimentoacumulado,ressaltandoquecientistasetecnólogostêmespecialresponsabilidadeemcontribuirparaoesclarecimentopúblico.“Devem comunicar os resultados de seus estudos sobre asconsequências reais e potenciais da tecnologia aopúblicomais vastopossível e em termos facilmente entendidos pelo cidadão comum”(KNELLER,1980,p.268).

Como ensina Michel Foucault (1972) em seus estudos sobreGenealogiadoPoderedoSaber,oindivíduoéumaproduçãodopoderedosaber.Todosaberasseguraoexercíciodeumpoder.Nãohásaberneutro. Todo saber é político. E Machado (1981, p. 191), em suasleiturassobreFoucaultfazumasíntesedesuasideias,elucidandoqueopoder não existe; existem sim, práticas ou relações de poder. O quesignificadizer,complementaoautor:

queopoderéalgoqueseexerce,que funciona.Eque funcionacomoum

maquinaria, como umamáquina social que não está situada em um lugar

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privilegiadoouexclusivo,massedisseminaportodaaestruturasocial.Não

éumobjeto,umacoisa,masumarelação.(MACHADO,1981,p.191)

Ao discutir a dificuldade de autonomia da ciência em relação aospoderesexternos,easdiferençasentreoqueelenomeiacomocapitalcientífico puro e capital científico institucionalizado, Bourdieu reforçaque:

Defato,omundodaciência,comoomundoeconômico,conhecerelações

de força, fenômenosdeconcentraçãodecapitaledopoderoumesmode

monopólio, relações sociais de dominação que implicam uma apropriação

dosmeiosdeproduçãoereprodução,conhecetambémlutasque,emparte,

têmpormóvelocontroledosmeiosdeprodução.(BOURDIEU,2004,p.34)

Atualmente, o mesmo problema se coloca, embora em outradimensão.Osavançosdoconhecimentocientíficoeseususossociaissão inegáveis em diferentes áreas:medicina nuclear, saúde em geral,meio ambiente, agronomia, apenas para falar dos mais difundidos epolêmicos,emboranemsempreacessíveisàsociedadecomoumtodoequeemnãorarasvezesatendemainteresseseconômicoseprivados,emdetrimentodointeressepúblico.Assim,paraqueessasconquistassejamdistribuídasdeformaéticaeigualitária,énecessárioumaampladifusãoda informaçãocientíficaetecnológicaparapossibilitarreflexãopúblicasobreosusos,riscosebenefíciosdaciência.

A prática da divulgação científica, seus conteúdos, linguagem têmsido objeto de estudos de vários campos. Ao examinar o papel daciência como parte da cultura no mundo contemporâneo,especificamente na área de biociências, Luz e colaboradores (2013)fornecem elementos importantes para a reflexão da divulgaçãocientífica, que pode ser ampliada para outras áreas. Na visão dessespesquisadoresqueatuamnaáreadeSaúdeColetiva:

Entre o processo de produção do conhecimento científico e tecnológico,

através da prática da pesquisa, e a interiorização dos resultados desses

saberespelosensocomumdosindivíduos,gruposeclassesquecompõem

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a sociedade, para seu agir e pensar cotidianos, há uma “cascata de

transmissão” de discursos socialmente hierarquizados, que vão do artigo

pesquisador(es) autor(es) em seu campo, à publicidade (difusão social no

sentidomaisexotérico),divulgadaatravésdamídiaescrita, falada, visual e

virtual, geralmente com a forma de propagandamidiática, com finalidades

comerciais, ou mesmo ideológicas. Todos esses veículos podem ter em

comum o fato de divulgar fatos, descobertas, ou avanços científicos com

objetivosdeconvencimento(comfinalidadescomerciaisounormativas)dos

conteúdos divulgados. Outros podem ter a finalidade oposta: debater e

questionar a veracidade de tais “avanços”, denunciando seu caráter

mercantilouideológico.(LUZetal.,2013,p.248-249)

Em tempos cada vez mais complexos, em que o conhecimentocientífico é decisivo para resoluções de problemas e tomadas dedecisões em questões fundamentais atémesmo para a sobrevivênciahumana, os divulgadores precisam assumir uma postura crítica eanalítica da produção científica e os cientistas, por sua vez, precisamsair de seus laboratórios para exercerem a imprescindível liderançapolítica não mais apenas por meio de suas representaçõesinstitucionais, mas também atuando diretamente junto aos poderesconstituídos: Executivo, Legislativo e Judiciário. É hora de maiorexposiçãopúblicaparaquepossam,aoladodasociedadecivil,mudaroritmodahistória.

Aoseducadores,divulgadores, jornalistas,aexpectativanãoémuitodiferente,emboracomferramentasespecíficas,emqueapalavra,avozsãoessenciais.Aescritadahistóriaestá igualmenteemsuasmãos.Opapeldacomunicaçãonaconstruçãodamemóriaindividualecoletivaéímpar. Os jornalistas são historiadores do cotidiano e, portanto,exercemfunçãochavenaconstruçãodoimagináriopopulare,portanto,são corresponsáveis pelas transformações sociais. Como sustentaCaldas(2005,p.138):“aformaçãodoimagináriosocialécalcadanumaaldeia global, onde tudo se articula em teias multimídias, cominformações fragmentárias, destituídas de contexto, sem umaperspectiva histórica, que permita interligar o presente e o futuro”.

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Cabe,portanto,aessesagenteshistóricos,aosdivulgadoresemgeralestabelecerem os necessários nexos sobre o processo de produçãocientífica, suas implicações políticas, econômicas e sociais para umacompreensão de seu significado com vistas à apropriação pública doconhecimentocientífico.

Nessesentido,éinadiávelumadivulgaçãocientíficasemingenuidade,cética, contextualizada, crítica e analítica. Fioravanti (2013) reconhece,comomuitosestudiososdaárea,osinegáveisavançosnacoberturadoJornalismo Científico no Brasil, nos últimos 30 anos. No entanto,acreditaqueháaindamuitoporfazerumavezque,nasuapercepção,ootimismosobreaproduçãocientíficaesuadivulgaçãoaindapersiste,jáqueas“conclusõesdoscientistassãogeralmenteapresentadascomoverdades inquestionáveis” (FIORAVANTI, 2013, p. 320). Defende umenfoquemaisamploparaoJornalismoCientíficoemqueosobstáculos,as incertezas naturais no cotidiano da atividade científica sejamincorporados aos textos de divulgação científica para maioresclarecimentodaopiniãopública.

O denominado jornalismo de precisão, essencial na prática dojornalismodequalidadedevesesomaràdivulgaçãodascontrovérsias,dos financiadores da CT&I, dos inevitáveis questionamentos, dasdúvidas,doserroseacertosquefazempartedocotidianodapesquisacientífica.Assim,diferentesaspectosdeumamesmapesquisadevemcompor qualquer texto de divulgação científica. Para isto, porém, aformação qualificada dos divulgadores de ciência e de uma melhorcapacidadedecomunicaçãodoscientistaséessencial.

Aformaçãodojornalista,dodivulgador,nãoseconfigura,noentanto,apenaspelaaquisiçãodeconhecimentosobreoestadodaarteedasquestões principais de determinada área mas principalmente pelacapacidade de articular fatos, contextualizar informações. Estabelecerrelaçõesdecausalidadeentrecausaseconsequências,paraantevere

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alterar decisões políticas ou falta delas é imperioso e inadiável. E,sobretudo, manter um diálogo permanente entre os cientistas,jornalistas, divulgadores e educadores em geral, para uma atuaçãoconjunta no desenvolvimento de uma divulgação mais competente ecrítica, sem abrir mão da necessária autonomia de cada um dessesatoressociais, considerandosua influênciana formaçãodo imagináriosocial.

Quepapelsimbólico,político,ideológicooupedagógico(outodoseles)para

a reprodução desse saber vem tendo a denominada divulgaçãocientífica,

através da crescente circulação de periódicos de grande divulgação, que

mobilizaetematizaincessantementeaspesquisasdisciplinares,abrangendo

projetos e descobertas científicas em praticamente todas as disciplinas,

sobretudo nas ciências da vida, dirigindo seus resultados e propostas

normativasaopúblico“educado”(comformaçãouniversitária),ouaogrande

público(ensinomédiocompletoouincompleto),vistonessecontextocomo

“massa”?(LUZetal.,2013,p.251-252.Grifodosautores.)

CIÊNCIACOMOBEMPÚBLICOA ciência é um bem público? De que forma a sociedade adquire

informação,conhecimentoparatomarsuasprópriasdecisõesemtemasdeinteressepúblicoeemsituaçõesderisco?Comooconhecimentoéapropriado?Comopossibilitaraparticipaçãoinformadaeconscientedasociedade na área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I)? Apromoçãodedebatespúblicossobreapolíticacientíficanacionalpodecontribuir para a percepção da sociedade sobre os usos sociais daciência?

Os debates sobre os riscos e benefícios da ciência e da tecnologiatêm se ampliado face às crescentes incertezas da humanidade e quetomamcontadocotidianodaspessoas.Nãoémaispossívelsepararaciênciadasdecisõespolíticasqueafetamasociedade.Seusefeitossãocadavezmaispresentes.

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Então,seaciênciaéumbempúblicoecomotaldeveserpreservada,qualopapeldaspolíticaspúblicasnapromoçãodobem-estarsocial?Comousufruirdasconquistasdaciênciaedatecnologiaparareduzirasmazelassociais?Paramelhorcompreensãodoconhecimentocientífico,é preciso reconhecer argumentos que integram, normalmente, oprocessodeconstruçãodaciência,comoenumeramThomaseDurant:

Argumentoeconômico:existeumaconexãoentreoníveldecompreensãode

ciências pelo público e o nível de saúde econômica da nação.O sucesso

científicoe tecnológicodeumanaçãoévistocomoumsinalde reputação

internacional.

Utilidade: acompreensãodeciênciase tecnologiaéútil dopontodevista

prático, especialmente para quem vive numa sociedade científica e

tecnologicamentesofisticada.Essaspessoasestariammelhormunidaspara

tomardecisõessobredieta,segurançaeoutrascoisas,avaliarapropaganda

dosfabricantesefazerescolhasmaissensatasenquantoconsumidores.

Democrático: tomar parte de uma discussão debate ou decisão –

compreensão de ciências. Decisões sobre transporte, política energética,

testededrogasetratamentos,destinoderesíduos.

Social:manter ligaçõesentreciênciaseculturageral.Aespecializaçãoeo

crescimento da natureza técnica da ciência moderna são vistos como

problemassociaisquelevamaumafragmentaçãoincipiente–eàalienação

damaiorpartedopúblicoarespeitodaciênciaetecnologia.

Cultural: a ciência é certamente aprincipal aquisiçãode nossa cultura e o

público jovemprecisa ser capacitadoa entendê-la e apreciá-la. (THOMAS;

DURANT,1986,p.1-14)

Os resultadosdaproduçãocientífica e tecnológicadevem,portanto,serincorporadosaodesenvolvimentoparticipativo,regionalelocal,pormeio da mobilização e participação da sociedade civil. Isto só serápossível por meio da organização e articulação dos atores sociais esaberes locais e regionais e pela criação de mecanismos departicipaçãodasociedadecivil, emqueacomunicaçãoeaeducaçãosãopartesdecisivasnaconstruçãodessessaberes.

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A circulação da informação confiável por diferentes meios e redessociaispodecontribuirparaapromoçãodaidentidadelocaleregional,sentimentodepertença.Podepossibilitarqueasrelaçõesinterpessoaise sentimentos de confiança mútua criem e mantenham vínculos, pormeio de ações coordenadas que mobilizem as pessoas para apromoçãododesenvolvimentosustentável,deinteressepúblico.

Mascomomobilizar aspessoas?Para issoénecessárioo interessecomum, porque, como asseveramToro eWerneck (1996),mobilizar éconvocarvontadesparaumpropósitodeterminado,paraumamudançada realidade. Trata-se, portanto, de uma comunicação dialógica,libertadoracomoensinaFreire(1980)hádécadas.

CIÊNCIANAAGENDASOCIAL?No6oFórumMundialdasCiências,realizadonoRiodeJaneiro,de24

a 27 de novembro de 2013, József Pálinkás, então presidente daAcademiadeCiênciasdaHungria,advertiuqueomundoestádivididoentreaquelesquetêmacessoaosbenefíciosdaciênciaeaquelesquenão têm. Segundo ele, temos que trabalhar para reduzir asdesigualdadesepromoverodesenvolvimentoglobal.

O debate sobre o papel da divulgação científica como parteimportantedasociedadecontemporânea,comseusriscoseincertezascrescentes,estevepresenteemváriasdiscussõesdoFórum.Otemafoiinclusive parte da Declaração Final do Fórum[3], que considerou“fundamentaloenvolvimentodosmeiosdecomunicaçãoparaadifusãodo conhecimento científico e das decisões políticas na área”. Nomesmo documento classificou como “essencial a integração dasciências naturais, engenharia e ciências sociais para a concepção deações políticas eficazes que abordem questões globais desustentabilidade”.

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Não menos importante é a fala do cientista escocês James GraserStoddart,[4] ganhador do último Prêmio Nobel de Química em 2016.Segundoele,éhoradoscientistas“tiraremacabeçadebaixodaterra”e lutarem contra o desprestígio que a ciência vem sofrendo. Acreditaque é necessário e urgente os cientistas assumirem uma posiçãopolíticanavidapública.

ApossibilidadedeoscientistascriarempartidopolíticoparateremvoznoCongressoNacionalchegouasercontempladaduranteareuniãodaSociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em BeloHorizonte,MG, em 2017. A notícia foi veiculada no blog do jornalistaHerton Escobar do jornalOEstado de São Paulo. A ideia, de acordocom a notícia, foi defendida pelo pesquisador Glaucius Oliva, doInstitutodeFísicadaUSPdeSãoCarlos,ex-presidentedoCNPq,paraquem: “há clara necessidade de termos representação de cientistas,professoresepesquisadoresnoCongressoNacionaleoutrasinstânciaslegislativas do pais, qualificada para defender a causa da educação,ciênciaetecnologiacomopilaresdainovaçãoedodesenvolvimento”[5].

Já o diretor científico da Fapesp,CarlosHenrique deBritoCruz, namesma ocasião, afirmou que o ideal seria ter políticos com formaçãocientíficaemváriospartidosparacriarumafrenteemdefesadaCT&I.

Independentedodebateprosperar,ofatoéquecientistasprecisamsearticularmaisparacolocaraCT&Inaagendanacional,paraenfrentaremgruposdepressãoque se reúnemembancadas informais em frentesparlamentares de diferentes partidos e ideologias do CongressoNacional. Esses grupos, cada vez mais coesos, defendem interessesespecíficos,emqueabancadamaisconhecidaéadaBBB(Bíblica,BoieBala).

Em contrapartida, a baixa participação pública e até mesmo decientistasoujovenspesquisadoresemdiferenteseventosdenominados

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de“MarchapelaCiência”,surpreende, faceàsdificuldadescrescentesnaárea. IniciadanoBrasil em2017e realizadaemdiferentesestadosbrasileiros,aMarchatevecomomoteocortede44%noorçamentodaCT&IeafusãodoMinistériodeCiência,TecnologiaeInovação(MCT&I)comoMinistériodasComunicações.Afrágilmobilizaçãopopularrevelaa necessidade de maior articulação nacional em defesa da ciênciabrasileira.

Esta realidade é também uma demonstração clara da falta deengajamento social da opinião pública na ciência e da percepção dasociedadesobreodopapeldaciênciaparaobem-estarsocial,desuarelaçãocomavidacotidianaedesuasperspectivasparaofuturo.Nãoháumaclarezadasociedade,comosustentaCaldas (2011,p.19),deque “o conhecimento é uma forma de emancipação social essencialparaaconquistadacidadania”eque“educaçãoeculturacientíficavãomuitoalémdoacessoàinformação.Pressupõemodesenvolvimentodeuma capacidade crítica para melhor compreender a realidade e seposicionarsobreela”.

A construção de uma cidadania ativa, participativa, é resultado doacesso à informação qualificada, em que os divulgadores da ciênciapossam exercer com competência, ceticismo e independência apopularizaçãodoconhecimentocientífico.ComoobservaLatour(1997,p.19-20),“paradarindependênciaàsanálisesdaciênciaénecessário,pois,nãosebasearunicamentenoqueospesquisadoresdizemdesimesmos. Eles devem tornar-se o que os antropólogos chamam de‘informantes’, certamente informantes privilegiados, mas sempreinformantesdequemseduvida”.

DESAFIOSECENÁRIOSFUTUROSConsiderandoarelevânciadoconhecimentocientíficoparatomadade

decisões, é indispensável levar em consideração os fatores

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econômicos, tecnológicos, políticos, culturais, ideológicos, emocionaise os interesses de grupos para avaliar riscos e consequências dosinvestimentos e tomadas de decisões sobre a produção científica etecnológica.Nessaperspectiva, a dimensão ética e os valores sociaisprecisamfazerpartedestedebateparaescolhasconscientes.

As decisões éticas e políticas são adotadas como consequência de um

debate (implícito explícito), em que intervirão análises pelo viés dos

paradigmas e das grades de leitura e aos apelos éticos pelo viés dos

indivíduos ou grupos que os expressarem. Apelam ao debate ético e aos

valores, mas, enfim, são tomadas demaneira a-racional, por meio de um

salto quase místico no desconhecido. [...] Nenhuma dessas escolhas é,

contudo, indiferente pois, afinal, nós nos tornamos aquilo que fazemos de

nossahistória.(FOUREZ,1995,p.301-302)

Nos últimos anos verificamos avanços significativos nas políticaspúblicas de popularização da ciência, cujas diretrizes estiverampresentes nas Conferências Nacionais de Ciência e Tecnologiaprincipalmente nos anos 2001, 2005 e 2010; na criação da SemanaNacionaldeCiênciaeTecnologia;naelaboraçãodoProgramaNacionalde Popularização e Apropriação Social da CT&I-POP Ciência(2011/2022); e na criação de editais de financiamento à pesquisa naáreadedivulgaçãocientífica.OtemadaSNCTdeoutubrode2018nãopoderiarefletirmelhorocompromissodaciêncianasociedade:“Ciênciaparaareduçãodasdesigualdadessociais”.

Entretanto, se não houvermobilização social, participação ativa doscientistas,jornalistas,dasociedadeemgeralparaadefesadaCT&Ieaconstruçãodeumafrenteparlamentar,muitasdasconquistasnãoserãoincorporadas pela sociedade. A inserção da ciência na agenda socialdepende da politização da ciência e de todos aqueles que desejamreduzirasdesigualdadessociais.

CONSIDERAÇÕESFINAIS

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Adivulgaçãocientíficadequalidadequepromovaaculturacientíficaeleve as pessoas a refletirem sobre o uso social da ciência e datecnologia para a toma de decisões em temas de interesse públicopassa,necessariamente,pelacooperaçãoentreváriosatoressociaiseprincipalmente entre cientistas e divulgadores da ciência. O interessepúblico, e não de grupos de pressão, deve ser considerado nesteprocesso. Se a ciência é um bem público, deve estar a serviço dasociedade.

Cientistas, jornalistas,divulgadoresdaciência,educadoresdevemsemobilizar cada vez mais e mostrar à sociedade como a ciência érelevanteparaa soluçãodeproblemasprementesdahumanidadeemdiferentes áreas do conhecimento. No caso específico dasmudançasclimáticas,cujosefeitosperversosestãosecolocandonodiaadiadaspessoas, as evidências científicas sobre o aquecimento global forampalcodoAcordodeParisem12dedezembrode2015,aceitopor195países. Resta saber se os governantes vão dar segmento ao acordo.Nesse sentido, a mobilização e pressão social em diferentesplataformasé fundamentalparagarantiramanutençãodoacordo,embenefíciodaprópriahumanidade.

Colocaraciência,atecnologiaeainovaçãonaagendapúblicaéumesforço conjunto de todos aqueles que têm acesso à informação, aoconhecimento.Compartilharoconhecimentoepromoveroengajamentopúblico das pessoas na defesa da CT&I é poder garantir o acessopúblicoaosavançoscientíficoseseususossociais.Nesteprocesso,adivulgação científica crítica e independente namídia, nas escolas, emmuseus, nas famílias, na sociedade em geral é a única forma depossibilitaraformaçãodeumaculturacientíficacríticaecidadã.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU,Pierre.Osusossociaisdaciência:porumasociologiacríticadocampo

Page 65: Ciências, culturas e tecnologias: Divulgações Plurais · O uso de formatos alternativos na divulgação das pesquisas científicas é, também, o tema do artigo de Germana Barata,

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RESUMO:Refletir sobre o papel da divulgação científica para a construção de uma cultura científica quepermitaaparticipaçãoefetivadasociedadecivilnadiscussãosobreusos,riscosebenefíciosdaciênciaéoobjetivodesteartigo.Paraissodiscutecomoapopularizaçãodoconhecimentovemsendorealizada,seestámaiscentradaapenasnadisseminaçãodaproduçãocientíficaounasuadiscussãocríticaeanalítica.Abordaasrelaçõesdepoderquepermeiamaproduçãoeaapropriaçãodoconhecimentopelasociedadeeobservacomoaformaçãodosdivulgadores, jornalistasecientistasinterferenesteprocesso.Verifica,ainda,dequemaneiraamídiaeaescolapodemcontribuirparaaformaçãodeumaculturacientíficacríticaecidadã.PALAVRAS-CHAVE:Divulgaçãocientífica;Relaçõesdepoder;Cidadania.

ABSTRACT:Thisarticleconsiderstheroleofscientificdisseminationintheconstructionofascientificculturethatenablessocietyat largeofthetoeffectivelydiscusstheuses,risksandbenefitsofscience.Forthis, itdiscusses how the popularization of scientific knowledge has been accomplished and whether it focusessolelyonthedisseminationofscientificproductionoralsoonitscriticalandanalyticaldiscussion.Iaddressthepower relations thatpermeate theproductionandappropriationof knowledgebysocietyandexaminehowtheformationofdisseminators,journalistsandscientistsinterferesinthisprocess.Finally,Iconsiderhowthemediaandschoolscancontributetothedevelopmentofacriticalcitizenscientificculture.KEYWORDS:Sciencecommunication;Relationsofpower;Citizenship.

[1]GraçaCaldasé jornalistaeprofessoradoLabjor/IEL/Unicamp.CoordenadoradoGrupodePesquisaComunicação,Educação,CiênciaCidadã.DoutoraemCiênciasdaComunicaçãopelaECA/USPePós-DoutoraemPolíticaCientíficapeloDPCT/IG/Unicamp.

[2] https://ultimosegundr4o.ig.com.br/educacao/2018-08-30/ensino-medio-desempenho-brasil.html

[3]http://www.jornaldaciencia.org.br/links/Declaration2013FinalText.pdf[4] https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2017/07/1901485-e-hora-de-cientistas-assumirem-

uma-posicao-politica-diz-nobel-de-quimica.shtml[5]http://blogs.estadao.com.br/herton-escobar

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ACOMUNICAÇÃODACIÊNCIAFEITANASUNIVERSIDADES:EXPERIMENTAÇÕESEPROJETOSPARAALCANÇAROSMAISDIVERSOSPÚBLICOSThecommunicationofscienceinuniversities:experimentsandprojectstoreachthemostdiversepublic

VeraReginaToledoCamargo[1]

GildenirCarolinoSantos[2]

AndreGarcia[3]

EricaMariosaMoreiraCarneiro[4]

MarinaGomes[5]

CamilaDelmondes[6]

PROJETOSEINICIATIVASPARACOMUNICAROCONTEÚDODACIÊNCIAFEITONASUNIVERSIDADESPÚBLICASBRASILEIRAS

1.INTRODUÇÃOEm2007foicriadooProgramadeMestradoemDivulgaçãoCientífica

eCultural(MDCC),nascendodaparceriaentreoInstitutodeEstudosdaLinguagem(IEL)eoLaboratóriodeEstudosAvançadosemJornalismo(Labjor) ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Oprojeto foi vinculado à Área Interdisciplinar, com ênfase em Ciências

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Sociais e Humanidades, e a trajetória foi de bastante prestígio,apresentandoumnúmerocrescentededefesas.

OProgramadePós-GraduaçãoemDivulgaçãoCientíficaeCulturaldopossui4linhasdepesquisa,agregandopesquisadoresealunosquesepostulamentreosobjetivos,eestãoassimestruturadas:

• CulturaCientíficaeSociedade;• Literatura,ArteeComunicação;• Informação,comunicação,tecnologiaesociedade;• PercepçãoPúblicadaCiênciaeTecnologia;

Queremos discutir dois projetos que nasceram dentro da Linha depesquisa:CulturaCientíficaeSociedade.Nasuadescrição,essa linharepresenta:

Reúne estudos sobre os fenômenos contemporâneos ligados à cultura em

geral e à cultura científica em particular, propondo análises sobre a

divulgação de manifestações culturais e no jornalismo científico que

contribuamparaacompreensão,entendimentoeexplicaçãodadinâmicadas

relaçõesentreculturas,ciências,tecnologias,inovaçãoesociedade.Abarca,

desse modo, análises sobre a produção e circulação das ciências em

instituições de ensino e pesquisa, revistas, jornais, museus, sites

institucionais, blogs, feiras de ciências, observando a relação e o diálogo

entremídiaeeducação,bemcomonoensinodasciênciasenaformaçãode

professores. Objetiva mapear e analisar discursos, representações e

significaçõeseseusimpactosculturais,sociaisepolíticos.Propõe,também,

a produção e desenvolvimento de conteúdos jornalísticos e de divulgação

dasciênciasnosmaisdiversosveículosesuportes,nãoapenascomomeios

de comunicação, mas como espaços de experimentação da escrita, do

pensamento e da formação crítica e cidadã no processo educativo do uso

dasmídiasnaeducaçãoformalenãoformal.

Discutir os fenômenos culturais que ocorrem na sociedade e suasrepresentações comunicativas faz parte das ações e investigação denossogrupodepesquisa, que se orienta atravésda cultura científica.Nossaspesquisasbuscamrefletirsobreosprocessoscomunicativose

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de divulgação da ciência. Os fenômenos que listamos neste artigotrazemfortementeesseenvolvimentoeocomprometimentocomoatodedivulgarciênciaparaoconhecimentodopúblico.

2.Desenvolvimentodosprojetos

2.1PortaldePeriódicosEletrônicosCientíficos(PPEC)daUnicampOPortaléfrutodoprojetodepós-doutorado,concluídoem2012,por

umdosautoresdesseartigo (GildenirC.Santos), juntoaoLaboratóriodeEstudosAvançadosemJornalismo, soba supervisãodaDra.VeraReginaToledodeCamargo.

Oautordoprojetodepós-doutorado, juntamentecomasupervisora,agendou com o vice-reitor e responsável pela Coordenação Geral daUniversidade para apresentarem a funcionalidade do Portal, que foiaceito unanimemente e aprovado para implantação imediata naUniversidade. Foi criado, através da Portaria GR-012/2014, instituídopelaReitoria daUnicamp, oGrupodeTrabalhopara a elaboraçãodediretrizeseprocedimentoscomacondiçãodeselecionarosperiódicospara ingressarem no Portal. Dessas diretrizes, surgiram 13 requisitosbásicosparacredenciamento,descritosabaixo:

• publicarartigosoriginaisdecarátercientífico;• possuirabrangêncianacionale/ouinternacionalquantoaosautoreseconselhoeditorial;

• publicarnomínimocincoartigosoriginaisporfascículo;• apresentar, na identificação do periódico, as seguintesinformações: escopo, política editorial e instruções aos autores,preferencialmenteemportuguês,inglêseespanhol,alémdefiliaçãocompleta dos autores, acompanhada de e-mail do autorcorrespondente;

• contemplaramáximadiversidadeinstitucionaleregionaldeautores

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nacionais e internacionais, evitando a concentração de autoreslocais;

• estarclassificadonoQualis/Capes,nosestratosA1aB3;• tertempodeexistênciadetrês(3)anos;• possuir número internacional normalizado para publicaçõesseriadas(e-ISSN);

• possuir padrões nacionais e internacionais de normalização parapublicaçãodeperiódicosetrabalhoscientíficos;

• ter periodicidade mínima semestral, com pontualidade napublicaçãodos fascículos,ouadotaramodalidadedepublicaçãoavançada(aheadofprint),oupublicaçãocontínua;

• publicarartigoscomtítulo,resumoepalavras-chave,noidiomadotextodoartigoenoidiomainglês,quandoestenãoforoidiomadotexto;

• possuir,preferencialmente, indexaçãoembasededadosnacionalouinternacional;

• ter implementadoogerenciamentodoperiódicoapartirdoOJS–OpenJournalSystem, pois esse software é parametrizadopara aatribuiçãodoDOI.Porém,osperiódicosqueutilizamoutrasformasdegerenciamentotambémpoderãoaderiraotermo,adequando-osàscondiçõesdoPortal.

No levantamento realizado na pesquisa de pós-doutorado, foramdetectados67periódicos,dosquais45apresentavamcondiçõesparaingressarnoPortal,porestaremvigentes.

Quando analisada a distribuição por área de conhecimento, foiencontradaamaior concentraçãodeperiódicosnaáreadeHumanas,conformegráfico1,aseguir(2015):

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Gráfico1.Distribuiçãodosperiódicosporáreadoconhecimento.Fonte:Santos,2015.

Na primeira fase da implantação do Portal, alguns editores foramconvidadosaintegraroprojeto.Foramescolhidosdentreosperiódicosque já utilizavam a plataformaOJS, pois permitiam a interface comoPrograma LOCKSS (Stanford University) para se integrar à Rede deServiçosdePreservaçãoDigitalCariniana(Ibict).AUnicampéintegrantedessarede,commaisnove instituições.Dessaforma,haviatambémafacilidade de atribuição do Digital Object Identifier (DOI) para osperiódicos vinculados ao Portal. Dos 45 títulos selecionados, 27estavam instalados na plataforma OJS. Os demais possuíam sitespróprios,eseisdelespertencentesaoSciELO–que foramaceitosdeimediato,criando-seumanovaconfiguraçãoparaoarmazenamentodacoleçãodigitaldisponívelnoSciELO(Cf.SANTOS,2015).

Tendo detectado os periódicos que poderiam compor o Portal pormeio da utilização do OJS, a coordenação contatou os editores, e

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apresentou-lhesasvantagenseoscompromissosquecadaumteriaaointegraroPortal.

Para que a página inicial do Portal fosse interativa, e dos mesmosmoldes do Portal de Revistas da USP, a coordenação e a equipe deanalistas de sistema, junto com a coordenação do SBU e umprogramadorcolaboradordaAssessoriadeComunicaçãodaUnicamp,estruturouemWordpressumapáginacomocódigo-fontecedidopelaUSP.Elapermitequeoseditoresacessemoseuperiódicodiretamentedapáginaprincipal. Também foramagregadas informações funcionaispara deixar o Portal mais dinâmico e moderno, com banner deinformações aos editores e comunidade, links de acesso aos dadossobreoPortaleequipeetc.

Figura1.SitedeaberturadoPPECestruturadoemWordPress.Fonte:http://periodicos.sbu.unicamp.br

Hoje,oPortaldePeriódicosEletrônicosCientíficosdaUnicamppossui30 títulos de todas as áreas, aguardando a adesão dos demais dos

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editoresparacomporatotalidadedos45títulos–oumais,quevieremasurgir.

Ao término do GT, em julho de 2014, foi feita uma previsãodiagnósticaemrelaçãoàequipetécnicaqueiriatrabalharnagestãodoPortal.

2.1.1EquipetécnicaAequipedesignadaparaconduzirostrabalhosficouestabelecidada

seguinteforma(SANTOS,2015):

• Coordenação:obibliotecário idealizadordoprojeto foidesignadocomocoordenadorresponsávelpelasatividadesdoPortal;

• Comitê Consultivo: constituído pelos próprios membros queiniciaramostrabalhospeloGTinstituídopeloReitoreinclusãoapósa elaboração das diretrizes da coordenação do SBU, ecoordenador associado do SBU. Inicialmente foi formado pelosdocentes assessores da PRP, PRPG, CGU, pesquisadora quesupervisionou o projeto e bibliotecários: coordenador do SBU eidealizadordoprojeto;

• Equipe técnica: constituída por um bibliotecário, um bolsista eauxílio do analista de sistemas da Diretoria da Tecnologia daInformaçãodoSBU.

Indiretamente, fazem parte também da equipe os editores dosperiódicos, pois estão vinculados aos institutos, faculdades, centros,núcleos e órgãos complementares da Universidade. Asresponsabilidadesdelespermanecemasmesmasdo fluxoeditorialdequalquer periódico, tendo apenas como compromisso comoPortal ofatodeparticiparemdasreuniões,treinamentoseconvocaçõesextras,alémdemanterematualizadososmetadadosdaspublicaçõesnoPortal(Cf.SANTOS,2016).

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2.1.2InstalaçõesfísicasEm relação às instalações físicas e logística do Portal, foram

adquiridosmobiliárioseequipamentosdeinformáticaparaconfiguraroambiente no prédio daBibliotecaCentral daUniversidade.O servidorque abriga o Portal está instalado na Diretoria da Tecnologia daInformaçãodoSBU,sendoexclusivoparaessa finalidade,monitoradopelo administrador de redes, com realização de backups diários etambém preservados digitalmente na Rede Cariniana (Cf. SANTOS,2015).

2.1.3UtilizaçãodelicençasdoCreativeCommonsParagarantirolivreacessoaosconteúdosdosperiódicos,elesforam

assegurados sob as diversas licenças de uso doCreative Commons,que não permite a utilização do material para fins comerciais, masdeixamcompartilharouutilizaramesmaformaoriginal,conformefigura2abaixo,sobreostiposdelicençasutilizadas(Cf.SANTOS,2016):

Figura2.LicençasCreativeCommons

2.1.4ResultadoalcançadospeloPortalOPPECéoúnicoPortalnoBrasilaserregistradonoCentroBrasileiro

do ISSN, sob o número 2446-5267, assim como outros portaisinternacionais:PortaldoLatindex,PortaldoROAD–DirectoryofOpenAccessScholarlyResources,entreoutros(Cf.SANTOS,2015).

O Portal é considerado uma fonte indexadora restrita para as suaspublicações, pois permite indexar cada uma delas, com base no

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protocolo OAI-PMH, possuindo mecanismos de busca, oferecendoserviçosàcomunidadeeosmetadadosseguindoopadrãoDublinCore(DC)deregistros.

Para reconhecimento da produção científica produzida pelos seusperiódicos,aUnicamp,pormeiodoPortaleSBU,filiou-seàCrossref/PILA (Publishers International Linking Association), representada pelaABEC–AssociaçãoBrasileiradeEditoresCientíficos,paraaaquisiçãoeatribuiçãodoDOI,siglaeminglêsparaDigitalObjectIdentifier,emsuaspublicações, garantindo, assim, a efetivação e persistência dos seusregistrosemqualquerambientedigital,eisso,comprovadamente,éumpasso importante para a internacionalização da publicação (Cf.SANTOS,2016).

O DOI e o ORCiD (sigla em inglês para Open Researcher andContributor ID) são linkspermanentes,quepermitemqueperiódicoseautores sejam localizáveis na internet. Mudanças de servidor ealterações no nome dos pesquisadores comprometem a recuperaçãoda produção científica, alterando inclusive os indicadores deprodutividade da universidade. Estas ferramentas funcionam como“RGs” dos objetos publicados e dos pesquisadores, com validadeinternacional(Cf.VILLEN,2017).

Outro fator importante em relação à produção científica do Portal éque ela se tornou mais visível para a comunidade, uma vez que,anteriormente,encontravam-sedivulgadosinternamenteedispersosemsite dos institutos, faculdade, centros e núcleos – comdestaqueparaestesdoisúltimospelagrandeconcentraçãodosperiódicos.Apartirdapropostade implantaçãodoPPEC,omarketing institucionalcomeçaapossuir mais visibilidade e consistência detectada em uma únicaplataforma de localização e recuperação das fontes originais depesquisas reconhecidas e publicadas nos periódicos efetivamentedestacadosnoPortal.(Cf.SANTOS,2016)

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UmoutrogranderesultadobenéficoparaaimplantaçãodoPortalfoiautilizaçãodosoftwareOJSparaportais,pois, foigratuito,semônus,eimplementadoporumaequipecolaborativadoPKP–PublicKnowledgeProject, sem que a Universidade tivesse custo com a aquisição desoftwareproprietário.

A partir de 2018, os periódicos que não cumprirem os requisitoscontarãocomoapoiodeuma incubadora (figura3),quedarásuporteparaquepossamsedesenvolvereatingiroscritériosexigidos.OPPECé uma iniciativa no âmbito doOpenAccess,movimentomundial, quetem como objetivo ampliar o acesso aos resultados da produçãocientífica,funcionandoatravésdosoftwareOJS–OpenJournalSystem(Cf.VILLEN,2017).

Figura3.SitedaIncubadoradoPPEC.Fonte:http://econtents.bc.unicamp.br/inpec/

Porúltimo,comapenasdoisanosemeiodeexistência,oPortal jáéreferência, tendo computado 1.309.872 acessos e 1.261.595downloads, de 119 países, durante o ano de 2017 (quadro 1). Essesnúmeros mostram o sucesso do projeto em dar visibilidade aos

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periódicos editados pela Unicamp. Ressalta-se que os 45 títulospublicados pelos institutos, faculdades e órgãos da Universidadeestavamespalhadosemuitasvezesnãopossuíamversãodigital,oquecomprometia sua visibilidade e qualificação – e hoje é um ganhorepresentativo para a Universidade (Cf. VILLEN, 2017). O projeto foicontemplado com o terceiro lugar na 6ª edição do Prêmio aosProfissionaisdaCarreiraPaepe,voltadoaosservidoresdaUnicamp,noanode2016.

Quadro1.Quadrocomparativodeacessosedownloads(2015a2017)Fonte:OJSdoPEEC,2017.

Os resultados alcançados pelo PPEC no intervalo de 2015 a 2017,conforme quadro 2, são notáveis, e, com certeza, os dois fatoresresponsáveispelorápidocrescimentononúmerodeacessosaoPortalforamoDOIeoORCiD.

2.2BlogsdeCiênciadaUniversidadeEstadualdeCampinas

2.2.1AdivulgaçãocientíficaAproximar o público da ciência e propiciar a construção de uma

cultura científica é um dos desafios de pesquisadores e também dasinstituiçõesquefinanciamaspesquisas,especialmenteaspúblicas,nocasodoBrasil.E,paraisso,éprecisoiralémdacomunicaçãofeitaaosparespormeiodeperiódicosespecializados.É inegávelquePortalde

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Periódicosofereceuma ferramenta imprescindível de comunicaçãodaciência,porém,éprecisoressaltarqueseupúblicoé,principalmente,aprópria comunidade científica. Pensando nisso, sugestões de comoengajaracomunidadecientíficaatambémlevarconteúdodesuasáreasparaoutrospúblicos,nãoespecializados,sãoimportantes.

SegundoVogt(2008),adivulgaçãodesempenhaumpapelestratégicoe fundamental quanto à participação crítica da sociedade no que dizrespeitoaosdestinos,riscoseinvestimentosqueenvolvemaproduçãocientífica.Mueller(2002)dissertaqueumcidadãobeminformadopodeparticiparmaisefetivamentecomomembrodeumasociedade.

A pesquisa sobre a percepção pública da Ciência e da Tecnologia(C&T) é realizada no Brasil pelo Centro de Gestão e EstudosEstratégicos (CGEE), órgão supervisionado peloMinistério daCiência,Tecnologia e Inovação (MCTI). Emsuaúltimaedição (2015), 61%dosentrevistados se declararam interessados ou muito interessados pelaciência,55%declararamse informarsobreC&Tpela internetouredessociais, 48% afirmaram ler sobre o assunto com frequência oumuitafrequência,14%declararamutilizarblogscomoplataformadeacessoàinformação e 28,1% responderam que utilizavam o Facebook paraacessoaestetipodeinformação.

Osbrasileiros,apesardedemonstrareminteresseemC&T,aindatêmpoucoacessoàinformaçãocientíficaetecnológica,especialmentenascamadas sociais de menor escolaridade e renda. Dos entrevistados,apenas 13% lembram o nome de alguma instituição de pesquisacientíficae6% lembramonomedealgumcientistabrasileiro famoso.Ainda assim, a pesquisa aponta que o brasileiro confia no cientista econsidera fundamentalapesquisaeos recursosdestinadosparaessefim. E mesmo com o reconhecimento da sociedade, apontada nestapesquisade2015,noanode2017,oMinistériodaCiência,Tecnologia,InovaçõeseComunicações–MCTIC[3]sofreuumcortede44%deseu

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orçamentoprevistoparaoano.Aprevisãoinicialerade5,8bilhõesdereais,caindopara3,3bilhõesecomaperspectivademaisumcortede25%em2018.

Para que o cidadão possa ter acesso às informações científicas, épreciso que haja a preocupação em como divulgar. Mendes (2006)orienta que a divulgação científica é a veiculação da informação aopúblico utilizando-se de recursos técnicos para transpor a linguagemespecializada para não especializada, tornando assim o conteúdocientífico acessível a um maior número de pessoas. Para que essacomunicação seja eficiente, é preciso utilizar dos mais diferentesinstrumentos, seja por meio de websites, plataformas de vídeos,páginas em redes sociais e blogs, facilitando também a “divulgaçãocientíficaindependente”(PORTO,2009,p.12).

Adivulgaçãocientíficaéatividadedecientistas,instituiçõesdeensinoe pesquisa e agências de fomento, com o objetivo de informar oandamento de suas atividades, pesquisas e resultados. Ainda que osperiódicos científicos levem o conhecimento a grande parcela deinteressados, ainda boa parte dos cidadãos ficam alijados dessesistema.Eatividadesparaexpandiropúblico têmsidocadavezmaissolicitadasereconhecidas.

[...]emmuitoscasos,aexigênciaparaqueopesquisadordesenvolvaações

de divulgação é um dos requerimentos para que o financiamento de

pesquisa seja renovado com a agência de fomento. Isso indica que as

instituiçõescientíficasreconhecemcadavezmaisanecessidadedaciência

não só dialogar mais com a sociedade, mas principalmente mostrar à

sociedadequeafinancianaformadeimpostososresultadosdepesquisae

seusdesdobramentosebenefícios.(PIERRO,2015,p.23)

Diantedanecessidadedeinformarediscutirciênciaparaasociedade,emumcenário de recursos financeiros reduzidos, cabe ao divulgadorde ciência o papel de promover a inclusão social por meio doconhecimento, não só pormeios acadêmicos, periódicos científicos e

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veículosespecializados,masprocurar,também,novastecnologiasquepossibilitemoacessoaumnúmerocadavezmaiordepessoas.Atravésdewebsites,canaisvídeos,podcasts,páginasemredessociaiseblogs,adivulgaçãocientíficaencontranovosinstrumentosparacumpriroseupapelemlevarciênciaaopúblicogeral.

Para Pinho (1990), além de pesquisar ciência, é preciso falar sobre,mas de uma forma que a sociedade a entenda, utilizandomeios quecheguemaela.Portantoodivulgadorcientíficodeveescolheremanterem mente o público pelo qual quer que a ciência chegue, assimdefinindoqual linguagemdeveutilizarequala ferramenta idealparaatarefa, daí a sua importância em pesquisá-lo e defini-lo antes decomeçaradivulgaçãocientífica.

2.2.1DivulgaçãocientíficapormeiodeblogsOs blogs tiveram início em 1997, de acordo com Malini (2008) e

Paquet (2002). O termo foi usado inicialmente pelo norte-americanoJorn Barger para se referir ao seu jornal online Robot Wisdom. Aproposta, naquela época, era proporcionar uma ferramenta queindicasse páginas interessantes através de links, preferências e temasque os autores atribuíam importância. Com o avanço da tecnologia,ganharamoutroscontornos.

Há agora uma divisão refinada de blogging em macro, meso e

microblogging. Inicialmente, essa distinção foi feita pela tecnologia.

Macroblogging aconteceu em plataformas como Wordpress ou Blogger;

mesoblogging em sites como Posterous ou Tumblr; e microblogging em

mídiassociaiscomoTwittereFacebook.Masatecnologiasemove,eagora

é possível fazer todos os três “tamanhos” (ou seriam “velocidades”?) Em

qualquerumadessasplataformas–ealgumaspessoasofazem.(ZIVKOVIC,

2012,p.54.TraduçãoLivre.)

Ainda segundo Zivkovic, os blogs científicos também surgiramgradualmente, ainda que não se possa precisar a data. Os primeirosforamaquelesquecomeçaramaestabelecerumafrequênciamaiorde

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conteúdo e com objetivos específicos, mais focados em debater eapontar argumentos contra a ciência sem evidências, como ocriacionismo.

Como característica essencial, os blogs possuem volatilidade,permitindoqueumamesmapáginapossuadiversosformatosdeediçãoe linguagem, como humor, informação, questionamentos etc. Essaflexibilidadetornaoformatoatrativo.

É difícil indicar precisamente quantos blogs de ciência existematualmentenoBrasilenomundo,poisa facilidadee rapidezcomquesão desativados ou simplesmente abandonados dificultam estamensuração.Contribuemtambémparaessacomplexidadeemestimarblogscientíficosadistânciaentreoqueseesperadeumblogcientífico.Espera-sequeestesejaescritoporumpesquisador,cientista,jornalistadeciênciaoudivulgadorcientífico,equefalepredominantementesobretópicos de ciências, ou seja, espera-se encontrar assuntos científicosabordadosporpessoasquetenhamexpertisesobreotópicoabordado.

Osblogsdedivulgaçãocientíficasãoaquelesescritospordiversostiposde

autores, como redatores, jornalistas ou acadêmicos, e têm como principal

objetivo escrever histórias científicas para não especialistas. Emcontraste,

os blogs da comunidade científica são escritos por acadêmicos, voltados

principalmente para uma audiência acadêmica e discutem,

predominantemente, questões de pesquisa e de ensino. Evidentemente,

muitosblogsacabamtendoalgumasobreposiçãoentreasduascategorias.

(SAUNDERS,2018,p.43)

De acordo com Dias (2009), no banco de dados Technorati -indexadordeblogsmundialqueseencerrouem2014-existiamcercade 130 milhões de blogs ativos em 2008. Neste ano, eram criados,diariamente,175milblogsemtodoomundoepublicados,emmédia,10,4 artigos por segundo. No Brasil, de acordo com oIBOPE/NetRatings[6]de2009,estimava-sequehaviaentre3a6milhõesde blogueiros e quase 12 milhões de usuários, e um aumento

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progressivo de blogs dedicados à ciência. A blogosfera brasileirapossuíacercade20milblogsmantidosporiniciativasindependentesenãovinculadasaumainstituiçãodeensinoe/ouciência.

ApartirdasindicaçõesdeDias(2009)eGodoy(2016),apresentaumcrescimento expressivo de 2009 a 2016. De acordo com os autores,haviamenosde50blogsem1999nomundo,eemapenas4anosestenúmerosaltoupara3milhõese,em2016,para130milhões.Onúmerode posts por dia ficava em torno de 900 mil. De acordo comlevantamento realizado pela agência de pesquisas Grumft sobre ablogosferabrasileiraedivulgadapelaAgênciaAdnews (2015),oBrasilcontribui massivamente para esses números, com a soma de 200milhõesdeblogs,totalizamosa5ªmaioraudiênciadomundo.

Contrapondoosnúmerosapresentadosacima,Pierro(2015)apresentadoislevantamentos.Noprimeiro,publicadoporJulianaSantosBotelho(Cf. FAUSTO et al., 2014), indicava que havia apenas 105 blogs deciência no país em 2013. No segundo, feito pela Revista PesquisaFAPESP, indicava-se que, em 2015, existiam aproximadamente 210blogs,comnãomaisde70blogueirosdeciência.Em2017aempresaBigDataCorpatualizouosdadosesuapesquisaconcluiuqueexistemmaisde5,5milhõesdeblogsnoBrasil,umareduçãode97%dosdadosapresentadospelaagênciadepesquisasGrumft,em2015.

Baseado na pesquisa de Pierro (2015), Takata (2018), divulgador deciência brasileiro e colaborador do “Blogs de Ciência da Unicamp”,promoveuumextensodebatesobreascausasdessebaixorendimentoda blogosfera científica, em seu canal Gene Repórter[11]. Movimentoudiscussões que renderam 7 artigos. Segundo Takata, mesmo semdadosprecisos,épossívelperceberumadiminuiçãonaspostagensnoscanais que acompanha desde 2009. Sua hipótese está baseada noperfildodivulgadorcientífico.Como,emsuamaioria,os responsáveisporessesblogserampós-graduandos,àmedidaquechegavamperto

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do fim do doutorado ou do mestrado, ou conquistavam posições dedestaquecomopesquisadoresoudocentes,adivulgaçãocientíficaemblogs era substituída pela necessidade de produção científicatradicional,comoteses,dissertações,relatórios,artigosouatésistemasburocráticosexigidospelosnovoscargos.

Para o desenvolvimento da cultura científica no país, o cientista,pesquisador e/ou docente das instituições de pesquisa precisamdivulgar a ciência. Assim, considerando o interesse da sociedadebrasileira emciência e a reduçãodeblogs ativos, fica evidenteque épreciso buscar soluções para disponibilizar informações sobre ciênciaparaapopulaçãoemgeral.

Neste sentido, opções como os blogs diferem das publicaçõescientíficasporconteremlinguagemnãotécnicae,possivelmente,cargade opinião própria do escritor, além de recursos audiovisuais, em umprocesso de interação com o leitor, não havendo necessidade decumprir metas editoriais de financiamento. Podem ser mantidas pordocentes, cientistas e/ou jornalistas científicos, sendo seus conteúdosbaseadosnoconhecimentoeexpertisedeseu(s)escritor(es).

De acordo com Saunders (2018), os blogs permitem que ospesquisadoresdesenvolvamsuashabilidadesdeescritaepossibilitemoutrasformasdecolaborações,comonetworkingementoria.Tambémpodem funcionar como fórum de discussão sobre os processos e osdesafiosdo“fazerciência”,bemcomoumaoportunidadeparaampliaradiscussãoemtornodadiversidadenomeioacadêmico.Siemens(2002)comentaqueosblogsdedivulgaçãodaciênciatêmapotencialidadedeformar uma comunidade em torno de si, permitindo a comunicaçãoentreosautoresevisitantes,propiciandoaaproximaçãodoseupúblicoeoaprendizadosobreoconteúdopublicado.

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Esses tipos de blogs permitem discussões imediatas sobre osassuntos abordados, algo não presente nas publicações científicastradicionais,pornãopossuíremespaçode interaçãoágile livre.Outroponto a ser destacado é que, de acordo com Bonetta (2007),determinados blogs causam impacto por servirem de conteúdo parajornalistas especializados em ciência que, além de debater com suasfontes, utilizam esse material para suas pesquisas. Muitas vezes, osmateriais apresentados nos blogs podem ser utilizados comomatériaparaveículosdenotícias.LapointeeDrouin(2007)tambémdescrevemosblogsdeciênciacomoumaferramentaquepermiteacientistasfalardiretamente com o público, o que oportuniza às pessoas o contatodireto com o discurso dos cientistas, o aprendizado, o estímulo dointeresse pelo conhecimento científico, além de criar a oportunidadeparaexpertsdediferentesáreasparatrocadeinformação.

Saunders (2018) também discorre que os blogs podem ser citadoscomo fonte primária e usados para discutir com a comunidadecientífica, por possuírem um formato alternativo, que permite apublicaçãodeconteúdosquenãosãoconsideradosde“altoimpacto”.Dessaforma,osblogsdeciência,conformeDiLuccioecolaboradores(2007), as facilidades na criação e na manutenção desses espaçosvirtuais,easpossibilidadesqueosautorestêmdepublicaremtextoseimagenssemrestrições,contribuemparasuarápidapopularização.

Ao disponibilizar conhecimento científico, diferenciando daspublicações científicas tradicionais, os blogs permitem interações ediscussões dos assuntos abordados, além de possibilitar umalinguagem não técnica, mais inteligível ao público em geral, recursosaudiovisuais, e com a possibilidade de não seguir pautas ou editorialcomonocasodeumjornal,revistaoutelevisão.

Blogs de divulgação da ciência têm a potencialidade de formar uma

comunidadeemtornodesi,atravésdecomunicaçõesentreosescritorese

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visitantes,comentáriose fórunse,desta forma,propiciandoaaproximação

aoseupúblicoeoaprendizadosobreoassunto.(GARCIA;SILVA,2015,p.3)

Escreverparaumblogpodeserumcaminhoparaopesquisadorlevarseu conhecimento ao público em geral e aumentar o alcance e oimpactodaspesquisas,frequentementesolicitadospelaacademiaparaobter financiamento,promoçõesouoportunidadesdeemprego.Nestesentido,éprecisoquetomemconhecimentodessademanda,equeseinteressempelainiciativaesuapotencialidadedadivulgaçãocientíficaedoensinoinformal.

Marandinoecolaboradores(2004)afirmamque,apesardadiscussãosobreoperfil idealdodivulgadordeciência,tantoaquelecientistaquese ocupa da tarefa de divulgar ciência pelo compromisso decompartilhar seu conhecimento, quanto outros profissionais dedivulgação científica que se aperfeiçoam em cursos de jornalismocientífico, acabam por concordar que o processo exige preocupaçãoemtransformara linguagemcientíficaparaacompreensãodopúblico,alémdeproblemáticassobre“como”e“porque”divulgar.Paraisso,épreciso que os pesquisadores sejamhabilitados na interseçãodessasatividadesesedisponhamadedicartempoparaaessatarefa,alémdeseusafazerescomunsapesquisa.

2.2.2ExperiênciadeblogsdeciênciadaUnicampO projeto Blogs de Ciência da Unicamp se insere no campo da

divulgação científica a partir do conteúdo criado por pesquisadores,docentesealunosdaUniversidadeEstadualdeCampinas.Foi iniciadoem2015,atravésdeumaparceriaentreoEspaçodeApoioaoEnsinoeAprendizagem da Unicamp (EA2), Laboratório de Estudos Avançadosem Jornalismo (Labjor) e o Laboratório de Inovação TecnológicaAplicadanaEducação(LANTEC).Apósdoisanos,migrouparaoLabjor,comaparceriadaAssessoriadeComunicaçãodaUnicamp(ASCOM)]eo Gabinete do Reitor. A inspiração para esse modelo de divulgação

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científica foramasoutras iniciativasdesucessobrasileirasemundiais,como o ScienceBlogs, ResearchBlogging, Anel de Blogs Científicos,entreoutros.

Figura4.PáginaprincipaldoPortalhttps://www.blogs.unicamp.br/

O projeto Blogs de Ciência da Unicamp convida pesquisadores,docentes e alunosdepós-graduação aparticiparemdeumworkshopde integração, oferecido semestralmente, com um plano que englobadesde a introdução à divulgação científica, o ensino da ferramentaWordPress,históriadosblogsnoBrasileatésugestõesde formasdelinguagem, abordagens adequadas ao público que pretendem atingir,

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uso de imagem e divulgação de conteúdo.O objetivo é disponibilizarferramentaspráticaseamigáveiscomopropostadecanaldedivulgaçãocientífica.

Após a fase de integração, os membros são acompanhadosconstantemente pela equipe administrativa (atendimento online oupresencial), por meio de consultas, reuniões periódicas e material deconsultadisponível(tutoriaison-line,maladireta,grupodeFacebook,e-maileblog“BlogandoeAprendendo”).Casoopesquisadornãotenhadadocontinuidadeaoseublogematé trêsmeses, inicia-sea fasedecomunicaçõesviae-mailparasoluçãodepossíveisdificuldades,e,apósseismesessemretornoousolução,oblogédefinitivamenteexcluídodaplataforma.

O projeto conta com uma equipe composta apenas de voluntários,divididosdeacordocomsuasatribuiçõesnoprojeto,sendoumaequipeadministrativaedecoordenadoresgeraisparaamanutenção,estruturae suporte do projeto. A responsabilidade do conteúdo científicoproduzido é de cada pesquisador-blogueiro. A divulgação desseconteúdo é de responsabilidade da equipe administrativa, que utilizaestratégiasdedivulgaçãoorgânica,ouseja,semgerarnenhumtipodeônus financeiro, alcançando o máximo de público possível. Foiimplantado, em abril de 2017, o ISSN (International Standard SerialNumber).

O projeto realizou, até omomento, oitoworkshops de integração, epossui uma rede de 57 blogs, sendo 30 ativos e 27 em fase deconstrução,comartigosdediferentesáreas,como:citricultura,energiaeambiente,dança,biologia,educaçãofísica,filosofia,entreoutros.Dasoito edições, 272 blogueiros foram integrados, dos quais 97mantiveram-seativos,sendo,emsuamaioria,pós-graduandos(33%dedoutorandos,22%dedocentese6%depós-doutorandos)emulheres(55%).

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Gráfico2.VínculocomaUnicampblogueiros/divulgadorescientíficos

Gráfico3.HomenseMulheresblogueiros/divulgadorescientíficos

Oprojetodivulgaoconteúdoemseis redessociaisoficiais,com,aomenos, umapostagem inédita aodia, direcionadasao seupúblicodeinteresse previamente identificado. Realiza-se também sugestões depauta para veículos de mídia, parcerias com outras iniciativas dedivulgação científica, publicação noPortal daUnicamp e participaçãodeeventosdaárea.

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Osresultadosdessasestratégiasdedivulgaçãosãomedidosatravésdosanalytics(oferecidospelasmídiassociais,GoogleePiwik).De2015atéagostode2018,oprojeto teve82mil visualizaçõesnoportal,240milviaTwittere2.250milhõesviaFacebook.

Emmarçode2018, foi realizadaaprimeirasugestãodepautaúnicapara todos os blogs. O tema escolhido foi “mulheres”. A série depostagens“ProtagonismoFemininonaCiência”propôsaosblogueirosque destacassem as cientistas sua área de atuação, e a série foidivulgadadurantetodoomêsdasmulheres.Aotodo,30pesquisadoresparticiparam, com 38 postagens sobre o assunto, gerando 4.900visualizações no portal, 26 mil via Facebook e 35 mil via Twitter.Inspirados nos resultados dessa primeira série e os inúmeros cortesorçamentários na ciência, promovemos, em setembro de 2018, umanovapautaúnicacomotemaCiênciaePolítica,comoobjetivodelevaraonossopúblico leitormais informações sobreopapel da ciência nasociedadeesuasrelaçõescomapolítica.

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Figura5.ResultadosEspecialMulheres

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O projeto de Blogs de Ciência da Unicamp promove a divulgaçãocientíficaatravésdeumespaçonawebde fácilmanutençãoeacessoparaaproduçãodeconteúdo.Oprojetovisaacriaçãodeumaculturadedivulgaçãocientíficaparapesquisadores,docentesealunosdepós-graduação da Universidade Estadual de Campinas, levando para opúblico em geral o conteúdo científico produzido dentro dauniversidade.Aodisponibilizaraferramenta,cursosdeespecializaçãoetodoosuportedaequipeadministrativaemanutençãogeral,pretende-se realizarnãosóumtrabalhodeextensão,mas tambémaproximaraciência do público e compartilhar a atividade de divulgação científicadentroeforadauniversidade.

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RESUMO:Umdosgrandesdesafiosdasuniversidades,centrosdepesquisaedosprópriospesquisadoreséfazerchegaràsociedadeummaterialcomoqualsepossacompreenderaimportânciadeumaciênciaplural,nãosódosresultadosdapesquisacientífica,masdapróprianaturezadaatividadecientífica.Salvaguardaredivulgar são recursos fundamentais para estabelecer essa conexão com o mundo, além de produzirconteúdos que sejam acessíveis tanto aos especialistas quanto ao público mais amplo, possibilitando aaproximaçãoeainteraçãodainformação,proporcionandoolivreacessoaoconhecimento.Oobjetivodesseartigo é refletir sobre dois projetos desenvolvidos na Unicamp, de caráter complementar, que buscamdivulgaraciência,comodesafiodeatingirpúblicoscominteressesosmaisvariados.UmdeleséoPortaldePeriódicosEletrônicosCientíficos(PPEC),quenascedanecessidadedeoferecer,emumaúnicaplataforma,areuniãodetodosos45periódicosatualmenteproduzidospelauniversidade.Oobjetivoprincipalégarantire apoiar a qualificação e a visibilidade das publicações científicas vinculadas aos institutos, faculdades,centros,núcleosdepesquisaeórgãoscomplementares,arbitradosporpareseinstitucionalmenteligadosàUniversidade,comdiversidade institucionale regionaleo livreacessoà todacomunidadecientífica.Outroprojeto são os Blogs de Ciência, uma plataforma que possibilita agregar blogs diversos de autoria depesquisadores e docentes da Unicamp, seguindo os outros casos semelhantes no exterior, como oScienceBlogs,ResearchBlogging,ScienceBlogging,ScienceSeeker,entreoutros.PALAVRAS-CHAVE:divulgaçãocientífica;universidades;publicações.

ABSTRACT:Oneofthegreatchallengesofuniversities,researchcentersandresearchersistocommunicatetosocietytheimportanceofapluralscience,andnotonlytheresultsofscientificresearch,butalsotheverynatureofscientificactivity.Safeguardingandpubliccommunicationarefundamentalresourcestoestablishthisconnectionwiththeworld,aswellastoproducecontentsthatareaccessibletoboththespecialistsandthe wider public, enabling the approximation and interaction of information, providing free access toknowledge.Thepurposeofthisarticle istoreflectontwoprojectsdevelopedatUnicamp,complementary,thatseektopromotescience,withthechallengeofreachingaudienceswiththemostvariedinterests.OneofthemisthePortalElectronicofScientificPeriodicals(PPEC),whichisbornfromtheneedtooffer,inasingleplatform, all 45 periodicals currently produced by the university. The main objective is to guarantee andsupport the qualification and visibility of the scientific publications linked to the institutes and centers ofresearchinstitutionallylinkedtotheUniversity,withinstitutionalandregionaldiversity,andfreeaccesstoall

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scientific community. Another project is theBlogs of Science, a platform that allows to aggregate diverseblogs of authorship of researchers and professors of Unicamp, following other similar cases abroad, likeScienceBlogs,ResearchBlogging,ScienceBlogging,ScienceSeeker,amongothers.KEYWORDS:sciencecommunication,university,journals.

[1]DoutoraemcomunicaçãoepesquisadoradoLabjor/Unicamp.[2]DoutoremEducação,coordenadordoPPECUnicamp.[3]DoutoremEducação,pós-graduadoemJornalismoCientifico.[4]Pós-Graduação em Jornalismo Científico pelo Labjor/Unicamp. Mestranda em Divulgação

CientíficaeCultural-Labjor/Unicamp.[5]JornalistaeMestreemDivulgaçãoCientíficaeCulturalpeloLabjor/Unicamp.[6]Pós-graduada em JornalismoCientífico emestre emDivulgaçãoCientífica e Cultural pelo

Labjor/Unicamp.

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ÉHORADEINSTITUCIONALIZARASREDESSOCIAISCOMOMEIODECOMUNICAÇÃORELEVANTEENTRECIÊNCIAESOCIEDADEItistimetoinstitutionalizesocialmediaasrelevantmeansofcommunicationbetweenscienceandsociety

GermanaBarata[1]

Curti o post, compartilhei omeme, adicionei um emojicon, tirei umselfie, publiquei um live video, não curto nude, tomo cuidado parachecar fake news, fico atenta com bots, sigo quase mil pessoas,bloqueio spam, adoro podcast e falo com a Siri, #SQN. Estasexpressões seriam incompreensíveis ou surpreendentes há umadécada.Noentanto,équaseimprovávelpassarumúnicodiasemouviralgumadelas.

SomosopaíscommaiornúmerodeusuáriosdeinternetdaAméricaLatina,120,7milhõesdebrasileiros!dosquaiscercade80%acessamredes sociais, de acordo com dados da Statista (2018a). Em 2017,foram vendidos cerca de 48 milhões de novos smartphones no país,renovando parte dos aparelhos que mais de 77% de maiores de 10anos possuem, sendo que os celulares, depois da televisão, são osprincipais aparelhos de tecnologia da informação e comunicação,

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atravésdosquaisapopulaçãomaisacessainformações(CGI,2017).Sevocêestálendoestecapítuloonlineéporque,provavelmente,fazpartedessaestatística.

Nossos hábitos, linguagem e fontes de informações mudaramfortementenaúltimadécada.AsnotíciasjánãochegamapenaspelaTVou jornais,mas–ecadavezmais–peloFacebook,redesocialcriadaem 2004 e que reúne mais de 2 bilhões de usuários pelo mundo.ApenasnoBrasil,quintomaiorusuárioderedessociaisdoplaneta,sãomaisde90,6milhõesdeusuáriosdoFacebook(Cf.STATISTAS,2018b).AmesmaredefoiprotagonistadaimprovávelvitóriadopresidentedosEstados Unidos, Donald Trump, usuário feroz de outra rede social, oTwitter(Cf.ROSENBERGetal.,2018).Estefatoevidenciounãoapenasasuperexposiçãodenossosdadospessoais,mas tambémo impactodasredessociaisemdecisõesestratégicas.

COMUNICAÇÃOCIENTÍFICAESOCIALA revolução na comunicação humana – ainda em andamento – não

passou incólume pela tradicional ciência. Os esforços de manter atradição, o controle e os conteúdos científicos circulando entreespecialistas e acadêmicos têm sido vencidos por inúmeros formatosparademocratizaroacessoainformações.Cresce,emtodoomundo,ademanda por publicações de acesso aberto (sem a necessidade depagamento de assinatura), rapidez na publicação, transparência evisibilidade no processo de produção científica (Cf. PIWOWAR et al.,2018).

Multiplicam-se, como resultado desta revolução, alternativas à maistradicional forma de publicação científica, as revistas científicas quesofreram poucas modificações substanciais desde que foram criadasem1665(Cf.BARATA,2018a).Astransformaçõesseiniciaramcomasversões online até – em muitos casos – extinguirem as versões

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impressas,masatépoucosanosoprocessodeavaliaçãodeartigoseotempo para publicação era bastante longo e demorado. Atualmente,essas publicações têm sido constantemente desafiadas a acelerar oprocessoquetranquilamentelevavaumanoparaserconcluído,para3a4meses.Algumasrevistasadotaramaseçãofasttrack(viarápida)emque os artigos ainda não avaliados por pares já são disponibilizadosparaleitura(pre-prints),comoumaformadecontribuirparaoavançodepesquisasestratégicas(comosaúdepública)(Cf.BARATA,2016).

Faltaaindaqueoseditorescientíficoslembremqueamaiorpartedosbrasileiros acessa a internet e, portanto, informação, via celular (CGI,2017)eque–porquenão?–poderiamestarlendoartigosnatelinha.Oformato da grande maioria das revistas científicas ainda parou notempo, exigindo leitura nas telasmais largas de computadores ou noformato de PDF impresso!! Portanto,muitas vezes émais confortávelimprimiraversãoonlinedoquetentaracessarviatabletoucelularemqueéprecisodeslizarodedoincontáveisvezesparaadaptarotextoeotamanho das letras à tela. Contar com espaço para os leitorescomentaremosartigosseriatambémdesejável.Aspublicaçõesquenãoseadequaremcertamentevãoperder – se jánãoperderam– leitores,independentedesuaqualidade.

Osistemadeavaliaçãoporpares,quedefineseumartigovaiounãoser aprovado para publicação, também está em metamorfose, comportaisquecontamcomespecialistasquesevoluntariamparaavaliaretêmsuaidentidadereveladacomooPeerJ,ouomaisantigoarXivquepublicapre-printsecujacredibilidadealcançadajásubstitui–porvezes–anecessidadedepassarporavaliaçãoporpares, jáqueosprópriosleitores-especialistasdisponibilizamseuscomentáriosparaaperfeiçoaroprocessodeconstruçãodoconhecimento (Cf.BARATA,2012).Semcontar osblogsde ciência quepublicamcomentários e críticas sobre

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artigosqueacabaramdesairdoforno,semterqueesperarodemoradoprocessodeavaliaçãojácomentadoanteriormente.

As redes sociais ainda possibilitam não apenas a disseminação deartigoscientíficos,masproduzemestatísticasdeusodessesconteúdospelo público que funcionam como um indicador interessante (Cf.BARATA, 2017). As chamadas altmetrias (altmetrics em inglês) foramadotadasporperiódicoscientíficosdeprestígiocomoTheLancet,PLoSONE, Nature, Science, e indexadores como o nacional SciELO e opoderosoWebofSciencecomoumincentivoatraçaremusostambémnão acadêmicos de conteúdos científicos (Cf. PRIEM et al., 2010). Ocontato mais direto com a sociedade permite uma mudança depercepção sobre amissão das revistas científicas. Falar apenas paraespecialistassetornalimitante.

SOMOSTODOSAMADORESDEREDESSOCIAISA abertura de diálogo que ocorreu nas redes sociais possibilitaram

mais atoresnoprocessodeproduçãoe consumodeconhecimentoemexeu, naturalmente, com a oportunidade de divulgar a ciência.Apagam-seasfronteirasentrecientistas,jornalistasepúblicoesurgearicaoportunidadedeinovação,colaboraçãoeengajamento.Aomesmotempo, a ciência fica exposta à opinião pública e sujeita ao seujulgamento, o que pode ser demasiado para muitos. Sim, relaxar epublicaroquebementendernasredessociaisnãodeveserapolíticade instituições ou mesmo de professores, cientistas e especialistas,afinal, são influenciadores e que, por vezes, falam com o chapéu defuncionário de uma instituição de pesquisa e ensino. É desejável,portanto,queacomunicaçãoseja feita simatravésdas redes sociais,masdeformaresponsávelepensada.

Saber como usar as redes sociais, o que pode e o que deve serevitado ao comunicar para dezenas até milhões de pessoas ainda

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depende da ética, experiência e percepção pessoal de cada um. Deacordo com análise feita por Jeffrey Pomerantz e colegas (2015),apenas17%dasinstituiçõesdepesquisaeensinodosEstadosUnidospossuemalgumtipodepolíticasdeusoderedessociais,comdestaquepara as faculdades e escolas de medicina, área de grande interessepúblico e com tradição em publicações de divulgação científica. NoBrasil não há pesquisas semelhantes,mas não seria surpreendente ararapresençadessaspolíticas,mesmoconsiderandoograndenúmerodeestudantesedocentescomperfisemredessociais.

Umapesquisaconduzidanofinalde2017pormimeumaequipedecolaboradores[2] verificou que, dentre os docentes e pesquisadores deduas universidades públicas brasileiras, amaioria utiliza redes sociaispara atividades profissionais, muito embora apenas cerca de 22%compartilhe essas contas no perfil institucional. Dentre as principaisrazõesparausarasredessociaisdeformaprofissional,osparticipantescitaram “compartilhar conteúdos acadêmicos”, “atualizar-se comnotíciasemgeral”e“fazerdivulgaçãodeminhapesquisa,grupoouáreapara o público em geral”. Dentre as redes mais usadasprofissionalmenteestãooWhatsapp,aredeacadêmicaResearchGate,oFacebook,Google+eoYoutube.

Noentanto,quantosdenósnasuniversidadesjátivemosachancedesermos orientados ou recebermos treinamento para aprender formasestratégicas de usar essas famosas redes sociais? “Não precisa”,algunsvãodizer,afinalasredessociaissãofáceiseacessíveisdeusar,“qualquer um pode abrir uma conta e iniciar suas atividades”. Essaopinião é compartilhada tanto por pessoas – a maioria de nós éautodidata em Facebook e Twitter, certo? – quanto por instituições.SegundoDavidShiffman,especialistaemtubarões,pós-doutorandonaUniversidadeSimonFraser(SFU)eumdivulgadorcientíficopopularnoTwitter, “ninguém questiona contratar um webdesigner, mas um

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especialistaemredessociaisnãoéprioritário.Aspessoasachamqueéfácil e que qualquer um pode mexer [nas redes sociais], depois mechamampara consertar errosmuito básicos”, lamentoudurante o 47o

EncontroAnualdosEscritoreseComunicadoresdaCiênciadoCanadá(SWCC) (Barata, 2018b). Shiffman tem oferecido workshops nauniversidade para dar dicas e orientar o uso de redes sociais, comdestaqueparaoTwitter.

O Twitter é um exemplo interessante. Tem sido frequentementeaclamadocomoredesocialmaisusadanomundotodo,comoespaçode comunicação acadêmica, sobretudo em pesquisas que lidam comindicadores de impacto social da ciência (Cf. NOORDEN, 2014). Napesquisamencionadaanteriormente sobre comoacadêmicosdeduasuniversidades brasileiras usam redes sociais, percebemos que nãoapenas o Twitter é pouco usado (2.7% dos respondentes), comotambémpossuibaixonúmerodeseguidores, ehá relatosdeusuáriosque apenas usama redepara ler e acompanhar o que colegas estãopublicandoouqueconfessamusarpoucoporfaltadeconhecimento.

POTENCIALIZANDOOUSODASREDESSOCIAISOtrabalhonasredessociaisexigefôlego,estratégias, investimentoe

profissionalismo. E é importante que seja um canal não apenasinformativo, mas de diálogo e transparência. No Facebook, porexemplo, as universidades públicas brasileiras já descobriram esteimportante canal de comunicação, sobretudo para dialogar com opúblico mais jovem, composto por seus estudantes e candidatos aovestibular que sonham com ingressar no curso superior. Mas bastamudarde redesocial (Twitter, InstagrameYoutube,porexemplo)queas páginas oficiais desaparecem ou se mostram pouco ativas ouengajadas com o público. Entre os exemplo podemos citar asuniversidades públicas paulistas Universidade de São Paulo (USP) e

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Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que estão entre asmelhores universidade da América Latina, de acordo com os últimosrankings internacionais como o World Top Universities, QS WorldUniversity Rankings e Times Higher Education (THE) 2018. Enquantoque,noFacebook,aUSPtemmaisde287milseguidoreseaUnicampcercade51mil,noTwitter,aUSPsedestacacom172milseguidoreseaUnicampquase3mil.Quandomudamosparaumadasredessociaisquemaiscrescemnomundo,oInstagram,asuniversidades,apesardepresentes, têm pouquíssima atuação. O Instagrammudou aindamaisnossos hábitos de editar e compartilhar fotos e vídeos, tornando apráticadetirarumselfieumatodiárioparaboapartedosumbilhãodeusuários (Cf. STATISTA, 2018c). Enquanto a USP(@universidadedesaopaulo)atraimenosde700seguidores,aUnicamp(@unicamppesquisa)nãochegaa550[3].

NoCanadá,universidadescomoaUniversidadedaColúmbiaBritânica(UBC)eaUniversidadedeToronto(UofT),duasdasmaisprestigiosas,contamcomequipesdecomunicaçãode redessociaisparaalimentarsuas contas demodo profissional e engajado. É através delas que acomunicação para situações de emergência (problemas detempestades de gelo, por exemplo), ou mesmo para avisos gerais,ocorre. No Instagram, rede social de fotos, as várias faculdades einstitutosdisputamatençãoeconvidamseusalunosacompartilharemsuasvisõesdocampus.Essasinstituiçõespossuempolíticasdeusoderedessociaiscomguiasdebonsusosedireitosautorais.Ahomepageda Universidade de Toronto, por exemplo, traz a agilidade dacomunicação,comfortesreferênciasàsredessociais.NoFacebooksãomais de 400 mil seguidores, no Twitter são mais de 48 mil e noInstagram superaram incríveis 71 mil! Uma excelente estratégia parachegaraosquase45milalunosecultivarseuprestígioeatrair futurostalentos,sejamelesalunos,professoresoufuncionários.

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Figura1.QuadrinhodePhDComics.“Ok,classe,nãoesqueçamenviareiinformaçõesimportanteseatualizaçõesporemail”.“Ã…”.“Nósnãochecamosemail.Vocêpodenosmandarmensagemdetexto?OumensagemviaFacebook?”;“Oquevocêquerdizercomnãochecamose-mail?Écomoosadultossecomunicam!”;“E-mailssãocomoavelhaescola”.“Vocêestána

universidade.Istoéumaescolaantiga!!”.

O fato das redes sociais serem informais, personalizadas, simples eágeis parecem ir de encontro à formalidade, impessoalidade ecomplexidadedaciência.Maséjustamenteessaoposiçãoquefavoreceadivulgaçãocientíficae,portanto,oencontroentreciênciaepúblico.Épreciso, porém, esforços para potencializarmos o uso dessas redes eaprendermos a usá-las de maneiras variadas e com criatividade.Envolver os estudantes e os profissionais que já realizam um bomtrabalhonessesmeioséumdospossíveiscaminhos.

A aparente simplicidade das redes sociais, no entanto, pressionainstituiçõeseespecialistasasaíremdazonadeconforto,acomunicarparaforadosmurosdaacademiaeaseexporemàopiniãopúblicaeàcrítica.Poroutro lado,elasse tornam,potencialmente,o lugarondeépossívelinfluenciaresferassociaismaiores.

INFORMALIDADEQUEAPROXIMA

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Algunsexemplosdentrodasuniversidadessãoanimadores,comoosBlogsdeCiênciadaUniversidadeEstadualdeCampinas.Jásãotrintablogs escritos por professores, pesquisadores e estudantes de pós-graduaçãosobrediversostemascientíficos.Osblogs,emboraháquemdiga que estavam em extinção, são importantes oportunidades deexperimentaraescritademodoinformal,soltoeatraente(muitasvezesoopostodostradicionaisartigoscientíficos!),semperderaprecisãoeacredibilidadedainformação.Osblogsacabamtambémsendofontedeinformaçãoacessívelpara jornalistas,quepodemse inspiraremcobrirtemaspouco tradicionais nosmeiosde comunicação, professores embuscadeatualizaçãoenovasformasdeexplicarconteúdoscientíficosoumesmoumafontedediálogodiretocompacientesouinteressadosnos temas abordados. Os blogs cumprem um importante papel deexperimentar e aperfeiçoar a escrita, despertar talentos para adivulgação científica e abrir o diálogo com públicos nãonecessariamente de especialistas. A rede de Blogs da Unicampfunciona como uma comunidade que se apoia e capacita para acomunicação da ciência. A partir dela é possível verificar outrasparceriasparadivulgarciênciaeofortalecimentoeavisibilidadedessasatividades.

Essainformalidadenacomunicaçãoéumsaltoparaseestabelecerapontedefinitivaentreciênciaesociedadee,porisso,souentusiastadasredessociais.Acrescentefamiliarizaçãoedemandapelacomunicaçãonas redes sociais abre caminhos para o maior envolvimento dacomunidade acadêmica com a sociedade e nos leva para aformalizaçãodessesespaçosdediálogovirtualparaforadosmurosdaacademia.

Que possamos nos familiarizar com os potentes usos das redessociais e tornar as universidades e a ciência mais engajadas com asociedade por meio do debate público. Esperamos que a divulgação

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científica tenha espaço garantido não apenas no Currículo Lattes,provavelmenteomaiorcurrículodenívelsuperiordomundo (sãomaisde 4milhões de currículos!), onde desde 2012 há uma seção para oregistro dessas atividades, mas que verdadeiramente passem a terreconhecimento e peso na carreira acadêmica. Institucionalizar eprofissionalizarasredessociaisparaadivulgaçãocientífica,noentanto,requerinvestimentos,estratégiaseaprofissionalizaçãodeequipesquepossamdar apoiopara a comunidadeuniversitária oucientífica equepossam capacitar e encorajar a produção de conteúdos ecomunicaçõesdequalidade.

REFERÊNCIAS

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NOORDEN,R.V.Onlinecollaboration:scientistsandthesocialnetwork.Nature,512(7513),2014,126-129.

PIWOWAR,H.etal.ThestateofOA:alarge-scaleanalysisoftheprevalenceandimpactof

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PRIEM;J.etal.Altmetrics:amanifesto(26Out2010).Disponível:<http://altmetrics.org/manifesto>Acessoemsetembrode2018.

ROSENBERG,M.etal.HowTrumpconsultantsexploitedtheFacebookdataofmillions.TheNewYorkTimesMarch17,2018.Disponívelem:<https://www.nytimes.com/2018/03/17/us/politics/cambridge-analytica-trump-campaign.html>Acessoemsetembrode2018.

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STATISTA.NumberofmonthlyactiveInstagramusersfromJanuary2013toJune2018(inmillions).Disponívelem:<https://www.statista.com/statistics/253577/number-of-monthly-active-instagram-users/>Acessoemagostode2018.2018c.

RESUMO:OBrasiléopaíscomomaiornúmerodeusuáriosdeinternetdaAméricaLatinaeossmartphonesjá sãoa segunda fonteprincipalde informaçõesnopaís, sóperdeparaa televisão.As redes sociais têmprotagonizadoumaverdadeirarevoluçãoemnossoshábitos,costumes,mobilizandoapopulaçãoeajudandoaelegerpresidentes.Acomunicaçãocientíficatemtambémsofridoosimpactosdaagilidadedosfluxosdeinformação e se adaptado para atingir um número maior de pessoas e dialogar com elas. As revistascientíficas, principal produção científica, lançam artigos pre-prints, fast track, abrem os pareceres deavaliaçãodeartigos,aumentamoacessoabertodeconteúdos,efazemusodeestatísticasdeusodeseusartigos pelo público que funcionam como indicadores alternativos que complementam as métricastradicionais.Apesardoreconhecimentodarelevânciadasredessociais,aindahágrandeamadorismonoseuuso, o que limita o potencial de comunicação. O trabalho nas redes sociais exige fôlego, estratégias,investimentoeprofissionalismodeequipesparaqueciência e sociedadenãoapenas seaproximem,maspossamengajaredialogar.

ABSTRACT:BrazilhasthelargestnumberofInternetusersinLatinAmericaandsmartphonesarealreadythesecondmain sourceof information in thecountry.Socialmediahasplayeda real revolution inourhabits,customs,mobilizing thepopulation and supportingpresidents’ election.Scholarly communicationhasalsobeenimpactedbythespeedof informationflowandhasadaptedtoreachanddialoguewithmorepeople.Sciencejournals,themainscientificoutput,haslaunchedpre-prints,fasttrackarticles,publishedopenpeerreviewevaluation,increasedtheopenaccesstocontentsandmadeuseofstatisticsofpublicuseofarticlesas alternative indicators that complement traditional metrics. Despite the recognition of social mediarelevance, there is still great amateurism in its use which limits communication potential. Social mediarequires intensework,strategies, investmentandprofessionalismofteamssothatscienceandsocietycannotonlybeintouch,butcanengageanddialogue.

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[1]DoutoraemHistória(USP)epesquisadoradoLabjor.[2] Resultados ainda não publicados de pesquisa conduzida nas universidades Universidade

Estadual de Campinas (UNICAMP) e Universidade Federal de Alagoas (UFAL), no Brasil,SimonFraserUniversity(SFU),noCanadáeUniversidadedeSalamanca(USAL),naEspanha,comRonaldoAraújo(UFAL),JuanPabloAlperin(SFU)eCríspuloTraviesoRodríguez(USAL).

[3]DadosdeseguidoresdasuniversidadesUSPeUnicampnoFacebook,Twittere Instagramrelativosa5desetembrode2018.

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BRASILEMÉXICO:PERCEPÇÃOPÚBLICADACIÊNCIAEOIMPACTODASPOLÍTICASCIENTÍFICASBrazilandMexico:thePublicUnderstandingofScienceandtheimpactofS&Tpolicies

MilagrosVarguez[1]

SimonePallonedeFigueiredo[2]

Nas últimas décadas, o rápido desenvolvimento da ciência e datecnologia demonstrou a inter-relação entre ciência e tecnologia nocotidiano. Seu impacto sobre os meios de subsistência das pessoastem sido tal que foi necessário conhecer seu alcance, sucessos efracassos, bem como as implicações que daí advêm. Atualmente, asagendas acadêmicas e políticas apontam para a necessidade deentender como a sociedade percebe ciência e tecnologia, seusprodutos,instituições,processos,riscosebenefícios,entreoutros.Vogte colaboradores (2008) argumentam que o caminho escolhido paraabordar essas questões tem sido o desenvolvimento de indicadoresparaavaliaramaneiracomoseengajaapercepçãopúblicadaciência.Essesestudossãoprojetadosparaconhecerointeresse,conhecimentoeatitudesqueaspessoastêmsobreciênciaetecnologia.

Na América Latina, duas das primeiras pesquisas de percepçãopública da ciência ocorreram no Brasil e no México. No Brasil, o

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primeiro estudo nacional da percepção pública da ciência ocorreu nofinal dadécadade 1980, trinta anosdepois daprimeira pesquisa nosEstadosUnidos(1957),quefoiumadasprimeirasrealizadasnomundo.NocasodoMéxico,aprimeirapesquisa foi realizadaexatamenteumadécadadepoisdoBrasil,em1997.Vogtecolaboradores(2008)afirmamque o interesse emmedir a percepção pública da ciência nos paísesdesenvolvidos foi encorajado por movimentos sociais em torno dodesenvolvimentocientíficoe tecnológicocrítico,pesquisassociaisquesurgiram imediatamente após a Segunda Guerra Mundial e seintensificaramduranteo iníciodosanos1960.Semdúvida,ocontextocientíficodaguerra influenciouomodocomoaspessoaspercebiamaciência e a tecnologia, o que provocou mudanças nas atitudes emrelação ao tema. Mas, no contexto nacional, o que desencadeou osurgimentodapercepçãopúblicadaspesquisascientíficasnoMéxicoenoBrasil?Elestiveramomesmogatilho?Qualfoiapolíticacientíficaemambosospaísesquepermitiuosurgimentoedesenvolvimentodessaspesquisas?

INSTITUCIONALIZAÇÃODACIÊNCIAEDOPUSNOBRASILOprimeirolevantamentodaPercepçãoPúblicadaCiêncianoBrasilfoi

feito em 1987, imediatamente antes da promulgação da novaConstituinte, em 1988, numa época de mudanças, que remonta àformaçãodoaparatoinstitucionaldaciênciaedatecnologia.Comoemoutrospaíses,noBrasiloprocessodeinstitucionalizaçãodapolíticadeciência e tecnologia começou no pós-guerra a partir dos anos 1950,quando registrou o primeiro esforço para criar um arcabouçoinstitucionalparaapoiarasatividadesdepesquisacientífica.Dias(2009,p. 54) aponta que “queremos dizer que a institucionalização da PCTbrasileira realmente ocorre no início da década de 1950, porque équandooestadovaiapoiarasatividadescientíficase tecnológicasdemaneira sistemática”. O primeiro grande exemplo dessa nova era de

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apoio à ciência e tecnologia foi a criação do Conselho Nacional dePesquisa,que,anosdepois,em1987,mudaseunomeparaConselhoNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), epromoveolevantamentonacionaldepercepçãodopúblicosobreC&T.

Em1951,nogovernodopresidenteGetúlioVargas,nasceoConselhoNacionaldePesquisacomo“umaespéciede‘estado-maiordaciência,datécnicaedaindústria,capazdetraçarrumossegurosaostrabalhosde pesquisas’ científicas e tecnológicas do país, desenvolvendo-os ecoordenando-osdemodosistemático.”(CNPq,2012,s.p.).ÉassimquesedáumaaproximaçãoentreoEstadoeaciência, formando-seumainstituiçãocientífico-tecnológicanoBrasilatravésdoEstado.Issotrouxemuitasmudanças na forma que se organiza a ciência e nomodo defazerciência.

Atualmente,oCNPqéumaorganizaçãoquetementresuasprincipaistarefas fomentar a pesquisa científica e tecnológica e incentivar aformaçãodepesquisadoresbrasileiros.Oórgãodesempenhaumpapelfundamentalnaformulaçãodepolíticasdeciênciaetecnologiae,alémdisso, contribui para o desenvolvimento do conhecimento ereconhecimentodeinstituiçõesnacionaisdepesquisaepesquisadoresdoBrasilpelacomunidadecientíficainternacional.

AlémdacriaçãodoCNPq,outraimportanteinstituiçãoéfundadaemmeadosdadécadade1950,aCampanhaNacionaldeAperfeiçoamentodePessoaldeNívelSuperior,queanosdepoisseria renomeadacomoComissãodeAperfeiçoamentodePessoaldeNívelSuperior,aCAPES.Essainstituiçãofoicriadacomoobjetivode“asseguraraexistênciadepessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes paraatenderàsnecessidadesdosempreendimentospúblicoseprivadosquevisamaodesenvolvimentodopaís” (CAPES,2012, s.p.).ACampanhaNacionaldeAperfeiçoamentodePessoaldeNívelSuperiorbuscounãosó ampliar e aperfeiçoar a formação de quadros superiores, mas

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também consolidar a pós-graduação no Brasil e, assim, contar compessoalmaisqualificadoparaatenderàsnecessidadesdopaís.

TantoacriaçãodoCNPqcomodaCAPESmostraapreocupaçãodoEstado brasileiro com a ciência e a tecnologia, tanto na formaçãocientífica, quanto na estruturação do sistema. Representa oreconhecimento da relevância da pesquisa e do avanço científico-tecnológicocomopartedeumaestratégiadedesenvolvimentonacional.Diasafirmaqueesseprocessovaialém,afinal:

acriaçãodoCNPqedaCapeseainstitucionalizaçãodaPCTbrasileirasão

processos quedevem ser compreendidos como reflexos damodernização

daestruturadoEstado.Mastambémdevemserentendidoscomoprodutos

dapressãodacomunidadedepesquisa.(DIAS,2009,p.58)

Ao longodosanos,aciênciaea tecnologia foramganhandoterrenonãoapenasnaformaçãodesuaestrutura,mastambémnaobtençãodemaioresinvestimentos.NoBrasil,oinvestimentoeconômicoemciênciaetecnologiacomeçounosanos1950,deixandoopaísnavanguardadamaioriadospaísesemdesenvolvimento.Silveira(1996)aponta,porém,que esses investimentos infelizmente nunca atingiram níveissatisfatórios na demanda do setor, o que pode explicar, em certamedida,oatrasocientíficoetecnológicobrasileiro.

Ao longo dos anos, o Conselho Nacional de Pesquisa foi sendoestruturadoeganhoumaisforça.Desde1964,oConselhoNacionaldePesquisaassumiuatarefadeformularumapolíticanacionalparaC&T,promovendo a expansão do sistema de pós-graduação e adiversificaçãodaestruturainstitucionaldaárea.Noperíodotambémfoiconcebidoummodelodefuncionamentosistêmico:oSistemaNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico(SNDCT),segundoSilveira(2006). Como resultado, os anos seguintes foram de planejamento eexecuçãodetemasdeC&T.Limaapontaque:

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o período de 1968 a 1980 marca a inauguração da incipiente política de

ciência e tecnologia para os conturbados governosmilitares noBrasil que

haviam se iniciado, mobilizados por condições adversas, como o ‘milagre

econômico’,contraacriseeconômicae introduçãoàdécadaperdida,pela

qual a C&T começou a ser objeto de investimento, planejamento e

desapontamento.(LIMA,2009,p.123)

Oaparatoinstitucionaldaciênciaetecnologiafoisefortalecendocadavez mais com a emergência de diversos órgãos e instrumentos dedesenvolvimentocientíficoe tecnológicocomoacriaçãodoFundodeDesenvolvimentoCientífico-Técnico,FUNTEC(1964),aFinanciadoradeEstudos e Projetos, FINEP (1967), o Fundo Nacional deDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico,FNDCT(1969),parafinanciara expansão da C&T, o Programa Nacional de Pós-graduação, PNPG(1975),eoProgramaEstratégicodeDesenvolvimento,PED(1968),quedefiniuodesenvolvimentocientíficoetecnológicocomoumobjetivodapolíticagovernamental,estabelecendopelaprimeiravezummarcolegalpara a área de C&T (Cf. SILVEIRA, 1996). Além disso, se valeu deestratégias voltadas para ajudar a melhorar o sistema de ciência etecnologianoBrasil.Umadessasestratégiasfoidenominada“OperaçãoRetorno”, implementada em 1967, com o objetivo de repatriarpesquisadoresbrasileirosqueestavamnoexterior(Cf.DIAS,2009).

Após vários anos de apoio e promoção, a estabilidade do sistemacientífico e tecnológico viu-se atravessada por uma diminuição doorçamento. A partir da década de 1980, o sistema de ciência etecnologiaentraemumperíododegrandeinstabilidadenasinstituições,acentuado pela crescente burocracia e incerteza em relação àsalocações orçamentárias (Cf. SCHWARTZMAN et al., 1993). Os anos1980 foram um período de crise e transição, não só no sentidoeconômico,emrelaçãoàdívidaexternaealta inflação (Cf.FONSECA,2009),mastambémdevidoàperdadeimportânciaestratégicanaáreadeC&T(Cf.SILVEIRA,2006).Portanto,adécadade1980podeservista

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como um momento de turbulência, onde a estabilização é apenasmomentânea. Schwartzman e colaboradores narram a instabilidadeorçamentáriadaquelesanos:

[...] osgastos crescemnosprimeiros anos, caemem1983e1984, sobem

novamente na breve expansão econômica que acompanhou o Plano

Cruzadoem1985e1986,caemrapidamentequandoainflaçãovoltaasubir

de novo em 1988 e atinge seu nível mais baixo em 1991 e 1992.

(SCHWARTZMANetal.,1993,p.8)

Noquedizrespeitoabolsasealunosmatriculadosnapós-graduação,houve uma considerável expansão nos anos 1980. No começo dadécada,aofertadebolsasatendia25,13%dosmestradose31,05%dedoutorado, e no final da década a proporção atingia 37,25% dosmestrados e 62,64% dos doutorados (Cf. SILVEIRA, 1996), elevandonotadamenteo volumedematrículas napós-graduação, um feito quelevariaaumanovageraçãodeprofissionaisepesquisadoresemvárioscamposdoconhecimento.

Outro indicador do avanço científico e tecnológico, a patente, quepermite medir a criatividade científica e o impacto tecnológico deprodutos de empresas, países ou regiões, também desponta noperíodo.DeacordocomDias(2009,p.79),em1981foram23patentesconcedidasnoBrasil,eessenúmerofoicrescendonosanosseguintes.Em 1985, o número de patentes concedidas aumentou para 30, em1990foram41e,em1995,63patentes.Dias(2009,p.83)afirmaque“oritmodaproduçãodoconhecimentocientíficoe tecnológico tornou-semuitomaisintensoapartirdadécadade1980”.Econtinua:“Talvezemdecorrência da rápida geração de conhecimento científico etecnológico, observa-se um interesse crescente da sociedade pelaciênciaepelatecnologia”.

Instrumentosessenciaisnaavaliaçãodasatividadesdepesquisadosacadêmicos,centrosdepesquisae instituições,osartigospublicados,

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também representam um indicador que cresceu no Brasil nos anos1980.Em1981forampublicados1.884artigose,em1985,onúmerodeartigos publicados já alcançava 2.300. Em 1987, o ano em que serealizouaprimeiraenquetedepercepçãopúblicadaciêncianoBrasil,onúmero de artigos publicados pelos pesquisadores brasileiros foi de2.624,representando32,65%emrelaçãoàAméricaLatinae0,50%emrelaçãoaomundo(Cf.MCTI,2010).Alémdisso,o impactodosartigosoriginadosnoBrasilcresceude1,056citaçõesporartigopublicadoem1981, para 1,862 citações por artigo publicado em 1998 (Cf. BRITO,2007).

Aos poucos, o desenvolvimento científico e tecnológico foi setornando a base do crescimento econômico, e é por isso que oinvestimentoemciênciaetecnologiatemsetornadoumanecessidade.Há vários exemplos que descrevem resultados positivos do aumentodos investimentos emdesenvolvimento, não apenasna indústria,mastambémnacontribuiçãoparagerarmaiorcompetitividadedospaísesemaior bem-estar social. De acordo com Lima (2009), o orçamentofederal em 1987 foi de 2,556,050 milhões de dólares, com o maiororçamento de qualquer década na qual se dá um incremento noorçamentonoinício,masqueacaboudecaindonofinaldadécada.

Outro projeto importante para expandir, aperfeiçoar e consolidar acompetência técnica e científica dentro das universidades nacionais,centros de pesquisa e empresas foi o Programa de Apoio aoDesenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT), criado em 1984.Maciel(2007,p.55)apontaqueoPADCT“representouumsignificativoaumento no volume de recursos para pesquisa em ciência etecnologia”.Econtinua:“foiuminstrumentocomplementaràpolíticadepromoção para ciência e tecnologia que melhorou o apoio financeiroparaapesquisa,comacriaçãodenovoscritérioseprocedimentosdeapoioindutivoemáreasvistascomoprioritárias”.AevoluçãodoPADCT

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sedesenvolveemtrêsetapas,em1984,1991,1998,concentrando-senoaprimoramentodaqualidade técnicaecientíficadasuniversidades,centros de pesquisa e empresas, sempre com a preocupação dedesenvolverumdiálogoentreapesquisaacadêmicaeosetorindustrial(Cf. MACIEL, 2007). Apesar de focar em áreas de concentraçãoespecíficas, era clara a preocupação em beneficiar todo o SistemaNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT) (Cf.MACIEL,2007).

AcriaçãodoPADCTtambémdespertouaideiadecriarumministérioparaseocuparespecificamentedasaçõesdeC&T.Políticosemembrosdacomunidadecientíficasemobilizaram,encaminharamapropostanoprimeiro governo da Nova República e, em 1985, firmando ocompromisso do governo com a comunidade científica nacional, foicriadooMinistériodaCiênciaedaTecnologia[3](MCT)(Cf.MCTI,2008).

O final dos anos 1980 foi marcado por mudanças e grandeinstabilidadeefragilidadeinstitucional,masporoutrolado,em1988,anovaConstituiçãoestipulouqueoinvestimentoemC&Tseriaampliadopara 1% do Produto Interno Bruno (PIB), dando um alento para aciência e tecnologia industrial, e que anos mais tarde permitiria vergrandes resultados no desenvolvimento científico e tecnológico doBrasil.SegundoBorineGiordan(2008,p.1),o finaldosanos1980foi“de organização de uma nova constituição, havendo, assim, anecessidadedesetraçaralgunsobjetivosparaincorporaçãodaciênciae da tecnologia na cultura nacional e agilizar os processos dedivulgação da ciência no país”. O período marcou também anecessidadedeseconheceroquepensavaasociedadebrasileirasobreciência e tecnologia. O governo brasileiro foi muito claro que aparticipaçãopúblicaédefinidoradadireçãodaspolíticasdeciênciaetecnologia e, portanto, requer uma parte do esforço nacional paraconstruirumEstadodemocrático(Cf.CNPq/Gallup,1987).ApesquisaO

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queobrasileiropensasobreciênciae tecnologia? foi,então, realizadaem 1987, com grande sucesso no provimento de indicadores deinteresseeconhecimentosobreciênciaetecnologia,bemcomooutrosassuntos relativos à imagem do cientista, comparada a de outrosprofissionais, opiniões no desenvolvimento das estruturas de C&T noBrasil,aproporçãodeinvestimentosemC&TemrelaçãoaoPIB,entreoutros temas, opiniões que influenciaram a Constituição. Apesar dograndesucessonacoletadeinformaçõessobreC&T,apesquisanãofoicontinuadaemanosposteriores,sendoretomadaapenasem2006.

CONTINUAMASPESQUISASEMPERCEPÇÃOPÚBLICADACIÊNCIAEm 2006, o Departamento de Popularização e Difusão de C&T do

MCT, coordenou uma nova pesquisa nacional sobre CompreensãoPública de Ciência e Tecnologia, com a colaboração da AcademiaBrasileiradeCiênciasedoMuseudaVida,Fiocruz.Emmaiode2007,oMCTpublicouorelatóriodapesquisadomiciliarrealizadaentreosdias25 de novembro e 9 de dezembro de 2006, com 2.004 pessoas, emváriosmunicípios.Apopulação foi selecionadapelo InstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatística (IBGE)eamostrafoicompostapor50%demulheres e 50% de homens com idade superior a 16 anos e rendamédiadeR$952,52.Aenquetefoiorganizadaporumgrupodetrabalhocoordenadopor IldeuCastroMoreira (MCT)eLuisaMassarani (MuseudaVida,Fiocruz)efoibaseadoemváriosestudosrealizadosanosantesemváriospaísesdomundo.

A partir de 2000, mais estudos são conduzidos sobre a percepçãopública da ciência na Ibero-América. Esses estudos são fortementeimpulsionadospelacriaçãodoProjetoIbero-AmericanodeIndicadoresemciênciaetecnologia,doqualoBrasilparticipa.Em2003,pormeiodaOrganizaçãodosEstados Ibero-Americanos (OEI)edaRede Ibero-

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AmericanadeIndicadoresdeCiênciaeTecnologia(RICYT)foirealizadauma pesquisa internacional nas cidades de Campinas (Brasil),Salamanca e Valladolid (Espanha), Buenos Aires (Argentina) eMontevidéu (Uruguai) (Cf. VOGT; POLINO, 2003). Um ano depois, apesquisaéampliada, incorporando-seduascidadesnoestadodeSãoPauloàpesquisainicial:RibeirãoPretoeSãoPaulo(Cf.FAPESP,2005).A terceira edição da pesquisa realizada em associação entre RICYT,OEI,FAPESPeFECYT,FundaçãoEspanholadeCiênciaeTecnologia,abrangesetecapitais:Brasil,Colômbia,Argentina,Venezuela,Espanha,PanamáeChile(Cf.FAPESP,2010).

O governo brasileiro, pelas mãos da equipe do Departamento dePopularizaçãodaCiência,órgãoqueaté2016fezpartedaSecretariadeInclusão Social, do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações eTelecomunicações, realizou outras pesquisas nos anos 2010 e 2015,permitindocriarumalinhahistóricasobreotema.Alémdisso,aFapesptambémpromoveunovapesquisasobrePercepçãoPúblicadaC&Tnoestadoem2010.

PUSCOMOINFLUÊNCIAEXTERNANOMÉXICOComooutrospaíses,oMéxicotambémteveanecessidadedesabera

opiniãodesuapopulaçãoarespeitodaciênciaetecnologia,noentanto,ainda “faltavam ferramentasbásicasque lhepermitissemconheceroumedironíveldeconsciênciadopúblicosobreaciênciaeatecnologia,eatémesmoparasaberseapopulaçãomexicanatinhaacessoaelaounãotinhaacessoaela”(CONACYT,2009,p.6).Foientãoque,nofinalde 1990, o Consejo Nacional de Ciencia y Tecnologia, CONACYT,conduziu a primeira Enquete sobre Percepção Pública de Ciência eTecnologianoMéxico,tambémconhecidacomoENPECYT.

AENPECYTnasceuem1997comouma ferramentaCONACYTparatentar entender a percepção do público em relação à ciência e

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tecnologia ao longo de 18 anos. Esta primeira pesquisa sobre apercepçãopúblicadaciênciaetecnologianoMéxicoemergenametadedomandatodoentãopresidenteErnestoZedillo(1994-2000).Ogovernodáforteapoioaodesenvolvimentodaciênciaetecnologia.Nomesmoano em que no México nasceu ENPECYT, os gastos federais paraciência e tecnologia foram 27.742 milhões de pesos, enquanto osgastos com pesquisa e desenvolvimento experimental foram 22.692.2milhões de pesos (Cf. HERNANDEZ, 2008). Além disso, durante esseano, o total nacional de pesquisadores no México foi de 21.418 e onúmero total de pedidos de patentes foi de 10.531. Além disso, éprecisamente no ano de 1997, quando os recursos alocados aosestados atingem o nível mais alto do período de referência, sãoautorizados os recursos na ordem de 496.083, 872 pesos, que sãocanalizados através dos seguintes fundos e programas (Cf.HERNANDEZ,2008):

• Programadeapoioaprojetosdepesquisacientífica;• Cadeiadeexcelênciaempatrimôniodefundo;• FundodoMéxicomantémerepatriaospesquisadoresmexicanos;• Financiar pesquisa e desenvolvimento para modernizaçãotecnológica;

• Programadeempresasdetecnologiadeincubadoras;• Sistemasregionaisdepesquisa.

Além disso, em 18 de abril de 1996 foi formalmente apresentado oProgramadeCiênciaeTecnologia1995-2000pelopresidenteErnestoZedilloPoncedeLeón,queemseudiscursodissequeaeducação,acultura e a ciência são fundamentais para a melhoria individual,participação na sociedade e desenvolvimento. O objetivo geral doPrograma de Ciência e Tecnologia 1995-2000 era promover odesenvolvimento científico e tecnológico do país, já que, diante das

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demandaseconômicasesociaisdaglobalização,“éimperativotreinareadquirirmaiorcapacidadedeparticipaçãonoavançodoconhecimentocientífico contemporâneo, e transformar esse conhecimento emaplicaçõesúteis”(SISTEMADEINTERNETDAPRESIDÊNCIA,1996).

OutrofatorqueexplicaosurgimentodapesquisasobreapercepçãopúblicadaciênciaetecnologiaéaadmissãodoMéxiconaOrganizaçãopara Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A OCDE é umaorganizaçãodecooperaçãointernacionalcompostapor34estados,quevisapromoverpolíticasquemelhoremobem-estareconômicoesocialdaspessoasemtodoomundo.AsatividadesdaOCDEsãoapoiadaspor indicadoresestatísticos,quesãoosprincipais instrumentosparaatomadadedecisõesemonitoramentodoscompromissosinternacionaisdos países membros da OCDE. Além disso, um dos seus principaisobjetivos é comparar vários indicadores entre os países membros eaprendercomasexperiênciasdestes.EsteéumpontoimportanteparaosurgimentodaENPECYT,umavezqueaciênciaea tecnologiasãoáreas de atuação da OCDE (2006), de modo que os indicadores depercepção pública da ciência no México tornaram-se ainda maisnecessários.

Depois de vários anos, em 2001, o CONACYT conduziu o segundolevantamentosobreacompreensãopúblicadaciênciaetecnologiaemcolaboração com o Instituto Nacional de Estatística, Geografia eInformática (INEGI) para dar continuidade ao levantamento de 1997 emelhorar os indicadores, de que já dispunha. A partir dessa data, apesquisa de percepção pública da ciência começa a ocorrercontinuamenteacadadoisanos,tendosidorealizadaem:2001,2003,2005,2007,2009,2011,2013,2015,sendoamaisrecenteade2017,todascomosresultadosdisponíveisnositedoINEGI.

MÉTODO/PROCEDIMENTO

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Para atingir o objetivo deste trabalho, utilizamos uma análise deinformação secundária descritiva. Stewart (1984) observa que ainformação secundária tem algumas vantagens distintas em relação àcoletadedadosprimários,eotempoecustosãoosmaisimportantesdeles. A análise de informações secundárias fornece um ponto departida útil para futuras pesquisas que sugerem formulações deproblemas, suposições e métodos de investigação (CF. STEWART,1984). Fornece também uma comparação útil, uma vez que a novainformação pode ser comparada com a existente para encontrardiferençasoutendênciasresultantesdaanálise.

Para a análise secundária das informações descritivas, utilizou-se acoleta de informações das seguintes fontes: a base de dados doscursos de pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento dePessoaldeNívelSuperior(CAPES),daFundaçãodeAmparoàPesquisado Estado de São Paulo (FAPESP); do Conselho Nacional deDesenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério daCiência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do Sistema de Bibliotecas daUNICAMP, além de artigos científicos sobre o tema em relação aoBrasil. No caso do México, foram consultados sites oficiais doCONACYT, INEGI e SIICYT e também a biblioteca do InstitutoTecnológicodeMonterrey.

A importância deste trabalho reside, por um lado, em entender umpoucomaisafundoaspesquisassobreapercepçãopúblicadaciêncianoBrasilenoMéxicoe,poroutrolado,entenderocontextodapolíticacientífica e tecnológica dos dois países, que levou à proposta derealização das enquetes de percepção pública da ciência e datecnologia.

DISCUSSÃO

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O desenvolvimento científico e tecnológico é uma prioridade paramuitos países em desenvolvimento, onde é necessário criar novosprodutosenovosprocessosquemotivemainovação,trabalhoconjuntoentre universidades, centros de pesquisa, governo e indústria, para oqual é necessário não apenas um forte investimento na área deC&T,mastambémumasólidabaseinstitucional.

NoBrasil,emmeadosdadécadade1950,oEstadopassouaatuardeformasistemáticanaáreadeciênciaetecnologia,paraplanejarações,criaredesenvolverprojetoseprogramasdeapoioaodesenvolvimentocientíficoe tecnológicoe alocar recursos.Visava tambémassegurar aconcepção do marco institucional que apoiaria o aparato científico etecnológico.

A pesquisa sobre a percepção pública da ciência começa a sergestada em um ambiente de preocupação e crítica sobre o grandedesenvolvimentocientíficoe tecnológicomostradonaSegundaGuerraMundial.Alémdisso,estudosdepercepçãopúblicadaciêncianoBrasilse desenvolveram em um cenário turbulento em ciência e tecnologia,mascoma vontadedeestruturá-la.Umcaminhopara a configuraçãodo sistema de pesquisa científica e tecnológica no Brasil foi acompreensãopúblicadaciênciaetecnologia.

O pano de fundo da primeira pesquisa, intituladaOque o brasileiropensa da ciência e da tecnologia? remonta a um período de altos ebaixos. O investimento econômico emC&T cresce no início de 1950,visualizandoumcenáriobastanteotimista,masdiminuiapartirde1980,não apenas na área de investimentos, mas também nos orçamentosparaexpansãodapós-graduação.Na segundametadedestadécada,que instituiu, em 1988, por meio de lei, que o orçamento para C&Tdeveria ser de 1% do Produto Interno Bruto. Isso traz certo alento àpolítica científica e tecnológica, quemostrou, anos depois, resultadosnodesenvolvimentodosetornopaís,emboranuncasetenha,umareal

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estabilidadenosincentivosemtodososâmbitosdaciênciaetecnologiadoBrasil.

AcriaçãodoCNPqedaCAPESem1951,doMinistériodaCiênciaeTecnologia(MCT)em1985,bemcomooutrasinstituiçõeseprogramasdeapoioàciênciae tecnologiamostramcomoaciênciadesempenhaumpapel importantenaagendadogovernobrasileiroparaalcançarocrescimento e o desenvolvimento nacional. Além disso, confere umfortalecimentodoCNPqnaformulaçãodapolíticanacionaldeciênciaetecnologia,oqueajudaemgrandeparteatraçarasdiretrizesdapolíticacientíficanoBrasil.

Outro fator que influenciou indiretamente a realização do primeirolevantamentodapercepçãopúblicadaciênciafoiograndeapoiodadoaoinvestimentoemciênciaetecnologiaparabolsasdepós-graduaçãoe projetos de pesquisa, colocando a C&T em um lugar relevante eprivilegiado, independentemente de outros setores produtivos. AimplementaçãodoPADCT,deforteapoioauniversidades,empresasecentros de pesquisa também ajudou a atender as necessidades deáreasconsideradasessenciaisparaodesenvolvimentodaC&TnoBrasilequeemmuitasocasiões,nãoforamadequadamenteapoiadas.

Com base na evidência sugerida, é que no Brasil o nascimento daprimeirapesquisa nacional depercepçãopúblicada ciência, realizadaem 1987, surge do movimento para estruturar o aparato científico etecnológico do país, para suportar uma iniciativa que visa superar osaltos e baixos da política científica, com garantia de recursos para aárea. A presença doMCT é um ponto relevante na configuração dasestruturas científicas no Brasil, demonstrando um interesse maior doEstadoemprocessosrelacionadosaoprogressocientíficoetecnológicoenãoapenasisso,tambémnaopiniãodoscidadãossobreaC&T.

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No caso do México, os estudos de percepção pública da ciêncianascemporumasériedefatoressociaiserequisiçõesinternacionais.Aprimeiraaplicaçãonão tevecontinuidadedireta,entretanto,apartirde2001, a pesquisa foi aplicada a cada dois anos, o que possibilitoucontarcomdiversosindicadorescontidosnoRelatórioGeraldoEstadoda Ciência e Tecnologia, que publica anualmente a CONACYT.Entretanto, os resultados obtidos na escola são poucos divulgados emesmo dentro do Relatório Geral da CONACYT não há uma seçãoespecífica,masosresultadosaparecematéoapêndice.Ao interiordoCONACYT, os resultados têm sido utilizados de umaperspectiva nãoformal, ou seja,menciona-se a importância de estudos de percepçãopública da ciência nos discursos, no entanto, eles não foramencontradoscomdocumentosoficiaisemqueaaplicaçãodapesquisadepercepçãopúblicadaciênciativessealgumarelaçãocomalgumtipodepolíticapúblicanoMéxico.

Emboranãohajareferênciaaqualquertipodeanáliseereflexãosobreosresultadosdepesquisasdepercepçãopúblicadaciência,apartirde2012 oCONACYT liderou uma série de trabalhos para o benefício daComunicaçãodaCiência,TecnologiaeInovaçãoqueincluioChamadodeapoioaprojetosdeComunicaçãoPúblicadeCiência,TecnologiaeInovação(CTI),oÍndicedeDivulgaçãoCientíficaMexicana,oSeminárioIbero-Americano de Jornalismo do CTI, o Festival Internacional dePlanetários, o Simpósio de Editores de Revistas Mexicanas deDivulgaçãoCientíficaeoCongressoNacionaldeComunicaçãoPúblicadoCTI.

CONSIDERAÇÕESFINAISOtextotratadascondiçõesquepromoveramosurgimentodeestudos

de percepção pública da ciência em dois países latinoamericanos.Iniciadas após dez anos da primeira pesquisa realizada nos Estados

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Unidos,asevidênciasmostram,nocasodoBrasil,queosurgimentodapercepçãopúblicasedá,principalmente, comoumaconsequênciadainstitucionalização da ciência, após a criação de um aparatoinstitucionalcomacriação,porexemplo,doCNPq,daCAPES,doMCT,doPADCTedoFNDCTecomaintençãodegarantirqueesseavançotivesse continuidade. No México, embora também comece a tomarforma um ambiente mais institucionalizado, com motivação para odesenvolvimentodaciência eda tecnologia, aprincipal razãopara serealizarpesquisasdepercepçãodeciênciaetecnologiafoiasugestãodaOCDE,comopropostoparaamaioriadosestadosmembrosdessaagência.

NoBrasil,ainda,aiminênciadeumanovaconstituiçãoimpulsionouarealizaçãodaenquetenaquelemomento,deformaaseter ideiasobreexpectativas,apoioourejeiçãodapopulaçãoemrelaçãoàárea,oquepoderia impactar a inserção de questões fundamentais aodesenvolvimentodaciência, tecnologiae inovaçãonoconjuntode leisquepassariaavigirnopaís.

NasituaçãodoMéxico,umaliteraturaindicaqueaprincipalmotivaçãopara o início da conscientização pública das pesquisas científicas eraatenderàdemandainternacionaldevidoaofatodeopaísfazerpartedaOCDE.Mas,comoocorreunoBrasil,operíodoemqueessaspesquisasseiniciaramfoimarcadoporaçõeseinvestimentosquevisaramelevaros marcadores de C&T na formação de recursos humanos, narepatriaçãodepesquisadoresetambémnaáreatecnológica.Percebe-se que algumas medidas adotadas para apoiar a criação deincubadoras de empresas, bem como a criação de um fundo demodernizaçãotecnológicavisaramessavalorizaçãodaCTtambémemsuarelaçãocomomercado.

Aotentarconheceraperceçãodaspessoasemgeralsobretemasdeciênciaetecnologia,osgestoresdapolíticacientíficaetecnológicade

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cada um dos países procuraram saber, assim como países como osEstadosUnidoseInglaterrafizeramantes,sehouveapoiopopularaosinvestimentosqueestavamsendofeitoseaçõesquenemsempresãoconhecidascomonecessáriasaodesenvolvimentohumanoesocial.Aconstatação de que o conhecimento produzido pelas instituições deensino e pesquisa atinge a sociedade como um todo, em forma deprodutoseserviços–semcontarnodesenvolvimentodoconhecimentoperse–nãoé facilmentereconhecida.Emparteporqueosresultadospositivosdaspesquisas realizadas realmentenãoestãoaoalcancedetodas as pessoas, por motivos diversos, mas principalmente porquestões econômicas. Assim como externalidades advindas dapesquisacientíficaetecnológicatambémficamrestritasadeterminadossetoressociais,geralmenteosmaispobres.Equandoaspessoasnãose reconhecem como potenciais beneficiadas, deixam de apoiar osinvestimentosnessaárea.

A conscientização pública das pesquisas científicas é umademonstraçãopara avaliar até queponto aspessoas são capazesdecompreender a importância dos esforços de desenvolvimento eorganizaçãodeumsistemanacionaldeC&Tequanto isso representaparaaformaçãoderecursoshumanos,assimcomoodesenvolvimentotecnológico, avanço no desenvolvimento de empresas e na economiade um país. Além disso, visam obter uma participação pública nadefinição das políticas públicas da área, condição para a governançademocrática.

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VOGT,C.etal.PercepciónPúblicadelaciencia.EstudiosRealizadosenSãoPauloyenBrasilylabúsquedaintegradadeestándaresnacionaleseinternacionales.CongresoIberoamericanodeCiudadaníayPolíticasPúblicasenCienciayTecnología,Anais...Madrid,2008.

RESUMO:Oimpactodaciênciaedatecnologianosmodosdevidadasociedadetemsidotalquesetornounecessário conhecer seu alcance, sucessos e fracassos, e as implicações desencadeadas a partir deles.Como outros países, o Brasil e o México, também interessados em saber o que o público pensa sobreciênciaetecnologia,começaramaaplicarenquetes (oBrasilem1987eoMéxicoem1997)dePercepçãoPúblicadaCiência(PUS)deacordocomtrêscategorias:interesse,conhecimentoeatitudes.Noentanto,aaplicação desses estudos foi motivada por diferentes contextos e atores, o que causou duas visõesdiferentesdapolíticacientíficae tecnológica.Oobjetivodeste trabalhoé reconfigurarasvisõesdapolíticacientíficadecorrentesdainstitucionalizaçãodapesquisaemPUS.Paradarcontadessatarefa,conduzimosumaanálisesecundáriade informaçõesdescritivaspara fornecerumaferramentacomparativaútilentreosdois países para mostrar as semelhanças e diferenças entre os dois casos. Para a configuração doarcabouço,realizou-seumabuscanasbasesdedadosrelacionadasàsinstituiçõespúblicasdeindicadoresdeciência e tecnologia, nos sitesoficiaisdas agências responsáveispelapolítica científicanoBrasil e noMéxico,enoscentrosdepesquisadasuniversidadesrepresentadosnoBrasil.Acontribuiçãodestetrabalhopara a literaturaCTS é que a pesquisa PUS é uma boamaneira de entendermais sobre a relação entreciência, tecnologia e sociedade, bem como uma contribuição particularmente útil para a promoção daCulturaCientíficaeEngajamentoPúblico.PALAVRAS-CHAVE:Compreensãopúblicadaciência;políticacientíficaetecnológica;institucionalizaçãodaciência.

ABSTRACT:The impactofscienceandtechnologyonthewaysof lifeofsocietyhasbeensuchthat ithasbecomenecessarytoknowitsscope,successesandfailures,andtheimplicationstobetriggeredfromthese.Likeothercountries,BrazilandMexico,alsointerestedtoknowwhatdothepublicthinkaboutscienceandtechnology,startedtoappliedsurveys(Brazilin1987,andMexicoin1997)ofPublicUnderstandingofScience(PUS)accordingtothreecategories:interest,knowledgeandattitudes.Nevertheless,theapplicationofthesestudieswasmotivatedbydifferentcontextsandactors,whichcausedtwodifferentvisionsofscientificandtechnologicalpolicy.Theobjectiveofthisworkistoreconfigurethevisionsofsciencepolicyarisingfromthe

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institutionalization of PUS research. To account this task,we conduct a secondary analysis of descriptiveinformation to provide a useful comparative tool between the two countries to show the similarities anddifferencesbetweenthetwocases.Fortheconfigurationoftheframework,ithasbeenconductedasearchthrough the databases relatedwith public’s institutions of science and technology indicators, over officialwebsitesoftheagenciesresponsibleforsciencepolicyinBrazilandMexico,andtheresearchcentersoftheuniversities represented in this work. The contribution of this work to the STS literature is that the PUSresearchisagoodwaytounderstandmoreabouttherelationshipbetweenscience,technologyandsociety,aswellasaparticularlyusefulinputforthepromotionofScientificCultureandPublicEngagement.Keywords:PublicunderstandingofScience;scientificandtechnologicalpolicy;institutionalizationofscience.

[1] Milagros Varguez é jornalista, doutora em Estudos Humanísticos, com especialidade emCiênciaeCultura,peloInstitutoTecnológicodeMonterrey,campusMonterrey.ÉdiretoradoPlanetário Cha´an Ka´an, Cozumel, México. Pesquisadora associada do Laboratório deEstudosAvançadosemJornalismo(Labjor).E-mail:[email protected].

[2]SimonePallonedeFigueiredoéjornalista,doutoraemPolíticaCientíficaeTecnológica,peloDepartamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências, Unicamp.PesquisadoradoLaboratóriodeEstudosAvançadosemJornalismo (Labjor),doNúcleodeDesenvolvimentodaCriatividade (Nudecri),UniversidadeEstadual deCampinas (Unicamp).E-mail:[email protected].

[3]Posteriormente, introduziu-seapalavra InovaçãoaonomedoMinistérioea letra Inasigla,ficando MCTI. Em 2017, outra modificação foi feita, quando da junção do Ministério deCiência, Tecnologia e Inovação com oMinistério das Comunicações, ficando então comoMinistériodeCiência,Tecnologia,InovaçõeseComunicações.

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MÍDIA,CIRCULAÇÃOEDISCURSOMedia,circulationanddiscourse

CristianeDias[1]

INTRODUÇÃOAminhapequenacontribuiçãonesselivroéadeproporumareflexão

sobre a forma de construção de narrativas contra-hegemônicas pelachamadamídiaprogressista,noBrasil.Paratanto,partodaperspectivateóricadaAnálisedeDiscurso,umadisciplinaqueanalisaalinguagemem funcionamento, a partir de um movimento tensional entre aparáfrase(repetição)eapolissemia(diferença).

Énessemovimentotensionalentreaquiloquesemantém,queretornacomosendoomesmo,eaquiloquenoprópriomovimentode retornoproduzrupturasnoprocessodasignificação,fazendoosentidoderivarpara outras filiações, que busco compreender a exterioridade dossentidosdemídiaemseuspercursossociais.

Nesse ínterim, os dispositivos tecnológicos como instrumentos demídiafazempartedessespercursos.Dopontodevistadalinguagem,osentido não é indiferente ao meio (dispositivos) e, portanto, não éindiferente aos percursos que lhe dão “forma material”, formadiscursiva.

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Partindo desse terreno, diremos que dentre os três momentosimplicados no processo de produção do discurso, elaborados porOrlandi (2001), a saber, o da constituição, o da formulação e o dacirculação,éodacirculaçãoquenosinteressamaispontualmente,poruma necessidade teórica, uma vez que ele é, como reforça Orlandi(2001), indissociável dos outros dois. Essa necessidade teórica seimpõe por ser a instância da circulação que nos permite observar os“trajetos dos dizeres” mas, para além disso, os efeitos de sentidoproduzidos por esses trajetos na vida, na relação dos sujeitos com amemória, comos acontecimentos, comoutros sujeitos na construçãodeumasociedade.Querelaçãoteriamostrajetosdosdizeres,aformada circulação dos discursos pela mídia, com a forma de vida queproduzimosemsociedade?

ComoafirmaOrlandi:

A mídia, como prática discursiva, que está presente, continuamente, na

relaçãodossujeitosentresiecomasociedadeemquevivem,assimcomo

na relação com o político, que constitui a vida social em suas divisões,

relaçõesdeforçaseestabelecimentodehierarquiasevaloresatribuídosàs

diferentes formas de significar, é parte importante no modo como esse

sujeito se representa, no imaginário social, comosujeitode conhecimento.

(ORLANDI,2017,p.242)

Dessemodo,éprecisoqueossujeitossejamsensíveisaossentidosem circulação, aos seus trajetos, por certos meios, construindo umapossibilidadederelaçãocomessasinstânciaspolíticasdosaber.

ÉaíqueotrabalhodaAnálisedeDiscursopodefazeradiferença,umavez que consiste em levar o sujeito a compreender a “espessurasemântica” da linguagem, sua ordem – que é historicamentedeterminada–,em levá-loaconsiderar,enfim,quea linguagemnãoétransparente,equeosentidodosdizeresnãosedánumarelaçãodiretaentre a palavra e a coisa, de modo automatizado, mas se dá numarelação complexa da linguagem com o mundo e, nele, com suas

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tecnologias.Deproduzir,enfim,umarelaçãosensíveldosujeitocomalinguagematravésdeseusinstrumentos,dentreeles,amídia.

Nessa perspectiva, a questão norteadora desse pequeno ensaioteórico que coloca o problema da circulação em foco, é: como aestrutura e funcionamentodacirculaçãopode ser exploradademodoprodutivo, problematizando a relação do sujeito com os sentidos?Como o funcionamento da circulação pode se tornar um instrumentocapaz de levar à reflexão de todo um processo de constituição daprópriavidasocialepolíticadossujeitos,daqualaciênciaeaculturasão partes fundamentais? Se o próprio conhecimento, em suadiversidade, dimensiona a sociedade na história, como afirma EniOrlandi (2010, p. 4), as formas de circulação desse conhecimentodevem estar em sintonia com as demandas sociais, projetando-as nahistóriaparaquesignifiquem.

Numasociedadeemqueoconhecimentoocupaumlugarimportantenaorganizaçãoegestãopública(Cf.ORLANDI,2010,p.9),omododecirculaçãodesseconhecimentodevesercompreendidocomopartedapossibilidadedeproduziruma“agitaçãonumestadodecoisas”.Nessesentido, é preciso escutar as circulações cotidianas, o ordinário dossentidoseconstruirnarrativasoutras.

Interferirnesseestadodecoisasédesmontaressa ideiadeciência régiae

responder com conhecimentos específicos – produzidos pela pesquisa –

necessários não só à sobrevivência como também ao movimento (o que

chamamdesenvolvimento?)–porquenãodizerfelicidade?–dapopulação.

Eistosefazcompesquisaecomconhecimentosocial.Conhecimentoquea

análise de discurso é capaz de produzir, porque desloca o olhar leitor, ou

seja,expõeosujeitoaoutrossentidos.(ORLANDI,2010,p.11)

Outros sentidos que podem vir a significar as divisões sociais,inclusive no que se refere aos saberes em geral: culturais, políticos,científicos,tecnológicos,institucionais,etc.Outrossentidoscapazesdedesestabilizarumaformadecirculação,reguladaporrelaçõesdepoder

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bem assentadas e institucionalizadas, hegemônicas em termos maiscomuns. Outros sentidos que podem vir a deslocar as “linhas declivagem”produzindoacontecimentos,

[...] não como emanação de um sujeito pleno – disputando com outros

sujeitos(jurídicos,políticosouuniversitários...)odireitoàfala–,mascomoa

construção de um efeito de retorno repercutindo aquilo que trabalha às

margensdosdiscursos.(PÊCHEUX,2016,p.28)

Mas o que estaria às margens dos discursos da circulação? Emtempos em que a política, a ciência, os afetos, os alimentos, atecnologia – entre outros – legitimam-se pela produtividade (maispublicações,maisamigosnoFacebook,maisversõesdesmartphones,maisindústriasdostransgênicos,etc.),éenfim,emprimeirainstância,acompetitividade(econômica,científica),quetrabalhariaàsmargensdosdiscursos da circulação. Porém, é preciso destituir a imagemcomplacente da circulação, como sugeriu Pêcheux (2016, p. 28).Destituição de um modo de estrutura e funcionamento da mídia,logicamente estabilizado por relações de poder e com pretensõesuniversalizantesehomogeneizantes.

O“AOVIVO”EACIRCULAÇÃODOSSABERESÉ nessa perspectiva que me interessa discutir um modo de

funcionamentoeproduçãodosdiscursos,dossentidosedossaberes,pensandoumaformadecirculaçãopelachamadamídia“progressista”,ou seja, de modo provisório, o que entendo simplesmente por umamídia que não responde diretamente a um grupo econômico ouempresarial.Oumídia“alternativa”,pensadacomoooutrododiscurso,suasbordas.

Embora haja um investimento teórico em áreas da comunicação,sociologia, linguagem, em buscar definições ou apontar fronteiras eespecificidadespara termoseconceitoscomoMídiaalternativa,Mídia

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progressista,Mídialivre,Mídiaradical,entreoutros,nãomedetereiaquinessas especificidades, pois o que me interessa é refletir sobre umprocessodiscursivocomumatodasessesconceitos,comum,inclusive,à Mídia tradicional ou hegemônica, que é o processo da circulaçãocomo aquilo que dá a espessura semântica à própria mídia. Dessemodo,nãoénecessariamenteoadjetivoqueacompanhaonomemídiaquemeinteressa,maso“desregramento”damídiacomoporta-vozdeum sentido homogeneizante, como produtora de uma narrativaaparentementesemcontrassenso.Emoutrostermos,aemergênciadevozes portadoras de mídias, em função da possibilidade de umacirculação descentralizada dos discursos, o que se dá pelareapropriação social dos dispositivos tecnológicos e das plataformasdigitais, e implica necessariamente uma deriva de seus usos.Metaforizaçãodosujeitocomamídiaedosujeitocoma linguagem.Édessemodoquedizemosquea formadecirculaçãodeumdizer temefeitos sobre sua formulação e sobre a constituição dos sujeitos emsociedade.

Uma das formas de circulação, comumente utilizadas por essasmídias, nos dias de hoje, é a da circulação “ao vivo”. É esse modoespecífico da circulação que me interessa. Afinal, como trocadilhouPêcheux (1999, p. 54) a respeito do provérbio chinês “Quando lhemostramosalua,oimbecilolhaodedo”,“Porquenão?”.

Para mim, o funcionamento do “ao vivo” é caracterizado pelaequivocidade.

Uma prática tirando as consequências da deslocalização tendencial do

sujeito enunciador (monarca, porta-voz ou representante) e do sistemático

desregramentoqueafetaatualmenteasbasesdoperformativo,apontode

queopoderdacoisaditaouescritaparece,porvezes,seidentificarcomo

puroefeitodeumecoanônimodevolvidopelasbordas.(PÊCHEUX,2016,p.

28)

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Éessedesregramentoqueafeta asbasesdoperformativomidiáticofazendo com que o dito se identifique com o puro efeito de um ecoanônimodevolvidopelasbordas,equeéproduzido,emgrandemedidapelo digital em seu modo de circulação em loop, que me interessaproblematizaraorefletirsobreofuncionamentodiscursivodo“aovivo”.

É preciso antes, dizer que esse “desregramento” é, na conjunturaatual,compreendidocomoumapossibilidadedepolissemia,deruptura.Eénessapossibilidademesmaqueresideaequivocidadedaquiloquederivapara significar apartir deoutras relações (quenãoasdamídiahegemônica,porexemplo),masqueé“capturado”poroutrasformasdeorganizaçãodopoder que surgemnopróprio seiododesregramento,comoumecoanônimodevolvidopelasbordas.

Énessamedida,noquese refereaodigital,que tenho trabalhadoacirculaçãocomoo“ângulodeentrada”paracompreenderosprocessosde produção do discurso, pois entendo que é pela circulação(compartilhamento, viralização, comentários, postagens, hashtags,memes,links...)queodiscursodigitalseformulaeseconstitui.Deoutromodo,diríamosqueodiscursodigitalseformulaaocircular.Eissofazdiferençanaproduçãodossentidos.Essamudançanaordemnãoquerestabeleceruma relaçãodeanterioridadedeummomentoem relaçãoao outro, mas de perspectiva. Olhar o processo de produção dosdiscursos pela via da circulação tem a ver com um sentido que seproduznoefêmero,noagora,“aovivo”.Éessemododeexistênciadosdiscursosqueseimpõeaopensarmossuaconstituição.

Nãoénovidadequeamídiaproduzcertasformasdeassujeitamentodos indivíduos. É sobre as formas de assujeitamento que a mídiadesenvolve com suas “verdades”, por um “funcionamento linear damemória” (ORLANDI, 2018)[2], que o “ao vivo” produz seus efeitos,considerando-o como uma das instâncias dos modos de circulação,umaformadospercursosdosdizeres.ParaOrlandi(2018)[3],aformade

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apresentação e construção dos fatos tem sofrido deslocamentos queafetamarelaçãoverdade/mentira.Dessemodo,o“aovivo”oulive temsidotomadopelamídiaprogressistacomoummododeconstruçãodatransparência do sentido, um modo de conferir “autenticidade” aosfatos.O“aovivo”funciona,assim,comoumargumentoinquestionáveldosfatos,dosacontecimentos.

ÉbomlembrarqueparaaAnálisedeDiscursohápressupostosbemassentados, um deles é o de que a história não é transparente, ossentidos não se produzem numa relação direta entre sujeitos e fatos,provadissoéqueummesmo fato,umamesmacena,ummesmo livesignificamdiferentementeparaossujeitos,poisosentidonãoseproduznasuarelaçãocomofatoemsi,masnasuarelaçãocomomundoquesignificao fatoatravésda ideologia.Dessemodo,é ilusãopensarqueumatransmissão“aovivo”égarantiadaatestaçãodoreal.Pensarqueum live colocaria o sujeito numa relação direta com o sentido é seenveredarporumaperspectivade linguagemcomomero instrumento,apagandoaopacidadedaprópriamídia,ecom isso,suapossiblidadederuptura,dedeslocamentodossentidos.

SegundoOrlandi:

nasuapráticasimbólica,naorganizaçãosocial,odiscursodigitaltemsido,

de forma dominante, refém da ideologia pragmática: a do excesso, do

efêmerovisível,dosujeitodaimpaciência,doconteudismo(informação),do

relacionamento(asselfies,ooutrar-se).(ORLANDI,2017,p.244)

O“aovivo”comoummododecirculaçãodossentidos,dedivulgaçãode práticas e de acontecimentos no cotidiano da sociedade, leva àsúltimas consequências o “efêmero visível” e trancafiando,aparentemente os sentidos e a memória num “frasco sem exterior”(PÊCHEUX,1999,p.56). Issoporquetestemunharaprópriavidapodeterumefeitoparalisante,éprecisodarlugaràdimensãosimbólicadosfatos.Lugardeinterpretação,deesquecimento,oqueanotificaçãode

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“transmissão ao vivo” o tempo todo na palma da mão não permite.Como formulou Eliane Brum em seu texto para o El País, em 03 desetembrode2018,arespeitodoincêndiodoMuseuNacionaldoRiodeJaneiro: “O excesso de realidade nos joga no não tempo. No semtempo.Noforadotempo.”

Para além disso, o “ao vivo” se embaraça como argumento daverdade.Tematãocontroversoemnossosdias.Maséprecisolembrarque a verdade também é um discurso e depende das filiações dossujeitos...

O“AOVIVO”COMODIMENSÃOTÉCNICADOSILÊNCIO[4]

Um outro aspecto relevante do funcionamento do “ao vivo” é suarelação comamemória.Circulação ememória, uma relaçãoque vemcolocar o problema do não aleatório das circulações discursivas, asaber, a questão das filiações, o que tenho chamado de “dimensãotécnica do silêncio” (DIAS, 2018). Cabe dizer que a transmissão “aovivo”deumacontecimentopormeiodeumdispositivotecnológico,faztraço das dimensões simbólica e política da linguagem, daí dimensãotécnicadosilêncio,umavezqueorecortapordispositivotecnológico.Essa dimensão técnica do silêncio tem a ver com uma possibilidadetécnica de memória permanente, metálica, como formulou Orlandi(1998),maspassíveldeumdesaparecimentoaparentementeasséptico,recuperávelporumadimensãotécnicaqueseperfilaentreosilêncioeoarquivo. Dessemodo, uma “transmissão ao vivo” significa tensionadapelo funcionamento da circulação no visível efêmero, entre umadimensãotécnicaeumadimensãopolítica.

Recorrendo à obra deOrlandi (1995, p. 54-55), sobre as formas dosilêncio,aautoraapontaduasdesuasformas:

1.Osilênciofundante–“indicaquetodoprocessodesignificaçãotraz

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umarelaçãonecessáriaaosilêncio”;2.Apolíticadosilêncio(osilenciamento)–“comoosentidoésempreproduzidodeumlugar,apartirdeumaposiçãodosujeito,aodizer,ele estará necessariamente não dizendo “outros” sentidos. Issoproduzum recortenecessárionosentido.Dizeresilenciarandamjuntos.”

Paraaautora,orecortedosilênciopelodizerésuadimensãopolítica.Assim, há uma dimensão política do silêncio e há uma dimensãofundante do silêncio. Diríamos, pois, que a dimensão fundante dosilênciopõeemrelaçãosilêncioelinguagem(constituição);adimensãopolítica do silêncio põe em relação silêncio e corpo da linguagem(formulação) e, por fim, proponho uma dimensão técnica do silêncio,que põe em relação silêncio e tecnologia de linguagem (circulação).Assimcomoosmomentosdoprocessodeproduçãodosdiscursos,astrês dimensões do silêncio não funcionam isoladamente umas dasoutras,apresentampontosdeintersecçãoetensão.

A dimensão técnica do silêncio é aquilo que funciona àmargemdoenquadramento,danitidezoumesmodacoerênciadodizer,mediadopor dispositivos técnicos. É aquilo que se destaca ou aquilo que seapaga para silenciar sentidos de um objeto simbólico, por meio derecursos técnicos. Fotógrafos e cineastas se utilizam cotidianamentedessa dimensão do silêncio para produzir efeitos de sentido em suasproduções. Angulam o dizer, desfocam o texto para que ele produzacertossentidos.Essadimensãoéumaformadesilenciamentoafetadapela ideologia, mas também pelos recursos de dispositivostecnológicos.

Tudo isso me permite dizer que o “ao vivo” significa por essadimensãotécnicadosilêncio,namedidaemquenãotransmiteotodo.“Ao vivo” não é completo, é um olhar, um ângulo, um recorte, um

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enquadramento.Eporissocolocaosujeitoemrelaçãocomumsentidoentre outros possíveis. Um sentido no meio de outros. A dimensãotécnica do silêncio é aquilo que funciona também à margem doenquadramento, mas que retorna como um eco anônimo devolvidopelasbordas...

REFERÊNCIA

DIAS,Cristiane.Análisedodiscursodigital:sujeito,espaço,memóriaearquivo.Campinas:Pontes,2018.

ORLANDI,Eni.Asformasdosilêncio:nomovimentodossentidos.3ed.Campinas:EditoradaUnicamp,1995.

_____.Interpretação:autoriaeefeitosdotrabalhosimbólico.2ed.RiodeJaneiro:EditoraVozes,1998.

_____.Discursoetexto:formulaçãoecirculaçãodossentidos.Campinas:Pontes,2001.

_____.FormasdeConhecimento,InformaçãoePolíticasPúblicas.In.Animus-revistainteramericanadecomunicaçãomidiática.v.17,jan-junho2010.

_____.Eu,tu,ele:discursoerealdahistória.Campinas:Pontes,2017.

PÊCHEUX,Michel.Papeldamemória.In:ACHARD,Pierreetal.Papeldamemória.Trad.JoséHortaNunes.Campinas:Pontes,1999.p.49-57.

_____.Aberturadocolóquio.In.CONEIN,Bernardetal.Materialidadesdiscursivas.Campinas:EditoradaUnicamp,2016.

RESUMO:AchamadamídiaprogressistanoBrasiltemproduzidonarrativasdosacontecimentospelaformamaterialetecnológica“aovivo”.Oobjetivodessetextoérefletirsobreosefeitoseofuncionamentodo“aovivo”,daperspectivateóricadaAnálisedodiscursodigital.Paratanto,anoçãodecirculaçãocomoumdosmomentos do processo da produção dos discursos, é fundamental. Que relação teriam os trajetos dosdizereseacirculaçãodosdiscursospelamídiadigitalcomaformadevidaqueproduzimosemsociedade?

ABSTRACT: The so-called “progressivemedia” inBrazil has produced narratives of events in thematerialformandtechnologicalpresentby“live”.Thepurposeofthistext isreflectabouteffectsandfunctioningofthe“live”,fromthetheoreticalperspectiveofDigitalDiscourseAnalysis.Thereforethenotionofcirculationasone of the moments of the process in the production of discourses is fundamental. What is the relationbetweenthepathsofsayingsandthecirculationofdiscoursesbydigitalmidiawiththelifestyleweproduceinsociety?

[1]CristianeDiasédoutoraemLinguística(Unicamp,2004)epesquisadoradoLabeurb/Nudecri.

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E-mail:[email protected][2]PalestraproferidaporEniOrlandi,emreuniãodoGrupodePesquisaeUrbano,noauditório

doLabeurb,em15/06/2018.[3]PalestraproferidaporEniOrlandi,emreuniãodoGrupodePesquisaeUrbano,noauditório

doLabeurb,em15/06/2018.[4]Umaversãomaisexpandidadesseitemestápublicadaemlivrodeminhaautoria(Cf.DIAS,

2018).

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COLETORESDOCOTIDIANO:OJORNALISTALITERÁRIO,OANTROPÓLOGOESUASIDASAOCAMPO[1]

COLLECTORSOFTHEEVERYDAYLIFE:theliteraryjournalist,theanthropologistandtheirfieldwork

RafaelEvangelista[2]

BeatrizGuimarãesdeCarvalho[3]

Introdução

MarizaCorrêa (1945-2016),antropólogaqueatuoucomodocentenaUniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp)pormaisdetrintaanos,certa vez disse em entrevista que, originalmente, queria ser escritora.MesmodepoisdeterseformadoemJornalismoedetertrabalhadoemdiversasredações,avontadedefazer literaturaaindaaacompanhava.Umdia,oamigoeantropólogoPeterFrydisseaelaquenãoeraprecisoserescritoraouterformaçãoemLiteraturaparapodercontarhistórias;elapoderiafazeruma“literaturadisfarçadadeantropologia”(ANPOCS,2006). Mariza seguiu o conselho: tornou-se antropóloga, mas levouadianteosatributosdejornalistaedeliterata,principalmentenoquedizrespeitoaotratocomosentrevistadoseàescrita leve,quefazoleitoresquecerqueestáalerumtextoacadêmico.Exemplodissoéotrechoaseguir,retiradodotrabalhoNãosenascehomem(2004):

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Em1958,umamoça,depoisconhecidanaliteraturamédicacomo“Agnes”,

de aparência feminina e com seios, apesar de ter um aparato genital

masculinocompleto,procurouodoutorRobertStollereoconvenceudeque

havia“nascidomulhernumcorpo(parcialmente)dehomem”:tãograndefoi

seu convencimentoque a equipedaqual omédicoparticipava concordou

emoperá-la,realizandonela,semosaberem,umadasprimeirasoperações

trans-sexuais[sic],hoje famosasnas revistasdevariedadesenasnovelas

detelevisão.Noentanto,conformesesoubedepois,Agnesfoiumaagente

decisiva de sua própria transformação: tomando estrogênio receitadopara

suamãe,desdeosdozeanosde idade, foiaospoucos transformandoum

corpodemeninonumcorpodemoça–transformaçãoessencial(oadjetivo

nãoécasual)paraoconvencimentodomédico.(CORRÊA,2004,p.6)

Taiscruzamentosentreantropologia,jornalismoeliteraturaajudaramatecer, no final do século XIX e início do século XX, os trabalhos dosociólogoRobertPark(1864-1944);darepórterdoTheNewYorkWorld,Nellie Bly (1864-1922); e do escritor e jornalistaGeorgeOrwell (1903-1950). Por meio da imersão em campo, de entrevistas e de intensotrabalhodeobservação,aliadosaumaescritanarrativa,comminuciosadescrição e humanização dos personagens, eles geraram estudos ereportagens capazes de retratar paisagens, cenas e relações docotidianodedeterminadascomunidades, fossemasperiferiasurbanasdeChicago,oscorredoresdeumhospitalpsiquiátricodeNova Iorqueou os albergues de Paris e Londres. Suas técnicas e textos osaproximamdoquehojeseconhecepor jornalismo literário, jornalismonarrativo,newjournalismoujornalismoetnográfico–sendoesteúltimoo que mais carrega no nome a afinidade com o fazer antropológico.Aqui, utilizaremos o termo jornalismo literário e falaremos dessasinterconexões entre os campos, buscando problematizar seusdiferentesusosepráticasdetrabalho/pesquisa.

Travancas(2002;2014),Harrington(2003),Rovida(2015),Lago(2010),Singer (2009), Seibt (2013) e Silva (2013) são alguns dos autores queproduziramanálises relevantesapartirdeanalogiasentreo jornalismoliterário e a antropologia. Contudo, de maneira geral, ainda são

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predominantes as discussões que se voltam mais aos produtos dotrabalho de antropólogos e jornalistas literários – como relatosetnográficos e reportagens literárias, respectivamente – e menos aosmétodosepráticasempregadosporessesprofissionais-pesquisadoresem campo, ainda que um seja visto como resultado do outro. Nesteartigo, buscamos tratar justamente dos procedimentos de coleta demateriais e das experiências surgidas no encontro entre essesprofissionais-pesquisadores e as comunidades que propõem retratar.Assim,procuramosentendero jornalismoliterárioeaantropologianãocomodestinos,mascomopercursos, comopráticasedisciplinasquetêmcertospontosdecontatoecertasespecificidades.

Para Martinez (2017), é possível encontrar aparições do jornalismoliterário em diferentes momentos da história, culminando em umacaracterizaçãomaisconcretaemmeadosdoséculoXVIII.Entretanto,éapenas nas décadas de 1960 e 1970 que se dá o auge doreconhecimento desse gênero, quando autores estadunidenses comoTom Wolfe, Gay Talese, Truman Capote e Norman Mailer passam adifundir o estilo de reportagem imersivaque se convencionou chamardenew journalism.Apesardessa longa trajetória, segundoaautora, adefiniçãodojornalismoliterárionãoéconsensoentreosestudiososdotema,sejanoBrasilounoexterior.Nãoàtoa,Martinez(2017)resgataaexpressãodojornalistaeprofessorestadunidenseMarkKramer,quesereferiuao jornalismo literáriocomoumaforma“you-know-it-when-you-see-it”, querendo dizer que só é possível reconhecer esse gêneroquandoneleseesbarra.

Mesmo diante da dificuldade de elaborar conceitos precisos,diferentes autores têm discutido os traços e atributos que permeiamesse fazer jornalístico. Necchi (2009, p. 103) afirma que o jornalismoliterário se caracteriza pela fuga de “olhares pré-formatados” e pelacapacidade de romper “visões óbvias ou hegemônicas sobre a

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realidade”.Eletrazcomoelementosprincipaisdessapráticaaprofundaobservaçãoeimersãonahistóriaasercontada,possibilitandoumaricacoletadedetalhesepercepções.Pena(2007,p.48-49)acrescentaquese trata de “potencializar os recursos do jornalismo”, afrouxando asamarrasdo lide,dofatoedanovidadeparaencontrarumolharamplosobre omundo – levando em conta o recorte estabelecido. Portanto,mais do que uma forma de costurar ideias e palavras, o jornalismoliterário seria uma maneira de enxergar, vivenciar e compreender ocotidiano,mesmoqueseunomedigamaissobreseuproduto–otextojornalísticocomtraçosdeliteratura–doquesobresuaprática.

O jornalismo literário se destaca do noticioso – predominante nosgrandes veículos de comunicação – não somente em sua forma final,mas também em seus procedimentos de coleta e produção deinformações,geralmentebaseadosem longosperíodosdetrabalhodecampovivenciadospelo repórteremmeioaos lugares,personagenserelações que pretende retratar. Nesse sentido, envolve todo umconjuntodiferentedequestõesquesãocolocadasemoperaçãoquandodaproduçãodamatéria,alémdeumarelaçãoespecialqueestabelececomseusinterlocutores(sejamelesatoreshumanosounãohumanos).

Assim, o jornalismo literário constrói um caminho particular desde aescolhadapauta,passandoportodasdemaisasetapasdeprodução.Etalvez esteja no trabalho de campo o seu maior desafio e sua maiorpotência, pois sem o olhar e a escuta atentos e sem uma cuidadosacoletadeelementos (estruturaisesimbólicos),nãohánadaquepossaser transposto ao papel. Nesse sentido, Bak (2011, p. 18) faz umaconvocação:“weshouldstopreferringto literary journalismasagenre(Wolfe,Connery),orevenasaform(Sims,Hartsock),andstartcallingitwhatitis:adiscipline”.Emportuguês,“devemosparardenosreferiraojornalismo literáriocomoumgênero (Wolfe,Connery)oumesmocomoumaforma(Sims,Hartsock),ecomeçarachamá-lopeloqueeleé:uma

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disciplina”.Surge,então,anecessidadede tomaro jornalismo literárionãocomoumgêneroaprisionadoentreojornalismoealiteratura,mascomo uma terceira via capaz de percorrer brechas e desviosindependentes,aindaque inevitavelmentepermeadapor influênciasdeum campo e de outro. Por isso, neste artigo, compreendemos ojornalistaliterárionãocomoummeio-termoentreojornalistaeoliterato,mas como um profissional-pesquisador com seus próprios fins,estratégias emaneiras de estar em campo.Diante disso, cabe refletirsobresuapráticatendoemperspectivaotrabalhodoantropólogo.

Para Oliveira (2007, p. 9-10), o ofício do antropólogo se ancora na“capacidadededesvendaroudeinterpretarevidênciassimbólicas”quesirvam à compreensão do Outro – objetivo central da disciplina,segundooautor–,“sejaeleconstituídoporumasociedadediferenteoupor um grupo social distante do pesquisador que num segundomomento pode ser intelectualmente redefinido como a própriasociedade ou grupo social a que ele pertence”. A busca por talentendimentosedaria,principalmente,pelacaptaçãodasperspectivasque vêm de dentro da própria comunidade pesquisada, ou seja, pelopontodevistado“interno”(àcomunidade),do“nativo”,do“ator”.Destaforma,coletando“evidênciassimbólicas”–referentesàsformasdeser,estar e interagir, às práticas sociais e discursivas – e partindo desituaçõeslocais,seriapossívelrefletirsobrequestõesuniversaisdavidasocial.Nessemesmo sentido, Lago (2010) defendeque o trabalho decampoeaconsequenteexperiênciacomaalteridadeestiveramnabasedaorganizaçãodaAntropologiacomodisciplinaautônoma.Segundoaautora,oencontroentreoantropólogoeoOutrosecolocademaneiratão essencial que, muitas vezes, é tido como a Antropologia em si,especialmente por ser omomento da concretização do contato entresujeitoeobjeto.

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Assim como o jornalismo literário – guardadas as devidasparticularidades–,aantropologiatemcomobasedeseutrabalho,comoseuprocedimentometodológicomaisemblemático,areflexãosobreasmaneiras de ver, vivenciar e compreender a vida comum. Essa é suaestratégiaparabuscarentenderasformasparticulareseuniversaisqueos seres humanos constroem para organizar sua vida social. Tantojornalistas literários como antropólogos operam seu trabalho sendocoletores do cotidiano. São profissionais-pesquisadores que vão acampo com o olhar e a escuta atentos para coletar elementosestruturais e simbólicos da vida comum, incluindo cenas, cenários,relações humanas e não humanas, diálogos emodos de organizaçãopolíticaesocial.

ESTRATÉGIASDECOLETAGillespie(2012)argumentaquejornalistasliterárioseantropólogosse

aproximamnamedidaemqueambostêmcomoeixodesustentaçãodeseus trabalhos o período de imersão na comunidade pesquisada,período esse preenchido por entrevistas e momentos de observaçãodiretaeparticipante.Paraambos,o trabalhodecamposeestabelececomo um tempo-espaço de vivência, de encontro, de coleta depercepções e de produção de conhecimento. No campo, oplanejamento,aspautaseashipótesessãopostosàprovaconformeoOutro toma forma e se revela. Ao mesmo tempo, a proposta, antesrestrita ao papel, faz seu contato com o “real” e começa a ganharcontornos.O trabalhodecamposeria,então,umnovopartoda ideia,ondeapesquisaeasperguntassereformulam.Comoumrepórterquenão se dá por vencido quando sua pauta “cai”, e busca nosmotivosdessa queda um novo impulso para o entendimento, o antropólogodeveestarsemprepreparadoparareimaginarsua investigaçãoapartirdos referenciais que seus sujeitos de pesquisa lhe retrucam. Dessaforma, ambos produzem conhecimento a partir do contato, da

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experiênciacomunicativa,colocandoemxequeosconceitosjáprontos,produzidosnolaboratório/redação.

Paraqueconsigam,de fato, tirarproveitodaexperiênciaemcampo,tanto jornalistas literários como antropólogos necessitam de tempo.Diferentementedojornalismonoticioso,emque,duranteacoberturadeumacontecimento,basta ao repórterque visitebrevementeo referidolocal oumesmoquese informevia internetou telefone, no jornalismoliterário o profissional-pesquisador procura vivenciar o contexto a serretratado até que este se torne familiar. Gay Talese (1932-), porexemplo, investiuquasedezanosdepesquisadecamponaproduçãodolivro-reportagemAmulherdopróximo,queexploraatransformaçãodavidasexualdosestadunidensesnasdécadasde1960e70.Nocasodosantropólogos,aimersãoporlongosperíodoséaindamaiscomum,vistoquemuitosdedicamboapartedesuacarreiraàpesquisadeumamesmacomunidade.BronisławMalinowski (1884-1942),consideradoopai da antropologia social britânica e lembrado por suas longasexpediçõesparainvestigarpovosdaAustráliaeoutrasilhasdoPacíficoOcidental, defendia a necessidade do convívio contínuo entrepesquisadoresepesquisadosatéadissoluçãodasfronteirasentreeles–aindaquehojeseentendaessaquebradebarreirascomoumautopia–,nãosendosuficienteocontatoesporádicooumediado.

Vivernumaaldeiacomoúnicopropósitodeobservaravidanativapermite

acompanharrepetidamentecostumes,cerimôniasetransacçõeseacumular

exemplosdassuascrençasedomodocomosãorealmentevividas.[...]Por

outraspalavras: existemvários fenômenosdegrande importânciaquenão

podem ser recolhidos através de questionários ou da análise de

documentos, mas que têm de ser observados em pleno funcionamento.

Chamemo-lhesosimponderabiliadavidareal.Nelesseincluemcoisascomo

a rotinadeumdiade trabalho,ospormenores relacionadoscomahigiene

corporal,amaneiradecomeredecozinhar;aambiênciadasconversaseda

vidasocialemvoltadasfogueirasdaaldeia,aexistênciadefortesamizades

ouhostilidadeseosfluxosdessassimpatiasedesagradosentreaspessoas,

omodosubtilmas inequívococomoasvaidadeseambiçõespessoais têm

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reflexossobreocomportamentodo indivíduoeasreacçõesemocionaisde

todososqueorodeiam.(MALINOWSKI,1978,p.31,grifodoautor)

Importante ressaltar, entretanto, que o campo pesquisado nemsempre é um universo distante dohabitat natural do antropólogo. Damesmaforma,oOutronemsempreéculturalmenteougeograficamentedistante. Há muito a antropologia deixou de ser uma ciênciapredominantemente voltada aos estudos sobre comunidades exóticasdo ponto de vista étnico, racial e cultural – em geral a partir daperspectivadohomembrancoocidental –, eexpandiu-seaquaisquerpopulações, inclusive urbanas. O Outro – e, consequentemente, ocampo – pode estar dentro da instituição em que trabalha oantropólogo.Nessecaso,eleemergecomoOutronumaproduçãodadapelopróprioexercíciodepesquisadedesnaturalizaçãoedeproduçãodeestranhamentos.

Omesmo ocorre no jornalismo literário: o campo e o Outro podemestardentrodaredaçãoemquetrabalhaorepórter.Essadeterminaçãodo sujeito de pesquisa ou do sujeito da reportagem não lida comessências,comdiferençasquepossamsercolocadascomoexistentesemumamaterialidade,deslocadadoscorposqueproduzemapesquisaouareportagem.Elasefazjustamentepelotrabalhoexercidooupassaatersuaexistênciasocialreconhecidaapartirdeleepormeiodele.Ditoisso, tantono jornalismo literáriocomonaantropologia,nota-sequeocamposóse tornacampoeoOutrosóse tornaOutroquandovistospelalentedoprofissional-pesquisador.Issosignificaentenderocarátercultural e social da diferença, para poder operar sobre ela ou apesardela, em movimentos de aproximação daquele que é tido comodiferenteoudedistanciamentodaquelequeénaturalizadocomoigual.Assim, se produz um conhecimento capaz de criar pontes deentendimentocomotidocomoincompreensível,damesmaformaquepermitereimaginaroqueétidocomonatural.

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Nesse percurso, cada profissional-pesquisador opera técnicas eprocedimentos de trabalho levando em conta sua subjetividade e seumodode interagircomoOutro.Para facilitaromergulhonocampo,écomum que jornalistas e antropólogos contem com o auxílio de um“informante”, indivíduo pertencente à comunidade pesquisada quepossa não apenas estabelecer as pontes de contato entre oprofissional-pesquisadoreoOutro,masquetambémofereçaum“olharde dentro”, um guia por entre os significados e experiênciasencontrados em campo (Cf. ROVIDA, 2015). Com isso, busca-sedesconstruiroolharestrangeirodoprofissional-pesquisadorequebrar–oquanto forpossível – asbarreiras linguísticaseculturais,permitindoemergir um espaço de mediação e diálogo social, como nomeiaCremildaMedina(1996),quetratamaisespecificamentedojornalismo.Paraaautora,àmedidaqueojornalistasededicaaobservar,perceber,interpretarenarraracomplexidadedo“real”,eleadquireoscontornosdeumleitorcultural.Medinadescreveessamissãoemquatroatos:

Oatojornalísticoexigeumolharsutileindiscretodoleitorcultural;umavisão

complexa apta a recolher a polifonia e a polissemia do contexto sócio-

cultural [sic]; e a relação dinâmica entre eu e o outro. No ato analítico,

decifrador, são fundamentais o amplo repertório mítico, aptidões

transculturaiseosmotípicas,bemcomoaclarezaqueelucidecaminhosde

ruptura.Aodesembocarnoatoexpressivo,mobilizam-seacompetênciade

narrador; fluência e regência de vozes; precisão, coerência e polissemia

sintética da palavra-revelação. Um quarto e último princípio norteador

propõe, após a interpretação (decifração) de determinada situação, a

incorporaçãoaoprocessodemediaçãosocialdeumanovacompreensãode

realidade.(MEDINA,1996,p.33)

Apesar de direcionada ao trabalho do jornalista, a ação do leitorcultural trabalhadaporMedinapossui elementosque se estendemaofazerantropológico,guardadasasdevidasparticularidadesdecadaumdoscampos.Nessesentido,vê-sequeasequênciadequatroatostemcomopontodepartida–eatémesmocomoessência–o trabalhodecampo, o encontro com o Outro. É nesse tempo-espaço que os

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profissionais-pesquisadores conduzem a coleta de elementosestruturaisesimbólicos–ouacoletadocotidiano–,lançandomãodetécnicaseprocedimentosemalgumamedidasemelhantes,geralmentecombinando observação direta, observação participante e entrevistas,moldadasconformeosobjetivoseocontextodotrabalhodecadaum.Atrelado à coleta, o registro desses materiais costuma ser feito emarquivos de vídeo, gravações sonoras e/ou na forma de diário (Cf.SINGER,2009),documentosessesque,maistarde,servirãodeapoioàtarefa de descrição, interpretação e compreensão da comunidadepesquisada.

Enquanto os elementos estruturais correspondem aos modos deorganização social, política e cultural de determinada comunidade, oselementossimbólicosestãorelacionadosa interaçõeserelações–porexemplo,entreumindivíduoeoutroouentreacomunidadeeoterritório– que não estão necessariamente postas ou visíveis. A coleta dessesingredientes exige que o profissional-pesquisador utilize os cincosentidos para captar gestos, tonalidades, temperaturas e ruídos. Noexcerto a seguir, Necchi exemplifica os elementos simbólicos cujapercepçãoéessencialao jornalismo literárioetambémàantropologia,visto que permitem apreender novas dimensões da relação entre oOutroeseuentorno:

Além do visto, o não-visto – pensamentos, sentimentos, emoções – é

descrito a partir de um trabalho de campo efetivo, de uma apuração

vigorosa,deumaentrevistapautadapelo tempo farto,pelaatençãoepela

acuidade. Os sentidos do repórter se encontram permanentemente alertas

naleituradosacontecimentos–sejaumacoresmaecida,umsoproquente,

um aceno interrompido, uma textura áspera, um aroma inesperado, um

suspiroqueseliberta,umrangerintermitente.(NECCHI,2009,p.103)

Além da coleta do simbólico, é essencial ao trabalho de campo deambososprofissionais-pesquisadores a coletadediscursos, feita pormeio de entrevistas. Enquanto o antropólogo emprega técnicas de

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entrevista em profundidade, validadas cientificamente e bastantepresentes nas ciências sociais, o jornalista literário lança mão deestratégias próprias da tradição jornalística – em que se buscarespostasparaperguntaspreviamenteimaginadas–,porémdemaneiramais aprofundada, aberta e flexível do que se comumente se faz nojornalismo noticioso. Em ambos os casos, busca-se capturar doentrevistado um discurso não ensaiado, não oficial. Procura-se, maisumavez,coletarocomum,ocotidiano,emmeioàsdiferentescamadasdispostas.Poressemotivo,asentrevistas,emgeral,sãorealizadassemum roteiro fixo e baseadas em questionamentos amplos, podendodemandar horas ou dias de trabalho. Travancas ressalta que asperguntasnãodevemcolocaropesquisadornumacamisadeforça:

Aprincípio,tudoqueestásendoditointeressaeéimportanteporqueajuda

nacompreensãodoentrevistado,dogrupoaquepertenceedaslógicasda

sua cultura. Neste tipo de entrevista, o pesquisador não visa inquirir seu

entrevistado, não julga seu discurso, suas atitudes, suas escolhas. Ele

escuta.(TRAVANCAS,2014,p.21)

Nessa mesma perspectiva, falando especificamente do jornalismoliterário,Martinez (2008,p.122)defendequeorepórterdeveseportarcomo um ouvinte compreensivo e ativo – como fizeram e fazem,segundo a autora, o estadunidense Joseph Mitchell (1908-1996) e obrasileiroJoséHamiltonRibeiro(1935-)–,capazdeestabelecercomoentrevistado uma relação de entendimento mútuo. A autora aindadestaca a importância de registrar, quando possível, diálogos que sedãoentreosprópriosmembrosdacomunidadepesquisada,demodoaretratar interações ocorridas sem a intervenção do repórter. Sãoorientaçõesválidastambémaoofíciodoantropólogo.

Também tratando de técnicas e procedimentos de entrevista, Silva(2013) explica que, tão importante quanto elaborar as perguntas eescutarasrespostas,écaptartudooqueaconteceaoredor:oespaço

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emquesepassouaconversa,osomambiente,a linguagemcorporaldoentrevistado,eatéasemoçõesprovocadasnopróprioentrevistador,que é parte indissociável do quadro. Gonçalves e Medina (2018)acrescentam a essa ideia o conceito de signo da relação (MEDINA,2006,p.X) ,que indicaodeslocamentodarelaçãosujeito-objetoparasujeito-sujeito, dando relevo à capacidade do jornalista em produzirmediação-autoria, trazendo as múltiplas vozes do cotidiano e ossignificadoshistórico-culturais.

DeacordocomHarrington(2003,p.93),ojornalista,aolongodesuacarreira,aprendeasentirodesconforto,adoreaalegriaapenaspelotom de voz ou pelo ritmo de um gesto. Também aprende a fazerperguntas que outros jamais fariam porque sabe que determinadasrespostassãonecessáriasparacriaracadência,atexturaeaatmosferadahistória,alémdetrazeremelementosinformacionaisque,traduzidosna reportagem, levarãoaopúblicoconhecimentos,visõesdemundoeprazer de leitura.ParaHarrington, essas são algumasdas habilidadesqueojornalismopoderiaofereceràantropologia.Esugereiralémdisso,convocando antropólogos a construírem textos cuja estrutura sejalaboriosa para o autor, e não para o leitor – até porque, com este, oautordialogaapartirde todoumconjuntodeobras jápertencentesaseurepertóriocultural.

[...]vocêdeveirmuitoalémdeconstruirboasfrasespararenderizarcenas,

capturar ação, selecionar detalhes, evitar o melodrama, moldar o material

sem distorcê-lo, não ser muito óbvio, não ser muito obtuso, equilibrar

adequadamenteoparticulareouniversal,impondotemasquelegitimamente

emergemde sua reportagem, estruturandohistóriasparaqueapercepção

emerja,aaçãoseconclua,ospersonagensmudemeatensãosejaaliviada.

Estessãotodosdesafiosdeescritaquetrazemgrandesimplicaçõesparaa

reportagem,eos jornalistas literários têm lutadocomeleshámuito tempo,

construindo sobre os trabalhos uns dos outros por décadas. Em 1939,

JamesAgee(2000)queriaqueLetUsNowPraiseFamousMenevocassea

cadência da Bíblia. O internacionalmente famoso correspondente da

Segunda Guerra Mundial Ernie Pyle escreveu histórias com o ritmo

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interessantedeHemingway.JohnHersey(1989)modelouHiroshimaemThe

Bridge of San LuisRey, de ThorntonWilder (1998).Gay Talese reportou e

escreveu artigos como seu famoso perfil de Frank Sinatra para a Esquire

para imitaraconstruçãocenaacenadeum romance.JonFranklin (1994),

autor do influente manual de jornalismo literário Writing for Story, e duas

vezes vencedor do Prêmio Pulitzer, emprestou o modelo de resolução de

conflitos dos contos em seu jornalismo. (HARRINGTON, p. 97, tradução

nossa.)

Em suma, jornalistas literários e antropólogos devem vivenciar ocampoatentosaquaisquerpercepçõeseimpressõesnãoapenasparaque capturem os elementos necessários a sua própria compreensãodaqueleuniverso,mas tambémparaquepossam,ao finalda jornada,compartilharseusachados.

ASERVIÇODEQUÊ?DEQUEM?Seasaproximaçõesentreotrabalhodecampodoantropólogoedo

jornalista literário se dão por conta de suas tarefas imediatas – aobservaçãoeaescutadoOutroeacoletasimbólicadocotidiano–,osdistanciamentos se dão em razão dos papéis sociais, estruturas deprodução e condições de trabalho distintas que cada um dessesprofissionais-pesquisadorescarrega.Acimadetudo,umestáaserviçoda construção de um conhecimento circulado como científico e outroestá a serviço do jornalismo e da informação. Um responde a suainstituiçãodepesquisae/ouasuaagênciadefomento,estandosujeitoaos padrões e cobranças de produtividade científica. O outro devesatisfaçãoàempresajornalísticaoueditoraparaaqualtrabalha(comofuncionário ou freelancer), estando submetido à linha editorial e aosmecanismos de arrecadação daquele jornal, revista ou site. Aspesquisas de ambos visam, também, uma legitimação social, oreconhecimento de seus pares – a comunidade científica ou o meiojornalístico – e, se possível, do restante da sociedade. Esses vínculossãoinevitavelmentelevadosparaocampoeinfluenciamoqueacontece

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nele,demonstrandoafragilidadedajábastanteproblematizadaideiadeneutralidade, tanto na ciência como no jornalismo. Nas palavras deTravancas:

Aantropologiaeojornalismoproduzemdiscursosemcondiçõesparticulares

e estas não são nem cultural nem socialmente neutras, ainda que nem

sempreseprocureenfatizaresteaspecto.C.Geertz (1978)afirmavaserem

asetnografias ficções,nãopelo fatodeserem“falsas”,masnosentidode

serem“algoconstruído”.(TRAVANCAS,2002,p.3)

A escolha do objeto a ser pesquisado, ainda que seja uma etapacumprida previamente, é um dos principais elementos a influenciar otrabalhodecampodo jornalista literárioedoantropólogo.Enquantooantropólogodevejustificarcientificamentesuasescolhasearelevânciadesuapesquisa tendoemvistaoestadodaartedaáreaeo impactosocial do estudo proposto, o jornalista literário deve garantir que seutrabalhoseja vendável, de interessepúblicoede interessedopúblico(Cf. NEVEU, 2006), buscando, quando possível, trazer novidades,mesmoqueapautapermitaumaabordagemmaisamplae“fria”.Oqueo repórter faz emcampo visa, no limite, a satisfaçãodopúblico-alvo,sejacomometaconcretaverificávelpelavendadoseuproduto,sejaapartirdeumaprojeçãodoeditor.Nessesentido,Harringtonargumenta:

No entanto, jornalistas continuam comprometidos com a ideia de que seu

compromisso final é para com os leitores. [...] Como jornalistas, não

justificamos o que fazemos com referência à expansão de um corpo de

conhecimentoouaodesenvolvimentode teoriaspreditivasdasociedadee

do comportamento humano. De fato, a fraqueza dos jornalistas, como

Randolph Fillmore disse, é que eles raramente colocam os indivíduos que

capturam tão bem em um contexto cultural. […] Nós nos concentramos

apenasemdescobrireregistrarumadescriçãoeumacompreensãoprecisas

esignificativas.Nósatendemosàsnecessidadesda“história”.Fazemosisso

porquesomostambémartistas.Aspessoasnãosãoobrigadasairaonosso

show.Elasnãosãoobrigadasalernossosartigos.Devemosfazê-lasquerer

lernossosartigos.(HARRINGTON,2003,p.100-101,traduçãonossa.)

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Diantedisso, é razoável supor que, demaneira geral, o antropólogolidemaiscautelosamentecomsuasquestõesmetodológicasduranteotrabalho de campo, visto que, mais tarde, essa transparência serácobrada pela comunidade científica. Ambas as disciplinas possuemcertasnormasessenciaiseprocedimentosclássicosparaocampo,masenquantoaetnografiatememseuhorizonteaproduçãodeumtrabalhocientífico – ainda que hoje isso esteja bastante em xeque dadas asdiscussõessobreos limitesda representação (Cf. INGOLD,2011)–,ojornalismoliteráriopretendejustamentesedistanciardoobjetivismodojornalismoclássico,flertandocomaliteratura.Grandepartedotrabalhoeda formaçãodoantropólogosedá– talvezexcessivamente– sobrequestõesdemétodoeprocedimentos, sendobastantecobradosobreissoporseuspares.Poucaatençãoédadasobreoquantooprodutofinal de seu trabalho poderá dialogar com o público para além dosmuros da academia. Ao contrário, o hermetismo por vezes acaba setornando um recurso barato, às vezes produzido inconscientementecomofrutoindesejadodotreinamentorecebido,parasimularerudiçãoeproduzirbarreirasqueprotejamoautordecríticasmaisampliadas.

Nocasodo jornalismo literário,demaneirageral, somentechegaaoleitororesultadofinaldetodootrabalho,ficandoàescolhadorepórterrevelarounãoosdetalhesdeseuprocessodeprodução.Seojornalistaeoveículoparaoqual trabalhativeremcredibilidadeentreos leitores,estes subentenderão que aquela reportagem foi produzida de acordocomumametodologia sólidaecomosprincípiosdaética jornalística,aindaqueessespreceitosnemsempresejamsuficientementetratadosao longoda formação jornalística.Nessaperspectiva,sugerindoqueojornalismo também tem a aprender com a antropologia, Harrington(2003,p.90)afirmaquejornalistasnãosão

treinadosemmétodosdepesquisaformaisouteorias.[...]Muitosjornalistas

assumem que têm uma dívida com as aulas introdutórias de antropologia

que tiveram na faculdade, onde foram apresentados às infinitas

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possibilidades de histórias embutidas na vida cotidiana das pessoas.

(HARRINGTON,2003,p.90,traduçãonossa)

Contudo,hádeserelativizaraênfasequeHarrington,notrechoacimacitado,dáàfaltadetreinamentometodológicodojornalista,aomenosquandoseobservaagraduação típicabrasileira.Embora–eesteéoargumentoaqui–existamdiversospontosdecontatopossíveisentreametodologia antropológica e a prática de pesquisa do jornalismoliterário, esse diálogo é praticamente ausente dos currículos tanto dacomunicação social como da antropologia. Isso porque o jornalismoclássico desenvolveu suametodologia particularmente tendo em vistapadrões de objetividade, imparcialidade e isenção caros ao trabalhonoticioso, factual. E, quando busca se aventurar em textos de outraordem,emgeralsepreocupamaiscomaqualidadeestéticadoprodutofinal, deixando de refletir sobre a ideia de que diferentes e maishumanísticaspráticasdepesquisasão igualmenterelevantes, inclusiveparaoconteúdodamatériaquesebuscaproduzir.

Alémdas questões éticas existentes entre o jornalista literário e seuleitor,eentreoantropólogoeacomunidadecientífica,outradiscussãoemerge quando se leva em conta a relação entre os profissionais-pesquisadores (antropólogos e jornalistas literários) e a comunidadepesquisada (oOutro). Aprincípio, tanto jornalistas comoantropólogosprecisam esclarecer às suas fontes quais são as finalidades e osmétodosdotrabalhoquepropõem,alémgarantiroconsentimentoparao uso de registros em áudio e imagem. Entretanto, se por um lado oantropólogo pode discorrer sobre seus entrevistados através depseudônimos nos relatos etnográficos, de modo a protegê-los namedida do possível, por outro, o jornalista precisa dar nome esobrenome reais a suas fontes, salvo raras exceções, para que suareportagemtenhacredibilidadeentreosleitores.

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Vale ressaltarque,no jornalismo,nemsempreoOutroéumsimplespersonagem do cotidiano. Grandes celebridades e políticos já foramretratados pelo jornalismo literário, especialmente em textos do tipoperfil, dedicados a mostrar faces desconhecidas de pessoas jáconhecidas do público. Exemplos disso podem ser encontrados narevista brasileira piauí e na estadunidense The New Yorker. Nojornalismo literário, é importante referenciar as fontes, especialmentequandosetratadepessoaspúblicas,masseentendeessessujeitosemsua humanidade, suas vulnerabilidades e dúvidas. É justamente ovislumbrardascontradiçõesdessessujeitosquevaipermitiroprocessode comunicação da complexidade da história, em seus diferentespontosdevistaedesenvolvimentosnotempo.

Assim,enquantonojornalismoliterárioareferênciaàsfontescumpreafunção de permitir a checagem do “verdadeiro” e a identificação defiguras(públicasounão),naantropologia,elaapenasacontecequandonão coloca em risco os sujeitos de pesquisa. Essa diferença estárelacionada a questões de fundo cuja análise nos permite, inclusive,afirmar a posição do jornalismo literário num entremeio. O jornalismonoticiosolidacomumaverdadefactualque,emtese,poderiaedeveriaserverificadapelaconfirmaçãodaquilofoiditopelasfontes.Justamentepor isso, enxerga o dito (e os dados) como informações inteiramenteobjetivas, fazendocomquequalquercontradiçãosejavistacomoumafalsificação – uma mentira do jornalista ou da fonte. Já para aantropologia,o“quem”,aquelequeforneceua informação,temmenorrelevância: o importante é analisar se o que foi dito ou apurado emdeterminadocontextopermitealgumtipodedesdobramentoteórico.

Por fim, um último aspecto a ser comparado é a profundidadealcançada pelos trabalhos de campo do antropólogo e do jornalistaliterário. Uma vez que o antropólogo vai a campo com o objetivo depropor ou questionar teorias acerca de determinada comunidade,

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originando ummaterial científico descritivo e interpretativo, espera-sequeessepesquisadordediqueumlongoperíodoàvivênciaeàscoletasem campo, muitas vezes abrindo mão de outros projetos. Não sãopoucos os antropólogos que passaram anos estudando uma mesmapopulaçãoougrupo.Demaneirageral,essadisponibilidadede tempopermite aos antropólogos mergulhar mais profundamente em seustrabalhosdecampoeexplorarseusobjetosmaisamplamentedoquefazemos jornalistas literários,que frequentemente têmde lidar comapressãodadeadline–aindaquesejadeumlivro–erealizarmúltiplasreportagenssimultaneamente.Oproblemaémaior,obviamente,paraosjornalistasque trabalhamem jornais, revistasousites.Aquelesqueseconcentramnapublicaçãodelivros-reportagens–GayTalese(1932-)eSvetlana Alexijevich (1948-) são alguns dos exemplos – costumamusufruirdemaishoras,diasouanosemcampo.

CONSIDERAÇÕESFINAISNeste artigo, buscamos identificar semelhanças e distinções entre o

trabalho de campo realizado pelos jornalistas literários e pelosantropólogos ao longo da produção da reportagem literária e doconhecimento científico, respectivamente. Aqui, tratamos o jornalismoliterário não como umgênero textual entre o jornalismo e a literatura,mas como uma prática que, apesar de guardar elementos de suasorigens, tem construído um caminho autônomo, com processosparticulares que vão desde a escolha da pauta até a entrega domaterial, tendo no trabalho de campo a sua maior potência. Sem osprocedimentosdecampoadequados,baseadosna imersãoatenta,naescuta e no olhar apurados para compreender e estabelecer relaçõescomoOutro,orepórternãoconsegue,posteriormente,darvidaaumareportagemnarrativa, aprofundada e complexa – ainda que elaboradaemlinguagemsimples,paraograndepúblico.

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Ao chamá-los de coletores do cotidiano, entendemos jornalistasliterários e antropólogos como profissionais-pesquisadores que sededicam a perceber e compreender comunidades – incluindo atoreshumanos e não humanos – a partir da coleta de elementos da vidacomum, sejam eles estruturais ou simbólicos. Foi possível notar que,enquantoassemelhançasentreumeoutrosedãonousodastécnicasdeentrevista edeobservaçãodireta eparticipante –mesmoquenãoformalizadas como metodologia no trabalho do jornalista –, asdistinções aparecem de maneira mais intensa quando analisadas asfunçõessociaisdessesdoistiposdeprofissionaisesuasamarrascomrespectivos empregadores ou financiadores, com seus pares e comseus leitores. Em ambos os casos, nota-se que os procedimentosaplicados em campo são, inevitavelmente, atravessados porvinculaçõesexternasepelosobjetivosdapesquisa.

Acreditamos que as pontes entre as duas áreas podem sermutuamentebenéficas,oque indicaumcaminho interdisciplinar a serexploradotantonoscursosdecomunicaçãocomodeantropologia.Há,ainda, a possibilidade de se constituir intermeios desses intermeios:trabalhos que eventualmente consigam incorporar o rigor reflexivo emetodológicodaantropologiacomaqualidadeartísticae investigativado jornalismo literário poderiam se constituir como obras quesimultaneamente avancemo conhecimento antropológico e produzamnarrativasjornalísticasdegrandeapelojuntoaopúblico.

Lago (2010) ressalta que o olhar da antropologia pode ajudar aconstruirumjornalismoquesejacapazdeincorporaroOutroemtodaasuacomplexidade,habilidadepoucofomentadanãoapenasnagrandeimprensa, mas também nos cursos de Jornalismo brasileiros. Naspalavrasdaautora:

AantropologiatemmuitoanosensinaremtermosdepercepçãodoOutro.

Não tanto por ser o lócus de gestão da alteridade enquanto construção

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científico-social, mas por ter sedimentado em seu campo uma antiga,

extensaeprofundareflexãosobreaslimitaçõesquandooqueestáemjogo

éoconfrontoentrediferentes.(LAGO,2010,p.169)

Nesse sentido, consideramos que a discussão entrecruzada com aantropologia pode contribuir para o percurso de consolidação dojornalismo literário como uma disciplina legítima e autônoma,reconhecida no âmbito acadêmico não apenas como subárea dosestudos literáriosoudacomunicação,mascomoumaviacomtraços,práticas e objetivos próprios. É evidente que esse amadurecimentorequerencontrarteoriasemetodologiaspróprias,noentanto,entendera antropologia como parceira e como inspiração podemotivar novoscaminhosdeinvestigaçãoepráticaparaojornalismoliterário.

Por fim, ressaltamos que outras comparações entre o jornalismoliterário e antropologia certamente apareceriam caso se alargasse ofocopara alémdo trabalho de campo – o que não é o escopodestetexto–,observandoecomparandoempiricamentetambémmotivaçõese processos de produção, de pesquisa e de escrita vivenciados poresses profissionais-pesquisadores nas demais etapas de seu cicloprodutivo.

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RESUMO:Jornalistasliterárioseantropólogosvãoacampocomferramentasebuscasemcomum.Ambosusam a escuta e a observação para estabelecer contato com oOutro – o grupo pesquisado – e, assim,identificar,compreendere interpretar relaçõesecenascotidianas.Apesardasproximidades,acondutadecadaumdelesemcamposofreinterferênciasdevidoaparticularidadescarregadasnabagagem:condiçõesde produção, vínculos de trabalho, papéis sociais, princípios metodológicos, ética profissional ecompromissocomoprodutofinal–apesquisacientíficaouareportagemliterária.Nesteartigo,levantamosumareflexãoteóricaacercadasconexõesecontrastesentreotrabalhodecampopraticadopelojornalistaliterárioepeloantropólogo.Aomesmo tempo,buscamos refletir sobreoquecaracterizacadaumdessesprofissionais-pesquisadoresesuasrespectivasdisciplinas.Paratal,sãoexploradosautorescomoHarrington(2003),Martinez(2008;2017),Lago(2010),Brandão(2007),Travancas(2002;2014)eGillespie(2012).PALAVRAS-CHAVE:Jornalismoliterário.Antropologia.Trabalhodecampo.Reportagem.Etnografia.

ABSTRACT:Literaryjournalistsandanthropologistsconducttheirfieldworkwithsimilartoolsandgoals.BothuselisteningandobservationtoestablishcontactwiththeOther-theresearchedgroup-andthusidentify,understandand interpret everyday interactionsandscenes. In spiteof the similarities, their conduct in thefieldsuffers interferencedue tocertainparticularitiesofeachoneof them: theconditionofproduction, theprofessional relations, the social roles, the methodological principles, the professional ethics and thecommitment to the finalproduct– thescientific researchor the literary reporting. In thisarticle,we raiseatheoretical reflection about the connections and contrasts between the fieldwork practiced by literaryjournalists and anthropologists. At the same time,we seek to reflect onwhat characterizes each of theseprofessional-researchers and their respective disciplines. For this purpose, we explore authors such asHarrington(2003),Martinez(2008;2017),Lago(2010),Brandão(2007),Travancas(2002;2014)andGillespie(2012).Keywords:Literaryjournalism.Anthropology.Fieldwork.Reporting.Ethnography.

[1] Este texto foioriginalmentepublicadona revistaBrazilianJournalismResearch, v. 14n. 3,2018.

[2] Rafael Evangelista é doutor em Antropologia Social (Unicamp, 2010) e pesquisador doLabjor/Unicamp.E-mail:[email protected].

[3]BeatrizGuimarãesdeCarvalhoégraduadaemComunicaçãoSocial(PUC-Campinas,2016)emestrandanoLabjor/Unicamp.E-mail:[email protected].

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COMUNICAÇÃO,CIÊNCIAEDIVULGAÇÃODOSCONFLITOSSOCIOAMBIENTAISNOBRASILCommunication,scienceanddisseminationofsocio-environmentalconflictsinBrazil

EdvanLessadosSantos[1]

AntonioCarlosRodriguesdeAmorim[2]

INTRODUÇÃOConflitos de interesses entre diferentes setores são processos

esperadosdentrodoregimedemocrático,masétambémesperadoquedealgummodoessespossamsersuperadospormeiodealgumtipodedeliberação(Cf.TORO;WERNECK,2007,p.33e34).Apersistênciadosconflitoscommaiorgraudedanoaumadaspartesenvolvidas,porisso,tende a chamar atenção, sobretudo quando a quebra de braçodesproporcional nos indica que determinadas conformações carecemde serem revistas para que grupos não hegemônicos ocupem seuslugaresenãosejamdescartadosedevastados.

O conflito em sociedade pode, desse modo, indicar que algo nocontextodasrelaçõesgrupais/interpessoaisprecisaseralterado.Algunsautores das ciências sociais consideram, pois, um potencial criativoimanente aos conflitos, no sentido de que podem vir a transformar a

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sociedadedeumamaneiraoudeoutra.AComissãoPastoraldaTerra(CPT) e a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) consideram osaspectos mais controversos dos conflitos, não os aceitando comoocorrênciasnaturaise,sim, frutodetensõesarbitrárias–muitasvezesevitáveis.

AtravésdosmapeamentosrealizadosporFiocruzeCPT,notamosqueosconflitossocioambientaissão retratadosdopontodevistadesuasconsequências nocivas para povos do campo e, em menor grau,pessoas em zonas urbanas. Muitas vezes porque projetos dedesenvolvimento econômico ou políticas públicas salientam asdiferentesvisõesdesujeitosemrelaçãoàapropriaçãodebensnaturaisouconstrangemseusmodosdevidatradicionais.

Postoisso,ediantetambémdaimportânciadeaslutasseremtrazidasapúblico,nestetrabalhonosdedicaremosaobservarcomoaCPTeaFiocruzorganizamumanarrativaapartirdelivrosimpressoseummapadisponibilizado online. Apresentaremos[3] uma estrutura possível paraestanarrativa,separandoosseusargumentosem“etiquetas”chamadasde: “situacionalidade”, “representatividade”, “vulnerabilidade”,“cientificidade”, “religiosidade” e “papel da imprensa”, as quais nosindicam a existência de uma história sobre as lutas por recursosnaturais.

Essas etiquetas expressam que saberes canônicos, notadamentereligião e ciência, operariam para legitimar as narrativas e,consequentemente,a lutadaspopulações,quasesempre invisibilizadapela imprensa – outro âmbito destacado nas narrativas. Osmeios decomunicação, nesse contexto, atuariam como antagonistas deinteresses democráticos de povos e comunidades tradicionais e, aomesmo tempo, fontedestacadapor,vezououtra, repercutircasosdeconflito,talcomoofazemosCadernoseoMapa.

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Nessas histórias que vão sendo narradas, a crise da água, porexemplo, inflamaria os casos relatados de conflitos, e as estatísticasrobustas – expressas em tabelas, gráficos, esquemas visuais, etc. –seriamomododeapresentaredimensionaraquantidadedecasosporfatormotivador,região,dentreoutros.Entretanto,osnúmeroscoletadose interpretados por ativistas e especialistas – em alguns casos,pesquisadores–são,comoseconstatará,questionadospelasprópriasinstituiçõesqueoselaboram:oquenosmotivaaperguntarsemostrame também/ou ocultam os rostos das populações envolvidas nosconflitos?

Para realizar este trabalho, analisamos 14 edições dos relatóriosConflitosnoCampoBrasil,daCPT,edoMapadeConflitosdaFiocruz,percorrendo páginas impressas e virtuais tentando “etiquetar” asnarrativaseidentificandoaspectosimplícitoseexplícitosnostextosquedivulgamosconflitosporrecursoshídricosetentandoespecularoqueessanarrativaproduziria.

SOBREOSCONFLITOSConformeGaltung (1996), cada conflito pressupõe uma contradição,

algoqueestánocaminhodealgomais,oqueparaeleéumproblema.E é justamente um problema a ser resolvido que, segundo o autor,poderia servir como forçamotora para atores individuais ou coletivos(Cf.GALTUNG,1996,p.70).Outros teóricosdiscordamespecialmentedaideiade“problema”vinculadaaestaafirmação.

JáaautoraLúciaFerreira (2005,p.105)problematizaque talvezporestarem na constituição de problemas ambientais, “conflito” e“problema” foram confundidos como sinônimos. Em nossoentendimento, apoiados em Valencio e Zhouri (2013), o conflitoenvolvendo recursos naturais tem como ponto de partida o processosocialeaexistênciaderelaçõesentresujeitossociaisindissociadosdo

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meioemquehabitam.Poressemotivo,constrangimentosqueinfrinjamou criem mazelas para as pessoas em/e ambientes constitutivos deseusmodosdevidanãosãonaturalizados.

ConformepropõeaCPT,pordefinição,conflitossão:

[...] as açõesde resistência e enfrentamentoqueacontecememdiferentes

contextossociaisnoâmbitorural,envolvendoalutapelaterra,água,direitos

e pelos meios de trabalho ou produção. Estes conflitos acontecem entre

classes sociais, entre os trabalhadores ou por causa da ausência ou má

gestãodepolíticaspúblicas.(CPT,2016,p.13).

No caso da Fiocruz, estudamos a edição de seu livro InjustiçaAmbiental eSaúdenoBrasil:OMapadeConflitos (2013)para realçarcomo estão articulados os conceitos de conflitos sob os quais seorganizam os casos do Mapa de Conflitos, disponível na internet. Oconflito,paraaFiocruz,estárelacionadoaoconceitodejustiça.Injustiçae discriminação estariam, então, entre as causas primeiras dessasdisputas.CombaseemFuntowicz&Ravetz (1997), conflitos,alémdevalores e incertezas, caracterizamosproblemas socioambientaismaisgraveseurgentesdanossaépoca.

Para a justiça ambiental, nos indica a Fiocruz (2013), reconhecersomente dificuldades e injustiças enfrentadas pelas populaçõesatingidas pelos conflitos não é o bastante. Faz-se necessáriotransformá-las em questões concretas, motivos de ação etransformação conscientes e organizados por parte, tanto daspopulaçõesafetadas,quantodasociedadeemgeral.

Somente deste modo haveria política para enfrentar os problemas.Isto é, na medida que problemas sejam explicitados e reconhecidoscomoembatesouconflitosquerefletemosdiferentesinteresses,visõesdemundoeprojetosdedesenvolvimentoemdisputa(Cf.LEROY,2013,p.16).

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OSCADERNOSDECONFLITOSDACPTO Caderno de Conflitos é uma publicação organizada em moldes

acadêmicos.Analisamosasediçõesde2002a2015,publicadasentre2003 e 2016. A escolha do ano inicial se deu pelo fato de este ser omomentoemqueaPastoraldaTerra iniciavaum trabalhoconsistentede registro,divulgaçãoedenúnciadeconflitospelaáguaBrasil afora.Em 2016 (Conflitos no Campo Brasil 2015), temos os recorrenteselementosnarrativosobservados,mastambémumtextoquedemarcaaparceriaentreCPTeFiocruz.

Figura1.CapasdasediçõesdocadernoConflitosnoCampoBrasil.Fonte:CPT.

Na condição de ação pastoral, a CPT tem sua raiz e fonte noEvangelho.Aindaassim,sãoaplicadosprocedimentosemetodologias,conceitosetemáticasqueenvolvemasequipesdedocumentaçãoeosagentesdebasedaCPT,bemcomomovimentossociaisqueatuamnoespaço rural. Alguns conceitos publicados no livro anual foramassumidos a partir da sua presença em leis, declarações, estudos ecensos,conformenosindicamosseusautores.

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Osdadosorganizadosemtabelas,gráficosemapassãooriundosdeformulários temáticos.Tais formulárioscompõemabasededadosdaCPT e contêm informações detalhadas sobre cada situação. Essesformuláriossãopreenchidosporagentesdapastoralecontêmdetalhessobreasituação,comoasfichasdaFiocruz,massóficamdisponíveisparaconsumointerno.

Figura2.Páginasdaseção“Água”doCadernodeConflitos2015.Fonte:CPT.

AdocumentaçãodaCPT,pois,consideraedistingueseisdimensõesnasuapublicação.Nocasodadimensãoteológica,porque:

[...]deacordocomatradiçãobíblica,Deusouveoclamordoseupovoeestá

presentena lutadostrabalhadoresetrabalhadoras (Ex3,7-10).Esta lutaé

emsimesmaumritualcelebrativodestapresençaedaesperançaqueanima

opovo.(CPT,2012,p.9)

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A divindade é “invocada”, como dissemos, a estar com o povo docampoecomaquelesqueestãoaoseuserviço.Semessespastores,os dados não estariam publicados; são eles que sentem na pele osofrimento das pessoas e transformam em números o grito de dor,muitasvezesabafado,queseerguedochão,da terra,das florestasedas águas. Além do sofrimento escondido nos números, há “acompaixão, indignação e raiva em nosso coração de ‘pastores epastorasdaterra’ [...],movidosemovidaspelafidelidadeaoDeusdospobresenacertezaquea terradeDeuséparaavidade todosedetodas”(GALLAZZI,2014,p.63-64).

O caráter religioso tem, ainda, a missão testemunhal e profética aserviço dos pobres da terra. Uma vez que se apropriou da árvore davida,a“sociedadehumanaconseguiupôremdesequilíbrioaCriação.Aterra é só uma e os recursos são finitos” (CORTES, 2011, p. 88).Referências bíblicas ajudam a compreender a dimensão profética – evivencial–doCadernodaPastoral;“nemoregistrodojornalista,nemaanálise do pesquisador” (CORTES, 2011, p. 88). A perspectiva bíblicapara o que se entende por Justiça também move a narrativa doCadernodeConflitos,istoé,oidealdeumajustiçadivina.

As considerações religiosas fazem emergir a fala de autores que seveem como “iguais” aos atingidos por conflitos; “Cristo vivoressuscitado na humana solidariedade e no amor pelomundo e seusviventes” (CPT, 2016, p.192). Até porque, segundo a bíblia, que étomadacomoreferência,háumdesejode“levarfogosobreaterraquejádeveriaestaremchamas”(CPT,2016,p.192).

UMMAPAINACABADOOMapadeConflitos,produzidoporumaequipedaEscolaNacional

deSaúdePúblicaSergioArouca(ENSP),coordenadaporMarceloFirpoeTaniaPacheco, e umaequipediversadeprofissionais, tevewebsite

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construídoporumaequipedo InstitutodeComunicaçãoe InformaçãoCientífica e Tecnológica em Saúde (ICICT) da Fiocruz. Aresponsabilidadesobrea ferramentaéaindadaFederaçãodeÓrgãospara Assistência Social e Educacional (Fase), uma organização nãogovernamental,semfinslucrativos.

OMapatemasuaimportânciadestacadaporser,segundoaFiocruz(2013),umtipodemonitordedicadoàinterfaceentresaúdeeambienteque disponibiliza informações estratégicas sobre o tema a todapopulação. A sua montagem começou a ser feita em 2008 – sobresponsabilidadedaFiocruzeFase,apartirdecooperaçãoiniciadaem2004–eapoiodoDepartamentodeVigilânciaemSaúdeAmbiental eSaúdedoTrabalhador,doMinistériodaSaúde.

Lançado oficialmente em 2010 com 297 conflitos em todos osestados, salvo o DF, o Mapa quer identificar, sistematizar e tornarpúblicos os conflitos provenientes das lutas contra as injustiças e oracismo ambiental em locais onde estão ou serão realizados projetoseconômicosepolíticasgovernamentais.

Disponível pormeiododomíniodigital do ICICT/Fiocruz, oMapadaFiocruzexibe,obviamente, ummapa–osdadoscartográficos sãodaGoogle.Esta ferramenta foicriadaporumaequipetécnicado Institutoespecializada no georreferenciamento de informações sobre saúde,utilizando-se doGoogle Earth comoplataforma auxiliar de localizaçãoespacialdosterritóriosondeoscasosestãoinseridos.Napartesuperiordositehácaixasdebuscacomasopções“palavra-chave”,“UF”,“tipodepopulação”e“causadoconflito”.

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Figura3.InterfacedoMapa.Fonte:MapadeConflitos.

Asinformaçõessãooriundasde

parcela expressiva das populações atingidas, seja a partir de suas

experiências, seja a partir de relatórios e artigos desenvolvidos por

entidades, ONGs e instituições parceiras, inclusive grupos acadêmicos,

instituições governamentais,Ministérios Públicos ou órgãos do judiciário”[4]

(FIOCRUZ,2016,s.p.).

Os casos relatados, todavia, não são categóricos, podendo haverincertezasefaltadeinformações.

Figura4.apáginacominformaçõessobreoconflito.Fonte:Fiocruz.

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Figura5.Àdireita,capadolivro“InjustiçaAmbientaleSaúdenoBrasil:OMapadeConflitos”

Alémdaferramentaonline,háumlivrochamadoInjustiçaAmbientaleSaúdenoBrasil:OMapadeConflitos, publicadonoanode2013.Naobra constam oito artigos – além de anexos, apresentação, sumário,etc.–comocontextodoMapaeseuobjetodeexistênciademaneiramais aprofundada. A obra tem organização de Marcelo Firpo, TaniaPacheco e Jean Pierre Lerroy, mas há textos assinados por outrospesquisadores. Segundo Faustino e colaboradores (2013), “o mapaconvoca a sociedade a tomar ciência e reavaliar sua visão sobreconflitos socioambientais e sobre as lutas sociais e seus sujeitosmobilizadoresnelerefletidos[...]”(FAUSTINOetal.,2013,p.257).

ANARRATIVAQUEDIVULGAOSCONFLITOS

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OsrelatóriosdaComissãoPastoraldaTerraeoMapadaFundaçãoOswaldoCruzpossuemaproximações textuais, semânticas,subjetivaseculturais,nãoapenasporcaracterizaremosconflitos,guiando-seporentendimentos teóricos. Cruzamos as duas publicações e delasextraímosfragmentosdetextos,emboranãoreproduzidosaqui,queorautilizamos nas nossas argumentações e contextualizações, oraanalisamos como objeto propriamente, na busca por mais ou menosdenotaraexistênciadeumanarrativabaseadanaciência.

Oselementosqueformamanarrativacientíficaepolíticadosconflitosdizem respeito à escolha semântica para divulgar e/ou informar asdisputasreconhecidasevalidadasporessasinstituições,sejapormeiode justificativas baseadas em ciência (cientificidade), seja pelametodologiaeaversãofinaldecomoessasinformaçõessãodivulgadas(epadronizaçãoesistematizaçãodedados).

Osmarcadores ou etiquetas, entre eles o que demarca a dimensãocientífica das publicações, dão tônica à narrativa principal, percebidanas leituras continuadas dos arquivos/publicações da CPT e Fiocruz.Não erammarcadores/etiquetas prontas, já dadas. Seus nomes, suascaracterísticase“simetrias”foramconstruídospormeiodeumtrabalhosistemáticodeinventariarfalasrecorrenteseperceberonãoditonessanarrativa.

Anarrativacontémahistóriasobreembatesvinculadosademandasambientaisreais.Umahistóriamediadapordiferentessujeitos(aquelescoletam as evidências, aqueles que as organizam e os que irãointerpretarosdadosemensaioseartigos).E,aomenosnosfragmentoslidos, praticamente nenhuma presença expressiva de quem estariasujeitadoàsmazelasmostradasemdados.

Oqueestamoschamandodenarrativa,pois,éum“maciço”textual–ampliado por ações outras desenvolvidas pelas instituições autoras –

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comumapautamuitobemdelimitada:osconflitossocioambientaisnaszonas rural e urbanadopaís.Nosso olhar é que prioriza aqueles queacontecemporcausadaágua,quefoioupodesercomprometida.Nostextos lidos, predominantemente os da CPT, até pela experiência noassunto,essaeraapautabuscadaeoquefezcomquenãotivéssemosquerastrearamédiade200páginasporedição,de2002paracá.

Estanarrativa,apartirdoestudodostrabalhosdaFiocruzeCPT,nosconduz ao que Cremilda Medina (2008, p. 28) aponta ao falar sobreabalosnoedifíciopositivista: “A artede tecer opresenteultrapassaarígidalógicadeAugusteComteeatradiçãopositivistadasnarrativasdacontemporaneidade”. Ainda de acordo com a autora, a produçãosimbólica “representa um esforço coletivo de expressar um cosmosdiante do caos da realidade, as narrativas da contemporaneidade sealinharamà narrativa histórica, à narrativa da ciência, das artes e dasmitologias”(MEDINA,2008,p.67).

MAISSOBREANARRATIVAA noção de “narrativa” em que inicialmente nos apoiamos foi

percebidanocapítulo“CientistaseAgendaSetting”daobraCiênciaePolítica Ambiental (2009), cuja autoria é de Ann Campbell Keller. Nolivro, Keller descreve o assunto a partir da percepção de narrativascientíficas que tornaram públicos os fenômenos da chuva ácida e doaquecimentoglobal,edequemaneiraambasashistóriascontribuírampara que os respectivos problemas ambientais ocupassem a agendapolíticaformalnospaísesemquetiveramrepercussãoinicialmente.

Postoisso,Kelleralertaqueanarrativacientíficaéassimchamadaporfazer endosso da ciência. Em nossa visão, dando a entender que assituações narradas – no caso, os conflitos socioambientaisprotagonizados principalmente por populações rurais – precisam de

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sustentáculo,poisdeoutromodoseriampreteridas,descaracterizadas,desacreditadasoumesmoocultadas.

A ciência aparece na função de explicar o problema – umacaracterística comum às narrativas do aquecimento global e chuvaácida.Ouseja,naenunciaçãodeumdesastreoudeumdesequilíbrioambiental.Issojánosdápistasdequenoçõesdeciênciacircundantesnessas histórias estão fortemente repousadas nos ideais positivistas,respaldadasnaobjetividade,naexperimentaçãoenageneralizaçãodaanálisededadosextraídosde realidadesespecíficasparadivulgarumtemadenotávelalcancesocialeambiental.

A autoria da narrativa científica e política acerca de disputasambientais também incluem sujeitos atuantes emoutros âmbitos; nãoapenas as instituições acadêmicas. A dose de religião existente nanarrativaindicaqueosconflitossocioambientaissópodemserlançadosa conhecimento público se antes forem digeridos e embalados desaberes canônicos (ciência e religião), os quais os despem deinvalidaçõesarbitrárias.

Ainda que obtenha o status de “científica”, a narrativa baseada naciência, conforme já sugerimos,podenão ser umprodutoobjetivodeinvestigaçãodecientistasepesquisadoresoupodeaindanãomontarum mosaico estritamente baseado em certezas ditas científicas. Noscasos observados por Keller, os argumentos causais sobreaquecimento global e chuva ácida foramcientificamente elaborados epostosdentrodeumahistóriaampliadadedeclínioecontrole.

ÉcomoseopróprioMapaeosCadernosfossematalevidênciaeporissoseestruturariambaseadosnaciênciaparaobteressaconformidadequegeralmenteéprezadanoâmbitopolítico.Eéjustamentenoâmbitodedecisãopolítica que se costuma inviabilizar os conflitos emmenorescala, sobre os quais Fiocruz e CPT mais falam. Mesmo com forte

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dose de elementos científicos, há comentários políticos, religiosos eculturais na narrativa, não havendo evidência empírica para comportodososargumentoscausais.

Não existe uma única natureza dos eventos agrupados em umcontextosignificativoequecompõemahistória.Kellerobservaqueumanarrativa desse tipo poderia estabelecer um acontecimento comoproblema político, alocar a culpa e pontuar possíveis soluções. Porpressupor uma resposta política, continua a autora, requer elementosprescritivos,enãoapenasdescritivos.

Ademais, essas narrativas fornecem contexto (etiquetasituacionalidade) para um determinado problema e funcionam comoveículoparaencaminhar reivindicaçõescientíficasaté a arenapolítica,sem necessariamente uma explicação ou fundamentação robusta. Asdescobertas,nosalertaKeller,sãomuitasvezesimprecisas.

Ainda conforme a autora, narrativas baseadas na ciência fornecemexplicações causais e relatam de que maneira se devem julgar oseventosligadosaoproblemaemquestão.Mesmoaciêncianãosendoocampomais comum para a contação de histórias, há uma confiançaatribuída à informação científica. Os fenômenos são frequentementeapresentadoscomosefosseminteiramentefactuais,repousandosobreaautoridadedaciência.

No caso dos conflitos, ainda estão amparados por discursosreligiosos,sobretudocristãos.Assim,anarrativabaseadanaciênciaepolítica constituída pelos Cadernos eMapa adicionam elementos quetornam ainda mais complexas as características iniciais apresentadasporAnnKellerdentrodesuacompreensãodenarrativa.

ASETIQUETASESEUSSENTIDOSGERAIS

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Asetiquetasfazemcomqueasnarrativasabram-seemsignificações,oferecendo ao público mais elementos do que aqueles meramentecausais.Aconstataçãodequeumdiscursosobreconflitosémontadodesta forma não é tão somente situacional porque, segundo asetiquetas, dão a entender queoproblemados conflitos é estrutural eoutras questões operam para legitimá-lo, em um contexto deapropriaçõesdehegemoniasdediscursos, requerendoumaconstantedivulgação,críticae,muitasvezes,denúncia.

Se por um lado, ao promover a ciência e ao falar da imprensa, asnarrativas não dãomuitas condições de as populações aparecerem –embora nos digam que implicitamente elas estão lá – não se podedeixardeconstatarqueasetiquetasescolhidaspermitiramnosorientarsobrequaissãoasimplicaçõesdoproblemaeparaquem.

Agrupadas,asetiquetasdemarcamocaráterpolíticodanarrativa.No“uso social” da ciência, na crítica à funçãodo jornalismo (de atender,antes,ointeressepúblico),navalorizaçãodalutadohomemdocampoedaperiferia(foradoscentros),nareflexãosobreoqueosdados(nãosão somente números) representam e ao reunir diversosacontecimentos/fatos de nosso tempo imediatamente descolados dosconflitos,temosanoçãodequenenhumasituaçãoéisolada,pontual,edequehávastosespaçosporondeanarrativaescoaria.

Somos levados a pensar que se poderia fugir das controvérsiasrevestindoodiscursosobreofenômeno“deciência”.Masissoproduzquaisefeitosparaa tentativadedarvezevozàspessoas?A ideiadeque a visão da ciência muitas vezes não corresponde à dos atoressociaisnosajudaapensarqueousodaciência,conformenosmostramas etiquetas, é estratégico, segundo a CPT, por exemplo, em suametodologia:“o rigor,osprocedimentosmetodológicoseo referencialteóricopermitemsistematizarosdadosdeformacoerenteeexplícita”;

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“alimentar e reforçar a luta dos próprios trabalhadores, em seuenfrentamentocomolatifúndio”(CPT,2015,p.10).

Os conflitos pertencem mais à sociedade do que às populaçõesatingidas?Segundoasetiquetas,sim,àmedidaquepossibilidadesdesolução e prevenção acabam sendo transferidas a outrosatores/esferas. E ainda sobre a relação entre ciência e imprensa,quandoosconflitossãodivulgados,pelasetiquetas,considera-sequeacomplexidadedeambososcamposnãosãointeiramenteincorporadospelanarrativa.

Não há relação simétrica entre os fragmentos que justificariam anarrativa a partir dos Cadernos e Mapa de Conflitos. A forma comocadainstituiçãotrataousustentaessasetiquetas,discursivamente,nãoocorredamesmamaneira.Atéporque,comodissemos,aproduçãodaCPTémaisvastadoqueadaFiocruznessesentido.Aformatambémcomo a CPT aponta para a dimensão religiosa não é apenascontundente,mas traçodistintivoda realidadequeconstrói, enquantoque a relação entre conflito e saúde ambiental é um aspecto que aFiocruzabordaprioritariamente.

Ao presumir também a evolução dos casos, a narrativa não apenasfunciona como diagnóstico como antecipa o porvir dos conflitos. Nofim, ampara-se das contradições imanentes aos documentos queconstroema realidade: não sãoespelho.Aooptarpor construir à suanoção de conflito, a narrativa nivela situações que estariam sujeitas aprocedimentos outros de validação de lutas, como a imprensa faz,cobrindoquasesempreaquiloquetemmaiorapelo,baseadaemvalornotíciaecritériosdenoticiabilidade.

DIVULGAÇÃODECONFLITOS:UMATODEDIVULGAÇÃOCIENTÍFICA?

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Se tratarmos esta análise como um estudo de caso sobremateriaisque abordam, numa perspectiva científica, ainda que nãoexclusivamente, o tema conflitos socioambientais poderíamos, sim,afirmarquesetratatambémdeumatodedivulgaçãodaciência.Alémdas credenciais acadêmicas/institucionais que estruturam os livros esite,oCadernodeConflitoseoMapadeConflitos,aomesmotempo,apresentamàpopulaçãoinformaçõesquepossibilitamaapropriaçãodeumconhecimentoquejánasceparaalcançaraesferapública.

Neste ponto, a narrativa produzida pela CPT e Fiocruz nos remetetambém à compreensão de narrativa que emerge ao se divulgar aciência, conforme as palavras de Medina (2008, p. 109): “[...] umanarrativarigorosa,sutilesolidária[...]queregeearticulaainterpretaçãodacontemporaneidade[...]abreasensibilidadeparaaintuiçãocriadoraque, por sua vez, mobiliza a razão complexa para uma intervençãotransformadora”.

Podemospensar,baseadosnestaafirmação,queasnarrativassobreosconflitosseriamummistode“rigorosidadeesutileza”,namedidaemque concilia distintas dimensões pautadas na objetividade esubjetividadeaovirapúblico,sobretudoquandoelasjáseposicionamemfavordosatingidosquedesvelam.OtrabalhodaCPTeFiocruzsemostra, então, como um produto do saber científico e, ao mesmotempo, uma plataforma que articula uma interpretação deacontecimentoscontemporâneos,intervindodemaneiratransformadoranasociedade.

Diferentemente de determinados estudos cujo público-alvo é umgrupo de sujeitos específico, Mapa e Cadernos endereçam suasinformações ao público geral quando vêm desocultar as causas econsequências que levam aos conflitos. Por outro lado, quando oobjetivo é a denúncia das ocorrências, já que envolvem violação de

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direitos e, emmuitos casos, violência, dialogam com instituições quepoderiamdeliberarsobreasinformaçõesdivulgadas.

Ocaráter explicativo não só apresenta a realidade, como tambémadimensiona e a constrói. Se considerarmos, ainda, que váriosenvolvidosestãovinculadosauniversidadeseinstituiçõesdepesquisa–não necessariamente os autores –, notaremos o esforço de umadeterminada comunidade científica para fazer divulgar estasinformações demaneira que a realidade não aparente estar dada, ouseja,resultantedeumprocessoisolado.

Apesardoscomentários,ampliandoacompreensãodasinformaçõesquantitativas, não se poderia dizer, ademais, que é sempre que osmateriaisconversamcomopúblico leigodeumamaneira inteiramentedidática. Isso porque requerem, por exemplo, uma noção prévia deconflito, dentre outros conceitos assimilados apenas quando nosdedicamosàpartemetodológicadeambasaspublicações.

Tal como apontamos no começo deste trabalho, conceitos deconflitos circulam nos materiais de divulgação, instruindo o leitor oupreparando-oparaa tarefade tomarcontatocomas informaçõesporvir. Desta forma, os materiais de divulgação funcionariam comoinstrumento para o fortalecimento da população em seus argumentosanteosprojetoseaçõesqueasconstrangem.

AformapelaqualMapadeConflitosenvolvendoJustiçaAmbientaleSaúdeecadernosConflitosnoCamposãodivulgadosemsuasprópriasplataformas–nãoarepercussãoemveículosdecomunicação–nosfazperceber uma dupla narrativa: a) aquela baseada em credenciais daciênciaparaembasarasocorrênciasedesvelaroproblemaestrutural,eque não se faz perceber pela simples existência dos materiais; e b)aquelaqueaparece justamentequandoolhamosparaosmateriaisem

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seu esforço sistemático e argumentos motivadores, para além daestruturabaseadaemciência,dedivulgarinformaçõesespecíficas.

Mapa de Conflitos e Cadernos de Conflitos, nesse sentido, trilhamcaminhos particulares de divulgação de ciência sobre conflitos,utilizando e explicando “elementos de validade formais” (TORO &WERNECK, 2007, p. 40). Em nosso entendimento, dando certodestaqueàciência.

Emquepesem:a)aduplafunçãodeprodutodosabercientíficoeb)de âmbito que articula uma interpretação de acontecimentoscontemporâneos, teríamos um argumento a mais de que a ciênciapresente nos materiais está contextualizada no âmbito cultural,tornando “emergencial a defesa de uma ligação direta entre os queproduzemoconhecimento,ouseja,acomunidadecientíficaeocidadãocomum”(BORTOLIERO,2009,p.51).

Para Vogt (2003, s.p.), por meio da divulgação científica, há“participação ativa do cidadão nesse amplo e dinâmico processoculturalemqueaciênciaeatecnologiaentramcadavezmaisemnossocotidiano”,demodoquenãopermanecemospassivos“emfacedeseusdesenvolvimentos” (VOGT, 2003, s.p.). Nesse ponto, acreditamos quese tratamesmodeumatodedivulgaçãocientíficaacercadeconflitossocioambientais.

Conformeseesperadeumprocessodedivulgação,emprodutosqueinterpretam e comunicam saberes científicos, não podemos deixar deconsiderar a tarefa difícil de “levar à população o conhecimentocientífico gerado na universidade sem seguir os modelos padrões”(PEREIRA, 2006, p. 406). Principalmente se nos voltarmos ao que asinstituiçõescomentamsobreamaneirapelaquala imprensacobreosconflitos, aindademaneira incipiente, teríamosnosCadernoseMapa

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algo próximo do ideal e socialmente aceito para se divulgar conflitossocioambientais.

Além do conhecimento produzido pela academia, esses esforçamsalientamanecessidadedeampliareconciliarmúltiplaspossibilidadesao divulgar conhecimento. Principalmente porque a produção deconhecimento ocorre legitimamente em inúmeros espaços einstituições,comoécasodaCPT,umaentidadenãoacadêmica.

Isso posto, consideramos essencial no processo de divulgação daciência“anecessáriareflexãosobreasrelaçõesdepoderqueenvolvema produção científica. Não se trata de demonizar os diferentes atores[...],masgarantirapolifoniadevozes[...]”(CALDAS,2011,p.26).Alémdisso,nãosetratatãosomentedetransposiçãodeinformação.

AquestãocentraldestacadaporCaldas(2011)dialogacomodesafiojáobservadonaanálisedosmateriaisemsuafunçãonarrativade“darvez e voz” às pessoas. Sem avançar sobre o cumprimento desteobjetivo, não se pode deixar de considerar que, ao realçar essecompromisso em relação aos sujeitos, os autores demarcam asrelações de poder que novamente trazem esses personagens para aborda,enãoparaumcentro,aindaquesejamcentrais.

OMapadeConflitos e osCadernos deConflitos são, pois, atos dedivulgação cientifica porque conciliam tensões similares àquelas queemergem da popularização do conhecimento da ciência na mídiatradicional. Além disso, porque, para divulgar, antes há um ato decomunicação.

O objetivo geral das publicações, e que dialoga com amissão dosmateriaisdedivulgaçãocientíficademodogeral,égeraralgumtipodemobilização,aopassoquedocumentamedenunciamosconflitos.Porfim, porque a divulgação da ciência “é uma tarefa complexa,principalmente quando se considera a diversidadedos veículos e dos

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públicos,alémdosobjetivosquepodemvariar”(GONÇALVES,2009,p.208),oquenãoobrigariaoMapadaFiocruzeosCadernosdeConflitosaobedeceremumformatoespecífico,sejadiscursivooudeplataforma,paraseautojustificar.

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RESUMO: Dois dos trabalhos mais ambiciosos de sistematização de informações sobre conflitossocioambientais no campo brasileiro são elaborados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e FundaçãoInstituto Oswaldo Cruz (Fiocruz). A CPT disponibiliza anualmente, desde 1985, o Caderno Conflitos noCampoBrasil,umapublicaçãoquecontémdadosquantitativos,ensaios,artigosenotasquecontextualizamasinformaçõesobtidasporagentesligadosàPastoral.AFiocruz,pormeiodoMapadeConflitosenvolvendoInjustiça Ambiental e Saúde noBrasil, georreferencia lutas desveladas por cidadãos,movimentos sociais,associações, dentre outros, e validadas por pesquisadores de algummodo ligados à ferramenta online –atualizada na medida em que novas informações sobre os conflitos disponíveis são coletadas. Ambosacenamnoquesitodivulgaçãocomvistasnadenúnciadeconflitos,napropostametodológicapermeadaporargumentoscientíficosenainterpretaçãodospapéisqueosmeiosdecomunicaçãodesempenhamemfavorou desfavor dos conflitos protagonizadosmajoritariamente nas zonas rurais do país. Embora existam emformatos diferentes e tenham autoria distinta, esses instrumentos – Mapa e Cadernos – de apoio àscomunidades,emgeral tradicionais,conferemvisibilidadeaosconflitosquenemsempretêmcoberturadaimprensa ou não se tornariam objetos de investigação científica, conforme apontam as instituições.Analisamos um conjunto de textos do Mapa da Fiocruz, incluindo um livro que adensa as informaçõessistematizadasnaferramenta,eexcertosde14ediçõesdosCadernosdeConflitos.Aprincipalcontribuiçãodeste artigo é mostrar como a frequência de determinados argumentos, incluindo-se a repetição eatualização das informações contidas nos Cadernos da CPT e Mapa da Fiocruz fazem aparecer uma

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narrativasobreosconflitossocioambientaisbrasileiros,inflamadaporproblemasnomeioambiente–nocasomais específico deste trabalho, a crise da água. Além disso, esta abordagem busca checar se de algummodoosreferidosmateriaispoderiamserconsideradosatosdedivulgaçãocientífica.PALAVRAS-CHAVE:Conflitossocioambientais;CPT;Fiocruz;comunicação;divulgaçãocientífica.

ABSTRACT:Twoofthemostambitiousworkofsystematizinginformationonsocio-environmentalconflictsinthe Brazilian countryside are prepared by the Pastoral Land Commission (CPT) and the Oswaldo CruzInstitute Foundation (Fiocruz). Since 1985, the CPT has made available the Conflicts in the Field field, apublication that contains quantitative data; essays, articles and notes that contextualize the informationobtained by Pastoral agents. Fiocruz, through the Map of Conflicts involving Environmental Injustice andHealthinBrazil,georeferenciastrugglesunveiledbycitizens,socialmovements,associations,amongothers,andvalidatedbyresearchersinsomewaylinkedtotheonlinetool–updatedasnewinformationabouttheavailable conflicts are collected. Both of them are talking about disclosure with a view to denouncingconflicts,themethodologicalproposalpermeatedbyscientificargumentsandtheinterpretationoftherolesthat themediaplay in favoroforagainst theconflicts thatareplayedout in theruralareasof thecountry.Althoughtheyexistindifferentformatsandhavedifferentauthorship,theseinstruments–MapandCadernos– insupportofcommunities,whicharetraditionallytraditional,givevisibilitytoconflictsthatarenotalwayscoveredbythepressorwillnotbecomeobjectsofscientificresearch,asinstitutions.Wehaveanalyzedasetof texts fromtheFiocruzMap, includingabook thatsupplements the informationsystematized in the tool,andexcerptsfrom14editionsoftheConflictPapers.Themaincontributionofthisarticleistoshowhowthefrequencyofcertainarguments,includingtherepetitionandupdatingoftheinformationcontainedintheCPTandMapofFiocruzNotebooks,giverisetoanarrativeaboutBraziliansocio-environmentalconflicts,inflamedbyenvironmentalproblems–inthemorespecificcaseofthiswork,thewatercrisis.Inaddition,thisapproachseekstoverifyifinanywaythesaidmaterialscouldbeconsideredactsofscientificdissemination.KEYWORDS:Conflictssocioenvironmental;CPT;Fiocruz;communication;scientificdissemination.

[1] Jornalista, mestre em Divulgação Científica pelo Programa de Laboratório de EstudosAvançadosemJornalismo(Labjor)naUniversidadeEstadualdeCampinas(Unicamp).E-mail:[email protected].

[2]ProfessorLivre-DocentedaFaculdadedeEducaçãoePesquisadorAssociadodoLaboratóriode Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) na Universidade Estadual de Campinas(Unicamp).E-mail:[email protected].

[3]EstaabordagemfoiinicialmentediscutidanadissertaçãodemestradointituladaÁguamole,terra dura, provo brada até que fura (o que narram CPT e Fiocruz sobre os conflitossocioambientaisnoBrasil)”,defendidanoLabjor-Unicamp,emagostode2017.

[4]Disponívelem:https://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?pag=metodo.

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ENTRELIMITESABRE-SEUMMAR:FAZERESCUTAPARANOVOSPOSSÍVEISNAPOLÍTICADECOMUNICAÇÃODASMUDANÇASCLIMÁTICASBetweenlimits,aseaopensup:listeningtonewpossibilitiesintheclimatechangecommunication

SusanaOliveiraDias[1]

CarolinaCantarinoRodrigues[2]

FernandaPestana[3]

“Nãonosfaltacomunicação,pelocontrário,nósatemosbastante,falta-nos

criação”(Deleuze&Guattari,1992)

“Eraprecisotodoumdiaparaentrarnaatualidadedosfatos,eraodiamais

difícil,apontodedesistircomfrequência.Eraprecisoumsegundodiapara

esquecer, me tirar da obscuridade desses fatos, de sua promiscuidade,

respirar outra vez. Um terceiro dia para apagar o que havia sido escrito,

escrever”(Duras,1980)

“Adoutorameperguntouseeuaindatavaescutandoasvozqueeuescutava.

Euescutoosastros,é,ascoisas,ospressentimentodascoisas” (Estamira,

2013)

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Figura1.Marmetria.(PESTANA,2014).Fonte:RevistaClimaCom[4]

A comunicação das mudanças climáticas vive o seu limite. Estaescrita-pesquisa[5] busca uma certa sinuosidade e sensualidade dopensamento necessárias para explorar esta afirmação. Pois a lógicacomunicacional e as alterações ambientais se efetuam intensamentecomoestabelecedorasefixadorasdelimites.Expressãoobsessivadoslimitesqueseimpõemàvida.Busca-seumaobliquidadedalinguagemtomada em gestos que desejam levar ao limite o pensamento com acomunicação e as mudanças climáticas. As alterações extremas doclima e as exigências de adaptação configuram situações que setornaraminqualificáveisparaumcertopensamentohabituadoapensaro tempo, o humano, a natureza, o corpo, o espaço, a cultura, a

tecnologia.Atravessamosofimdeummundocujoconjuntodelógicas,funcionamentos, conceitos e categorias não dão mais conta de criarnarrativas, imagens,práticaseaçõesquesejamefetivamentepotentes

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para problematizar as transformações em curso (Cf. DANOWSKI;CASTRO, 2014). Atravessar que não é um caminhar sobremundos jáexistentes,massimdelinearmundosemresistênciaenquantosepassa.

Buscamosneste texto umaescrita que se fazmodelagemde novospossíveisparaacomunicaçãoeasmudançasclimáticas.Aescritanãotraça o limite, antes é traço levado ao limite. Inventa-se com o queescapa:omar,achuva,ovento,asnuvens,aágua,asensibilidade,apolítica. Pergunta-se dos escapes: como lidar com o que escapa?Como acolher as flutuações, incertezas, inconstâncias? Como darconsistênciaàsvariabilidades,àsnãolinearidades?Desejaoescape:ese a línguadesaparecesse?Queprocedimentos são necessários paraneutralizar a gramática audiovisual hegemônica? E se tomarmos alentidão, aquedaeoesvaziamentocomoprocedimentosdeescrita ecriaçãoaudiovisual?Queforçascomporiamohumano?

Entre o papel fotográfico (comunicação) e o papel milimetrado(climatologia) interrogam-se nesta pesquisa pontos e posições quedesejam capturar e determinar movimentos. Querem-se os rasgosentrelimites. Ali onde um cria uma armadilha cruel para o outro. Umentrelaçamento inimaginávelseproduz.Aliondeoescritorexpõe-seàvertigemdocálculoincomensurável,ardeemmeioàpalavraimpossível,rasga-se diante da voz irrepresentável. Alianças imprevistas sãoforjadas.Limite,porsuavez,noqualaescritaemiteumainfinidadedelinhas.Árvoresdissidentestrançamfiosdetempodesvairados.

Acomunicaçãodasmudançasclimáticasviveoseu limite.Éprecisocriarumcorpoparaesteproblema.Umcorpoque,paranós, torna-seumproblemadeescrita–comimagens,palavrasesons.Convocaumaproblematizaçãodoquepodeaescritaemmeioàgramáticaeregimesperceptivosdominantes.Enfrentarossistemasdeformasefigurações,dadosdeantemão,quequeremgarantirarticulaçõeshomogêneasentre

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percepções,sensações,açõesepensamentos.Umcombatevacilanteeondulante...

Paracriarestecombateeconvocaraspotênciasdeumaescrita-limiteescolhemos lidar com a entrevista com um climatologista queproduzimos para a Revista ClimaCom[6]. São os procedimentos deelaboração da entrevista que nos servirão de princípios para fazervacilaracomunicação(reuniãodepauta,entrevista,seleçãoeproduçãode imagens,montagemdovídeoetc.).Procedimentosqueenvolveramcontaminação e composição commateriais distintos (matérias, teses,artigos,livros,entrevistas,filmagens,obrasdeartistas...).Contaminaçãoecomposiçãoquenãoseencerramnaentrevistaequeaquiencontrammodos de seguir – à margem das existências já programadas – aoconectarmosessaexperiênciacomoutrosmateriaiseproblemas.

Materiais concebidos a partir de uma teoria damaterialidadepara aqualaspropriedadesdoscorposnãosãoqualidadesouatributos,masaquiloquepodenascerdoencontrocomeles:teoriadosprocessosdeformaçãoemvezdoprodutofinal,dosfluxosdosmateriaisemvezdosestados da matéria (Cf. INGOLD, 2012). Materiais que se tornamindiferentesaqualquerestadodefinitivoeimobilizadorequeteimamemse manter inacabados e provisórios: um artigo sobre modelagensclimáticas que inspira uma reportagem que, por sua vez, nos força apensarnumaoficinaenumroteiroparaumaentrevistanarelaçãocometnografias e conceitos filosóficos, entrevista também tornada umaexperimentação em vídeo, na relação com uma obra artística e...Queremosengajarestaescritanessasériedemovimentosprospectivosquequeremtecerumaoutraduraçãoparaacomunicaçãoedivulgaçãocientíficas com asmudanças climáticas, desviando da notícia quente,dofurodereportagem,doseventosextremos,dosfatoscientíficos,dasociologiadascontrovérsiaseposiçõesdoscientistas...

Oquerestariadeumaentrevistasebuscarmosinventarcomelanão

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uma mera expressão de opiniões, nem nos satisfizermos com acontextualização dos fatos, ou com um querer conferir realidade aosfatos pelas falas? E, se, tampouco, saciarmo-nos comumaproduçãoque vise dar a palavra e a voz ao outro, gerar uma identidadereconhecível de entrevistados, entrevistadores, editores e veículos,contar a história de vida do entrevistado, denunciar contradições evergonhasjádadas?Ese,ainda,aentrevistarecusar,aomesmotempo,à lógicadeconstituir-secomoverdadedefinitiva, amelhor versão (domesmo),sobreoentrevistado,otema,ooutro?Eseasimagensesonsescolhidas para compor com a entrevista fossem descabidas, nãocoubessemno jávisto,no jávisto-dito,no jávisto-dito-ouvido,nãoseoferecessem à interpretação do outro? Estas perguntas ressoam emnós intensamentecomoprojetoquecriamosdarevistaClimaCom,noqualdialogamosdiretamentecomartistasejornalistas–alunosealunasbolsistas–ecientistaseque,atodotempo,nosconvocamapensar:oquepodeacomunicaçãocomasmudançasclimáticasseretirarmosoquedáaelaorientaçãoesentido?Oqueresta?Comofazerdosrestos,das sobras, efetivamente fragmentos de um mundo-linguagem emabismo? O que se efetua ao deslocarmos nossas apostas de umaescritasobreooutroparaumaescritacomoutrostantospossíveis?Queacontecequandoosoutrospossíveisnãosão restosdeummundo jádado,masfragmentosdepuravirtualidadeporvir?

Interessamo-nosporpensaroquepodemosartefatosdedivulgaçãocientífica(eopensamentocomeles)quandosepropõemacomporcomlinhas distintas? Linhas de artes, ciências, filosofias, comunicações...Linhas do imprevisível e do controle, de ficção e realidade. Linhas dacomposição fotográfica de Marmetria de Fernanda Pestana e damodelagemcomputacional,daetnografiadaquantificaçãoeproduçãode dados científicos de Antonia Walford, da filósofa da ciência deIsabelle Stengers, do Bergson matemático apresentado por David

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Lapoujade,doconceitodepolíticadeJacquesRancière...Tramasquepossam afirmar o ato de entrevistar como invenção de entrelinhas.Invençãoquesefazpelacriaçãodesobreposiçõesvariáveis,conexõesanômalas, tramas heterogêneas e não lineares. Pela resistência àsfusões e totalizações, pela tessitura movente de entradas e saídasmúltiplas.Um interessar-sepelosmodoscomoas linhasafetamumasàsoutras.

O interesse pelos afetos é um interesse pela vida. Nosso grupo depesquisa –multiTÃO (CNPq)[7] – insiste em interrogar: o que acontececomadivulgaçãocientíficaquandooqueamoveéavida?Avidacomoconjugaçãodelinhasdeforçaqueimpedemopensamentocodificado,fechado,determinadoequenosconvidanãoa reagir,masa inventarmodosdeagirdiantedeumturbilhãodemodelosmóveiseprovisórios,imperfeitos, incertosefrágeis.Tendoemvistaqueacomunicaçãodasmudançasclimáticastemseconfiguradofortementecomoumespaço-temponegacionista,sensacionalistaededesaparecimentodapolíticaeda sensibilidade, como afirmar efetivamente a vida numa entrevista,como fazê-lo com imagens,palavrase sonsdesgastadas, excessivas,inexpressivas?

MARMETRIA–MODELARNOVOSPOSSÍVEIS

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Figura2.Marmetria.(PESTANA,2014).Fonte:RevistaClimaCom

Asmodelagens climáticas sofremde uma existência já programada.Trata-se de uma existência marcada por clichês: representações,informações, oposições, opiniões.Umaexistência ligada àdominaçãodopossível.Marcadapelacapturadofuturoemprevisõese,aomesmotempo, julgada pela falta de aperfeiçoamento em suas metodologiasparamodelarofuturo[8].Criticadapeloesquadrinhamentocientíficoquevisa reter o mundo em fórmulas e dados e, ao mesmo tempo,denunciada pela impossibilidade de formular com precisão seusenunciados.

Clichêsquetornamacomunicaçãocomasmodelagensclimáticaspordemaisantropométrica,aoquererprendê-laaoscontornosdados,aosestados de coisas atuais, às coordenadas espaço-temporais járedesenhadas...Clichêsquequeremimpedirovoocegoproporcionadopela realidade das ciências, aquela inacessível aos humanos focados

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oraemdenunciaroseurealismooraemdesconstruiraquiloquetomamcomo“construçãosocial”,lógicasinversasquecompartilhamamesmaoposiçãoentreciênciaerealapresentadacomoumaquestãodecrençaejulgamentoporumregimedeverdadequeopõe,ainda,overdadeiroeo falso. Clichês que remetem sempre a um possível precedente,submetendo a novidade das ciências climáticas à realização do queestaria dado idealmentepelosdispositivosde retardoque inventamosantesparaconhecê-las,senti-las,percebê-las,escrevê-las.

Diantedessespossíveisjáesquadrinhados,estocados,competênciasestabelecidas,autoridadesmedidas,arriscamosperguntar:ese,emvezde insistirmos na crítica ao poder das ciências, investirmos empotencializarsuapotência?[9]Potencializaçãoqueexigeaadoçãodeum“princípio da irredução” (STENGERS, 2002, p. 27) , fazendo a escritarecuar frente a pretensão de saber e julgar, revelar ou denunciar,desejandooutrosgestoseposturascomoodereaprenderarircomasciências.Risodaquelequenãosedeixaimpressionarcomoseupoder.“Orisodequemdeviaestarimpressionadocomplicasempreavidadopoder.Eésempreopoderquesedissimulaatrásdaobjetividadeoudaracionalidade quando elas se tornam argumento de autoridade”(STENGERS,2002,p.29).Risodohumorenãodaironia–reaprenderarir comasciênciasparaque se tornepossível efetivamente levá-lasasério.Alegriadea-mar.

Para levar a sérioasmodelagensclimáticas, investimosna invençãode uma série de procedimentos que não recaíssemnuma abordagemcansativa do tema. Tratava-se, antes, de esgotar tais procedimentos,dentreeles,aentrevista.Sairdarealizaçãodepossíveiscomodadosdeantemão e lançar-se à criação de possíveis, ainda não dados,desconhecidos.Demolir eneutralizarospossíveis.Para issonãoseriapreciso reinventar os problemas que criam o conjunto e definem ascombinatórias?Serdignodomar...

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Oesgotadodácabodospossíveis,eleosliquida,eforçosamentesecoloca

namaior impossibilidade. Aquele que esgota os possíveis já não os pode

realizar, nem sequer os pode possibilizar. Ele habita um mundo sem

possibilidade, sem contingência, sem necessidade, sem significação.

(PELBART,2009,p.33)

Oceanografias... Alterar o campo político perceptivo. Enfrentar ospoderes instituídos da gramática da entrevista, considerada práticalimitada quando se detém na comunicação verbal, voluntária,intencional,quebuscaapenasainformação(Cf.FAVRET-SAADA,2005,p.160).Buscamosentãolimitarestelimitepostoaoatodeentrevistar,transformando a limitação em intensidade (Cf.NODARI, 2014): de umlimite extenso, concebidocomocontornoquedelimitadeantemãoospossíveis,buscamos levaraentrevistaaum limite intenso,aquelequeexige novos modos de dizer, escrever, pensar e habitar o ato deentrevistar,tornando-oumaescuta.Comoescutarasforçasefêmeraseincontroláveisdeumaonda?

Diantedaacusação reiteradadequea comunicaçãoe adivulgaçãocientíficas ouvem unicamente as vozes das ciências e dos cientistas;diantedadenúnciadequeaCiênciaéavozqueprevalecequandooassuntosãoasmudançasclimáticas...Esepropuséssemosumaoutraescuta com as ciências? Aquela que se volta para os ruídos, restosinaudíveis e incomunicáveis que excedem os conteúdos e formas jádadas, liberando o ato de entrevistar do domínio da informação, dosuposto de que a entrevista deve apenas ouvir a opinião doentrevistado. Soltar as imagens e sons dos funcionamentosprivilegiados na comunicação das mudanças climáticas, em que asimagens devem ambientar o entrevistado e o espectador, devem darconteúdoàfala,devemcorrespondereajustar-seàsfalasjáexistentes,às imagens e sons circulantes, ao visível e dizível sobre o tema,devem...devem...devem...devém?

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Arrebentações... E se insistíssemos em enfrentar o impossível damedida,comoasplantasinsistememmediroSol,comooventoinsisteemmediromar?TalcomonospropõeStengers(2002)nãomaisinvestirnumacríticapós-modernaàideiademedida,umanegaçãodamedida,mas construir critérios de uma medida legítima. Criarcomensurabilidades entre incomensuráveis. Reinvenção da medidacomorelação,afeto(Stengers,2002,p.197).

Escreveréescutarafetosmarinhos...Escutaquenosmovimentounainvenção de caminhos por outras paisagens com as modelagensclimáticas, umageografia agitadapor linhasde fuga, umageofilosofiaquepodetornaracomunicaçãoumaterra incógnita, instaurarmundosdesconhecidos,traçandooutrasrelaçõescomaTerra...

Outras conexões entre ciências e políticas… Em vez docosmopolitismo que opõe o global e o local e reduz a política dasmudanças climáticas à geopolítica das negociações institucionais dosgovernos e fóruns internacionais, dos consensos e acordos, da “pazperpétua sob a égide de umDireito racional internacional” (MENGUE,2013, p. 18), desafiar o pensamento a lidar com a relação entre acomunicaçãoeasmodelagensclimáticasenquantoumacosmopolítica(Cf.STENGERS,2004).Politizaçãodasciênciasparaaqualocosmosinsiste na política quando o acontecimento é liberado de seuconfinamentonaefetuação,tornandoacomunicaçãoeasmodelagenscapazesdecoexistircomoqueelasnãosão...Devires...Cosmopolíticaque, como quer Stengers, promove toda uma outra partilha,recolocandoasciências,portanto,naordemdoacontecimento.

MITOS,MEDIDAS,DESMESURASDOHUMANO

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Figura3.Marmetria.(PESTANA,2014).Fonte:RevistaClimaCom

Antigamente,otempoerasimplesmentetempo.Eracomoumasegundapele

paraaspessoas,e,apesardesuasocasionaisinclemências,faziacomque

nos sentíssemos parte de algo maior na natureza. Mas, agora, o tempo

chegou ao fime transformou-se emclima, umaentidade física, anônima e

amedrontadora que, a qualquer momento, é capaz de deflagrar uma

catástrofe.(HUG,2009,s.p.)AlfonsHug[10].

AspalavrasdeAlfonsHugsobreaexposição“Intempéries–OFimdoTempo”,sobsuacuradoria(Cf.OCA,SãoPaulo,2009)nosprovocamapensararecusaàmedidaqueatravessamnossostempos.Ocurador,nasváriasentrevistasqueconcedeuenotextodacuradoria,expôssuaaposta na arte para promover uma espécie de culturalização dosfenômenos climáticos, em oposição à midiatização e ao cientificismoqueteriamtransformadootempoemclima,emintempérie.Viveríamosuma corrida contra o tempo, em que o tempo tornar-se-ia nossoinimigo.Asciênciaseaabordagenscientíficasdosproblemasrelativos

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às mudanças climáticas, para Alfons Hug, seriam não apenasinsuficientes,mas se transformariam em empecilhos para uma efetivamobilizaçãosocialemrelaçãoaosproblemasurgentesdevidoàsaçõeshumanasnoplaneta.

A mostra, que reuniu 29 artistas de diferentes partes do mundo,propôsumtratamentoartísticodotempoedapaisagemcomomodode“alertareconscientizaropúblico” (CATRACALIVRE,2009,s.p.) sobrealteraçõesclimáticas,investindonum“tempodacultura”,num“temposimbólico”(BRAVO,2009,s.p.),emqueemergemcomforçaanostalgiaeoterrordotempopresenteefuturo,istoé,forçasqueotempoevoca.“Há,hoje,poucasmostrasquereúnemtrabalhosdequalidadeestéticae temática engajada. A curadoria propõe uma visãomais cultural emenos científica dos fenômenos climáticos para reaproximá-los dopúblico”(BRAVO,2009,s.p.)(grifosnossos).

Nas matérias jornalísticas e vídeos de divulgação da mostra foramressaltados os clichês que povoam as discussões sobre o tempo, oclimaeohumano:ototemdegelode10toneladasdeMarceloDantasque durou menos de dois dias dando o senso de emergência daquestão (Cf.OGlobo, 2009)[11]; Yang Shaobin, quemostrou o homemextraindodaterraocarvãoparadepoisrevelarosefeitosqueelecausanopulmãodostrabalhadores;GeorgeOsodi,querealizouumapesquisadascondiçõesapocalípticasnaproduçãodepetróleonodeltadoNíger(Cf.Catraca Livre, 2009)[12]; Diana Lebensohn que expôs as ruínas dasmetrópoles modernas; Guido van der Werve que exibiu um navioquebra-geloquepersegueumandarilhosolitárionocongeladoGolfodaFinlândia–“sendoperseguidopelamáquina”(Metrópolis,2009)[13];eostrabalhosdeThiagoRochaPitta,quetestemunhamumnaufrágio,edeReynoldReynolds,queapresentouumafamíliavivendoumavidanormalenquanto tudo sucumbia num mar de chamas: “os moradorespercebemaschamas,masnãofazemnadaparamudararealidade”,diz

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o repórter (Metrópolis, 2009)[14]. Espanta como as matérias tornam aexposição um mais do mesmo sobre as mudanças climáticas e apretensacríticadocuradorperdesuaforça,aartesucumbeàsmesmaslógicas que atravessam a comunicação das ciências. Como abrir umnovocampodepossíveisnacomunicação?

Emnossaproposta,desejamos invadirestas ideiaseexploraroutrospossíveisquese inventamnasmargensdasoposiçõesentreciências-culturas, artes-ciências... Propomos perturbações do equilíbrio eorganizaçãodessessistemasdepensamentoquesefaçamapartirdeuma experimentação com uma vida e um tempo que se dispersam eproliferam pelas imagens, palavras e sons. Sem pretensões derepresentar os povos, as culturas, as ciências, os conhecimentos, asvivências,masproblematizar essas representaçõespelo esvaziamentodosclichêsepossibilidadesdeexploraçãodeumavidanãoidealizada:

A vida não-idealizada [sic], por não reconhecer os limites fixados pelo

conhecimento, deixa de ser o modelo de toda a vida e do próprio

pensamento. A vida não-idealizada [sic] é insubmissa, servindo ao

pensamentoconformedeslocaseuslimites,eotornainsubmisso...Avidaé

o focoemcadamovimento,bemcomoasestratégiasquea tornam fraca,

limitando-se a ser conservada, acrescidas daquilo que a tornam forte e

propiciamsuaexpansão.Avidaéissoeaquilo.(GODOY,2008,p.23)

Comoabrirumnovocampodepossíveisnacomunicação?Perguntaqueressoaincessantemente,queinsistimos,maritimamente,emlevaretrazer de volta... Mar que tudo arrasta e traz diferente... Fazer adivulgação navegar, tornar a divulgação um náufrago que anseia porafetos nascentes[15]. A partir da exposição Afetos Nascentes[16],propusemos repensar o conceito de adaptação – que junto com“mitigação” e “resiliência” tornou-se palavra de ordem da atualidadequando o assunto é alterações climáticas – para além das fixaçõescomoadequação,acomodaçãoeajustamentoaoquejáestádado.

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Convidamos artistas, cientistas e performers; filosofias ameríndias;religiõesafricanas;cinema;poesias;recortesderevistasejornais;livros;tecidos;água;fotografias;plantas;videoinstalações;cantosemúsicas;temas e assuntos osmais diversos como a seca emSão Paulo e noNordeste; a história da criação do mundo para os Yorubas; acosmologiadopovoindígenaAwá-Guajáesuasrelaçõescomachuva;as mudanças climáticas em vídeos e artefatos de comunicaçãoproduzidospelospovosindígenasdaSerraNevada,deSantaMarta,naColômbia;históriaselembrançasderios;anaturezaempoesianaobradeManoeldeBarros,Ondjaki,nosmitosdeorixás;Marmetriaemuitosoutrosmateriais.

Nosso intuito não era o de convidar pessoas e grupos enquantorepresentantes, retratos, vozes ou exemplos de alternativas àspercepções dominantes em relação às mudanças climáticas, mas defazer do espaço-tempo criado pelo evento a possibilidade de umencontro, de um contágiomútuo com a capacidade de diferenciaçãocontínua dos pensamentos e práticas não ocidentais, dando, assim,prosseguimento,potencializandoessediferir...

Comunicaçãocomoencontroentreheterogêneos...conceberoatodeentrevistarenquantoapromoçãodeumbugnaexistênciajáprogramadamodelagem,desuasvidas idealizadas, interrompendoahistóriadamedida que tende a reduzi-la à perspectiva da administração e daburocracia, à vontade de padronização, segmentação e regulação davida. Interrupção também promovida pela etnografia da produção dedadoscientíficos,deAntoniaWalford(2013).

ApartirdasuaexperiênciaetnográficacommodelagensclimáticasnoâmbitodoprojetoExperimentodeGrandeEscaladaBiosfera-Atmosferana Amazônia[17], Walford propõe – em vez de uma abordagemsociológicavoltadaparaaorganizaçãosocialdoexperimento–tornaraprodução de dados científicos e a quantificação um problema de

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pesquisa,propondopensaramediçãodeoutromodo,“[...]distantedasrestrições que a linguagem representacional impõe às descriçõesantropológicasdasciências,semperderoqueéessencialparaessasdescrições, a possibilidade de expressar a realidade científica [...]”(WALFORD,2013,p.13).

Pensar, então, a quantificação considerando a produção de dadoscientíficosapartirdasuacapacidaderelacional:enquantoumasériedeinteraçõeserelaçõesquevãocriandodiferençasentrediversoscorposdanaturezaeequipamentostecnológicos,entresinaisanalógicose(m)digitais, correntes eletrônicas e(m) números... Acoplamentos entrefluxos e conversão entre escalas que, para enfrentar os incessantesfluxosquecompõemavidaeaflorestaamazônica(amultiplicidadedanatureza), entretecem uma intensa rede formada por humanos e nãohumanos envolvidos na coleta e captação de informações; natransformação dessas informações em variáveis; no processamentodessas variáveis; no desafio de apresentar, matematicamente, esseconjuntodeinteraçõeserelações,porvezes,entremodelos(softwares)distintos,cujosfluxosprecisamseracoplados.

Operaçõesdeconversãoeacoplamentoque“quebram”,interrompemoudesaceleramos fluxos (contínuos)danaturezaempartesdiscretas(descontínuas) para produzir o dado.Dos infinitesimais incalculáveis eevanescentes que aguardam na profundidade caótica dasmultiplicidades – e que contêm o número em potência – é sobem àsuperfície as equações matemáticas (Cf. LAPOUJADE, 2013). Amediçãotorna-se,assim,ainvençãodeplanossobreocaos.

O cientista traz do caos variáveis, tornadas independentes por

desaceleração, isto é, por eliminação de outras variabilidades quaisquer,

suscetíveis de interferir, de modo que as variáveis retidas entram em

relaçõesdetermináveisnumafunção:nãomaissão liamesdepropriedades

nascoisas,mascoordenadasfinitassobreumplanosecantedereferência,

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que vai das probabilidades locais a uma cosmologia global. (DELEUZE;

GUATTARI,p.238)(grifodosautores)

O idioma binário, que norteia as abordagens “construtivistas” e“realistas” e que opõe o sujeito e o objeto; o dado e o construído; oconcreto e o abstrato; a realidade e a representação; a natureza e acultura, não se mostra suficientemente potente para descrever adinâmica da produção de dados e o modo como os modeladoresclimáticos,nessecontexto,concebema relaçãoentreanaturezaeosdados científicos, o que leva Walford (2013)) a inventar, ainda, outraumasaída:umacomparação[18]entreopensamentomíticoameríndioeamediçãocientífica,entreomitoeamedida.Comparaçãoquesetornapossíveljáquetantoomitoquantoamedidafocalizamapassagemdocontínuoaodiscreto, do virtual ao atual, passagemmarcadapor umaincessantediferenciação.

Davelocidadedosventosàinteraçãoentreatemperaturaoceânicaeo gelo em altas latitudes, que se tornam elementos matemáticosajustados em equações que interagem entre si, e que demandamcomputadores de alta capacidade de processamento... Entre essasdiversasacoplagenseconversões–passagens–nãohágarantias:hásemprealgoqueescapaeaincertezaéconstitutivadamedição.Erros,bugs, falhas...O cientista tambémenfrenta a impossibilidadede fazerver, a impotência de tornar visível, as existências inexistentes... Namedida em que podem não ser, as ciências tornam-se contingentes,deixandoderepetirogestodoPoderecoincidircomele.

PODER–FORÇASQUECOMPÕEMOHOMEM

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Figura4.Marmetria.(PESTANA,2014).Fonte:RevistaClimaCom

A reunião de pauta é pensada como movimento cartográfico.Cartografarosclichêsétornarumproblemaaexistênciajáprogramada,neste caso, dasmodelagens climáticas. Jacques Rancière (2012) nosajuda a pensar a escrita como criadora de condições de existência enãocomosubmissãoaoslimitesjádados.Estefilósofo,aotratarsobreofimeonada,fazumaintensacríticaaoimpériodaexistênciaquenãopodesersenãotiversidoprogramada.Oquenãoépossívelnãotemnecessidade nem direito de existir. “Um acontecimento não pode tersidoseelenãoforpossível,domesmomodoqueumdireito–ouumacriança–senão tiver sidoprogramadosegundoascondiçõesdesuapossibilidade” (RANCIÈRE, 2012, p. 251). Por isso torna-se tãoimportanteparaoautorproblematizarasnoçõessobreofimdapolíticaefimdahistória–niilismo.Comosedissessequeapotênciadofimnãose efetua efetivamente nestes projetos. Provocando-nos a pensar, ao

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apresentar o funcionamentodesses enunciados, quemobilizamnovosprojetos que, entretanto, são estruturados pelos mesmos princípios,traçam o comum em coordenadas que não alteram a partilha, queefetivamentenãodãopossibilidadedeparticipaçãodeoutraslógicasevozes, pois que, no fundo, tais investidas não querem saber nada dofim, apenas do possível. Propõe um estudo sobre o estatuto dasexistênciasinexistentessobreamaneiracomoelasestruturamocampode uma política do acontecimento e como elas vêm a encontrar ascategoriasdosaber.Insistiremlidarcomomar,osventos,asnuvens,achuva…

Para lidarcomoquenosescapa,nosensinamosclimatologistas,épreciso imaginar ligaçõesentreofuturoeopresentedoplanetaTerra;criarrelaçõeseaprenderprocessosdanatureza;elaborarmodelosquetornem visíveis tais ligações-relações; conseguir partilhar os desafiosencontrados. Gestos que foram dados a conhecer e sentir durante aentrevista em que conhecemos aspectos da prática de umclimatologista que envolve modelos, ferramentas, algoritmos, chuvas,ventos,conceitoscientíficosefilosóficos…Umconjuntode“materiais”quepermitemaosclimatologistas lidarcomavidaedizerdofuturo.Avidacompreendidacomofeitadessessistemascaóticos,não lineares,mecanismos regulatórios com múltiplas variáveis, escalas de temposdiversas,dinâmicas imprevisíveis,movimentosanômalos.Avidacomoummistérioquenãopodeserencapsuladonumconhecimentojádado,totalizante, completo e previsível. Modelar o clima é fazer uso deferramentas imperfeitas, resoluções grosseiras, é produzir modelosmóveiseprovisórios,élidarcomasincertezas,leisdesconhecidaseaimpossibilidade de conhecimentos completos, é reconhecer aimportânciadeenfrentaras fronteiras.Modelaroclimaéummododepensar o clima, depensar oprópriopensamento comoclimaqueasciênciasclimáticaspodemcriar.

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Modelarpossíveisepensamentoscomoclimatambémé insistirnaspotencialidades futurísticas da comunicação e divulgação científicaspara torná-las uma ficção científica capaz de conceber o humano embases não-humanas apoiadas nas forças da desidentificação, doirreconhecimento, do estranhamento cognitivo, lá onde o humanofracassa (Cf. PENNA, s. d.). Ficção concebida como a produção dedissensos,quealteramosmodosdeapresentaçãosensíveleasformasdeenunciação,osquadros,escalasouritmos.“Essetrabalhomudaascoordenadas do representável; muda nossa percepção dosacontecimentos sensíveis, nossa maneira de relacioná-los com ossujeitos,omodocomonossomundoépovoadodeacontecimentos efiguras”(RANCIÈRE,2012,p.65).

Rancière(2012)noslembraqueorealésempreobjetodeumaficção,daconstruçãodeumespaço-temponoqualseentrelaçamovisível,odizível e o factível. É a ficçãodominante – a ficção consensual – quenega seu caráter de ficção fazendo-se passar por única realidadepossível.Politizaréinstituirgestoscapazesdesulcaremultiplicarorealpara “produzir rupturas no tecido sensível das percepções e nadinâmica dos afetos” (RANCIÈRE, 2012, p. 66), suspendendotemporariamente certos juízos; gerando curiosidade, atenção,hesitação,provocandopequenasfalhasnoautomatismodoshábitosdepensamentoedepercepção.Acolhendoaincerteza,aindeterminação,aimprevisibilidadenumaoutrapolíticadacomunicaçãoquecriaafetosdeefeitos indeterminados(Cf.RANCIÈRE,2012)paraaqualosefeitosdaescrita,daimagem,dosom,entreoutrosnãopodemserprevistoseantecipados.

Ficções inumanasqueemvezda “economiapolíticadaaceleração”participam da “ecologia política do ralentamento” (DANOWSKI;CASTRO,2014,p.148),da frenagemedesaceleraçãodopensamento(Cf. STENGERS, 2004) provocando a suspensão do julgamento, a

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hesitação na crítica, a desaceleração das conclusões apressadas...Ficçõesqueinstauramumnovocampodepossíveisequenospermiteperguntar,umaeoutravez:qualcomunicaçãopodemosconfigurarcomasmudançasclimáticas?

AFETOS(DES)MEDIDOS

Háalgodemarnasimagensquenosatrai...Umacertaalegriainfinitade amar. Interessamo-nos pelos processos marinhos que tornam asimagens um meio vital. Ondas. Arrebentações. Fenômenos deressurgência e afloramento, em que as superfícies das imagens sãoafetadaspelariquezaefriezadasprofundidades;fenômenosdebaixa-mar, em que o mar é, também, pedra, papel, lama, estrela, planta,bicho, linha, cor, som, vãos; fenômenos de beira-mar, em que seres,ondas, números e letras berram de alegria e lutam com a areia.Entrevistar, filmar, montar, escrever, pesquisar como quem realiza

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experimentos com o mar em busca de desenvolver tecnologiasondulantes, que se deixem levar pela deformação e instabilidadeconstantes,expondo-seàsrajadasbrincalhonasdovento,àforçacegada sintaxemarinha.Umabuscapor criar sensoriamentos impossíveis,umaespéciedegeradoresdealiançascósmicas,sinapsesinorgânicas,movimentos alienígenas, para analisar novas composiçõespossíveis eexplorar os gradientes de intensidades que percorrem os corposd’água.Oceanografias...queseefetuamemlaboratórios-ateliês-oficinasde experimentação de novas relações entre o homem e a Terra, deproblematização das oposições e equiparações entre humanos einumanos, de busca de medidas menos homogêneas, hierárquicas,regulareselineares.Umassumircadaumdessesgestos(compalavras,imagens e sons) como práticas que instauram um espaço-tempo dediferir do humano, dediferir o humano (de expressar uma impensáveldiferença),quefaz(querfazer)comqueimagensehumanospercam-senomundo, devirmundo, qualquer um, todomundo e ninguém – numamarmedidasinumanassemfim.

Omaréaquiomaterialdeencontroentreciências,artesefilosofias,reserva de multiplicidades, conexões e mistérios infinitos, queconvocamosparainundarasconfiguraçõesdominantesdohumanonadivulgação científica das mudanças climáticas, em especial nopensamento e criação com imagens, em que o humano éobsessivamente colocado como medida de todas as coisas (Cf.STENGERS, 2002). Os procedimentos de Marmetria nos permiteminvestir num pensamento que deseja emaranhar criativamente mar,humanoseimagensafimdeexplorarogestodemedirdemodosmuitosingulares na criação de uma espécie de ficção oceanográfica.Procedimentosquenosfizerampensarnainsistênciadoscientistas,dasmaisdiversasáreasdasciênciasexatasenaturais,nogestodemedircomo um certo modo de relação do humano com o mundo, numa

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busca incessante por medidas cada vez mais exatas, cada vez maisprecisas, como descreve Ilya Prigogine (2011). Este químico nosinteressa por colocar a comunicação como um dos principaisproblemas das ciências contemporâneas, não a comunicação deverdades determinadas a priori, nem de estados de coisas estáveis,mas o problema que enfrentam a física quântica e a matemática de,efetivamente,entrarememcomunicaçãocomumamatéria sempreemformação, instável e incerta. Problemaque osmodeladores climáticostambém enfrentam ao lidar com sistemas caóticos não lineares,mecanismos regulatórios com múltiplas variáveis, escalas de temposdiversas, dinâmicas imprevisíveis, movimentos anômalos. Aqui umadupla-capturanosinteressa:eseoproblemadacomunicaçãocientíficafosse experimentado como um entrar em comunicação com umamatériavivaeemmovimentoe,aomesmotempo,aspráticasadvindasde ciências, artes e outrosmodos de conhecimento fossem tomadoscomomatériasdeexpressão-composiçãodacomunicação?E se issoacontecesse não seria preciso tomá-los em estado de nascençaconstantecomopossibilidadesderelaçõesporvirincertaseinstáveis?E é por dizer sim a essas perguntas que somos chamados a pensarnumaprecisão-exatidãoaserexperimentadacomas imagensdeumaoutranatureza,buscarumaprecisão-exatidãodesermosdignosdomarcomo acontecimento incomensurável, eventum tantum, que arrebentacom o demasiado humano e nos lança nas praias de imanência (Cf.DELEUZE,1995).

Uma precisão-exatidão da comunicação que também queremosexperimentar junto à busca incessante das artes de criar exatidões-inexatas, precisões-imprecisas, como convoca o poetaWaltWhitmanemCançãodaterraquegira(1999,s.p.):

Nãopodehaverteoriadequalquervaloranãoserqueconfirme

ateoriadaterra,

Nempolítica,canto,religião,comportamentoouoquesejatem

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valor,anãoserqueseequiparecom

aabrangênciadaterra.

Anãoserqueseequiparecomaexatidão,vitalidade,imparcialidade,

inteirezadaterra

(WHITMAN,1999,s.p.)

Interrogar,assim,alógicadaexatidão-precisãoquedominaocampocomunicacional e que se faz presa às diferenças de graus decomformidade da informação, aos falsos problemas que a fixação eestabilizaçãodeumaforma-homeminsisteemimpor.

Nãohácomoresistiraonaufrágioemmeioaomardeinformaçõese,talvez,sejacomonáufragos–sembarco,nembússola,nemesperança– que nos tornarmos sensíveis às terríveis potências das águas, quepedem um pensar em termos de multiplicação das relações entreformas e forças, de variação das forças, exigindo a invenção de umaescrita-corpoprecária,quesedeixelevarporconexõesanexatasentreciênciase artes, num desejar doar respostas exatas às perguntas: Oque podem as imagens com o mar? Que desmesura da gramáticaaudiovisualéprecisoatingirparaserdignodomar,paraestaràaltura(medida)davida?

Marmetria apresenta uma série de ondas, fotografias selecionadasparacriarumacomposiçãocomopapelmilimetrado.Linhasdopapelmilimetrado sobrepostas às linhas do papel fotográfico; linhas retashorizontais entrecruzadas às verticais numa malha quadriculada queinsistesobreas linhasdofotográficoexpondointensamenteavontadedemedidadoquevem.Eoolho fixaas linhasdurasdasciências,aslinhas sinuosas das artes, demarcando posições, estabelecendooposições. Aproximações com a obra que insistem na medida comoverificação e esquadrinhamento de condições existentes,reconhecimentoedeterminaçãodecenáriospassadosefuturos.Vêm...aonda,otornado,otsunami,ovento,otormento…Sobreposiçõesqueconvocam a contínua comparação, expondo um jogo de linhas de

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controleedominaçãoemquemaresoraseamarramaosmilímetros,oraaospixels, revelando trocas e equivalências. Conjugações que ora seaprisionamnas lógicasditas científicas, nasgradesdaprevisibilidade,naobjetificaçãomilitarenoarquivamentoconservadordomundo,oraseasfixiamnaslógicasditasdofotográfico,nassubjetividadespessoaisefamiliares,nosfuncionamentospolicialescos,moralizantes,evidentes.Toda uma geoengenharia de identidades, oposições ecorrespondênciasquereencontraoquejáestavadado:asimagensseefetuam como medida-representação do mundo. Julga-se que oproblemasãoasmedidas,decreta-seofimdasmedidas,argumenta-seser impossívelmedir omar, que qualquermedida resulta emcaptura,controle,dominação,colonização.Talvezsejaprecisoperguntar:comosermosdignos,efetivamente,dasmedidascomoproblema?Comodoaràsmedidasumpensamentodesmedido?Eselançarmosoproblemaaomar...?

Pressentimosquelevaraolimiteessefimdasmedidastemalgoavercomumacertaprecisãodeamarmedidas,comummedirasmedidascomexatidão,promoveraintrusãodeoutrostempospossíveisemseuscorpos (corpos-medidos/corpos-medidas), reinventar medidas e variar(das) medidas. Intuir um outro medir. Vêm... a onda, o tornado, otsunami,ovento,o tormento…Omar re-volta.Ressacadagramática.Mar-metradopormili-ondas?Chovenosmilímetros-pixelsmaisdoqueoprevisto,precipitamafetos.Imagenstransbordamdesmedidas.Olhos-clichêsamolecidosdetantorir.Olhosd’águanãoveem,jorram.Evemamudança... a inundar as imagens de potências líquidas, que levam etrazem, arrastam e desmontam os componentes de uma esperadapaisagem.As linhasdo fotográficoedomilimetradoem justaposiçõesque,diferentesdasposiçõesjustasresultantesdassobreposições,nãopretendemregular,reconhecerejulgar,antesefetuarnúpciaseroubosentrelinhas. Ali onde a precisão da imagem – a existênciamesma da

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imagem–nãoestámaisnofotográficoounomilimétrico,nasciênciasounasartes,masnoencontroentrelinhas,emalgoquesepassaequenãoestánememum,nemnooutro.Pick-up. “[...] [C]adaum tira seuproveito,equeumdevirsedelineia,umbloco,quejánãoédeninguém,mas está ‘entre’ todo mundo, se põe em movimento como umbarquinho que crianças largam e perdem e que outros roubam”(DELEUZE;PARNET,1998,p.9).Justaposiçõesque roubamdopapelfotográficoedopapelmilimetrado,dasciênciasedasartes,aomesmotempo, o funcionamento da medida representacional, fazendo-nospensaraescala comoumproblemadeafeto em variação edevir, emvez de razão constante e analogia de proporção. Aposta que seintensificanas imagensdasérieemqueomarmetradoédobradoemcubos.Asimagenslançamdados.Multiplicamopretonobrancoemmiltons de cinza. Tornam-se, ao mesmo tempo, dados e tabuleiros.Agigantammilímetros,embaralhamescalas,dandoaverqueomundodo infinitamente pequeno é infinitamente imenso de possibilidades decombinações. Convocam um olho dobrado e multiplicado em faces,arestas, linhas, superfícies. Insistem em jogar, insiste em medir,reinventam as medidas convocando a escrita a devolver uma solidezdistintaàmedida,aogestodemedir.

Tempestuosospensamentosconjugamlinhasdeciênciaseartesparainventar novas solidariedades entrelinhas ao experimentar, comStengers,amedidacomoum“afetareserafetado”,comoinvençãoderelações efetivamente políticas, como criação de campos de outros“interesses”entreheterogêneos(STENGERS,2002,p.115) . Invadindoo enunciado “o homem é a medida de todas as coisas” com umavariaçãodesentidoefuncionamentodamedida,Stengers(2002)defineo humano em torno de exigências, e não de destino. Um invadir ohumano com um humormarinho.Humorque mostra o devir daquelequesetornacapazdemedire,aomesmotempo,aquiloquedeleexige

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amedida,omedir:serafetadoefetivamenteportodasascoisas.Oquenosmoveapensarnum“problemaafetivo”(STENGERS,2002,p.201)das imagensnadivulgaçãocientífica,umproblemadeseremefetivaeterrivelmente afetadas pelas ciências, o que não se expressa nainvestidaderepresentarasciênciasquejáestãoaí–comseusregimesaudiovisuais demasiadamente humanos –, mas um acolher as forçasperturbadorase revoltosasdasciênciaspor vir.Roubarapotênciade“simulador” e de “roteirista” das ciências, de compor um campoaudiovisual aberto à convivência de “cenários heterogêneos”(STENGERS,2002,p.165).Apotênciadedaràs“leisdanatureza”umsentidoabsolutamentenovo,recusandoascertezasmoraiseafirmando“asleiscomodevir”(PRIGOGINE,2011,p.163),ondeasleis,plenasdeafetosmarinhos,vazaminteressespelavida.

Afetar-se pelomar para pensar as imagens e a divulgação científicaenvolve um deixar aflorar as possibilidades colocadas por umaanimizaçãodopensamento.Animizaçãoque,comIngold(2013,p.12),queremos pensar como “potencial dinâmico e transformativo de todoumcampoderelaçõesdentrodoqualosseresdetodosostipos,maisoumenospessoaoucoisa,geramaexistênciaumdooutrode formacontínuaerecíproca”.Tomaraslinhasdasciênciasnãocomomedidas-revelações-diagnósticos de verdades dadas sobre o mar-meio, mas,sim,invençõesdemares-meiosacadamedir,movimentosnosquaisaspróprias ciências se reinventam também. Uma divulgação plena deafetosdesmedidosnãoseriaumespaçodedenúnciae ironizaçãodasciências-cientistasdevidoà“estéticadacontingência”quecompõea“medida das histórias da Terra” que eles aprendem a contar(STENGERS, 2002, p. 202), nemum lugar de apontar a derrocadadohumano expondo medos, ressentimentos, neurotizações e nostalgiasdiante de ciências que lidam com sistemas dinâmicos, fluidos,

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indeterminados e incertos, onde “a vida só é possível num universolongedoequilíbrio”(PRIGOGINE,2003,p.30).

A divulgação científica seria, antes, um espaço-tempo deexperimentação contínua com as ciências, com seus materiais,procedimentos, conceitos, métodos, lançando-as num jogo decomposição com outras forças, num emaranhar intenso com lógicasinumanas, díspares, indígenas, alienígenas, estrangeiras, aberrantes,capazes de abrir um novo campo de problematizações e relações,capazes de multiplicar as forças que compõem o humano, variandoinfinitamente a forma-homem (Cf. DELEUZE, 2005). Seria apossibilidade de afetar-se com um tempo-onda, um tempo que nãocessa de agitar, escavar, revolver, corroer, devastar, arrastar emmovimentosturbilhonares.Umtempodemovimentoinfinito,quenãoédefinido a priori, que arrebenta a cada vez de um novo modo, semreconciliaçãopossívelcomtempospassados.Tempo-oceânico,emquetodos os tempos estão juntos, reunidos sem fusão, afirmando acompossibilidadedetemposincompossíveis.Marmetria,tempoemqueestaremcimaouembaixo,nasuperfícieounofundo,nãoéumcasodehierarquização, mas de possibilidades de vida, de distribuição emdiferentesgradientesdeintensidades.

Medidas alegres que se deixam devorar e decompor, tornando-sedisponíveis para outras conexões, interações, composições, numaescrita que investe em tramar linhas que colocam humanos,mares eimagensnummesmoplano,aconjugarlinhasnãoparacapturaromar,conter o mar, mas para enfrentar o impossível dasmedidas, inventarrelaçõescomomar. Insistir emmedir, comoasmarésmedemaLua.Voltaràstábuasdemarés,nãoparaproteger-se,masparaarriscar-se,lançar-seeexpor-seaoencontrocommar,para jogar-seaomar,poisjogar-seaomarécriar,écriar-se,éabrirumburaconocorpoparaque

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o mar passe e inunde de incomensuráveis os mensuráveis, insinuecomensurabilidadesentreincomensuráveis.

Marmetriapermitepensaremumaescritaamarquedeseja fazercomdeimagensehumanosumamatériaplásticadeexperimentaçãodoquepodemasimagensquandopensamosqueaquestãodopoderéadasforças que compõem o homem. Quando tornamos as imagenslaboratórios-ateliêsdeexperimentaçãocosmopolítica.Arriscamo-nosaexperimentarcomMarmetriaereinventaroquepodeumaoceanografia.Retirá-la de uma definição restrita às ciências e abri-la a umacomposiçãocomforçasadvindasdeartesefilosofias.Levaraolimiteadefinição que as próprias ciências dão à oceanografia quando apropõem como estudo das relações que exige uma abordageminterdisciplinar.Tomaroestudodasrelaçõesnãocomoidentificaçãoderelações preexistentes, que poderiam apenas ser reconhecidas,diagnosticadas, verificadas, mas tomar o estudo como, ele mesmo,criador de relações. Fazer coexistir grandes estudos sobre o mar epequenos estudos com o mar, preferindo um amar estudos-estúdiossem fim. Uma escrita que inventa, a todo tempo, superfícies-meios-tramasemqueartes,filosofias,ciênciasecomunicaçõespossamestarreunidassemsefundirem,semseidentificarem,semequivalerem.Umainsistênciaamorosaem inventarmodosdeestarperto-dentro-juntodomarqueexige,aomesmotempo,umdeixarsolto-livre-fluido.

Marmetria... abertura infinita a encontros imprevisíveis, inesperados,impensadosdesdedentrodeummesmoamar.Marmetria...umquerermultiplicar as ciências em mil destroços. Marmetria... um modo desubmeter artes, ciências, filosofias e comunicações à catástrofe doencontro. Não uma catástrofe excepcional, a ser lembrada como ummarcohistórico,umaexperiênciasignificativa,masacatástrofedeestarvivo.Quandoavidaéintensademaisevivemosumcolapsoperceptivoque nos deixa vulneráveis. Não sabemos como agir, pois não émais

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possívelagirnascoordenadasjáestabelecidas,nasposiçõesfixadas.Acatástrofe do encontro de diferentes, de diferir o encontro, em queenfrentamosoproblemadenãoconseguirmosverparaalémdereflexosde nós mesmos, de nos abrirmos à inquietante multiplicidade eestranheza da relação com os outros seres-coisas disseminados pelocosmos.Catástrofequefazcomqueaforma-homemdeixedeserumamedidapadrãofixaeimutável.

Não seria a catástrofe do encontro a potênciamesmadadivulgaçãocientífica? A catástrofe do encontro torna ciências, artes, filosofias ecomunicaçõesvulneráveis,fazendonascernovasforças,gerandonovasdisponibilidades para relações entreforças distintas, nuncaexperimentadas. Oceanografias a inventar historiografias de futuro...etnografiasfabulosas...biografiasimpossíveis...Modosdenãomaisnossubmetermosàsleisdasobrevivência,emqueaprecauçãoéacionadapela inteligência como medida para antecipar e prevenir a dor e atristeza,conservandoumtempoeficazeacelerandoosfeitoseefeitosdos humanos. Antes sermos arrastados pelas violentas leis da vida,ondeaprudênciaémobilizadapelaintuiçãoparatransformaramedidaemgestodeavaliaçãoconstantedeafetosquefaçamdurarumtempoem que experimentamos um certo retardo, uma lentidão de amar.Escritas desmedidas feitas para realçar uma potência distinta dohumano, aquele realce cantado por Gil, em que deixamos de nosconsiderar seres, para nos tornarmo-nos afetos e durações:O que agentepode,pode/Oqueagentenãopode,explodirá/Aforçaébruta/Ea fonte da força é neutra/ E de repente a gente poderá(...) O afeto éfogo/Eomododofogoéquente/Ederepenteagentequeimará.../Seavidafere/Comoasensaçãodobrilho/Derepenteagentebrilhará...(GIL,1979,s.p.)

REFERÊNCIAS

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WHITMAN,Walt.LeavesofGrass/Folhasdarelva.Trad.RodolfoGutilla.SãoPaulo:Iluminuras,2005.

RESUMO:Acomunicaçãodasmudançasclimáticasviveoseulimite.Criarumcorpoparaesteproblemaéabuscadestetexto.Algoquesentimosquesópodeserfeitocomaproblematizaçãodoquepodeaescritaemmeio à gramática e regimes perceptivos dominantes, em que o humano é obsessivamente colocadocomo justamedidade todasascoisas.Paracriarestecombateeconvocaraspotênciasdeumaescrita-limiteescolhemoslidarcomaentrevistacomumclimatologistaqueproduzimosparaaRevistaClimaComequefoieditadacomasériedeimagens“Marmetria”,deFernandaPestana.Tomamosomarcomomaterialdeencontroentreciências,artesefilosofias,reservademultiplicidades,conexõesemistériosinfinitos,parainundarasconfiguraçõesdominantesdohumanonadivulgaçãodasmudançasclimáticaseproliferarvidanaspolíticascomunicacionais.

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ABSTRACT:Climate changecommunication is at its limit. The aimof this text is to create abody for thisproblem.Wefeelthatthiscanonlybedonewiththeproblematizationofwhatwritingcandointhemidstofthe dominant grammar and perceptual regimes, in which the human is obsessively placed as the rightmeasure of all things. To create this combat we chose to deal with a climatologist’s interview that weproduced forClimaComJournaleditedwith the“Marmetria”seriesof imagesproducedby thevisualartistFernandaPestana.We take the seaas amaterial of encounterbetween sciences, arts andphilosophies -reserveofinfinitemultiplicities,connectionsandmysteries-tofloodthealltoohumanconfigurationsoftheclimatechangecommunication.

[1]PesquisadoraeprofessoradoLaboratóriodeEstudosAvançadosemJornalismo(Labjor)daUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), líder do grupo de pesquisa “multiTÃO:prolifer-artessub-vertendociências,comunicaçõeseeducações” (CNPq),diretoradoAteliêOrssarara, fundadora e editora da Revista ClimaCom. Endereço eletrônico:[email protected].

[2] Professora da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp), fundadora e editora da Revista ClimaCom. Endereço eletrônico:[email protected].

[3]ArtistaedoutorandaemArtesVisuaispelo InstitutodeArtes (IA),daUniversidadeEstadualPaulista (Unesp), mestre em Divulgação Científica e Cultural (2014), pelo Laboratório deEstudosAvançadosemJornalismo(Labjor).Endereçoeletrônico:[email protected].

[4]Aobrapodeseracessadaemhttp://climacom.mudancasclimaticas.net/?p=245.“Marmetria:Vêm…aonda,otornado,otsunami,ovento,otormento…Vêmcomoforçasmobilizadorasque pareciam imutáveis. Sabe-se que vêm, mas, se a medida de seus efeitos fossemprecisaseprevisíveis,nãohaveria tantos registrosearquivosdaquiloquese tornaruína.Evemamudança,opermanenteestadodemudança,ainundarasimagensquenosremetemàs forças marítimas, às potências do líquido que leva e traz, arrasta e desmonta oscomponentes de uma esperada paisagem” (PESTANA, 2014). Marmetria fez parte daexposiçãocoletiva“Afetosnascentes”queogrupomultiTÃOorganizounoMuseudaImageme do Som (MIS) de Campinas e que estava relacionada à produções para o dossiê“Adaptação”daRevistaClimaCom.Vejamaisem:http://climacom.mudancasclimaticas.net/?p=1388.

[5]Nossa pesquisa atualmente está relacionada aos projetos: Instituto Nacional de Ciência eTecnologia paraMudançasClimáticas (INCT-MC) – (ChamadaMCTI/CNPq/Capes/FAPs nº16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9); “Por uma nova ecologia das emissões edisseminações: como a comunicação podemodular amais intensa potência de existir dohumano diante dasmudanças climáticas?” (CNPq); “Imediações aberrantes: processos depesquisa-criaçãoentreartes,ciênciasefilosofiaparaexperimentaçãodacomunicaçãocomoecologiadeafetos”(Pibic-Faepex)eRevistaClimaCom.

[6] Entrevista realizadacomoclimatologistaPauloNobreque, na época, era coordenadordaRede CLIMA. Fizemos um vídeo para a série EntreVidas da revista ClimaCom com essaentrevista em que experimentamos uma composição da entrevista com a obraMarmetria.Disponívelem:http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=1520

[7] multiTÃO: prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq). Umgrupoqueapostanaconexãoentrediversasáreasdoconhecimentoparaexperimentar,porentre imagens, palavras e sons, possibilidades de ações poéticas e políticas pelos maisdiversosespaços-mundos-públicos.Umexperimentar(des)contínuo,porproblematizaçõeseinteraçõescomopúblico, tendoaarteea filosofiacomopersonagens intensos-intensivos

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que nos convidam a divagar, proliferar, suspender, sub-verter, buscando gerar fugas àsestabilizaçõesefixaçõesnosconhecimentos,culturasevalores.DentreasapostasdogrupomultiTÃO está a criação demateriais (imagens, instalações, livros, objetos, jogos, corpos,exposições, eventos, oficinas, textos, sons...) que potencializem possibilidades afetivas epolíticasdeesvaziamentodassignificaçõesjádadas,dasfixaçõesidentitáriasedasideiasdefuncionamentogeraldeciências,educaçõesecomunicações.Trans-formaçõesqueressoemem possibilidades de expressão, sensação, entendimento, ensino-aprendizagem e quemobilizem modos distintos de pensar-habitar o mundo:http://multitaocorrespondan.wix.com/multitao

[8]“Amodelagemé,naverdade,umamaneirade‘imaginar’ofuturoapartirdeinformaçõesdopresente e do passado. Mas os cientistas ainda buscam formas mais acuradas de seentenderadinâmicadosistematerrestre”.KUGLER,Henrique.“Modelagemclimática,muitoprazer”. Ciência Hoje. 08/10/2012. Disponível em:http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2012/10/modelagem-climatica-muito-prazer. Acessoem:mar.2015.

[9]Ressalta-seaquiaimportânciadadistinçãoentrepoderepotência.[10]Disponívelem:http://www.goethe.de/wis/bib/prj/hmb/the/152/pt5319816.htm[11] Disponível em: http://oglobo.globo.com/sp/mat/2009/03/09/escultura-de-10-toneladas-de-

gelo-derrete-em-exposicao-na-oca-em-sao-paulo-754756147.asp[12] Disponível em: http://catracalivre.folha.uol.com.br/2009/03/intemperies-%E2%80%93-o-

fim-do-tempo/[13] Disponível em: http://mais.uol.com.br/view/1xu2xa5tnz3h/metropolis--exposicao-

intemperies--fim-do-tempo-04023472D0818326?types=A[14] Disponível em: http://mais.uol.com.br/view/1xu2xa5tnz3h/metropolis--exposicao-

intemperies--fim-do-tempo-04023472D0818326?types=A[15]???[16]Exposiçãorealizadaentreosdias14e19denovembro,noMuseuda ImagemedoSom

(MIS),deCampinas,SP.Verem:http://climacom.mudancasclimaticas.net/?p=1388[17]Large-ScaleBiosphereAtmosphereExperimentinAmazônia(LBA).[18] Comparação entendida como a invenção de diferenças entre diferentes (em vez do

estabelecimentodeequivalênciasesemelhanças).

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“CÉLULASBONITAS”:VITALIDADEETECNOESTÉTICAEMUMLABORATÓRIODEBIOLOGIACELULARBeautifulcells:vitalityandtechno-aestheticsinacellbiologylab

DanielaTonelliManica[1]

AmandaMendesFraga[2]

KarinaDutraAsensi[3]

ReginaCoelidosSantosGoldenberg[4]

Reading a great piece of science is, in short, no different than attending a

classic opera or hearing a brilliantly played symphony. The scientist who

misses the drama, the style, the surprises in the plot, the subtleties and

unexpected uses of instruments, the culminatingcrescendo of results, has

simplyfailedtocomprehendthepiece.(Root-Bernstein,1996,p.57)

Precisamosdopoderdasteoriascríticasmodernassobrecomosignificados

ecorpossãoconstruídos,nãoparanegar significadosecorpos,maspara

viveremsignificadosecorposquetenhamapossibilidadedeterumfuturo.

(Haraway,1995,p.16)

Com foco na produção imagética do cotidiano de laboratório, apropostadeste texto é apresentar o itinerário de isolamento, cultivo eexpansão das células estromais mesenquimais derivadas do sanguemenstrual(as“CeSaM”).Suaviabilidadeparausoemterapiascelularesebioengenharia vemsendopesquisadanoLaboratóriodeCardiologiaCelulareMolecular(LCCM)doInstitutodeBiofísicaCarlosChagasFilho(IBCCF) daUFRJ. Além dos procedimentos laboratoriais de produção

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dessas células, buscaremos apresentar e discutir os critérios quedefinemdeterminadosconjuntosdecélulascomo“felizes”,“bonitas”e“boas”, eoutroscomo “infelizes”, “feias”e “descartáveis”.Oobjetivo,comisso,épensaromododeexistênciadessascélulasemlaboratório,suavitalidadeetecnoestética.

Esse texto se produz no contexto de umapesquisa, emandamentodesde 2015, que tem como objetivo geral pensar diferentesagenciamentos de fluidos e substâncias corporais, em especial osangue menstrual. Seu universo mais amplo de interesses englobaabordagenssocioantropologicassobrecorpo,gêneroetecnociências.[5]

Essa incursão temática sedesdobradeumaperspectivaetnogra casobre questões como: hormônios sinteticos e suas tecnologias,inclusive contraceptivas (Manica 2003, 2009, 2011, 2012, Manica eNucci, 2017); tecnicas corporais que envolvem o corpo e uidoscorporais,comenfoqueprivilegiadosobreseusaspectosreprodutivos,comoparto/placenta,amamentacao/leite,sêmen,embrioeseosanguemenstrual; e a utilizacao desses uidos e substâncias corporais empesquisas cienti cas, manifestacoes artisticas e praticas diversas(ManicaeRios,2017;Manica,GoldenbergeAsensi,2018).

Partindodeumadiscussãosobreasformascomocorposenarrativasestão inseridos no universo das tecnociências contemporâneas (Cf.HARAWAY, 1997), esta pesquisa indaga sobre os agenciamentos, as“multiplasontologias”(MOL,2002,p.157)dosanguemenstrual.Nesterecorte, trata-sedepensar corpos e tecnociências emagenciamentoscontemporâneos. E, mais especificamente, de pensar o sanguemenstrual comosubstratopara aproduçãodecélulas em laboratório,com a finalidade de produzir pesquisas científicas, e eventualmenteterapêuticas, nas áreas de terapia celular, medicina regenerativa ebioengenharia.

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SANGUE,FLUXOSEAGENCIAMENTOSCOMATECNOCIÊNCIAO sangue como substrato é uma temática clássica, tendo sido

pensado na sua perspectiva simbólica, como um dispositivo ritualimportante (Cf. TURNER, 1967), como significante para estruturas deorganização cognitiva e social (Cf. LÉVI-STRAUSS, 1964, 1966, 1968,1971; DOUGLAS, 1984), como linguagem no contexto do parentescobiológico (Cf. SCHNEIDER, 1968, 1984; STRATHERN, 1992). Acirculação do sangue e sua presença “fora” dos corpos, dada suaplasticidade e fungibilidade, têm sido também abordadas comotemáticasinteressantesparapensarcorposeseusfluxosesentidosnomundo(Cf.CARSTEN,2011,2013).

Ainda que de perspectivas variadas, o sangue é tido como umasubstânciacomumfortepoder ritual,capazdeprovocar ressonânciasemocionaisprofundas,pelasuaassociaçãocomexperiênciasvisceraiscomooparto,aguerra,acaçaeamorte.Damesmaforma,osanguemenstrualestápresentenabibliografiaclássicasobrecorpoegênero,símbolos,mitoserituais.Aforçaeoapelovisualdosanguemenstrualmarcam diversos rituais de puberdade e procedimentos de interdiçãosocial (Cf. BUCKLEY; GOTTLIEB, 1988; TURNER, 1967; DOUGLAS,1984).

Osanguemenstrual está também relacionadoaogênero, sejacomouma categoria estável que discrimina uma identidade de gênero, a“mulher” (Cf. MARTIN, 1987), seja como uma categoria problemáticanessesentido(Cf.BOBEL,2010;MANICA,2018).Suacentralidadenosrituaisecosmologiasxamânicasamazônicasfoiressaltada,assimcomoo potencial do sangue menstrual de agir nesse contexto como umasubstância “psicoativa” (Cf. BELAUNDE, 2006). Sua capacidade detransitar,eredefinir,asfronteirasentre“dentro”e“fora”,“superfície”e“profundezas”doscorpos(Cf.SANABRIA,2016)éumaspectoquefaz

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do sangue menstrual uma temática ainda contemporânea einteressante.

Uma primeira etapa desta pesquisa sobre agenciamentoscontemporâneos do sanguemenstrual focou-se em sua utilizacao emperformancesartisticas,exposicoes,fotogra as,quecolocamosanguemenstrual em evidência, como objeto artistico (Cf. BOBEL, 2010;BERTHON-MOINE, 2011; BOBEL; KISSLING, 2011). Essas imagens,bem como outrasmenos circunscritas aos universos estabilizados daarte,mais“caseiras”e“pessoais”,têmsidoamplamentereplicadasemdivulgacoesnasdiversasredessociaisdigitais,pelapotênciaesteticaepolitica do “vermelho” do sangue menstrual, e suas relacoes comquestõesdegênero.Algumasdimensõesdessatecnopolíticadosanguemenstrual em dispositivos artísticos, nas “performances menstruais”,foramentãodiscutidas(MANICA;RIOS,2017,p.125).

Opresente capítulo resultadeum recorte específicodestapesquisasobre os agenciamentos do sangue menstrual no contexto datecnociência brasileira. Apresenta os resultados de uma pesquisa deiniciação científica realizada por Amanda Mendes Fraga durante suaformação no curso de Graduação em Ciências Sociais (IFCS/UFRJ),orientadapelaProfa.DanielaTonelliManica,efinanciadapeloCNPq.Orecorte empírico envolve as pesquisas com as CeSaM realizadas noLCCM/UFRJ, coordenadas pelaProfa.ReginaGoldenberg e pelaDra.Karina Asensi, pesquisadora de pós-doutorado na instituição, e quevemtrabalhandocomasCeSaMdesdeagraduação.

Criado em 1985, e situado no Instituto de Bio sica Carlos ChagasFilho da UFRJ, o LCCM tem utilizado o sangue menstrualprincipalmente nas linhas de pesquisa que investigam o isolamento,cultivodascelulasestromaismesenquimais;geraçãodecelulas-troncopluripotentes induzidas; diferenciação em celulas tecido-especi cas

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(hepatócitos);assimcomoterapiascelularesparadoencascardiacasehepáticas.[6]

O objetivo mais geral das pesquisas nessa linha envolve conseguirisolar, cultivar e expandir celulas que possam agir sobre a doenca(hepaticaoucardiaca),demodoarevertê-laou impedi-ladeprogredir.Trabalham-se as possibilidades de explorar o uso dessas celulas emterapias para tratar disfuncoes como, por exemplo, o infarto domiocardio. O laboratório busca também desenvolver celulas commelhores perspectivas terapêuticas do que o transplante de orgaos,investindoemexperimentosdebioengenharia,comoadescelularizacao(de gado e coracao) e sua recelularizacao com celulas-tronco quepoderiam ser as dos próprios pacientes, o que reduziria o risco derejeiçãoimunológica.Epermitiriaescapardaslimitaçõesàspesquisaseterapias envolvendo células embrionárias, já amplamente descritas nabibliografia sobre células-tronco, seja pelas suas restrições técnicas,seja pelas implicações bioéticas (Cf. NOBRE; PEDRO, 2014;CARVALHO; GOLDENBERG; BRUNSWICK, 2012; MARIANO, 2012;LUNA,2007,2012;CESARINO,2007).

As pesquisas com as CeSaM envolvem estudar as funcoes epotências das celulas presentes no tecido interno do utero, oendometrio, que descama durante a menstruacao. Nos experimentosnos quais vêm sendo utilizadas, as CeSaM mostraram resultadospromissoresnessesentido.Apotênciadessascelulasestaligadaasuacapacidade de “aderir ao suporte de cultura, exibir uma morfologiabroblastoide, alem de apresentarem uma alta taxa de proliferacaodobrando a sua populacao em 19-36 horas [...] sugerindo que aexpansao em larga escala e possivel em uma proposta terapêutica”(ASENSI;GOLDENBERG;PAREDES,2012,p.112).

O“per l”dasCeSaMtemsemostradoequivalenteaodascelulasdamedula ossea,deacordocommarcadoresespeci cos (capacidadede

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expressar proteinas, fatores de transcricao e de crescimento epropriedades imunomodulatorias). Têm uma sobrevida maior que aobservadaemcelulasdeoutrostecidos,eumacapacidadesuperiorderesistência a condicoes desfavoraveis. No entanto, seguem sendocélulas menos utilizadas na maioria das pesquisas com célulasmesenquimais,sendofrequentementepreteridaspelasdemaisfontesdecélulas adultas possíveis: medula óssea, líquido amniótico, placenta,cordãoumbilical,gordura,sangueperiféricoeapolpadodentedeleite(Cf.MANICA;GOLDENBERG;ASENSI,2018).

Em um artigo recentemente publicado, descrevemos o processo deisolamento, cultivo e expansão das células do sangue menstrual,discutindoapresençadessesubstratocorporalno laboratório.Algunseventos observados durante a pesquisa de campo foram ressaltados,nointuitodepensarquestõesdegêneroeciência,comoporexemploamarcaçãoquepersistenasCeSaM(enãonasdemaiscélulas)porcausadesuaorigem“uterina”,easassimetriaseviesesdegêneropresentesnaspráticascientíficasdolaboratório,queserefletemnascarreirasdaspesquisadoras(Cf.MANICA;GOLDENBERG;ASENSI,2018).

Apropostadestapesquisatemsidocolocaremevidência,apartirdeum trabalhode cunho socioantropologico, essas narrativas – inclusivevisuais (Cf.LIE,2012,2015)–sobreavidacelulardasCeSaM,esuaspotencias.Nessesentido,segueatrilhadepesquisasnainterfaceentreantropologia e estudos sociais (e feministas) da ciência, que buscampensarosagenciamentosdecorposesuaspartes–comoascélulas–nas dinâmicas tecnocientíficas contemporâneas. E contribui paraexperimentar uma forma de divulgação científica a partir de umengajamentoantropológicoeetnográficocomouniversodaspesquisasemquestão.

IMAGEM,CIÊNCIAETECNOESTÉTICA

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A ideia deste trabalho específico, sobre uma “tecnoestética” dasCeSaM, surgiu de uma situação apresentada durante a pesquisa decampo. Na defesa de doutorado de Karina Asensi, ao falar sobre asCeSaM,umadascomponentesdabancadeavaliaçãocomentavasobreaaltaresistênciadasCeSaMacondiçõesinóspitas(poucooxigênio,nocaso), em comparação com demais substratos corporais do mesmotipo, chamando-as de células “duras de matar”. Neste contexto, aarguidora imaginouqueacélula ficassemuito“bonita”,apesardesuacultura não ter sido apresentada fotograficamente no trabalho, eindagou sobre isso, buscando a confirmação.Seguindo essa pista noâmbito de sua iniciação científica, a pesquisa de Amanda Fraga(IFCS/UFRJ) compreendeu então fazer um levantamento dessasimagense,emdiálogocomaspesquisadorasdolaboratório,entenderoque configuraria uma célula “bonita” e “feliz” para elas. São osresultadosdesseesforçodepesquisaqueapresentamosaqui.

Odebatesobreasrelaçõesentreimagense(tecno)ciênciasconfiguraum temaclássico, comuma literaturabastanteamplaediversa, cujascontribuições são irredutíveis ao escopo deste texto. Desenhos,fotografias e representações visuaismarcaramasprimeiras formasdeinscriçãodeseresecorposporcientistas, tangenciandoaconstruçãoda “objetividade”, uma das “virtudes epistêmicas” que compõem osparâmetros de um conhecimento considerado científico (DASTON;GALISON,2007,p.16).[7]

Entretanto, a delimitação das imagens nas ciências à questão da“objetividade”,esobretudosuaoposiçãodicotômicaaumapossível(eindesejável)esferada“subjetividade”éumaatribuiçãoquerestringepordemais a forma como se podem pensar as relações entre imagens eciências, bem como suas próprias conceitualizações (Cf. MONTEIRO,2015).Muitos trabalhosnocampodosestudos sociaisdas ciências etecnologias (ESCT) vêm demonstrando, há décadas, como as

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interpretações e narrativas que socializam essas imagens sãopermeadas por estereótipos e pressupostos sociais específicos,histórica e politicamente situados. Um dos exemplos maisemblemáticos é a análise de Emily Martin (1991) sobre narrativascientíficas sobre o óvulo e o esperma, que apresentam os gametascomoseestivessememumcontodefadasdeprincesasepríncipes.

Aofalarsobreosurgimentodoultrassomobstétricoeaconstruçãodofeto como “pessoa”, Lilian Chazan parte da construção de um certo“olhar”,etambémdeum“corpo”queseconstituicomoobjetocientífico(Cf.CHAZAN, 2007).Nummovimento similar, RosanaMonteiro (2001)percorreasvideografiasdocoraçãoperformadaspelosprocedimentosde cateterismo. Ambos os trabalhos, produzidos no contextosocioantropológico brasileiro dos ESCTs ressaltam o processo deconversãodointeriordoscorposdeespaçosinacessíveisparaespaçosvisíveise,portanto,passíveisdeconhecimentoeintervenções.

As tecnologias da imagem e suas articulações ao contexto dabiomedicinaedatecnociênciasãofundamentaisnessesprocessos.Aoabordá-los de umaperspectiva etnográfica,Chazan (2007) eMonteiro(2001)argumentamqueoquetornaessasimagensinteligíveiséaformacomo os diversos coletivos (de médicos, cientistas, pacientes emáquinas) partilham concepções, e disputam discordâncias, sobre asformasdeentendimentoeclassificaçãodaquiloquese“vê”.

Chegam,portanto,aumaconclusãopróximaaoqueDonnaHarawaycolocaaofalardessaquestãoedefenderaimportânciade“localizar”ossaberes:

Não há nenhuma fotografia não mediada, ou câmera escura passiva, nas

explicações científicas de corpos e máquinas: há apenas possibilidades

visuais altamente específicas, cada uma com ummodomaravilhosamente

detalhado,ativoeparcialdeorganizarmundos.(HARAWAY,1995,p.22)

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Apartirdoencontroetnográficoproduzidoentrenós,pesquisadoras,a proposta aqui é apresentarmos como se “organiza o mundo” dasCeSaM,enumerandocoletivamentealgunsdoscritériosquecompõema leitura de uma dada cultura dessas células a partir de parâmetrosestéticos. Não se trata, por ora, como já fizeram também inúmerostrabalhos nas interseções entre tecnociências e humanidades, deexplorar as possíveis apropriações das fotografias científicas parareapresentações em universos artísticos, exógenos ao cotidiano delaboratório.[8]Esimdepensaraestéticaapartirdosafetosproduzidospela percepção do andamento dos procedimentos experimentais,expressos na vitalidade das células em cultivo, e na sua apreensãoestéticamediadapelas tecnologias de imagem. Trata-se, portanto, depensarasconvergênciasentreaspráticascientíficaseartísticas,eemque sentido essas ações partilham “uma estética criativa comum”(ROOT-BERNSTEIN,1996,p.50).

Essa abordagem se inspira na conceitualização e defesa de uma“tecnoestética”talcomopropostapelofilósofoGilbertSimondon(1998).Embora fale de elementos arquitetônicos de construções, pontes eviadutos, ferramentas e instrumentos, veículos motores, em suma,“objetos técnicos”, o autor recorre à importância da sensação, daafecçãoestética,articuladaaofuncionamentodoobjeto:

Masa tecno-estéticanão temcomocategoriaprincipal acontemplação.É

no uso, na ação, que ela se torna de certa forma orgásmica, meio tátil e

motordeestímulo.Quandoumaporcabloqueadasedesbloqueia,sentimos

um prazer motor, uma certa alegria instrumentalizada, uma comunicação,

mediatizadapelaferramenta,comacoisasobreaqualelaopera.[…]Éum

tipo de intuição perceptivo-motora e sensorial. O corpo do operador dá e

recebe.(SIMONDON,1998,p.256)

Interessa-nosreterdesseconceitodoisaspectos:primeiro,umacertafruição estética de um objeto técnico que, em sua ação, articula-sepositivamente com o operador, desempenhando-a bem; segundo, a

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conexãoesimetrizaçãoqueoconceito(tecnoestética)propõeentreasesferasdassensações(arte)edoconhecimento(ciênciaetecnologia).

ParapensarasCeSaM,contudo,hácontrapontos,desdobramentoseextrapolaçõesdesserecortequeprecisamserconstituídos,equedizemrespeito,também,aduasquestões.Primeiro,aespecificidadedomododeexistênciadascélulasem laboratório:são“entes”comvitalidadeecomumaontologiaprópria,enãoobjetos técnicos.[9]Segundo,reiterarquearelaçãocomocorpo,focodo“sensível”queestáemquestão,émediada pelos aparatos e tecnologias de laboratório, dentre eles astecnologiasdevisualizaçãodascélulas.[10]

Muitasvezes,aspopulaçõesdeCeSaMresultamdedoaçõesqueaspesquisadoras fazem de seu próprio sangue menstrual (Cf. MANICA;GOLDENBERG, ASENSI, 2018). Nesse sentido permitem, caso sejanecessário ou desejado, (re)estabelecer uma relação de continuidadevitalcomoprópriocorpodaspesquisadoras.Masnãoéaessemesmotipoderelaçãotátilesensorialimediataqueoconceitodetecnoestéticaremete.Aqui,comoveremos,aafecçãosensorialseproduzatravésdapercepçãovisualdeumexperimentobem-sucedido:célulascrescidas,fortes,vivasefelizes.

Queremosargumentar,portanto,quealinguagemdatecnoestéticafazsentido para falar disso porque escapa às oposições entre sujeito xobjeto,subjetividadexobjetividade,eporqueflertacomapropostade“reativar o animismo” (STENGERS, 2017, p. 11). Isso nos permiteencontrar, nas imagenscotidianasdasculturasdeCeSaM, índicesdesua vitalidade, que produzem afetos e ressonâncias emocionaisespecíficas, ligadas ao bom funcionamento dos experimentos e aodesejo de que eles dêem certo. Caracterizar esse processo de umaperspectiva“tecnoestética”nospermitecaminharnosentidodeproporuma“simpoiese”(HARAWAY,2016,p.58)ouseja,um“fazerconjunto”,entreaspesquisadoraseasCeSaM.

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ASCESAMESUASINSCRIÇÕESAntes de chegar às fotomicrografias das células, apresentamos a

seguir algumas das imagens que descrevem o itinerário das CeSaM,desdeosprocessos iniciaisdoseucultivoem laboratório:dachegadada amostra de sangue menstrual, passando pelo processo decentrifugação,queseparaosdiversoscomponentes,isolandoascélulasestromaismesenquimais que serão, então, colocadas emplacas parapoderemaderirecomeçaracrescer(figura1).[11]

Figura1.Processamentodosanguemenstrual,isolamentoeplaqueamentodascélulasestromaismesenquimais(CeSaM).Fotografias:DanielaManica.

O processo de isolamento e cultivo das células culmina com a sua“expansão”,queéquando,depoisdealgunsdias,ascélulascrescemecomeçamasemultiplicaratépopulartodaasuperfíciedasplacas.Nafigura 2, apresentamos as fotomicrografias com as células recémaderidas após 24h do plaqueamento: ainda aglomerados isolados, decélulaspequenas,situadasemespaçosseparadosdaplaca.Depoisde

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6 dias, as mesmas células ficam mais alongadas, curvilíneas eocupando todo o espaço da placa, em aspecto chamado de“confluente”(figura3).

Figura2.CeSaMapós24horasdeisolamentoFotomicrografias:KarinaAsensi.

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Figura3.CeSaMapós6diasdecultivo.Fotomicrografias:KarinaAsensi.

O objetivo principal do cultivo dessas células em laboratório édesenvolvê-las em número suficiente para que elas possamparticipardos experimentos diversos na área da cardiologia e hepatologia.Portanto, ébastantedesejávelqueessaexpansãoseja rápidaebem-sucedida, ou seja, quemuitas células cresçam e semultipliquem nasplacas, mantendo a sua vitalidade. Assim, a observação dessecrescimento em microscópio, e seu possível registro nessasfotomicrografias,funcionamparamonitoraravitalidadedascélulas,suavelocidade de ocupação (“população”) das placas, e assim aferir apossibilidadederealizar,posteriormente,osexperimentos.

Umaglomeradode“célulasbonitas”depende,portanto,dosdiversosfatores que caracterizam a sua condição de existência: há quantotempo as células foram colocadas para crescer, em qual meio decultura, e em quais condições ambientais essas células foramincubadas.Osprotocolosdapesquisasugeremdequantosemquantos

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dias as placas devem ser verificadas, o meio de cultura trocado, ascélulas recolocadasemmaisplacas,ouplacasmaiores,paraquesuapopulação não esgote os recursos ambientais (nutrição e espaço decrescimento)epossacontinuarcrescendoatéomomentoidealnoqualelasdeverãoserutilizadasnosexperimentos.

Emcondiçõesambientaisfavoráveis,ascélulasdevemsedesenvolverbem.Porém,partedosprocedimentospodeenvolvera incubaçãoemcondições mais restritas, em termos de nutrientes e de oxigênio emgradientes variados (a “hipóxia”). Esse recurso permite simularsituaçõesorgânicasnasquaiso“ambiente”corporal tambémse tornainóspito para as células sobreviverem, como é o caso do infarto domiocárdio.

Espera-seque,emcondiçõesdesfavoráveis,ascélulas“sofram”maisehajaumaperdamaiornapopulaçãocultivada.Comoapesquisademestrado de Karina Asensi permitiu demonstrar, diferentemente deoutrossubstratoscorporais,asCeSaMapresentamumaboaresistênciaaessascondições(Cf.ASENSIetal.,2014).Jáascélulasmesenquimaisdemedulaóssea,cujamorfologiaésemelhanteàdasCeSaM,“sofrem”muito com a redução dos nutrientes e do oxigênio, apresentando-semenores,maisretraídas,edescolando-sedaplaca.

Embora nos artigos científicos essa diferença seja apresentadanumericamente, em gráficos com dados quantitativos compostos porindicadores moleculares, e pelos índices de vitalidade e crescimentodas células; empiricamente, no laboratório, essa diferença pode serimediatamente percebida ao observar as placas de células aomicroscópio.Oexemplocitadoacima,dadiferençaentreasCeSaMeasmesenquimaisdamedulaósseaemhipóxia,antesdeserformulado,medido, quantificado, foi percebido pelas pesquisadoras ao notar apersistência das CeSaM, mesmo após três dias em condições

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reduzidasdeoxigenação.IssoéoquefazdasCeSaMascélulas“durasdematar”.

A figura4 (abaixo)expressavisualmenteessadiferençadavitalidadeentre os dois tipos de células. E, embora uma pessoa leiga, olhandopara as duas fotomicrografias, possa atribuir às cores, variações deformas e ao brilho no contorno das células da medula uma certaqualidade estética, é na persistência vital das CeSaM, na resistênciaqueelasapresentaramàscondiçõestensasdoambienteaoqueforamsubmetidas,mantendo-se numerosas e alongadas, finas e curvilíneas,que reside sua beleza, sua positividade tecnoestética.O resultado doexperimentofoianimadorparaaspesquisadorasnosentidodemostrarqueasCeSaM“aguentam”algunsdiascommenosoxigênio,oqueéuma habilidade fundamental em situações de terapêutica celular comincidentes como o infarto, nos quais existe um ambiente inóspito, demortecelularereduçãonaoxigenação.

Figura4.Fotomicrografiasdascélulasnasmesmascondições:emhipóxiaenaausênciadenutrientes,após3diasdecultivo.CeSaM(àesquerda)ecélulasmesenquimaisdamedulaóssea

(àdireita).Fotomicrografias:KarinaAsensi.

As característicasmorfológicas das células emcultura, isto é, a suaformaeaparência, sãoessenciaisparaqueaspesquisasqueutilizamculturadecélulassejamexitosas.Portanto,asaparênciasdamembranaplasmática (o envoltório das células), do citoplasma (a parte fluida do

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interior das células) e do núcleo celular devem ser cuidadosamenteobservadas sob microscopia óptica, pelas pesquisadoras que estãorealizandoosexperimentos.

Ao começarem a se envolver com o cotidiano do laboratório, aspesquisadorassãoapresentadasaessesprocedimentosexperimentais,a tudo o que implica “fazer viver” as CeSaM nesse ambiente. E vão,gradativamente, aprendendo a ler os sinais de sua vitalidade, que sefazemvisíveisaocolocarasplacascomascélulassendocultivadasnomicroscópio.

“Células bonitas” são aquelas que se apresentam vivas o suficienteparaparticiparemdoexperimento, e essacondiçãoestá articuladaaoseuaspectovisualmenteobservável:trata-sedeumdadomomentodoseu processo de cultivo em laboratório, no qual suas culturas seapresentam“novas”eascélulas,“homogêneas”,“vivas”e“felizes”.NocasodasCeSaM,oque se espera éque as células apresentemessamorfologia alongada, estejam finas, formando curvas na placa decultura, um aspecto semelhante aos fibroblastos, que são célulaspresentesnotecidoconjuntivo.

As células parecem “velhas”, quando estãomais “difíceis de ver aomicroscópio” e se apresentam “não desenvolvidas”. De umaperspectivamorfológica,ossinaisdedeterioraçãodascélulas incluemumagranularidadeem tornodonúcleodacélula,oseudescolamentoemrelaçãoaosubstratodaplacadecultura,eapresençadevacúolosno citoplasma. São esse indícios e sinais que, quando encontradosvisualmente, indicam para a pesquisadora que as células não podemmais ser usadas nos experimentos, e que sua vida em laboratóriodeixoudeterosentidoparaoqualelasforamcriadas.Talveznãosejaàtoa que a linguagem usada para falar desse afeto seja a da tristeza:células que não estão mais felizes nesse ambiente e cuja populaçãocomeçouadiminuiremorrer.

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Felicidade e tristeza não são figuras de linguagem, e sim índicestecnoestéticos da vitalidade das células. A figura seguinte (figura 5)apresenta em contraste essas duas condições, com as CeSaM emdurações próximas no que diz respeito a dias de cultivo, mas emsituaçõesambientaisdistintas.

Figura5.CeSaMapósaproximadamente20diasdecultivo(“bonitaouboa”)eapós25diasdecultivoeumincidenteemquefaltouC02naincubadora(“feiaouvelha”).Fotomicrografia:Karina

Asensi.

A tecnoestética das CeSaM compreende então um arranjomultifacetado, que envolve: os aparatos de produção do ambiente(placas,nutrientesemeiosdecultura,reagentes,incubadoras,oxigênio,gás carbônico e outros elementos); os dispositivos de visualização(microscópios,câmerasfotográficas,computadores,pendriveseplacasdememória);asexpectativasemrelaçãoa“oque”ver;aapreciaçãodeaglomerados de células que atendem à forma que se esperavaencontrar, com os procedimentos de cultivo; a pesquisadora com oolhar treinado para perceber a vitalidade da célula, e suas intençõesexperimentais.

Sua vitalidade e tecnoestética têm funcionado, na propostapósdisciplinar e simpoiética com a qual esse texto se engaja, paraproduzirmuitas “SFs”:science fictions, speculative feminisms, science

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facts e speculative fabulations, isto é, ficções científicas, feminismosespeculativos, fatos científicos e fabulações especulativas (Cf.HARAWAY,2016).Viverepensarcomascélulasdosanguemenstrualtêm sido a nossa proposta para a produção de fatos científicos etambémdeumfeminismoespeculativoparaoqualoscorpos,emsuasmultiplicidades,possamexpressarsuaspotências.Comoumajardineiraque cultiva suas plantas, as pesquisadoras cultivam as células dosangue menstrual no laboratório, observando cotidianamente oandamentodoseucrescimento,eoponto idealnoqualsua“colheita”se tornapossível.Comparando-secomoutrascélulasde tecidosmais“populares”nessaáreadepesquisa,asCeSaM“florescem”,gostamdavida em laboratório, e se apresentam “felizes” e “bonitas”mesmo emsituaçõesinóspitas.São,afinal,durasdematar.

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Figura5.Cultivandocélulas.Fotografia:AmandaMendesFraga.

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RESUMO:Comfoconaproduçãoimagéticadocotidianodelaboratório,apropostadestetextoéapresentaro itinerário de isolamento, cultivo e expansão das células-tronco estromais mesenquimais derivadas dosangue menstrual (CeSaM). Sua viabilidade para uso em terapias celulares e bioengenharia vem sendopesquisadanoLaboratóriodeCardiologiaCelulareMolecular(LCCM)doInstitutodeBiofísicaCarlosChagasFilho (IBCCF)daUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro (UFRJ).Alémdosprocedimentos laboratoriaisdeproduçãodessascélulas,buscaremosapresentar ediscutir oscritériosquedefinemdeterminadascélulascomo“felizes”,“bonitas”e“boas”,eoutrascomo“infelizes”,“feias”e“descartáveis”.Oobjetivo,comisso,épensaromododeexistênciadessascélulasemlaboratório,suavitalidadeetecnoestética.PALAVRAS-CHAVE:sanguemenstrual;fotomicrografias;célulasestromaismesenquimais

ABSTRACT: Focusing on the imagetic production in laboratory, the purpose of this text is to present theitineraryof isolation,cultivationandexpansionofmesenchymal-derivedstromalmenstrualbloodstemcells(CeSaM). Its viability foruse incell therapiesandbioengineering isbeing researchedat theMolecularandCellularCardiologyLab,attheCarlosChagasFilhoBiophysicsInstitute(IBCCF)attheFederalUniversityofRiodeJaneiro(UFRJ).Besidesthelaboratoryprocedurestoproducethesecells,weintendtopresentanddiscuss the criteria that define certain cells as “happy”, “beautiful” and “good”, and others as “unhappy”,

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“ugly”and“disposable”.Theobjectiveistothinkaboutthemodesofexistenceofthesecells in laboratory,theirvitalityandtecho-aesthetics.KEYWORDS:menstrualblood;photomicrographies;mesenchymalstromalcells

[1]DoutoraemAntropologiaSocial (2009,Unicamp).PesquisadoradoLabjor/Unicamp.E-mail:[email protected]

[2]BacharelemCiênciasSociais/UFRJ,foipesquisadoradeiniciaçãocientífica(CNPq/UFRJ).E-mail:[email protected]

[3]Doutora emCiênciasBiológicas - Fisiologia (2016,UFRJ). Pós-doutoranda do Instituto deBiofísicaCarlosChagas Filho/UFRJ. Professora Substituta doCentroNacional deBiologiaEstruturaleBioimagem/UFRJ.Email:[email protected]

[4]DoutoraemCiênciasBiológicas -Biofísica (1995,UFRJ).ProfessoraTitulardo InstitutodeBiofísicaCarlosChagasFilhoedosProgramasdePós-GraduaçãoemCiênciasBiológicas(Fisiologia)eMedicina(Radiologia)/UFRJ.Email:[email protected]

[5] A pesquisa “Corpo, gênero e tecnociências: as ‘células-tronco’ do sangue menstrual”, écoordenadaporDanielaManicaeestávinculadadesde2018aoLabjor/Unicamp,eàslinhasdepesquisa“CulturaCientífica”e“Informação,Comunicação,TecnologiaeSociedade”,doPrograma de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural.Conta com Auxílio dePesquisaRegulardaFapesp,Processono.2018/21.651-3

[6]OsurgimentodoLCCMnadécadade1980estárelacionadoapesquisascomadoençadeChagas.Portanto,ofocoemórgãoscomofígadoecoraçãotemumaorigemprévia,quesefundetambémcomatrajetóriadofundadordoInstitutodeBiofísica,CarlosChagasFilho.

[7]VertambémKnorr-CetinaeAmann,1990;Lynch,1985.[8]Sobreisso,verFriedrich,2003;LyncheEdgerton,1988;Monteiro,2012;Monteiro,2015.[9]Cabeaindapensar,emdiálogocomos trabalhosdeLie,2012,Larsen,2010eLandecker,

2007, entre outros, este estatuto ontológico. Isso deve ser foco de futuras reflexões noâmbitodessapesquisa.

[10]Orecorteempíricodesteartigosãoasimagensfotográficasproduzidaspelosmicroscópios(fotomicrografias).Mascabeumaressalvadequetambémoutrosindicadoresmolecularesdevitalidade (biomarcadores) podem evocar esse sentido tecnoestético, na medida em queapresentamtambémosucesso(ounão)deumexperimento.

[11]EsseprocessofoipormenorizadamentedescritoemManica,GoldenbergeAsensi,2018.

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GÊNEROERAÇAEMAÇÕESCOLETIVASNAINTERNET:EXPLORANDORELAÇÕESEABORDAGENSTEÓRICAS[1]

GenderandRaceincollectiveactionsontheInternet:exploringrelationsandtheoreticalapproaches

MárciaMariaTaitLima[2]

PaulaCarolinaBatista[3]

Não são novas as reflexões acadêmicas acerca damútua influênciaentre as dinâmicas sociais e políticas e as novas tecnologias deinformação e comunicação. As práticas políticas e de sociabilidadeestariam sendo reconfiguradas assim como as próprias noções desujeito, subjetividade e democracia. Anuncia-se uma sociedade cadavez menos controlável pelo local e instâncias tradicionais (nossosgovernosnacionais, regionais, locais)ecomaçõesderesistênciamaisdifusas, espraiadas, que não se encaixam nas ações coletivas emovimentossociaiscomasquaisasteoriasestavamacostumadas.

Osnovostempostrariamrelaçõescadavezmaisfluidaseimediatas,nasquaisopertencimentocomunitário,familiar,grupal,aafetividadeeapolítica,passariampornovasmediaçõesesignificações.Esse “novo”,celebrado ou temido, aparece muitas vezes como inevitável, comolemosnasobrasdeautorescomoPierreLevy,ManuelCastells,ZigmuntBauman,entreoutros.

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Essas duas leituras de mundo “têm sentido” (direcionamento esignificado)e,por isso,mesmoressoamemnossas individualidadeseno pensar coletivo. Mas, isso não significa que sejam definitivas oucapazes de “interpretar” tudo que existe no mundo e em nossassubjetividades.

Nadivulgaçãocientíficaeculturalenosestudossobrecomunicaçãonosdeparamosconstantementecomasnoções “dimensãocultural” e“dimensão tecnocientífica” e a proposta de uma mútua interpelaçãodessas dimensões. Essas noções circulam no imaginário social e emcamposdeestudosdiversosmobilizandoconceitosjátradicionaiscomoos de identidade, gênero e raça, e mais recentemente, outros comocibercultura e ciberativismo. O “tecnocultural” é apresentado algumasvezescomoessencialmente“tecnopolítico”(Cf.SANTOS,2003)emotordeumprocessodeacumulaçãoaceleradoeassimétrico.Outras,comopanaceiaparatodososmalesdademocracia,daparticipaçãopolíticaeda economia. No final, a existência de múltiplas abordagens teóricasparece tornar aindamais complexa as questões envolvendo resistir eexistir enquanto agentes e ações que apresentem algum tipo deantagonismo ao sistema, propondo a produção de significados-conhecimentos,sociabilidadesetecnologiasnãohegemônicas.

Diante dessas muitas questões e interpretações, muitas vezesexperimentamos, enquanto comunicadoras sociais, pesquisadoras,militantes, um sentimento de impotência diante da “escolha” entrecenários fatalistas, com pouca possibilidade de agência pessoal oucoletiva; ou da ação na incerteza das consequências, que poderiamtanto fortalecer quanto romper com os mecanismos produtores deopressõesediscriminaçõesesofrimentoshumanosenãohumanos.

Obviamente indagações bastante amplas além de angustiantes epartiramdelas amotivaçãopara escrever este artigo para pensar nosenunciados de gênero e raça e arriscar algumas reflexões sobre o

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produzir, o circular e os seus sentidos (para as identidades eresistênciascoletivas).

Para isso, retomaremos campos de estudos cujas primeirascontribuiçõesremontamadécadade60etiveramdesdobramentosemabordagens mais recentes. A década de 60 é reconhecida comomomento de importantes transformações socioculturais no qualemergiram movimentos com marcas identitárias e promoveramquestionamentos aos padrões de comportamento coletivo e pessoal.Nesteperíodoganhamvisibilidadepúblicamovimentos sociaisque seconstituíram em torno de questões raciais e de gênero, dasdesigualdadesedasdiscriminações.

Os movimentos sociais, feminista, negro, pacifista, ambientalistas,contraculturais desse período continuaram existindo como açõescoletivas (Cf.MELUCCI,2001)nomundo.Açõesquesedãopormeiode identidades coletivas dinâmicas, commomentos de “alta e baixa”,com conflitos, com cisões e diversificações, mas que, apesar dastransformações não têm se diluído enquanto feixe de motivaçõescentrais. Como mostram os “novos” e múltiplos feminismos, omovimento LGBTQ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis,transgêneros, queer) e os movimentos anticapitalistas (Ocupa,Indignados, entre outros). Também neste período emergem teorias ecategoriassociaisquesãoinfluentesparapensaromundoatual,como:direito reprodutivo; gênero;multiculturalismo; pensamento ecológico esistêmico;desenvolvimentohumano;colonialismo.

A seguir propomos um diálogo entre os Estudos Culturais e osEstudos da Ciência e Tecnologia (em sua vertente feminista),destacandoelementosdaperspectivainterseccionalesituada.Aofinal,faremos relações desses com os Estudos Descoloniais latino-americanos.

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ESTUDOSCULTURAISEFEMINISMOS:AMPLIAÇÃONOENTENDIMENTOSOBREASCULTURASEOSPODERESEntre os anos 1960 e 1970, os EstudosCulturais se desenvolveram

principalmente nos Estados Unidos e Inglaterra, influenciados pelosmovimentos de trabalhadores, negro e feminista e por teorias pós-coloniaisemulticulturalistas.Éumcampodeestudosemquediversasdisciplinas se interseccionam para pensar nos aspectos culturais dasociedadecontemporânea.Propõemquepormeiodaanálisedacultura– textos, artes, literatura, práticas cotidianas e cultura popular – épossível entender as ideais compartilhadas pelos homens e mulheresqueproduzemeconsomemosprodutosepráticasculturais.

Os Estudos Culturais nascem da observação e questionamento deperspectivasdosestudos literários.Aartenãoémaisentendidacomoalgoneutroeuniversal,massimumadimensãohumanaconectadacomasquestõesecontextossociaisehistóricosdoperíodoelocalemqueelaéproduzida.Essesestudostentamimplodiranoçãodealtaculturaebaixa cultura – toda expressão cultural é parte da cultura e mereceinvestigação. Nesse contexto “definir cultura é pronunciar-se sobre osignificado de um modo de vida. Esse o vasto campo de estudo eintervenção aberto aos Estudos Culturais no momento de suaformação”(CEVASCO,2003,p.23).

Com base nesse pensamento é possível olhar para os espaços deinvestigação e de produção de conhecimento de maneira menoshierarquizada,cabendoassimpensamentoseconhecimentosoutros,oquepermiteminterpretare“compreenderacomplexidadedomundoeinterviradequadamentesobreele”(RESTREPO;ROJAS,2010,p.144).

Essa hierarquização está muitas vezes relacionada a pressupostosdefinidos com base em classes sociais, sistemas opressivos, demaneiraqueosEstudosCulturaisacabamtambémsendoumveículodeexpressão e estudo de populações menos favorecidas, oprimidas,

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invisibilizadas,poiselaspassamatervozeespaço.Quandodiferentesaspectos culturais passam a ser colocados como objeto de estudosacadêmicos, também ocorre um processo de valorização social maisamplo.

Nos anos 70, ampliam-se os trabalhos em torno do feminismo e osdesenvolvidos em torno da ideia de resistência. Stuart Hall, um dosexpoentes dos Estudos Culturais, colocou o feminismo comofavorecedor de transformações importantes no próprio campo edestacasuainfluênciapara:aaberturaparaoentendimentodoâmbitopessoal comopolítico e suas consequências na construçãodoobjetode estudo dos Estudos Culturais; a expansão da noção de poder; acentralidade das questões de gênero e sexualidade para acompreensão da própria categoria poder; a inclusão de questões emtornodosubjetivoedosujeito.

Até meados da década de 80 os movimentos feministas já tinhamavançado no debate público sobre violência sexista, mercado detrabalho, liberdade sexual, classe, raça e subordinação capitalista (Cf.TAIT, 2017), influenciando as teorias sociológicas e os estudos sobreprodução do conhecimento científico. A categoria gênero (Cf.PISCITELLI, 2013) começa a ser aplicada no campo das políticaspúblicaseprodução teórica.AhistoriadoraestadunidenseJoanScott,em seus trabalhos, contribui para potencializar o usodesta categoria,comoartigoGênero:umacategoriaútildeanálisehistórica(Cf.SCOTT,1995).Publicadooriginalmente em1986, a autora apresenta o gênerocomo um saber sobre as diferenças sexuais, um saber que é dual ehierárquico e, por isso, não pode ser pensado fora do entendimentosobreasrelaçõessociais,deprivilégioepoder.AntesdeScott,aindanadécada de 70, a antropóloga estadunidense Gayle Rubin, em seustrabalhos inseridos no campo antropológico, analisou as origens do“sistema sexo/gênero”, buscando entender a transformação e formas

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de opressão das mulheres para desnaturalizar suas opressões (Cf.RUBIN,2017).

CIÊNCIAETECNOLOGIASOBAÓTICAFEMINISTAAemergênciadosEstudosdeCiênciaeTecnologia(vertenteeuropeia)

ouCiênciaTecnologiaeSociedade (vertentenorte-americanae latino-americana),ambosconhecidoseminglêspeloacrônimo“STS”(ScienceandTechnologyStudies eScience, Technology and Society), tambémaconteceentreasdécadasde60e70.Essasteoriassãopreocupadascoma relaçãociência, tecnologiaesociedadeeestãoacompanhadasde um sentimento de alerta, de correção do otimismo do pós-guerraque culminou no simbólico ano de 1968 com o movimentocontraculturaleasrevoltascontraaguerradoVietnã.Nestemomento,osmovimentossociais fizeramda tecnologiamodernaesuaspolíticascientífico-tecnológicas dos Estados objetos de crítica e luta (Cf.CEREZO,1998).Estesestudos,assimcomoosEstudosCulturais,têmuma tendência multidisciplinar e interdisciplinar e desenvolveu-setambém enquanto pluralidade de enfoques – economia e inovação;conflitos e relação entre atores e instituições; na descriçãoantropológica de espaços de produção tecnocientífico; enfoquesorientadosarelaçãotecnologias, trabalhoeclassessociais;etambém“enfoquedegênero”.

O “enfoque no gênero” deu origem a uma vertente específica –Estudos Feministas da Ciência e Tecnologia (Cf. VASCONCELLOS;TAIT,2016).Nessesestudos,asmulheresnaproduçãodepesquisasetecnologias ganhammais destaque a partir das décadas de 80 e 90.Também neste campo se repetem algumas divergências, que seobserva na existência de duas denominações – Estudos de Ciência,TecnologiaeGêneroeEstudosFeministasdaCiênciaeTecnologia.Osestudosdoprimeirotipodestacariamquestõesdediferençanuméricae

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dificuldades de acesso e permanência de mulheres nas carreiras ecargos de pesquisa e necessidade de “igualdade de oportunidades”,mudanças em nível cultural e educacional para essa inserção. Já osEstudos Feministas (Cf. MARICONDA et al., 2017), a necessidade detransformar as próprias instituições acadêmicas, os métodos e ospressupostosdasteoriascientíficas.

Paraas teóricas feministasCecíliaSardenberg (2001) eDianaMaffía(2005),acríticafeitapelasepistemologiasfeministassobreopadrãodaciência moderna se formula em base numa reformulação da própriahistória do conhecimento humano e de como esta ciência nas maisvariadasdisciplinasobjetificouasmulheresenegou-nosacapacidadeeautoridade do saber. O saber da ciência moderna naturalizou adicotomia masculino/feminino assim como outras – mente e corpo,razão e emoção, cultura e biologia – relacionando o feminino ao polomenosprestigiadodestasdicotomias.Assim,aciênciaacabaoperandocomo produtora e reprodutora de conhecimentos que “negou-nos acapacidade e autoridade do saber, e vem produzindo conhecimentosque não atendem de todo aos nossos interesses emancipatórios”(SARDENBERG,2001,p.2).

PONTODEVISTACIENTÍFICOAPARTIR“DEBAIXO”AindadentrodosEstudosFeministasdaC&T,DonnaHaraway(1995)

propõeumanoçãodeobjetividadequedependedapráticadelocalizara produção do conhecimento, para assumir uma posição responsávelpeloobjetoqueseconstrói.Alémdeadotaropontodevistaapartirdasmargens porque a partir do “ponto de vista dos subjugados”(HARAWAY, 1995, p. 22) seria mais fácil visualizar os mecanismosprodutores das hierarquias, discriminações, desigualdades. ParaHaraway, reconhecereexplicitaroselementossubjetivosnasanálisesaumentaria a objetividade e responsabilidade sobre as pesquisas e

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conhecimentos produzidos. A abordagem do conhecimento e apropostade“objetividadeforte”deSandraHarding(Cf.AYMORÉ,2017)reconhecem a implicação social e pessoal nos pressupostos e naproduçãodeconhecimentosedefendeuma“ciênciaapartirdebaixo”(AYMORÉ, 2017, p. 177-178), sensível aos valores e interesses dosgruposvulneráveis.

Localizar e também adensar e complexificar o sujeito político, aidentidade estratégica “mulheres” e “feministas” foi uma dasimplicações do conceito de interseccionalidade. Desenvolvidoprincipalmente por feministas negras, este conceito ressalta acombinação entre marcadores sociais de diferença na produção dedesigualdades e discriminações. Ao pensar na intersecção dosmarcadores – principais deles: gênero, raça, etnia, classe social,sexualidade, geração, nacionalidade – contribuiu para evidenciar asdiferençasentreasopressõesqueasmulhereseoutrosgrupossociaissofremdeacordocommúltiplasdimensões.Emoutrostermos,permitecolocardemaneiramaisconcreta,“corporificar”,dimensõesmúltiplaseinterdependentesqueestruturamformaçõessocioculturaiscapitalistas,eurocêntricaseracistas,sexistasepatriarcais.

Para a socióloga afroamericana Patricia Hill Collins (1990), uma dasresponsáveis por desenvolver este conceito, a interseccionalidadedenuncia a violência das opressões e nos coloca diante depossibilidadesdeagênciaeautonomiaeproduçãodeconhecimentosapartir de situações, contextos de vida específicos. Ao priorizar asexperiências das mulheres negras, impulsionou novas interpretaçõessobre as relações sociais de dominação e as ações de resistência. AantropólogaafrobrasileiraLéliaGonzalez(1988)éconsideradaumadasprecursorasdo feminismo interseccional, denunciandoa exclusãodasmulheres da “América Africana”. Em seus trabalhos escritos ainda nadécada de 80, convoca ao rompimento com o imperialismo dos

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feminismos brancos e hegemônicos, recuperando histórias deresistênciaelutadospovoscolonizados,defendendoavalorizaçãodasculturasdasmulheresnegraseindígenasdaAméricaLatinaeCaribe.

NaAméricaLatina,açõescoletivasprotagonizadaspormulherestêmapontado para resistência epistêmica cotidiana e para outrasformulações teóricas como Feminismo Camponês (Cf. TAIT, 2015;BARROS, 2018), Feminismo Decolonial e Feminismo Comunitário eIndígena,quetêmsublinhadoasnoçõesdebemcomum,comunidade,bemviverearticularaspreocupaçõesfeministasaslutasnosterritórioseporumbuenviviremcomunidadeque incluioexercíciodaempatia,cuidadoeproteçãoànatureza.

NOÇÕES,CONHECIMENTOS,PODERESDeonde vem amaior parte do conhecimento e da interpretação de

mundo que conhecemos hoje? As noções de bom e ruim; superior einferior;positivoenegativo;virtuosoedeficiente;forteefraco;bonitoefeio; desenvolvido e subdesenvolvido, entre outros conceitos queutilizamos para definir e classificar, são dados a partir de umpensamento etnocêntrico, considerando apenas o modo de vida ecompreensões associadas à própria formação cultural, definidasintrinsecamente como superiores a outras formações culturas. Essasconstruções delimitampormeio da raça, classe e gênero, localizaçãoqualconhecimentoélegítimo.

Nessa dinâmica, os conhecimentos que fogem desse padrão sãodesconsiderados e inferiorizados, assim se dá o funcionamento dacolonialidade do saber, operando principalmente pela dimensãoepistêmica. A dimensão colonial do saber alimenta a colonialidadedopoderquandoasestruturas,normaseformasdeorganizaçãosocial (eos próprios modelos de sociabilidade) são interpeladas por essashierarquiaseconcepçõessobreopróprioconhecereosaber.

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Dito isso, é possível imaginar como tem sido enquadrada econsiderada as produções de conhecimento de negros, mulheres,indígenas e LGBTQ, principalmente se tais produções estiveremrelacionadascomassuntosdouniversodessesgrupos.GradaKilomba,escritora, teórica, psicóloga e artista interdisciplinar portuguesa, numapalestraperformancequerealizouem2016noBrasil,pontuou:

Por favor, deixem me lembrar-lhes o que significa o termoepistemologia.O termoé compostopelapalavragregaepisteme,quesignificaconhecimento,e logos,quesignificaciência.Epistemologiaé,então,aciênciadaaquisiçãodeconhecimento,quedetermina:

1.(ostemas)quaistemasoutópicosmerecematençãoequaisquestõessão

dignasdeseremfeitascomointuitodeproduzirconhecimentoverdadeiro.2.

(os paradigmas) quais narrativas e interpretações podem ser usadas para

explicarum fenômeno, istoé, apartirdequalperspectivaoconhecimento

verdadeiropodeserproduzido.3.(osmétodos)equaismaneiraseformatos

podemserusadosparaaproduçãodeconhecimentoconfiáveleverdadeiro.

Epistemologia, como eu já havia dito, define não somente como, mas

também quem produz conhecimento verdadeiro e em quem acreditarmos.

(KILOMBA,2017).

A dinâmica então é pensar como podemos quebrar esses padrões.Um exemplo recente de como mudar as regras preestabelecidas daproduçãodeconhecimentoéolivro“OqueélugardeFala”deDjamilaRibeiro, onde a autora, na produção do livro, utilizou como referênciabibliografia 90% de autores negros e mulheres. Ela mesma, no livro,afirmaquea hierarquizaçãodepoder ede saberdefinemquempodefalareoque,epropõeoseguinteexercício:“quantasautoraseautoresnegroso leitorea leitora,quecursaramafaculdade, leramoutiveramacesso durante o período da graduação? Quantos professoras ouprofessoresnegros tiveram?” (RIBEIRO,2017,p. 64).É extremamentenecessárioconsiderarqueessaspessoastambémproduzemciênciaeconhecimentos.

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Compreender o funcionamento desse sistema é importante paraconstruirmosepistemologiasquefujamdessepadrãoe,principalmente,questionarmos esse funcionamento. Descolonizar o conhecimento écompreender que cada epistemologia parte de lugares, tempos,realidadesehistóriasdistintasequenãoexistemdiscursonemciêncianeutraemuitomenosuniversal.

O livro da filósofa Djamila Ribeiro faz parte de um movimento quetentaquebrarequestionaressesdiscursosdominantes.Movimentoestequetemganhadomuitaforçanosmeiosdigitais,jáquenessesespaçosé possível que grupos historicamente invisibilizados tenham espaçopara falar de suas demandas e produzir conhecimento. O portal daGeledés–InstitutodaMulherNegra,queem2018completa30anos–tornou-seumimportanteespaçocomgrandecredibilidadeerelevânciapara o compartilhamento de ideias, debates e divulgação deconhecimentossobreassuntosqueantesnãofaziampartedapautadagrandemídia.Aopassoquecolunistasdoportalganharamespaçoparacompartilharsuasideiaseconhecimentosemoutrosespaçoscomoéocasodaarquiteta, escritorae feministanegraSthefanieRibeiro,queécolunista do Portal da Geledés e também colunista da Revista MarieClaire,ondeescrevesobrequestõesdegêneroeraça.

Reconhecerqueoscentrosdepoderprodutoresdasepistemologias–que há tantos anos estudamos e qualificamos como legítimos – nãoproduzem conhecimentos universais, objetivos, nem neutros é oprimeiropassoparasurgiremquestionamentos.Aoquestionarsupostassuperioridades epistêmicas que inferiorizam ou tornam ausentes asformas de conceber e produzir conhecimentos diversos, essassuperioridades consideradas universalistas, neutras e objetivas sãoreduzidasaumconhecimentolocalizado.

CIRCULAÇÃODENARRATIVAS-RESISTÊNCIASNAINTERNET

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A partir da década de 1990, as tecnologias da comunicação einformação (TICs) e principalmente a internet se tornaramobjetosde e para estudos cada vez mais relevantes nos campos dacomunicação, conhecimento, informação e para as humanidades emgeral.Da interaçãoentreeles surgiramnovosconceitoseabordagenscomo comunicação em rede, ciberespaço, ciberativismo e, maisrecentemente,HumanidadesDigitais(Cf.PRIANI,2017).

Gostaríamos, aqui, de trazer algumas experiências de usos eapropriações dos recursos digitais e da internet (entendida comoespaço de agência e comunicação) em diversos formatos paraprodução e circulação de informações, sob a responsabilidade decoletivos que militam em questões de gênero e raça no Brasil.Mostrando,assim,algumasaçõesemplataformasdigitaisquepermitemveressesespaçoscomopossibilidadeparaquegruposhistoricamenteinvisibilizados possam colocar suas demandas, corpos, narrativas eproduzirconhecimentos.

Noâmbitodosfeminismos,nosúltimostrêsanosaconteceramváriascampanhas antissexistas pela internet com uso de hashtags comoforma de agrupar as interações e conteúdos produzidos pelosapoiadores e ampliar a visibilidade e disseminação das informações.Algumas campanhas marcantes foram: #meuamigosecreto;#nenhumamenos;#vivasnosqueremos;#metoo.Aprimeira,commaisalcance no Brasil, deu visibilidade a relatos pessoais de situações deassédioeviolênciadegênero;duasoutrasdealcancelatino-americanoeaúltimadealcanceglobal, tambémdestacaramo temadoassédio,violênciadegêneroefeminicídio.

Naúltimadécada,tambémhouveumreaquecimentodamilitânciapormeiodeblogseredesdeblogs,sendoquemuitosdosmaisacessadossão voltados aos temas feministas e antirracistas. Além de debates,campanhas, denúncias e temas urgentes para esses grupos, esses

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espaçostêmpermitidoacessoainformaçõeseconhecimentosteóricosetambémpromovidoumaverdadeirapesquisaedivulgaçãodeautoras,pensadorasemilitantesnegrasdefeministas.

Destacamos os blogs feministas brasileiros: BlogueirasFeministas, Ensaios de Gênero; Blogueiras Negras;Transfeminismo; Não me Kahlo (consultar websites nas referências),entreoutros.Amaioriadessesblogsémantidaporcoletivosegruposfeministasquetambémseutilizamdeoutrasaplicaçõeseredessociaiscomo Facebook, Twitter e Youtube. O coletivo Não Me Kahlo, porexemplo, iniciou sua entrada no ciberespaço pelo Facebook – ondepossui um perfil ativo com mais de 700 mil seguidores – e sóposteriormentecriouoseublog.

Oativismonegrotambémtemganhadomuitaforçanosmeiosdigitais(Cf.MENEZES,2017;MALTA,2016).Épormeiodecanaisdigitaisdevídeos que demandas e assuntos de interesse de grupos excluídostambémganhamnotoriedade.Nosúltimosanos,diversasVlogueiraseVlogueiros têm utilizado a plataforma de vídeos YouTube paracompartilhar suas ideias, histórias e visão de mundo sobre assuntosdiversos. Esses espaços, compreendendo a importância de taisconteúdos,dãomaiorvisibilidadeaessasvozes.UmexemplodissoéainiciativadoYouTubeNegroquereúneYoutubersparadiscutirquestõesraciaisnocanal,pormeioda#YoutubeNegro.Essaspessoasestãosetornandooquechamamoshojededigital influencerseestão“criandonovasconfiguraçõesdeconhecimentoedepoder”(KILOMBA,2017),oquepodeserumcaminhoparaadescolonizaçãodoconhecimento.

Nesses canais, assuntos como a solidão da mulher negra,representatividade, racismo estrutural e lugar de fala são amplamentediscutidos,trazendoàtonaesclarecimentossobreatônicadarealidadeem que vivemos. Assuntos esses que não eram abordados e nemcitadosemoutrosespaçosemídias.Essemovimentotemfeitocomque

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cada vez mais pessoas compreendam esses temas que ganhamnotoriedadeforadabolhadosmovimentosnegros.

Essas experiências de produção e circulação de enunciados-conhecimentos em torno das categorias gênero e raça permitemquestionar o sentido unidirecional dado por algumas teorias asidentidades culturais. Como se tendessem ao fixo, a reprodução dadiferença enquanto discriminação, ou como se existissem apenasprovisoriamente como reminiscências de diversidade e cultura queestariam sendo ou serão canibalizadas pelo capitalismo cultural etecnológico. Essas existências que circulam no ciberespaço sãoresistências e são políticas, questionam as discriminações edesigualdadesdegênero,raçaetambémclasseefazemadisputapelocontroledaspotênciasdefuturo,das“virtualidades”.

Observaracirculaçãodesignificadosteórico-políticosdascategoriasgêneroe raça, tambémpermitiuestabelecerumpossíveldenominadorcomumentreosdistintos campos teóricos, uma forte relaçãocomosmomentos históricos e agência dos sujeitos coletivos.Nos faz pensaremnovaspossibilidadesparaabordararelaçãoentreculturaepolíticaeTICs. Possibilidades que apontam para o fortalecimento de “práticas-teóricas” militantes que se co-constroem nos enunciados nociberespaço.

Na tensão permanente entre um poder-sobre – totalizante dasestruturas tecnocientíficas – e um poder-fazer – múltiplo,divergente/convergente, de ações coletivas, é importante nosmantermosatentas“àsbrechase fissuras”quepermitemalteraçãodosentido ainda que de maneira lenta, aos lugares-existências outros(JOSGRILBERG, 2005). Não se deixando levar por impulsos desupervalorizaçãodacapacidadedeagênciaetransformaçãoOUpelossuperpoderes do sistema. Como bem aconselhou o teórico erevolucionário Antonio Gramsci, vale o refrão: “pessimismo da razão,

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otimismo da vontade” (GRAMSCI apud Machado, 2015) – vontade-razão,pessimismo-otimismonumapermanenteedinâmicarelação.

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NÃOmeKahlo:http://www.naomekahlo.com/

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INSTITUTOGeledés-FeminismoNegro:https://www.geledes.org.br/

BLOGUEIRASNegras:http://blogueirasnegras.org/

GRUPOdePesquisaUniversidadedeSãoPaulo–HumanidadesDigitais:https://humanidadesdigitais.org/o-que-sao-humanidades-digitais/

BLOGdaRedHumanidadesDigitales:http://humanidadesdigitales.net/blog/

YOUTUBENegro

RESUMO:Comopensar na circulaçãodediscursos e formatosdiscursivos sobre gênero e raçanoBrasilatual?Comorefletirsobreacomunicaçãosendofeitaporcoletivosmilitantessobreessesmesmostemas?Partindo desta questão, o artigo buscará levantar elementos teóricos desenvolvidos por vertentes dosEstudosSociaisdaCiênciaeTecnologiaeEstudosCulturaiseDescoloniaislatino-americanos,comobjetivode levantar conceitos e ideias e estabelecer relações que possam subsidiar reflexões em torno dascategoriasgêneroeraçanoâmbitodadivulgaçãocientíficaeculturaledacomunicação.Adiscussãosobreogêneroenquantocategoriasocialeanalíticaécentralparanossoargumento,quepartedoentendimentodaproduçãodeconhecimento(incluídoocientífico)comopartedaculturaedasociedade,fazendo parte das relações de poder e disputas. A partir da discussão sobre hierarquias estabelecidassocialmente informadas pelo sexo raça, discutiremos suas implicações em abordagens sociais e para avaloração dos conhecimentos e culturas. A abordagemda interseccionalidade e da descolonialidade serátrazidadeformacomplementarparadesenvolveroargumentodeproduçãodedesigualdades,mastambémdepotênciaseresistênciaspormeiodacomunicaçãonainternet.Porfim,buscaremostraçarumbreveparaleloentreascontribuiçõesdistintasteóricastrazidasnoartigoeumbreve levantamento empírico de ações e significados difundidos na mídia digital (blogs, sites, vlogs) emtemáticas raciais e de gênero no Brasil. Terminaremos levantando outras questões para reflexão sobreaspectoscomunicação/identidades/resistências/engajamento.PALAVRAS-CHAVE:gênero;movimentonegro;internet;identidades;ativismo.

ABSTRACT:HowtoconsiderthecirculationofdiscoursesanddiscursiveformsongenderandracetodayinBrazil?Howtoreflectonthosethemesastheyarecommunicatedbymilitantcollectives?Startingfromthisquestion,thispaperinvestigatestheoreticalelementsdevelopedbysomestrandsofLatinAmericanScience& Technology Social Studies and Latin AmericanCultural andDecolonial Studies to collect concepts andideas forestablishingrelationscapable tosupporta reflectionaboutgenderandracecategorieswithin thescopeofcommunicationsandScienceandCultureCommunication.A discussion about gender as a social, analytical category is key for our argumentation, based on anunderstandingofknowledgeproduction(scientificincluded)aspartofcultureandsociety,andplayingaroleinpowerrelationsanddisputes.Afteradiscussiononsociallysethierarchiesbasedonsexandrace,wewilldebate their implications for social approaches and for attaching value to knowledges and cultures.IntersectionalanddecolonialapproacheswillsupplementthedevelopmentoftheargumentationoninequalityproductionaswellaspowerandresistancethroughInternetcommunication.Finally, we will trace a brief parallel between the various theoretical contributions mentioned and a shortempirical exploration of actions andmeanings disseminated in digitalmedia (as blogs, websites, vlogs…)regarding raceandgender themes inBrazil.To finish,wewill raiseadditionalquestions to reflectonsomeaspectsrelatedtocommunication/identities/resistance/engagement.KEYWORDS:gender;blackmovement;Internet;identities;activism.

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[1]EsteartigoéumaversãorevisadaeampliadadopublicadonoDossiêDivulgaçãoCientífica(n.197/abrilde2018)darevistaComciencia.

[2]ProfessoradoMestrado emDivulgaçãoCientífica eCultural ePós-doutoranda empolíticacientífica e tecnológica Programa Nacional de Pós-Doutoramento (PNPD-CAPES) naUnicamp.E-maildecontato:[email protected]

[3]AlunadoMestradoemDivulgaçãoCientíficaeCulturaleEspecialistaemMídia,InformaçãoeculturapelaUniversidadedeSãoPaulo.E-maildecontato:[email protected]

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DIVULGARTECNOLOGIAS:PORUMARELAÇÃOINVENTIVACOMASMÁQUINASDisseminatingtechnologies:foraninventiverelationshipwithmachines

DiegoJ.VicentinMartaM.Kanashiro[1]

INTRODUÇÃOAurgênciadepensarasrelaçõesentreohumanoeatecnologiaguia

esteartigo,umavezqueadivulgaçãooucomunicaçãodaciênciaedatecnologia precisa incorporar essa diretriz. As tecnologias deinformação e comunicação foram incorporadas à vida das pessoascomoumfacilitadordeatividadescorriqueiras,semqueopensamentoou reflexão sobre tais tecnologias seguisse o mesmo ritmo de suaimplementaçãonocotidiano.OsesforçosdealgunsautoresdaFilosofia(Simondon,Deleuze,Rouvroy),dosestudosdecomunicaçãoepolítica(Frank Pasquale, Matteo Pasquinelli), e da sociologia da tecnologia(LaymertGarcia dosSantos, Sergio Amadeu da Silveira, Edson Teles)inspiramestecapítulocomoformadeproduzirnovaspossibilidadesderefletir sobre as relações com a tecnologia, de contribuir para opensamentoda relaçãohumano-tecnologia,edepolitizá-lanadireçãouma “cidadania tecnocientífica” (cf.CASTELFRANCHI& FERNANDES,2015).

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Em parte, é também o que a linha de pesquisa “Informação,Comunicação, Tecnologia e Sociedade”, do Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural, pretende com arealizaçãodeseustrabalhos:umacomunicação–quepodemoschamarprovisoriamentededivulgaçãodatecnologia–capazdecontribuirparaasuperaçãodaalienaçãotécnicaeabraespaçoparaaexperimentação,paraainvençãoeparanovasrelaçõesentretecnologiaesociedade.

DEBATENAFILOSOFIA:ALIENAÇÃOTÉCNICAAoposicaoentreaculturaeatecnica,entreohomemeamaquinaefalsae

sem fundamento; ela esconde apenas ignorancia ou ressentimento. Ela

mascara atras de um humanismo facil uma realidade rica em esforcos

humanoseemforcasnaturaisqueconstituiomundodosobjetostecnicos...

(SIMONDON,1989,p.9).

O filósofo Gilbert Simondon critica em sua obra duas posiçõescomuns em relação aos objetos técnicos. Na primeira a máquina éencaradacomoutensílio, comosimples “conjuntodematéria”providodeutilidade, algoquedeve ser colocado a serviçodos humanos.Poroutrolado,eaocontrário,asegundaposiçãoemrelaçãoàmáquinalheatribui vontade própria, intenções de insurreição e de levante quepodem subjugar a humanidade. O que se vê, então, são posiçõesdicotômicasemrelaçãoàmáquina,elaévistaoracomoobjetofadadoàescravidão, ora como agente de preocupação e de medo. Taisposições, amplamente disseminadas na sociedade, contrapõemradicalmente humano e máquina e ignoram a parcela de realidadehumanaqueatécnicacomporta.Ignoramtambém,segundoSimondon(1989),queasmáquinasoperamemconjuntocomohumano,que,porsua vez, exerce papel de constante mediador e organizador noprocessodeinformaçãodasmáquinas.Paraencerraressadicotomia,ofilósofo propõe uma tomadade consciência da cultura em relação ao“mododeexistênciadosobjetostécnicos”,seusprincípiosdeevolução

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eesquemasdefuncionamento,bemcomoanaturezadasrelaçõesqueestabelecemcomohumano.Essa“tomadadeconsciência”estáligadaaorompimentodeumaformaespecíficaenegativadealienaçãoquesedáemrelaçãoaoobjetotécnico.

No entanto, antes de entrarmos na especificidade dessa forma dealienação, é preciso reconhecer que trata-se de um conceito tãoimportante quanto polissêmico mesmo se considerarmos apenas atradiçãomarxistadepensamento (cf.SANTOS,1982).RafaelAlvesdaSilva (2014) e Jesus Ranieri (2001) apontam para dois sentidos dealienação. No primeiro, a palavra é entendida como exteriorização,como transferência, e diz respeito à capacidade humana de objetivartrabalho, de torná-lo concreto. Já o segundo sentido, de uso maiscorrente,identificaalienaçãoeestranhamento.Alienarétornaralheioepassar para o domínio de outrem. Assim, na produção capitalista otrabalhador exterioriza/transfere/objetiva algo de si (seu trabalho) namercadoria,mas,umavezqueessaoperaçãoérealizada,oprimeirojánão reconhece na mercadoria aquilo que lhe é próprio, daí oestranhamento.Otrabalhoobjetivadodamercadoriatornou-sealheioeestranhoaotrabalhador.

Silva(2014)colocaemdiálogoKarlMarxeGilbertSimondon,partindode uma crítica do segundo aomarxismo, especificamente no que dizrespeito à relação entre propriedade e alienação. Para emancipar otrabalhoemdireçãoà“auto-atividade”,segundoMarx,ouà“atividadetécnica”,segundoSimondon,nãobastaterapropriedadedosmeiosdeprodução,dasmáquinas,doselementosqueascompõemoudetodoconjuntodafábrica:“aalienaçãodohumanoemrelaçãoàmáquinanãotemapenasumsentidoeconômico-social,elatemtambémumsentidopsico-fisiológico” (SIMONDON, 1989, p. 117-118). A passagem daprodução artesanal para a indústria tira o humano da posição deportador dos elementos técnicos, das ferramentas, em que o

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conhecimento e a destreza para realização do trabalho estãoidentificadas com o trabalhador. Na indústria, a máquina torna-seportadora dos elementos técnicos e desloca o humano do lugar queantes ocupava. O trabalho humano passa a ser ultra especializado,repetitivo, irrefletido e alheio ao conhecimento sobre os esquemas defuncionamento das máquinas e do conjunto técnico que configura afábrica. O engenheiro e o técnico concentram em si esse tipo deconhecimento, o que implica uma alienação da cultura em relação àtécnica,eumaoposiçãoentrehumanoemáquina.

A alienação técnica, entendida como estranhamento do humano emrelação à máquina, tem por resultado uma perspectiva em que essaúltimaépercebidaecompreendidaapenasapartirdesuafinalidadeeprodutividade e não por seus esquemas de funcionamento, que sãoresultadodopensamentohumanoedasforçasnaturaisqueamáquinaconcretiza. As máquinas são fechadas e tornam-se “caixas pretas”sobreasquaisconhecemosapenasasuperfície.Nessachave,tornamo-nos consumidores e “usuários finais” fadados ao desconhecimentosobreatécnicaerefénsdeumsistemadeproduçãoquetiravantagemda alienação seja para vender mais produtos (obsolescênciaprogramada) seja para tentar permitir apenas relações pré-definidas,controladas,comosobjetostécnicosquepovoamnossocotidiano.

Para romper com esse tipo negativo de alienação é preciso seapropriar da técnica e do saber técnico, conhecer os esquemas defuncionamento dos objetos técnicos e agir com eles, informá-los,inventareexpandiropotencialdarelaçãohumano-máquina.Simondon(1989, p. 249) aponta que a relação com a máquina é inapropriada,alienada,quandoogestodeseuoperadornãoprolongaaatividadedeinvenção. A invenção, portanto, ocupa uma posição privilegiada naelaboraçãoenapráticadeumarelaçãonão-alienadacomatécnica.

A invenção,paraSimondon,supõedesejoe intuição,masnãoéum

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atoluminosodeumindivíduoougênioisolado(FREIRE,2012,p.320).Émenos um fenômeno individual que coletivo e aproxima-se daquelaalienação entendida como transferência de potência em que não háestranhamento. O objeto técnico é mediador da relação humano-mundo.Ainvençãosedánarelaçãodohumanocomseumeioparaasuperação de um problema e de uma incompatibilidade que sempreabre uma nova problemática. Ela, a invenção, se relaciona com aprodução do novo, com a criação e com devires. Porém, para que oobjeto técnico seja “portador de informação” e mobilize a potênciainventivadosujeitoéprecisoqueoesteúltimoestejapreparadopararecebê-loenquantotal,esejaelepróprioportadorde“formastécnicas”,depensamentotécnicoeintuição.

Nessesentido,Simondondefendea importânciada“cultura técnica”como potência de produção de sentido a partir do conhecimento ereconhecimento de esquemas básicos de funcionamento, modos deoperação. A potência inventiva, o pensamento técnico e a intuiçãoganham primazia e travam um combate com a ideia de pensamentoespecializado.

Para o filósofo, superar a alienação exige que os objetos técnicossejam incorporadosàculturade formaqueohumanonãosecoloquecomo inferior ou superior a eles, “podendo abordá-los e aprender aconhecê-los, mantendo com eles uma relação de igualdade, dereciprocidade, de intercâmbio: uma relação social, de algum modo”(SIMONDON,1989,p.88).Aculturatécnicaenvolve,portanto,descobrirummododeexistênciasocialemque“ousuáriodoobjetotécnicosejanão somente o proprietário da máquina, mas também aquele que aescolhe e amantém” (SIMONDON, 1989, p. 252) estabelecendo umaaliançacomasmáquinas.

ASMÁQUINASDETERCEIRAESPÉCIE[2]

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Nos últimos anos, alguns autores (Pasquale, 2015; Pasquineli, 2013;Silveira,2018)têmdestacadoainacessibilidadeàinformaçõescruciaisdomododefuncionamentodasmáquinasdeterceiraespéciepormeiodaexpressão“caixapreta”:

“(…)asmáquinasdeTuringsãodefinidascomodispositivosparaacumular

informação valorizante, extrairmeta-dados, calcular amais-valia de rede e

alimentar a inteligência maquínica. Tomando emprestadas algumas

metáforasdotrabalhodeBrianHolmes(2010)sobreacibernéticafinanceira,

creioquechegouahoradeabandonaraanálisedowhitecube[cubobranco]

dacriatividadeedaculturadigitalparamergulharnablackbox[caixapreta]

da mais-valia de rede e dos algoritmos projetados para a captura do

comum”(PASQUINELI,2015,p.32).

Em diferentes discussões, esses autores voltam-se para osalgoritmos[3] inscritos nessas máquinas, concordando que eles sãoinacessíveis, opacos em seu modo de funcionamento e fechados àcompreensão pública. Esses obscuros algoritmos são utilizados cadavezmaisfrequentementecomoferramentasparatomadadedecisões.

Silveira(2017e2018)debateessetemafocalizandoatransferênciadaautoridade decisória de autoridades e gestores públicos para ossistemasdetomadadedecisõesbaseadosouoperadosporalgoritmos,retomando como exemplo o caso do polêmico sistema desenvolvidopara determinar o grau de periculosidade de réus e suas respectivaspenas,utilizadonoestadodeWinsconsin(EstadosUnidos).

Adespeitodasváriascriticasquetêmrecebidoossistemasquealiamalgoritmose tomadasdedecisõesna justiça,oConselhoNacionaldeJustiça brasileiro criou, em fevereiro de 2019, um laboratório paradesenvolver a automação de rotinas judiciais, com algoritmos quepodempropor textospara votoou sentenças, apartir dohistóricodojuizedajurisprudência.

Pasquale (2015),porsuavez,abordaousodedadosesistemasdedecisãonaáreadesaúdeedecrédito.Nestecaso,esteautorapontaa

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utilizaçãodeprogramasdecomputadorporbancosparadecidirsobreconcessãodecréditoadeterminadoindivíduo,ousobreavariaçãodastaxasdejurosparaempréstimosconformeosresultadosapresentadospelosprogramas.

Estamosdiantedodesenvolvimentodemaquinasvirtuais,algoritmosquepermitemacapturaecruzamentodedadospararealizaraprediçãodecomportamentosfuturos,paracriarpadrõeseperfisdinâmicosqueclassificamaspessoasconformeosdadosqueelasmesmasfornecemem sua relação corriqueira com as tecnologias de informação ecomunicação.

Esse tipo de relação estabelecida com asmáquinas ficamais clarocom um caso emblemático e recente que deixou claras suasconsequênciasnefastasparaoexercíciodademocracia:odaatuaçãoda empresa Cambridge Analytica. Essa empresa utilizou-se de umapesquisa baseada em dados de redes sociais e construção de perfisparafazermarketingpolítico,influenciandoaopiniãopúblicaapartirdadisseminação de fake news para perfis específicos durante ascampanhasdoBrexitnaGrã-BretanhaedeDonaldTrumpnosEstadosUnidos(cf.CARDOSO,2018).

Diantedecenárioscomoesses,Silveira(2018)alertaque:

algoritmos são performativos (...) alteram os ambientes em que são

utilizados. Geram efeitos, muitos dos quais não previsíveis. Por isso, é

fundamentalqueassociedadesdemocráticasavancemnacompreensãodas

implicaçõesdosalgoritmos.Sóassimserápossívelencontraromelhormodo

de regular essas tecnologias que começaram a regular nosso

comportamento e nossa relação com o Estado. Mas os sistemas

algorítmicos são envoltos pelo sigilo. Isso gera um grave problema para o

Estado democrático, uma vez que a democracia não convive bem com a

opacidade.

Se de início trabalhamos as noções de alienação técnica e culturatécnica emSimondon, foi justamente para conferir inteligibilidade aos

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problemasqueenvolvemeatravessamoquepodemoschamardeumapolítica cibernética[4], governamentalidade algorítmica (cf. ROUVROY,2015),ougovernodosalgoritmos(cf.SILVEIRA,2017).OcenárioressoacomoqueSimondonchamoude“ilusãodosautomatos”aoafirmarque“aautomatizaçãoéumgraubaixodeperfeiçãotécnicaecorrespondeaodesejodedominaçãopormeiodatransformaçãodopensamentoedodesejoemmaquinismo,desejoqueculminanafantasiadosrobôseressoacomanoçãodequeofuncionamentocerebral,maisdoqueumvetor de afetos, seria uma potência computacional” (VIANNA, 2015,p.84).

Neste sentido, das máquinas virtuais[5] que estamos construindoconhecemosapenasasuperfície.Sãocaixaspretasquesetornammaisfechadasconformeaumentaaautomatizaçãodedecisões,emespecialcomodesenvolvimentodosalgoritmoscomplexosedeaprendizagemquedeslocam, inclusive,osdesenvolvedoresdessasmáquinasparaolugardeconsumidoresdetecnologia.

CONCLUSÃOPolitizaras tecnologiase rompercomaalienação técnicapressupõe

umarelaçãoinventivacomatecnologiaqueénecessariamentecoletiva.Elapodeedeveenvolvergruposecomunicadoresdasciênciasedastecnologiasquenãoobservemosobjetos técnicosapenasem termosde sua produtividade e eficiência, e que escapem taticamente aomodelodaextraçãodevalorcapitalista, trazendo-osparaocampodeconstruçãodeumaculturatécnica.Nessadireção,apropostadeuma“cidadaniatecnocientífica”,apresentadaporCastelfranchieFernandes(2015),contribuiparadiluiraseparaçãoentreteoriaeprática,técnicaecultura,eparaincentivarumarelaçãoinventivacomastecnologias.Osautores compreendem que mais do que resistir ou opor-se adeterminadas tecnologias é necessário insistir, ou seja, posicionar-se

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politicamente e adentrar as tecnologias, abri-las e recombiná-las denovasformasapartirdeseuinterior,atuandopelaviadamodulação,talqual os algoritmos: (...) possibilidadesconcretas epoderosasdeaçãosocial: os atores sociais hoje não somente resistem a determinadasdinâmicas,mastambémasmodificam“insistindo”,existindoeatuandonointeriordelas,modificandomercado,políticaemídias,porquetodaselas precisam funcionar de forma sensível aos feedbacks, em temporeal, do comportamento e dos desejos de indivíduos que sãoconsumidores, eleitores, grupos de pressão etc. Da mesma forma, omundonãomudaapenasporrevolução,mastambémpormodulação:pela reconfiguração –às vezes sutil, às vezesmicrofísica –de códigostécnicos(CASTELFRANCHI&FERNANDES,2015,p.191-192).

Paralelamente,aideiadecidadaniaapresentadapelosautoresafasta-sedeumacompreensãosimplesdeconjuntodedireitosedeveresqueo Estado deve regular e garantir, para aproximar-se de um processorelacionalentreoscidadãoseseumeio,umainteraçãodinâmicaquevaialém de pessoas e governos, abrigando sujeitos e o meio. Trata,portanto, de processos que modulam os envolvidos e constituemsubjetividades.

A insistência na tecnologia, definida como uma política hacker, éexercitada por uma via cidadã e não se restringe àqueles comconhecimento prévio, ou ao universo dos peritos e especialistas,masadvém de uma relação cotidiana com as tecnologias, “pode ocorrernuma ampla gama de práticas diretas e planejadas ou por meio detáticas improvisadas e não-planejadas, influenciando tambémpercepções, atitudes e comportamentos, com efeitos políticos eeconômicos”(CASTELFRANCHI&FERNANDES,2015).

O caráter tático dessa insistência transborda a capacidade de açãoparaamicropolítica,paraatividadescotidianas,paraalterarosobjetostécnicoscomosquaisnosrelacionamos.Gruposde“leigos”,usuários

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finaiseconsumidores,comgrausmaioresoumenoresdeorganizaçãoeressonância interna, tem exercido sua capacidade de ação einfluenciado o desenvolvimento tecnológico. Junto com Feenberg(2011),essesautoresseperguntamquandoecomooscidadãospodemtransformaratecnologia.Reconhecendoatecnociênciacomoreferentede uma relação de interdeterminação entre ciência, tecnologia ecapitalismo, é de se supor que o exercício da cidadania passe pelatecnociência epelapossibilidadedemobilizá-la ede interferir emseufuncionamento.

DonnaHaraway(2016)dáoexemploquandocontadesuaexperiênciacomCayenneenosguiaporpartedahistóriadosmovimentosfeministae de proteção dos animais em suas relações com a indústriafarmacêutica, a produção científica e com a reprodução e reposiçãohormonal.Umasériederelaçõesatravessaeinformareciprocamenteaformação e o movimento de coletivos, conhecimento, ciência etecnologia. Nos termos de Haraway (2016, p. 110), “Pessoas seconjugam em espaços públicos; elas se ligam demodo transversal eatravés do espaço e do tempo para fazer coisas significativasacontecerem” .Aaçãopolítica tambémpassapela tecnociência,mas,no limite, sua política propõe produção de vínculos responsivos eresponsáveisentrehumanosenão-humanos.

A proposta de divulgar as tecnologias está ligada, assim, com aproduçãodepensamentoeprática técnica.Elaadvémdavontadedetraduzir operação em pensamento e pensamento em operação parainventar relações não-alienadas com a técnica ou, no limite, parainventar continuamente a relação humano-mundo. A capacidade deaçãonomundodependedosintermediáriosquecriamosemconjunçãocomasprópriasforçasdomundo.

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2015.

RESUMO:Aurgênciadepensarasrelaçõesentreohumanoeatecnologiaguiaesteartigo,umavezqueadivulgaçãooucomunicaçãodaciênciaeda tecnologiaprecisa incorporar essadiretriz.As tecnologiasdeinformação e comunicação foram incorporadas à vida das pessoas como um facilitador de atividadescorriqueiras, sem que o pensamento ou reflexão sobre tais tecnologias seguisse o mesmo ritmo de suaimplementaçãonocotidiano.OsesforçosdealgunsautoresdaFilosofia(Simondon,Deleuze,Rouvroy),dosestudos de comunicação e política (Frank Pasquale, Matteo Pasquinelli), e da sociologia da tecnologia(LaymertGarciadosSantos,SergioAmadeudaSilveira,EdsonTeles) inspiramesteartigocomo formadeproduzirnovaspossibilidadesderefletirsobreasrelaçõescomatecnologia,decontribuirparaopensamentoda relação humano-tecnologia, e de politizá-la na direção de uma “cidadania tecnocientífica” (cf.CASTELFRANCHI&FERNANDES,2015).PALAVRAS-CHAVE: Tecnociência; Divulgação da Ciência; Sociologia da Tecnologia; Tecnologia deInformaçãoeComunicação.

ABSTRACT: This article is guided by the urgent need to think about the relations between human andmachine,pointingthatsciencecommunicationshould followthisguideline. Informationandcommunicationtechnologies were incorporated into people’s lives as a facilitator of everyday activities, without a criticalthoughtabouttechnologiesfollowthesamepaceofitsimplementationineverydaylife.TheeffortsofsomeauthorsfromPhilosophy(Simondon,Deleuze,Rouvroy),MediaStudies(FrankPasquale,MatteoPasquinelli),andSociologyofTechnology (LaymertGarciadosSantos,SérgioAmadeudaSilveira,EdsonTeles) inspirethis text toarticulatenewperspectiveson the relationshipwith technology,and topoliticize it toward toatechnologicalcitizenship(cf.CASTELFRANCHI&FERNANDES,2015).KEYWORDS: Technoscience; Dissemination of Science; Sociology of Technology; Information andCommunicationTechnology.

[1]DiegoJ.VicentinédoutoremSociologia(Unicamp,2016),MartaM.KanashiroédoutoraemSociologia (USP, 2011), ambos são professores do Programa de Pós-Graduação emDivulgação Científica e Cultural Labjor/IEL. E-mails: [email protected] [email protected]

[2]Emseutexto“Post-scriptumsobreassociedadesdecontrole”,Deleuze(1992,p.223)refere-se desta forma aos computadores: “ (…) as sociedades disciplinares recentes tinham porequipamentomáquinas energéticas, comoperigopassivoda entropia e operigo ativodasabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie,máquinasde informáticaecomputadores,cujoperigopassivoéa interferência,eoativoapirataria e a introdução de vírus. Não é uma evolução tecnológica sem ser, maisprofundamente,umamutaçãodocapitalismo”.

[3] Algoritmos podem ser compreendidos como “a lógica intrínseca das máquinasinformacionais” (cf. PASQUINELI, 2015), ou os passos sequenciais e lógicos organizadosparaqueasmáquinasexecutemtarefas.

[4] “Cibernética é um termo que tem origem na palavra grega kubernétikê, podendo sertraduzidopelasexpresssões “artedepilotar”, “artedegovernar”.Foi introduzidona línguainglesa,em1948,pelocientistaNorbertWiener.Acibernéticaéumaciênciadaorganizaçãoqueenfatizaadinâmicadanaturezaedosmodelosdaorganizaçãoeauto-organizaçãodossistemas.Buscacompararosmecanismosdecontroleautomáticoede regulaçãoentreosfluxos de informação, sem os quais os sistemas aceleram seus níveis entrópicos até sedesorganizaremporcompleto.Otermocibernéticatemavercomprocessosdecontroleede

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comunicaçãodeanimais,homensemáquinas,ouseja,decomoainformaçãoéprocessadaecontroladaemsistemasvivosouartificiais(cf.WIENER,1998).Aquiéprecisodestacarqueuma rede cibernética construída artificialmente é uma rede de controle e não somente decomunicação. As tecnologias digitais são baseadas em códigos que delimitam o nossocomportamento(cf.LESSIG,1999)esãoarticuladasemredesquedependemdeprotocolosdecomunicaçãoedecontrole(cf.GALLOWAY,2004).

[5]AindaquePasquinelli(2015)adoteaexpressãomáquinasvirtuaisapenascomoumamáquinaabstrataimplementadaemsoftware,optamosaquipormanteramesmaterminologiaporqueela tambémpode ser compreendida a partir da passagemda dimensão atual à dimensãovirtual,edoinvestimentodocapitalismodehojesobreovirtual.Note-sequeotermovirtualnão deve ser compreendido aqui em oposição ao real, mas sim enquanto potência a serrealizada,umaaberturaparafuturospossíveisouprocessosdecriação(SANTOS,2003).