Circulando entre Experiências de Teatro - Um Ateliê de teatro para jovens com transtornos mentais

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    1/77

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UNIRIO

    CENTRO DE LETRAS E ARTES

    ESCOLA DE TEATRO

    CURSO DE GRADUAO EM TEATRO

    MODALIDADE: LICENCIATURA

    CIRCULANDO ENTRE EXPERINCIAS DE TEATRO

    Um Ateli de Teatro para Jovens Autistas

    POR

    NATHALIA KATSIVALIS SALLES

    Trabalho de Concluso de curso apresentada banca examinadora como um dos

    requisitos para obteno do Grau de Licenciado em Teatro, realizado sob orientao da

    Prof. Dr. Joana Ribeiro da Silva Tavares.

    RIO DE JANEIRO

    Novembro de 2014

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    2/77

    NATHALIA KATSIVALIS SALLES

    CIRCULANDO ENTRE EXPERINCIAS DE TEATRO

    Um Ateli de Teatro para Jovens Autistas

    Trabalho de Concluso de Curso a ser apresentado

    ao Departamento de Ensino do Teatro da

    Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

    (UNIRIO), Centro de Letras e Artes, em novembro

    de 2014, como pr-requisito para obteno do grau

    de Licenciado em Teatro sob a orientao da Prof.

    Dr. Joana Ribeiro da Silva Tavares.

    Orientadora:

    Prof. Dr. Joana Ribeiro da Silva Tavares

    RIO DE JANEIRO, RJ

    2014

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    3/77

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UNIRIO

    CENTRO DE LETRAS E ARTES

    ESCOLA DE TEATRO

    CURSO DE GRADUAO EM TEATRO

    MODALIDADE: LICENCIATURA

    CIRCULANDO ENTRE EXPERINCIAS DE TEATRO

    Um Ateli de Teatro para Jovens Autistas

    por

    NATHALIA KATSIVALIS SALLES

    Trabalho de Concluso de Curso

    BANCA EXAMINADORA

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Joana Ribeiro da Silva TavaresUNIRIOOrientadora

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Aliny Lamoglia de Carvalho - UNIRIO

    __________________________________________________

    Prof. Dr. Marina Henriques Coutinho - UNIRIO

    Nota: ______________________

    Rio de Janeiro, de de .

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    4/77

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo, em primeiro lugar, aos meus pais, Claudio e Sandra Salles, por serem os

    melhores pais do mundo e por terem me criado com todo o amor e dedicao que eu

    jamais poderia sonhar. Obrigada, meu irmo, pelas conversas at altas horas. Obrigada,

    vov Maria, por ser minha melhor cheerleader, sempre me incentivando a seguir meus

    sonhos e acreditando no meu potencial. Obrigada, vov Z, por me levar todo sbado s

    minhas primeiras aulas de teatro, que se mostraram, hoje, to fundamentais para mim.

    Obrigada tia Sandra, tio Paulo, Clarinha e Alice, por serem sempre to presentes e

    carinhosos e por acreditarem em mim.

    Agradeo tambm aos meus mestres durante a vida, que so parte de quem eu sou hoje.

    Em especial aos que me encaminharam nessa trajetria dentro da arte: Joana Cabral,

    Angela Andrade, Liane Maya, Cristina Aleixo, Glenda Klein (obrigada tambm por ter

    me introduzido no mundo da Educao Especial, que to importante para mim hoje),

    Ani Carolini Rufino, Guilherme Borges, Ester Elias e Sylvia Barreto.

    Aos professores/educadores do Departamento de Licenciatura em Teatro da Escola de

    Teatro da UNIRIO, deixo aqui um agradecimento especial pela incrvel formao que

    vocs me deram. Obrigada pelo carinho, pelo amadurecimento, pelas experincias, os

    conhecimentos. Marina, minha primeira professora de Licenciatura, que me dava tanta

    certeza que a sala de aula era um lugar lindo e o lugar certo para mim, mesmo que com

    toda a minha insegurana na poca; Vivi, Lili, Paulo, Gyata e Carmela, meus

    professores de estgio, que eu fiz na Oficina Circulando, que ouviram pacientemente

    todas as minhas angstias e alegrias, me trouxeram tantos questionamentos e tambm

    tantas respostas; e Miguel e Angela, espero orgulhar muito cada um de vocs e fazervaler todos os ensinamentos.

    Obrigada, Aliny Lamoglia, por ter me introduzido a uma pesquisa em Educao

    Especial, e ter me dado tantas dicas e referncias.

    Obrigada, Joana Ribeiro, por ter sido, alm de grande mestra e referncia para mim

    dentro da universidade, uma orientadora que soube respeitar meu tempo e meu processoe conseguir tirar o melhor de mim. Obrigada tambm por ter me convidado para

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    5/77

    participar da Oficina Circulando, que tem uma importncia muito alm deste trabalho

    ou de uma perspectiva de carreira para mim. Essa experincia mudou minha viso de

    mundo, minha relao com as pessoas, minha maneira de lidar com o que acontece ao

    meu redor.

    Agradeo a cada oficineiro e clnico que passou pela minha trajetria no Circulando,

    Ana, Aline, Amanda, Caito, Diego, Fabio Fernando, Ian, Ktia, Karina, Karine,

    Katiuscia Marianas, Marina, Martina, Tavie e as duas Thas.

    Tavie Gonzalez, no posso deixar de fazer um agradecimento especial para voc, que,

    de todos os presentes que o Circulando me deu, foi um dos mais importantes. Obrigada

    pela sua amizade dentro e fora de sala de aula, obrigada por s ao olhar pra mim j

    saber como proceder com as turmas, obrigada pelos momentos em cena.

    Agradeo tambm a todos os amigos que a UNIRIO me deu, que foram verdadeiros

    presentese eu tenho certeza que vou esquecer algum, ento, j peo desculpas: Tau,

    Ivan, Maria, Karllinha, Gustavo, Gyselle, Marcele, Ju, Raquel, Lusa, Flora, Suzana,

    Rachel, Fabi, Julia, Vini, Padu, Aline, Tavie, Malu, Esther, Carol... Obrigada por tantos

    momentos de crescimento e aprendizado.

    Obrigada aos amigos que vida foi trazendo (e que eu tambm vou esquecer de vrios),

    que me ouviram falar durante um ano sobre essa monografia: Katherine, Ana, Gabriel,

    Thiago, Gabi, Dudu, Bela, Mari, Nat, Charles, Alene, Mrcia, Bia, Julia, Aninha...

    Obrigada tambm aos nossos anjos da UNIRIO, que salvaram nossa vida tantas

    vezes: Denise, seu Z, Suely, Da Guia e Ninfa.

    Obrigada aos alunos e funcionrios do IPCEP que me permitem continuar essa trajetria

    e ampli-la, em um lugar repleto de amor e carinho.

    E o mais importante: obrigada aos alunos e pais da Oficina Circulando. Sem vocs,

    nada disso seria possvel.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    6/77

    RESUMO

    Esta monografia documenta e analisa minha experincia como professora de teatro naOficina Circulando, no perodo de maio de 2013 a outubro de 2014, na Escola de Teatroda UNIRIO. O trabalho pretende discutir possibilidades para o ensino do Teatro emuma situao atpica, mostrando um pouco do cotidiano em sala de aula com alunosautistas e o potencial do teatro nessa situao. O primeiro captulo apresenta uma breveexplicao do que o autismo. O segundo captulo busca contextualizar o leitor naOficina Circulando. O terceiro captulo destaca alguns momentos vividos em sala deaula, analisando os procedimentos utilizados oriundos de diferentes reas do ensino do

    Teatro. Tambm so disponibilizados alguns registros em forma de relatrios, fotos evdeos produzidos pelos oficineiros.

    Palavras-chave:Ensino do Teatro. Educao Especial. Autismo.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    7/77

    ABSTRACT

    This paper documents and analyzes my experience as a theater teacher in the OficinaCirculando, from may 2013 to October 2014, at UNIRIOs School of Theater. Itaims todiscuss the possibilities for the Theater Education in an atypical situation, showing alittle of what happens in classroom with the autistic students and the potential of theaterin such a situation. The first chapter presents a brief explanation of what is autism. Thesecond one explains to the reader what is Oficina Circulando and how it works. Andthen, the third chapter talks about moments in the classroom highlighting different areasof Theater Education. Records such as reports, pictures and videos are also provided.

    Keywords:Theater Education. Special Education. Autism

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    8/77

    LISTA DE ILUSTRAES

    Fig. 1 Aula da Oficina Circulando. S. Sala Nelly Laport (Escola de Teatro daUNIRIO), 2013. p. 70.

    Fig. 2 Aula da Oficina Circulando. M. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro daUNIRIO), 2014. p. 70

    Fig. 3 Aula da Oficina Circulando. Z. Sala 200 (Escola de Teatro da UNIRIO),2013. P. 70.

    Fig. 4 Aula da Oficina Circulando. Z. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro daUNIRIO), 2014. p. 70.

    Fig. 5 Aula da Oficina Circulando. A. Sala 200 (Escola de Teatro da UNIRIO),

    2013. p. 71.

    Fig. 6 Aula da Oficina Circulando. S. e Thas Sala Luclia Peres (Escola de Teatroda UNIRIO), 2014. p. 71.

    Fig. 7 Aula da Oficina Circulando. Z. Sala 200 (Escola de Teatro da UNIRIO),2013. P. 71.

    Fig. 8 Aula da Oficina Circulando. F. e Thas Sala Luclia Peres (Escola de Teatroda UNIRIO), 2014. P. 72.

    Fig. 9 Aula da Oficina Circulando. Z. e Tavie Sala Luclia Peres (Escola de Teatroda UNIRIO), 2014. P. 72.

    Fig. 10 Aula da Oficina Circulando. Z., Tavie e Gabriela Sala Luclia Peres (Escolade Teatro da UNIRIO), 2014. P. 72.

    Fig. 11 Aula da Oficina Circulando. N. e me de N. Sala Luclia Peres (Escola deTeatro da UNIRIO), 2014. P. 73.

    Fig. 12 Aula da Oficina Circulando. W. e me de W. Sala Luclia Peres (Escola de

    Teatro da UNIRIO), 2014. P. 73.Fig. 13 Aula da Oficina Circulando. Z. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro da

    UNIRIO), 2014. P. 73.

    Fig. 14 Aula da Oficina Circulando. J. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro daUNIRIO), 2014. P. 73.

    Fig. 15 Aula da Oficina Circulando. Z. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro daUNIRIO), 2014. P. 74.

    Fig. 16 Aula da Oficina Circulando. Z. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro daUNIRIO), 2014. P. 74.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    9/77

    Fig. 17 Aula da Oficina Circulando. L. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro daUNIRIO), 2014. P. 74.

    Fig. 18 Aula da Oficina Circulando. S. Banheiro da sala Nelly Laport (Escola de

    Teatro da UNIRIO), 2013. P. 74.

    Fig. 19 Aula da Oficina Circulando. S. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro daUNIRIO), 2014. P. 74.

    Fig. 20 Aula da Oficina Circulando. A. Sala Nelly Laport (Escola de Teatro daUNIRIO), 2013. P. 75.

    Fig. 21 Aula da Oficina Circulando. W. e Tavie Sala Luclia Peres (Escola deTeatro da UNIRIO), 2014. P. 75.

    Fig. 22 Aula da Oficina Circulando. F e Thas. Sala Luclia Peres (Escola de Teatroda UNIRIO), 2014. P. 75.

    Fig. 23 Aula da Oficina Circulando. S. Sala Luclia Peres (Escola de Teatro daUNIRIO), 2014. P. 76.

    Fig. 24 Aula da Oficina Circulando. J., L., D., Mariana, Tavie e Martina Sala NellyLaport (Escola de Teatro da UNIRIO), 2013. P. 76.

    Fig. 25 Aula da Oficina Circulando. Z. e Tavie Sala Luclia Peres (Escola de Teatroda UNIRIO), 2014

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    10/77

    SUMRIO

    APRESENTAO.............................................................................................................11

    INTRODUO..................................................................................................................13

    CAPTULO 1Autismo: um asterisco gigante..................................................................15

    1.1 Histrico.........................................................................................................................15

    1.2 Transtornos invasivos do desenvolvimento ..................................................................15

    1.3Trip do Espectro Autstico.............................................................................................16

    1.4 Psicomotricidade e Psicanlise.......................................................................................19

    1.5 Causas ............................................................................................................................20

    1.6 Incidncia e Prevalncia.................................................................................................20

    1.7 Diagnstico.....................................................................................................................21

    1.8 Tratamento......................................................................................................................23

    1.9 O grande asterisco..........................................................................................................26

    CAPTULO 2 A Oficina Circulando Ateli de Teatro para Jovens com TranstornosMentais.................................................................................................................................27

    2.1 O que ?..........................................................................................................................27

    2.2 Funcionamento da Oficina.............................................................................................27

    2.3 Histrico.........................................................................................................................29

    2.4 A Primeira Aula..............................................................................................................30

    2.5 Outsiders........................................................................................................................31

    2.6 Metodologia (ou no).....................................................................................................32

    2.7 O Papel do Oficineiro.....................................................................................................34

    2.8 A Oficina com os Pais....................................................................................................35

    2.9 Minha Experincia na Oficina Circulando.....................................................................35

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    11/77

    CAPTULO 3Circulando entre Experincias de Teatro...................................................37

    3.1 Pensamentos sobre o Jogo Teatral..................................................................................37

    3.2 Experincias de Teatro na Oficina Circulando...............................................................38

    3.3 A Potncia do Jogo.........................................................................................................44

    CONCLUSO......................................................................................................................45

    BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................46

    ANEXOS..............................................................................................................................50

    Anexo IRelatrio da oficineira Aline Vargas sobre o trabalho desenvolvido com as mesda turma de sexta-feira entre maio de 2014 e outubro de 2014...........................................50

    Anexo II Relatrio da oficineira Nathalia Katsivalis sobre as aulas pblicas em queocorreram as festas juninas de 2014.....................................................................................50

    Anexo IIIRelatrios dirios de aula da oficineira Nathalia Katsivalis referentes aos diasdas experincias relatadas no Captulo 3, na ordem em que aparecem no trabalho.............52

    Anexo IVFichamento de GONZALEZ (2014) sobre M..................................................56

    Anexo VFichamento de GONZALEZ (2014) sobre A....................................................57

    Anexo VIFichamento de GONZALEZ (2014) sobre N...................................................58

    Anexo VIIFichamento de GONZALEZ (2014) sobre Z..................................................59

    Anexo VIII Relatrio da primeira aula da oficineira Nathalia Katsivalis na OficinaCirculando............................................................................................................................60

    Anexo IXRelatrios gerais do 1 semestre de 2013 e 1 semestre de 2014, da oficineiraNathalia Katsivalis...............................................................................................................62

    Anexo XFotos...................................................................................................................69

    Anexo XIVdeo de A...................................................................................................DVD

    Anexo XIIVdeo de N..................................................................................................DVD

    Anexo XIIIVdeo 1 de Z..............................................................................................DVD

    Anexo XIVVdeo 2 de Z..............................................................................................DVD

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    12/77

    11

    APRESENTAO

    Minha primeira experincia como professora foi na Colnia de Frias do Forte

    do Leme, em janeiro de 2012, em que eu dei aula para quatorze turmas alunos dos 3 aos

    15 anos, com alguns alunos especiais includos, alm de trs turmas chamadas de PNE

    (pessoas com necessidades especiais). As turmas especiais eram divididas pelo

    comprometimento mental ou fsico dos alunos. Apesar de estas serem as turmas em que

    eu mais gostei de atuar, na turma dos alunos com maior comprometimento, um aluno,

    T., me assustou bastante. O diagnstico dele era de autismo.

    Eu nunca tinha estado com um autista e essa primeira experincia foi muito

    frustrante. Ele jogava uma bolinha de tnis de uma mo para a outra e nada do que eu

    fazia podia tir-lo daquele transe. Senti-me a pior professora do mundo! Eu me lembro

    de chegar em casa e dizer para a minha me Se eu tiver que ter um filho especial, eu s

    no quero que seja autista!.

    Como a uma colnia de frias durava apenas duas semanas, cada turma s

    passava por ns uma vez. A frequncia dessa turma foi uma exceo e, na semana

    seguinte, eu dei aula para eles de novo. Dessa vez, havia grandes panos para a

    estimulao dos alunos. Eu tentei no focar muito em T., afinal eu no sabia o que fazer

    com ele.

    No entanto, em um momento da aula, ele sentou no tecido. Pensei que aquilo

    pudesse ser aproveitado e comecei, intuitivamente, a correr arrastando o tecido pela sala

    com T. em cima. Isso foi o suficiente para acessar algo em T. e ele passou a se

    comportar de maneira completamente diferente da aula anterior.

    T. ria muito e pedia mais. Eu nem sabia que ele sabia falar e foi uma grata

    surpresa ouvir sua voz. Ele pediu para ir ao banheiro e, quando voltou, sentou no meucolo. Pediu para tirar uma foto comigo e ficou at o final da aula fazendo carinho no

    meu rosto.

    Por sorte, a primeira impresso no a que fica. Essa experincia com T. foi

    fundamental para a minha prtica em sala de aula. Acho que foi naquele momento que

    eu aprendi a olhar para o outro e entender que o mais importante tentar identificar suas

    necessidades. Foi naquele momento que eu entendi que qualquer coisa pode se tornar

    um potencializador de seres humanos. Foi naquele momento que eu comecei a me abrirpara os estmulos vindos de fora e conect-los com a minha intuio.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    13/77

    12

    Dois anos mais tarde, eu estava conversando com a professora Joana Ribeiro1e

    contei esse episdio. No s eu descobri, naquele momento, que havia na UNIRIO um

    projeto de extenso que propunha aulas de teatro para jovens autistas, o Circulando2,

    como tambm que eu estava conversando com a coordenadora do projeto.

    A Joana me convidou a participar do projeto e o resto, como dizem, histria.

    Eu comecei no projeto como voluntria sendo extremamente estimulada a ficar a

    vontade para experimentar e pesquisar o que eu achasse importante com os alunos. Com

    o tempo, ns vamos conhecendo cada um melhor e como potencializar as

    potencialidades 3 de cada um, despertando nossa sensibilidade, abrindo-se para o

    mundo, aprimorando o olhar para o outro e para si.

    Hoje em dia, sou bolsista vinculada Pr-Reitoria de Extenso e

    Cultura/PROExC atravs do projeto Oficina de Teatro Circulando e a Educao

    Especial uma linha de pesquisa que muito me agrada. Alm do Circulando, tambm

    sou professora de teatro em um instituto para alunos com deficincia mental, o IPCEP 4,

    onde exploro outra linha de trabalho, com outras dificuldades, potencialidades e vises.

    por essa mudana radical de posicionamento em relao aos autistas e

    Educao Especial que, hoje, minha pesquisa est voltada para esse tipo de pedagogia.

    Esta monografia um registro desses ltimos dois anos (2013-2014) de aprendizado

    com os melhores professores que podem existir: os alunos.

    1 Professora de Dana e Expresso Corporal do Departamento de Interpretao de Teatro/CLA daUNIRIO.2Oficina de Teatro Circulando: Ateli de Teatro para Jovens com Transtornos mentais, sob coordenaoda profa. Dra. Joana Ribeiro, cadastrado na PROExC em 2013.3

    Expresso usada pela bailarina Ana Thomaz no vdeo O que aprendi com a desescolarizao,disponvel em acessado em 23/10/14.4Instituto de Psicologia Clnica, Educacional e Profissional.

    https://www.youtube.com/watch?v=QveTf5DekIohttps://www.youtube.com/watch?v=QveTf5DekIohttps://www.youtube.com/watch?v=QveTf5DekIohttps://www.youtube.com/watch?v=QveTf5DekIo
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    14/77

    13

    INTRODUO

    A Oficina CirculandoAteli de Teatro para Jovens com Transtornos Mentais

    um projeto de extenso da UNIRIO, coordenado pela professora doutora Joana Ribeiro,

    em parceria com o projeto Circulando e traando laos e parcerias: atendimento para

    jovens autistas e psicticos em direo ao lao social, coordenado pela professoraAna

    Beatriz Freire5do Instituto de Psicologia da UFRJ que se prope a dar oficinas de teatro

    para jovens autistas e psicticos.

    O projeto, atualmente (outubro de 2014) atende doze alunos e seus pais e conta

    com duas alunas do curso de Atuao Cnica (Katiuscia Dantas e Marina Nagib) e trs

    do de Licenciatura em Teatro da Escola de Teatro da UNIRIO (Aline Vargas, Nathalia

    Katsivalis e Tavie Gonzalez), sete estagirias do curso de psicologia da UFRJ (Gabriela

    Dottori, Ian Lacerda, Julia Alves Karine Ferreira, Mariana Pucci, Thas Rodrigues e

    Thas Vilella), que acompanham as oficinas, e as coordenadoras e seus parceiros (Joana

    Ribeiro na parte de teatro e Ana Beatriz Nogueira, Fabio Malcher e Ktia lvares de

    Carvalho Monteiro) que fazem a orientao dos oficineiros e clnicos.

    Traando linhas de pesquisa dentro da Educao Especial, a oficina permite a

    experimentao de alternativas s pedagogias convencionais do teatro, linguagem

    verbal, ao uso de objetos e relao aluno-professor. A ateno individualizada para

    cada aluno o principal norte dessa pedagogia, chamada de No-Mtodo por Tavie

    Gonzalez (2014). A oficina voltada para as demandas e propostas vindas dos alunos,

    que acontecem de forma natural e, muitas vezes, ao acaso.

    Este trabalho pretende contextualizar a oficina em relao rea da Sade

    Mental e analisar o dia-a-dia em sala de aula, trazendo questionamentos e descobertas

    que esse no-mtodo lana, a cada aula. Para isso, convida o leitor a colocar os culosde um oficineiroe circular por experincias vivenciadas junto ao projeto Circulando.

    Todas as experincias observadas aconteceram entre maio de 2013 e outubro de 2014.

    O primeiro captulo apresenta uma breve explicao sobre o que o autismo, e

    traa um apanhado histrico sucinto. Destaca-se, tambm, seus sintomas, como feito o

    diagnstico e as particularidades do espectro. Esse captulo tem a inteno de desenhar

    para o leitor o perfil dos alunos da oficina Circulando, mostrando os desafios a serem

    5Professora do Programa de Teoria Psicanaltica da UFRJ.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    15/77

    14

    superados ao longo das oficinas. de extrema importncia tambm perceber que o

    autismo pode se manifestar de maneira completamente distinta em cada indivduo, pois

    esse dado ser norteador para o trabalho nas oficinas.

    O segundo captulo discorre sobre a Oficina de Teatro Circulando. Contextualiza

    o incio do projeto matriz, da UFRJ. Passa pelos primeiros momentos do Ateli de

    Teatroem 2010, com o Coletivo Teatro de Operaes6, a oficializao do projeto na

    UNIRIO at a configurao atual. Esse captulo ambientaliza o leitor na oficina,

    mostrando os principais apontamentos pedaggicos desenvolvidos no decorrer da

    mesma.

    O terceiro captulo problematiza o ensino do teatro no universo da Educao

    Especial e divide a apreenso e o treino teatral em quatro domnios: comunicao,

    imaginao, musicalidade e coordenao motora. Tomando como base os campos

    supracitados, so analisadas algumas experincias de jogos que aconteceram na oficina

    para ilustrar como esse trabalho acontece.

    Os anexos comportam vdeos e fotos de momentos da oficina, alm dos

    fichamentos sobre as caractersticas dos alunos feitos por Tavie Gonzalez (2014), o

    depoimento de Aline Vargas sobre o trabalho com os pais, os relatrios das aulas

    citadas no captulo 3 e alguns relatrios de diferentes momentos ao longo dos dois anos

    em que fui professora na Oficina Circulando, que podem mostrar algumas

    transformaes que essa experincia causou. Como o acaso um dos grandes aliados do

    no-mtodo, muitos dos jogos no tm registro em vdeo. Os vdeos apresentados neste

    trabalho, no entanto, podero ilustrar algumas das experincias e mostrar a linha de

    pesquisa que se utiliza no decorrer da oficina.

    importante destacar que o uso da primeira letra em maisculo dos nomes dos

    alunos foi a opo escolhida para preservar o anonimato de suas identidades. Uma vez

    que a oficina trabalha com o indivduo, no faria sentido escolher nomes fictcios paraos alunos. Este trabalho entende os alunos autistas como pesquisadores tanto quanto os

    oficineiros, clnicos e coordenadores e que o desenvolvimento das oficinas s possvel

    por meio de uma ao conjunta de parceria, confiana, afeto e cumplicidade entre todos.

    6

    Coletivo de teatro de alunos e ex-alunos da Escola de Teatro da UNIRIO que estuda pedagogiasperifricas. Ver site acessado em23/10/14.

    http://www.teatrodeoperacoes.com/pt/?/operacoes/a-cena-e-publica/http://www.teatrodeoperacoes.com/pt/?/operacoes/a-cena-e-publica/http://www.teatrodeoperacoes.com/pt/?/operacoes/a-cena-e-publica/http://www.teatrodeoperacoes.com/pt/?/operacoes/a-cena-e-publica/
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    16/77

    15

    CAPTULO 1

    Autismo: um asterisco gigante

    1.1 Histrico

    O adjetivo autista foi inserido na literatura psiquitrica, em 1906, pelo psiquiatra

    Plouller. Em 1911, o psiquiatra Eugen Bleuler cria o termo autismo (DURO, 2008).

    Na poca, ambos os psiquiatras associavam o autismo esquizofrenia7.

    Foi, em 1943, no entanto, que, pela primeira vez, descreveu-se um grupo de

    crianas com caractersticas em comum em especial, a dificuldade de se relacionar

    com outras pessoasque receberam a designao de autistas. O termo, emprestado de

    Plouller, foi usado pelo psiquiatra infantil da John Hopkins University, Leo Kanner, em

    seu trabalho Distrbios Autsticos do Contato Afetivo (GIKOVATE, 2009).

    Segundo GAUDERER (1997), outros nomes que a sndrome recebeu foram

    Esquizofrenia Infantil, por Bender, em 1947; Desenvolvimento Atpico do Ego, em

    1949 por Rank; Psicose Simbitica, descrita por Margaret Schoenberger Mahler como

    uma doena causada pelo relacionamento de me com filho, em 1952; Esquizofrenia

    Infantil de Tipo No-Orgnico, em 1961, por Golbfarb; Pseudo-Retrato ou Pseudo-

    Deficiente, novamente por Bender, em 1963; e Psicose Infantil, Psicose da Criana ou

    Psicose de Incio precoce, pelo psiquiatra Michael Rutter, tambm em 1963.

    Finalmente, em 1966, as pesquisas de Julian Ajuriaguerra e Rutter nas reas de

    cognio e linguagem apontavam para a dissociao do autismo com as psicoses,

    colocando-o, junto aos estudos de Ornitz e Ritvo, em 1976, no grupo dos Transtornos

    Invasivos do Desenvolvimento (DURO, 2008).

    1.2 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

    Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento so o nmero 299.0 do Manual

    Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais IV/DSM.IV8 e compreendem o

    7A esquizofrenia um transtorno psictico caracterizado pelo DSM-IV comouma perturbao cuja durao mnima de seis meses e inclui no mnimo umms de delrios, alucinaes, discurso desorganizado, comportamento

    amplamente desorganizado ou catatnico. AQUINO, Ben de Paiva.PSICODIAGNSTICO EPROJETO TERAPUTICO PARA PACIENTES PSICTICOS: UM ESTUDO COM MTODOS DERORSCHACH E HTP. Braslia. 2010.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    17/77

    16

    Transtorno Autista (chamado de Transtorno do Espectro Autista, TEA, no DSM.V), o

    Transtorno de Rett, o Transtorno Desintegrativo da Infncia, o Transtorno de Asperger

    (que foi incorporado ao espectro autista no DSM.V) e o Transtorno Invasivo do

    Desenvolvimento Sem Outra Especificao.

    O autismo conceituado pela Associao Americana de Psiquiatria/APA como

    um:

    (...) prejuzo severo e invasivo em diversas reas do desenvolvimento:habilidades de interao social, habilidades de comunicao, ou presena decomportamento, interesses e atividades estereotipados. [...] As manifestaesdo transtorno variam imensamente, dependendo do nvel de desenvolvimentoe idade cronolgica do indivduo.9

    No Cdigo Internacional de Doenas/CID-1010, o autismo definido como um

    conjunto de anormalidades qualitativas em interaes sociais recprocas e em padres

    de comunicao e por um repertrio de interesses e atividades restrito e estereotipado 11. Destaca-se a palavra qualitativa como uma forma de entender a enorme diferena

    apresentada entre os indivduos autistas. na qualidade das interaes que se possibilita

    que se coloque, no mesmo espectro, Jacob Barnett autista de quatorze anos que

    desenvolve importantes trabalhos na teoria da relatividade12e Nealo filho autista,

    no verbal, de Elaine Hall, criadora do Miracle Project13.

    Ambos os manuais falam que o autismo aparece nos primeiros anos de vida.

    1.3 Trip do Espectro Autista

    O Trip do Espectro Autstico foi descrito por Lorna Wing, em 1988. Esse trip

    estabelece trs sintomas que esto necessariamente presentes no autismo, mas com

    intensidades variadas. Dessa forma, essas caractersticas variam de acordo com o

    desenvolvimento cognitivo, colocando dentro do espectro tanto o autista no-verbal ecom grave deficincia intelectual quanto os casos que eram chamados de Sndrome de

    8O DSM.IV um manual de transtornos mentais que lista diversos tipos de transtornos e os critrios paraidentific-lo. J existe uma verso mais recente, o DSM.V, mas ele ainda muito recente no Brasil e, porisso, ainda no est sendo amplamente utilizado.9American Psychiatric Association (APA).Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos Mentais -

    DSM IV TR. Traduo de Cludia Dornelles. 4. ed. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2002.10 um manual de doenas mais amplo que o DSM pois no se resume apenas sade mental.11Organizao Mundial de Sade (1993). Classificao de transtornos mentais e de comportamento:CID-10. Porto Alegre: Artes Mdicas. P. 246.12

    BARNETT, KristineBrilhante A inspiradora histria de uma me e seu filho gnio e autista/KristineBarnett; traduo Jos Rubens Siqueira.1ed.Rio de Janeiro: Zahar, 2013.13http://www.themiracleproject.org/acessado em 02/06/2014.

    http://www.themiracleproject.org/http://www.themiracleproject.org/http://www.themiracleproject.org/http://www.themiracleproject.org/
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    18/77

    17

    Asperger, em que no havia prejuzo do mesmo14. Entre esses extremos, pode-se

    encontrar variados graus de comprometimento.

    Os ps do trip, segundo GIKOVATE (2004) so: falha na interao social

    recproca; dificuldade na comunicao verbal e no verbal; comprometimento da

    imaginao, comportamento e interesses repetitivos.

    Entre os sintomas da falha na interao social recproca est o fracasso em

    desenvolver relacionamentos com seus pares. Os alunos da Oficina Circulando, por

    exemplo, se relacionam com frequncia com os oficineiros, mas muito difcil que

    interajam entre eles de forma espontnea.

    Falta de busca espontnea pelo prazer compartilhado, interesses ou realizaes

    com outras pessoas, tambm se enquadra como sintoma. Quando a Oficina Circulando

    ganhou um violo de doao, solicitou-se para que o aluno que mais pedia pelo violo

    agradecesse, em vdeo, pessoa que doou. Ele, apesar de estar visivelmente muito feliz

    com o novo objeto, respondia com respostas monossilbicas ou apenas repetia o que era

    falado

    Outro exemplo falta de reciprocidade social ou emocional. H uma aluna na

    Oficina que seria capaz de participar de cenas com outros alunos de casos mais leves,

    como o dela. No entanto, ela se recusa a participar dessas atividades e prefere ficar

    costurando sozinha (APA, 2002).

    Tambm se destaca a apreciao inadequada de indicadores socioemocionais.

    Uma vez, um aluno estava em crise devido mudana da dose do medicamento e, por

    isso, bateu em sua me. Os oficineiros disseram que ele no podia fazer isso,

    argumentando que isso di! e ele respondeu di?, mostrando sua dificuldade em se

    colocar no lugar do outro e entender o que ele est sentindo.

    O uso insatisfatrio de sinais sociais e fraca integrao dos comportamentos

    sociais, emocionais e de comunicao (OMS, 1993) tambm se enquadram comosintoma de falha de interao social. Contato visual direto uma grande dificuldade

    para grande parte dos alunos da Oficina, por exemplo.

    Nos sintomas de comunicao encontra-se o atraso ou falta total de

    desenvolvimento da linguagem falada. Na Oficina, h desde a aluna que fala vrias

    14http://www.ama.org.br/site/pt/autismo/definicao.htmlacessado em 03/06/14.

    http://www.ama.org.br/site/pt/autismo/definicao.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/autismo/definicao.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/autismo/definicao.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/autismo/definicao.html
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    19/77

    18

    lnguas, os alunos que apresentam ecolalia15, at os alunos que no falam uma nica

    palavra.

    Prejuzo na capacidade de iniciar ou manter uma conversao tambm um

    exemplo. Um aluno, uma vez, estava sendo estimulado a contar sobre o atendimento

    psicolgico que ele recebeu e, de repente, ele interrompeu a conversa para pedir uma

    flauta verde que ele gostava de usar.

    Tambm o uso estereotipado e repetitivo da linguagem ou linguagem

    idiossincrtica um sintoma de comunicao (APA, 2002). Muitas vezes os alunos

    surpreendem com um uso mais refinado da palavra para contextos como, por exemplo,

    agradeo muito!, quandoum simples obrigado bastaria.

    Entre os sintomas de comprometimento da imaginao, comportamento e

    interesses repetitivos esto jogos variados e espontneos de faz-de-conta ou de imitao

    social de pessoas ausentes. Desconectar com o real e entender figuras de linguagem, por

    exemplo, so grandes dificuldades.

    A preocupao total com um ou mais padres estereotipados e restritos de

    interesse, anormais em intensidade ou foco tambm se enquadra como sintoma. H um

    aluno na Oficina que pergunta a hora a todo momento para saber se a aula terminar no

    horrio exato que foi combinado com ele, para que ele no se atrase para a escola.

    Tambm se destaca a adeso aparentemente inflexvel a rotinas ou rituais

    especficos e no funcionais. Quando a aula termina, um dos alunos volta a pegar todos

    os objetos que ele utilizou, rapidamente antes que sejam guardados.

    A preocupao insistente com partes de objetos um dos exemplos (APA,

    2002). Um dos alunos sempre leva algum objeto para a sala sempre objetos duros

    como garrafa e rdio e passa a maior parte da aula com o objeto preso debaixo do

    brao.

    As estereotipias motoras tambm so caractersticas (OMS, 1993) Movimentosde mo so os mais comuns entre os alunos da Oficina Circulando.

    Tambm so sintomas que podem aparecer as fobias, perturbaes do sono,

    autoleso, ataques de birra e agresso (OMS, 1993).

    15Ecolalia quando o autista repete o que os outros falam. Por exemplo: foi perguntado a um aluno qual

    a idade dele e ele no respondeu. Chutaram 18 e ele repetiu 18. Depois perguntaram se era 19 e elerepetiu 19. Em seguida perguntaram 18ou 19? e ele respondeu 19. Quando trocaram a pergunta para19 ou 18? ele respondeu 18.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    20/77

    19

    1.4 Psicomotricidade e Psicanlise

    A conceituao da Psicanlise, neste trabalho, ser feita atrelada ideia de

    construo da corporeidade, cunhada pela Psicomotricidade. Ambas funcionam

    sozinhas, mas elas tambm se complementam.

    A construo da corporeidade a construo do eu e do eu corporal. No

    primeiro ano de vida, a criana vive o chamado estado primrio de indiferenciao.

    Nesse estgio, o beb se confunde com o corpo, a voz e aes de seu cuidador. Ele

    apenas capaz de gravar as sensaes do que lhe afeta como algo que causa prazer ou

    desprazer. Essas sensaes geram engramas16 que faro com que o indivduo se

    relacione com o meio de sua forma particular, criando sua histria individual. A criana,

    assim, vai descobrindo o seu eu, seu corpo e sua identidade (BUENO, 2012).

    A corporeidade, no entanto, no se constri apenas na definio do Eu.

    tambm necessria a identificao do Outro para que ela seja capaz de vivenciar o

    simblico. Nessa fase, a criana se relaciona com os objetos e o espao, passa a

    estabelecer jogos espontneos de comunicao simblicos, comea a imitar e a

    desenvolver uma linguagem interna. Para certificar-se de tudo isso, necessria a

    afirmao do Outro (BUENO, 2012).

    No caso do autista, muitos autores (LAPIERRE e AUCOUTURIER, 1986,

    FORDHAM, 1976) acreditam que essa imagem corporal no foi formada e, assim, essas

    crianas no possuem uma unidade corporal. Isso acontece porque a construo da

    corporeidade s acontece se significada pelo Outro.

    A psicanlise acredita que os trajetos pulsionais17, no autista, estejam ausentes e

    o que apareceria em seu lugar seriam circuitos do objeto articulados ao corpo por

    bordas de gozo(LAURENT, 2014:22). Essas bordas seriam uma forma de assegurar

    proteo, por isso, condensariam o gozo (BIALER, 2014). O corpo do autista seria umcorpo sem furos por onde o sujeito pudesse se esvaziar. Dessa forma, as sensaes

    podem transbord-lo ou no serem sentidas, o que geraria a ausncia da imagem do

    corpo (LAURENT, 2014).

    16Engramas so a forma como as memrias so guardadas nas clulas.17

    Cada trajeto pulsional se refere a um objeto de pulso. So 5: oral, anal, olhar, voz e dor. Os doisprimeiros se referem demanda do Outro; os quatro primeiro se referem ao desejo do Outro e todos sereferem ao gozo do Outro (NASIO, 1997).

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    21/77

    20

    1.5 Causas

    Muitas so as especulaes sobre as causas do autismo. Por isso, LAURENT

    (2014) defende que a causa que importa para o autismo a causa poltica, por direitos e

    mais espao na sociedade, e toda essa especulao gera muita angstia aos pais, uma

    vez que, durante muito tempo, acreditou-se que o transtorno fosse causado por fatores

    psicolgicos em virtude de uma relao no acolhedora dos pais para com seus filhos.

    Poucos, no entanto, so os que ainda sustentam essa teoria, de forma que se investe

    muito mais em uma causa neurobiolgica do que psicolgica, como explica

    GIKOVATE (2009).

    GIKOVATE (2009) acrescenta que muitos so os indcios de que no h uma

    causa nica para o autismo, mas fatores combinados que o originariam. Essa busca, no

    entanto, no livre das paixes e tendncias de quem a pesquisa. Em seu livro,

    LAURENT (2014) fala sobre o grande investimento feito pela instituio Autism

    Speaks, criada por Bob Wright, em 2005, nos Estados Unidos, aps seu neto ser

    diagnosticado como autista. A fundao investiu, entre 2005 e 2007, cerca de 16

    milhes de dlares em pesquisas relacionadas s causas, mas sempre manteve-se

    dividida entre a hiptese de origem gentica e a ambiental.

    A nica certeza de que se tem que a sndrome encontrada em todo o mundo

    e em famlias de qualquer configurao racial, tnica e social 18.

    1.6 Incidncia e prevalncia

    No DSM.IV, sugere-se de 2 a 5 casos de autismo a cada 10.000 pessoas. Doze

    anos depois, os estudos apontam para a proporo de 1 a cada 68 nascimentos, nos

    Estados Unidos19.Isso tem gerado um debate sobre a indefinio do diagnstico de autismo. Diz-se

    que a categoria autismo foi abrangendo um nmero cada vez maior de sintomas,

    desde que foi colocado na categoria de transtorno invasivo do desenvolvimento. Alm

    disso, devido grande diferena apresentada entre autistas, o DSM tem sido obrigado a

    18RITVO, FREEMAN, National Society for Autistic Childrens Definition of the Syndrome of Autism.

    Journal of the American Academy Children Psychiatry. Estados Unidos, v.17, p. 565-575, 1978.19Disponvel em acessado em02/06/14.

    http://www.autism-society.org/about-autism/facts-and-statistics/http://www.autism-society.org/about-autism/facts-and-statistics/http://www.autism-society.org/about-autism/facts-and-statistics/
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    22/77

    21

    introduzir cada vez mais particularidades. Desse modo, j se fala em uma epidemia do

    autismo (LAURENT, 2014).

    O autismo quatro vezes mais comum em meninos que em meninas 20, por isso,

    escolheu-se a cor azul para a sua representao poltica, como, por exemplo, no dia do

    autismo21. No Circulando, atualmente, so, ao todo, cinco meninas e sete meninos. No

    entanto, algumas das meninas no tm um diagnstico fechado. Na turma de sexta-feira,

    em que todos tm o diagnstico de autismo, so quatro meninos e uma menina, de

    acordo, por acaso, com a proporo indicada.

    1.7 Diagnstico

    No h exames ou marcadores biolgicos capazes de identificar a sndrome

    (DURO, 2008). O diagnstico feito com base na anlise da histria e

    comportamento de cada indivduo (MOUSINHO e GIKOVATE, 2003).

    possvel fazer o diagnstico por volta dos 18 meses de idade22e, dependendo

    do caso, por volta dos 12 meses. Na maioria dos casos, no entanto, a preocupao inicial

    dos pais com o atraso da fala (GIKOVATE, 2009).

    Para que algum seja diagnosticado com autismo, ele deve apresentar

    caractersticas dos trs ps do trip descrito por Wing: integrao social, comunicao e

    padres restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades (GIKOVATE,

    2009). So doze os critrios para o diagnstico de autismo, sendo que o indivduo deve

    apresentar, no mnimo, dois de interao social, um de comunicao e um de padres

    restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades.23

    A lista a seguir mostra os critrios dados pelo DSM.IV24:

    1. prejuzo qualitativo na interao social (o indivduo deve estar enquadrado em,

    ao menos, dois desses):a) prejuzo acentuado no uso de mltiplos comportamentos no-verbais, tais como

    contato visual direto, expresso facial, posturas corporais e gestos para regular a

    20Disponvel em acessado em 03/06/13.212 de abril.22Disponvel em acessado em 03/06/14.23American Psychiatric Association (APA). Manual Diagnstico e Estatstico de Transtornos

    Mentais - DSM IV TR. Traduo de Cludia Dornelles. 4. ed. Porto Alegre: Artes Mdicas,2002.24Idem.

    http://www.ama.org.br/site/pt/definicao.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/definicao.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/definicao.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/diagnostico.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/diagnostico.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/diagnostico.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/diagnostico.htmlhttp://www.ama.org.br/site/pt/definicao.html
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    23/77

    22

    interao social.. Uma aluna do Circulando, uma vez, verbalizou que no

    gostava de olhar nos olhos das outras pessoas.

    b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seus pares apropriados ao nvel

    de desenvolvimento.. As atividades que acontecem em grupo so iniciativas, na

    maior parte dos casos, dos oficineiros.

    c) falta de tentativa espontnea de compartilhar prazer, interesses ou realizaes

    com outras pessoas, (por ex., no mostrar, trazer ou apontar objetos de

    interesse.). Uma aluna da Oficina adora desenhar, mas ela se sente pouco a

    vontade em compartilhar os desenhos com os oficineiros.

    d) falta de reciprocidade social ou emocional. H casos de alunos que se fixam

    em atividades individuais fechadas como rodar uma bola ou enrolar uma fita.

    2. prejuzos qualitativos na comunicao (deve estar enquadrado em, pelo menos,

    um dos itens a seguir)

    a) atraso ou ausncia total de desenvolvimento da linguagem falada (no

    acompanhado por uma tentativa de compensar por meio de modos alternativos

    de comunicao). A grande dificuldade inicial da Oficina foi o fato de que a

    maioria dos alunos no respondeao comando verbal.

    b) em indivduos com fala adequada, acentuado prejuzo na capacidade de iniciar

    ou manter uma conversao. H um aluno que um timo exemplo pois

    muito comum estarem conversando com ele e ele interromper a conversa para

    perguntar a hora.

    c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem idiossincrtica. A maneira como

    se usa a linguagem pode ser uma forma de barreira do contato com o outro. H

    aluna que, quando no quer mais conversar, comea a falar em japons. Como

    ningum mais na Oficina sabe essa lngua, a comunicao cortada. Ela tentou

    fazer isso com o ingls, uma vez, mas, quando as pessoas conseguiram interagircom ela falando essa lngua, ela trocou para o japons.

    d) falta de jogos ou brincadeiras de imitao social variados e espontneos ao

    nvel de desenvolvimento. Jogos com regras pr-determinadas funcionam com

    poucos alunos da Oficina.

    3. padres restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades (pelo

    menos um, deve ser apresentado para que se d o diagnstico)

    a) preocupao insistente com um ou mais padres estereotipados e restritos deinteresse, anormais em intensidade e foco. A j citada aluna que fala vrias

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    24/77

    23

    lnguas, tm um interesse excessivo pela cultura japonesa e se restringe a outros

    temas para se manter focada nas animaes que ela assiste animes - e os

    bichinhos de pelcia que ela faz.

    b) adeso aparentemente inflexvel a rotinas ou rituais especficos e no-

    funcionais. A maioria dos alunos sempre vai ao banheiro imediatamente antes

    ou depois da Oficina.

    c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por ex., agitar ou torcer as

    mos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo. Existem alguns

    movimentos de cabea ou de ombros, por exemplo, que, muitas vezes, so

    usados como alertas para os oficineiros de que algo pode estar errado.

    d) preocupao insistente com partes de objetos. Um dos alunos costuma coletar

    objetos na rua. Uma vez, chegou com uma caixa de metal que, quando aberta,

    continha cigarros. Quando a me viu, jogou fora no mesmo momento.

    Novamente, importante frisar a palavra qualidade antes de pensar nos

    sintomas e destacar o fato do espectro autstico apresentar uma enorme variedade de

    graus e casos. O diagnstico s pode ser feito pela anlise detalhada de cada caso,

    compreendendo suas particularidades. Deve ser emitido por um mdico psiquiatra.

    1.8 Tratamento

    No h um tratamento curativo do autismo. No entanto, a estimulao precoce

    primordial no desenvolvimento dessas crianas. 25

    Os medicamentos utilizados so para tratar sintomas como agressividade,

    ansiedade, problemas de ateno, dificuldades de dormir etc. Outra abordagem adotada

    so as dietas sem glten26, apesar de no haver nenhum estudo que comprove a eficcia

    dessas dietas.O tratamento feito por uma equipe multidisciplinar e voltado para as

    necessidades de cada indivduo, no entanto, tem sido o mais indicado e seus resultados

    se mostram bastante satisfatrios. o caso do Circulando, que une teatro e psicologia e

    trabalha com as demandas de cada aluno.

    25Disponvel em acessado em 03/06/1426

    Disponvel em acessado em 03/06/14

    http://www.autism-society.org/living-with-autism/autism-through-the-lifespan/infants-and-toddlers/early-intervention/http://www.autism-society.org/living-with-autism/autism-through-the-lifespan/infants-and-toddlers/early-intervention/http://www.minhavida.com.br/saude/temas/autismo?utm_source=social&utm_medium=facebook&utm_campaign=feed_post_saudehttp://www.minhavida.com.br/saude/temas/autismo?utm_source=social&utm_medium=facebook&utm_campaign=feed_post_saudehttp://www.minhavida.com.br/saude/temas/autismo?utm_source=social&utm_medium=facebook&utm_campaign=feed_post_saudehttp://www.minhavida.com.br/saude/temas/autismo?utm_source=social&utm_medium=facebook&utm_campaign=feed_post_saudehttp://www.minhavida.com.br/saude/temas/autismo?utm_source=social&utm_medium=facebook&utm_campaign=feed_post_saudehttp://www.autism-society.org/living-with-autism/autism-through-the-lifespan/infants-and-toddlers/early-intervention/http://www.autism-society.org/living-with-autism/autism-through-the-lifespan/infants-and-toddlers/early-intervention/
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    25/77

    24

    Entre as terapias mais difundidas, destacam-se:

    a) Anlise aplicada do comportamento (ABA)

    um programa, fundado por I. Lovaas, para crianas pequenas que visa, por

    meio de condicionamento operante e reforadores, estimular habilidades, reduzir

    comportamentos indesejveis e ensinar comportamentos sociais a fim de que a criana

    cresa o mais prximo possvel de uma criana com desenvolvimento tpico.27

    O ABA uma teoria comportamental bastante famosa e utilizada, apesar de ser

    um tratamento muito caro. No entanto, ela desperta muitas crticas.

    Michelle Dawson uma pesquisadora autista canadense que escreveu, em 2004,

    o artigo The misbehaviour of behaviourists. Ethical challenges to the autism-ABA

    industry (O mau comportamento dos comportamentalistas. Problemas ticos da

    indstria ABA-autismo). Nele, ela compara a tentativa de Lovaas de extinguir os

    comportamentos atpicos dos autistas ao Femine Boy Project (Projeto para meninos

    afeminados), tambm encabeado por I. Lovaas, em 1987, de modificao dos

    comportamentos homossexuais.

    Dawson diz que no h nenhum estudo capaz de definir o que central no

    autismo. Por isso, no possvel dizer quais comportamentos podem ser extintos ou

    no. E, exatamente porque o mtodo ABA pode funcionar, ele poderia estar

    suprimindo as condutas bizarras que talvez lhe [o autista] sejam necessrias 28.

    Para ela preciso compreender como funciona o aprendizado dos autistas, sem

    focar em reformas comportamentais, de modo que ele seja capaz de desenvolver suas

    competncias por si s e, assim, ser respeitado (LAURENT, 2014). Esse pensamento de

    Dawson muito importante na Oficina Circulando, como ser discutido no captulo 2.

    b) Tratamento e Educao para Autistas e Crianas com Dficits Relacionados

    Comunicao (TEACCH)

    27Disponvel em acessado em 03/06/14.28DAWSON, M., The misbehasviour of behaviourists. Ethical challenges to the autism-ABA industry ,

    postado em 18 jan 2004 no seu blogNo Autistics Allowed. Explorations in discrimination againstautistics. Apud LAURENT, EricA Batalha do Autismo: da clnica poltica/Eric Laurent; traduoClaudia Berliner.1.ed.Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p. 139.

    http://www.abaeautismo.com.br/http://www.abaeautismo.com.br/http://www.abaeautismo.com.br/http://www.abaeautismo.com.br/
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    26/77

    25

    um programa transdisciplinar, criado, em 1966, nos Estados Unidos, com base

    na Teoria Behavorista e na Psicolingstica que atuam em caractersticas

    comportamentais por meio de reforadores29.

    O programa se utiliza de material visual para a organizao do ambiente por

    meio de rotinas e aceita os comportamentos atpicos relacionados ao espectro. Alm

    disso, ele no visa que a criana chegue ao desenvolvimento tpico (Kwee CS, Sampaio

    TMM, Atherino CCT, 2009).

    c) Sistema de Comunicao por Troca de Figuras (PECS)

    um protocolo, criado em 1985 por Andy Bondy e Lori Frost, baseado no

    mtodo ABA, que visa estimular a comunicao por meio da troca de figuras (VIEIRA,

    2012).

    d) Mtodo Son-Rise

    um mtodo criado pelo casal Barry e Samahria Kaufman, nos anos 1970, pais

    de Raun Kofman, portador da sndrome do autismo, e desenvolvido pelo Autism

    Treatment Center of America, em Massachussetts.

    As sesses acontecem em quartos de brincar, em geral na casa da criana, de

    acordo com o estado de disponibilidade em que a criana est: rgido repetitivo, isolado

    ou altamente conectado.

    Os pais tm um papel fundamental, neste programa, pois, a partir de sua

    participao, eles sero capazes de entender os interesses, necessidades e dificuldades

    da criana de modo a preparar o trabalho para as prximas conquistas do

    desenvolvimento (MESQUITA E CAMPOS, 2013).

    e) Outras terapias

    Compreendem a terapia ocupacional, fisioterapia, terapia do discurso,

    acompanhamento de fonoaudilogo e psiclogo, atividades fsicas. O importante que

    atenda demanda do autista, de modo que ele se sinta estimulado naquela atividade.

    29Podem ser reforos positivos desde palavras que se manifestam a favor do que o indivduo fez at usarum objeto que ele quer como moeda de troca.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    27/77

    26

    1.9 O grande asterisco

    O autismo , certamente, um grande mistrio para todos que lidam com ele.

    Felizmente, os estudos sobre o tema avanam cada vez mais e mais rpido, melhorando

    a qualidade de vida daqueles que so portadores da sndrome.

    Ao escolher um asterisco gigante para descrev-lo, a inteno pontuar a

    abrangncia do espectro. possvel encontrar autistas muito diferentes uns dos outros.

    Os mtodos que funcionam para alguns no se aplicam a outros.

    Estudar e entender o autismo preciso. Entender esses conflitos faz parte de

    uma luta poltica travada todos os dias em consultrios, salas de aula e nas casas das

    famlias em que aparecem os casos de autismo.

    No entanto, ainda mais importante entender que, ao lidar com pessoas, lida-se

    com autistas e no com o autismo. Mais que isso, importante no permitir que essa

    caracterstica especfica se sobreponha a todo um conjunto de adjetivos que formam um

    indivduo. Eles so cientistas brilhantes, grandes economistas, lderes de multinacionais,

    artistas renomados e tambm autistas. So pessoas que sentem, sonham, choram, amam

    e vivem e que, por acaso, alm de tudo isso, esto inseridos no espectro. Como ser

    visto no prximo captulo, nessa viso do aluno como indivduo que a Oficina

    Circulando se insere.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    28/77

    27

    CAPTULO 2

    A Oficina de Teatro Circulando Ateli de Teatro para jovens com transtornos

    mentais

    2.1 O que ?

    A Oficina de Teatro Circulando um projeto de extenso cadastrado na

    PROExC30 da UNIRIO, coordenado pela professora doutora Joana Ribeiro da Silva

    Tavares, em parceria com o projeto de pesquisa do Programa de Ps Graduao em

    Teoria Psicanaltica da UFRJ Circulando e traando laos e parcerias: atendimento

    para jovens autistas e psicticos em direo ao lao social 31, coordenado pela

    professora doutora Ana Beatriz Freire. A Oficina de Teatro Circulando tem como

    objetivo maior a oferta de aulas de teatro para alunos autistas e psicticos.

    importante frisar que esse trabalho com o ensino de teatro no pretende ser ou

    substituir qualquer terapia. Possveis melhoras podem ser alcanadas, mas esse no a

    finalidade da oficina. Em relao a isso, h uma fala no documentrio Un Pas de Ct32

    (Um Passo de Lado) que refora a proposta da oficina:

    Ns no estvamos procura de arte-terapia. Convidar artistas para o hospital fazer algo diferente do que faz o terapeuta. ir alm do que temos comoideia, conceitos e limites que nos impomos, das expectativas de melhorasque, mesmo sem querer, ns temos conosco.33

    2.2 Funcionamento do Projeto

    Atualmente, o projeto Oficina de Teatro Circulando se desenvolve por meio das

    Oficinas de Teatro divididas em duas turmas: uma na quinta-feira de manh, com sete

    alunos, e outra na sexta-feira tarde, com cinco alunos. Os pais dos alunos determinam

    em que turma eles ficaro, de acordo com seus horrios. Cada aula dura cerca de uma

    hora e trinta minutos. Enquanto os filhos esto no ateli de teatro, os pais fazem

    30Ver em: . Cadastro de 10/02/2014 a 19/12/2014.31Atualmente cadastrado como projeto do edital da FAPERJ (projeto Humanidades) e CNPq/CAPES.32Un Pas de Ct um documentrio que retrata a prtica da danarina Anamaria Fernandes e suacompanhia de Dana intitulada Dana com os pacientes autistas do Centro Hospitalar Placis Vert deThorign FouillardFrana, no ano de 2010, diponvel em Acessado em: 04/09/2014.33

    Informaes tiradas do documentrio Un Pas de Ct, diponvel em Acessado em: 04/09/2014.

    http://www.unirio.br/http://www.unirio.br/http://www.unirio.br/http://www.dailymotion.com/video/xut7gn_um-passo-de-lado_creationhttp://www.dailymotion.com/video/xut7gn_um-passo-de-lado_creationhttp://www.dailymotion.com/video/xut7gn_um-passo-de-lado_creationhttp://www.dailymotion.com/video/xut7gn_um-passo-de-lado_creationhttp://www.dailymotion.com/video/xut7gn_um-passo-de-lado_creationhttp://www.dailymotion.com/video/xut7gn_um-passo-de-lado_creationhttp://www.unirio.br/
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    29/77

    28

    atividades34em outro espao com a estagiria da psicologia, Julia Alves, no grupo de

    quinta-feira, e a oficineira do teatro, Aline Vargas, no grupo de sexta-feira.

    Aps cada aula da Oficina Circulando, oficineiros e clnicos fazem um encontro

    de aproximadamente trinta minutos, para relatar o que aconteceu no dia, avaliar

    procedimentos, compartilhar conhecimentos e escrever relatrios.

    Alm dos encontros entre o grupo de teatro, so realizadas reunies semanais, s

    quartas-feiras, de aproximadamente duas horas cada, no Instituto de Psicologia da

    UFRJ, com os demais participantes do Projeto Circulando, incluindo Ana Beatriz

    Freire, Ktia lvares de Carvalho Monteiro35e Fabio Malcher36. Nesses encontros, so

    relatados os acontecimentos das oficinas, discutidos aportes tericos que embasem a

    prtica em sala de aula ou nos atendimentos clnicos, formuladas hipteses e pensados

    apontamentos sobre como proceder.

    Tambm so feitos encontros mensais regulares dos oficineiros de teatro com a

    coordenadora do projeto, Joana Ribeiro, cujo foco da conversa diz respeito aos

    procedimentos, impasses e metodologia de trabalho desenvolvida com base nas Artes

    Cnicas.

    Encontros entre toda a equipe do teatro e da psicologia so igualmente feitos,

    semestralmente, para fortalecer as parcerias, criar uma linguagem em comum entre as

    duas reas e destacar os procedimentos que sero seguidos durante as oficinas de teatro.

    O projeto organiza algumas aulas pblicas em que pais e filhos esto presentes,

    com a inteno de demonstrar um pouco do trabalho que est sendo realizado e integrar

    os pais no projeto. Nesse sentido, foi realizada uma aula pblica no dia 12 de dezembro

    de 2013 e duas festas junina dos dias 7 e 8 (uma para cada turma)37de agosto de 2014.38

    Por fim, anualmente ocorre um encontro entre os pais e a equipe do Circulando

    em que os pais relatam como o projeto afetou o estado de seus filhos, destacando as

    34Como a turma de quinta-feira comeou a desenvolver esse trabalho com os pais muito recentemente,ainda difcil definir o tipo de atividades que sero realizadas. Como a turma de sexta-feira, j existe um

    breve relato das atividades realizadas pela oficineira Aline Vargas, disponvel no Anexo I.35Psicanalista do NAICAP.36Doutorando em Psicologia Psicanaltica pelo Instituto de Psicologia Analtica da UFRJ.37Como percebemos que, ao tentar juntar as turmas na aula pblica, nenhum aluno da turma de sexta-feira compareceu, foi decidido que cada turma teria seu prprio horrio. A vontade de conseguir integraras duas turmas, no entanto, ainda no acabou e est sendo pensada uma logstica que contemple os doishorrios.38Outro procedimento modificado da aula pblica de 2013 para as festas juninas de 2014 foi a

    participao dos pais. Em 2013, foram dispostas cadeiras para que os pais assistissem aula, o que foimuito invasivo para alguns alunos. Em 2014, os pais foram convidados a se integrarem, o que ampliou as

    possibilidades de ao dos seus filhos. Jogos em que no era esperado a participao deles foramaproveitados com o trabalho conjunto de mes e filhos. O Anexo II disponibiliza os relatrios de aula dosdois dias de festa junina.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    30/77

    29

    melhorias e impasses observados. Em seguida, recebem relatos sobre o comportamento

    de seus filhos em sala de aula.

    2.3 Histrico

    A parceria entre o Programa de Ps-Graduao em Teoria Psicanaltica do

    Instituto de Psicologia da UFRJ e o Instituto Municipal Philippe Pinel/IMPP teve incio

    em 1999. Dessa parceria, logo veio a aproximao com o Ncleo de Atendimento

    Intensivo Criana Autista e Psictica do IMPP/NAICAP, que, na poca, era dirigido

    por Ktia lvares de Carvalho Monteiro.

    A aproximao com esses jovens trouxe reflexes.

    Os impasses surgidos no trabalho com as crianas que cresceram e quetinham o servio infantil como um ponto de ancoragem, o que, para os pais,tambm era uma referncia importante, levaram-nos a pensar em uma formade acompanhamento diferente daquele at ento oferecido s crianas. Com aentrada na puberdade, novas questes se colocavam. Alguns pacientes jeram jovens adultos, mas o encaminhamento para servios de atendimento aadultos no se sustentou (RIBEIRO In FREIRE e MALCHER, 2014:63).

    O projeto Circulando vinculado UFRJ foi implementado em 2004 com o

    auxlio financeiro do CNPq (Edital Universal 2004) com o nome, na poca, de

    Princpios da Psicanlise no atendimento ao adolescente no lao social com o intuito

    de lidar com as demandas da puberdade e propor atividades alinhadas com os interesses

    dos jovens. Essas atividades ocorrem fora do ambiente hospitalar e possibilitam que o

    jovem circule pela cidade, trabalhando sua autonomia e conquistando seu espao.

    A equipe interdisciplinar se divide, atualmente, em seis subgrupos: o Ponto de

    Encontro (espao de acolhimento como uma porta de entrada para o projeto,

    possibilitando uma primeira convivncia desses jovens), o Ateli de TeatroOficina deTeatro Circulando, o Circulando (passeios pelo campus e arredores em que os alunos

    so estimulados a proceder de maneira autnoma em algumas situaes cotidianas

    como, por exemplo, comprar um sorvete e se responsabilizar em pagar e conferir o

    troco), a oficina de mang, a oficina de desenho e os atendimentos clnicos individuais.

    (FREIRE, 2014:13).

    O projeto Circulando (UFRJ) se prope a trabalhar com os apontamentos

    indicados pelos prprios pacientes. Dessa forma, o Circulando recebeu uma paciente de12 anos que dizia sonhar ser atriz de novela de televiso e investiu nessa questo ao

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    31/77

    30

    longo de seu processo teraputico. Durante esse trabalho, ela contou que participara de

    um curso de teatro, na infncia, e que chegara a fazer uma apresentao com o grupo.

    Percebendo isso como uma demanda, a psicloga fez uma entrevista entre a menina e os

    pais, em que a jovem disse ser mais feliz, quando fazia teatro, e tinha conscincia de

    que, naquela poca, ela era mais desinibida e falava mais. (ZANOTELLI In FREIRE e

    MALCHER, 2014).

    Por isso, em 2009, Bettina Mattar39 props a Lucas Oradovschi, membro do

    Teatro de Operaes, que o grupo ministrasse aulas de teatro junto ao projeto.

    O Ateli de Teatro comeou em carter experimental, sem vnculo com a

    universidade, por isso, nem sempre era possvel conseguir uma sala para as oficinas.

    Dessa forma, j oferecamos aulas no campinho da UFRJ, nos jardins da UNIRIO, na

    Casa da Cincia da UFRJ, na Pista Cludio Coutinho, entre outros locais. Ou seja, o

    projeto Circulando j circulou pela Urca. (VARGAS, 2013:14).

    O campusda UNIRIO, em especial o Centro de Letras e Arte/CLA, foi um dos

    lugares em que os alunos do Circulando muito circularam. Na poca, a professora Joana

    Ribeiro40estava realizando sua pesquisa de doutorado no Programa de Ps-Graduao

    em Artes Cnicas/PPGAC, da UNIRIO, e por isso, ministrava aulas de Dana

    Contempornea junto ao Departamento de Interpretao Teatral, na sala Nelly Laport.

    Esta uma sala de dana com grandes janelas localizada no trreo do CLA. muito

    comum que as pessoas que transitam pelo CLA parem e assistam s aulas pelas janelas

    e, com os alunos do Circulando no foi diferente. Na verdade, a diferena foi que um

    dos alunos do Circulando invadiu a aula e foi muito bem recebido tanto pela Joana

    quanto pelos alunos de dana. Ao ser contratada como professora efetiva e aps trs

    invases dos alunos da Oficina Circulando em suas aulas, a Joana adotou o projeto, em

    2013, oficializando-o como projeto de extenso junto PROExC da UNIRIO

    (TAVARES, 2013).O projeto recebeu o nome de Oficina de Teatro Circulando Ateli de Teatro

    para jovens com transtornos mentais e oficializava a relao interinstitucional, entre a

    Escola de Teatro da UNIRIO e o Instituto de Psicologia da UFRJ.

    2.4 A Primeira Aula

    39Na poca, mestranda do IPUB (Instituto de Psiquiatria da UFRJ).40Atualmente, Professora Adjunta nvel 1 do Departamento de Interpretao Teatral da UNIRIO.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    32/77

    31

    O primeiro encontro entre os oficineiros do Teatro de Operaes e os alunos, em

    novembro de 2009, aconteceu na sala Glauce Rocha, do CLA, conforme relatou o

    oficineiro Caito Guimaraens:

    Preparamos [...] uma grande variedade de objetos dispostos sobre dezenas decadeiras plsticas espalhadas pelo espao, objetos que estimulassem tanto ossentidos [...], quanto a criatividade [...]. Elaboramos tambm um roteirosimples, prevendo jogos de aquecimento corporal, de escuta e ateno, ealgumas situaes cnicas para serem improvisadas.41 (GUIMARAENS InGONZALEZ, 2014:37)

    Por no terem experincias relacionadas sade mental, os membros do Teatro

    de Operaes estavam preparados e abertos para situaes inesperadas. A reao dos

    alunos, no entanto, causou surpresa mesmo em um coletivo que costuma pesquisar

    pedagogias perifricas42, dando um novo norte tanto para a pesquisa quanto para o que

    seria feito em sala de aula com esses alunos dali para frente:

    Quando os pacientes chegaram, acompanhados dos clnicos estagirios doprojeto Circulando, comearam rapidamente a interagir com os objetos: umajovem foi direto para o tecido pendente do teto; outro comeou a mexer numamscara; outro retirou os objetos de cima de uma cadeira, sentou-se e passoua 'investigar' esses objetos, tocando um e outro em seguida; um outro jovemainda caminhava entre as dezenas de cadeiras. Oradovschi se aproximou deum dos clnicos estagirios, Rafael Ferreira, e perguntou-lhe se poderamos

    comear (a voz de comando com as instrues sobre os exerccios) ou se "jestaria 'rolando'". "J est 'rolando'", respondeu Ferreira. (GUIMARAENS InGONZALEZ, 2014:37).

    Uma vez que Quase todos ignoravam qualquer comando de voz, no

    permitindo nem uma regulao do corpo, tampouco uma proposta de utilizao do

    espao e dos objetos, diretrizes que um oficineiro normalmente estabeleceria de acordo

    com seus objetivos.(VARGAS e GUIMARAENS In FREIRE e Marlcher, 2014: 196),

    a linguagem era, a princpio, o maior obstculo na comunicao entre oficineiros ealunos.

    2.5 Outsiders

    41Relatrio da experincia do Oficineiro Caito Guimaraens na Oficina Circulando, no perodo denovembro de 2010 dezembro de 2012.42

    A pesquisa sobre pedagogias perifricas j era dividida em 2 formas de abordagem: a abordagemcultural e a econmica. A partir da experincia com o Circulando, o coletivo incluiu uma novaabordagem, a da linguagem (VARGAS, 2013).

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    33/77

    32

    O outsider, segundo BECKER (2008:17), aquele que se desvia das regras de

    grupo, entendo desvio como atos que infringem (ou parecem infringir) regras sociais

    (BECKER, 2008:17). possvel, ento, entender o sujeito que apresenta problemas nas

    reas de comunicao, integrao e imaginao como um ser desviante dos padres

    hegemnicos.

    Logo que a oficina comeou, com o Teatro de Operaes, o coletivo percebeu

    que era preciso trabalhar e entender esse desvio para, a partir dele, encontrar novas

    formas de relao e de recriar esses corpos.

    importante destacar que esses outsiders apresentam um potencial

    extremamente interessante dentro do teatro. No teatro, no h desvio. Na escola de

    teatro, os gritos dos alunos autistas se confundem com os gritos dos alunos que ensaiam

    alguma cena. O teatro explora justamente, essas novas percepes do espao e do

    tempo, ou seja, as novas formas de se relacionar.

    Deste modo, uma das condies norteadoras dos trabalhos nas oficinas

    desenvolver a teatralidade ainda que se infrinja as normase criar laos atravs do

    desfazimento doolhar normativo, olhar que, afinal, acaba por se configurar como o

    fator excludente. (VARGAS, 2013:15).

    2.6 Metodologia (ou no)

    Para solucionar os impasses relativos linguagem, a oficina investe em ... jogos

    teatrais de confiana que se expressam em movimento e sons e operam em uma

    linguagem intersticial... (GUIMARAENS In GONZALEZ, 2014:47), entendendo

    linguagem intersistial, segundo VARGAS (2013:17) como uma zona entre a linguagem

    comum, negada por eles; e a linguagem deles, desconhecida para os oficineiros.

    Para que ocorra essa comunicao, necessrio que no haja hierarquias narelao professor-aluno e, semelhante ao que ocorre na experincia da coregrafa

    Anamaria Fernandes43... os profissionais esto no mesmo nvel que os pacientes....

    Os oficineiros acreditam no protagonismo do autista: as aulas trabalham as

    demandas de cada um e a partir das propostas que eles nos trazem. Desse modo, a

    oficina se torna uma experincia individualizada, especfica e nica para cada um

    presente em sala de aula: alunos, oficineiros e clnicos.

    43Disponvel em Acessado em04/09/2014.

    http://www.dansesdana.com/Um-Passo-de-lado-Un-Pas-de-cotehttp://www.dansesdana.com/Um-Passo-de-lado-Un-Pas-de-cotehttp://www.dansesdana.com/Um-Passo-de-lado-Un-Pas-de-cotehttp://www.dansesdana.com/Um-Passo-de-lado-Un-Pas-de-cote
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    34/77

    33

    A oficineira Tavie Gonzalez, em sua monografia, nomeou esse mtodo como

    no-mtodo, pois, para que ele funcione, necessrio abrir mo do plano de aula e de

    curso. Os oficineiros precisam estar muito abertos e disponveis para as propostas que

    surgem, que, muitas vezes, no se apresentam to claras assim, uma vez que:

    Cada aluno com quem se trabalha exige uma tcnica diferente, com jogos epossibilidades distintas e que variam no s de indivduo para indivduo, mastambm de acordo com o que cada um deles sofreu de uma semana paraoutra. Lembrando que so vrios os fatores que podem interferir no'rendimento' de cada um deles, como mudanas de dosagem ou troca deremdio, doena, questes emocionais, hormonais, etc. (GONZALEZ,2014:22).

    Dessa forma, o material com que se trabalha construdo a cada momento,

    visando o que possa ser teatral e estimulante. Para auxiliar nessa construo, investe-seno uso de objetos44 tanto como potenciais estmulos quanto como mediador das

    relaes.

    So objetos de vrios tipos, tamanhos e texturas. No incomum que os prprios

    alunos abram as bolsas para procurar seus objetos preferidos. interessante notar que o

    uso que os alunos fazem do objeto , muitas vezes, diferente do que estamos

    acostumados. Impossvel saber se porque desconhecem o uso daquele objeto ou se

    porque a criatividade deles vai muito alm que a das pessoas de desenvolvimento tpico,mas o fato que, com isso, os estmulos so dados de muitas maneiras.

    Uma vez, por exemplo, um aluno encontrou um violo quebrado em um canto da

    sala e fez uma escultura com seus pedaos soltos. As bolas (de diferentes tamanhos,

    cores e pesos) so frequentemente colocadas na boca e depois cheiradas, o que to

    comum que pode at mesmo ser considerado uma estereotipia. Uma aposta que essa

    seja uma maneira de se imprimir no mundo.

    Outra estratgia dos oficineiros o uso de objetos mediadores. Como a presena

    do outro pode se tornar muito invasiva para os autistas, os objetos so utilizados como

    forma de abrandar essa sensao. Eles so colocados entre o oficineiro e o aluno de

    forma que a relao parea estar sendo estabelecida com o objeto, mas, na verdade, est

    acontecendo com o oficineiro tambm.

    Por exemplo, para fazer massagem em um aluno, pode-se comear utilizando

    uma bolinha, explorando direo, sentido, fora, continuidade. Quando quem est

    44

    A maior parte desses objetos so doaes de oficineiros ou de campanhas na internet. s vezes, possvel conseguir verba da FAPERJ, por meio do projeto matriz do Circulando, na UFRJ, como umaajuda de custo.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    35/77

    34

    recebendo a massagem se acostuma com a bolinha, passa-se a massage-lo com a mo,

    mas com algum pedao de tecido no meio at o momento que o toque se torne

    confortvel.

    O trabalho est sempre nesse limite de sair da zona de conforto, mas voltar

    rapidamente para no extrapolar os limites dos alunos. Eles so constantemente

    provocados, mas sempre de forma que possam ser acolhidos. Obviamente, esse limite

    trabalha com tentativa e erro, o que significa que os excessos no esto livres de serem

    cometidos. Contudo essa ateno essencial.

    importante destacar que o projeto no tem como meta a apresentao de um

    produto final. A teatralidade est presente o tempo inteiro na oficina, mas na forma de

    objetos estticos inacabados. Assim, so trabalhados todos os pontos cruciais do teatro,

    mas de modo que possam ser conduzidos sem comando verbal e a partir da proposta do

    aluno, como, por exemplo, quando interferimos de alguma forma em algum padro de

    movimento executado por eles.

    2.7 O Papel do Oficineiro

    A oficineira Tavie Gonzalez (2014:18) define esse no-mtodo como uma

    situao pedagogicamente diferente da qual estamos acostumados. De fato, a faculdade

    de Licenciatura tem diversas matrias de metodologia do ensino do teatro, mas

    nenhuma disciplina de no-metodologia. Estar consciente das inmerasmetodologias

    existentes45, no entanto, fundamental para esse trabalho, pois, dessa forma, o

    oficineiro passa a agenciar um repertrio prprio de jogos e descobertas em relao ao

    seu corpo, dos quais pode lanar mo a qualquer momento, no decorrer das oficinas.

    Nesse sentido, a coregrafa Anamaria Fernandes atenta para a efemeridade e

    disponibilidade necessrias para os encontros: "Realmente, eu diria que um encontrocom o momento presente. Pode haver apenas um minuto com um ou com o outro, mas a

    importncia est no minuto que aconteceu. O importante o momento que houve, sem

    tentar reproduzi-lo. 46"

    O encontro com o instante presente, citado acima, fundamental. preciso estar

    completamente disponvel, o tempo todo, para encontrar os pequenos momentos em que

    45Destaca-se o trabalho de Viola Spolin, Jean Pierre Rygaert, Augusto Boal, Peter Slade e Biange como

    metodologias amplamente estudadas no curso de Licenciatura em Teatro na UNIRIO e que atravessam asaulas do Circulando em diversos momentos, apesar de no previamente planejado.46 Acessado em 04/09/2014.

    http://www.dansesdana.com/Um-Passo-de-lado-Un-Pas-de-cotehttp://www.dansesdana.com/Um-Passo-de-lado-Un-Pas-de-cotehttp://www.dansesdana.com/Um-Passo-de-lado-Un-Pas-de-cotehttp://www.dansesdana.com/Um-Passo-de-lado-Un-Pas-de-cote
  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    36/77

    35

    h potencial de construir relaes ou encontrar a teatralidade. O oficineiro precisa ser

    muito sensvel, uma vez que as propostas no se apresentam claramente como tal. s

    vezes, a proposta pode ser encontrada em algum padro de movimento repetido pelo

    aluno.

    Alm disso, de extrema importncia no gerar expectativas. Na maioria das

    vezes, os grandes momentos so muito efmeros e no vo se desenvolver a ponto de

    criarmos algo esteticamente acabado. Isso, no entanto, no deve ser motivo de

    frustrao, pois a efemeridade ressalta a intensidade e particularidade de cada momento.

    2.8 A Oficina com os Pais

    A oficina com os pais acontece simultaneamente aula dos filhos, mas em locais

    separados. Em geral, feita ao ar livre, no campus da UNIRIO.

    Consiste em um encontro informal de conversa e troca de experincias que so

    mediadas por atividades de recorte, pintura e o que mais os envolvidos na oficina

    acharem interessante.

    Esse carter informal fundamental para que as falas sejam espontneas e haja

    confiana entre os pais e oficineiros. Nessa oficina, eles no so pais de autistas. So

    indivduos com uma histria e sentimentos prprios.

    Dessa forma, extremamente importante que a oficina no se torne uma terapia

    em grupo, mas um lugar de troca e de se colocar como sujeito.

    2.9 Minha Experincia na Oficina Circulando

    Peo licena agora para falar na primeira pessoa a partir daqui e analisar a forma

    como a oficina me afetou e me afeta, durante esses quase dois anos. Quero relatar aquimeus impasses e aprendizados, medos e esperanas e a extenso desse trabalho fora da

    oficina.

    Antes do contato Circulando, eu tinha medo de dar aula. Eu achava que no

    tinha repertrio de jogos o suficiente para construir a progresso de uma turma e, por

    isso, nunca aceitei entrar em uma sala de aula sozinha. No Circulando, minha ideia de

    como deve ser um professor de teatro se modificou muito. Talvez porque o estilo de dar

    aula dentro dessa oficina muito diferente de uma aula convencional, mas o fato queeu consegui transpor a experincia do Circulando para outras turmas. No haver

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    37/77

    36

    planejamento de aula te coloca em um desafio criativo constante. nesse desafio que a

    gente cresce. Nessa oficina, eu descobri que tudo pode virar material se nos abrirmos a

    isso. Dessa forma, hoje, eu consigo desdobrar e desenvolver as propostas que lano para

    minhas outras turmas, fora do Circulando, de modo a perceber as demandas de cada

    turma e cada indivduo.

    Essa sensibilidade ao outro tambm indispensvel na minha prtica. Quando a

    linguagem se torna um obstculo, ns descobrimos novas formas de nos comunicarmos

    e o quanto isso rico. Dentro e fora de sala, ler o corpo do outro se tornou uma

    prtica diria, que me ajuda na aproximao com essas pessoas. Mais que isso, a fala

    deixou de ser o nico recurso da comunicao e passou a ser um deles. Isso amplia

    minhas possibilidades de comunicao e enriquece o dilogo.

    A questo do tempo um ponto chave. Antes do Circulando, eu tinha muita

    dificuldade em perceber o tempo de cada aluno, autista ou no. Com o autista, no

    entanto, no adianta correr. Ele no vai fazer nada para me satisfazer, ento, eu sou

    obrigada a entender o tempo dele. Eu comecei a perceber que entender esse tempo um

    ato de respeito. Para respeitar meu aluno, era preciso me desacelerar e perceber o outro.

    Como lidar com o tempo se transformou na minha batalha diria comigo mesma dentro

    da oficina:tanto para perceber que uma atividade j se esgotou e procurar outra; quanto

    quando insisto em prolongar o que o aluno decidiu que seria efmero. Muitas vezes,

    passamos a aula inteira desenvolvendo o mesmo jogo. Outras vezes, contudo, o jogo

    dura poucos segundos e o interesse j se dispersa.

    Um dos meus grandes impasses na oficina era a incerteza a respeito do que ns

    fazamos ser teatro, ou no. O que diferenciava nosso trabalho da terapia? Quais

    elementos do teatro estavam presentes? O que definia algo como teatral ou no? Com o

    tempo dentro da oficina, eu fui encontrando as respostas. Primeiro, foi importante

    aceitar que eu no precisava de algo esteticamente acabado para que isso fosse umestudo esttico. Eu percebi que era possvel encontrar os elementos que procuramos

    desenvolver em uma aula de teatro convencional, mas de outro modo. Eu no precisava

    de uma cena ou uma msica. A relao estabelecida com o que h de teatral em cada

    situao j se configurava como um estudo das Artes Cnicas.

    Assim, eu comecei a acreditar no potencial do teatro e da relao com o outro

    como direcionadores da minha prtica em sala de aula. Poderia dizer, talvez, que a

    educao especial nem se difere tanto assim de uma aula convencional. Quando pensoque as respostas esto no aluno, eu comeo a entender como estimular a construo do

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    38/77

    37

    aprendizado. Hoje, dar aula j me parece bem mais simples, porque pode ser resumido

    em uma nica regra: estar aberta ao outro.

    CAPTULO 3

    Circulando entre experincias de teatro

    3.1 Pensamentos sobre o jogo teatral

    Como professora no Circulando, reitero que uma das minhas maiores

    dificuldades, no incio, foi entende se aquilo que fazamos se configurava como uma

    aula de teatro.

    No foi preciso ir muito longe para responder a esse questionamento. A

    discusso sobre o teatro dentro da escola pblica tem trazido questes como as que eu

    tinha e respostas que me mostram cada vez mais proximidade entre a educao especial

    e o ensino regular. Sobre essa questo, Nogueira (1994:76) afirma que: A concepo

    predominante do Teatro-Educao valoriza trabalhos educacionais que se estruturem a

    partir da manipulao expressiva dos elementos que constituem a linguagem teatral.

    No Circulando, a manipulao dos elementos que constituem a linguagem

    teatral se d por meio do jogo teatral. Dessa forma, os questionamentos mudam e

    trazem o foco para a investigao de qual a abordagem desse jogo e sua funo em sala

    de aula. Novamente, a discusso sobre o teatro dentro da escola pblica traz explicaes

    interessantes sobre esse pensamento estruturado a partir da utilizao de jogos teatrais.

    Na publicao Pedagogia do Jogo Teatral: uma Potica do Efmero, Soares

    (2010) aborda o jogo teatral na escola pblica, mas possvel fazer uma transferncia

    desse pensamento para outros lcus, como a Oficina de Teatro Circulando:

    [...] a funo educacional do jogo teatral est ligada diretamente suanatureza esttica, ou seja, fora e expressividade com que as imagens sotecidas e relacionadas durante o decorrer do prprio jogo. Na escola47, trata-se, portanto, de desenvolver a qualidade do olhar do aluno para perceber ereconhecer as caractersticas estticas do jogo teatral, como tambm realizaro aprimoramento de sua forma artstica. (p. 34).

    47A autora fala do jogo teatral na escola pblica, mas possvel fazer a transferncia desse pensamentopara dentro da oficina.

  • 7/25/2019 Circulando entre Experincias de Teatro - Um Ateli de teatro para jovens com transtornos mentais

    39/77

    38

    Dessa forma, possvel entender o jogo teatral, dentro da oficina, como um

    treinamento para fazer e apreciar o objeto esttico, trabalhando, assim, os elementos do

    teatro, citados por Nogueira (1994).

    importante destacar que todo esse pensamento para analisar, de forma

    distanciada, o que acontece de forma natural e, na maioria das vezes, por acaso na

    oficina. Tambm preciso destacar que, apesar de toda a proximidade que eu pude

    encontrar na forma de pensar a aula de teatro dentro da escola e dentro do Circulando, a

    forma que o jogo se d em um e outro contexto completamente diferente.

    O tempo , provavelmente, o fator mais marcante. Alguns jogos duram 15

    segundos e acontecem com a me