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J( ,,': FLACSO ' BIblioteca Ciudad y Seguridad en América Latina

Ciudad y Seguridad en América Latina - FlacsoAndes · Este libro ha sido realizado con la ayuda financiera de la Comunidad Europea. ... palco de violencia e degradacao ... promissor

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    FLACSO ' BIblioteca

    Ciudad y Seguridad en Amrica Latina

  • Ciudad y Seguridad en Amrica Latina

    Este libro ha sido realizado con la ayuda financiera de la Comunidad Europea. El contenido de estedocumento es responsabilidad exclusiva de la Oficina de Coordinacin de la Red N 14 "SeguridadCiudadana en la Ciudad" coordinada por la Municipalidad de Valparaso y en modo alguno debeconsiderarse que refleja la posicin de la Unin Europea.

    323 Darnmert, Luca; Paulsen, Gustavo, eds.D162 FLACSO-Chile; Red 14 Seguridad Ciudadana

    en la Ciudad; 1. Municipalidad de Valparaso;URBAL.Ciudad y seguridad en Amrica Latina.Santiago, Chile, FLACSO-Chile, 2005.23p. Serie Libros FLACSO-ChileISBN: 956-205-204-4

    SEGURIDAD CIUDADANA; PARTICIPACIONCIUDADANA; PREVENCION DEL DELITO; SE-GURIDAD PUBLICA; CIUDADES; GOBIERNOLOCAL; DELINCUENCIA; AMERICA LATINA.

    Registro de propiedad intelectual N 149.271

    1~fI' ! .r . r:J.~~J .( (u,~ '''' ",1;tC~~...~ 2Q9-bro ....,..a\, 'II~ .~_ _ _ _._ _.._.- _ .:'ro .... o~1Il~', .1 .. .I\i,...

    Av. Dag Harnmarskjld 3269, Vitacura.Telfonos: (5621 290 0200 Fax: (562) 290 263Casilla electrnica: [email protected] - Chile en Internet: http://www.flacso.cl

  • Ciudad y Seguridad en Amrica Latina

    Luca Darnrnert y Gustavo Paulsen

    Editores

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    URB"ALCIudadanA EUROPEA ID,",I&C&Idod FLACSO _11IIlRIII1IeH 1 I F

  • INDICE

    PRESENTACIN 7Alcalde de Valparaso, Sr. Aldo Cornejo

    INTRODUCCIN 9Luca Dammert y Gustavo Paulsen

    . SECCIN 1: 15REAS DE INTERVENCIN DE LOS GOBIERNOS LOCALES

    El rol policial . Jos Mara Rico 17

    Asociacin municipio-comunidad en la prevencin del delito' Luca Dammert 51

    Prevencin del crimen mediante el diseo ambiental en Latinoamrica.Un llamado de Accin Ambiental Comunitaria' Macarena Rau 85

    SECCIN 2: 107EXPERIENCIAS LOCALES

    Diadema. do "Faroeste" para a vida civilizada na periferia de Sao Paulo .Bruno Paes Manso, Maryluci de Arajo Faria y Norman Gal/ 109

    La seguridad ciudadana una responsabilidad de los gobiernos locales en Colombia'Hugo Acero 133

    La prevencin local del delito en Chile: Experiencia del programaComuna Segura' Alejandra Lunecke 151

    Implementacin de proyecto piloto de prevencin en seis localidades del Per .Susana Villarn y Gabriel Prado 173

    SECCIN 3: 187HERRAMIENTAS Y TCNICAS DE TRABAJO A NIVEL LOCAL

    Claves para el buen gobierno de la seguridad' Gustavo Paulsen 189

    Etapas para el diseo e implementacin de iniciativas locales de seguridadLuca Dammert y [aviera Daz 199

    Tcnicas para mejorar el diseo e implementacin de polticas a nivel local .Luca Dammert y Alejandra Lunecke 22]

    SOBRE LOS AUTORES 241

  • INDICE DE CUADROS

    Cuadro 1. Comissoes Civis Comunitrias . Sao Paulo - Brasil 46

    Cuadro 2. Educacin para la Convivencia y Seguridad Ciudadana: Una Experiencia dela Administracin Civil de Bogot, d.c. con la Polica Metropolitana . Bogot - Colombia 48

    Cuadro 3. Internet en la Seguridad Urbana: El Plan Alerta del Barrio Saavedra .Buenos Aires Argentina 77

    Cuadro 4. Proyecto Comunidades Justas y Seguras' Rosario - Argentina 79

    Cuadro 5. Fomento de la Convivencia Ciudadana en SonsonateSonsonate - El Salvador 82

    Cuadro 6. Hacia una Poltica de Seguridad Ciudadana'Ciudad de Guatemala - Guatemala 83

    Cuadro 7. Pilotaje de las Lneas Estratgicas de Seguridad Ciudadana en LenMunicipio de Len - Nicaragua 101

    Cuadro 8. Programa de Mejoramiento Barrial Integral Romero Rubio . Mxico 103

    Cuadro 9. Fortaleciendo el programa Colonias Urbanas de la Zona CentroSantiago - Chile 105

    Cuadro 10. Programa Jvenes' Nuevo Len - Mxico 131

    Cuadro 11. Culturas Juveniles y Comunidad Quito - Ecuador 148

    Cuadro 12. De Chicos Bravos a Futuras Promesas' Lima-Per 170

    Cuadro 13. Armas Pequeas, Seguridad y Justicia' Honduras 171

    Cuadro 14. Municipio Armas Libres' San Martn e Ilopango - El Salvador 184

    Cuadro 15. Fortalecimiento de los Mecanismos de Control de Armas Pequeas'El Salvador 186

    Cuadro 16. Descentralizacin en Montevideo: Intendencia Municipal deMontevideo' Montevideo - Uruguay 217

    Cuadro 17. Los sistemas de Informacin Geogrfica y la Seguridad

    Ciudadana Chile 219

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    CIUDAD Y SEGURIDAD EN AMRICA LATINA

    SECCIN 2

    EXPERIENCIAS LOCALES

    DIADEMA. DO "FAROESTE ff PARA A VIDA CIVILIZADA NAPERIFERIA DE SAO PAULO.

    Bruno Paes Manso Maryluci de Arajo Faria . Norman Gall

    LA SEGURIDAD CIUDADANA UNA RESPONSABILIDAD DE LOSGOBIERNOS LOCALES EN COLOMBIA.

    Hugo Acero

    LA PREVENCINLOCAL DEL DELITO ENCHILE: LA EXPERIENCIADEL PROGRAMA COMUNA SEGURA

    Alejandra Lunecke

    IMPLEMENTACIN DE PROYECTO PILOTO DE PREVENCINEN SEIS LOCALIDADES DEL PER

    Susana Villarn . Gabriel Prado

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    DIADEMA. DO "FAROESTE" PARA A VIDA CIVILIZADA NAPERIFERIA DE sAo PAULOl

    Bruno Paes Manso' Maryluci de Arajo Faria . Norman Gall

    No fmal dos anos 70, nas ruas de terra mal iluminadas do novo mUlllclplO deDiadema, as casas de alvenaria ainda se misturavam aos barracos de madeira,em um amontoado de vidas que cornecavam a se assentar. Eram tempos em quea periferia da Grande Sao Paulo vivia um intenso processo de construco e dedesordem, depois da exploso de loteamentos clandestinos e de invases quefizeram a populaco triplicar em apenas duas dcadas. Nos novos bairros deDiadema, era preciso sair de casa com um par de sapatos reserva quando odiaamanhecia chuvoso, porque o que estivesse nos ps certamente ficaria imprestvel.Mas a lama nao era o pior no caminho para o ponto de nibus, Corpos crivados abala ao longo do percurso nao eram raridades.

    Alm disso, listas macabras, mal escritas, apareciam nas entradas das duaspadarias do bairro do Campanrio, a Zoolgico e a Solim6es, indicando os nomesdas pessoas marcadas para morrer nos prximos dias. As listas eram afixadas pelosjusticeiros, homens que se proclamavam autoridades locais e matavam as pessoasque eles julgavam perturbar a ordem nestes bairros em forrnaco. "A polcia nuncafazia nada quando via a lista", disse urna antiga moradora. "Nao se sabe se elestinham medo ou se realmente estavam envolvidos. Quando encontravam umcarpo pela manh, os policiais o jogavam no camburo, como um porco", Em 1990,os justceiros mataram sete estudantes em urna pra

  • DIADEMA. DO "FAROESTE" PARA A VIDA CIVILIZADA NA PERIFERIA DE SAO PAULOBruno Paes Manso . Marylud de Arajo Faria . Norman Gall

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    aco imediata da OTAN com apoio das Naces Unidas. No Peru, 30.000 pessoasforam mortas pela insurreico guerrilheira do grupo maosta Sendero Luminoso.Estas mortes, que ocorreram em um perodo de dez anos, equivalem a somentetres anos de homicdios da Grande Sao Paulo.

    Os moradores de Diadema trn aprendido que urna epidemia de homicdios terrvel, mas a tolerancia aos homicdios muito pior. Em 1999, Diadema atingiuurna taxa de homicdios de 141 por 100 mil habitantes, uma das mais altas doplaneta. Quatro anos mais tarde, em 2003, a taxa foi reduzida pela metade, gracasa uma mobilizaco cvica e poltica dos moradores e dos governos municipal eestadual. Essa tomada de consciencia cornecou a crescer aps o choque com aviolencia da polcia na Favela Naval, uma aglomeraco de barracos l beira de umcanal ftido, na divisa entre Diadema e Sao Bernardo.

    Em marco de 1997, um cinegrafista amador gravou de um barraco na favela,durante tres dias seguidos, cenas de policiais torturando jovens durante as blitzenoturnas da Polcia Militar. Os garotos apanhavam dos policiais sem esbocarreaco. A batida culminou no assassinato de um dos revistados, que, depois de serespancado e gritar que tinha pego o nmero da viatura, foi baleado no pescoco. Asfitas foram enviadas para o Jornal Nacional. Gravaces de TV e fotos da imprensaforam transmitidos por todo o mundo, retratando Diadema e a Favela Naval comopalco de violencia e degradacao urbana.

    Em 2000, o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial se tornou parteda mobilizaco cvica para reduzir os homicdios, organizando um Frum deSeguranca Pblica que se reunia mensalmente na Ca mara de Vereadores comos chefes policiais locais e liderancas cvicas, polticas e religiosas. Com todosos seus problemas, as linhas de responsabilidade poltica e administrativa emDiadema eram claras e coerentes, em contraste com a estrutura poltica amorfa ecatica da gigantesca metrpole da Grande Sao Paulo, com urna populaco de 18milhes, distribuda em 39 municpios. Seu tamanho compacto, a natureza de seusproblemas e sua estrutura poltica e administrativa faziam de Diadema um campopromissor para pesquisa e aco social de nosso Instituto.

    Sao Paulo nao urna metrpole de carto postal. Tem poucos monumentosarquitetnicos e atraces tursticas, mas vibra com vitalidade, diversidadee atividade empresarial de muitos tipos. Os 376.000 habitantes de Diademarepresentam apenas 2% da populaco da Grande Sao Paulo. Diadema ocupa urnapequena rea, de 30 quilmetros quadrados, com a segunda maior densidadedemogrfica do Brasil, em urna acidentada franja de terreno prensada entredois municpios: Sao Paulo (10 milhes de habitantes) e Sao Bernardo do Campo(800.0001

    Diadema cortada pela estrada principal que liga Sao Paulo a Santos, a Rodoviados Imigrantes, inaugurada em 1974. A abertura da primeira estrada moderna

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  • CIUDAD Y SEGURIDAD EN AMRICA LATINA

    para Santos, a Via Anchieta, em 1947, estimulou a instalaco de muitas indstriasnos subrbios do ABC e, ern seguida, um fluxo migratrio de operrios e suasfamlias para ocupar os terrenos de Diadema, mais perto das fbricas. QuandoDiadema virou municpio ern 1959, deixando de ser distrito de Sao Bernardo, urnaexploso demogrfica j estava acontecendo para acabar com a tranqilidade desuas antigas chcaras, florestas e casas de fim de semana. Entre 1950 e 2004, apopulaco de Diadema cresceu de 3.000 para 376.000, aumentando a urna taxaanual astronmica de 9% durante mais de meio-sculo. Surgiram 192 favelas.A topografa acidentada, com mais de 40 declives acentuados, mostrava do altoespayos preenchidos com barracos. Mas os moradores, obrigados a conviver com aviolencia, eram em sua maioria gente esforcada, tentando viver e criar seus filhosdecentemente. Enfrentavam nos seus bairros enchentes, desabamentos, falta depavimentaco e iluminaco e muita pobreza.

    Aquela poca foi extraordinria na histria da urbanizaco. A Grande SaoPaulo registrou a taxa mais alta de crescimento populacional a langa prazo naexperiencia humana, aumentando de 31.000 em 1870 para 18 milhes em 2000,a urna taxa anual de 5%. Entre 1940 e 1960, a populaco da capital cresceu em171% e a periferia em 364%. Entre 1950 e 1980, a populaco da Grande Sao Pauloquadruplicou. o crescimento foi especialmente intenso nas dcadas de 60 e 70,quando a metrpole absorveu 2 milhes de migrantes. As instituices pblicasfracas eram incapazes de atender bem as demandas crescentes.

    "Faroeste"

    A periferia da Grande Sao Paulo ganhou fama de ser um faroeste. Diademamostrou caractersticas de vida de fronteira das histrias da ocupaco territorialhumana: assentamento precrio, pequena presenca do governo e reduzidaorganizaco local. Em seu estudo sobre as altas taxas de homicdio na Inglaterra dosculo XIII, James Given descobriu que a violencia foi pior em regies pioneirascom instituices fracas como a Floresta de Arden (reduto do bando lendrio deRobin Hood): "Como regio de fronteira, possua poucos meios institucionais pararesolver conflitos. Assim, os hornens foram obrigados a recorrer mais a violenciado que em outros lugares. Para o homem pobre, a violencia era um dos poucosmeios, ainda que nao muito eficiente, para influenciar o comportarnento doadversrio em urna disputa".

    Na mesma poca, as cidades-estado italianas do sculo XIII estavam sofrendo comoutro tipo de violencia de reas de fronteira, que continuou at suas instituicesse consolidarem. "A manutenco da ordem interna das cidades apresentoudificuldades em todas as cidades medievais", escreveu o historiador Daniel Waley."As leis contra o porte de armas mostram qual tipo de perturbaco era temida.Os hornens tendiam a estar com os nimos exaltados, se sentindo ofendidos

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  • DIADEMA. DO FAROESTE" PARA A VIDA CIVILIZADA NA PERIFERIA DE SAO PAULOBruno Paes Manso . Marylud de Arajo Faria . Norman Gall

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    facilmente e exprimindo sua raiva com violencia fsica e, conseqentemente, suasleis se referem a disputas e lutas". Romeu e Julieta, de Shakespeare, que se passaem Verona, nos fornece urna ilustraco vvida desse tipo de comportamento. Osmesmos princpios de violencia de fronteira ocorreram no faroeste dos EstadosUnidos, aps a guerra com o Mxico (1846-48) e a Guerra Civil (1860-64), coma difuso do revlver Colt, que semeou terror nas novas cidades ao oeste doRio Mississipi, da mesma maneira que a difuso de armas de fogo estimulou oshomicdios em Diadema e outras localidades na periferia de Sao Paulo. Esse tipo deviolencia marca tambm a histria de grilagem e assassinatos na Amazonia hojeo

    Numa histria das violentas Cattle Towns do Kansas, Robert Dykstra afumouque "a tradico alegaria que os homicdios nas cidades pecurias envolviamtipicamente a troca de tiros, o gunfzght. Entretanto, menos de um terco das vtimaschegou a atirar. Muitas delas aparentemente nao portavam armas". Os cidados eas autoridades das cidades do Kansas se empenharam n luta contra os homicdios,como em Diadema hojeo Eles triunfaram, quando as instituices se consolidaram.

    O apogeu do faroeste em Diadema est acabando. Entre 1950 e 1980, a populacoda cidade crescia a urna taxa mdia anual de 15,6%, enquanto a Grande Sao Paulocresceu a urna taxa de 5,3%. A partir de 1980, o crescimento demogrfi.co deDiadema caiu para 2,2% ao ano. Nas duas dcadas seguintes, caiu para 1,8%, poucomais que a taxa da regio metropolitana. O relaxamento das presses demogrfi.cas,em Diadema e no resto da metrpole, abriu espaco para as instituices pblicasassumirem gradativamente suas funces, O controle da inflaco, a partir de 1994,contribuiu para fortalecer esse processo.

    O primitivismo e a violencia em Diadema esto cedendo a consolidaco dasinstituices, ao investimento pblico e a cooperaco entre vizinhos. A taxa demortalidade infantil caiu de 83 martes por cada mil nascidos vivos, em 1980,para 16 em 2004. A taxa de homicdios caiu de seu pice de 141 por cada cemmil habitantes, em 1999, para 74 em 2003, urna melhoria de 47% em apenasquatro anos, exclundo Diadema das 10 cidades mais violentas do Estado. Apesarda polcia registrar urna queda de mais 20% nos homicdios em 2004, essa taxapermanece muito alta. As Iorcas que impulsionam essas melhorias sao complexas,mas isso atesta a consolidaco da democracia em condices difceis.

    Conforme a populaco se assentava nestes bairros em formaco, os recursospblicos eram investidos de forma precria em equipamentos sociais como:escolas, pastos de sade, luz eltrica, gua, asfalto e esgoto. A presso dosmovimentos sociais e a disposico de governantes em atender aos pobres ajudarama mudar a cara destas regi6es nas ltimas dcadas. Mas, se os direitos sociais foramatendidos, faltou o estabelecimento de urna lei comum para garantir os direitoscivis.

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    Os justiceiros

    As falhas em garantir o cumprimento das leis tiveram duas conseqncias. De umlado, abriram espaco para o esprito empreendedor dos moradores. Eles criaramdo nada cidades com centenas de milhares de habitantes, com casas feitas poreles mesmos em lotes ilegais. Apesar da situaco irregular, tornavam-se bairrosnorrnais, que tinham padarias, mercados, acougues, botecos e locadoras de vdeo.Mas a quase plena liberdade para agir permitiu tambm que o uso individualda forca se transformasse ern urna ferramenta para impor a prpria vontade aosoutros moradores.

    A autoridade dos justiceiros durou quase duas dcadas. Durante um bom tempo, apopulaco da regio sul da Grande Sao Paulo enxergou os justiceiros como aliados.Os assassinatos eram aceitos porque quem morria estava supostamente envolvidocom os assaltos, arrombamentos, homicdios e extorses que proliferavam nestesbairros onde a Iorca fa lava mais alto que a lei. Diferente dos crimes nos bairroscentrais de Sao Paulo, o ladro que ameacava nao desaparecia para sempre davida das vtimas depois do roubo. Eles eram vizinhos e andavam para cima e parabaixo com ar de superioridade porque se dispunham a matar aqueles que nao sesubmetessem as suas vontades.

    Em vez das autoridades do Estado ajudarem a apagar o fogo e garantir leisimpessoais, jogavam gasolina na fogueira e fomentavam um ciclo de violencia,alimentando a crenca da populaco na eficiencia das soluces privadas. Para osvizinhos, o trabalho dos justiceiros complementou o da polcia, que usava osmesmos mtodos para tentar manter a ordem. Alguns justiceiros eram policiaisou apadrinhados por estes. A elevada quantidade de armas no ambiente, a altadensidade demogrfica e o perfil jovem da populaco acentuaram a gravidade dodrama.

    Um antigo comerciante de Diadema que viveu no ambiente dos justiceiros hoje urna pacata e influente lideranca na cidade. Chegou de Minas Gerais quaseadolescente. Trabalhou como empregado por muito tempo. um self-made man,entre tantos que fizeram a histria da metrpole. Ele lembra que no final dos anos70 foi preciso contar com muita vontade e tino comercial para prosperar comocomerciante na Vila Nogueira, regiao que comecava a ganhar cara de bairro ea perder a aparencia de desordem, tpica das favelas que nascem das invases eloteamentos clandestinos. Nesta fase de crescimento desordenado, ele tinha urnalanchonete bastante movimentada na regio. Negociador hbil, vendia e compravanovos estabelecimentos para reinvestir o capital de giro. Mas teve que enfrentaros bandidos.

    "Eles chegavam com as mercadorias roubadas e falavam com a gente como setivssemos a obrigaco de comprar ou esconder", conta. "Os comrcios eramarrombados direto, era preciso enfrentar para ter respeito". Naquela fase, ele

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  • DIADEMA. DO "FAROESTE" PARA A VIDA CIVILIZADA NA PERIFERIADE SO PAULOBruno Paes Manso Marylud de Arajo Faria . Norman Gall

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    acreditava que apenas os justiceiros e os policiais que matavam podiam ajud-los.Hoje ele tem horror a estas histrias. "Nao que eu quisesse matar", diz ele. "Nao que eu odiasse aquelas pessoas, mas a gente precisava enfrentar para continuarlevando a vida aqui em Diadema", explica. "Quem abaixava a cabeca, estavafrito".

    A histria destes matadores costumava se repetir. Cornecavam a matar por causade um trauma pessoal: famlia ofendida, casa roubada, mulher violentada. O futurojusticeiro matava por vinganca. Comerciantes acabavam sabendo do episdio einiciavam contatos para que se tornasse urna espcie de xerife do bairro. Depoisque o gosto de matar subia acabeca, os justiceiros passavam a cobrar pedgio paraque os moradores andassem em su as prprias ruas. Ningum conseguia lidar comtamanho poder sobre a vida e a morte. Vito, um pernambucano com fama deser autor de cem assassinatos, matou os dois comerciantes que o sustentavam. Osjusticeiros agiam conforme seus caprichos.

    Em 1982, Diadema assumiu o primeiro lugar no ranking de homicdios entre os 39municpios da Grande Sao Paulo, ali permanecendo quase ininterruptamente at2000. Os homicidios eram admitidos em silencio. Os que gritassem ou tornassemo problema pblico podiam morrer. Houve momentos, contudo, em que a situacoficou insuportvel. A comunidade mudou de postura diante dos assassinatos,assumindo o desafio de mudar o regime de violencia. Gracas a vontade poltica eao amadurecimento da sociedade, as medidas que foram tomadas deram resultadosque foram consolidados com o decorrer dos anos. No entanto, o progresso eragradual e tambm irregular.

    Nasce o PT

    Diadema apresenta urna peculiaridade. Foi ao mesmo tempo urna das cidades maisviolentas do mundo e urna das mais politizadas do Brasil. Quando em 1982 o MDB[Movimento Democrtico Brasileiro], oposico ao regime militar, elegeu FrancoMontoro para o governo de Sao Paulo, Diadema elegeu como prefeito o sindicalistametalrgico Glson Menezes, do recm-fundado Partido dos Trabalhadores. Comomuitas liderancas polticas de Diadema, Menezes era migrante do Nordeste.Completou o ensino mdio e virou lideranca nas histricas greves dos metalrgicosno ABCD de 1978-79.

    Naquela poca, o PT era urna mistura de sindicalistas, catlicos de esquerda,artistas, professores universitrios, trotskistas e outros pequenos grupos deesquerda. Desde 1982, todos os prefeitos de Diadema trn sido lderes oudissidentes do PT. As dissidncias foram furiosas, noticiadas pela imprensanacional. Saindo do PT, os ex-prefeitos Menezes (1983-88; 1997-2000) e JosAugusto da Silva Ramos (1989-92) viraram adversrios veementes de seu antigo

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    CIUDAD Y SEGURIDAD EN AMRICA LATINA----------------- --------

    partido em pleitos eleitorais apertados. Em 1996 Menezes voltou a ganhar a eleicopara prefeito como candidato da oposico, Em 2004 o prefeito atual, Jos de FilippiJr. (1992-96; 2001-04), do PT, perdeu para Jos Augusto no primeiro turno comuma diferenca de 9.752 votos, mas foi reeleito no segundo turno por 554 votos. Abandeira principal da campanha de Filippi foi a reduco da violencia, proclamadaem faixas e cartazes nas principais avenidas da cidade.

    Guiado por idias socialistas, o PT assumiu a prefeitura de Diadema em 1983para dar voz as demandas populares reprimidas. A criaco de infra-estrutura eservicos bsicos era tao urgente que o problema de violencia foi deixado de lado.Nas administraces sucessivas, as favelas foram urbanizadas e a numeraco dascasas permitiu aos moradores terem enderece fixo e moradias legalizadas.

    Os moradores de Diadema trn uma relaco mais ntima com as autoridadeslocais do que os cidados de um municpio desorganizado como Sao Paulo, ondeem bairros de centenas de milhares de pessoas faltam limites territoriais definidos,representaco poltica responsvel e linhas claras de aco administrativa. (Ver "SaoPaulo Metrpole: Desorganizaco poltica e problemas de escala", Braudel Papas.No. 29/2001). Com todos os imbrglios na intensa vida poltica de Diadema, aclasse poltica responde mais as presses da populaco.

    No final da dcada de 80, a administraco do prefeito Jos Augusto comecou acriar uma infra-estrutura social. Hoje Diadema tem 13 bibliotecas pblicas, umcentro cultural em cada um dos 11 bairros, programas de esportes para idosos, umcentro de referencia para mulheres vtimas de violencia, dois hospitais (municipale estadual], 22 centros de sade, nove campos de futebol, seis ginsios e mais de 40quadras esportivas. Tem uma Casa do Hip Hop, urna Companhia de Danca, a Bandajazz-Sinfnica e at um Observatrio Astronmico Municipal. Esses instrumentosde poltica cultural criaram novas alternativas de diverso e desenvolvimento paraos jovens, como testemunham os relatos autobiogrficos dos jovens educadores dosCrculos de Leitura de nosso Instituto, moradores de Diadema, publicados nessaedico de Braudel Papas.

    Nos anos 90, enquanto o Brasil se recuperava de dcadas de inflaco crorucae consolidava sua democracia, alm da criaco da infra-estrutura urbana, doismovimentos se aceleraram em Diadema. O menos aparente na poca, pormmais durvel, foi a consolidaco da infra-estrutura social. O mais visvel foi oagravamento do problema de homicdios a partir de 1995. Com a urbanizacodas favelas, a Prefeitura comecou a intervir na desordem local. Mas a polciacontinuou a julgar e executar a vontade. A violencia ainda era a via principal paraganhar respeito.

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  • DIADEMA. DO "FAROESTE" PARA A VIDA CIVILIZADA NA PERIFERIA DE SO PAULOBruno Paes Manso . Maryluci de Arajo Faria . Norman Gal/

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    Invases e ocupaco precria

    Em 1970, Diadema tinha 79 mil habitantes. Dentro de urna dcada, a populacopulou para 229 mil pessoas. Sem a superviso da Prefeitura, as imobiliriascomandaram o processo de ocupaco. Subdividiam lotes de 500 metros quadrados,que eram difceis de serem vendidos no mercado, em dez pedacos pequenos, comelevada procura, adensando os bairros do dia para a noite, independentementedas leis ambientais ou urbanas. Muitas famlias ocuparam reas de proteco aosmananciais da Represa Billings. O bairro Eldorado, onde moram 40 mil pessoas,foi construdo em reas de proteco ambiental.

    Se a especulaco era um bom negcio para os donos de imobilirias, tambmera para os migrantes, que lutavam para conquistar urna casa prpria e se livrardos aluguis. Para o Estado, o dilema entre barrar ou nao a chegada dos novosmoradores era complicado. Era possvel fechar os olhos para a legislaco e permitirque populaces miserveis construssem suas casas, medida populista que evitavabrigas complicadas, ou aplicar a lei e ser obrigado a destruir barracos para preservara propriedade e o ambiente do local, postura capaz de fazer qualquer poltico ficarcom fama de inimigo dos pobres. As autoridades preferiam se omitir.

    Neste cenrio de crescimento abrupto e desordenado, nao faltam motivos paraconflitos. Em um ambiente de alta competitividade, onde os homicdios dificilmenteeram punidos, as pessoas que matavam conquistaram "na marra" mais direitos doque aqueles que nao matavam. Na dcada de 90, grupos que lucravam com anegociaco de barracos foram formados em diferentes bairros. Em alguns casos,organizavam as invases e quando se desentendiam com determinado morador, omatavam para depois vender seu barraco.

    Os limites do populismo

    As liderancas polticas inicialmente incentivavam as invases, Mas com o tempocomecararn a perceber o tamanho da confuso em que se metiam. Apesar dasinvases continuarem nos anos 90, as autoridades tentaram control-las na segundagesto petista. Seus incentivadores, que tiveram bastante espa~o e poder duranteo governo de Menezes, foram colocados na geladeira. AIguns foram expulsos doPT por seu relacionamento com os invasores. O populismo e a desordem tinhamlimites.

    Dois casos marcaram a mudanca de atitude do PT no comeco da dcada de 90.O novo prefeito, Jos Augusto, iniciou processos de reintegraco de posse apsalgumas invases. Houve negociaces com invasores no Buraco do Gazuza e naVila Socialista, que causaram polmicas, mas mostraram a disposico do municpioem acatar a lei, mesmo que as custas do sonho de milhares de migrantes. Na regio

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  • CIUDAD Y SEGURIDAD EN AMRICA LATINA

    do Buraco do Gazuza, a Prefeitura planejava construir apartamentos em mutiro,em um projeto que previa creche e escola. Entrou com urna aco de desocupacona [ustica, enfrentando a presso dos invasores, muitos deles membros do PT. Areintegraco de posse na Vila Socialista, hoje um conjunto habitacional, causouconfrontos e a morte de tres pessoas em 1990. O vereador do PT Manoel Boni, umlder da ocupaco, teve a mo direita amputada por um coquetel molotov.

    A disputa sobre a desocupaco do Buraco do Gazuza provocou a sada do PT dovice-prefeito e de vereadores simpticos ao movimento. Mas o dilogo prosseguiu.A Prefeitura aceitou ceder, 45 dias aps a invaso, 50% do terreno ao novo bairroque se formava, ficando com a outra metade para construir creche, escola e centrocomunitrio. Os moradores do Gazuza continuaram mobilizados para conseguirgua, luz e asfalto. Com faixas e cartazes, protestavam na Sabesp, na Eletropaulo ena Prefeitura. Menos de dez anos depois de nascer, o bairro j estava consolidado.Os problemas legais uniram os moradores, que se organizaram para negociar epara lutar por direitos na arena poltica.

    Os prefeitos de Diadema passaram a priorizar a urbanizaco das favelas jassentadas. A Prefeitura comecou a se comprometer mais do que nunca nadinmica interna destes bairros, o que com o tempo ajudou na queda dos ndicesde criminalidade. Mas os policiais continuaram julgando e executando a partir deseus critrios tresloucados. A violencia permaneceu como a principal ferramentapara se fazer respeitar.

    Esforcos de governo

    Entre 1993 e 1996, depois das mudanyas da gestao de Jos Augusto, seu sucessor,Jos de Filippi Jnior, intensificou os esforcos para a urbanizaco de loteamentosclandestinos. Canalizaram-se esgotos e crregos. A maioria das favelas foiurbanizada com a participaco dos moradores, acompanhados por tcnicos eengenheiros da Prefeitura para construir novas casas. Com a cidade repletade obras e com funcionrios da prefeitura batendo cartao nos bairros onde seconcentrava m os casos de violencia, esses bairros deixaram de parecer terra deningum.

    A seguranca pblica no Brasil de responsabilidade dos governos estaduais.Nos estados, cada aparato policial segue um modelo europeu, com urna PolciaMilitar fardada, patrulhando as ruas, e urna Polcia Civil, apaisana, que conduz asinvestigaces. As duas forcas policiais tinham severas rivalidades e procedimentoscaticos. Tradicionalmente, resistiam acooperaco.

    Nesta poca, comecou o respaldo da Polcia Militar. Em 1992, inaugurou-se oprimeiro Batalho de Diadema (24), deixando de depender do comando em Sao

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    Bernardo. Os novos comandantes queriam mostrar servico. Esta unio de esforcosda prefeitura e da polcia, alm da criaco de nova infra-estrutura, contriburampara que os ndices cassern temporariamente.

    A cidade s ganhou sua prpria delegacia seccional da Polcia Civil em 1999. Odelegado assistente Mitiaki Yamoto, que trabalha h 15 anos em Diadema, ressaltaa dificuldade de acesso as favelas: labirintos de barracos sem ruas, com escadasimprovisadas e muitos becos sem sada, Ele conta que procurou em um labirintodo Campanrio um bando de justiceiros conhecidos como Padeiros, apreendendoarmas e munico em um barraco que tinha um crrego no seu interior e ratoscirculando perto da mquina em que faziam po para vender no bairro.

    Na dcada de 90, o crescimento demogrfico de Diadema continuou a cairde ritmo e a institucionalizaco se acelerou. A urbanizaco, o alargamento e ailuminaco das ruas permitiram as ambulancias e viaturas de polcia acesso alugares antes isolados. Os novos nmeros nas casas e os endereces para o correiocriararn um maior vnculo com a vizinhanca. As obras, realizadas em mutires,permitiam a prefeitura se manter presente. O espaco pblico parecia ocupado, sobas normas da comunidade. Lembra Mitiaki: "Antes disso, tinham alguns moradoresque nao fixavam residencia e acontecia o seguinte: 'Fulano matou algum e fugiupara outra favela da Zona Sul', Quando cornecou a urbanizaco, o vnculo com acidade aumentou e a tendencia de praticar crimes contra a vida diminuiu. As casasem urna favela urbanizada deixavarn de ser esconderijos",

    Houve dois momentos em que os hornicdios em Diadema caram bruscamente:no corneco da dcada de 90 e depois de 1999. Em ambas as situaces, houve acesdiretas da Prefeitura e das polcias. Mas os homicdios aumentaram de novo apartir de 1995, pulando de 112 para cada 100 mil habitantes para 141, em 1999.O curioso que tudo parecia transcorrer dentro da rnais perfeita normalidade. Osinvestimentos municipais eram os mesmos. Nenhuma variaco significativa deempregos ou pobreza podia ser identificada. Nao haveria, a primeira vista, urnaexplicaco razovel para o aumento. No submundo do crime, entretanto, ocorriaurna movirnentaco estranha, detectada pelos funcionrios rnunicipais presentesnos bairros.

    Em 1995, ocorreram trocas rpidas de propriedade entre donos de aproximadamente200 lotes de terra espalhados por Diadema, que estavam sendo urbanizados.Estes lotes eram comprados a precos muito mais altos que os do mercado. "Nsinvestigamos e percebemos que se tratava de traficantes que se mudavam para acidade e que estavam negociando lugares para se estabelecerem", lembra ReginaMiki, que legalizava ttulos de propriedades naquela poca e hoje secretria deDefesa Social de Diadema. Isso ocorreu quando o crack e a cocana estavam seespalhando pela periferia. Disputas por territrios e mercados inflamararn umnovo ciclo de violencia.

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    o Morro do Samba

    o Morro do Samba, no Jardim Ruyce, era urna grande rea privada, invadida em1990 por aproximadamente 300 famlias. Se transformou no quartel-general de umdos maiores grupos de traficantes da zona sul da Grande Sao Paulo. Biroska, seulder, era poderoso, contando com muitos olheiros e segurancas e com urna sirenemontada em um poste de luz para alertar contra invases policiais. Os vizinhosse alarmaram quando Biroska comecou a aliciar criancas de at 12 anos para otrfico. Alm de vender no varejo em Diadema, Biroska distribua para bocasmenores em toda a regio, chegando a vender um quilo de cocana a cada dois outres dias. Biroska foi preso no ano de 2000, em uma troca de tiros com policiaisde Sao Bernardo. Nao faltaram candidatos a substitu-lo no comando, apesardos riscos. O nmero de traficantes se multiplicou nas favelas e nos conjuntoshabitacionais. Eles lutaram furiosamente entre eles mesmas pelo controle dosterritrios, alimentando um novo ciclo de martes.

    Os negcios no Morro do Samba espalharam seus riscos para fora. Atingiram aEscala Estadual Mrio Santa Lcia no bairro Serraria, que ficava perta do local.Nosso interesse nessa escala surgiu do trabalho de campo do Instituto FernandBraudel, que mostrou que os alunos nas escalas da periferia trn pouco treinamentoem leitura e escrita, e tambm que em cada escala h ncleos de estudantestalentosos, vidos por ler e aprender. A diretora da escala convidou o Instituto aconduzir Crculos de Leitura em urna tentativa desesperada de encontrar um meiopara controlar a violencia e a desordem. Conduzamos Crculos de Leitura nessaescala para ler e discutir com adolescentes clssicos de Shakespeare, Daniel Defoe,Ernest Hemingway e as tragdias de Sfocles.

    Em abril de 2002, a diretora foi ameacada de morte por um homem que invadiu aescala. A coordenadora pedaggica teve o seu celular roubado na porta da escala eurna professora teve seu carro danificado no ptio. Na calcada. em frente l escala,alguns adolescentes ficavarn sentados consumindo drogas e bebidas alcolicas.Os jovens traficantes dominavam o gremio estudantil. Segundo os professores,os banheiros eram utilizados para trocas de armas e drogas entre os alunos. Aescala foi construda ao lado de um crrego que inundava as salas de aula na pocade chuvas, provocando a suspenso das aulas. As guas do crrego alagaram osbanheiros, misturando-se l urina e as fezes dos sanitrios entupidos. Em janeiro de2004, a escola foi fechada por ordem da Promotoria da Infancia e Juventude.

    Escolas

    Funcionam em Diadema 134 escalas de ensino fundamental e medio, a grandemaioria estaduais. O PT tem resistido ao movimento nacional de municipalizacodo ensino fundamental, poupando-se de encargos no orcamento e de desgaste

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    poltico em conflitos com os sindicatos de professores e diretores, em geraldominados pelo partido. Assim, o governo municipal tem se poupado tambm danecessidade de enfrentar os problemas endmicos das escalas, como violencia,vandalismo e trfico de drogas e de armas dentro dos prdios, faltas e rotatividadeexcessivas de professores e diretores, e sobretudo, o problema da qualidade deensino. Em 2001, dois tercos das escolas estaduais trocaram de diretor. Em algunscasos, duas ou tres vezes.

    Apesar da recente expanso das matrculas, as escalas pblicas de Diademaoperam dentro de urna cultura de fracasso que se estende ao ensino pblico dequase toda Amrica Latina. Em 1980, s 38% das criancas de Diadema haviamterminado os primeiros quatro anos de escala e s 8% estudaram oito anos. Aevaso de alunos matrculados beirava os 50%. Hoje, a matrcula no ensinofundamental em Diadema quase universal, como no resto do Brasil. O ensinomdio est se expandindo rapidamente, mas um terco dos adolescentes ainda estfora das escalas. O maior problema, porm, a pssima qualidade do ensino.Existe pouca presso da populaco e nao h preocupaco da classe poltica paramelhor-lo.

    Com essa cultura do fracasso, a educaco pblica na Amrica Latina o elo maisfrgil no processo democrtico. O sistema ainda nao entrou em colapso somentepor causa da demanda pblica por algum tipo de escala, e porque as escalasfornecem urna fonte abundante de emprego formal e penses para professores eadministradores, o que garante aos polticos um grande nmero de votos. Salvoraras exceces, eles tm pouco interesse no aumento da qualidade. O ensinoefetivo minado pela seleco adversa de profissionais, que recebem salrios baixose treinamento precrio, sao encurralados em um sistema de incentivos perversos.Existem poucos padres de qualidade ou necessidade de prestar cantas. As faltasconstantes de professores deixam os alunos sem aula, tumultuando os corredores eprovocando um barulho infernal que impede o ensino nas salas ande h professorespresentes. Esses padrees de comportamento sao aceitas como normas.

    Existem escolas pblicas boas, mas sao urna pequena minoria. Exemplos rarosde excelencia se formam gracas ao herosmo isolado de poucos professores eadministradores. Agora h oportunidade para focalizar a melhoria da educacopblica, j que a expanso das matrculas tem se consolidado e o declnio das taxasde natalidade tem reduzido as press6es demogrficas nos sistemas escolares.

    Na noite de 12 de marco de 2001, um estudante foi morto em um corredor daEscala Estadual tila Ferreira Vaz, com um tiro na cabeca. No dia 23 de marco,outro aluno foi marta a tiros na entrada da Escala Estadual Nicia AlbarellaFerrari , ao voltar de urna excurso escolar. Em 11 de abril, dois menores farampresos por portar revlveres dentro da Escala Estadual Antonieta Barges Alves. Em17 de abril, dais estudantes faram feridos a bala dentro da Escala Estadual MrciaArtimas Maron.

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    CIUDAD Y SEGURIDAD EN AMRICA LATINA

    No meio dessa violencia, um grupo de professores recorreu ao Frum deSeguranca Pblica na Cmara de Vereadores a procura de apoio e orientaco. OFrum criou urna comisso especial de seguranca escolar composta pelos doischefes das polcias Militar e Civil, o coordenador de Defesa Social da Prefeitura,tres vereadores de diferentes partidos, a presidente do Conselho Municipal deEducaco e representantes do Instituto Fernand Braudel.

    A comisso tentou visitar as 10 escolas de Diadema tidas como as mais violentas,para dialogar com os diretores, professores e pais. Essas visitas foram proibidas peladirigente regional de ensino cujo marido, policial militar, foi assassinado a tiros nafrente de urna das escolas. A dirigente alegou que as visitas as escolas teriam deser autorizadas pela Secretaria Estadual de Educaco. Aps urna reunio de c1uashoras, a ento Secretria recusou-se a autorizar as visitas a fim de "preservar aintegridade das escolas",

    Em 2004, a Secretaria de Educaco do Estado de Sao Paulo abriu as escolas nosfmais de semana para a comunidade local com cursos, recreaces e esportes.As merendas escolares atingiram um padro de excelencia. Mas a Secretaria deEducaco, com seis milhes de alunos e 250.000 funcionrios, nao tem um sprofissional dedicado ao problema de seguranca escolar. As rondas escolares daPolcia Militar recentemente conseguiram reduzir a violencia, especialmente nasportas das escolas. Mas os problemas endmicos do sistema persistem. As viaturasdas rondas escolares precisam visitar muitas escolas em um dia, nao podendodar muita atenco aos casos de desordem que surgem. A Secretaria reporta urnaqueda de 26% nas agresses a professores em 2004, mas muitos desses fatosnao sao registrados. Os professores e diretores escolares que sofrem agressese ameacas sao orientados a fazer boletim de ocorr ncia na Polcia Civil, mas osmesmos agressores advertem piores conseqncias caso tomem essa providencia.Na Escola tila, aps o assassinato do aluno, as mes de outros alunos, agindo commuita firmeza, conseguiram dialogar com as autoridades escolares e a diretora quese recusou a recebe-las foi removida. Mas esses episdios de presses dos paissao raros. A maioria trabalha longas horas. Muitos estudaram s dois ou tres anosdo primrio em escolas rurais, o que torna difcil para eles avaliar o desempenhoescolar de seus filhos.

    O que inspira admiraco o esforco de alguns jovens de Diadema, de famliaspobres, para desenvolver suas capacidades intelectuais e profissionais isoladamenteou em pequenos grupos, aproveitando os recursos culturais do municpio. Muitosdeles trn a garra de persistir at completar o ensino mdio nas escolas noturnas,apesar da irregularidade e falta de contedo das aulas, e continuam sua luta paraprogredir, estudando nas faculdades particulares e escolas profissionalizantes daperiferia. S 26% dos que conseguem entrar na Universidade de Sao Paulo saoformados nas escolas pblicas. Os poucos que podem ocupar essas escassas vagasprecisam fazer cursinhos preparatrios por dois ou tres anos para compensarsua fraca forrnaco nas escolas estaduais. Alm do problema de qualificaco

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    acadmica, os jovens da periferia precisam arcar com o alto custo do transportepblico para continuar seus estudos. admirvel que um nmero crescente delesconsegue vencer esses obstculos.

    Como resposta as presses polticas pela criaco de mais universidades pblicaspara acomodar o nmero crescente de alunos pobres que terminam o ensinomdio, esto sendo criadas urna nova universidade federal no ABC e um novocampus da USP na zona leste de Sao Paulo. Mas o problema principal continuasendo a qualidade de ensino em todos os nveis.

    A Favela Naval

    No incio da dcada de 90, enquanto as escolas se multiplicaram e a infra-estruturaurbana se desenvolveu, a violencia intensificou-se. Na nova fase dominada pelostrancantes, o papel do justiceiro deixava de fazer sentido, porque difcilmenteurna pessoa sozinha seria capaz de lutar contra as novas autoridades do crime. Ospequenos traficantes dispostos a matar para se impor levaram a cidade a quebrarrecordes histricos de homicdios por tres anos seguidos. A violencia causavapouca repercusso na comunidade. Alguns polticos costumavam negar queDiadema fosse urna cidade violenta, alegando que os altos ndices de homicdiovinham da eficiencia de seus hospitais pblicos, que atraam vtimas baleadas deoutros lugares para morrer na cidade. Ao mesmo tempo, a polcia caiu no descasoat 1997, quando explodiu o escandalo da Favela Naval.

    "Naquela poca, quando perguntavam onde a gente morava, nas entrevistasde emprego, costumvamos responder que era na divisa de Sao Bernardo, paranao falar Diadema", lembra Luiza Guerra da Silva, presidente do Conselho deSeguranca (Conseg) da Vila Sao Jos. "Dizer que morava em Diadema era urnavergonha e afastava os empregadores",

    Nao havia mais como negar a gravidade do quadro. A Cmara de Vereadoresformou, em 1997, urna Comisso Especial de Direitos Humanos e Cidadania,seguida por outras iniciativas cvicas. Assumir o problema era o primeiro passoantes de tentar soluces.

    A polcia foi inicialmente o alvo principal do debate. A polcia local era um depsitode homens com problemas disciplinares. Dos 10 PMs flagrados no vdeo da FavelaNaval, seis sofriam processos na auditoria militar e alguns tinham fichas criminais.O comandante do batalho, Pedro Pereira Mateus, era dono de urna empresa deseguranca privada. Ele passava pouco tempo em Diadema e nao tinha controlesobre a tropa. Os policiais agiam como juzes e executores, aplicando sentencas demorte por sua prpria conta. Para oficiais e soldados, trabalhar em Diadema eravisto como urna forma de punico aos maus servicos prestados a corporaco.

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    Depois do escandalo, a cidade deixou de ser considerada um lugar para a punicode policiais depravados. Bons profissionais foram enviados para Diadema, que setornava urna espcie de laboratrio de seguranca pblica. Depois de anos de baixosinvestimentos em equipamento e pessoal, reforces chegaram. Os quadros daspolcias civil e militar quadruplicaram em poucos anos. Mtodos mais eficazes depatrulha e investigaco foram aplicados. Os produtos desses esforcos foram novasprises e mais descobertas de cativeiros de seqestros. As prises superlotaram ascadeias e penitencirias, obrigando o governo estadual a lancar um programa deemergencia para construir novas instalaces. Rebelies e fugas de presos e internosda Febem tornavam mais urgentes as reformas que o governo est fazendo. Aseguranca pblica se tornou urna das principais bandeiras nas eleices de 2002para o governo de Sao Paulo.

    A Favela Naval continua muito pobre. Frgeis barracos ainda se estendem aolongo do canal. Um terco dos moradores trabalha catando latas de alumnio epapelo. Esses materiais sao empilhados em carrocas puxadas por eles prprios,em bicicletas, ou ocasionalmente por um cavalo esqueltico, e de pois levados paraum depsito primitivo no bairro. Ao mesmo tempo, muitas casas foram ampliadase reforcadas com construces permanentes e grades de ayo. Um novo centrocomunitrio foi construdo e doado pela Mercedes Benz e urna imensa igreja daAssemblia de Deus foi aberta em 2004. Na administraco do centro comunitrioest Tato (Carlos Antonio Rodrigues, 41), que ganha sua vida consertandocomputadores para clientes em toda a metrpole, e ensina computaco as criancasda vizinhanca . "A maior mudanca aqui foi a melhoria da seguranca", diz Tato."A polcia evita vir aqui. A ltima morte foi h 18 meses. Antes disso, nao houvenenhum assassinato em tres anos. Quando vivemos com medo nada faz sentido.Quando o medo removido, podemos nos concentrar nos problemas reais da vida.A seguranya traz confianca. Agora, nossos adolescentes podem ficar na rua atduas ou tres da manh em completa tranqilidade".

    A mobilizaco cvica

    O reforce nas polcias, depois do episdio da Favela Naval, nao era suficiente parareduzir os homicdios. As relaces entre a polcia e as autoridades locais aindaeram distantes. Em 1998, o prefeito Menezes disse que fazia vrios meses quenao falava com o chefe da Polcia Militar. A reduco apareceu s depois que aPrefeitura, a Cmara Municipal e a comunidade comecaram a se envolver.

    Na mobilizaco poltica da comunidade, o Instituto Fernand Braudel reuniuapoios que levariam a unio de esforcos. Primeiro, o Instituto organizou umaassemblia popular contra a violencia, em junho de 2000, presidido pelo prefeitoMenezes, candidato a reeleico naquele ano. Dias depois, o Frum de SegurancaPblica realizou sua primeira reunio, na sede da Ca mara Municipal, onde

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    polticos, chefes das polcias Militar e Civil e lderes da comunidade se reuniriammensalmente para discutir formas de atuaco conjunta no combate ao crime,priorizando a queda dos homicdios.

    As reuni6es do Frum foram conduzidas pelos presidentes da Cmara juntocom a direco do Instituto Fernand Braudel, e o coronel da reserva da PM JosVicente da Silva, pesquisador do Instituto que, em 2002, se tornaria SecretrioNacional de Seguranca Pblica. O Instituto funcionava como um ator externo quepodia intermediar os debates polticos com relativa isenco. por nao participardas disputas na cidade. A coordenaco local do Instituto, viabilizou relaces comentidades pblicas e comunitrias. Alm disso, o Instituto organizou Crculosde Leitura nas escolas e bibliotecas pblicas e, acompanhando o trabalho doFrum, tambm fez entrevistas de campo para tracar a histria e a dinmica doshomicdios em Diadema.

    O trabalho do Frum avancou com a participaco constante de dois excelentesprofissionais, Dr. Reinaldo Correa, delegado seccional da Polcia Civil, e Ten.Cel.Luiz Carlos Barreto, comandante da Polcia Militar. Participaram tambma coordenadora de seguranca da prefeitura, o comandante da Guarda CivilMunicipal, vereadores e lideres civis, com cobertura dos jornais locais. Nocomeco de cada reunio, os chefes policiais relatavam as estatsticas criminaisdo mes anterior e faziam observaces que permitiam ao Frum analisar situacesconcretas e debater estratgias para resolver os problemas.

    Aces conjuntas comecararn a acertar o alvo, centradas em duas frentes principais:a primeira tratava da administraco das forcas policiais e da inteligencia. Para isso,precisava da aco conjunta de guardas civis, policiais e agencias municipais, semos atritos e rivalidades comuns, nos bairros com maiores problemas. Nesse sentido,em urna segunda frente, o planejamento das operaces era feito com mapas,estatsticas e softwares especializados. O Instituto Fernand Braudel contratouseis estudantes de direito como estagirios, para analisar inquritos policiais de618 casos de homicdio ocorridos entre 1997 e 1999. Trocas de tiros explicam90% dos assassinatos. Apenas 30 desses homicdios foram esclarecidos. Muitosdos inquritos foram elaborados precariamente, mas deram impresso clara quemuitos homicdios foram fruto de conflitos pessoais por quest6es banais, comobrigas de bar ou cimes de mulheres. Os alarmantes nmeros dos homicdios emDiadema eram resultantes de problemas diversos relacionados as drogas, lcool,brigas pessoais e aumento da quantidade de armas em circulaco.

    O prefeito Filippi, que voltava a governar o municpio em 2001, assumiu o desafiode baixar as mortes. A Guarda Municipal contava com 236 homens para dividiros servcos com os militares. Os carros da Guarda ficavarn concentrados no centroe a Polcia Militar podia realizar rondas nos bairros apontados pelo levantamentoestatstico como os mais violentos. Pracas restauradas voltaram a servir comoespa

  • CIUDAD Y SEGURIDAD EN AMRICA LATINA

    ptios municipais para o recolhimento de carros e motos apreendidos duranteas blitze, com a garantia de guinchos da prefeitura para auxiliar o trabalho dapolcia. A Feira do Rolo, que servia para desovar mercadorias roubadas, passoua ser fiscalizada. Em um novo projeto, Adolescente Aprendiz, o municpio tentouresgatar, com estgios e estudos, jovens que vivem em bairros onde o trfico teminfluencia.

    A criaco do Disque-denncia permitiu a polcia colher testemunhos annimospor telefone e burlar a lei do silencio. Pessoas que sabiam dos crimes em seusbairros poderiam orientar as investigaces policiais. Com a popularizaco dostelefones celulares, podiam dispensar os telefones pblicos para a realizaco dadenncia. Segundo o chefe da delegacia de homicdios, os telefonemas servempara orientar a busca de pistas e 50% dos casos de homicdios sao resolvidos coma ajuda das denncias por telefoneo A Prefeitura comecou a informatizar os dadosde crime. Em 2004, cameras de TV foram instaladas para vigiar pontos sensveis dacidade. Membros da Guarda Municipal patrulham os 11 bairros a p e de bicicleta,como "Anjos do Quarteiro",

    "Le Seca"

    No crescimento dos bairros populares, os botecos se espalharam a vontade.Eram urna opco de renda e de lazer para os moradores, mas tambm o palco demuitos homicdios. O Cel. Jos Vicente convidou ao Frum policiais das cidadespaulistas de Hortolndia e Barueri, que explicaram como a reduco dos horriosde funcionamento dos bares reduziu a violencia nessas cidades. No final de 2001,foi apresentada na Cmara de Vereadores urna lei para fechar os bares as 23 horas,nos horrios de maior nmero de homicdios. Em marco de 2003, a partir dasdiscusses no Frum, a lei foi aprovada por unanimidade na Cmara Municipal,comecando a funcionar em 15 de julho do mesmo ano, aps urna intensa campanhade esc1arecimento em folhetos e outdoors.

    Liderada pela vereadora Maridite Oliveira a mobilizaco da c1asse poltica deDiadema convenceu os vereadores a fazer um pacto para nao interceder pelosdonos de bar. Em agosto de 2003, o primeiro mes dos novos horrios dos bares, onmero de homicdios caiu para oito, contra urna mdia mensal que j fora de 30ou 40.

    "Para chegar a um consenso entre os vereadores, precisamos de um ano de dilogoe debates, com muito corpo a corpo", lembra Maridite. "Quase todos os vereadorestrn amigos e cabos eleitorais que sao donos de bares. Alguns vereadores estavampreocupados com a perda de empregos nos bares, outros com o impacto na opiniopblica. Fizemos urna audiencia pblica na Cmara sobre o projeto da Lei Seca.Alguns donos de bares se colocaram a favor para reduzir a violencia. Atingimos a

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    unanimidade. Era urna virada histrica para Diadema".

    A implementaco da "Le Seca" exigia urna mobilizaco conjunta das instituices,Os fiscais da Prefeitura e a Guarda Civil eram escoltados nas madrugadaspor unidades da PM, para evitar contestaces e fazer com que a nova leifosse cumprida, A coordenadora de Defesa Social de Diadema, Regina Miki,acompanhava a polcia e os fiscais, varando madrugadas, com o major da PM caroDerntrio Santana, para checar os servicos e mostrar que a lei era para valer. Urnaadvogada corajosa, Regina recebia telefonemas annimos que a ameacavam demorte. Precisou esconder a famlia em outras cidades, mas nao recuou. O Clube daCidade, conhecdo como bar "Fecha Nunca", apontado como um local de muitosassassinatos, foi lacrado por causa da resistencia do dono em se adequar a leL Naovoltou mais a abrir.

    Alguns bares causavam problemas porque eram tambm os lugares do trfico- algo que acontece inclusive em bairros mais nobres. O fechamento destespontos afetou a venda das bocas. Com a fiscalizaco, o grosso das mortes passoua ocorrer antes das onze da noite, e em menor nmero. Pessoas dispostas amatar continuaram a viver na cidade, mas o poder pblico passou a diminuir asoportunidades de conflito.

    Tres anos depois das primeiras reumoes do Frum, as polcias anunciavam onmero mensal de homicdios mais baixo j registrado em Diadema: apenas cincomortes em novembro de 2003. No final dos anos 80, chegou-se a presenciar, emum nico mes, 90 assassinatos.

    A morte do majar caro

    As ltimas reunies do Frum ofereceram urna advertencia. Houve troca dechefes policiais no comeco de 2003 por rotina das corporaces. Os novos chefesdeixararn de participar no Frum, que se esvaziava aos poucos, quando entravaem seu quarto ano. As instituices pblicas continuavam seu trabalho com zeloe empenho, mas, para usar a linguagem do futebol, as vitrias sucessivas faziamcom que os jogadores passassem a "usar salto alto". Recentemente, a Cmara deVereadores votou por abrandar a "Lei Seca", permitindo que os bares funcionem a100 metros das escolas em vez dos 300 metros anteriores, apesar da campanha daPrefeitura contra o alcoolsmo entre os adolescentes.

    Em fevereiro de 2004, aps um Frum quase vazio, o major caro DemtrioSantana, de 48 anos, um querido e respeitado servidor pblico, morria assassinadopor bandidos em um tipo de execuco que ele lutou muitos anos para reprimirem Diadema. Casado, pai de tres filhos, o major voltava para sua casa vindo deum curso para oficiais em Sao Paulo, de nibus, sozinho, fardado e com colete a

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    prova de bala, quando foi pego na emboscada. Foi atingido por 10 tiros na cabeca,l queima roupa, dados por dois jovens em urna moto. Havia vrias pessoas na ruaquando o assassinato ocorreu, mas todas elas disseram l polcia que nao viramnada. Ento nao houve testemunhas.

    o major caro foi peca chave nas mudancas ocorridas na cidade. Era o nicono comando da Polcia Militar que morava na cidade. Trabalhou em Diademapor 15 anos. Passou por todas as fases crticas da violencia local no comando decompanhias em diferentes bairros.

    Homem modesto e de poucas palavras, articulou cooperaco entre as diferentesautoridades da cidade. Ele conhecia de longa data as liderancas polticas da cidadee participou ativamente no Frum. Quando a "Le Seca" foi aprovada, assumiupessoalmente, junto com a Secretria de Defesa Social, Regina Miki, a fiscalizacoe implernentaco da lei, enfrentando com cordialidade e paciencia a resistenciados donos de bares, que inicialmente se recusavam a baixar as portas depois das23 horas. Nos ltimos meses de sua vida, comecou a viver complicaces. O novocomando da Polcia Militar de Diadema havia transferido em 2003 o Major caropara o Guaruj, abrindo contra ele um processo em que foi acusado de indisciplina,por negociar com comerciantes da cidade para criar um sopo que abrandaria afome dos policiais durante a madrugada.

    A morte do majar caro mostra que Diadema ainda tem um caminho parapercorrer no controle da violencia endmica. O corpo de caro foi velado, commuita cerimnia, no plenrio da Cmara de Vereadores. Sua imagem dentrodo caixo, rodeado de flores, com a cabeca enfaixada, chocava as autoridadespresentes. Esta morte ainda nao foi esclarecida.

    Clvllizaco

    A queda de homicdios em Diadema, desde 1999, liderou um declnio geral dasmortes violentas na Grande Sao Paulo. Pela diversidade demogrfica da metrpole,que abarca tanto bairros antigos e consolidados quanto comunidades violentas daperiferia, a taxa geral de homicdios na Grande Sao Paulo em 1999 (65 para cadacem mil habitantes) nao era nem metade da taxa em Diadema (141). De 1999 at2003, a taxa para a regio metropolitana caiu em 26%, para 48 a cada cem mil,enquanto em Diadema a taxa caiu em 47%, quase duas vezes mais rapidamente.

    Nos bairros violentos do municpio de Sao Paulo tambm houve quedas, mas naotao grandes quanto em Diadema. Porm, as taxas de homicdio da Grande SaoPaulo (48) e Diadema (74) ainda sao muito altas, especialmente se as comparamoscom cidades como Londres, Tquio e Nova York, cujas taxas variam entre 2 e 7para cem mil. Nosso pesquisador de seguranca pblica, Cel. Jos Vicente da Silva,

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  • DIADEMA. DO "FAROE5TE" PARA A VIDA CIVILIZADA NA PERIFERIA DE SAO PAULOBruno Paes Manso Marylud de Arajo Faria . Norman Gall

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    observa que "um ndice de homicdios de 40 para cem mil ainda indecente e naojustifica comemoraces antes de chegar a 20. Civilizado chegar abaixo de 10".

    Mas as recentes quedas de homicdios sao fruto de um processo de civilizaco, aindaincompleto. Diadema representa bem esse processo. Representa a consolidacodas comunidades na transico duma ocupaco estilo "faroeste" para urna sociedademais organizada. Este processo complexo e envolve mudancas demogrficas,novas formas de cooperaco, aco mais efetiva dos governos municipal e estadual,aumentos no consumo popular, renovaco da infra-estrutura e das oportunidadesculturais, incorporaco de novas tecnologias, arnpliaco da atividade econmicacom muitas improvisaces modestas mas importantes e, sobretudo, o esforco demuitas familias para conquistar padres de vida mais dignos.

    Entre 1980 e 2003, a fecundidade das mulheres em Diadema caiu pela metade. Asfamlias agora sao menores. Desde 2000, a faixa da populaco masculina entre 15e 24 anos de idade, a mais exposta a violencia, como vtimas e como agressores,est se reduzindo, como resultado de quedas anteriores de fecundidade e doimpacto da violencia. As gangues nos bairros violentos ficaram menores. "Muitosbandidos foram mortos brigando com outros bandidos, ou pela polcia, e muitosforam presos", diz um policial. "Nas bocas de droga, a principio, novos traficantesassumiam os postos dos chefes mortos e presos, mas depois essa substituicominguou, quando os novos chefes perceberam que esse caminho podia ser fatal".

    o tamanho menor das famlias permite investimento mais concentrado. Segundourna pesquisa de nosso Instituto sobre consumo popular na periferia da Grande SaoPaulo, a principal forma de poupanca dessas famlias o investimento na melhoriade suas casas. Em menos de duas dcadas, barracos viraram residencias de dois outres andares, no mesmo lote de antiga ocupaco precria, gracas a grandes esforcosdas famlias. As grandes empresas de manufatura e comrcio esto se esorcandopara vender na periferia, que forma um mercado de crescimento rpido. Em suamaioria, as casas j trn urna variedade de eletrodomsticos, como TVs, geladeiras,microondas, aparelhos de som e mquinas de lavar. Os supermercados e sacoles,proliferando com concorrncia intensa, esto barateando o custo da comida. Asdespensas guardam urna variedade de produtos muito maior que h duas ou tresdcadas. Os sacoles sao importantes, pois permitem as famlias de baixa rendacomprar urna variedade de produtos, pagando por quilo a pre

  • CIUDAD Y SEGURIDAD EN AMRICA LATINA

    os malandros dos cidados que querem viver em paz e evitar problemas. Cadagrupo reconhece e respeita o territrio do outro. Outra forca que est reduzindoo espaco para violencia a expanso do comrcio em todos os seus nveis, desdeos novos supermercados at os vendedores ambulantes e as pequenas oficinas deconsertos de carros e de eletrodomsticos e as vendas de doces e refrigerantes nascasas de bairro. Nas proximidades do Jardim Campanrio, um terreno municipalabandonado era usado como um campo de execuces e um depsito de corpose de carcacas de carros roubados. Agora esse espaco ocupado pelo complexopoliesportivo do SESI, usado pelas famlias locais, e por altos prdios residenciaispara famlias de classe mdia.

    Um palco de pequenos crimes conhecido como cameldromo, uma prac;a nocentro da cidade ocupada por ambulantes, foi removido para um predio fechadobatizado de Shopping Popular. Diadema agora tem 31 agencias bancrias, emuitos outros negcios menores atuam como correspondentes que intermediamtransaces para os bancos. Nos bairros populares, a venda de gua mineral estcrescendo rapidamente, com promoces especiais. Esto se espalhando pizzarias,farmcias, lanchonetes de [ast [ood, locadoras de vdeo, academias de ginstica ede artes marciais, escolas de idiomas, de computaco e auto-escolas, agencias deturismo, casas de umbanda, lojas de street e sur] wear, instrumentos musicais ecabeleireiros. Tambm surgem prsperos pet shops. "As classes C, D e E gastambastante em races para seus bichos de estimaco e em banhos e xampuspara cachorros, a R$lO cada", diz Manoel Gomes de Oliveira, 38, dono da lojaManeco.Pet.

    Um importante estudo de urbanistas, Sao Paulo Metrpole IEDUSP/ImprensaOficial, 2004), observa que o deslocamento de redes de consumo para a periferia"s poder ser analisado como uma nova lgica da localizaco dos sistemasde consumo. A implantaco de shoppings, supermercados, hipermercadose representantes de franquias de alimentaco tipo [ast [ood nas periferiasmetropolitanas sao fenmenos recentes".

    Desde 2000 o nmero de estabelecimentos comerciais registrados em Diademaaumentou em 62%. As indstrias, principalmente pequenas e mdias, cresceramem 28%. O emprego industrial cresceu 10,5% em 2004, o dobro do ritmo do restodo Estado, com a recuperaco da indstria automobilstica do ABCD. Alm disso,a indstria est se diversifi.cando, com crescimento do Plo de Plsticos e do Plode Cosmticos.

    Diadema abriga hoje 65 das 107 empresas de cosmticos que operam no Brasil. Elasempregam 8.300 funcionrios em Diadema, mais outros 4.000, como fornecedoreslocais de plsticos, essncias e embalagens. "Construmos nossa fbrica cm 1982,quando ningum queria vir aqui", diz Silvestre de Resende, diretor comercial daValmari, que emprega 88 pessoas. l/A terra era barata. Diadema tem vantagenslogsticas por ser prxima a Sao Paulo e a Santos, mas era muito violenta. Muitos

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  • DIADEMA. DO "FAROESTE" PARA A VIDA CIVILIZADA NA PERIFERIA DE SO PAULO__________B_ru_no_R_a_e_s_M_a_ns_o_._M_a_ry_luci de Arajo Faria Norman Gall

    assaltos. Um dia nosso motorista foi assassinado em frente l fabrica. Outro diaencontramos um cadver perto de nossa porta. Agora aterra mais cara, masternos tranqilidade. Nossa empresa teve crescimento de 18% em volume devendas, em 2004. Focalizamos as vendas nas classes A e B e nos profissionais queatendem essas faixas de renda. Porrn, 80% das empresas aqui vendem para asclasses de baixa renda, atravs de distribuidores",

    Este crescimento do comrcio deve-se em grande parte l expanso rpida docrdito ao consumo no Brasil. Formou-se urna alianca entre as grandes cadeiasde varejo e os bancos e financeiras. Agentes das financeiras ficam dentro de lojasgrandes, aprovando crditos a juros mensais de 5% a 7%. Nos ltimos dois anos,o volume de emprstimos pessoais cresceu em 79% e o crdito ao consumidorem 47%. De 1999 at 2003, a fatia de consumidores de baixa renda no mercadobrasileiro de cartes de crdito aumentou de 10% para 21%. Novas modalidades decrdito esto sendo inventadas continuamente. Quando o valor devido deduzidoautomaticamente de salrios e aposentadorias, sao cobrados juros de 2% ao mes. Oboom de crdito permite l gente pobre consumir mais e investir no aprimoramentode suas casas.

    Poderamos facilmente exagerar os progressos de Diadema. As amplas avenidascentrais, com seus terminais de nibus, supermercados, revendedoras de carros elojas de [ast [ood j nao trn o aspecto de cidade pobre. Porm, como j observamos,as taxas de homicdios ainda sao altas, apesar de sua reduco nos anos recentes.A renda mdia mensal de chefes de famlia da cidade, no ano 2000, era de R$717, a metade da mdia do municpio de Sao Paulo. O efeito da estrutura poltica,do fortalecimento das instituices pblicas e a expanso do comrcio trn sidopositivo, mostrando o quanto o povo valoriza a estabilidade. Diadema conseguiumostrar que o problema dos homicdios pode ser reduzido em prazos curtos comum esforco poltico baseado em um consenso da comunidade e aco mais efetivadas autoridades. Quatro dcadas aps a exploso imigratria, Diadema nao mais urna cidade mergulhada em urna espiral de crises sem soluco aparente. Aocontrrio, est mostrando a forca da democracia em um processo de civilizaco.

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  • CIUDAD Y SEGURIDAD EN AMRICA LATINA

    Cuadro 10

    Programa JvenesNuevo Len - Mxico

    Descripcin

    La principal caracterstica de este programa es que ha trabajado directamente con gruposjuveniles quienes han diagnosticado sus problemas, han diseado e implementado los proyectosde trabajo. Se busca abordar diferentes factores que influyen en su formacin, especialmente eldesempleo, la falta de oportunidades de desarrollo personal y social.

    Objetivo

    El objetivo del programa es disminuir la violencia juvenil a travs de la integracin de losjvenes organizados y en riesgo social (pandillas juveniles) a actividades que sean productivaspara su desarrollo personal y el de su comunidad.

    Resultados

    Dentro de los factores que han influido positivamente en la sustentabilidad del programa y enlos resultados obtenidos por l, se encuentra el hecho de que el programa se inscribe dentrode una propuesta integral de prevencin orientada a la familia desarrollada por el ProgramaNacional Desarrollo Integral de la Familia (DIF) que se implementa en Mxico a nivel federal,estadual y local. Adems, durante los ltimos aos ha sido fortalecido por el programa localde seguridad "Nueva Len Seguro" a cargo del Municipio [ha pasado a constituir uno de susprincipales componentes). Junto a lo anterior, el empoderamiento de los grupos juvenilesorganizados para decidir sus propios programas de desarrollo personal y colectivo, ha sidodeterminante en el xito. Por ltimo, es importante el acertado diagnstico [participativo ycon bastante investigacin acadmica) de las problemticas de los jvenes en el sector, elautodiagnstico de los mismos grupos y el trabajo de coordinacin multisectorial desarrolladopara llevar a efecto los proyectos juveniles.

    Las cifras muestran que este programa ha logrado reducir en un 70% las rias juveniles y un34% las acciones definidas como "incivilidades" {rayados de muros, ocupacin amenazante deesquinas, etc.).

    Fuente: 'Polticas de Seguridad Ciudadana en Europa y Amrica Latina. Lecciones y desafos.

    {2004}. Ministerio del Interior de Chile.

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    01. ndice07. Diadema. do Faroeste para a vida... Bruno Paes M., Maryluci de Arajo F., Norman Gall