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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO: POSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR
JADE MARTINS
Itajaí, maio de 2006.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO
CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO: POSSIBILIDADE DE COMUNICAÇÃO DA CIRCUNSTÂNCIA ELEMENTAR
JADE MARTINS
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em
Direito. Orientador: Professor MSc. Osmar Dinis Facchini
Itajaí, maio de 2006.
AGRADECIMENTOS
A Deus que me deu forças para mudar as
coisas que poderiam ser mudadas, e
sabedoria para perceber a diferença e
sobretudo, coragem para não desistir daquilo
que penso estar certo.
Aos meus pais, meus amigos, companheiros e
confidentes, que se doaram inteiros e
renunciaram aos seus sonhos, para que,
muitas vezes, pudesse realizar os meus. A
vocês que compartilharam meus ideais e os
alimentaram, incentivando a prosseguir na
jornada, mostrando que o meu caminho
deveria ser seguido sem medos, fossem quais
fossem os obstáculos. Minha eterna gratidão
vai além de meus sentimentos, pois vós
cumpristes o dom divino. O dom de ser Pai, o
dom de ser Mãe.
Aos meus amigos que compartilharam desta
trajetória, incentivando e alegrando a cada
dia esta caminhada, meu muito obrigada.
Agradeço ao meu orientador, MSc. Osmar
Dinis Facchini que compartilhou comigo seus
conhecimentos e auxiliou na busca da
realização plena de meus ideais profissionais
e humanos.
DEDICATÓRIA
A minha mãe Arlete e meu pai Luiz, que
sempre compartilharam os meus sonhos e
desalentos, vitórias e derrotas, alegrias e
tristezas. Que mesmo, às vezes, distantes
fisicamente, mantiveram-se ao meu lado,
lutando pelo meu sucesso, dedico essa
conquista, com a mais profunda admiração
e gratidão. Obrigado meu pai! Obrigado
minha mãe!
Ao meu orientador MSc. Osmar Dinis Facchini,
dedicamos o resultado de um esforço
comum, consciente e honesto em prol do
desenvolvimento e valorização de nossa
atividade profissional.
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a
Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade
acerca do mesmo.
Itajaí, maio de 2006.
Jade Martins Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade
do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Jade Martins, sob
o título Co-Autoria no Crime de Infanticídio, foi submetida em 30 de junho
de 2006 à banca examinadora composta pelos seguintes professores:
MSc. Rogério Ristow e MSc. Leandro Batista Morgado, examinadores, e
aprovada com a nota 10,0 (dez).
Itajaí, junho de 2006
MSc. Osmar Dinis Facchini Orientador e Presidente da Banca
[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a Autora considera estratégicas
à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos
operacionais.
Antijuridicidade
A antijuridicidade é um juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica,
no sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico. 1
Autor
Autor é quem realiza diretamente a ação típica, no todo ou em parte,
colaborando na execução (autoria direta), ou quem a realiza por meio de
outrem que não é imputável ou não age com culpabilidade (autoria
mediata).2
Co-Autoria
Existe co-autoria quando duas ou mais pessoas físicas realizam, por si ou
por intermédio de outrem não culpável, o verbo contido no tipo de ilícito.
Cada co-autor é um autor e, portanto, deve se revestir das características
exigíveis para a autoria.3
Concurso de Pessoas
Há na hipótese, convergência de vontades para um fim comum, que é a
realização do tipo penal, sendo dispensável a existência de um acordo
prévio entre várias pessoas; basta que um dos delinqüentes esteja ciente
1 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 23. ed. São Paulo: Editora Atlas,
2006, p. 173. 2 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I., 2006, p.224. 3 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. Forense: Rio de Janeiro, 2002, p.
299.
de que participa da conduta de outra para que se esteja diante do
concurso.4
Crime
Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão
ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou
cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal
a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou
ambas, alternativa ou cumulativamente.5
Culpabilidade
Assim, em vez da imputabilidade, dolo ou culpa e exigibilidade de
conduta diversa, a teoria normativa pura exigiu apenas imputabilidade e
exigibilidade de conduta diversa, deslocando dolo e culpa para a
conduta. O dolo que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o
normativo, mas o natural, composto apenas de consciência e vontade. A
consciência da ilicitude destacou-se do dolo e passou a constituir
elemento autônomo, integrante da culpabilidade, não mais, porém,
como consciência atual, mas possibilidade de conhecimento do injusto.6
Direito de Punir (Jus Puniendi)
É o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada no preceito
secundário da norma penal incriminadora, contra quem praticou a ação
ou omissão descrita no preceito primário, causando um dano ou lesão
jurídica, de maneira reprovável.7
Estado
4 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I, 2006, p.224. 5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2003,
p.93. 6 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I, 2004, p. 288.
7 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Campinas: Millennium, 2000, p. 03.
É o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados em um território
determinado e submetidos à autoridade de um poder público soberano,
que lhes dá autoridade orgânica.8
Estado Puerperal
A mulher, em conseqüência das circunstâncias do parto, referentes à
convulsão, emoção causada pelo choque físico etc., pode sofrer
perturbação de sua saúde mental. O Código fala em influência do estado
puerperal. Este é o conjunto das perturbações psicológicas e físicas
sofridas pela mulher em face do fenômeno do parto.9
Fato Típico
Fato típico é o comportamento humano (positivo ou negativo) que
provoca um resultado (em regra) e é previsto na lei penal como
infração.10
Infanticídio
Segundo o disposto no art. 123 do Código Penal podemos definir o
infanticídio como a ocisão da vida do ser nascente ou do neonato,
realizada pela própria mãe, que se encontra sob a influência do estado
puerperal.11
Partícipe
Partícipe é o agente que, embora não pratique atos executórios, concorre
de qualquer modo para o resultado. Partícipe, assim, é o que pratica um
8 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 553. 9 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva,
2004, p. 106. 10 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.
154. 11 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 5 ed. São Paulo:
Saraiva, 2005, p.99.
ato que contribuiu para a realização do crime, ato este diverso do
realizado pelo autor ou autores.(...)12
Sociedade
[...] o homem, desde que nasce e durante toda a existência, faz parte,
simultânea ou sucessivamente, de diversas instituições ou sociedades,
formadas por indivíduos ligados pelo parentesco, por interesses materiais
ou por objetivos espirituais. Elas têm por fim assegurar ao homem o
desenvolvimento de suas aptidões físicas, morais e intelectuais, e para isso
lhe impõem certas normas, sancionadas pelo costume, a moral ou lei.13
Tipicidade
É a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral
correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo
descritivo constante da lei (tipo legal).(...)14
12 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. I. 37 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003,
p.212. 13 AZAMBUJA. Darcy. Teoria Geral do Estado. 44 ed. São Paulo: Globo, 2003, p.1. 14 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 7ed. Saraiva: São Paulo,
2004, p. 174.
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................... XII
INTRODUÇÃO ................................................................................. 13
CAPÍTULO 1 .................................................................................... 16
DO DIREITO DE PUNIR ...................................................................... 16 1.1 DA SOCIEDADE..............................................................................................16 1.1.1 DA ORIGEM DA SOCIEDADE ..............................................................................16 1.2 DO ESTADO ....................................................................................................22 1.2.1 DA ORIGEM DO ESTADO ...................................................................................22 1.3 O PODER DO ESTADO....................................................................................28 1.4 DA ORIGEM DO DIREITO DE PUNIR...............................................................32
CAPÍTULO 2 .................................................................................... 38
DO CONCEITO DE CRIME AOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO TIPO PENAL ...................................................................................... 38 2.1 DO CRIME.......................................................................................................38 2.1.1 DO CONCEITO FORMAL ....................................................................................39 2.1.2 DO CONCEITO MATERIAL ...................................................................................40 2.1.3 DO CONCEITO ANALÍTICO .................................................................................41 2.2 DO FATO TÍPICO ............................................................................................43 2.2.1 DA CONDUTA ..................................................................................................43 2.2.2 DO RESULTADO ................................................................................................46 2.2.3 DA RELAÇÃO DE CAUSALIDADE ..........................................................................47 2.2.4 DA TIPICIDADE .................................................................................................50 2.3 DA ANTIJURIDICIDADE ..................................................................................53 2.4 DA CULPABILIDADE .......................................................................................56 2.4.1 TEORIA PSICOLÓGICA DA CULPABILIDADE ...........................................................57 2.4.2 TEORIA PSICOLÓGICO-NORMATIVA DA CULPABILIDADE ........................................58 2.4.3 TEORIA NORMATIVA PURA DA CULPABILIDADE......................................................59 2.5 DOS ELEMENTOS DA CULPABILIDADE...........................................................60 2.5.1 DA IMPUTABILIDADE..........................................................................................60 2.5.2 POTENCIAL CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE ..............................................................61 2.5.3 DA EXIGIBILIDADE DE CONDUTA CONFORME O DIREITO .........................................62
CAPÍTULO 3 .................................................................................... 64
DA CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO ............................. 64 3.1 DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ....................................................64
3.2 DO CONCURSO DE PESSOAS........................................................................65 3.2.1. DO AUTOR .....................................................................................................68 3.2.2 DO PARTÍCIPE ..................................................................................................69 3.3 DA CO-AUTORIA............................................................................................70 3.4 DA COMUNICABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE DE CONDIÇÕES E CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES........................................................................73 3.4.1 DA INCOMUNICABILIDADE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DE CARÁTER PESSOAL....................76 3.5 DO INFANTICÍDIO ..........................................................................................77 3.5.1 DA OBJETIVIDADE JURÍDICA ...............................................................................79 3.5.2 DOS SUJEITOS ATIVO E PASSIVO ..........................................................................80 3.5.3 DO ESTADO PUERPERAL......................................................................................81 3.6 DA CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO ...........................................84
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 88
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ................................................ 93
RESUMO
Esta Monografia realizada com base em pesquisa
científica teve por escopo a intenção de investigar, pesquisar e
compreender o contexto da Co-autoria no Crime de Infanticídio, na
esfera do Direito Penal. Nessa perspectiva, buscou-se apresentar uma
evolução histórica do direito de punir, que teve como ponto de partida a
origem da sociedade e do Estado, bem como do poder do Estado para
finalmente tratar do direito de punir em si. Em um segundo momento,
tratou-se do conceito de crime e os elementos constitutivos do tipo penal.
Desmembrou-se o conceito de crime em formal e analítico, para
posteriormente abordar sobre o fato típico, sobre a antijuridicidade e
sobre a culpabilidade, no que tange sob o ponto de vista das teorias
existentes na doutrina penal. Por fim, tratou-se do concurso de pessoas no
crime de infanticídio, dando-se ênfase aos conceitos de autor, co-autor e
partícipe para se chegar à comunicabilidade e incomunicabilidade das
circunstâncias de caráter pessoal nos crimes próprios.
INTRODUÇÃO
O direito tem despertado no homem o interesse na
proteção dos seus que lhes são mais caros, entre eles, a vida e a
liberdade.
Objeto de tutela do direito penal, a liberdade tem
sofrido situações quando mal utilizada pelo homem, mas sempre na
defesa da boa convivência social, moral e os bons costumes.
Estas condutas, tipificadas como crime, normalmente
referem-se a fatos realizados por uma única pessoa. Contudo, o fato
punível pode ser obra de vários agentes associados ou não, mas, com
finalidade única. Esta reunião de pessoas no cometimento de infração
penal da origem ao que a doutrina chama de co-delinqüência e que o
legislador penal de 1984 chamou de concurso de pessoas.
É esta participação coletiva na prática da infração
penal que foi o tema escolhido para este trabalho, embora, relacionado
apenas ao crime de infanticídio, onde reside célebre polêmica sobre a
punição a ser aplicada se, idêntica a autor, co-autor e partícipe ou se
para aqueles que não sendo a mãe a punição deve ser diferenciada.
O assunto é controvertido, levando os operadores do
direito em análise mais aprofundada a admitir que a técnica adotada
pelo código leva a uma aplicação igualitária da lei.
Seguindo os caminhos desta polêmica elabora-se a
situação problema: é permitido no crime de infanticídio, tipo penal criado
14
para favorecer a mãe que mata o filho, logo após o parto, por se
encontrar sob a influência do estado puerperal, com pena mais branda
que a do crime de homicídio se aplicar este privilégio ao co-autor e ou
partícipe?
A hipótese a ser observada neste trabalho é referente
a comunicação das circunstâncias de caráter pessoal do crime de
infanticídio aos os co-autores e partícipes da conduta delituosa.
Assim, este trabalho monográfico tem por objetivos:
institucional, produzir uma monografia para a obtenção de título a
bacharel em direito pela Universidade do Vale do Itajaí; geral, investigar e
analisar a co-autoria no crime de infanticídio; específico, verificar à luz da
doutrina nacional se as regras dos artigos 29 e 30 do Código Penal são
aplicadas conjuntamente, permitindo tratamento penal igualitário a mãe
que mata o filho sob a influência do estado puerperal se estende ao co-
autor e co-partícipe.
Ao capítulo 1 reserva-se uma incursão ao direito de
punir como atribuição dada ao Estado, partindo-se da origem da
sociedade primária, sua formação, evolução e aperfeiçoamento até a
chegada do Estado como ente jurídico detentor do poder de protegê-la
e da incumbência de punir aquele que contra ela se insurge com o
objetivo de perturbar a paz social.
Parte-se, portanto, do estudo da origem da sociedade
na velha, mas sempre atual discussão de se ela é fruto de um
desenvolvimento natural ou se resulta de um acordo de vontades. No
entanto, o que importa é que ela aí está; dinâmica, conflitiva, que
15
necessita de um ente que a organize e que detenha o poder que dela
emana para organizá-la e livrá-la de uma usurpação despótica
convivência harmoniosa de seus membros. O ente jurídico ver-se-á, é o
Estado o detentor do direito de punir, não de forma absoluta, mas sim,
dentre os limites estabelecidos pela lei. Daí a necessidade de se diferir
com clareza os comportamentos que devem ser proibidos e, portanto,
elevados à condição de crime.
Assim, reserva-se ao capítulo 2 o estudo sobre o que é
o crime, o tipo penal, seus elementos constitutivos, as teorias que informam
ou que discutem a estrutura e a própria estrutura do crime.
Parte-se então de sua conceituação sob o tríplice
aspecto formal, material e analítico iniciando pelos conceitos da
tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade até se chegar à conduta
como elemento constitutivo do fato típico e dela às teorias que procuram
dar sustentação à imputabilidade a alguém do fato que agrediu o
organismo social e puni-lo conforme os parâmetros estipulados em lei.
No terceiro capítulo a pesquisa se ocupará do
concurso de pessoas no crime de infanticídio, dando-se ênfase aos
conceitos de autor, co-autor e partícipe para se chegar à
comunicabilidade e incomunicabilidade das circunstâncias de caráter
pessoal nos crimes próprios.
Para atingir este objetivo valer-se-á da doutrina penal
brasileira utilizando-se para a confecção do relatório a técnica de
fichamento e os métodos indutivo e dedutivo.
16
CAPÍTULO 1
DO DIREITO DE PUNIR
1.1 DA SOCIEDADE
1.1.1 Da Origem da Sociedade
Inicia-se o presente trabalho, tendo como ponto de
partida a origem da sociedade. O homem nasceu livre, e desde os
tempos primitivos este zela para manter essa liberdade, reagindo contra
qualquer forma de agressão, sendo que essa defesa vem da própria
natureza do ser humano.
A vida em sociedade traz inúmeros benefícios ao
homem, fazendo com que este, desde o seu nascimento, sempre tenha
vivido em conglomerados sociais, sendo que o conjunto desses grupos
sociais formam a sociedade.
Azambuja15 ensina que:
[...] o homem, desde que nasce e durante toda a
existência, faz parte, simultânea ou sucessivamente, de
diversas instituições ou sociedades, formadas por indivíduos
ligados pelo parentesco, por interesses materiais ou por
objetivos espirituais. Elas têm por fim assegurar ao homem o
desenvolvimento de suas aptidões físicas, morais e
intelectuais, e para isso lhe impõem certas normas,
sancionadas pelo costume, a moral ou lei.
15 AZAMBUJA. Darcy. Teoria Geral do Estado, 2003, p.1.
17
Muitas são as teorias que sustentam o surgimento da
sociedade. Algumas são adeptas à idéia da sociedade natural, outras,
opondo-se a este posicionamento sustentam que a sociedade é um
produto de acordo de vontades, não passando de um contrato
celebrado entre os homens.16
Com base no pensamento da sociedade natural
pode-se afirmar que o mesmo se faz presente entre os pensadores da
sociedade e, no século IV a.C., Aristóteles17 já dizia que “o homem é
naturalmente um animal político".
Neste sentido, interpretando o pensamento de
Aristóteles, encontramos a afirmação de Dallari18: “Para o filósofo grego, só
um indivíduo de natureza vil ou superior ao homem procuraria viver isolado
dos outros homens sem que a isso fosse constrangido”.
Neste sentido, merece destaque também o
ensinamento de Filomeno19, ao lecionar que “conforme nos ensina
Aristóteles, em sua Política, o homem é o politikon zoon, ou seja, animal
gregário, não se o concebendo senão vivendo em contato permanente
com outros homens em vida gregária”.
Estes são alguns dos argumentos apresentados pela
teoria de que a sociedade é um fato natural, pelo motivo de que o
agrupamento de alguns homens se dá pelo instinto de sociabilidade que
16 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 24 ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p. 9 e 12.
17 ARISTÓTELES. A Política. Tradução de Ivan Lins. Rio de Janeiro: de Ouro, 1965, p. 9.
18 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2003, p.10.
19 FILOMENTO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política. - 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 23.
18
todos possuem, afinal o ser humano enquanto espécie não nasceu para
viver de forma isolada.
O ser humano isoladamente não é capaz de realizar
seus objetivos de vida completamente. Na procura dos seus objetivos
pessoais, querem sejam eles materiais, sentimentais ou espirituais, o
homem se relaciona com os outros seres humanos do grupo no qual está
inserido, contribuindo para a formação da coletividade ou de um
agrupamento denominado de sociedade20.
Contrariando a teoria de que a sociedade é natural,
encontramos diversos doutrinadores que defendem a sociedade como
um acordo de vontade entre os homens, sendo este realizado através de
um contrato, podendo os autores adeptos a este seguimento ser
denominados como contratualistas.21
Os contratualistas afirmam que somente a vontade
humana justifica a existência da sociedade, pois cada indivíduo possui o
livre arbítrio para escolher viver ou não em sociedade. Denota-se, porém,
que dentro desta corrente, há uma diversidade muito grande de opiniões.
Neste seguimento, pode-se observar o disposto por
Dallari22 quando explica o entendimento de Platão, o mais antigo dos
contratualistas, no livro “A República”:
[...] se faz referência a uma organização social construída
racionalmente, sem qualquer menção à existência de uma necessidade natural.
20 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 1999, p. 12.
21 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 2003, p.12.
22 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 2003, p.12.
19
O que se tem, na verdade, é a proposição de um modelo ideal, à semelhança
do que fariam mais tarde os utopistas do século XVI [...].
Ainda Dallari23, explica que para Hobbes:
[...] os homens, no estado de natureza, são egoístas,
luxuriosos, inclinados a agredir os outros e insaciáveis,
condenando-se, por isso mesmo, a uma vida solitária,
pobre, repulsiva, animalesca e breve. Isto é o que acarreta,
segundo sua expressão clássica, a permanente “guerra de
todos contra todos”.
A partir deste momento é que os homens celebram o
contrato, ou seja, a mútua transferência de direitos, estabelecendo-se
então, a sociedade. Senão vejamos o que nos explica Dallari24:
[...] E é por força desse ato puramente racional que se
estabelece a vida em sociedade, cuja preservação,
entretanto, depende da existência de um poder visível, que
mantenha os homens dentro dos limites consentidos e os
obrigue, por temor ao castigo, a realizar seus compromissos
e à observância das leis da natureza anteriormente
referidas. Esse poder visível é o Estado, um grande e robusto
homem artificial, construído pelo homem natural para a sua
proteção e defesa.
E ainda ensina Rousseau25:
Suponho que homens tenham chegado àquele ponto em
que os obstáculos prejudiciais à sua conservação no estado
de natureza sobrepujam, por sua resistência, as forças que
cada indivíduo pode empregar para se manter nesse
estado. Então, esse estado primitivo já não pode subsistir, e
23 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, 2003, p.13.
24 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 2003, p.13 e 14. 25 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. Tradução: Antonio de
Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.20.
20
o gênero humano pereceria se não mudasse seu modo de
ser.
Entre as diversas teorias e dentro destas, os diversos
entendimentos e opiniões o que não entra neste conflito de idéias é o fato
de que a família foi o primeiro modelo das sociedades políticas.
Explica-se pelo fato dos filhos ficarem presos ao pai
pela necessidade de conservação de sua existência, porém, após
adquirirem independência permanecem no grupo familiar de forma
voluntária, mas não natural.26
Rousseau27, neste sentido prelaciona que:
A mais antiga de todas as sociedades, e a única natural, é
a da família. Ainda assim, os filhos só permanecem ligados
ao pai enquanto necessitam dele para própria
conservação. Assim que essa necessidade cessa, dissolve-se
o vínculo natural.
A sociedade é toda espécie de organização das
ações dos seres humanos com vistas à concretização de certas
finalidades e, esta organização se dá por meio da existência, no próprio
grupo social de determinadas normas que regulam o convívio dos seus
membros28.
Uma sociedade só existe se a convivência dos seus
membros se der de maneira harmoniosa. Para tanto, se faz necessário,
determinação de certas regras controladoras e disciplinadoras das ações
humanas com vista a assegurar direitos a cada indivíduo, assim como, a 26 ROUSSEAU, Jean - Jacques. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.10.
27 ROUSSEAU, Jean - Jacques. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.10.
28 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 1999, p. 12.
21
imposição de obrigações a serem respeitadas por todos os sujeitos
formadores do grupo social29.
Cabe salientar que a vida em sociedade traz muitos
benefícios ao homem, porém, cria limitações que de alguma forma ou de
outra acabam atingindo a liberdade dos indivíduos. Desta maneira, o
homem descobre os princípios que deve seguir para superar o estado de
natureza e estabelecer o estado social.
Nesta premissa, leciona Azambuja30:
[...] o homem sempre viveu em sociedade. A sociedade só
sobrevive pela organização, que supõe a autoridade e a
liberdade como elementos essenciais; a sociedade que
atinge determinado grau de evolução, passa a constituir um
Estado. Para viver fora da sociedade, o homem precisaria
estar abaixo dos homens ou acima dos deuses, como disse
Aristóteles, e vivendo em sociedade ele natural e
necessariamente cria a autoridade e o Estado.
Nos dias de hoje o Estado é a instituição imbuída a
proporcionar e garantir a paz e tranqüilidade da sociedade. Para que
esta atribuição seja possível, o Estado exerce o poder delegado pelos
membros da sociedade que compõe e dá base. Na busca deste objetivo,
o Estado, em nome da sociedade, elabora as normas disciplinadoras da
vida em sociedade, além de buscar a efetiva aplicação destas normas.
Cabe, portanto ao Estado, garantir a ordem pública e garantir a tutela
dos direitos e obrigações dos sujeitos no convívio social.
29 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 1999, p. 19.
30 AZAMBUJA. Darcy. Teoria Geral do Estado. 2003, p.108 e 109.
22
1.2 DO ESTADO
1.2.1 Da Origem do Estado
Para analisar a origem do Estado deve-se
primeiramente abordar a sua denominação. A palavra Estado deriva do
latim status, que significa estar firme, vinda da Renascença,
caracterizando uma situação permanente de convivência e ligada à
sociedade política.31
O aparecimento deste termo, conforme ensina
Menezes32:
[...] deve-se a Maquiavel (1649 – 1527) a inclusão desse
termo na literatura política, por meio, em pleno século XVI,
de seu tão celebrizado II Príncipe, escrito em 1513 [...] e em
cujo início se lê, como primeira frase, o seguinte: “Todos os
estados, todos os domínios que tiveram têm poder sobre os
homens, são estados e são ou repúblicas ou principados”.
Não se confundem Estado e Sociedade. Os objetivos
do Estado são os de ordem e defesa social em busca de um bem público,
diferentemente de outras organizações.
Ainda leciona Anderson de Menezes33:
Esta passa a constituir o Estado que, sem ser a maior de
todas as sociedades, possui sobre as outras uma supremacia
indisfarçável, decorrente especialmente da
compulsoriedade que lhe é privativa e que se bifurca em
dois fatores positivos: a obrigação de em sua jurisdição o
31 MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1992. p.
41.
32 MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. 1992, p. 41.
33 MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. 1992, p. 41
23
homem permanecer e, em aí ficando, não poder resistir à
sua força coercitiva. Tal atributo é inerente ao Estado, dele
não dispondo as demais sociedades, cujas atividades, de
resto, se organizam e desenvolvem dentro do Estado, que,
com sua sanção, as regula e disciplina, podendo favorecê-
las ou não, suprimindo-as inclusive.
Sobre o Estado discorre Silva34:
É o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados
em um território determinado e submetidos à autoridade de
um poder público soberano, que lhes dá autoridade
orgânica.
O Estado é, na verdade, o fruto da reunião dos seres
humanos com o objetivo de alcançar interesses em comum, por meio dos
quais, os homens, em seu convívio em sociedade, procuram alcançar os
seus objetivos. O Estado é o mais alto estágio da vida em sociedade, no
qual estão inseridos diversos grupos sociais que se interagem
reciprocamente nas mais diversas áreas e na defesa dos mais variados
interesses, mas, que no entanto, devem objetivar o interesse maior que é o
bem comum da coletividade35.
Hobbes36, em sua obra Leviatã menciona que:
[...] Todos devem submeter suas vontades à vontade do
representante e suas decisões à sua decisão. Isso é mais do
que consentimento ou concórdia, pois resume-se numa
verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma
pessoa, realizada por um pacto de cada homem com
todos os homens, de modo que é como se cada homem
dissesse a cada homem: “Cedo e transfiro meu direito de 34 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2004, p. 553.
35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 1999, p. 29. 36 HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil.
São Paulo: Matin Claret, 2002, p.130 e 131.
24
governar a mim mesmo a este homem, ou a esta
assembléia de homens, com a condição de que transfiras a
ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as
suas ações”. Feito isso, à multidão assim unida numa só
pessoa se chama Estado, em latim civitas.
Muitas são as teorias que explicam a origem do Estado,
sendo que muitas delas são consideradas matrizes pensamentais e outras
como simples estilo requintado.37
No tocante ao seu surgimento, alguns autores afirmam
que o Estado esteve sempre presente, já que o ser humano desde o seu
surgimento sobre a Terra, viveu em bandos, grupos, ou seja, em uma
integração social, nos quais sempre havia um líder, que exercia seu poder
por meio da força38.
Uma outra corrente possui o entendimento de que a
sociedade humana existiu durante um determinado período sem o Estado,
sendo o Estado, resultado dos anseios e necessidades dos membros e dos
grupos sociais.
Sobre o mesmo referente, ou seja, o surgimento do
Estado, uma terceira corrente se posiciona no sentido de que o Estado
somente pode ser considerado como tal, por força da sociedade política
e, portanto, sua origem se dá no século XVII com o surgimento da idéia de
soberania.39
Ao se tratar do Estado como reflexo do desejo
humano, tem-se que “com intensidade diversa conforme o 37 MENEZES, Anderson de. Teoria Geral do Estado. 1992, p. 77
38 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 52.
39 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 53.
25
desenvolvimento social e a mentalidade de cada grupo, o instinto social
leva ao Estado, que a razão e a vontade criam e organizam”.40
Existem três modos de nascimento do Estado; o
originário, o secundário e o derivado, sendo que estes modos se
desdobram em diversas teorias e casos específicos.41
A formação do Estado pode ocorrer pela forma
originária, ou seja, do próprio meio nacional, sem nenhuma dependência
de fator externo. Isso ocorre através de um agrupamento homogêneo,
estabelecido em território, sendo que este organiza seu governo e
apresenta condições de ordem política.42
Dentro da teoria da formação originária do Estado, há
diversas classificações. A corrente que prega a idéia da formação natural
ou espontânea do próprio Estado, explica que o Estado se originou de
maneira natural e não por um ato voluntário do ser humano. Por outro
lado existem correntes cujo pensamento apontam para a formação
contratual do Estado, que sustentam a teoria de que o Estado surgiu
através da vontade de alguns, ou todos os seres humanos, partindo para a
idéia da criação contratualista.43
O Estado pode ainda ter como fontes originárias as
chamadas teorias não-contratualistas, onde se verifica diversas correntes
dentro desta mesma teoria.
40 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2003, p. 03.
41 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p.41.
42 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 1993, p.41.
43 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54.
26
A primeira corrente afirma que o surgimento partiu da
teoria da família ou patriarcal, como anteriormente apontado, de modo
que o Estado se formou com a reunião de diversas famílias. 44
Outro entendimento é de que este se originou através
de atos de força, de violência ou de conquista, baseados no uso da força
e da violência tendo como conseqüência a superação, através da
conquista de um determinado grupo social forte sobre outro grupo social
fraco. 45
A terceira teoria afirma que sua origem é ligada as
causas econômicas ou patrimoniais, ou seja, o Estado teria como origem a
necessidade humana de tirar proveito das benesses resultantes do
trabalho dos homens.46
A última teoria a ser analisada é a da origem no
desenvolvimento interno da sociedade, ou seja, o Estado é fruto da
capacidade de todos os mais variados grupos sociais que atingiram um
certo desenvolvimento capaz de atender a complexidade do próprio
Estado e, por fim, o Estado pode originar-se do desmembramento de um
Estado maior, dando origem a outros Estados menores, cada um com sua
soberania interna e externa sobre um novo território47.
44 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54.
45 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54.
46 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54.
47 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 54-55-56.
27
Quanto ao modo secundário de formação do Estado
se pode resumir em dois aspectos. O primeiro trata quando o Estado se
desmembra para formar outros.48
Azambuja49, explicando o pensamento de Bluntschli
assim descreve:
[...] para distinguir este modo da anexação ou posse de
território por Estados ou povos estrangeiros, que o
fracionamento deve ser por impulso interno, como por
exemplo quando duas ou mais nações, precariamente
unidas sob um mesmo Estado, se separam e formam Estados
nacionais independentes.
A segunda modalidade defende a hipótese de vários
Estados se unirem, através de confederação, federação, união pessoal e
união real para formar um novo Estado, transformado-o em uma nova
organização política.50
O Estado também pode ser constituído pela forma
derivada, ou seja, pela divisão ou fracionamento de um determinado
Estado51. Conforme esta modalidade o Estado surge em conseqüência de
movimentos exteriores, sendo eles a colonização, a concessão dos direitos
de soberania e o ato de governo.52
Independentemente desta ou daquela classificação o
certo é, que a mais importante finalidade do Estado, é a social,
48 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2003, p. 110.
49 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2003, p. 110.
50 AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do Estado. 2003, p. 110.
51 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado. 2003, p. 53.
52 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 1993, p.44.
28
entendendo-a como as ações que, decorrentes do dever de agir do
Estado em proteção à sociedade, esta criadora daquela, o Estado deve
praticar para valorizar o homem em busca do bem comum ou interesse
coletivo53.
Outrossim, se verifica que o Estado é, portanto, uma
sociedade, pois é formado por grupos de indivíduos organizados, em
busca de um objetivo comum. Com base em sua organização em normas
de Direito Positivo, hierarquizado na forma de governantes e governados,
em busca de um bem público para todos, podemos também chamá-lo
de sociedade política.54
1.3 O PODER DO ESTADO
Preliminarmente, é necessário abordar genericamente
o termo “poder” em seu sentido etimológico55, ou seja, a palavra “poder”
tem sua origem no verbo latino “posse” cujo significado remete à idéia de
autorizado, ser permitido, dar autoridade, facultar, ter autoridade56.
Verificada a origem do termo, usualmente entende-se
que o poder é “a imposição real e unilateral de uma vontade”57, que em
53 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 1993, p. 309.
54 AZAMBUJA. Darcy. Teoria Geral do Estado. 2003, p. 2.
55 ETIMOLOGIA. 1. O estudo da origem das palavras. 2. Origem duma palavra. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. – 4. ed. – rev. e ampl. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 300.
56 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, 2004, p. 1049.
57 SALVATTI NETO, Pedro. Curso de teoria do Estado. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 04.
29
via de regra se dirige à determinada pessoa ou grupo de pessoas que, por
sua vez, se vêem impedidas ou incapazes de expressar qualquer reação58.
Dallari59 explicando o pensamento de BURDEAU afirma
que: “O Estado é poder, e por isso seus atos obrigam; mas ele é poder
abstrato, e por isso não é afetado pelas modificações que atingem seus
agentes”.
O poder se firma ou se materializa por meio da
coação, que pode ser, física ou moral, que por sua vez, gera a autoridade
que se traduz no respeito que os sujeitos coagidos têm em relação ao
detentor do poder que pode ser uma pessoa, uma entidade ou um
órgão60.
No entendimento de Luhmann61:
O poder gera sua capacidade de transmissão através da
aptidão a influenciar a seleção de ações (ou omissões)
diante de outras possibilidades. O poder se faz maior
quando consegue impor-se também diante de alternativas
atrativas para o agir ou omitir. Ele só é passível de aumento
em conjunto com o fomento das liberdades por parte dos
súditos do poder.
O poder, em qualquer das suas formas, revela a
potência persuasiva de quem o detêm, cujo resultado é, se não outro, a
obtenção de condutas daqueles aos quais o poder se destina, condutas
58 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política,
2000, p.127. 59 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria geral do Estado, 2003, p. 109.
60 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política, 2000, p.127.
61 LUHMANN, Niklas. Poder. Tradução de Martine Creusot de Rezente Martins. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985, p. 09.
30
estas, que se adaptam à vontade do poderoso. É um ato de domínio da
vontade, do desejo de um ou de uns, sobre outros indivíduos ou grupos de
indivíduos, que o aceitam por medo ou por não terem força ou
capacidade para se desvencilhar da manipulação ideológica imposta
pelo detentor do poder62.
O poder de uma maneira geral é a determinação da
vontade de uma pessoa ou entidade, que para se manifestar e exercer a
sua autoridade necessita essencialmente do consentimento, voluntário ou
forçado, daqueles ao qual o poder se destina e isto se dá em razão do
discernimento dos próprios destinatários do poder de que a sua
obediência é de fundamental para que a harmonia social se mantenha63.
Um aspecto importante na abordagem da temática
que envolve a análise do poder é, sem sombra de dúvidas as formas
como o poder é exercido no meio social, uma vez que o poder não é um
objeto natural, uma coisa; mas sim uma prática ou resultado do meio
social e, desta maneira, consubstancia-se ao longo do tempo. Em sendo
assim, o poder assume algumas nuances, como, por exemplo, o poder
social, o poder político, o poder econômico, entre tantas outras formas, no
entanto, as duas formas de poder que interessam a este trabalho, são o
poder social e o poder político e, serão abordados a seguir64.
O poder social é a manifestação de todo e qualquer
espécie de grupo social, através do qual se tem a exteriorização dos
62 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e Estado contemporâneo. Florianópolis:
Diploma Legal, 2001, p. 55.
63 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política, 2000, p.129.
64 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política, 2000, p.129.
31
desejos e anseios dos membros que compõem determinada sociedade,
que visa a defesa dos interesses e a manutenção da harmonia entre os
sujeitos que convivem coletivamente é, por assim dizer “um universo da
existência social”65. Este poder social pode ser encontrado em diversos
seguimentos sociais, como, por exemplo, nas associações recreativas; em
associações comerciais, sindicais, profissionais; religiosas; entre outros66.
O poder político se origina do estabelecimento ou
solidificação do próprio poder social através da organização política da
sociedade expressa através do Estado. O Poder estatal é a manifestação
do desejo da sociedade que o forma, e o exercício do poder político é,
na verdade a maneira pela qual o Estado impõe o seu poder soberano
aos membros da sociedade a qual ele representa. Este poder político
estatal, embora soberano, é limitado, ou seja, o poder estatal não é
amplo a ponto de se tornar um fim em si mesmo, uma vez que o Estado,
em sua concepção ideológica, visa o bem estar da coletividade que o
forma e dá sustentação67.
A importância do poder político, concentrado no
Estado e em suas instituições, se externa através das ações de seus órgãos,
instituídos pela norma constitucional, que regulamenta o funcionamento
do Estado e lhe dá a forma material necessária a sua existência. É através
do exercício do poder político que o Estado edita e aplica as normas, quer
sejam na esfera constitucional ou infraconstitucional, que irão disciplinar a
vida em sociedade e garantir desta forma, a soberania do Estado em 65 LUHMANN, Niklas. Poder, 1985, p. 75.
66 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política, 2000, p.129.
67 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política. 2000, p.129-130.
32
face aos seus administrados e em face de outros Estados. Daí a
importância de se ter em mente que o poder político é a ferramenta por
meio do qual o Estado procura, por meio da geração do Direito, atender
a sua principal finalidade, qual seja, a de levar o bem estar e a harmonia
à sociedade da qual se originou68.
Este poder político atribui ao Estado a exclusividade e
o monopólio de elaborar o ordenamento jurídico a ser aplicado aos seus
administrados. Trata-se de um poder de decretar o Direito Positivado que
se coloca sobre todos os interesses privados, através do qual o Estado
exerce a sua soberania sobre os seus administrados.
Quando o tratamento se refere ao ordenamento
jurídico penal, por se tratar de norma de interesse público, cabe, nos
Estados Modernos, somente ao ente jurídico estatal a função jurisdicional
de tutelar e aplicar o Direito Material (Direito Penal), garantindo aos seus
administrados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
Este exercício da função jurisdicional do Estado
somente é possível, mediante a utilização do Processo Penal, que é o
instrumento pelo qual, o Estado se manifesta em prol da sociedade em
face daqueles que venham a cometer uma conduta tida como delituosa.
1.4 DA ORIGEM DO DIREITO DE PUNIR
Os interesses individuais e as inúmeras necessidades
fizeram com que o homem substituísse em sua conduta o instinto pela
68 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do Estado e ciência política.
2000, p.130.
33
justiça e conferisse às suas ações a moralidade que antes lhe faltava. Isso
se caracteriza pela passagem do estado de natureza ao estado civil.
No estado de natureza o homem possuía uma
liberdade natural, bem como um direito ilimitado. Posteriormente, ou seja,
no estado civil, ele caba abdicando de tudo isso para possuir uma
liberdade civil, que é limitada pela vontade geral e ganha a propriedade
de tudo o que possui.69
Beccaria70, em sua obra Dos Delitos e das Penas assim
leciona:
Fatigados de só viver em meio a temores e de encontrar
inimigos em toda a parte, cansados de uma liberdade cuja
incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma
parte dela para usufruir do restante com mais segurança.
O meio encontrado para que a garantia da segurança
não se perdesse foi abrir mão de uma parcela da liberdade, em busca de
um objetivo comum que era o bem público.
Explicava Rousseau que a renúncia à liberdade é o
mesmo que perder os direitos da humanidade, sendo que não existe
nenhuma reparação para quem toma essa atitude, sendo esse ato
totalmente divergente da natureza do homem.71
69 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.26.
70 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2001, p.19.
71 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.15.
34
Em seu pensamento, Rousseau72 prega que a
liberdade individual foi sacrificada em razão da busca da força e enfatiza
que a força do mais forte está no direito moral fundado na razão e na
obediência em dever e que o ser humano em ceder à força, está
cedendo por ato de necessidade, não de vontade; quando muito, ato de
prudência.
Essa passagem do estado de natureza para o estado
civil, substituiu na conduta do ser humano o instinto pela justiça e criou a
moral, obrigando o homem a agir com sua razão no lugar da força física.73
Rousseau74 afirma que:
O que o homem perde no contrato social é a liberdade
natural e um direito ilimitado a tudo quanto deseja e pode
alcançar; o que ele ganha é a liberdade civil e a
propriedade de tudo o que possui.
[...]
[...] em vez de destruir a igualdade natural, o pacto
fundamental substitui, ao contrário, por uma igualdade
moral e legítima aquilo que a natureza poderia trazer de
desigualdade física entre os homens e, podendo ser
desiguais em força ou em talento, todos se tornam iguais
por convenção e de direito.
Contudo, voluntária e gratuitamente ninguém cede
parte de sua liberdade tendo o bem público como o único objetivo
comum. Isso ocorre somente com a necessidade que o ser humano
72 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Lourdes Santos Machado.
1. ed. São Paulo: Abril S.A. 1973, p. 31. 73 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p. 26. 74 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p. 26 e 30.
35
encontra em proteger seus interesses, sendo que com a reunião das
diversas parcelas de liberdade cedidas é que se concretiza o fundamento
do direito de punir em si.75
Rousseau76, em sua obra O contrato Social, salienta
ainda que na medida em que os seres humanos encontram dificuldades
que atrapalham a sua sobrevivência, vão percebendo que isoladamente,
mesmo utilizando-se das suas forças, não conseguem manter a
conservação no estado de natureza, e automaticamente agregam-se
formando um conjunto de forças admitindo a falência deste estado.
Ainda escreve Rousseau77:
Vê-se, por essa fórmula, que o ato de associação encerra
um compromisso recíproco do público com os particulares,
que cada indivíduo, contratando, por assim dizer, consigo
mesmo, acha-se comprometido numa dupla relação, a
saber: como membro do soberano em face dos particulares
e como membro do Estado em face do soberano.
Neste mesmo sentido, Reale78 afirma que “a soberania
é uma expressão da vontade geral, a qual, por sua vez, é a expressão do
eu comum e se concretiza na legislação de um povo”.
Motesquieu79, em sua obra Espírito das Leis, leciona
que:
75 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2001, p.19.
76 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. 1973, p.37.
77 ROUSSEAU, J. –J. O Contrato Social: princípios do direito político. 1998, p.23.
78 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p.180. 79 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. Tradução: Fernando Henrique Cardoso e
Leôncio Martins Rodrigues. Do Espírito das Leis. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural. 1979, p.27.
36
O direito das gentes diz respeito a todas as sociedades e
que existe um direito político para cada uma, pois sem um
governo nenhuma sociedade pode existir, vez que a
reunião de todas as forças individuais forma o Estado
Político.
Conclui-se desta forma que o fato social é o início da
formação do Direito, sendo que este parte das necessidades das
sociedades, que se regulam por ele para que possam sobreviver.80
Senão vejamos o entendimento de Damásio81:
Contra a prática desses fatos o Estado estabelece sanções,
procurando tornar invioláveis os bens que protege. Ao lado
dessas sanções o Estado também fixa outras medidas com
o objetivo de prevenir ou reprimir a ocorrência de fatos
lesivos dos bens jurídicos dos cidadãos. [...]
Assim, o homem despoja de seu direito de defesa em
favor da sociedade e do Estado, que o exerce em favor da coletividade e
em busca de um bem comum, nascendo assim o Direito de Punir.82
Discorre sobre o direito de punir, Marques83:
É o direito que tem o Estado de aplicar a pena cominada
no preceito secundário da norma penal incriminadora,
contra quem praticou a ação ou omissão descrita no
preceito primário, causando um dano ou lesão jurídica, de
maneira reprovável.
Mas este direito de punir faz surgir a necessidade de se
definir de que forma esse direito será exercido.
80 JESUS, Damásio E. Direito Penal – Parte Geral. 22. ed. Vol. I São Paulo: Saraiva, 2003, p.3. 81 JESUS, Damásio E. Direito Penal – Parte Geral. Vol. I. 2003, p.3. 82 ROUSSEAU, Jean Jacques. Do Contrato Social. 1973, p.41.
83 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal, 2000, p. 03.
37
Portanto, o direito de punir que se concede ao Estado
não o é de forma ilimitada, mas sim, dentro dos princípios e dos limites
estabelecidos pela lei.
Dessa forma, é a lei que iria dizer quais são os bens
jurídicos que merecem por parte do Estado a proteção da lei e quais as
condutas que merecem a reprimenda desta.
Nasce assim aquilo que se define como crime e quais
as conseqüências que advirão para aqueles que praticam tais
comportamentos, daí, a necessidade de se conhecer o que é o crime.
38
CAPÍTULO 2
DO CONCEITO DE CRIME AOS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO TIPO PENAL
2.1 DO CRIME
A essência do conceito de crime é puramente jurídica,
porém, diversos são os conceitos e concepções de crime dados por
estudiosos do Direito Penal. O Código Penal Brasileiro não traz nenhuma
definição expressa de crime, ficando a cargo dos doutrinadores a
importante tarefa de definirem a conceituação adequada.
Em seu artigo 1º, a Lei de Introdução do Código
Penal84 Brasileiro traz um conceito de crime de maneira formal, explicando
somente quais as penas que correspondem ao crime e à contravenção
penal. Senão vejamos:
Considera-se crime a infração penal a que a lei comina
pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer
alternativamente ou cumulativamente com a pena de
multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina,
isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou
ambas, alternativa ou cumulativamente.
Diante de tal diapasão, fica a cargo dos doutrinadores
definirem mais detalhadamente o conceito de crime. Assim, diante de tal
conceito jurídico, alguns doutrinadores definem o ilícito penal em três
sistemas de conceituação do crime: para atender o aspecto externo, ou
84 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 2003, p.93.
39
seja, do ponto de vista da lei, obtemos o sistema formal; observando a
razão pela qual levou o legislador a determinar o fato punível, consegue-
se uma visão material, e analisando as características e aspectos do crime
obtêm-se uma definição analítica do crime.
Outrossim, passa-se a analisar separadamente cada
sistema de conceituação de crime.
2.1.1 Do Conceito Formal
Quando se fala no aspecto formal, conceituamos o
crime do ponto de vista da aparência externa. Siqueira85 explica que
“Crime do ponto de vista formal, é o comportamento humano, proibido
pela norma penal, ou, simplesmente, a violação desta norma”.
Fragoso86 conceitua o crime sob o sistema formal
como sendo toda ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça de
pena.
Já Mirabete87 diz que todas as definições apresentadas
sob sistema formal, não se aprofundam no conceito de crime.
Essas definições, entretanto, alcançam apenas um dos
aspectos do fenômeno criminal, o mais aparente, que é a
contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, sua
ilegalidade como fato contrário à norma penal. Não
penetram, contudo, em sua essência, em seu conteúdo, em
sua “matéria”.
85 SIQUEIRA, Galdino. Tratado de direito penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: j. Konfino,
1950, t.1, p.229.
86 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p.144.
87 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 21. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004, p.95.
40
Outrora, denota-se das concepções acima
mencionadas, que estas não são suficientes para entender o conceito de
crime de forma aprofundada, pois não tratam de aspectos essenciais do
ilícito penal.
2.1.2 Do conceito material
Os estudiosos do Direito Penal procurando aprofundar-
se no conceito de crime constroem conceitos substanciais, que referem-se
a razão que levou o legislador a prever a punição dos autores de certos
fatos e não de outros. Nesta premissa, ensina Mirabete88 que também é
analisado o critério utilizado para distinguir os ilícitos penais de outras
condutas lesivas.
Neste sentido explica Jesus89 no tocante ao conceito
material de crime:
O conceito material do crime é de relevância jurídica, uma
vez que coloca em destaque o seu conteúdo teleológico, a
razão determinante de constituir uma conduta humana
infração penal e sujeita a uma sanção. É certo que sem
descrição legal nenhum fato pode ser considerado crime.
Todavia, é importante estabelecer o critério que leva o
legislador a definir somente alguns fatos como criminosos.
Neste mesmo diapasão Fragoso90 leciona que:
O crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador,
contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo
social, de modo a exigir seja proibida sob ameaça de pena,
88 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.95 e 96.
89 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.151.
90 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 1991, p.144.
41
ou que se considera afastável somente através da sanção
penal.
Verifica-se que a definição material de crime refere-se
a essência, ao comportamento humano, aos valores do corpo social e a
ofensa aos interesses importantes da sociedade. Tal conceituação é de
extrema importância, conforme nos demonstra Teles91:
A importância dos conceitos substanciais é essa:
fundamentar e limitar a atividade do legislador no momento
da construção das figuras que deseja proibir sob a ameaça
da pena criminal. Não pode, pois, o legislador construir
definições de crime que não constituam graves lesões ou
ameaças de lesões a bens jurídicos de grande importância.
Todavia, ocorre que a maioria dos doutrinadores ainda
considera insuficientes e incompletos os conceitos materiais de crime,
podendo este ser atacável, afinal, nem todas as condutas humanas
consideradas criminosas são daquelas que comprometem as condições
de existência da sociedade.
2.1.3 Do conceito analítico
Outro conceito apresentado pelos doutrinadores é o
analítico, também conhecido como doutrinário ou dogmático. Como
muito bem explica Teles92, “conceituar, analiticamente, o crime é extrair
de todo e qualquer crime aquilo que for comum a todos eles, é descobrir
suas características, suas notas essenciais, seus elementos estruturais”.
91 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. vol. I. Atlas: São Paulo, 2004, p.153.
92 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. vol. I. 2004, p.155.
42
Neste mesmo sentido, leciona Dotti93:
Este conceito é também chamado de dogmático, porque
decompõe os requisitos do fato punível para submetê-los a
uma análise individual, porém inseparável da noção de
conjunto. Trata-se de uma visão dedutiva e sistemática do
fenômeno do delito que se impõe como exigência de
segurança jurídica.
O conceito analítico de crime partiu de uma
construção doutrinária, que atualmente pode ser considerada
incompleta, porém o avanço jurídico deu-se em torno da decomposição
dos elementos que constituem o crime.
Denota-se da obra de Leal94 o seguinte ensinamento:
Até o começo do Século XX a doutrina concebia o crime a
partir de um critério bipartido, constituído de dois elementos:
um objetivo, representado pela ação ou omissão e, outro
subjetivo, representado pela culpabilidade. Em 1906, o
jurista alemão Ernst von Beling, reformulou o conceito
analítico de crime, inserindo um novo elemento: a
tipicidade. O crime passou a ser definido, do ponto de vista
dogmático, como a conduta humana, (ação propriamente
dita ou omissão), típica, antijurídica e culpável. Este
conceito passou a ser entendido como o mais adequado
para definir o crime do ponto de vista técnico-jurídico. É
aceito pela grande maioria dos penalistas.
Contudo, verifica-se que o conceito analítico examina
o crime a partir da contrariedade da lei. Observa o crime em seus
elementos constitutivos decorrentes do próprio sistema jurídico, definindo-o
assim, como ação ou omissão típica antijurídica e culpável.
93 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. 2002, p. 299.
94 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 3 ed. Florianópolis: OAB/SC, 2004, p.184.
43
2.2 DO FATO TÍPICO
Para que haja crime é necessário que exista uma
conduta humana (ação ou omissão). Este comportamento humano,
somado ao resultado, a relação de causalidade e a tipicidade é
considerado um fato típico.
Na visão de Jesus95 tira-se o seguinte ensinamento:
Fato típico é o comportamento humano (positivo ou
negativo) que provoca um resultado (em regra) e é previsto
na lei penal como infração.
Desta maneira, pode-se observar que o fato típico é a
primeira característica do crime, devendo o fato estar enquadrado como
uma infração penal. Além de amoldar-se na lei penal, o fato típico deve
ser composto dos seguintes elementos: conduta, resultado, relação de
causalidade e tipicidade.
Passa-se a análise individual de cada elemento que
compõe o fato típico.
2.2.1 Da conduta
Iniciamos o estudo da conduta como elemento
constitutivo do fato típico analisando o disposto no artigo 13 do Código
Penal Brasileiro96:
Art. 13 – O resultado, de que depende a existência do
crime, somente é imputável a quem lhe deu causa.
95 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I, 2003, p.154.
96 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2003, p.135.
44
Considera-se causa a ação ou omissão se a qual o resultado não teria ocorrido. (grifo nosso)
Denota-se da lei penal que a definição de conduta é
de extrema importância, sendo que esta, é o primeiro elemento do fato
típico, estudada por doutrinadores do Direito Penal sob os seus diversos
pontos. O estudo deste tema traz inúmeras teorias, sendo elas: a teoria
causalista, a teoria finalista e a teoria social da ação.
A teoria causalista defende a idéia de que a conduta
é um puro fator da causalidade, sendo que o comportamento humano,
através da vontade é que dá causa à conduta. Neste sentido ensina
Teles97:
Para o causalismo, a conduta é um comportamento
humano voluntário que se exterioriza e consiste num
movimento ou na abstenção de um movimento corporal.
Essa teoria considera imprescindível que a conduta típica
seja um comportamento voluntário, impulsionado pela
vontade do homem, que se concretiza, torna-se real,
material, por meio de uma ação positiva ou negativa.
Neste mesmo diapasão leciona Mirabete98:
Para a teoria causalista (naturalista, tradicional, clássica,
casual-naturalista) a conduta é um comportamento
humano voluntário no mundo exterior, que consiste em fazer
ou não fazer. É um processo mecânico, muscular e
voluntário (porque não é um ato reflexo), em que se
prescinde do fim a que essa vontade se dirige. Basta que se
tenha a certeza que o agente atuou voluntariamente,
sendo irrelevante o que queria, para se afirmar que praticou
a ação típica.
97 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.166.
98 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.102.
45
Verifica-se que na teoria causalista a conduta da
pessoa é examinada sem ser valorizado o fim pretendido pelo agente,
bastando analisar o comportamento do ser humano.
A segunda teoria a ser analisada é a teoria finalista.
Esta teoria consiste no reconhecimento que toda conduta é um
acontecimento final.
Explica Mirabete99:
Para a teoria finalista da ação (ou da ação finalista), como
todo comportamento do homem tem uma finalidade, a
conduta é uma atividade final humana e não um
comportamento simplesmente causal. Como ela é um fazer
(ou não fazer) voluntário, implica necessariamente uma
finalidade. Não se concebe vontade de nada ou para
nada, e sim dirigida a um fim. A conduta realiza-se
mediante a manifestação da vontade dirigida a um fim. O
conteúdo da vontade está na ação, é a vontade dirigida a
um fim, e integra a própria conduta e assim deve ser
apreciada juridicamente.
Enfim, observa-se do ensinamento de Mirabete100 que
na teoria finalista importa única e exclusivamente a finalidade, ou seja,
somente será considerado um fato típico se havia como fim o resultado
previsto na lei penal como infração. Deve ser analisada a vontade como
ponto de partida para a realização de um tipo legal, pois a finalidade é
parte integrante da conduta.
A última teoria a ser estudada é a teoria social da
ação. Os estudiosos do Direito Penal que defendem esta teria acreditam
99 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.102 e 103.
100 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.170.
46
que as outras duas acima citadas não explicam a ação como um
comportamento social.
Ocorre que muitas são as críticas também voltadas a
esta teoria. O penalista Jesus101 se posiciona da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, ela não deixa de ser causal, merecendo
os mesmos reparos que a doutrina faz à teoria mecanicista:
não resolve satisfatoriamente o problema da tentativa e do
crime omissivo. Por outro lado, se a ação é a causação de
um resultado socialmente importante , como se define a
conduta nos crimes de mero comportamento? Esta teoria,
como a causal propriamente dita, dá muita importância ao
desvalor do resultado, quando o que importa é o desvalor
da conduta. Se a ação é a causação de um resultado
socialmente relevante, então não há diferença entre uma
conduta de homicídio doloso e um comportamento de
homicídio culposo, uma vez que o resultado é idêntico nos
dois casos.
Quando se refere à teoria social da ação, o que possui
valoração é a conduta socialmente relevante. Porém, as críticas voltadas
a esta teoria baseiam-se na dificuldade de conceituar o que seja a
relevância social da conduta no sentido valorativo da mesma. Observa-
se, desta maneira, que de todas as teorias estudadas, a teoria finalista é a
mais aceita entre os doutrinadores e estudiosos de Direito Penal.
2.2.2 Do resultado
O segundo elemento que compõe o fato típico é o
resultado. Novamente existem duas teorias doutrinárias que explicam o
que é o resultado de um crime. São elas: a teoria naturalística e a teoria
normativa.
101 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.233.
47
A teoria naturalística entende que o resultado é a
modificação do mundo causada pela conduta. Neste sentido explica
Teles102:
Segundo esta teoria, o resultado é a modificação do
mundo externo produzida pela conduta, positiva ou
negativa, do agente. É uma entidade natural. [...] É uma
conseqüência física, material, do comportamento do
agente.
Denota-se que o conceito naturalístico do resultado,
como explica Mirabete103, “é a modificação do mundo exterior
provocado pelo comportamento humano voluntário”.
Já a teoria normativa conceitua o resultado, como
bem explica Teles104 como sendo “a lesão ou perigo de lesão do bem
jurídico protegido pela norma penal, pouco importando se a conduta deu
ou não causa a uma modificação do mundo externo a ela”.
Neste mesmo sentido, Jesus105 conceitua juridicamente
que o resultado da conduta é a lesão ou perigo de lesão de um interesse
protegido pela norma penal.
2.2.3 Da relação de causalidade
O nexo de causalidade entre o comportamento do ser
humano (conduta) e a modificação do mundo exterior (resultado) é o
terceiro elemento que compõe o fato típico.
102 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.195.
103 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.110.
104 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.195.
105 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 244.
48
Como a maioria dos temas até aqui estudados, o nexo
causal é mais um que traz diversas teorias que tentam explicá-lo, como
por exemplo, a teoria da eficiência, a teoria da relevância jurídica, a
teoria da causalidade entre outras.
Ocorre, que entre inúmeras teorias o Código Penal
Brasileiro adotou a teoria da equivalência das condições, ou também
conhecida como coditio sine qua non, teoria esta que será brevemente
analisada neste trabalho.
Para que aprofunde-se no estudo da teoria da
equivalência das condições é necessário analisar algumas noções básicas
referentes a este tema. Muito bem explica Teles106 em sua obra Direito
Penal sobre os conceitos que devem ser observados. Senão vejamos:
Causa de uma coisa é aquilo de que esta coisa depende
para existir. [...] Condição é o que permite a uma causa
produzir seu efeito, seja como instrumento ou meio, seja
afastando obstáculos à produção do resultado. Ocasião é
uma circunstância acidental que cria condições que
favorecem a produção do resultado. Concausa é a
confluência ou a concorrência de mais uma causa na
produção de um mesmo resultado.
Depois de analisados os conceitos que deram base
para os doutrinadores de Direito Penal criarem suas teorias com o objetivo
de explicarem o nexo causal entre a conduta e o resultado, adentra-se na
teoria adotada pela lei penal vigente.
Conforme esta teoria, existem outras causas entre a
conduta e o resultado, sendo que a conduta e estas causas são
106 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p.198.
49
consideradas antecedentes causais equivalentes. Todos os antecedentes
do resultado possuem relevância causal, não podendo nenhum ser
excluído da análise.
Neste sentido ensina Capez107:
Para ela, toda e qualquer conduta que, de algum modo,
ainda que minimamente, tiver contribuído para a produção
do resultado deve ser considerada sua causa. Tudo aquilo
que, excluído da cadeia de causalidade, ocasionar a
eliminação do resultado deve ser tido como sua causa,
pouco importando se, isoladamente, tinha ou não
idoneidade para produzi-lo. Para esta teoria portanto, não
existe qualquer distinção entre causa, concausa, ocasião e
outras que tais: contribuiu de alguma forma é causa.
Apesar de tal teoria ser a adotada pela lei penal
vigente, muitas são as críticas existentes contra esta adoção. Bitencourt108
é um dos doutrinadores que questiona o fato de que a teoria da
equivalência das condições leva, sem limites, a causa, sendo que todos os
agentes das condições anteriores responderiam pelo crime. Vejamos seu
posicionamento:
Na verdade, se remontarmos todo o processo causal,
vamos descobrir que uma série de antecedentes bastante
remotos foram condições indispensáveis à ocorrência do
resultado. No exemplo clássico do homicida que mata a
vítima com um tiro de revólver, evidentemente sua conduta
foi necessária a produção do evento; logo é causa. Mas o
comerciante que lhe vendeu a arma também foi
indispensável na ocorrência do evento; então também é
causa. Se remontarmos ainda mais, teríamos que considerar
107 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I, 2004, p. 145.
108 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 8 ed. Saraiva: São Paulo, 2003, p.182.
50
causa a fabricação da arma, até os pais do criminoso, que
o geraram, seriam causadores.
Conseqüentemente, por ser de uma amplitude imensa,
a teoria da equivalência das condições continua recebendo críticas,
porém cabe ao operador jurídico basear-se única e exclusivamente na
conduta do agente, afinal, somente será causador de um crime quem
agir com a vontade de realizar, ou contribuir para a realização de um tipo
penal.
2.2.4 Da tipicidade
Para analisarmos a tipicidade, primeiramente devemos
observar o conceito previsto para tipo. Tal expressão é de origem alemã,
mais precisamente da palavra tatbestand, sendo o modelo de
comportamento humano, que segue uma conseqüência, que constitui,
posteriormente, o fato proibido.109
Sobre o conceito de tipo, leciona Capez110 no seguinte
sentido:
O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da
reserva legal. Na medida em que a Constituição brasileira
consagra expressamente o princípio de que “não há crime
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal” (art. 5º, XXXIX), fica outorgada à lei a
relevante tarefa de definir, isto é, de descrever os crimes. De
fato, não cabe à lei penal proibir genericamente os delitos,
senão descreve-los de forma detalhada, delimitando, em
termos precisos, o que o ordenamento entende por fato
criminoso.
109 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p. 204. 110 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 174.
51
Passada a análise, partimos para o estudo da
tipicidade, iniciada com o ensinamento de Capez111, em sua obra Direito
Penal Geral.
É a subsunção, justaposição, enquadramento,
amoldamento ou integral correspondência de uma
conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo
constante da lei (tipo legal). Para que a conduta humana
seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um
tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida
real e, de outro, o tipo legal de crime constante da lei
penal. A tipicidade consiste na correspondência entre
ambos.
Podemos concluir que a tipicidade é a adequação da
conduta ao modelo legal, sendo a partir dela que saberemos se uma
conduta pode ou não constituir um fato punível. Verificamos que é uma
decorrência do princípio da reserva legal, onde deve ser observado se
determinado comportamento da conduta humana se enquadra de forma
exata na definição legal de crime.
Outrossim, a tipicidade está intimamente ligada ao
tipo, sendo que este último, como anteriormente explicado, é a descrição
abstrata da ação proibida ou permitida, possuindo duas funções: garantia
e fundamento da antijuridicidade.
A função de garantia surge do princípio da reserva
legal, ou seja, da legalidade do crime.
Destarte, podemos compreender o seguinte
ensinamento de Bitencourt112:
111 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 176.
52
O tipo de injusto é a expressão mais elementar, ainda que
parcial, da segurança decorrente do princípio da reserva
legal. Todo cidadão, antes de realizar um fato, deve ter a
possibilidade de saber se sua ação é ou não punível.
Já a função fundamento da antijuridicidade restringe-
se a indicar que determinada conduta cometida pelo ser humano é
expressamente proibida, definido com precisão o fato típico.
Neste norte também explica Teles113:
A segunda função dos tipos é indicar que a conduta por ele
definida é proibida, ilícita, contrária ao ordenamento
jurídico. Diz-se, pois, que sua função é indiciária da ilicitude.
Podemos, partindo desta análise, concluir que as
funções do tipo, dividem-se em duas fases, sendo que a primeira ocupa-se
em definir quais são as condutas que são contrárias ao ordenamento
jurídico, seguindo posteriormente a premissa de que o indivíduo saiba a
proibição que encontra-se positivada.
Cabe ressaltar, que também se faz necessário
passarmos a análise da antijuridicidade, devendo ficar claro a diferença
existente entre esta e a tipicidade. Vejamos o entendimento de Jesus114:
O crime constitui uma figura unitária em que se revelam um
fato típico e a ilicitude. A culpabilidade funciona como
elemento de ligação entre o crime e a pena. Assim, por
mais diferentes que sejam os seus característicos
conceituais, não é tão rígido o limite entre a tipicidade,
antijuridicidade e culpabilidade. O ilícito e a culpabilidade
se subordinam ao tipo, isto é, certas características 112 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2003, p. 202. 113 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. Atlas: São Paulo, 2004, p.204. 114 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.267.
53
acidentais daqueles se subordinam à figura típica, sem que
se confundam. Por outro lado, não há antijuridicidade penal
sem tipicidade. Não há falar-se em ilicitude penal sem que o
fato esteja previsto como infração pela lei, pois é esta que
cria a norma da proibição.
Para finalizar o tópico ora em comento, se faz oportuno
lembrar que a tipicidade não possui um conceito meramente formal,
afinal o tipo penal jamais poderá existir sem o conteúdo material, sendo
que este é o que justifica a positivação da lei.
Assim, resta findado o estudo sobre os elementos do
fato típico, ou seja, à conduta humana, o resultado, a relação de
causalidade e a tipicidade, concluindo que, para que haja a existência
de crime em nosso ordenamento jurídico é necessário que,
conjuntamente, exista o fato típico somado a antijuridicidade, tema este
que passaremos a expor.
2.3 DA ANTIJURIDICIDADE
Compondo os elementos que constituem o crime
passamos ao estudo da antijuridicidade, também conhecida como
ilicitude, que juntamente com a tipicidade e a culpabilidade compõe a
conduta contrária ao direito.
A antijuridicidade limita-se a caracterização negativa
do fato, ou seja, a conduta cometida pelo agente deve ser contrária ao
ordenamento jurídico, sendo que, somente será antijurídica tal conduta
quando esta não for expressamente declarada ilícita.
54
Neste norte segue o ensinamento de Mirabete115:
Existem, entretanto, na lei penal ou no ordenamento jurídico
em geral, causas que excluem a antijuridicidade, que será
excluída se houver uma causa que elimine sua ilicitude. (...)
A antijuridicidade, como elemento de análise conceitual o
crime, assume, portanto, o significado de “ausência de
causas excludentes de ilicitude”. A antijuridicidade é um
juízo de desvalor que recai sobre a conduta típica, no
sentido de que assim o considera o ordenamento jurídico.
Esta relação de contrariedade entre o fato típico e o
ordenamento jurídico também é muito bem explicada por Jesus116. Senão
vejamos:
Antijuridicidade é a relação de contrariedade entre o fato
típico e o ordenamento jurídico. A conduta descrita em
norma penal incriminadora será ilícita ou antijurídica
quando não for expressamente declarada lícita. Assim, o
conceito de ilicitude de um fato típico é encontrado por
exclusão: é antijurídico quando não declarado lícito por
causas de exclusão da antijuridicidade.
Denota-se dos ensinamentos acima citados que
quando estiver presente alguma causa de exclusão, pode-se dizer que o
fato é típico, porém não antijurídico, não podendo classificá-lo como
crime pelo fato de não existir um dos elementos necessários para a sua
configuração.
A posição doutrinária frente as espécies de
antijuridicidade diverge entre muitos autores, porém, neste trabalho nos
115 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2004, p.173. 116 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.155.
55
fixaremos somente na diferenciação da antijuridicidade formal e da
antijuridicidade material.
A antijuridicidade formal é aquela em que todo
comportamento humano viola a lei penal, sendo, neste caso, a
contradição entre o fato praticado pelo agente e a norma de proibição,
podendo as vezes ser confundida com a tipicidade.
Vejamos o entendimento de Capez117:
Mera contrariedade do fato ao ordenamento legal (ilícito),
sem qualquer preocupação quanto à efetiva
perniciosidade social da conduta. O fato é considerado
ilícito porque não estão presentes as causas de justificação,
pouco importando se a coletividade reputa-o reprovável.
A antijuridicidade material pode ser considerada
aquela existente na conduta humana que fere um interesse tutelado pela
norma.
Desta forma devemos analisar o conceito apresentado
por Bitencourt118:
A antijuridicidade material, por sua vez, se constitui da lesão
produzida pelo comportamento humano que fere o
interesse jurídico protegido, isto é, além da contradição da
conduta praticada com a previsão da norma, é necessário
que o bem jurídico protegido sofra a ofensa ou a ameaça
potencializada pelo comportamento desajustado.
117 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 254. 118 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2003, p. 242.
56
Destarte, concluímos o comentário sobre as espécies
de antijuridicidade com o posicionamento de Jesus119 frente ao assunto
abordado.
[...] não existe a ilicitude formal. Existe um comportamento
típico que pode ou não ser ilícito em face do juízo de valor.
Em suma, a antijuridicidade é sempre material, constituindo
a lesão de um interesse penalmente protegido.
Assim, percebe-se que a ilicitude penal é mais uma
modalidade de conduta humana descrita no Código Penal, devendo ser
analisada sob os dois aspectos anteriormente descritos (formal e material),
sendo antagônica entre a conduta humana voluntária e o ordenamento
jurídico positivo causando lesão ou expondo a perigo de lesão um bem
jurídico tutelado.
2.4 DA CULPABILIDADE
Passamos a análise do último elemento que compõe o
crime, a culpabilidade. A culpa é um pressuposto da punibilidade, afinal,
para que ocorra a existência do tipo legal de crime é necessária que além
da conduta típica e antijurídica, esteja presente também a culpabilidade
do agente.120
Historicamente a concepção jurídica de culpa leva em
consideração valores morais adotados pela sociedade que estabelecem
padrões de comportamento para que haja harmonia no convívio entre os
seres humanos. A culpa resta presente nas ações e omissões que atingem
119 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 358.
120 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 1998, p. 267.
57
de forma negativa o bem jurídico maior do grupo social, indo de encontro
aos valores éticos praticados pela sociedade.
Para melhor entender o último elemento de
constituição do crime, devem ser analisadas as teorias que tratam a
respeito da culpabilidade e responsabilização do agente. São elas: teoria
psicológica, teoria psicológico-normativa e teoria normativa pura.
2.4.1 Teoria Psicológica da Culpabilidade
A teoria psicológica visualiza a culpabilidade de forma
natural, defendendo que esta se encontra na relação psíquica do autor
com o seu fato, ou seja, entre a conduta e o resultado. O nexo psicológico
entre a conduta e o resultado se finda no dolo e na culpa, sendo estes as
duas espécies de culpabilidade.121
Explica Capez122 sobre a teoria psicológica da
culpabilidade:
A conduta é vista num pano puramente naturalístico,
desprovida de qualquer valor, como simples causação do
resultado. A ação é considerada o componente objetivo do
crime, enquanto a culpabilidade passa a ser o elemento
subjetivo, apresentando-se ora como dolo, ora como culpa.
Pode-se, assim, dizer que para essa teoria o único
pressuposto exigido para a responsabilização do agente é a
imputabilidade aliada ao dolo ou à culpa.
Apesar desta teoria mostrar a conduta entendida do
ponto de vista causal, natural, considerando apenas a causa do resultado
a ilicitude, e a culpabilidade como nexo psíquico entre o fato e o agente
121 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 460. 122 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004. p. 286.
58
(dolo e culpa), muitas são as críticas feitas a esta teoria, não sendo, por
esta razão, aceita.
2.4.2 Teoria Psicológico-Normativa da Culpabilidade
Esta teoria surgiu em 1907, quando o jurista alemão
Reinhard Frank inovou, alegando que a culpabilidade era vista como
censurabilidade da conduta típica e antijurídica. Frank verificou que o
dolo (psicológico) e a culpa (normativa) não poderiam ser espécies de
culpabilidade, pois percebeu que existiam condutas dolosas não
culpáveis.
Vejamos o ensinamento de Jesus123 no que tange ao
entendimento sobre a teoria psicológico-normativa da culpabilidade:
O sujeito que mata em estado necessário age dolosamente.
Sua conduta, porém, não é culpável, uma vez que, diante
da inexigibilidade de outro comportamento, não se torna
reprovável. Então, somente em casos de dolo, como
também em fatos culposos, o elemento caracterizador da
culpabilidade é a reprovabilidade. Quando é inexigível
outra conduta, embora tenha o sujeito agido com dolo ou
culpa, o fato não é reprovável, não se torna culpável.
Assim, a culpabilidade passou a ser analisada além do
elemento psicológico, ou seja, passou a ser analisada também sob o
ponto de vista do elemento normativo, surgindo, desta forma, a
culpabilidade psicológico-normativa, onde o dolo é o fator psicológico e
a exigibilidade o fator normativo.124
123 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 460. 124 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 1998, p. 269.
59
Para que houvesse justificativa nas ações em que o
agente dava causa ao resultado com dolo ou culpa, porém não podia ser
punido, foram exigidos por esta teoria, requisitos que deveriam ser
preenchidos para a admissão de pressupostos para a culpabilidade.
Sendo eles: a imputabilidade; o dolo e a culpa; e a exigibilidade de
conduta diversa.125
Destarte, esta teoria também é muito criticada pela
doutrina pelo fato de o dolo e a culpa serem elementos de conduta e
não de culpabilidade, sendo que, o dolo, por ser um fator psicológico,
que sofre um juízo de valoração, deveria ser elemento normativo.
2.4.3 Teoria Normativa Pura da Culpabilidade
Esta teoria nasceu com a teoria finalista da ação,
tendo como defensor Welzel. A doutrina tem como entendimento
majoritário que a teoria normativa pura da culpabilidade é a mais
adequada, pois, recebe a culpa como reprovabilidade da conduta ilícita,
ou seja, o dolo não pode permanecer dentro do juízo de culpabilidade.
Ensina Capez126:
Assim, em vez da imputabilidade, dolo ou culpa e
exigibilidade de conduta diversa, a teoria normativa pura
exigiu apenas imputabilidade e exigibilidade de conduta
diversa, deslocando dolo e culpa para a conduta. O dolo
que foi transferido para o fato típico não é, no entanto, o
normativo, mas o natural, composto apenas de consciência
e vontade. A consciência da ilicitude destacou-se do dolo e
passou a constituir elemento autônomo, integrante da
125 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2003, p. 461. 126 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 288.
60
culpabilidade, não mais, porém, como consciência atual,
mas possibilidade de conhecimento do injusto.
Denota-se do ensinamento de Jesus que cabe ao
magistrado decidir se o agente é imputável ou não, observando do ponto
de vista ético jurídico. Desta forma, a culpa e o dolo deixam de serem
vistos como elementos da culpabilidade para serem integrantes do tipo-
penal.
2.5 DOS ELEMENTOS DA CULPABILIDADE
O Código Penal Brasileiro enumera como elementos da
culpabilidade a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a
exigibilidade de conduta diversa. Passaremos a um breve comentário
sobre cada um destes elementos para melhor compreensão da
culpabilidade como requisito para a existência do crime.
2.5.1 Da Imputabilidade
Para que haja o preenchimento do elemento
imputabilidade é necessário que o agente possua capacidade psíquica
de entendimento da conduta que está cometendo, bem como a
consciência e a vontade. Considera-se imputabilidade a capacidade
psíquica. Senão vejamos o entendimento de Capez127:
É a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento. O agente
deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de
saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só.
Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter
totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras
palavras, imputável é não apenas aquele que tem 127 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 289.
61
capacidade de intelecção sobre o significado de sua
conduta, mas também de comando da própria vontade,
de acordo com esse entendimento.
Conclui-se que o que fundamenta a imputabilidade é
a capacidade de compreensão do caráter ilícito do fato típico, sendo
que além de ser elemento também é pressuposto da culpabilidade, não
existindo culpa jurídico-penal senão preenchido tal elemento.
2.5.2 Potencial Consciência da Ilicitude
Além do requisito da imputabilidade também se faz
necessário o preenchimento do segundo elemento que compõe a
culpabilidade, a potencial consciência da ilicitude ou também conhecido
como o potencial conhecimento da ilicitude.
Este requisito da culpabilidade tem como norte o fato
de que ninguém poderá deixar de cumprir a lei pelo motivo de não a
conhecer. O conhecimento da ilicitude é exigência de caráter prático,
sendo de extrema relevância para a segurança da ordem jurídica.128
Neste sentido explica Leal129:
Exige-se do agente, no momento em que se pratica o fato
típico, a consciência do caráter antijurídico deste, ou ao
menos, que tenha tido a possibilidade de alcançar esse
conhecimento. Cabe ao juiz, ao estabelecer o juízo de
reprovabilidade, determinar se o agente tinha ao menos a
possibilidade de conhecer a natureza ilícita de sua conduta.
Denota-se do ensinamento de Leal que o requisito do
potencial conhecimento da ilicitude baseia-se no conhecimento da 128 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Vol. I. 2004, p. 303. 129 LEAL, João José. Direito Penal Geral. 1998, p. 271.
62
antijuridicidade da conduta do agente, ou seja, este deve saber que sua
conduta é ilícita perante o ordenamento jurídico. Porém, a consciência
da ilicitude é uma valoração que reflete sobre a ótica social da vida em
comunidade, cabendo ao juiz definir se o agente possuía ou não este
conhecimento. Somente se quando o agente incorre em erro quanto à
ilicitude cometida terá sua culpabilidade excluída.
2.5.3 Da Exigibilidade de Conduta conforme o Direito
O terceiro e último elemento que compõe a
culpabilidade e será abordado no presente trabalho é o da exigibilidade
de conduta conforme o direito. Não basta somente a imputabilidade e a
possibilidade de conhecimento da ilicitude. Mister se faz necessário a
presença deste terceiro elemento.
Ocorre quando o sujeito poderia ter agido de forma
contrária à conduta que o fez praticar o fato típico, ilícito e antijurídico.
No entendimento de Teles130 verifica-se que:
Para que o sujeito imputável seja reprovado, não basta que
tenha a possibilidade de conhecer a ilicitude do fato típico
e ilícito realizado, é preciso que, nas circunstâncias, tivesse a
possibilidade de comportar-se de acordo com o Direito e
não como se conduziu. Ainda que tivesse conhecimento
real, ou, pelo menos, a possibilidade de entender a ilicitude,
é necessário verificar se era possível agir de outro modo.
Esta possibilidade, de agir de outro modo, é outro juízo de
valor que o juiz faz a cerca da conduta do agente, e
denomina-se exigibilidade de conduta diversa.
130 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. I. 2004, p. 296.
63
A exigibilidade de conduta conforme o direito é
elemento indispensável para reprovar a conduta do agente, sendo que se
o agente não puder agir de outra maneira senão aquela impetrada, a
culpabilidade como um todo não existirá.
Assim, observa-se que se o sujeito agiu conforme as
condições psíquicas (imputabilidade), se estava em condições de
compreender a ilicitude de sua conduta (potencial de conhecimento da
ilicitude), se era possível exigir conduta diversa daquela empreendida pelo
agente (exigibilidade de conduta conforme o direito) resta evidenciada a
culpabilidade pelo preenchimento de todos os seus elementos.
Finaliza-se o estudo realizado no que tange ao
conceito de crime, bem como, aos elementos constitutivos do tipo penal,
passando para análise dos crimes dolosos contra a vida com enfoque no
crime de infanticídio, onde se observará com mais clareza todo o
ensinamento até aqui exposto através da conduta ilícita tipificada na
norma penal.
64
CAPÍTULO 3
DA CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO
3.1 DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA
Antes de adentrarmos à exposição particularizada da
co-autoria no crime de infanticídio, oportuno se faz mencionar,
inicialmente, sobre os crimes dolosos contra a vida.
A vida é o objeto de proteção abrangido pela lei
penal, ou seja, é o bem jurídico resguardado na forma da pessoa
humana, que se inicia com a sua formação, atingindo tanto a vida intra
como a extra-uterina.
No que se refere ao direito à vida, prevê o artigo 5º da
Constituição Federal de 1988131:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] (grifo nosso)
Observa-se conforme a regra, que a vida é tutelada
pela Constituição Federativa do Brasil de 1988, sendo, portanto valor
constitucional supremo, pois da vida humana é de onde brotam todos os
131 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 35 ed. atual e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2005, p. 5.
65
demais direitos de personalidade, imprescindíveis à realização do ser
humano enquanto pessoa.
Disserta sobre o tema Teles132:
O direito à vida é inviolável, e cabe ao Estado protegê-lo de
todas as agressões possíveis. [...] A proteção que o Direito
concede à vida não é, todavia, absoluta. Não pode,
porque impossível, protegê-la de todos os ataques,
mormente naturais. [...] O Direito não protege a vida de
modo absoluto, também porque é o mesmo Direito que
permite sua destruição, em situações específicas, como é o
caso da legítima defesa e do estado de necessidade.
Cabe ressaltar que, os crimes contra a vida, quanto ao
seu elemento subjetivo, podem ser dolosos, culposos, ou preterdolosos,
sendo que no presente trabalho, somente o primeiro elemento será
abordado de forma específica no crime de infanticídio.
Tendo sido remetido breves considerações acerca da
vida como bem jurídico e valor constitucional supremo, mister se faz
abordar o crime de infanticídio, conforme o Código penal em vigor,
destacando-se o aspecto da co-autoria e da participação.
3.2 DO CONCURSO DE PESSOAS
Para adentrarmos na co-autoria de forma específica se
deve anteriormente abordar alguns aspectos inerentes ao concurso de
pessoas.
Dispõe o artigo 29 do Código Penal133:
132 TELES, Ney Moura. Direito Penal: parte geral. Vol. II. Atlas: São Paulo, 2004, p. 44 e 45.
66
Art. 29 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime
incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade.
§ 1º Se a participação for de menor importância, a pena
pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime
menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena
será aumentada até metade, na hipótese de ter sido
previsível o resultado mais grave.
A prática de um crime geralmente consiste na
conduta de uma única pessoa que pratica ato ilícito, contrário ao
ordenamento jurídico, que conduz a um resultado danoso. Ocorre que, a
infração penal também pode ser praticada por mais de uma pessoa,
sendo que a concorrência de várias condutas para determinada prática
delituosa apresenta-se como concurso de pessoas.
Vários são os motivos que podem justificar o concurso
de pessoas, podendo ser simplesmente para garantir a execução do
delito, bem como para abonar a impunidade dos agentes que
concorreram para o evento danoso.
A propósito, oportunas são as considerações de
Mirabete134:
Há na hipótese, convergência de vontades para um fim
comum, que é a realização do tipo penal, sendo
dispensável a existência de um acordo prévio entre várias
pessoas; basta que um dos delinqüentes esteja ciente de
133 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2003, p.262 134 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I., 2006, p.224.
67
que participa da conduta de outra para que se esteja
diante do concurso.
Outrossim, informa-se que o concurso de pessoas pode
se dar de duas formas: o concurso necessário e o concurso eventual.
Entretanto, é de extrema importância que seja diferenciada as
modalidades.
Os delitos unissubjetivos são os crimes cometidos por
um único agente, sendo que, quando cometidos por mais de uma pessoa
configura-se o concurso eventual de agentes. Já, os delitos plurissubjetivos
são os que exigem a participação de mais de uma pessoa, onde a
pluralidade de agentes constitui norma incriminadora e elemento do tipo
ocorrendo neste caso o chamado concurso necessário.
Leciona Jesus135 sobre as modalidades de concurso:
Cuida-se do concurso necessário no tocante aos crimes
plurissubjetivos. Fala-se em concurso eventual quando,
podendo o delito ser praticado por uma só pessoa, é
cometido por várias. No primeiro, o concurso de pessoas é
descrito pelo preceito primário da norma penal
incriminadora, enquanto no segundo não existe essa
previsão. Quando a pluralidade de agentes é elemento do
tipo, cada concorrente respondem pelo crime, mas este só
se integra quando os outros contribuem para a formação
da figura típica.
Entretanto, não basta somente observarmos o
concurso necessário e o concurso eventual. É indispensável que sejam
analisados os conceitos de autor e partícipe, para finalmente
135 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I, 2005, p. 406.
68
compreendermos a co-autoria na forma de realização do concurso de
pessoas.
3.2.1. Do autor
Em busca de uma melhor conceituação em torno da
figura do autor da infração delituosa, a doutrina diverge e aponta diversas
orientações, pelo fato da lei penal não esclarecer de forma clara tal
conduta.
Não adentraremos nas teorias que conceituam a
autoria (teoria extensiva, teoria restritiva e teoria do domínio fato),
restringindo-se somente a citá-las e preocupando-se com os conceitos
trazidos pela doutrina.
Com relação à autoria ensina Mirabete136:
Autor é quem realiza diretamente a ação típica, no todo ou
em parte, colaborando na execução (autoria direta), ou
quem a realiza por meio de outrem que não é imputável ou
não age com culpabilidade (autoria mediata).
No mesmo sentido explica Jesus137:
É o que mata, provoca o aborto, induz alguém a suicidar-se,
constrange, subtrai, seqüestra, destrói, seduz ou corrompe,
praticando o núcleo do tipo. É também autor quem realiza
o fato por intermédio de outrem (autor mediato) ou
comanda intelectualmente o fato (autor intelectual).
Depreende-se dos ensinamentos abordados que o
autor é o agente que executa a ação prevista na legislação penal na sua
136 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2006, p.224. 137 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 407.
69
forma literal, ou seja, a ação descrita pelo verbo contido na figura típica
delitiva.138
3.2.2 Do partícipe
Outra figura a ser estudada no presente trabalho
monográfico relacionada ao concurso de pessoas é o do partícipe. O
partícipe, apesar de não exercer a conduta principal na atividade
delituosa, auxilia os autores de forma secundária, contribuindo de alguma
forma para o resultado danoso.
Somente haverá participação quando existir a
presença obrigatória de um autor do fato delituoso.
Comenta Noronha139 sobre o tema acima enfatizado
que:
Partícipe é o agente que, embora não pratique atos
executórios, concorre de qualquer modo para o resultado.
Partícipe, assim, é o que pratica um ato que contribuiu para
a realização do crime, ato este diverso do realizado pelo
autor ou autores. Sua conduta, ainda que não típica, incide
nas penas cominadas ao crime por ser acessória ou
subordinada à considerada no tipo. É que, na defesa dos
interesses sociais, a lei amplia o âmbito do delito para
compreender não só a ação que integra a figura delitiva
como também outras que a ela se agregam e são
necessárias para sua efetivação.
Ainda sobre a participação discorre Jesus140:
138 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. I. Saraiva, 2003, p.212. 139 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. I. 2003, p.212. 140 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005. p. 411.
70
Dá-se a participação propriamente dita quando o sujeito,
não praticando atos executórios do crime, concorre de
qualquer modo para a sua realização (CP, art. 29). Ele não
realiza a conduta descrita pelo preceito primário da norma,
mas realiza uma atividade que contribui para a formação
do delito. Chama-se partícipe. Assim, partícipe, na doutrina
do domínio do fato, é quem efetiva um comportamento
que não se adapta ao verbo do tipo e não tem poder de
decisão sobre a execução ou consumação do crime. São,
pois, características da participação: 1.ª) a conduta não se
amolda ao núcleo da figura típica (o verbo); 2.ª) o partícipe
não tem nenhum poder diretivo sobre o crime, não possui o
domínio finalista do fato. Contribui, por intermédio de
conduta acessória, para a concretização do
comportamento típico, mediante induzimento
(determinação), instigação ou auxílio material (a chamada
cumplicidade).
O artigo 29 do Código Penal, conforme descrito
anteriormente, não expressa tipicamente a conduta praticada pelo
partícipe, sendo somente encontrada tal definição nos parágrafos do
mesmo artigo, que enquadram a participação no crime praticado pelo
autor do ato ilícito.
Desta forma, conclui-se que a participação consiste
em tomar parte, em contribuir, cooperar na conduta delitiva do autor,
estando a responsabilidade dos partícipes ligada à dos autores, ou seja,
pode-se dizer que a participação é sempre acessória de um injusto alheio,
dependendo da existência de um fato principal.
3.3 DA CO-AUTORIA
A co-autoria é a própria autoria no crime, sendo que a
modalidade da co-autoria eventual será o foco do terceiro capítulo para
71
que possa ser compreendido o assunto principal de que trata este
trabalho monográfico, a co-autoria no crime de infanticídio.
Assim sendo, são oportunas as colocações de Dotti 141
quanto a conceituação da co-autoria antes de dar início as
considerações pertinentes a esta forma de participação no crime. Senão
vejamos:
Existe co-autoria quando duas ou mais pessoas físicas
realizam, por si ou por intermédio de outrem não culpável, o
verbo contido no tipo de ilícito. Cada co-autor é um autor
e, portanto, deve se revestir das características exigíveis
para a autoria.
A co-autoria eventual, de que trata este subtítulo,
pode ser observada nos crimes que podem ser cometidos por uma só
pessoa, ou por uma pluralidade de agentes. Trata-se neste caso, de
crimes monossubjetivos ou unissubjetivos, que quando são praticados por
mais de uma pessoa configuram o concurso eventual de agentes.
Jesus142, sobre o assunto, preconiza que:
Na co-autoria (reunião de autorias), que constitui forma de
autoria, o co-autor realiza o verbo típico ou concretiza parte
da descrição do crime, ainda que, no último caso, não seja
típica a conduta perante o verbo, desde que seja
abarcada pela vontade comum de cometimento do fato. É
a prática comunitária do crime. Cada um dos integrantes
possui o domínio da realização do fato conjuntamente com
outro ou outros autores, com os quais tem plano comum de
distribuição de atividades. Há divisão de tarefas, de
maneira que o crime constitui conseqüência das condutas
141 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 359. 142 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 410.
72
repartidas, produto final da vontade comum. E nenhum
deles é simples instrumento dos outros.
Denota-se do ensinamento acima descrito que, o co-
autor deve ter realizado uma parte necessária à execução, sem a qual
esta não teria se efetivado, ou seja, deve ter ocorrido divisão de tarefas
para que reste configurado o ato delituoso.
De modo análogo, é a conceituação remetida por
Bruno143:
Dá-se a co-autoria, quando vários agentes participam da
realização da ação típica. Atuam, então, de conjunto,
consciente cada um deles da cooperação que presta à
obra comum, e é esta consciência de colaborar em fato
coletivo que constitui o nexo psicológico que unifica as
ações de todos e dá ao resultado o caráter de delito único,
fazendo da hipótese uma das formas da co-delinqüência.
Não há, então, um fato principal de outrem, a que adira,
como acessória, a atividade do co-autor; cada um dos
consortes participa da realização do fato punível na sua
inteira configuração legal.
Ressalta-se ainda que, para a configuração da co-
autoria não se exige que os agentes tenham a mesma conduta e
comportamento, sendo que os atos de execução podem ser diversos,
porém, é necessário que tais atos tenham sido indispensáveis na
realização da infração penal.
A co-autoria pode ser dividida em direta e parcial ou
funcional. Trata-se de co-autoria direta quando todos os agentes que
estão envolvidos no fato delituoso realizam a mesma conduta típica. Já a
143 BRUNO, Aníbal. Direito Penal: parte geral. 4 ed. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 265.
73
co-autoria parcial ou funcional é configurada quando existe a divisão de
tarefas, desde a execução do crime até a sua consumação, sendo que
tais condutas sejam de tal modo necessárias que sem elas o delito não
teria sido cometido.144
A figura do co-autor pode ser classificada em direta,
intelectual e funcional. A primeira ocorre quando um dos agentes
envolvidos no crime executa o verbo contido no tipo penal. Chamamos
de co-autor intelectual aquele que é autor da idéia delituosa, ou seja, o
agente que entre na repartição das tarefas organizou a ato criminoso. E
finalmente, a última figura é a funcional, configurada com a execução de
parte da infração penal.145
Com base nas disposições doutrinárias acima referidas,
tendo como escopo abordar os aspectos informadores no que tange ao
concurso de pessoas passar-se-á à análise da comunicabilidade das
circunstâncias de caráter pessoal.
3.4 DA COMUNICABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE DE CONDIÇÕES E
CIRCUNSTÂNCIAS ELEMENTARES
Antes de se adentrar à exposição teórica acerca da
comunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal, mister se faz
necessário frisar o artigo 30 do Código Penal146: “Art. 30 – Não se
comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo
quando elementares do crime”.
144 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 410 e 411. 145 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 411. 146 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. 2003, p. 262.
74
Após análise do texto legal expresso no artigo 30 do
Código Penal se passa a observação do entendimento trazido por
Jesus147:
Circunstâncias são dados acessórios (acidentais) que,
agregados ao crime, têm função de aumentar ou diminuir a
pena. Não interferem na qualidade do crime, mas sim
afetam a sua gravidade (quantitas delicti). Não se
consideram circunstâncias as causas de exclusão da
antijuridicidade e da culpabilidade.
Oportuno se faz mencionar a distinção entre
circunstâncias e condições pessoais. As circunstâncias pessoais são
elementos que compõe o delito, porém não são essenciais para a
infração penal, servindo somente para moderar a qualidade e a
quantidade da pena. Já as condições pessoais são inerentes ao agente e
se referem a ação material e física do delito, ou seja, estão ligadas a vida
exterior com outros seres e coisas.148
Cabe ressaltar que, não se comunicam entre os
agentes que cometeram a prática delituosa (co-autores e partícipes) as
condições de caráter pessoal, bem como as circunstâncias, sendo que
cada um responderá conforme as suas condições e circunstâncias.
Ocorre que, em linhas pretéritas foi informado que o
texto legal prevê que as circunstâncias de caráter elementar do crime se
comunicam, porém quando se depara com tal legislação se deve
compreender que trata-se de elementos típicos do crime que possuem
ligação.
147 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 438. 148 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. I. 2006, p. 239.
75
Após serem esclarecidos alguns aspectos importantes
para melhor compreensão do que trata este assunto, passa-se a divisão
existente entre as circunstâncias.
As circunstâncias podem ser dividias em: objetivas
(materiais ou reais) e subjetivas (pessoais).
Observa-se o entendimento e conceituação de
Jesus149 no que se refere a divisão das circunstâncias elementares:
Circunstâncias objetivas são as que se relacionam com os
meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião,
lugar, objeto material e qualidades da vítima.
Circunstâncias subjetivas (de caráter pessoal) são as que só
dizem respeito com a pessoa do participante, sem qualquer
relação com a materialidade do delito, como motivos
determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e
relações com a vítima ou com outros concorrentes.
O presente trabalho monográfico se restringe ao
estudo das condições e circunstâncias de caráter pessoal e, baseado nos
conceitos acima elencados, pode extrair-se que estas estão ligadas de
forma intrínseca à natureza subjetiva da circunstância, ou seja, à pessoa
do participante no ato delituoso.
Isto posto, é de salutar relevância que sejam
apresentadas regras estabelecidas, apontadas pela doutrina, que devem
ser observadas quando se refere ao entendimento de que a participação
de cada agente adere à conduta e não à pessoa dos outros
participantes.
149 JESUS Damásio Evangelista de,. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 438.
76
3.4.1 Da incomunicabilidade das circunstâncias de caráter pessoal
A primeira regra é a incomunicabilidade das
circunstâncias de caráter pessoal. Ensina Jesus150 que: “Quando houver
co-autoria ou participação de agentes, os dados inerentes à pessoa de
determinado concorrente não se estendem aos fatos cometidos por
outros participantes.”
Esta regra dispõe que a circunstância de caráter
pessoal é personalíssima, não abrangendo os demais participantes da
infração penal.
Outrossim, existe a regra que as elementares de
caráter objetivo ou pessoal, comunicam-se entre os fatos cometidos pelos
participantes desde que estes tenham consciência de tal elementar, ou
seja, decorre do princípio de que qualquer elemento que integra o fato
típico comunica-se a todos os concorrentes.151
A aplicação do artigo 30 do Código Penal deve
ocorrer de forma conjunta com o texto de lei previsto no artigo 29 da
mesma legislação, quando este se refere que a pena deve ser medida
pela culpabilidade de cada um dos agentes participantes do delito.152
Desta forma, após tecer breves considerações acerca
das condições e circunstâncias elementares do crime de caráter pessoal,
remete-se ao estudo do crime de infanticídio de forma específica.
150 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I. 2005, p. 439. 151 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I, 2005, p. 442. 152 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. Vol. I, 2005, p. 443.
77
3.5 DO INFANTICÍDIO
Inicialmente, antes de se adentrar à questão teórica
abordada pela doutrina referente ao delito de infanticídio, imperioso se
torna observar o texto legal previsto no artigo 123 do Código Penal153:
Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o
próprio filho, durante o parto ou logo após.
Convém esclarecer, para título de informação que o
infanticídio é derivado do latim infanticidium, de infanticida (que mata seu
filho), exprime a morte do filho provocada pela própria mãe. Mas, na
conceituação jurídica, o infanticídio não é posto em sentido literal,
segundo sua origem infans (infante) e caedere (matar).154
No que se refere à conceituação do crime de
infanticídio, discorre Maggiore155:
É morte do infante, durante o parto ou logo após,
provocada pela parturiente. Assim o define a lei brasileira.
Para os comentaristas, o logo após significa enquanto
perdura o estado puerperal (puerpério – puer, menino;
parere, esperar), ou seja, o período que se faz necessário
para que a mulher retorne a seu estado normal. Se morto
por outrem, que não a própria mãe, é qualificado como
homicídio. E se este pela própria mãe, além dos limites
legalmente prefixados, é filicídio.
Comenta Mirabete156 sobre o tema acima, enfatizando
que:
153 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 2003, p.840. 154 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. 2004, p. 738.
155 MAGGIO, Vicente de Paula Rodríguez. Infanticidio. São Paulo: Edipro, 2002, p.14.
78
O infanticídio seria, na realidade, um homicídio privilegiado,
cometido pela mãe contra o filho em condições especiais.
Entendendo o legislador, porém, que é ele fato menos
grave que aqueles incluídos no art. 121, §1º, e na linha de
pensamento de Beccaria e Feuerbach, definiu-o em
dispositivo à parte, como delito autônomo e de
denominação jurídica própria, cominando-lhe pena
sensivelmente menor que a do homicídio privilegiado.
Ainda sobre o tema comenta Capez157:
Segundo o disposto no art. 123 do Código Penal podemos
definir o infanticídio como a ocisão da vida do ser nascente
ou do neonato, realizada pela própria mãe, que se
encontra sob a influência do estado puerperal.
Após ser observado o esclarecimento trazido pela
doutrina, no que tange ao crime de infanticídio, cabe ressaltar que
existem critérios para conceituação legal deste delito, sendo eles: o
psicológico, o fisiopsicológico e o misto.
O critério psicológico era adotado pelo Código Penal
de 1969 e baseava-se no motivo de honra (honoris causa), ou seja, é o
temor da maternidade ilegítima, podendo ser por motivos como uma
gravidez extramatrimonial entre outros.158
Quanto ao critério fisiopsicológico, também conhecido
como critério fisiopsíquico, é o adotado pelo Código Penal vigente e
funda-se na atenuação da pena levando em consideração o estado
156 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 2. 22. ed. São Paulo: Editora Atlas,
2004, p. 88.
157 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. Saraiva, 2005, p.99. 158 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 2. 2004, p. 88.
79
puerperal, ou seja, o desequilíbrio fisiopsíquico da parturiente. Neste
critério, a honra é desconsiderada.159
O último critério em análise é o misto, também
conhecido como critério composto e este é adotado no anteprojeto
Hungria. Neste critério leva-se em consideração tanto o estado puerperal
(até que ponto ele pode influenciar) como o motivo de honra da
parturiente.160
Estabelecidos os critérios para conceituação legal do
crime de infanticídio e verificado que nossa legislação penal vigente
adota o critério fisiopsicológico, passa-se a análise da objetividade jurídica
do delito de infanticídio.
3.5.1 Da objetividade jurídica
O bem jurídico tutelado no delito de infanticídio é a
vida humana. O Estado e o indivíduo têm o interesse na proteção da
pessoa física desde o começo de seu nascimento.
Neste sentido leciona Teles161:
A norma confere proteção à vida extra-uterina que
começa, como já dito, com o início do parto. Essa proteção
é unicamente à vida do nascente – aquele que ainda não
se livrou completamente da dependência da vida da mãe,
porque ainda não se concluiu o parto – e à vida do
neonato – o que acabou de nascer. O parto tem início com
o rompimento do saco amniótico, terminando com a
expulsão da placenta e o corte do cordão umbilical. Assim,
159 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 106. 160 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2004, p. 106. 161 TELES. Ney Moura. Direito Penal: parte especial. Vol. 2., 2004, p.164.
80
o bem jurídico protegido é a vida humana extra-uterina a
partir de seu início e até logo após o parto.
Denota-se do ensinamento acima que, o bem jurídico
tutelado neste delito é a proteção à vida do nascente e do recém
nascido (neonato), preocupando-se o Estado com a vida humana desde
o início de seu nascimento.
3.5.2 Dos sujeitos ativo e passivo
O crime de infanticídio, conforme prevê o artigo 123 do
Código Penal trata de crime próprio, onde o sujeito ativo de tal delito
somente pode ser a mãe cometendo o fato contra o seu próprio filho.
Completa Noronha162 que: “O infanticídio é o crime da genitora, da
puerpéra. É, portanto, a mãe que se acha sob a influência do estado
puerperal.”
Seguindo literalmente a expressão prevista no artigo
123 do Código Penal, conclui-se que somente o próprio filho da
parturiente é que será o sujeito passivo do delito, porém, cabe ressaltar
que esta expressão não abrange unicamente o recém-nascido, mas
alcança também o nascente, pelo fato de estar previsto no texto legal o
complemento de que o crime de infanticídio poder ocorrer durante o
parto ou logo após.163
162 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 2. 33 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 45.
163 BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 139.
81
No que se refere ao sujeito passivo do delito de
infanticídio informa Noronha164:
Poderíamos dizer simplesmente que é o filho, expressão
usada pela lei. Compreende ela, entretanto, não só o
recém-nascido como o nascente, em vista de o dispositivo
soar durante o parto ou logo após. Outros dizem ser sujeito
passivo não só o neonato como o feto vindo à luz.
Depreende-se assim que o sujeito ativo será sempre a
parturiente que se encontra em estado puerperal, bem como que o
sujeito passivo será o seu próprio filho, sendo que, o nascente deve estar
vivo e deve ter apresentado o mínimo de atividade funcional, tendo a
capacidade de viver fora do útero materno.165
3.5.3 Do estado puerperal
O crime de infanticídio exige que a mãe tenha
consciência de que está matando o filho, por se tratar de delito doloso,
ela deve agir com a vontade de matar. Porém, outro requisito exigido no
artigo 123 do Código Penal, é que a parturiente esteja sob influência do
estado puerperal.
Discorre de modo detalhado sobre o estado puerperal,
Teles166:
Puerpério é o período de tempo, variável conforme as
características de cada parturiente, compreendido entre o
parto e até oito semanas, em que a mulher experimenta
profundas modificações genitais, gerais e psíquicas, com o
gradativo retorno ao período não gravídico. Inicia-se com a 164 NORONHA. E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 2. 2003, p. 48. 165 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2005, p. 101. 166 TELES. Ney Moura. Direito Penal: parte especial. Vol. 2., 2004, p.166.
82
dequitação da placenta. Sofre a mulher diversas
modificações nos aparelhos cardiocirculatório, digestivo e
urinário, alterações sangüíneas, da pele e, o que mais
interessa aqui, alterações psíquicas. A experiência
traumática do parto, com dores, contrações, enorme
esforço físico, toda a expectativa da maternidade, o início
da lactação e a presença do recém-nascido, somada à
alteração do ritmo do sono, pode trazer para a mãe
alterações de natureza psíquica que vão de simples crises
de choro até crises depressivas, seguidas de instabilidade
emocional e até mesmo de um quadro de psicose
puerperal. É o estado puerperal de que trata o Código
Penal.
De modo análogo, é a conceituação remetida por
Jesus167:
A mulher, em conseqüência das circunstâncias do parto,
referentes à convulsão, emoção causada pelo choque
físico etc., pode sofrer perturbação de sua saúde mental. O
Código fala em influência do estado puerperal. Este é o
conjunto das perturbações psicológicas e físicas sofridas
pela mulher em face do fenômeno do parto.
Ainda sobre o estado puerperal esclarece
Bitencourt168:
O estado puerperal pode determinar, embora nem sempre
determine, a alteração do psiquismo da mulher dita normal.
Em outros termos, esse estado existe sempre, durante ou
logo após o parto, mas nem sempre produz as perturbações
emocionais que podem levar a mãe a matar o próprio filho.
Verifica-se das disposições doutrinárias acima
transcritas que o estado puerperal são perturbações físicas e psíquicas 167 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2004, p. 107. 168 BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2001, p.
140.
83
pelas quais a parturiente sofre, decorrentes do parto, que acarretem
transtornos mentais na mulher, fazendo com que esta cometa o delito de
infanticídio. 169
Outrossim, esclarece Teles170, complementando o
assunto:
O estado puerperal ou puerpério existe logo após todos os
partos, mas, nem sempre, suas conseqüências são tão
graves. Assim, não basta que a morte se dê durante ou logo
após o parto, em que há o estado puerperal. É
indispensável que estado afete, de modo grave, a mente
da mãe. Para algumas mulheres, o estado puerperal é um
verdadeiro martírio e somente quando sua influência afetar
seu psiquismo é que se poderá falar em infanticídio.
Diante de tais considerações teóricas, claramente se
observa que, por diversas vezes, mesmo estando a mulher em estado
puerperal, este não chega a causar desequilíbrios que façam com que
ela cometa o ato delituoso, devendo sempre ser avaliado por médicos
peritos, se realmente o puerpério causou transtornos psíquicos que
configuraram o privilégio previsto no texto legal.
Outro ponto a ser analisado no que se refere ao crime
de infanticídio e mais especificamente na elementar do estado puerperal,
é quanto a duração do puerpério. A doutrina diverge em disciplinar o
lapso temporal existente entre “durante o parto ou logo após”. A maioria
dos doutrinadores discorre de forma enfática que o elemento típico
temporal deve ser analisado sob o ponto de vista de cada caso concreto,
sendo que não se pode confundir com o crime de aborto, bem como
169 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. 2. 2005, p. 103. 170 TELES. Ney Moura. Direito Penal: parte especial. Vol. 2., 2004, p.166.
84
com o crime de homicídio, devendo neste caso, entender como sendo o
tempo em que perdurar o estado puerperal.171
Destarte, finalizando a exposição ao crime de
infanticídio, frisa-se que para o Código Penal vigente, este é um delito de
natureza privilegiada, com base no requisito do estado puerperal.
O infanticídio é o delito em que a mãe dirige sua
conduta criminosa contra o próprio filho, sendo por este motivo muita
vezes observado como uma modalidade criminosa de maior gravidade,
sendo visto pela sua natureza repugnante e repulsiva considerado até
mesmo pior do que o crime de homicídio.
3.6 DA CO-AUTORIA NO CRIME DE INFANTICÍDIO
Conforme o disposto no artigo 123 do Código Penal,
comete o crime de infanticídio a mãe que mata o filho sob o estado
puerperal, durante ou logo após o parto. Denota-se da legislação vigente,
conforme esclarecido anteriormente, que é um crime próprio, ou seja,
somente a genitora pode cometê-lo.
Por outro lado, pode ocorrer a hipótese de uma
terceira pessoa concorrer para a prática criminosa, quando esta auxiliar
de forma acessória na conduta do sujeito ativo do delito, ou seja, no
induzimento, na instigação e no auxílio.172
Com base no disposto no artigo 30 do Código Penal
“não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,
171 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 109. 172 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 111.
85
salvo quando elementares do crime”, podemos entender que a influência
do estado puerperal é comunicável entre os fatos dos participantes do
ato delituoso.
A doutrina diverge no que tange a comunicabilidade
da circunstância de caráter pessoal no crime de infanticídio. Adotam o
ponto de vista da comunicabilidade: Roberto Lyra, Olavo Oliveira,
Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Euclides
Custódio da Silveira, Bento de Faria, Delmanto e Delmanto, Julio Fabbrini
Mirabete, Cezar Roberto Bitencourt e Damásio de Jesus.173
Em opinião contrária a da comunicabilidade e
favorável ao entendimento de que o partícipe responda pelo delito de
homicídio estão: Heleno Cláudio Fragoso, Galdino Siqueira, Aníbal Bruno,
Salgado Martins e João Mestieri.174
Leciona sobre o assunto, Jesus175:
Não resta dúvida que, conforme o caso, constitui absurdo o
partícipe ou co-autor acobertar-se sob o privilégio do
infanticídio. Sua conduta muitas vezes representa homicídio
caracterizado. Mas temos de estudar a questão sob a ótica
de nossa legislação, que não cuidou de elaborar norma
específica a respeito da hipótese.
Neste mesmo sentido se observa o entendimento de
Bitencourt176:
173 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 111 e 114. 174 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 111. 175 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2004, p. 111. 176 BITENCOURT. Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: parte especial. Vol. 2, 2001, p. 148.
86
A justiça ou injustiça do abrandamento da punição do
terceiro participante no crime de infanticídio é inconsciente
para afastar a orientação abraçada pelo Código Penal
brasileiro, que consagrou a teoria monística da ação em seu
artigo 29. Essa previsão é complementada pela norma do
art. 30, que determina a comunicabilidade das
“elementares do crime”, independentemente de se tratar
de circunstâncias ou condições pessoais. Assim, se o terceiro
induz, instiga ou auxilia a parturiente a matar o próprio filho
durante ou logo após o parto, participa de um crime de
infanticídio. Ora, como a “influência do estado puerperal” é
uma elementar do tipo, comunica-se ao participante (seja
co-autor ou partícipe), nos termos do art. 30 do CP.
Em opinião análoga esclarece Mirabete177:
Endossamos a primeira orientação, adotada aliás na
Conferência dos Desembargadores, no Rio, em 1943, por ser
inegável a comunicabilidade das condições pessoais
quando elementares no crime, a não ser que a lei disponha
expressamente em contrário. Aliás, um mesmo fato somente
pode ser punido de modo diverso com relação aos que
dele participam quando a lei o determina (...). Mais
adequado, portanto, seria prever expressamente a punição
por homicídio do terceiro que auxilia a mãe na prática do
infanticídio, uma vez que não militam em seu favor as
circunstâncias que levaram a estabelecer uma sanção de
menor severidade para a autora do crime previsto no art.
123 em relação ao definido no art. 121.
Contrariando os posicionamentos doutrinários acima
transcritos, Teles178 discorre que:
(...) O tipo foi construído para alcançar, exclusivamente, a
conduta da mãe, em relação ao próprio filho, naquele
tempo e sob aquela influência, que a ninguém mais pode
177 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Vol. 2. 2004, p. 90. 178 TELES. Ney Moura. Direito Penal: parte especial. Vol. 2., 2004, p.169.
87
afetar. Tivesse nossa lei adotado o critério puramente
psicológico – a causa de honra – aí, sim, poder-se-ia admitir
o concurso, mas apenas para os que também
incorporassem o motivo de honra em seu íntimo para
participar do crime. (...) Assim, aquele que de qualquer
modo concorrer para o infanticídio, na condição de co-
autor ou de partícipe, ainda que atuando com menor
importância, responderá pelo crime de homicídio.
Assim, finaliza-se este capítulo, após observadas as
considerações teóricas e posicionamentos, verificando que existem muitas
divergências quanto ao concurso de pessoas no crime de infanticídio,
pelo fato da comunicabilidade, ou não, das circunstâncias de caráter
pessoal que a ele são reservadas. Os elementos próprios deste delito,
sendo eles, o sujeito ativo (crime próprio) e a influência do estado
puerperal fazem com que as opiniões sejam contrárias uma das outras,
porém, só aumentam o interesse no estudo deste tema tão complexo.
88
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo investigar a Co-
autoria no Crime de Infanticídio.
O interesse pelo tema deu-se em razão da relevante
importância, em face dos incessantes debates e questionamentos
doutrinários no que tange as circunstâncias deste crime próprio.
No intuito de facilitar seu desenvolvimento lógico o
trabalho foi dividido em três capítulos.
No capítulo 1 principiou-se em expressar a importância
do conhecimento sobre o direito de punir como atribuição dada ao
Estado, sendo que o ponto de partida foi da origem da sociedade
primária, sua formação, evolução e aperfeiçoamento até a chegada do
Estado como ente jurídico detentor do poder de protegê-la e da
incumbência de punir aquele que contra ela se insurge com o objetivo
de. O ente jurídico, como se observou, é o Estado o detentor do direito de
punir, não de forma absoluta, mas sim, dentre os limites estabelecidos pela
lei. Daí a necessidade de se diferir com clareza os comportamentos que
devem ser proibidos e, portanto, elevados à condição de crime.
Verificou-se que nos dias de hoje o Estado é a
instituição imbuída a proporcionar e garantir a paz e tranqüilidade da
sociedade, porém, para que esta atribuição seja possível, o Estado exerce
o poder delegado pelos membros da sociedade que compõe e dá base,
sendo que é ele, em nome da sociedade quem elabora as normas
89
disciplinadoras da vida em sociedade, além de buscar a efetiva
aplicação destas normas.
Concluiu-se no primeiro capítulo que cabe, portanto,
ao Estado, garantir a ordem pública e garantir a tutela dos direitos e
obrigações dos sujeitos no convívio social. Outrossim, observou-se que o
homem despoja de seu direito de defesa em favor da sociedade e do
Estado, que o exerce em favor da coletividade e em busca de um bem
comum, nascendo assim o Direito de Punir.
Contudo, reservou-se ao capítulo 2 o estudo sobre o
que é o crime, o tipo penal, seus elementos constitutivos, as teorias que
informam ou que discutem a estrutura e a própria estrutura do crime.
Entretanto, restou comprovado que a essência do
conceito de crime é puramente jurídica, porém, diversos são os conceitos
e concepções de crime dados por estudiosos do Direito Penal. Porém,
ocorre que o Código Penal Brasileiro não traz nenhuma definição expressa
de crime, ficando a cargo dos doutrinadores a importante tarefa de
definirem a conceituação adequada.
Desta maneira, pode-se se extrair da doutrina que o
crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta
violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir
seja proibida sob ameaça de pena, ou que se considera afastável
somente através da sanção penal.
Assim, analisou-se a sua conceituação sob o tríplice
aspecto formal, material e analítico, sendo iniciada pelos conceitos da
tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade até se chegar à conduta
90
como elemento constitutivo do fato típico e dela às teorias que procuram
dar sustentação à imputabilidade a alguém do fato que agrediu o
organismo social e puni-lo conforme os parâmetros estipulados em lei.
O crime constitui uma figura unitária em que se
revelam um fato típico e a ilicitude. A culpabilidade funciona como
elemento de ligação entre o crime e a pena. Assim, por mais diferentes
que sejam os seus característicos conceituais, não é tão rígido o limite
entre a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. O ilícito e a
culpabilidade se subordinam ao tipo, isto é, certas características
acidentais daqueles se subordinam à figura típica, sem que se
confundam. Por outro lado, concluiu-se que não há antijuridicidade penal
sem tipicidade, ou seja, não há falar-se em ilicitude penal sem que o fato
esteja previsto como infração pela lei, pois é esta que cria a norma da
proibição.
No terceiro capítulo a pesquisa contemplou análise do
concurso de pessoas no crime de infanticídio, dando-se ênfase aos
conceitos de autor, co-autor e partícipe para finalmente se chegar à
comunicabilidade e incomunicabilidade das circunstâncias de caráter
pessoal nos crimes próprios.
Denota-se do presente trabalho monográfico que
antes de adentrar à exposição particularizada da co-autoria no crime de
infanticídio, oportuno se fez mencionar, inicialmente, sobre os crimes
dolosos contra a vida.
Observou-se que a vida é o objeto de proteção
abrangido pela lei penal, ou seja, é o bem jurídico resguardado na forma
91
da pessoa humana, que se inicia com a sua formação, atingindo tanto a
vida intra como a extra-uterina.
Tratou-se do direito à vida de maneira inviolável, e
verificou-se que cabe ao Estado protegê-lo de todas as agressões
possíveis. A proteção que o Direito concede à vida não é, todavia,
absoluta. Não pode, porque impossível, protegê-la de todos os ataques,
mormente naturais. O Direito não protege a vida de modo absoluto,
também porque é o mesmo Direito que permite sua destruição, em
situações específicas, como é o caso da legítima defesa e do estado de
necessidade.
A participação coletiva na prática da infração penal
que foi o tema escolhido para este trabalho, embora, relacionado apenas
ao crime de infanticídio, onde reside célebre polêmica sobre a punição a
ser aplicada se, idêntica a autor, co-autor e partícipe ou se para aqueles
que não sendo a mãe a punição deve ser diferenciada.
Seguindo os caminhos desta polêmica elaborou-se a
hipótese: as circunstâncias de caráter pessoal do crime de infanticídio se
comunicam aos os co-autores e partícipes da conduta delituosa.
Em análise da hipótese, verificou-se à luz da doutrina
majoritária nacional que a hipótese restou confirmada, pois as regras dos
artigos 29 e 30 do Código Penal são aplicadas conjuntamente, permitindo
tratamento penal igualitário a mãe que mata o filho sob a influência do
estado puerperal e estendendo-se ao co-autor e co-partícipe.
Com base no disposto no artigo 30 do Código Penal
“não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,
92
salvo quando elementares do crime”, se pode entender que a influência
do estado puerperal é comunicável entre os fatos dos participantes do
ato delituoso.
Para a confirmação da hipótese, valeu-se da doutrina
penal brasileira, sendo que foi utilizada para a confecção do relatório a
técnica de fichamento e os métodos indutivo e dedutivo.
Assim, finalizou-se este trabalho, após observadas as
considerações teóricas e posicionamentos, verificando que existem muitas
divergências quanto ao concurso de pessoas no crime de infanticídio,
pelo fato da comunicabilidade, ou não, das circunstâncias de caráter
pessoal que a ele são reservadas, confirmando a necessidade de mais
pesquisa sobre o tema ora em questão.
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