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COM LICENÇA, SOU MULHER: diálogo entre figuras femininas machadianas e mulheres da vida real

Maria Sívia Vieira Pellegrini1

Ana Paula F. Nobile Brandileone2

Resumo: O presente artigo propõe-se discutir a situação atual do ensino de literatura no Ensino Médio e apresentar uma proposta de leitura alternativa do romance Memórias póstumas de Brás Cubas (1881) e Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis. Para tanto, busca-se, por meio da análise das personagens femininas e de sua posição social frente ao regime patriarcal da época, estabelecer um diálogo com as mulheres da vida real, empregando como metodologia a proposta de letramento literário (2006), de Rildo Cosson, via sequência expandida. Palavras-Chave: Leitura. Letramento Literário. Diálogo. Mulheres. Machado de Assis.

O ensino atual

Como se observa na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 e nos

Parâmetros Curriculares Nacionais, o ensino de literatura no nível médio tem

despertado o interesse de estudiosos da área, bem como merecido uma série de

reflexões a partir da problemática que envolve o papel da literatura. Pois a escola

não está conseguindo preparar o jovem para participar da sociedade complexa

como a atual, que requer uma aprendizagem autônoma e contínua ao longo da vida.

Devido a essas reflexões, constatou-se que o quadro do ensino da leitura literária é

bastante desanimador, o que é comprovado pelos resultados das avaliações da

competência de leitura dos alunos no Enem e no SAEB.

Embora pareça lugar comum, uma constatação que efetuamos é que grande

parte dos alunos que conclui o Ensino Médio não adquire hábitos regulares de

leitura e também não se mostra competente para analisar e interpretar textos

literários nas múltiplas dimensões responsáveis pela construção de sentidos.

Possivelmente, na escola, isso decorra do fato de a leitura ser praticada tendo

em vista o consumo rápido de textos, pondo a perder, obviamente, a reflexão sobre

o que está sendo lido, ao passo que a troca de experiências, as discussões sobre os

textos, a valorização das interpretações dos alunos tornam-se, infelizmente,

atividades relegadas a um segundo plano. Como lembram as autoras,

1 Professora da Rede Pública Estadual de Ensino do Paraná 2 Orientadora PDE da Universidade Estadual do Norte do Paraná

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Os professores, apesar de visarem à formação do hábito da leitura e o desenvolvimento do espírito crítico, não oferecem atividades nem utilizam recursos que permitam a expansão dos conhecimentos, das habilidades intelectuais, a criatividade ou a tomada de posição, embora arrolem esses tópicos em seus critérios de aproveitamento escolar. (BORDINI; AGUIAR, 1988, p.33)

Esses resultados fazem supor que o ensino de leitura e a abordagem do texto

literário não têm sido objeto principal das aulas de literatura. É preciso reformular o

trabalho com a leitura literária para que se obtenha resultados positivos, pois a

escola está longe da prática que permeia a leitura como atividade atrelada à

consciência crítica, do contexto histórico-social em que o aluno está inserido.

A leitura na escola

Se o papel da escola é formar leitores críticos e autônomos capazes de

desenvolver uma leitura crítica do mundo, então estamos diante de um problema a

ser trabalhado, sobretudo no que tange aos chamados textos literários, os quais

requerem por parte dos leitores uma capacidade de compreensão mais elaborada,

uma vez que, mais que qualquer outro gênero, favorece a descoberta de sentidos

pela sua capacidade de reescrever/reinventar o mundo pela força da palavra.

Em razão disso, os alunos devem desfrutar da leitura literária, uma vez que

ela ajuda o indivíduo a construir um mundo melhor. Não uma construção abstrata,

em que se fabricam sonhos, ideais e ilusões para servir como álibi aos tormentos, do

cotidiano. Ela tem importância ao cumprir o seu papel na sociedade. Trata-se da

construção de conceitos, costumes, valores, direitos, deveres, da feitura de uma

ética em cada etapa do desenvolvimento humano.

Dessa forma, é importante que se desenvolva na escola um trabalho que

privilegie a leitura como uma dimensão dialógica. Através da linguagem, é possível

compreender os confrontos e os valores de uma sociedade. “Nosso corpo linguagem

é feito das palavras com que o exercitamos, quanto mais eu uso a língua, maior é o

meu corpo linguagem e, por extensão, maior é o meu mundo” (COSSON, 2006, p.

16).

Por certo, as palavras vêm da sociedade da qual fazemos parte e em uma

sociedade letrada como a nossa, são inumeráveis as possibilidades de exercício da

linguagem. Uma dessas possibilidades e que ocupa um lugar central é a escrita.

Praticamente todos os segmentos que envolvem as transações humanas de nossa

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sociedade, passam pela escrita. A linguagem encontra na literatura o seu mais

perfeito exercício, uma vez que a literatura se apresenta como veículo criador e

socializador da linguagem e dos valores que acreditamos e que nos identificam.

Por outro lado, a escola não tem trabalhado os vazios de leitura. Por isso,

desenvolver um trabalho diversificado e criativo com a leitura tem sido cada vez mais

necessário na escola atual, tendo em vista as crescentes transformações e

exigências da nossa sociedade e do mercado de trabalho, quanto à capacidade de

ler e interpretar textos.

Nesse contexto, o professor de Língua Portuguesa, que tem a função de

mediador nesse processo de formação de leitor, deve proporcionar ao seu aluno o

contato com uma extensa variedade de textos, cuja interpretação vise à construção

do conhecimento em outras áreas, da mesma forma que possibilite o

aperfeiçoamento de sua expressão escrita. Desse modo, é preciso contemplar as

ideias presentes nas DCEs de Língua Portuguesa, que é o de tornar evidente o seu

compromisso em promover um ensino de base sócio-interacionista em que a leitura

se efetive como um canal de comunicação entre sujeitos, e destes com as ideias

presentes no meio em que vivem.

Desse modo, é necessário superar a ideia de leitura como atividade

condizente à mera decifração do sentido da palavra. Pois a leitura é, ao contrário,

um conjunto de etapas significativas às quais os olhos e o intelecto devem percorrer

para atingir o entendimento do e sobre o texto. Segundo Cosson (2006, p.40), “[...]

aprender a ler é mais do que adquirir uma habilidade, e ser leitor vai além de possuir

um hábito ou atividade regular”. A leitura implica na percepção das transformações

das relações humanas, a qual advém, ainda segundo Cosson (2006), somente após

a interiorização dos três modos de compreendê-la, definidos como antecipação,

decifração e interpretação.

Para o exercício da leitura é necessário cumprir cada uma dessas etapas: a

primeira prepara o leitor para penetrar no texto propriamente dito; a segunda

familiariza o leitor pelo contato com a palavra e sua finalidade no texto; e a terceira o

leitor já em contato com o texto é capaz de realizar as inferências que o levam a

entretecer as palavras com o conhecimento que tem do mundo. Por meio da

interpretação, o leitor negocia o sentido do texto, em um diálogo que envolve autor,

leitor e comunidade. Interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o contexto.

Isso é leitura, é letramento, sob a perspectiva de Rildo Cosson (2006). Trata-se de

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uma visão bem mais ampla e profunda de se conceber o ato de ler e de escrever,

focados como dimensões convergentes e referenciais para a prática social do

indivíduo. Não se pode, portanto, discutir leitura sem considerar alguns aspectos do

letramento, essenciais no organismo deste processo.

Literatura e escola

A Literatura é a arte da palavra. Ela é um instrumento de comunicação e de

interação social, que cumpre o papel de transmitir os conhecimentos e a cultura de

uma comunidade. Desse modo, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a

imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo.

Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorreria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las (TODOROV, 2009, p.23).

Através da literatura, o indivíduo pode assumir uma atitude crítica em relação

ao mundo, advinda das diferentes mensagens e indagações que ela oferece. Nesse

sentido, a literatura também pode assumir formas de crítica à realidade circundante

e de denúncia social, transformando-se em uma literatura engajada, servindo a uma

causa político-ideológica. Podemos dizer também que o texto literário conduz o leitor

a mundos imaginários, causando prazer aos sentidos e à sensibilidade do homem.

De acordo com Antônio Candido (1972), a literatura tem função

humanizadora, uma vez que confirma a humanidade do homem. Desse modo, a

literatura está sempre presente em nossa vida, pois nas obras literárias estão

expostos os problemas individuais e sociais do mundo onde vivemos, ou seja, a

expressão da sociedade se faz por meio do texto literário que, por sua vez,

influencia os indivíduos que formam a sociedade: “A literatura exprime o homem e

depois atua na própria formação do homem” (CANDIDO, 1972, p.804).

O autor nos deixa claro que a literatura está ligada à realidade e, por isso,

desempenha um importante papel psicológico e social na vida das pessoas. Por

isso, todos, independentemente do nível social, têm direito a usufruir da literatura:

Um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorre

quando pensamos no papel da literatura. A produção e fruição desta se

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baseiam numa espécie de necessidade universal de ficção e de fantasia, que de certo é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em sua vida, como indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais elementares. (CANDIDO, 1972, p. 804-805)

Devido às funções exercidas pela literatura, ela transformou-se, em várias

partes do mundo, em disciplina escolar dada a sua importância para a língua e a

cultura de um país, assim como para a formação de jovens leitores.

Em contrapartida, os papéis desempenhados pela literatura foram reduzidos

ou perderam-se em meio a práticas sem embasamento teórico. Certamente, diante

do poder formador e transformador da palavra literária, é que a literatura torna-se um

assunto de preocupação para alguns teóricos, sobretudo no que diz respeito ao

modo como ela vem sendo explorada no espaço escolar. Nesse contexto, o debate

em torno do letramento literário está atrelado à reflexão sobre a importância de

(como) se ensinar Literatura, cuja inserção na grade curricular deve estar ligada à

tarefa de formar leitores literários que, por sua vez, deve ser assumida não só pela

prática docente, mas também pela concepção pedagógica da instituição escolar.

Essa reflexão deve-se ao fato de o ensino de literatura apresentar-se,

atualmente, a partir textos fragmentados no livro didático, leitura de resumos que se

limitam a historiografia literária e/ou biografia de autores. A esse respeito afirma

Todorov: “Na escola, não se aprende acerca do que falam as obras, mas sim do que

falam os críticos” (2009, p.27). Também Cosson (2006, p.10) menciona que “a

escola transformou a literatura no apêndice da disciplina de Língua Portuguesa, ou

seja, reduziu-a a simples leitura de fragmentos no ensino fundamental e, no ensino

médio, a mera utilização de textos para se trabalhar a história literária”. Já para

Bordini e Aguiar (1988, p. 34): “O esvaziamento do ensino de literatura se acentua,

portanto, não só pelo pequeno domínio do conhecimento literário do professor, mas

também pela falta de uma proposta metodológica que o embase”.

Por isso recuperar a leitura literária no espaço escolar é uma tarefa de

construção de novas formas de lidar com a literatura e de desconstrução de amarras

e regras que a pedagogia teima em prescrever e rotular segundo a classificação das

obras em escolas e gêneros literários, sem falar nas fichas de leitura, nos velhos

exercícios de interpretação e nos breves comentários sobre o autor, a obra, seu

tempo e a escola literária à qual pertence. Isto termina por interditar o diálogo do

leitor com determinado texto literário ou com outros tantos já lidos.

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Nesses moldes, a leitura literária na escola tem, historicamente, aprisionado o

escritor e o leitor. Aparentemente, é a voz do escritor que impera, na medida em que

o leitor se orienta exclusivamente pelo que o texto traz; prática que tem sido adotada

em muitas escolas. Isto significa dizer que os silêncios e vazios deixados nos textos

para serem preenchidos pelo leitor não são potencializados, frustrando, de alguma

forma, a intenção do autor de provocar esse leitor a interagir com seu texto. Ao

contrário dessa prática, o texto literário é feito de indeterminações e vazios. Aí reside

a sua riqueza, na medida em que deixa brechas para a entrada do leitor.

Tal procedimento deveria ser produtivo – e de fato o é – para o leitor que, ao

dialogar com a obra literária, preenche as lacunas textuais a partir de seus

conhecimentos prévios, imaginação e sensibilidade. Contraditoriamente, o ato da

leitura, na escola, silencia também a voz do escritor, ao aprisionar o seu texto em

perguntas e respostas fechadas ou em fichas de leituras, por exemplo. Com isso

perde o escritor e perde o leitor, enquanto a escola desconsiderar que é na natureza

lacunar e polissêmica do texto literário que consiste a sua riqueza e suas

possibilidades de produção de múltiplos sentidos.

Nesse sentido, a leitura literária tem suas manhas e artimanhas,

possibilitando ao leitor transgredir a ordem. Como? Depende do grau de sua

percepção e de sua sensibilidade em relação ao mundo ficcional, do lugar social que

o leitor ocupa e de sua cumplicidade com o autor. Vai depender do que o leitor elege

entre o que lhe sugere sua experiência e os possíveis sentidos que o texto lhe

oferece.

Machado de Assis: um clássico

Certamente, a leitura literária, sobretudo dos clássicos, é capaz de preencher

as lacunas de leitura em que as escolas estão inseridas. Em outras palavras

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). (CALVINO, 1999, p.12)

A leitura dos clássicos apresenta-se como uma alternativa e talvez

oportunidade única de preencher os vazios de leitura, que, imaginamos, o jovem

leitor tenha, devido à sua imaturidade leitora.

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De fato, as teses, as monografias, os estudos científicos dizem que os

clássicos são aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e

amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva à sorte de lê-

los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los. A obra literária é

aquela que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. Segundo Barthes:

Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam as nossas e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes. (2004, p.92).

Sendo assim, as obras clássicas tornam-se fonte de conhecimento e não

apenas de entretenimento. Os autores clássicos põem em foco os principais

conflitos da existência humana, por isso as suas obras transcendem seu próprio

tempo histórico e, a cada nova leitura, continuam a suscitar discussões, ampliando o

alcance do debate estético em torno delas.

O texto clássico, quando lido, tem o segredo de adentrar inquietações na

alma do leitor, sobretudo quando tematizam problemas e situações que, no limite,

preocupam-se, a todo o momento, em lembrar ao ser humano que este não pode se

esquecer de sua própria humanidade.

É preciso destacar que a escola deve estar atenta em relacionar a leitura dos

clássicos com todos os demais textos. A respeito disso afirma Calvino:

O dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas é sempre um ponto em que nos situamos para olhar para a frente ou para trás. Para poder ler os clássicos, temos de definir “de onde” eles estão sendo lidos, caso contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal. Assim, o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-la com a leitura de atualidades numa sábia dosagem. (1999, p.14)

Sendo assim, segundo Calvino (1999), um clássico é aquele que possui um

efeito de ressonância, não somente uma obra antiga, como se pode pensar. Esse

adjetivo vale também para uma obra moderna, desde que esta já tenha um lugar

próprio em uma continuidade cultural: “Um clássico é um livro que vem antes de

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outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o

seu lugar na genealogia” (CALVINO, 1999, p. 14).

Quando falamos em “clássico em literatura” nada melhor do que o autor

Machado de Assis, pois seus textos são complexos, questionadores, ricos em

ironia e prendem a atenção. Assim são os romances do maior escritor de todos os

tempos. Justamente por isso eles devem ser trabalhados no Ensino Médio para

permitir que os adolescentes se identifiquem com textos clássicos e aprendam a

apreciar a literatura de qualidade.

Assim é fundamental que o ensino de literatura enfatize o caráter histórico de

contínuas socializações das quais os clássicos fazem parte. Por isso, podemos dizer

que “os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as

marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram

na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem

ou nos costumes)” (CALVINO, 1999, p.10).

A propósito, uma obra literária, por mais antiga que seja, ainda surpreende os

leitores. Ao ler e reler os contos ou romances de Machado de Assis, é como se

revivêssemos o mesmo cenário político de agora, pois ele é um escritor preocupado

com as determinações sociais, isto é, as pessoas dentro das suas classes, dos seus

estamentos, dos seus grupos. “Machado sabia lidar com o mesmo e o diferente, o

tipo e a pessoa” (BOSI, 2006, p.12). Vale a pena aventurar-se nessa experiência

porque oportunizará ao leitor atualizar a relação entre passado e presente. Ao fazer

essa comparação, ao leitor será levado a compreender porque os clássicos ainda

continuam circulando de forma viva e atual.

Autores como Machado de Assis têm um papel muito importante na formação

de leitores literários e devem ser apresentados sempre. A qualidade da narrativa, a

complexidade com que os conflitos são nela expostos, a força das ideias que

transmitem e os questionamentos que suscitam, dão esse status a muitos escritos

de Machado.

O autor se destaca ainda por conseguir unir o erudito ao popular de forma

única. Mulato, gago e epilético, em pleno período escravocrata, tornou-se admirado

e respeitado nos mais nobres salões da corte, contando histórias que ajudaram a

moldar a noção que temos do que é ser brasileiro. Se atualmente é visto como um

escritor erudito, um medalhão inalcançável, em sua época Machado era popular.

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Machado de Assis também é um conhecedor da alma feminina, pois observa

não só os comportamentos típicos das personagens, mas também as diferenças e,

mais do que isso, olha por dentro aquilo que a sociologia olharia por fora.

Pode-se inferir que o comportamento, as ações e reações dessas

personagens femininas, de certa forma influenciaram as revoluções e a busca

igualitária das mulheres do século XXI. Com o crescimento da chamada literatura

feminista, das questões de gênero, a mulher não só ganhou (mais) destaque na

Literatura e na Crítica Literária, como também tornou-se objeto de estudo em

diversas áreas do conhecimento, como a Sociologia, a Psicanálise, a História e a

Antropologia.

Portanto, ler Machado de Assis em função das personagens femininas nos

leva a grandes surpresas, porque essas personagens não são homogêneas. Isso

acontece pela capacidade que o autor tem em delinear, através da análise profunda,

as suas personagens. Dessa forma é difícil falar das personagens femininas de

Machado de Assis, e atribuir a elas sempre as mesmas qualidades ou propriedades.

Há personagens que vencem a sua barreira de classe através das relações naturais,

isto é, relações afetivas. Como afirma Alfredo Bosi em entrevista:

Elas aproveitam do amadrinhamento, elas têm uma fase inicial em que

estão subordinadas a uma situação de favor e, depois disso, elas procuram dar o salto. Elas procuram dar o salto através de casamentos de interesse. Machado mostra com isso que, se elas não agissem desta maneira, com este olhar assim astuto, elas pereceriam, elas cairiam na mediocridade da vida extremamente modesta, elas seriam vencidas na vida. Parece haver realmente uma condescendência de Machado em relação a estas personagens, que unem o instinto, a paixão e o interesse. Quem consegue unir o instinto e o interesse é vitorioso, quem separa... (http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/Revisao-T.Machado-Alfredo%20Bosi.pdf, 2012)

Ao passar pelos grandes romances de Machado, como Dom Casmurro e

Memórias Póstumas de Brás Cubas, as personagens femininas mostram que são

fortes, determinadas e audaciosas. Mesmo vivendo no sistema patriarcal do século

XIX, onde as mulheres não tinham voz, nem vez, comportam-se diante da

submissão, fingem aceitar essa condição para fazer valer suas vontades, ou seja,

mantêm um casamento por aparência para ocupar uma posição social considerável

para os padrões da época, mas não abrem mão dos seus sonhos. E com isso elas

não vão perder nada mais; podem até dar-se ao luxo de entabular namoros

adulterinos, o que elas fazem com a maior cautela.

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Um caso evidente é Virgília que se casa com Lobo Neves por interesse.

Mulher bonita, ambiciosa, que parece gostar sinceramente de Brás Cubas, mas

jamais se revela disposta a romper com sua posição social ou dispensar o conforto e

o reconhecimento da sociedade.

Já a personagem Capitu é permeada pelo mistério, não sabemos o que ela

fez, alguns dizem até que sabem. Sua característica mais marcante é que ela é uma

personagem que não se mostra, uma vez que seus pensamentos são mantidos em

segredo. Vale mencionar que a sociedade da época era fortemente marcada pelo

patriarcalismo e que a condição da figura feminina estava ideologicamente submissa

ao homem, o que justifica que à mulher, na maioria das vezes, sejam atribuídas

conotações negativas. Não por acaso é apresentada pelo narrador como uma

mulher calculista e pronta para vestir um personagem que melhor se adeque à

situação enfrentada. Mostra-se uma mulher superior, seja pela inteligência, pela

sede de saber, pela capacidade de adaptar-se, ou pela percepção do jogo social.

Por isso, Capitu talvez seja o modelo mais bem acabado de uma nova

representação feminina.

Dessa forma, a função desempenhada pelas personagens femininas nos

romances machadianos faz com que elas assumam posição nuclear, pois são o

oposto das personagens românticas, ingênuas, frágeis. As mulheres machadianas

são decididas e sabem ir em busca de seus anseios.

A metodologia

Foi pensando no tema deste trabalho e respondendo aos questionamentos

feitos à escola sobre a lacuna que se instaurou no ensino de Literatura no Ensino

Médio, que contemplei a “mulher” nas obras de Machado de Assis, em diálogo com

as mulheres da vida real, posto que elas têm muito a nos dizer quanto às conquistas

e desafios enfrentados nos dias atuais.

Some-se a isto a busca de um caminho, ou seja, um método de ensino para

ser o princípio norteador das expectativas educativas, uma vez que o letramento

literário entra em ação como uma estratégia metodológica no direcionamento,

fortalecimento e ampliação da educação literária oferecida aos alunos a fim de torná-

los leitores proficientes, dentro e fora do contexto escolar, ou seja, é o uso social da

literatura.

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Nessa discussão apresentam-se algumas questões pertinentes ao trabalho

com a leitura literária que precisa ser organizada segundo os objetivos da formação

do aluno, compreendendo que a literatura tem um papel a cumprir no âmbito

escolar.

Nesse sentido, elegi a sequência didática, denominada Sequência Expandida

apresentada por Rildo Cosson no seu livro intitulado Letramento Literário: teoria e

prática (2006); é uma sequência que se pauta em uma sistematização de leitura.

Nesta proposta adotei como objeto de análise a obra clássica Memórias

Póstumas de Brás Cubas (1881) e alguns capítulos de Dom Casmurro (1899), de

Machado de Assis, cujo objetivo foi a análise das personagens femininas dessas

obras ficcionais e sua posição social frente ao regime patriarcal da época em diálogo

com mulheres da vida real, valendo-se, para isso, de diversos gêneros textuais

como imagens, letras de músicas, charge, sequência de quadrinhos e filme.

A Sequência Expandida é um recurso que favorece a leitura, a interpretação e

a produção de textos. A sequência proposta por Cosson (2006) proporciona ao

aluno o letramento literário, ou seja, a aprendizagem da literatura acontece por meio

do texto literário, através da expansão da leitura. O aluno lê outros gêneros, obras

canônicas ou contemporâneas, que remetem à temática da primeira obra e assim

seguem outras leituras, seguindo a mesma temática. Após a motivação e introdução

à obra apresentada, combinam-se os intervalos de leitura. Esses intervalos

consistem em fazer uma pausa obrigatória após a leitura de parte da obra. Neste

momento, o professor insere um texto, preferencialmente de outro gênero literário

para que haja um diálogo com a obra escolhida. Os intervalos são planejados com a

turma.

Quando os alunos terminam a leitura da obra completa, acontece a

interpretação que pode ser dividida em três etapas: 1ª interpretação, 2ª interpretação

e expansão. Na 1ª interpretação, são trabalhadas atividades que levam o aluno à

contextualização da obra lida. Essa contextualização pode ser histórica, estilística,

poética, crítica, presentificadora, temática. Na 2ª interpretação realiza-se uma leitura

um pouco mais aprofundada de um dos aspectos da obra, a ser selecionado pelo

professor, o que resulta no compartilhamento de leitura e, finalmente, o registro final,

ponto alto da metodologia.

Na opinião do Cosson (2006), o letramento literário é realizado após a

sistematização da leitura nas aulas, seguindo uma sequência em três perspectivas

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metodológicas: a técnica da oficina, a técnica do andaime e a do portifólio, sendo

que nesta última professor e aluno fazem registros das diversas atividades

realizadas, possibilitando, assim, a comparação dos resultados iniciais com os finais,

como resultado da avaliação.

A expansão, terceira etapa do processo, é o trabalho com a intertextualidade.

É um exercício de comparação, pois se busca em outras obras a temática que

embasou a obra lida. Destaque para as possibilidades de diálogo que toda obra

articula com os textos que a precederam ou que lhe são contemporâneos ou

posteriores. Certamente “são as relações com as obras que lhe são anteriores, que

serviram de inspiração o que estavam no horizonte de leitura do autor e foram

apropriadas de alguma forma naquela obra” (COSSON, 2006, p.94)

Com esse trabalho pretendi investir em um novo método para trabalhar a

literatura, que resultasse em uma proposta metodológica eficaz, tornando-se,

portanto, um meio bastante significativo para o aperfeiçoamento do ensino da leitura

literária no Ensino Médio.

O projeto de leitura foi desenvolvido no Colégio Estadual “Marcílio Dias”, no

período de fevereiro a julho e envolveu a 2ª série “A” do Ensino Médio, período

matutino. Para que não houvesse desperdício de tempo e o projeto fosse concluído

a contento, foi preciso organizá-lo de acordo com o calendário escolar; foram 32

encontros e 47 aulas.

No dia 05 de fevereiro, na oportunidade da Semana Pedagógica na escola, o

Projeto de Intervenção e a Produção Pedagógica foram apresentados na escola aos

professores, funcionários, equipe pedagógica e direção. Nessa apresentação foram

expostas as partes que compõem o projeto desde a justificativa até os objetivos aos

quais se propunha o projeto. Para ilustrar a explanação foi elaborado um slide com

as mulheres que se destacaram na história. O resultado foi excelente. Houve

comentários apreciativos e animadores sobre o trabalho exposto por parte dos

presentes dessa reunião.

A experiência

O relato de experiências foi dividido de acordo com as etapas da Sequência

Expandida.

Primeira etapa: Motivação.

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No primeiro dia de aula, apresentei aos alunos duas imagens de mulheres de

épocas diferentes: uma do século XIX e outra do século XXI. Após um momento de

observação, responderam a alguns questionamentos sobre a expressão fisionômica,

o vestuário, postura, época, estilo de vida e depois registraram qual das duas

imagens lhe chamaram mais a atenção e por quê, bem como se conheciam alguma

mulher que tivesse se destacado na história. Em seguida, pesquisaram sobre as

mulheres que contribuíram para a história da humanidade. Esse trabalho foi feito

extraclasse.

No segundo dia de aula, os alunos montaram um painel com as imagens das

mulheres pesquisadas e responderam à seguinte questão: “Como seria a sociedade

sem a presença da figura feminina?” Essas respostas foram escritas em cartões

coloridos e coladas ao lado do painel montado.

Ao longo desta etapa, foi possível observar que os alunos ficaram admirados

com mulheres famosas pela sua contribuição à humanidade e eles nem as

conheciam.

2ª etapa: Introdução.

Nesta etapa, os alunos pesquisaram sobre a vida, obras e características que

singularizam os textos do autor Machado de Assis e descobriram através da leitura

dos textos pesquisados que ele era um conhecedor da alma feminina. Esta atividade

foi feita no laboratório de informática, cujo período foi agendado com antecedência,

e onde também puderam fazer a impressão do material. Houve abertura para

comentários sobre os resultados, que foram expostos em um painel para que a

comunidade escolar pudesse apreciar.

3ª etapa: Leitura.

Nesse momento, perguntei aos alunos se eles conheciam algumas

personagens femininas de Machado como: Marcela, Virgília, Eugênia, Capitu.

Alguns responderam que já tinham ouvido falar em Capitu. Mas não conheciam as

outras. Foi então que apresentei as várias capas de edições e editoras diferentes da

obra que leríamos a partir daquele momento: Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Iniciamos a leitura da obra em classe do primeiro capítulo e eles continuaram

a leitura extraclasse até o capítulo XVII.

4ª etapa: 1º intervalo.

Até este momento da leitura os alunos já conheceram a primeira personagem

feminina da obra que é a Marcela. Os alunos escreveram sobre ela: suas

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características, modo de ser, atitude, posição social. Registraram no caderno de

classe. Depois a classe foi dividida em grupos de, no máximo, três alunos. Cada

grupo desenhou, em papel craft, o contorno do corpo de Marcela como eles a

imaginaram a partir da leitura do texto. A princípio, eles teriam que escrever essas

características dentro desse contorno, mas por sugestão de alguns alunos,

decidiram fazer em isopor, pintar em cor viva e escrever as características ao lado

de todo o corpo da personagem. Esse trabalho foi concluído extraclasse.

Prosseguindo com a aula desse 1º intervalo, fizemos a leitura do texto

“Prostituição na era da tecnologia”, publicada na Revista Superinteressante, de

março de 2011. Após ter conhecido e refletido a respeito da personagem Marcela e

lido o texto da revista, os alunos estabeleceram, por escrito num relato, uma relação

comparativa – semelhanças e diferenças - da personagem da obra em estudo com

as prostitutas modernas. Foi uma atividade interessante para os alunos, levando em

conta a idade em que se encontram.

5ª etapa: 2º intervalo.

Após terem lido a obra até o capítulo XXXIII, os alunos tiveram a oportunidade

de conhecer mais uma personagem feminina: Eugênia – “a flor da moita”. Essa

etapa procedeu da mesma forma que a anterior: os alunos desenharam o contorno

do corpo da personagem, e escreveram sobre ela.

Aqui foram trabalhadas, além desta, outras três atividades. A 2ª atividade foi

a apreciação e análise da tela O Nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli. Falou-

se sobre a temática da tela, as cores predominantes, o que a escolha dos tons

revela, forma do corpo e ações das figuras que compõem a obra. Tudo foi registrado

em cartões coloridos, que culminou em um painel para exposição à comunidade

escolar.

A 3ª atividade foi a apreciação do videoclipe da música “Mulher”, de Elba

Ramalho, com a leitura da letra da canção e discussão sobre as impressões

causadas pelas imagens e fotografia do clipe. Depois os alunos escreveram um

ensaio sobre qual trecho da canção pode-se fazer relação com a personagem

Eugênia, da obra em estudo de Machado de Assis.

A 4ª atividade foi a leitura de uma sequência de quadrinhos de Mafalda. As

atividades de leitura dos quadrinhos levaram os alunos a conhecer melhor a

personagem Mafalda que apesar de ser uma menina, é bem informada,

contestadora, revolucionária. Nesta atividade os alunos puderam perceber que

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Mafalda coloca sua mãe, como alvo principal de observação e de críticas, em virtude

da atitude submissa e totalmente entregue à própria sorte de dona de casa. Esta

atividade veio ao encontro do tema da proposta, isto é, estabelecer um diálogo com

as personagens machadianas, já que estas mostravam uma possível revolução

sexual.

6ª etapa: 3º intervalo.

Nesse momento, os alunos leram até o capítulo LXIII, e conheceram mais

uma personagem feminina: Virgília. Também desenharam o contorno do seu corpo

como imaginaram, procedendo da mesma forma que com as demais personagens,

Marcela e Eugênia. Escreveram as suas características, modo de ser, atitude,

posição social. Após essa atividade, trabalhamos uma segunda: comparação de

textos entre as músicas “Ai, que saudades da Amélia”, de Mário Lago e Ataulfo

Alves (1941), e “Desconstruindo Amélia”, da cantora Pitty. Nesta atividade, os alunos

puderam analisar dois tipos distintos de mulher: a submissa dona de casa e a que

vai à luta, trabalha fora, tem a sua independência financeira, cada uma valorizada de

modo diferente, segundo o ponto de vista de quem analisa. Também fizeram

comparação com a personagem Virgília em um dos perfis citados nas canções.

Na terceira atividade dessa etapa, lemos um conto de Marina Colasanti, “É a

alma, não é?” Nessa atividade os alunos fizeram uma análise sobre a personagem

do conto que faz uma reflexão sobre o seu casamento: está presa a um casamento

como uma libélula em um âmbar. Essa atividade se atrelou ao propósito de debater

sobre as mulheres que vivem em situação sufocante em seu relacionamento com o

parceiro e não têm iniciativa para mudar de vida, ir em busca de seus objetivos.

Na quarta atividade, os alunos trabalharam com a charge eletrônica “Dilma

canta glamurosa”, que parodia a presidente Dilma. A partir desse texto, os alunos

escreveram um artigo de opinião sobre o quesito competência da mulher Dilma para

ser presidente do Brasil. Com essa atividade os alunos tiveram a oportunidade de

expor suas opiniões sobre a competência da mulher para assumir cargos que antes

eram só ocupados por homens.

7ª etapa: Primeira interpretação.

Nessa etapa, lemos a obra Memórias póstumas de Brás Cubas em cordel, do

poeta Varneci Nascimento. A leitura foi feita em sala de aula com os alunos postos

em círculo. Cada um lia uma estrofe e passava adiante. Após a leitura da obra

completa, os alunos fizeram a sua interpretação em forma de desenhos e desses

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desenhos foram feitas xilogravuras. Montou-se um painel com as xilogravuras para a

apreciação da comunidade escolar. Nessa atividade os alunos puderam conhecer o

mesmo conteúdo da obra lida, em outro gênero textual. Além de conhecer sobre o

autor de literatura em cordel.

8ª etapa: Contextualização histórica.

Os alunos fizeram uma pesquisa sobre o Movimento Sufragista. Iniciaram a

pesquisa no laboratório de informática da escola e terminaram extraclasse. Houve a

exposição das pesquisas em classe pelos alunos e depois eles redigiram uma

dissertação sobre a pergunta: “Mulher vota em mulher?” Esta atividade também

culminou com a montagem de um painel. O intento dessa atividade foi indagar a

respeito das lutas femininas sobre o direito ao voto. Valeu a pena tanto esforço?

Houve resultados?

9ª etapa: Contextualização temática.

Nessa etapa do processo, os alunos leram o capítulo CXXIII – “Olhos de

Ressaca”, da obra Dom Casmurro, também do autor Machado de Assis. A seguir,

responderam aos questionamentos a respeito do comportamento de Capitu no

velório de Escobar e sobre a possível traição. Também a suposta traição foi trazida

para os dias atuais, para refletirem se essa dúvida permaneceria ou não, levando

em consideração o avanço da ciência e da tecnologia que estão ao nosso favor

oferecendo o teste de DNA. Depois leram, também da mesma obra, o capítulo

CXXXV – “Otelo”. Nesse ponto, os alunos pesquisaram sobre o autor William

Shakespeare, o enredo da peça teatral Otelo e debateram em sala de aula sobre as

semelhanças entre o capítulo da obra Dom Casmurro e a peça teatral, quanto à

temática que envolve os dois gêneros.

10ª etapa: 2ª Interpretação.

Os alunos assistiram ao filme Um sonho de amor, de Luca Guadagnino em

sala de aula, ocupando quatro aulas. Depois, em sala, debateram sobre os aspectos

positivos e negativos da atitude da personagem principal e terminaram redigindo

uma apreciação crítica do filme assistido. Essa atividade fez com que os alunos

voltassem à obra lida para comentarem sobre a situação da mulher num

relacionamento recheado de mesmice, sem atrativos, baseado num sistema

patriarcal

11ª etapa: Expansão.

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Como atividades de expansão foi sugerido aos alunos os filmes: Parayba

Mulher Macho (1983), de José Joffily, O sorriso de Monalisa, de Lawrence Konner e

Mark Rosenthal, DOM, de Moacyr Góes, e os livros Anayde – paixão e morte na

revolução de 30, de José Jofilly, O doce veneno do escorpião, do jornalista Jorge

Tarquini, Madame Bovary, de Gustave Flaubert, São Bernardo, de Graciliano

Ramos, e A sorte dos pobres: Eugênia, de Roberto Schwarz.

Considerações Finais

Nós, professores que atuamos com jovens no ensino médio deparamos, cada

vez mais, com o desafio de apoiá-los para que melhorem suas capacidades de

leitura e de escrita, ampliem suas possibilidades de usar a linguagem, seja ela

verbal ou não verbal, em especial dentro da escola, mas também fora dela. Não

devemos desconsiderar esse desafio ou evitá-lo.

Com mais ou menos dificuldades, acreditamos que podemos atuar ampliando

as capacidades de linguagem dos nossos alunos, das mais variadas maneiras.

Assumir esse desafio exige, antes de mais nada, assumir que nunca estamos

prontos como professores. Como já dizia o educador Paulo Freire: “é

experimentando-nos no mundo que nos fazemos” (FREIRE, 1993, p.40)

Portanto, como professores que somos, podemos dizer que “é

experimentando-nos com os alunos que nos fazemos professores”. Para tanto,

temos que saber traduzir as inovações em práticas pedagógicas que levam a uma

educação de qualidade como disse Cosson (2006, p.121) “as atividades são

possibilidades que só adquirem força educacional quando inseridas em um objetivo

claro sobre o que ensinar e por que ensinar...”

E minha intenção, com essa proposta de leitura, foi a de levar aos alunos

atividades que fossem atrativas e concernentes ao nível de estudo em que se

encontram, para que eu pudesse fazer acontecer o letramento literário ou pelo

menos tentasse chegar a uma prática social, que é responsabilidade da escola.

A iniciativa de organizar o trabalho seguindo a Sequência Expandida,

oportunizou aos alunos práticas de leitura e escrita apreciadas pelos jovens, como

cantar lendo letras de músicas, apreciar filmes, ler imagens, quadrinhos, desenhar,

pintar e escrever com criatividade. Todas essas atividades converteram em

oportunidades de aprendizagem, juntamente com a atuação do professor.

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Dizer que os jovens não leem é um equívoco. Eles leram, escreveram e

interagiram oralmente e por escrito em situações diversas, à medida que foram

envolvidos por uma estratégia educacional bem elaborada e organizada de acordo

com objetivos claros e precisos. Por outro lado, a motivação teve que ser uma

constante nesse trabalho. Pois o jovem é, por natureza, disperso e irrequieto. No

entanto, a intervenção proposta foi bastante compensadora, uma vez que as

múltiplas leituras trabalhadas levaram os educandos a terem um olhar diferente,

mais crítico e reflexivo com relação ao mundo que os cerca.

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