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UFRRJ INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE MONOGRAFIA Comércio local de peixe cultivado na região metropolitana de Porto Alegre.Décio Cotrim 2002

Comercialização local de peixe cultivado na região ... na região metropolitana de Porto Alegre, explorando as vantagens da venda direta do produtor para com o consumidor. A produção

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UFRRJ

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E

SOCIEDADE

MONOGRAFIA

‘Comércio local de peixe cultivado na região

metropolitana de Porto Alegre.’

Décio Cotrim

2002

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE

Comércio local de peixe cultivado na região metropolitana de Porto Alegre

Décio Cotrim

Sob a Orientação do Professor Renato Maluf

Monografia submetida como requisito parcial para obtenção do diploma de

Pós-graduação Lato Sensu em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

Porto Alegre, RS Novembro de 2002

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE

Décio Cotrim

Monografia submetida ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade como requisito parcial para obtenção do diploma de Pós-graduação Lato Sensu em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade MONOGRAFIA APROVADA EM -----/-----/------ (Data da defesa)

Renato Maluf ( Ph.D.) CPDA/UFRRJ

(Orientador)

Nelson Giordano Delgado (Ph.D.) CPDA/UFRRJ

Silvana de Paula (Ph.D.) CPDA/UFRRJ

Nora Beatriz Presno Amodeo (Ph.D.) REDCAPA

sumário:

1. Objetivo 1

2. Introdução 1

2.1 Aquacultura no Brasil 2

2.2 Aquacultura no RS 2

2.3 Comercialização de peixe cultivado no RS 4

3 Descrição da experiência. 6

3.1 Caracterização da região 6

3.2 As Associações de Piscicultores 6

3.3 Mercado local: Feiras da Semana Santa e venda na propriedade 7

3.4 A Organização Regional 9

4. Análise do tema. 11

4.1 O Paradigma Agroecológico 11

4.2 Visão ampla do mercado piscícola 13

4.3 Mercado local ou de proximidade 14

5. Alternativas para o futuro 17

5.1 Mercado Institucional. 17

5.2 A questão da Agroindústria Familiar 18

6. Conclusão 20

7. Bibliografia 21

LISTA DE SÍMBOLOS

RS Rio Grande do Sul;

ASCAR-EMATER/RS Associação Sulina de Crédito e Assistência Técnica

FETAG Federação de Trabalhadores da Agricultura Familiar

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

SIF Sistema de Inspeção Federal

SISPOA Serviço Estadual de Inspeção de Produtos de

Origem Animal

SIM Serviço de Inspeção Municipal

R$ reais

Kg quilogramas

RESUMO

COTRIM, Décio Souza. Comércio local de peixe cultivado na região metropolitana

de Porto Alegre. Porto Alegre: UFRRJ, 2002. 21p.

O presente trabalho estuda o mercado local de peixe cultivado na região metropolitana

de Porto Alegre com destaque para os Vales dos rios Paranhana e Sinos pela

concentração dos agricultores familiares. Nosso objetivo ao analisar o tema é

identificar as potencialidades do mercado local a partir da premissa de que existe uma

relações de confiança entre o consumidor e o produtor, produzindo um espaço sólido de

comercialização com ganhos econômicos para os agricultores e vantagens em qualidade

do produto para os consumidores. Na revisão do tema caracterizamos a piscicultura no

Brasil, no Rio Grande do Sul e posteriormente delimitamos a região de estudo. Usando

dados da Emater/RS quantificamos os volumes de vendas e preço praticado no período

de 1999 até 2002. Descrevemos os avanços destes agricultores no processo de comércio

local na propriedade rural e na feiras da Semana Santa neste mesmo período. Para a

análise do tema discutimos a experiência regional de mercado local com as bibliografias

a partir dos eixos: O Paradigma Agroecológico, A visão ampla do mercado píscicola e

Mercado local ou de proximidade. E finalizamos a análise apontando alternativas para o

futuro deste mercado na região a partir dos eixos: Mercado institucional e A questão da

agroindústria familiar. Concluímos neste trabalho que a utilização de políticas públicas

municipais, estaduais e federais para a qualificação do mercado local e principalmente a

idéia de se ter um planejamento estratégico regionalizado construído de forma

participativa com os agricultores são ferramentas de dinamização que geraram avanços

na região e que podem ser replicadas; A consolidação do mercado local tem como um

dos fundamentos que a relação entre agricultores e consumidores transcenda ao simples

ato da compra pelo menor preço; A opção pela Agroecologia como sendo a norteadora

dos processos de desenvolvimento na região resultou na possibilidade de que os

agricultores familiares de menor capacidade de investimento possam participar da

produção de peixe. Possibilitou, também, que fosse ampliada a preservação da

qualidade da água devido ao sistema de criação sem ração e hormônios e finalmente

proporcionou uma maior equidade na distribuição dos ganhos dos agricultores devido a

ampliação, com o passar dos anos, do número de famílias envolvidas e do aumento dos

ganhos por família.

Palavras chave: peixe cultivado, mercado local, venda na Semana Santa

Comércio local de peixe cultivado na região metropolitana de Porto Alegre.

1. OBJETIVO:

Nossa proposta é analisar o comércio de peixe cultivado realizado pelos agricultores

familiares na região metropolitana de Porto Alegre, explorando as vantagens da venda

direta do produtor para com o consumidor. A produção total de peixe cultivado na

região é da ordem de 1000 toneladas/ano sendo que o mercado local é o principal

responsável pelo escoamento da safra.

Para analisar o tema pensamos em identificar as potencialidades do mercado local a

partir da premissa de que existe uma relações de confiança entre o consumidor e o

produtor, produzindo um espaço sólido de comercialização com ganhos econômicos

para os agricultores e vantagens em qualidade do produto para os consumidores.

Discutiremos que a dinamização do espaço local de comercialização de peixe

cultivado pode ser alavancada por políticas públicas municipais, estaduais e federais

servindo como exemplo desde a melhoria da divulgação dos locais de venda, passando

pela estruturação das condições físicas das bancas, até o uso da mística da Semana

Santa no marketing.

Contrariaremos a tese de que o mercado local é um espaço de amadores e que

naturalmente com o crescimento do volume de produção as agroindústrias seriam

responsáveis pelo escoamento da totalidade dos peixes cultivados.

Pretendemos provar que o mercado local não se esgotará com o crescimento da

piscicultura e que devemos pensar em proposta de qualificação deste espaço, pois trará

ganhos importantes aos agricultores e consumidores.

2. INTRODUÇÃO:

A seqüência lógica da dissertação do trabalho passa pela contextualização da

realidade do peixe cultivado, dos avanços que os agricultores familiares obtiveram na

relação com os diversos atores regionais e finalizaremos com as propostas de

alternativas para dinamização deste espaço.

Como mercado local de peixe cultivado entendemos tanto a comercialização feita

diretamente no açude dentro da propriedade rural, como a realizada na Semana Santa,

em feiras municipais, o que pode ser interpretado por alguns autores como mercado de

ocasião.

Esta análise exclui o mercado de peixe oriundo dos pescadores pois a lógica de

comercialização destes é diferente dos agricultores familiares. O peixe oriundo da pesca

na região vem da Lagoa dos Patos ou da costa do Atlântico Sul, em volumes grandes,

através de empresas atravessadoras, excluindo-se, deste modo, a relação direta dos

pescadores para com o consumidor.

1

2.1 AQUACULTURA NO BRASIL

A aquacultura teve seu início no Oriente, sendo os chineses o primeiro povo a

dedicar-se a piscicultura através do monocultivo de carpas. Segundo a FAO, em 1996, a

produção mundial de aquacultura encontra-se no patamar de 25 milhões de toneladas

sendo que 75% desta de carpa, sendo o peixe mais cultivado. No Brasil a piscicultura

vem crescendo a um ritmo anual superior a 30% ao ano sendo superior aos índices das

grandes atividades rurais convencionais (OSTRENSKY,1998).

No Brasil a produção da pesca extrativa (pesca industrial, pesca profissional

artesanal e pesca amadora) , principal fonte de peixe, encontra-se estagnada na casa das

650 mil toneladas anuais à mais de dez anos. Isto ocorre devido principalmente a

sobrepesca dos estoques dos peixes comerciais. Este fator gera uma demanda reprimida

no consumidor sendo neste espaço que desenvolvendo-se a piscicultura de águas

internas (COTRIM, 1997). A criação de peixes em açudes por agricultores possibilita

fornecimento programado em volumes estáveis aos consumidores, o que é inviável na

atividade pesqueira.

Não existem dados estatísticos sobre a atividade piscícola no país, porém estima-

se a produção nacional em 27 mil toneladas anuais (BORGUETTI,1996). Dados das

empresas de Extensão Rural do Brasil mostram que os três estados sulistas são os

maiores produtores nacionais, sendo que Santa Catarina produz 6,5 mil toneladas de

carpas, tilápias e mexilhões (atividade em amplo crescimento no estado), Paraná produz

9 mil toneladas de tilápias e o Rio Grande do Sul 9 mil toneladas de carpas.

2.2 AQUACULTURA NO RS.

A aquacultura no RS resume-se basicamente a piscicultura realizada por

agricultores familiares em pequenos açudes.

O perfil básico da piscicultura desenvolvida no RS foi apresentado por

MARDINI, em 1997, em trabalho escrito à partir de entrevistas realizadas pela

EMATER/RS . Neste trabalho o autor aponta que a piscicultura compõe no sistema de

produção da unidade familiar, não sendo a principal atividade. O ‘policultivo de carpas’

é o principal sistema de criação utilizado, sendo que em índice superior a 90% dos

açudes, encontrou-se as carpas Húngara, Capim e Cabeça-Grande. As espécies nativas

são minoritárias destacando-se a ocorrência de Jundiá em 2% dos açudes. Os sistemas

de criação extensivo (produtividade de peixe de até 300kg/ha/ano) e semi-intensivo

(produtividade de peixe de até 3000kg/ha/ano) são responsáveis respectivamente por

32,5% e 61% da totalidade das formas de criação do RS.

No Rio Grande do Sul a piscicultura é parte do sistema de produção compondo

com várias atividades agrícolas e não-agrícolas na unidade familiar de produção. O

baixo uso de mão de obra, a necessidade de baixos investimentos iniciais, a baixa

dependência de insumos externos e o manejo simples e rústico são atributos que

favorecem o crescimento da atividade entre os agricultores familiares.

Os primeiros eventos históricos no RS relacionados à piscicultura remontam a

década de 40 quando da fundação da estação de piscicultura de Terra de Areia no

Litoral Norte. Construída com o objetivo de promover o repovoamento da lagoas

costeiras, esta estação foi importante entre os anos 50 e 70 para a popularização das

espécies nativas dos peixes ‘caraá-manteiga’ (Geophagus brasiliensis) e ‘peixe-rei’ de água

doce (Odonthestes bonariensis), e das espécies exóticas da ‘tilápia’ (Tilapia rendalli) e da

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‘carpa comum’ (Cyprinus carpio) que tiveram papel fundamental na formação dos

agricultores na atividade piscícola.

Na década de 80 houve um trabalho inovador na região norte do RS na difusão

de um sistema de criação chamado ‘Policultivo de Carpas’. Este sistema incorporava as

carpas ‘húngara’ (Cyprinus carpio var hungara), ‘capim’ (Ctenopharyngodon idella), ‘cabeça-

grande’ (Aristichthys nobilis) e ‘prateada’ (Hypophtalmicthys molitrix)’, utilizando um método

de criação rústico e bem adaptado as condições climáticas do Sul do Brasil, espalhando-

se por todo estado, sendo o embrião do atual estágio da piscicultura gaúcha.

Em 1993 a Extensão Rural oficial do estado iníciou os trabalhos estruturados na

piscicultura. Em anos anteriores muitos técnicos fizeram experiências na área, porém

não havia um planejamento estratégico para a atividade.

O modelo de orientação técnica adotado pela EMATER/RS foi o ‘Policultivo de

Carpas’, com base alimentar planctonica, sendo um sistema sustentável. O sistema

prevê o uso de subprodutos da propriedade rural para servirem de alimentação aos

peixes, a dependência externa de rações é nula, não há o uso de medicamentos e

agroquímicos sendo o que produto final facilmente pode ser enquadrado como peixe

orgânico. Não existem agricultores no estado que tenham buscado o processo de

certificação de peixe orgânico.

Na década de 90 a piscicultura cresceu de forma consistente em todo o Rio

Grande do Sul conforme mostra a tabela 1 :

Tabela 1- Evolução da Piscicultura no RS.

Ano Número

municípios que

possuem a

atividade

Número de

produtores

assistidos pela

EMATER/RS

Área total de

açudes

(ha)

Produção Total

(ton)

1990 248 315 18

1991 377 402 39

1992 1404 1618 304

1993 4444 5592 1414

1994 5584 3947 11030

1995 8688 3478 8841

1996 215 10124 4408 10077

1997 223 10426 4010 9807

1998 285 9755 4251 8892

1999 290 10000 4500 9000

Fonte: Emater/RS

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Não existem dados estatísticos oficiais para a piscicultura. O único levantamento

de âmbito estadual foi realizado pela EMATER/RS até o anos de 1999. O crescimento

do número de agricultores interessados em ter a criação de peixes como mais um

componente em seu sistema de produção é impar no rol das atividades agropecuárias

gaúchas.

Uma percepção obtida dos técnicos da extensão rural é que cerca de 80% da

produção é comercializada de forma direta na propriedade ou nas feiras. O autoconsumo

familiar também é fator importante a ser considerado no destino da produção de peixes.

2.3 COMERCIALIZAÇÃO DE PEIXE CULTIVADO NO RS.

A cadeia produtiva do peixe cultivado no RS tem elos ainda frágeis e sua

estruturação não é completa.

A agroindustrialização dos peixes é realizada de forma caseira não havendo

grandes indústrias explorando o setor.

Como vantagem desta situação o agricultor que cria peixes tem obtido um

retorno financeiro muito bom, pois recebe parte dos ganhos do setor intermediário da

cadeia. Como desvantagem, existe a possibilidade do estrangulamento no comércio

local em regiões do estado mais afastadas dos pólos populacionais, porém no saldo final

os produtores que estão na atividade avaliam positivamente a opção.

Alguns parâmetros comerciais já puderam ser avaliados, em nível de

consumidor, para aceitação do peixe produzido no ‘Policultivo de Carpas’. O tamanho

do animal a ser vendido parece ser um dos principais fatores na opção da compra. Os

peixes ofertados no mercado devem ser uniformes e estarem com pesos em torno de um

quilo e meio para as carpas húngara e capim, e três quilos para as carpas prateada e

cabeça-grande. Esta equação de peso e tamanho tem um referencial na quantidade dos

espinhos e na concepção de um produto de tamanho adequado a uma refeição familiar.

O peixe cultivado em relação ao pescado marítimo apresenta a vantagem de ser

oferecido ao consumidor algumas horas após o abate, ou mesmo vivo, assegurando

maior qualidade da carne ao consumidor. Devemos, deste modo, aproveitar este fator

quando planejarmos a comercialização e o marketing deste produto.

O mercado do peixe cultivado estruturou-se na diversas regiões do RS através de

uma seqüência comum. Descreveremos estas etapas em quatro fases de organização da

comercialização, buscando sintetizar os principais fatos :

Em uma primeira fase é normal que uma região ou município inicie a criação de

peixes cultivado através de políticas públicas de construção de açudes, obtendo uma

produção pequena nos primeiros anos. Normalmente o comércio é direto entre

produtor e consumidor na propriedade rural. A venda de peixe para vizinhos da

comunidade é corriqueira. Nesta fase um fator importante é o autoconsumo familiar.

Observações de campo demonstram que as famílias que não possuíam açude em

suas propriedades consumiam em média uma vez por mês peixe em sua

alimentação, com a criação estas passam a ter peixe a mesa de duas a três vezes por

semana. Estima-se que o consumo de peixe per capita por ano dos piscicultores seja

de 50kg, comparável aos países mediterrâneos. Estes dados são importantes, do

ponto de vista de diversificação protéica e de segurança alimentar.

Quando a produção aumenta seja pelo maior número de agricultores ou maior

número de açudes surge uma segunda fase. Muitos municípios organizam feiras de

produtores, normalmente na sede do município ou comunidade e aproveitam o apelo

da Semana Santa. Na Semana Santa existia nas cidades do interior uma oferta de

9

4

peixes congelados oriundos do mar com preço muito alto e qualidade ruim, a feira

de peixe cultivado ocupou este espaço oferecendo como vantagem ao consumidor a

compra um peixe fresco e por vezes vivo. A mística da Semana Santa é um fator

fundamental na comercialização de peixe, os preços, na quinzena que antecede a

sexta feira santa, duplicam e por vezes triplicam exigindo que esta data seja

obrigatoriamente lembrada na formulação de um estratégia de comercialização.

Alguns agricultores seguiram uma estratégia alternativas as feiras criando as festas

da despesca. Nos finais de semana que antecedem a sexta feira santa existe a

abertura de açudes de médio porte com uma divulgação para que as pessoas da

cidade se desloquem a propriedade e peguem seu peixe diretamente no açude. Esta

festa da despesca é um atrativo interessante e proporciona integração com o espaço

rural.

A industrialização do peixe cultivado em filé congelado, polpa de peixe, entre outros

produtos é considerada uma terceira fase de comercialização. Para os agricultores

poderem vender filé de peixe em todo RS é necessário uma agroindústria chamada

entreposto de pescado. O entreposto é uma unidade industrial que tem a função de

processar o pescado dando condições sanitárias de comercialização em grandes

redes atingido os pólos populacionais. No RS no ano de 2000 houve revisão das

normas agroindustriais viabilizando-se plantas de entreposto adaptáveis a realidade

das associações dos agricultores familiares. Esta fase ainda não é uma realidade na

cadeia do peixe cultivado do RS pois poucas regiões do estado possuem produção

concentrada e sem mercado definido para implantação de agroindústrias .

Existe um acessório na cadeia do peixe cultivado chamado pesque-pague, que

cresceu nos últimos anos, caracterizando uma quarta fase na organização do

comércio. O sistema pesque-pague é um negócio que aproveita o apelo da pesca

esportiva para o comércio de alimentação, acessórios esportivos e pescarias. Para

fornecer peixe a este comerciantes dos pesque-pague surgiu a figura do

transportador de peixe, que é um intermediário que compra o peixe do agricultor e

vende ao pesque-pague. Normalmente o agricultor com volumes maiores de peixe

utiliza o transportador para escoar sua produção com ganhos menores que na fase

anterior. O pesque-pague exige um alto investimento inicial sendo invariavelmente

excludente para os agricultores familiares.

Estas etapas sucessivas de crescimento da piscicultura caracterizam bem a seqüência

lógica na estruturação da comercialização do peixe cultivado e tem sido uma constantes

nas regiões produtoras. Atualmente a grande maioria dos municípios do estado estão na

segunda fase, estruturando suas feiras municipais e abastecendo o mercado local. O

pesque-pague tem uma abrangência pequena e a agroindústria familiar inicia uma

estruturação na lógica de processamento da produção de pequenos grupos de

piscicultores, que além de industrializar realizam também a comercialização direta dos

produtos.

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3. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA:

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA REGIÃO.

A região metropolitana de Porto Alegre envolve 40 municípios que estão a um

raio de 70 quilômetros da sede da capital. A maior concentração populacional do estado

encontra-se nesta área com 3,749 milhões de habitantes. Dentro destes municípios

encontra-se desde Porto Alegre com seu quase 1,36 milhões de pessoas até municípios

com 4.000 habitantes (IBGE,2000).

O espaço rural dentro da região metropolitana é cada vez menor, pela expansão

do meio urbanos, porém ainda hoje representa um parcela grande e importante dentro da

região.

As atividades agropecuárias dentro da região também sofreram transformações,

pois a especulação imobiliária fez com que apenas as opções mais rentáveis e mais

adaptáveis sociologicamente aos agricultores familiares sobrevivessem. Deste modo, os

cultivos comerciais de grãos como feijão e milho foram paulatinamente substituídos por

árvores frutíferas, produção de leite e criação de pequenos animais. Neste espaço é que

cresce a piscicultura como atividade que ocupa espaço marginal na propriedade (áreas

baixas e alagadas), ocupa pouca mão de obra e necessita de baixo investimento inicial,

dando bom retorno a médio prazo.

Dentro da região metropolitana os vales dos rios Paranhana e Sinos são onde

está concentrada a produção de peixe cultivado. O perfil do produtor envolvido nesta

atividade é de ser um agricultor familiar originário de colonização alemã, italiana e

lusitana, com área de propriedade inferior a quatro módulos fiscais, sistema de produção

em que a piscicultura não é a atividade principal, área média de açude de 0,5 ha,

produção média individual de 1000 kg de peixe por safra com venda condensada na

Semana Santa em feiras municipais ou direto na beira do açude. A renda familiar é

composta principalmente por atividades ligadas a produção de leite, fruticultura,

olericultura e aposentadoria rural sendo que a renda da piscicultura é usada como

reserva para investimentos anuais. Este é o foco de nossa análise dentro deste trabalho.

3.2 AS ASSOCIAÇÕES DE PISCICULTORES.

Nos municípios de Taquara, Novo Hamburgo, Gravataí, Rolante, Parobé,

Igrejinha, Nova Hartz, Campo Bom, Portão, Estância Velha, Presidente Lucena, Dois

Irmãos, Morro Reuter, Santa Maria do Herval e Nova Santa Rita existem como formas

organizativas dos piscicultores as associações ou grupos. Estas organizações são

informais ou no caso das formalizadas têm caracter de sociedade sem fins lucrativos.

As Associações de Piscicultores surgiram em 1993 a partir de Taquara se

popularizando rapidamente. O perfil dos agricultores que montaram estas estruturas

foram de pessoas de idade entre 50 e 60 anos que procuravam atividades de menor uso

de mão de obra mesclado com pessoas jovens que buscam aumentar rendimento de suas

propriedades.

Os objetivos destes grupos são desde a compra coletiva de equipamentos de

manejo e insumos como rede e alevinos, passando pela troca de experiências de

criação, até o exercício da comercialização coletiva.

A extensão rural é motivadora destas associações em uma estratégia de

construção coletiva de tecnologias adaptadas a realidade dos agricultores. Deste modo,

6

a maioria das técnicas de manejo recomendadas pela EMATER/RS foram construídas

no debate dentro das associações de piscicultores. O uso de metodologias como

excursões e dias de campo, entre outras, são comuns entre as associações buscando

aperfeiçoamento do sistema de criação.

As Associações de Piscicultores também são responsáveis pela organização das

Feiras da Semana Santa na região do Vale dos Sinos e do Paranhana.

3.3 MERCADO LOCAL: FEIRAS DA SEMANA SANTA E VENDA NA

PROPRIEDADE

Uma das características da piscicultura da região metropolitana é que a quase

totalidade da produção é comercializada no mercado local, seja direto na propriedade ou

nas feiras da Semana Santa.

A venda direta ao consumidor na propriedade é a forma de comércio onde o

agricultor consegue os maiores ganhos individuais. Praticamente não existe custo de

comercialização dando condições de ofertar o peixe a um preço menor.

As vendas diretas ocorrem para dois tipos de clientes: as pessoas da comunidade

onde está localizada a propriedade, ou para pessoas do meio urbano que por relações de

parentesco na comunidade ou por serem atraídas pelas festas da despesca buscam um

peixe vivo na fonte.

Nas comunidades rurais onde moram vários agricultores que exercem a

piscicultura existe uma mudança progressiva de hábito alimentar, aumentando

gradativamente o consumo de carne de peixe. Estas comunidades consomem muito

peixe na Semana Santa e prosseguem com este hábito o ano todo, mesmo com o preço

do quilograma de peixe ser compatível com o da carne de gado .

A festa da despesca é uma estratégia que surgiu na região do município de

Taquara e vem se espalhando. A idéia é atrair as pessoas do meio urbano para buscarem

seu peixe da Semana Santa, diretamente no açude. Muitos pais levam seus filhos para

passarem um dia no interior, conhecer um açude e brincar no barro tentando ‘agarrar’

um peixe. Alguns agricultores oferecem almoço colonial, cavalos para montaria e outras

atrações rurais. O segredo do sucesso da festa é ter uma boas divulgação das datas e

locais de despesca utilizando para isso carros de som e a rádio local. Esta estratégia está

trazendo bons rendimentos para os produtores.

As Feiras da Semana Santa são o componente mais importante deste mercado

local, sendo o espaço onde se comercializaram os maiores volumes. Normalmente, as

feiras em seus primórdios são formadas por poucos agricultores, com bancas de madeira

improvisadas e trabalham com peixe resfriado ou congelado. Com o passar dos anos

estas estruturas se modernizam, passam a vender prioritariamente peixe vivo, utilizam

bancas de materiais laváveis como inox e cerâmica e criam esquemas de divulgação da

feira.

Na tabela 2 listaremos os dados de volume(Kg) de peixe comercializados entre

os anos de 1999 e 2002 na região metropolitana.

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Tabela 2- Evolução da comercialização de peixe cultivado.

Município 1999 2000 2001 2002

Taquara 30.000 30.000 40.000 38.800

Novo Hamburgo 35.500 30.000 32.000 34.000

Gravataí 2.500 20.000 27.600

Caraá 7.000

Santo Antônio 4.700 5.000

Riozinho 300

Rolante 8.000 10.000 12.500 26.800

Parobé 5.000 6.000 7.000 10.800

Igrejinha 2.000 3.500 5.000 10.000

Três Coroas 2.000 3.000 3.600 5.000

Nova Hartz 600 1.000 1.600 3.215

Araricá 500

Campo Bom 1.500 2.500 1.800 3.500

Sapucaia 10.000 12.000 11.500

Portão 3.500 2.400 8.500

Estância Velha 2.000 4.500 5.030

Ivoti 2.000 1.500 2.000 3.000

Lindolfo Color 500 1.500 4.000 3.000

Pres. Lucena 500 500 1.500

Dois Irmãos 1.500 2.500 800 700

Morro Reuter 2.000 2.400 2.850 5.130

S.M. Herval 5.600 5.000 2.500 5.100

N.S. Rita 5.600 5.000 2.500 8.000

TOTAL 111.500 147.400 132.550 218.475 Fonte: Emater/RS

Analisando os dados da tabela podemos avaliar que a comercialização na feira

da Semana Santa praticamente dobrou em quatro anos. O produto vendido em sua

totalidade foi peixe cultivado dos agricultores familiares .

Devido aos aspectos da legislação sanitária buscou utilizar materiais adequados

nas bancas de comércio e nos utensílios. Para viabilizar esta demanda utilizaram-se

políticas públicas de âmbito federal, estadual e municipal.

A legislação sanitária permite a venda de peixes vivos e eviscerados, porém veta

a venda de animais congelados (em casa) e filés feitos de forma artesanal, pois o

congelamento acoberta o estágio avançado de deterioração e não pode ser realizado sem

a existência de uma agroindústria. Deste modo, houve um incremento nas feiras do

peixe vivo e redução do peixe congelado. Outro fator que impulsiona a venda do peixe

vivo foi a preferência dos consumidores por esta forma.

Em relação aos preços praticados nas feiras houve uma tendência de aumento do

valor pago pelo quilograma bruto com o passar do anos. Na tabela 3 teremos uma

síntese das feiras regionais entre os anos de 1999 e 2002.

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Tabela 3- Evolução do preço do peixe cultivado.

Ano Municípios Feirantes Volume

(Kg)

Preço médio Custo comercialização

1999 19 111.500

2000 20 101 147.400 R$2,00

2001 16 85 132.550 R$2,50

2002 21 100 218.475 R$3,42 R$0,52

Fonte: Emater/RS

A partir do dados podemos analisar que o aumento do valor do quilograma do

peixe não diminuiu o volume comercializado o que indica que o mercado tem um déficit

deste tipo de produto, aceitando pagar mais pelo peixe. Uma inferência que podemos

fazer é que como a pesca extrativa do mar tem seus volumes de captura estagnado o

peixe cultivado está aproveitando este mercado potencial, praticando preços acima do

normal.

O custo de produção estimado na região é de R$ 0,60/ kg considerando custos

variáveis, depreciação do açude e remuneração da mão de obra; o custo médio de

comercialização de 2002 foi de R$0,52/kg; deste modo, o custo médio total do peixe

produzido na região é de R$ 1,12/kg. Os valores pagos aos agricultores pelos

transportadores de peixe para pesque-pague varia de R$1,20 a R$1,80/kg o que gera

lucros na faixa de 50 a 66% do custo de produção, pois estes não têm custo de

comercialização. Os lucros obtidos pelos agricultores que vão as feiras da Semana Santa

chegam a 200% do custo médio total .

Um dos fatos que auxiliaram na ampliação do volume de vendas da região foi a

montagem de uma estratégia de marketing para as feira do peixe da Semana Santa à

partir de 1999. Esta estratégia provocou a unificação dos nomes das feiras passando

todas a chamar ‘Feira do Peixe’; criou-se uma logotipia própria para identificação que é

usada em cartazes e faixas; popularizou-se através da mídia local que a feira é feita por

Agricultores Familiares do município, dando um sentido de confiança no produto

ofertado e valorizando a qualidade sanitária dos animais (vivos ou frescos); debateu-se

regionalmente, antes de cada Semana Santa, o local e o preço a ser praticado e passou-

se esta informação a imprensa de forma unificada. Este processo de qualificação das

feiras é contínuo e vem sendo melhorado a cada ano.

3.4 A ORGANIZAÇÃO REGIONAL

Existem vários atores regionais que trabalham junto aos agricultores familiares e

suas organização na cadeia produtiva do peixe cultivado. Notadamente podemos

salientar a EMATER/RS, a FETAG e as secretarias municipais de agricultura. Estes

atores unificaram suas ações a partir do processo de planejamento participativo regional

buscando encaminhar as principais demandas.

Nas primeiras rodadas de discussão regional as entidades em conjunto com as

associações de piscicultores trataram da organização da feira do peixe. Neste debate

surgiram as evoluções no marketing e na organização o que resultou no aumento do

volume comercializado e do valor agregado ao produto.

Do papel dos atores regionais a EMATER/RS realiza a assistência técnica e

extensão rural aos agricultores familiares da região metropolitana na lógica da cadeia

produtiva, visando o desenvolvimento sustentável. Existem escritórios locais em todos

9

os municípios da região totalizando 50 funcionários. A coordenação regional é sediada

em Porto Alegre sendo composta por 14 técnicos. Os técnicos municipais e regionais

envolvem-se desde os insumos básicos que propiciam a criação de peixes como alevinos

e máquinas, passando pelo manejo dos animais, a agroindustrialização familiar até a

comercialização. A Extensão Rural tem a visão de envolvimentos a montante e a jusante

da propriedade rural suplantando o paradigma de só vivênciar as atividades da ‘porteira

para dentro’.

A FETAG tem uma coordenação regional, sindicatos autônomos em cada

município e uma assessoria técnica na linha do desenvolvimento regional. A FETAG

trabalha na lógica da reestruturação das unidades de produção familiar sendo um apoio

sindical fundamental.

As Secretarias Municipais de Agricultura formam um grupo de gestores e

técnicos municipais que buscam soluções para consolidarem as propostas da

piscicultura em seus municípios.

O principal ator desta organização regional são as Associações de Piscicultores

municipais que tratamos em tópico anterior(3.2).

A unificação destes atores sociais para construção de um plano estratégico

regional para a piscicultura foi e tem sido um diferencial desta região.

10

4. ANÁLISE DO TEMA.

Nesta seção serão abordados as características da experiência de mercado local

de peixe cultivado e seu diálogo entre as bibliografias da área, buscando apontar os

avanços ocorridos, os equívocos de avaliação e as alternativas para os agricultores

familiares.

4.1 O PARADIGMA AGROECOLÓGICO.

A Agroecologica produz uma nova concepção para um entendimento holístico e

sistêmico da interação do homem com o meio ambiente. A busca da sustentabilidade é o

marco referencial para as intervenções no agroecossistema. Para o melhor entendimento

da sustentabilidade dividi-se esta em seis dimensões: Ambiental, Econômica, Social,

Cultural, Política e Ética (CAPORAL,2002). O Desenvolvimento Rural deve ser

analisado sobres estas dimensões para avaliar seu maior ou menor grau de

sustentabilidade.

O quadro 1 a seguir exemplifica com práticas as dimensões da sustentabilidade

buscando fazer correlações ao tema:

Quadro 1- Dimensões da Agroecologia.

DIMENSÕES AÇÕES NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO

Ambiental Conservação do solo e da água, especialmente no caso da

piscicultura.

Ampliar a reciclagem de nutrientes.

Incremento à biodiversidade.

Eliminação do uso de insumos tóxicos.

Ética Buscar novos valores na relação com o ambiente e com os

povos, evitando a exclusão social.

Respeitar a diversidade cultural e ética promovendo os

laços de solidariedade.

Econômica Incentivar a produção para a autoalimentação da familia,

na lógica da soberania e segurança alimentar.

Diminuir a dependência de insumos externos, em especial

ração comercial no caso da piscicultura.

Social Enfocar processos que incentivem a equidade social.

Ampliar a segurança alimentar das populações mais

carentes.

Garantir a melhoria na qualidade de vida.

Cultural Priorizar o desenvolvimento local a partir da cultura nativa

respeitando seus valores em relação ao meio ambiente.

Política Buscar a Participação Popular na tomada de decisões.

Buscar o empoderamento buscando a ampliação da

cidadania. Fonte: CAPORAL 2002

11

Interpretando estes conceitos para a atividade da piscicultura podemos comparar

dois exemplos de sistemas de criação buscando saber qual seria mais sustentável: O

cultivo de camarão comercial em Santa Catarina e o Policultivo de Carpas praticada em

nossa experiência.

O estado de Santa Catarina está expandindo o cultivo de camarão nos espaços

dos mangues do litoral, através de fazendas comerciais de empresas de fora do

estado(VINATEA,1999). Utiliza-se uma espécie exótica de camarão (P. vanameii),

altas doses de ração comercial para alimentação animal e tem-se como objetivo

principal vender o produto para o mercado de São Paulo e Rio de Janeiro. A população

local é contratada como mão de obra não especializada, somente no período de maior

serviço braçal.

Na experiência do Policultivo de Carpas, relatado neste texto, temos uma criação

que compõe o sistema de produção dos agricultores familiares, com tanques construídos

em áreas marginais da propriedade, utilizando como alimento para os peixes os

materiais residuais, aproveitando espécies de peixes rústicas e adaptadas ao meio e

principalmente a comercialização da produção é feita de forma direta através de feiras

ou venda na propriedade.

A criação comercial de camarão desloca a população local da atividade extrativa

de peixes e ostras nos mangues para que ali se instale uma grande fazenda empresarial

(dimensão cultural e ética). Neste sistema o uso de altas doses de ração comercial faz

com que resíduos escoem para rios e lagoas sendo causador de poluição

ambiental(dimensão ambiental) . O uso de espécies exóticas de camarão podem causar

impacto ambiental em espécies nativas no caso de fuga de animais(dimensão ambiental)

. A população local é excluída do processo de desenvolvimento gerado pelas fazendas,

perde um espaço do mangue para buscar sua subsistência e existe uma concentração de

renda que é deslocada para fora da região. (dimensão cultural, econômica e

social)(VINATEA,1999).

O Policultivo de Carpas da experiência regional é uma atividade que se adapta

ao sistema de produção do agricultor familiar, respeitando sua forma de condução da

propriedade( dimensão cultural). Utiliza espécies de peixes rústicas com alimentação

natural evitando impactos no ambiente( dimensão ambiental). Busca incorporar a venda

direta entre o agricultor e o consumidor através de feiras que são controladas pelas

organizações dos piscicultores(dimensão social, política e econômica)

A análise dos dois sistemas de criação nos permite concluir que o cultivo de

camarão principalmente pelos seus aspectos tecnológicos e econômicos é mais

produtivo, mais ‘moderno’ e tráz bons retornos financeiros comparado ao Policultivo

de Carpas, porém utilizando os conceitos de sustentabilidade propostos o sistema

comercial de camarão é agressivo ambientalmente, é excludente para populações locais

e amplia a concentração de renda sendo menos sustentável que o Policultivo de Carpas.

Tentamos mostrar com o exemplo que a análise de processos de

desenvolvimento considerando apenas a dimensão econômica é insuficiente para

conhecer o verdadeiro grau de sustentabilidade de uma experiência.

Acreditamos deste modo, que os princípios agroecológicos são um norte para que

possamos nos orientar na construção coletiva dos processos de desenvolvimento local.

12

A eqüidade social talvez seja o maior desafio nos processos de desenvolvimento

rural no Brasil, o apoio a pequenos unidades familiares de produção rurais dedicados ao

cultivo, transformação e comercialização de produtos agro-alimentares, como no caso

das feiras do peixe, significa promover atividades econômicas geradoras de trabalho e

renda e consequentemente maior eqüidade(MALUF, 1999). Analisando a experiência

regional acreditamos que processo anda na direção da sustentabilidade.

4.2 VISÃO AMPLA DO MERCADO PISCÍCOLA.

Para termos um contexto do mercado local de peixe cultivado é necessário

entendermos minimamente como este mercado esta à nível de Brasil.

Dados do SECEX em 1998 mostram que apenas seis complexos agrícolas

concentraram 88% do valor das exportações agrícolas, e dentro destes, no subsetor

carnes, está o pescado. Em contrapartida nas importações brasileiras, do mesmo

período, trigo, arroz, algodão, leite, milho, malte e pescado, em ordem, são responsáveis

pela metade do valor importado. A pauta de exportação de pescado é formada

basicamente por lagosta e camarão concentrados no nordeste brasileiro e a pauta de

importação é formada por bacalhau salgado e filé de merluza vinda do Mercosul

(COTRIM,1997).

Em países como o Brasil não podemos deixar de considerar o grau de

heterogeneidade social resultante principalmente das desigualdades de renda. Esta

heterogeneidade leva a coexistência de carências de bens de consumo pouco elaborados

e de baixo preço, com produtos com maior valor agregado destinado a grupos distintos

no mercado de alimentos (MALUF,1999). A pauta de importações de pescado

demostra claramente esta característica, onde o bacalhau salgado destina-se a um

mercado de classe média alta e o filé de merluza, um produto pouco elaborado, para as

classes populares.

O filé de merluza tem sido um produto de consumo popular no sul do Brasil

sendo o referencial de competição do produto local dos agricultores familiares. O preço

médio do filé de merluza gira em torno U$ 2,00 a U$ 2,50 por quilograma, colocado no

Brasil, o que atualmente significa R$ 6,00 a R$ 7,50(dólar ao câmbio de R$3,00). Para

sermos competitivos no mercado local este parece ser o preço máximo para o filé dos

peixes cultivados. Para a obtenção de um quilograma de filé de peixe cultivado são

necessários 2,5 quilos de carpas vivas, desta forma, desconsiderando o custo de

transformação, o preço hipotético do peixe bruto( animal como se compra no açude)

referenciado pelo mercado internacional giraria entre R$ 2,40 a R$ 3,00.

Esta análise tem uma leitura em apenas uma dimensão, porém, a decisão de

comprar filé de merluza ou peixes cultivados passa por outras variáveis como qualidade,

frescor e confiança no produto oferecido, o que influencia decisivamente o consumidor.

Nas feiras dos agricultores no ano de 2002 o preço médio praticado foi de

R$3,42, o que demonstra na prática que os referenciais internacionais (R$2,40 a

R$3,00) são importantes no balizamento do preço final. A experiência nos mostra que

agricultores que tentaram ampliar os preços para além destas fronteiras venderam

baixos volumes de peixe e por vezes ficaram com estoque encalhado para posterior a

Semana Santa onde o preço retorna a faixa de R$ 1,20 a R$ 1,80.

O debate sobre preços praticados na Semana Santa é realizado dentro do espaço

das Associações de Piscicultores. No ano de 2002 ampliou-se a discussão para o espaço

regional reunindo os atores regionais e os agricultores. Avalia-se importante esta

estratégia para as feiras locais pois evita o crescimento desordenado do preço.

13

4.3 MERCADO LOCAL OU DE PROXIMIDADE .

O pensamento neoliberal transmite a idéia de que ‘o mercado’ é o regulador das

relações comerciais sendo um ente externo ao local e de controle impossível na

dimensão comunitária ou municipal.

A Agroecologia nos transmite que ao contrário das teorias convencionais que

defendem a idéia de que o desenvolvimento é fruto de uma mudança sociocultural e

tecnológica induzida desde fora dos grupos sociais, o enfoque agroecológico entende

que a busca do desenvolvimento deve partir de uma estratégia centrada no

‘desenvolvimento endógeno’ mas não isolado da sociedade maior. Neste sentido, a

Agroecologia defende a necessidade de que as estratégias de desenvolvimento rural

considerem o potencial endógeno, tanto ecológico como humano, assim como suas

relações com os sistemas econômicos (CAPORAL, 2002).

Nosso entendimento é que as relações comerciais do mercado local,

compreendendo tanto vendas na propriedade como feiras, são uma forma de ampliação

da capacidade de reprodução social dos agricultores familiares. O mercado local

propicia uma estratégia de solidificação das relações sociais de proximidade que

interferem diretamente na comercialização. Deste modo, a confiança no produto que

está sendo ofertado, pois o consumidor conhece o agricultor que o vende, produz laços

que transcendem a simples lógica de comprar o peixe com menor preço .

A experiência dos agricultores familiares enfrentando o mercado local de forma

qualificada, parece ser um avanço na percepção conservadora da produção familiar. A

concepção de que a produção familiar somente planta cultivos tradicionais de

subsistência em condições precárias, é suplantada pela unidades familiares que

adotaram estratégias de articulação com os mercados e de agregação de valor aos seus

produtos, assentada no uso intensivo de mão-de-obra familiar e com baixa intensidade

de capital (MALUF, 2000) . A baixa capacidade de investimentos é característica

marcante e foi responsável pela opção da comercialização na região em feiras do peixe.

Esta forma de comércio tem a possibilidade de ir incrementando as condições físicas da

feira na forma de processo contínuo de crescimento. Na experiência da região o uso

intensivo de mão-de-obra não foi dificuldade para a evolução da feira do peixe, as

famílias rurais participantes destacaram um indivíduo para realizar esta atividade, visto

que, existe normalmente sobra de tempo para os membros familiares.

Durante os anos em que está ocorrendo a experiência da região surgiram várias

propostas alternativas ao modelo de desenvolvimento que se estava adotando. A mais

significativa ocorreu em 2001 quando a associação regional de prefeitos propôs a

construção de uma grande agroindústria de processamento, com capacidade de

transformar a totalidade do peixe cultivado da região. A proposta vinha como a saída

para a ‘modernização’ da piscicultura regional. A lógica era dos sistemas integrados,

onde a indústria entrega os insumos básicos como ração e alevinos e busca no final do

ciclo o peixe criado, dando uma margem de lucro aos agricultores.

14

Esta proposta foi derrubada em discussões regionais, mesmo com a

possibilidade da indústria ser construída com verbas federais à fundo perdido.

O que norteou os atores regionais a negarem este processo foram os

compromissos que os agricultores tinham assumido com o mercado local, o pouco

interesse na pequena margem de lucro tendo como espelho o sistema de integração de

aves e suínos e a opção dos agricultores de buscarem pequenas unidades de

agroindustrialização com dimensão comunitária ou municipal.

Na lógica de ampliar a oferta de alimentos que expressam a diversidade de

hábitos (no exemplo o peixe cultivado) é que vem crescendo a estratégia das feiras

municipais, mas também, para induzir a concorrência em mercados controlados por

grandes corporações (MALUF,1999).

A experiência regional também buscou ofertar peixes nas grandes redes de

supermercado. Durante uma fase em 1999 dentro de um dos maiores hipermercados de

Porto Alegre foi vendido peixe vivo colocado em um grande aquário no setor de

peixaria. A tentativa produziu resultados durante quatro meses e cessou.

Na avaliação do grupo que participou desta modalidade de venda falhou-se na

logística de entrega dos peixes, pois o supermercado exigiu um sistema de entrega de

animais vivos incompatível com a capacidade dos agricultores.

Dentro do espaço do supermercado o agricultor perdeu o contato pessoal com o

consumidor o que fez com que as vendas fossem inferiores às observadas em feiras

municipais. Um fato interessante é que a direção do supermercado sentiu um aumento

das vendas de peixes na peixaria( filés e peixes do mar) diagnosticando que a presença

de peixes vivos junto ao setor produzia uma sensação sub-liminar de que a totalidade

dos peixes era fresca.

O fracasso da venda em grandes supermercados fortaleceu na região a idéia de

que o mercado local deveria ser dinamizado e ampliado para que os agricultores

ocupassem este espaço, pois as estruturas concentradas das grandes corporações e redes

de supermercados dificultam e impedem a reprodução de um amplo conjunto de

agricultores constituindo um fator de iniquidade(MALUF,1999).

Para constituição das estratégias de dinamização do mercado construiu-se um

diagnóstico regional das demandas e desejos dos consumidores locais. Desta forma,

diagnosticou-se que o consumidor valoriza prioritariamente o aspecto do frescor do

produto buscando garantia sanitária; em segundo lugar o aspecto da presença de

espinhos na carne relacionado ao tamanho do peixe.

A presença de espinhos é fundamental quando se pretende alimentar crianças

havendo um preferencia nestes casos por filés.

Em relação ao tamanho do peixe se o objetivo da compra for a festa familiar da

Páscoa busca-se invariavelmente animais entre quatro a cinco quilos utilizando-os

assados. Por outro lado, se o consumidor objetiva uma refeição familiar cotidiana o

ideal é um peixe entre 1,5 e 2 quilos, que pode ser usado na forma frita, assada ou

grelhada.

O consumidor valoriza o produto de seu município ou região entendendo que o

conhecimento da pessoa que vende o peixe lhe tráz garantia de qualidade. A valorização

do meio rural e de seu estilo de vida foram também diagnosticadas como sendo pontos

importantes a serem explorados na comercialização direta.

Os meios de comunicação mais eficientes para publicidade das feiras do peixe e

das festas da despesca na Semana Santa foram em ordem: rádio local, carros de som nos

bairros e jornal local

15

Na região não existe agroindústria instalada para processamento de peixe bruto

em filé que estejam legalizadas nos órgãos de inspeção sanitária. Deste modo, os filés

de carpa na feira são oriundos de processamento caseiro não possuindo legalização.

Nesta perspectiva as estratégia criadas pelos agricultores para dinamizar as feiras da

Semana Santa foram:

Padronizar regionalmente o nome da feira como ‘Feira do Peixe’ buscando

identifica-la como realizada por agricultores familiares que produzem um peixe de

qualidade na região.

Trabalhar prioritariamente com peixe vivo ou recém abatido que transmitem

sensação de frescor. Reduzir a oferta de peixe congelado.

Vender preferencialmente peixes grandes próximos a 5 quilos e peixes médios na

faixa de 1,5 a 2 quilos. Evitar peixes menores onde a grande quantidade de espinhos

é um problema.

Trabalhar um marketing regionalizado em todas as mídias, vendendo a idéia de uma

organização regional formada por agricultores familiares buscando uma identidade

na lógica do mercado solidário.

Qualificar as estruturas físicas da feira adequando-se a legislação. Este ponto esta

em processo de melhoria continuada, utilizando políticas públicas municipais,

estaduais e federais para atender a demanda.

Ampliar a propaganda na Semana Santa usando mídias locais como rádio, carros de

som e faixas.

Estas estratégia foram sistematizadas a partir da construção coletiva das Associações

de Piscicultores e dos técnicos envolvidos com o tema durante os anos da experiência.

Outro ponto atacado na dinamização do mercado local foi a venda direta na

propriedade. A estratégia principal para qualificar o mercado realizado na propriedade

foi a ‘Festa da Despesca’.

A ‘festa da despesca’ realizada nos finais de semana que antecedem à Semana

Santa, busca aproveitar o espaço rural unido a questão da venda do peixe. O turismo

rural na região é uma alternativa que vem crescendo devido à localização geográfica

próximo a Rota da Serra (entre Gramado e Canela) e da identidade com o meio rural

que os habitantes urbanos da região ainda possuem. Muitas pessoas que hoje moram nas

cidades da região migraram do meio rural nas décadas de 70 e 80 devido aos efeitos

negativos da ‘revolução verde’ e o crescimento da indústria calçadista.

Tem se tornado uma tradição as pessoas da cidade aproveitarem o evento da ‘festa

da despesca’ para levarem seus filhos a conhecerem uma fazenda, andarem à cavalo e

pescarem seu peixe para a Páscoa. Em muitas propriedades é oferecida a modalidade

‘agarrar’ seu peixe dentro do açude que, realmente, deixa a festa animada. Em outras

propriedades é oferecido almoço colonial e venda de produtos típicos como cucas e

doces.

A cada ano as ‘festas da despesca’ recebem mais pessoas criando uma espécie de

marca para a região. As estratégias de marketing e propaganda da feira do peixe

também promovem estes eventos.

Acreditamos que a experiência regional tenha avançado na ampliação e qualificação

do mercado local como um espaço importante e sólido, desconectando a idéia de

amadorismo. A construção coletiva de alternativas para dinamização das relações locais

de comércio tem propiciado aos agricultores familiares ampliarem sua participação na

condução do processo e crescimento da cidadania. A soberania e segurança alimentar de

16

uma região se expressam também na adoção de estratégias baseadas em circuitos curtos

de mercadoria e no abastecimento regional( CAPORAL,2002).

5. ALTERNATIVAS PARA O FUTURO.

A venda direta na propriedade e na feira do peixe não são necessariamente as duas

únicas formas de mercado local para que os agricultores vendam seus peixes. O

mercado institucional com venda a orgãos públicos como escolas, quartéis e presídios

são alternativas inexploradas. Atualmente somente são explorados canais do mercado

local pois a produção não consegue suprir a demanda.

Como exercício acadêmico discutiremos as vantagens e os entraves para a utilização

pelos agricultores do mercado institucional e a questão da agroindústria familiar na

região.

5.1 MERCADO INSTITUCIONAL

A definição de mercado institucional é do mercado formado pelas compras do

governo, neste caso ligado ao fornecimento de alimentos para a merenda escolar,

hospitais, presídios, etc através de ritos próprios da administração pública como a

licitação(PAULA,1999). Este processo de compra oficial de alimentos para as

instituições, na maioria das vezes, privilegiou as empresas de maior porte ou os

atravessadores da produção agrícola, devido as questões de informação e de logística. O

acesso dos agricultores familiares a este mercado sempre foi barrado pela necessidade

de grande escala de produção e pelas características do produto licitado que não

favoreciam a produção colonial.

Neste exercício analisaremos os programas de merenda escolar que parecem ser

a fatia do mercado institucional que melhor se aplica na região de nossa experiência.

A merenda escolar no Brasil em 40 anos de história passou por diversas fases:

inicialmente era dependente de doações de alimentos internacionais; em um segundo

momento passou a ser incorporada à política do Estado substituindo o produto

estrangeiro por nacional; em uma terceira fase passou a alçada do governo estadual ; e

atualmente chegou a autonomia aos municípios em uma perspectiva de regionalização

do cardápio, buscando sair dos produtos enlatados e desidratados que caracterizavam a

alimentação nas escolas. (PAULA, 1999).

Em 1994 o governo federal municipalizou a merenda escolar transferindo

diretamente ao município recursos para sua implementação. A coordenação do processo

é feito pelo Conselho de Alimentação Escolar. A constituição do montante de recurso

para merenda é formada por recursos diretos do município, repasses da União e Estados

e doações de entidades particulares (PAULA,1999).

A possibilidade de que os agricultores familiares forneçam peixe para a merenda

escolar é concreta. O caminho é trabalharmos nos Conselhos Municipais de

Alimentação Escolar a idéia de que o peixe é um alimento sadio, com propriedades

nutricionais positivas e produzido na região, facilitando assim sua logística de

fornecimento as escolas.

Existem alguns entraves para a efetivação desta possibilidade de mercado

institucional:

As merendeiras, que são as pessoas que preparam a alimentação na escola, preferem

produtos industrializados como enlatados, pois diminui o tempo de trabalho, o peixe

cultivado é um produto na contramão desta tendência;

17

A presença de espinhos na carne é um fator negativo na alimentação de crianças

sendo um problema para os peixes cultivados;

Dificuldade para ter-se regularidade na entrega do produto;

A característica do peixe de ter que ser consumido imediatamente;

As licitações realizadas nos municípios não tem se preocupado em descrever o

produto de modo a favorecerem a produção colonial local.

As estratégias sugeridas para efetivar o mercado institucional na região de modo

que agricultores possam vender peixe para merenda escolar são:

1. Os atores regionais que organizam as feiras do peixe da Semana Santa podem

promover seminários de esclarecimento e conscientização aos conselheiros

municipais das vantagens em comprar peixe dos agricultores familiares da região.

Do ponto de vista da saúde das crianças estas teriam a possibilidade de conhecer um

tipo de carne diferente da carne vermelha a que estão acostumadas, promovendo

uma mudança positiva do hábito alimentar. Do ponto de vista da economia local,

investir na agricultura familiar é uma forma de dinamizar a economia local, pois

aumentaria o capital que gira e é investido em atividades produtivas da região.

2. Para solucionar os problemas correlatos aos espinhos na carne e da dificuldade de

manipulação pelas merendeiras sugerimos a capacitação dos agricultores para

processamento de produtos como filé de peixe, peixes salgados, peixes defumados e

‘fishburger’. A UFRGS possui trabalhos de processamento de peixes pequenos, com

muitos espinhos, na forma de ‘fishburger’ que mostraram ótima aceitação por

crianças sem problemas para alimentação.

3. Seria necessário capacitar a Administrações Municipais na constituição de licitações

que explicitem características do produto que somente a produção colonial pode

suprir. Deste modo, a competição desleal entre os agricultores e as grandes empresas

do setor alimentício seriam diminuídas.

5.2 A QUESTÃO DA AGROINDÚSTRIA FAMILIAR.

Uma das estratégias citada no item anterior tráz embutida a idéia da

agroindústria familiar, pois para podermos processar peixes em filés, salgados,

defumados ou ‘fishburger’ temos que possuir uma instalação própria para estes

processamentos.

A legalização sanitária de uma instalação agroindustrial pode ser feita no âmbito

federal através do SIF (Serviço de Inspeção Federal), no âmbito estadual através do

SISPOA (Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal) ou no âmbito municipal

através do SIM (Serviço de Inspeção Municipal).

Dependendo do âmbito da legalização existirá autorização de comercialização,

deste modo, estabelecimento legalizados pelo SIM somente podem comercializar seus

produtos dentro do município de origem, agroindústrias legalizadas pelo SISPOA

somente podem comercializar seus produtos dentro do estado do RS e finalmente

estabelecimentos com liberação pelo SIF podem vender em qualquer parte do território

nacional ou fora dele.

A lógica deste sistema é que as unidades agroindustriais projetadas para

atenderem as normas do SIF tem um tamanho avantajado, com investimentos

incompatíveis com os agricultores familiares e que as agroindústrias projetadas para

atenderem as normas do SIM são pequenas e com investimentos baixos.

18

Em 2000 no estado do RS houve um revisão das normas agroindustriais do

SISPOA para processamento de pescado. Com esta revisão um projeto básico de um

entreposto de pescado passou de um investimento da ordem de R$200.000,00 para

R$20.000,00 viabilizando estas unidades processadoras.

Na proposta de estratégia de oferecer produtos processados para a merenda

escolar ou mesmo para colocar filés nas feiras do peixe, as agroindústrias dentro da

norma SISPOA ou SIM são viáveis para os agricultores da região da experiência.

Como entraves ao processo de agroindustrialização familiar na região temos as

dificuldades financeiras dos agricultores para investimentos neste setor. Temos também,

uma produção atual de peixe que está toda comprometida com o mercado local não

existindo estoques para processamento.

Como estratégias para efetivar a agroindustrialização familiar do peixe cultivado

na região podemos sugerir:

1 Ampliação de políticas públicas municipais, estaduais e federais para construção

de tanques de piscicultura aos agricultores familiares, aumentando a capacidade de

produção de peixe para estes poderem atingir outros mercados como o da merenda

escolar.

2 Incremento de políticas públicas de financiamento para a construção de

agroindústrias familiares dentro das normas do SIM e SISPOA.

3 Capacitação dos agricultores em agroindústria familiar para que estes

compreendam a lógica deste processo.

4 Formação técnica dos agricultores em processamento de pescado como filés,

peixes salgados, peixes defumados e ‘fishburger’.

19

6. CONCLUSÃO:

A cadeia produtiva do peixe cultivado na região metropolitana de Porto Alegre

tem uma história recente e como tal, precisa de certos cuidados para sua apreciação.

Porém alguns avanços nas estratégias de desenvolvimento através do mercado local

podem ser consideradas como norteadoras para outras regiões .

A utilização de políticas públicas municipais, estaduais e federais para a

qualificação de estruturas como feiras e festas, o uso concomitante de várias mídias para

divulgação dos eventos e principalmente a idéia de se ter um planejamento estratégico

regionalizado construído de forma participativa com os agricultores são ferramentas de

dinamização do mercado local que geraram avanços na região e que podem ser

replicadas.

A consolidação do mercado local tem como um dos fundamentos que a relação

entre agricultores e consumidores transcenda ao simples ato da compra pelo menor

preço. As implicações desta tendência sistematizada na experiência devem ser

analisadas com profundidade para serem entendidas e, deste modo, extrapoladas para

outras realidades.

A opção pela Agroecologia como sendo norteadora dos processos de

desenvolvimento na região resultou na possibilidade de que os agricultores familiares de

menor capacidade de investimento possam participar da produção de peixe. Possibilitou,

também, que fosse ampliada a preservação da qualidade da água devido ao sistema de

criação sem ração e hormônios e, finalmente, proporcionou uma maior equidade na

distribuição dos ganhos dos agricultores devido a ampliação, com o passar dos anos, do

número de famílias envolvidas e do aumento dos ganhos por família.

Na experiência regional a idéia de constituir uma grande agroindústria

centralizadora do processamento foi negada pelos agricultores. Os compromissos

assumidos com os consumidores locais geraram elos importantes nas relações

comerciais. Acreditamos que as agroindústrias familiares de pequenos porte sejam uma

opção para o futuro na região.

20

7. BIBLIOGRAFIA:

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