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TAUÃ LIMA VERDAN RANGEL COMPÊNDIO DE ENSAIOS JURÍDICOS: TEMAS DE DIREITOS HUMANOS V. 01 N 4

Compêndio de Ensaios Jurídicos: Temas de Direitos Humanos, v. 01, n. 04

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Tradicionalmente, o Direito é reproduzido por meio de “doutrinas”, que constituem o pensamento de pessoas reconhecidas pela comunidade jurídica em trabalhar, academicamente, determinados assuntos. Assim, o saber jurídico sempre foi concebido como algo dogmático. É possível, à luz da tradicional visão empregada, afirmar que o Direito é um campo no qual não se incluem somente as instituições legais, as ordens legais, as decisões legais; mas, ainda, são computados tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das mencionadas instituições, ordens e decisões, materializando, comumente, uma “meta direito”. No Direito, a construção do conhecimento advém da interpretação de leis e as pessoas autorizadas a interpretar as leis são os juristas.Contudo, o alvorecer acadêmico que é presenciado pelos Operadores do Direito, que se debruçam no desenvolvimento de pesquisas, passa a conceber o conhecimento de maneira prática, utilizando as experiências empíricas e o contorno regional como elementos indissociáveis para a compreensão do Direito. Ultrapassa-se a tradicional visão do conhecimento jurídico como algo dogmático, buscando conferir molduras acadêmicas, por meio do emprego de métodos científicos. Neste aspecto, o Compêndio de Ensaios Jurídico objetiva disponibilizar para a comunidade interessada uma coletânea de trabalhos, reflexões e inquietações produzida durante a formação acadêmica do autor. Debruçando-se especificamente sobre a temática de Direitos Humanos, o presente busca trazer para o debate uma série de assuntos contemporâneos e que reclamam maiores reflexões.

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  • TAU LIMA VERDAN

    RANGEL

    COMPNDIO DE ENSAIOS

    JURDICOS: TEMAS DE

    DIREITOS HUMANOS

    V.

    01

    N

    4

  • COMPNDIO DE ENSAIOS JURDICOS:

    TEMAS DE DIREITOS HUMANOS

    (V. 01, N. 04)

    Capa: Tarsila do Amaral, Operrios (1933).

    ISBN: 978-1516862351

    Editorao, padronizao e formatao de texto

    Tau Lima Verdan Rangel

    Projeto Grfico e capa

    Tau Lima Verdan Rangel

    Contedo, citaes e referncias bibliogrficas

    O autor

    de inteira responsabilidade do autor os conceitos aqui

    apresentados. Reproduo dos textos autorizada

    mediante citao da fonte.

  • A P R E S E N T A O

    Tradicionalmente, o Direito reproduzido por

    meio de doutrinas, que constituem o pensamento de

    pessoas reconhecidas pela comunidade jurdica em

    trabalhar, academicamente, determinados assuntos.

    Assim, o saber jurdico sempre foi concebido como algo

    dogmtico. possvel, luz da tradicional viso

    empregada, afirmar que o Direito um campo no qual

    no se incluem somente as instituies legais, as ordens

    legais, as decises legais; mas, ainda, so computados

    tudo aquilo que os especialistas em leis dizem acerca das

    mencionadas instituies, ordens e decises,

    materializando, comumente, uma meta direito. No

    Direito, a construo do conhecimento advm da

    interpretao de leis e as pessoas autorizadas a

    interpretar as leis so os juristas.

    Contudo, o alvorecer acadmico que

    presenciado pelos Operadores do Direito, que se

    debruam no desenvolvimento de pesquisas, passa a

    conceber o conhecimento de maneira prtica, utilizando

    as experincias empricas e o contorno regional como

    elementos indissociveis para a compreenso do Direito.

  • Ultrapassa-se a tradicional viso do conhecimento

    jurdico como algo dogmtico, buscando conferir

    molduras acadmicas, por meio do emprego de mtodos

    cientficos. Neste aspecto, o Compndio de Ensaios

    Jurdico objetiva disponibilizar para a comunidade

    interessada uma coletnea de trabalhos, reflexes e

    inquietaes produzida durante a formao acadmica do

    autor. Debruando-se especificamente sobre a temtica

    de Direitos Humanos, o presente busca trazer para o

    debate uma srie de assuntos contemporneos e que

    reclamam maiores reflexes.

    Boa leitura!

    Tau Lima Verdan Rangel

  • 5

    S U M R I O

    Apontamentos Declarao sobre os Direitos das Pessoas

    Pertencentes a Minorias Nacionais ou tnicas, Religiosas e

    Lingusticas: comentrios Resoluo da ONU n 47/135 ......... 06

    Apontamentos Resoluo da ONU n 2.542/75: ponderaes

    Declarao dos Direitos das Pessoas Portadoras de

    Deficincias .................................................................................. 49

    A tutela jurdica do patrimnio gentico na Constituio

    Federal: a construo do Biodireito como Direitos Humanos de

    Quarta Gerao ........................................................................... 89

    Apontamentos Declarao Universal dos Direitos da gua:

    consideraes contemporneas ao reconhecimento da gua

    potvel como Direito Humano ..................................................... 131

    Do reconhecimento ao acesso ao patrimnio cultural como

    Direitos Humanos: a releitura dos Direitos de Segunda

    Dimenso ..................................................................................... 173

    Singelo painel ao reconhecimento da Biotica na condio de

    Direito Humano de Quarta Dimenso: breves ponderaes

    Declarao Universal de Biotica e Direitos Humanos .............. 217

    Singelo painel ao reconhecimento do Genoma Humano como

    elemento dos Direitos Humanos de Quarta Dimenso ............... 261

  • 6

    APONTAMENTOS DECLARAO

    SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS

    PERTENCENTES A MINORIAS

    NACIONAIS OU TNICAS, RELIGIOSAS

    E LINGUSTICAS: COMENTRIOS

    RESOLUO DA ONU N 47/135

    Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira macia,

    acerca da evoluo dos direitos humanos, os quais deram

    azo ao manancial de direitos e garantias fundamentais.

    Sobreleva salientar que os direitos humanos decorrem de

    uma construo paulatina, consistindo em uma

    afirmao e consolidao em determinado perodo

    histrico da humanidade. Quadra evidenciar que

    sobredita construo no se encontra finalizada, ao

    avesso, a marcha evolutiva rumo conquista de direitos

    est em pleno desenvolvimento, fomentado, de maneira

    substancial, pela difuso das informaes propiciada

    pelos atuais meios de tecnologia, os quais permitem o

    florescimento de novos direitos, alargando, com bastante

    substncia a rubrica dos temas associados aos direitos

    humanos. Os direitos de primeira gerao ou direitos de

  • 7

    liberdade tm por titular o indivduo, so oponveis ao

    Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

    pessoa e ostentam subjetividade. Os direitos de segunda

    dimenso so os direitos sociais, culturais e econmicos

    bem como os direitos coletivos ou de coletividades,

    introduzidos no constitucionalismo das distintas formas

    do Estado social, depois que germinaram por ora de

    ideologia e da reflexo antiliberal. Dotados de altssimo

    teor de humanismo e universalidade, os direitos de

    terceira gerao tendem a cristalizar-se no fim do sculo

    XX enquanto direitos que no se destinam

    especificamente proteo dos interesses de um

    indivduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

    especificamente.

    Palavras-chaves: Direitos Humanos. Direito das

    Minorias. Reconhecimento Humanstico.

    Sumrio: 1 Comentrios Introdutrios: Ponderaes ao

    Caracterstico de Mutabilidade da Cincia Jurdica; 2

    Preldio dos Direitos Humanos: Breve Retrospecto da

    Idade Antiga Idade Moderna; 3 Direitos Humanos de

    Primeira Dimenso: A Consolidao dos Direitos de

    Liberdade; 4 Direitos Humanos de Segunda Dimenso:

    Os Anseios Sociais como substrato de edificao dos

    Direitos de Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira

    Dimenso: A valorao dos aspectos transindividuais dos

    Direitos de Solidariedade; 6 Apontamentos Declarao

    sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias

    Nacionais ou tnicas, Religiosas e Lingusticas:

    Comentrios Resoluo da ONU n 47/135

  • 8

    1 COMENTRIOS INTRODUTRIOS:

    PONDERAES AO CARACTERSTICO DE

    MUTABILIDADE DA CINCIA JURDICA

    Em sede de comentrios inaugurais, ao se

    dispensar uma anlise robusta sobre o tema colocado em

    debate, mister se faz evidenciar que a Cincia Jurdica,

    enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouo

    doutrinrio e tcnico, assim como as pujantes

    ramificaes que a integra, reclama uma interpretao

    alicerada nos mltiplos peculiares caractersticos

    modificadores que passaram a influir em sua

    estruturao. Neste diapaso, trazendo a lume os

    aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

    Direito, tornou-se imperioso salientar, com nfase, que

    no mais subsiste uma viso arrimada em preceitos

    estagnados e estanques, alheios s necessidades e s

    diversidades sociais que passaram a contornar os

    Ordenamentos Jurdicos. Ora, em razo do burilado,

    infere-se que no mais prospera a tica de imutabilidade

  • 9

    que outrora sedimentava a aplicao das leis, sendo, em

    decorrncia dos anseios da populao, suplantados em

    uma nova sistemtica. verificvel, desta sorte, que os

    valores adotados pela coletividade, tal como os

    proeminentes cenrios apresentados com a evoluo da

    sociedade, passam a figurar como elementos que

    influenciam a confeco e aplicao das normas.

    Com escora em tais premissas, cuida hastear

    como pavilho de interpretao o prisma de avaliao o

    brocardo jurdico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

    est a sociedade, est o Direito', tornando explcita e

    cristalina a relao de interdependncia que esse binmio

    mantm1. Deste modo, com clareza solar, denota-se que

    h uma interao consolidada na mtua dependncia, j

    que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante

    processo de evoluo da sociedade, com o fito de que seus

    Diplomas Legislativos e institutos no fiquem inquinados

    de inaptido e arcasmo, em total descompasso com a

    realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

    1 VERDAN, Tau Lima. Princpio da Legalidade: Corolrio do

    Direito Penal. Jurid Publicaes Eletrnicas, Bauru, 22 jun.

    2009. Disponvel em: . Acesso em 11 ago.

    2015.

  • 10

    estrutural dependncia das regras consolidadas pelo

    Ordenamento Ptrio, cujo escopo fundamental est

    assentado em assegurar que inexista a difuso da prtica

    da vingana privada, afastando, por extenso, qualquer

    rano que rememore priscas eras, nas quais o homem

    valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talio

    (Olho por olho, dente por dente), bem como para evitar

    que se robustea um cenrio catico no seio da

    coletividade.

    Afora isso, volvendo a anlise do tema para o

    cenrio ptrio, possvel evidenciar que com a

    promulgao da Constituio da Repblica Federativa do

    Brasil de 1988, imprescindvel se fez adot-la como

    macio axioma de sustentao do Ordenamento

    Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

    amoldagem do texto legal, genrico e abstrato, aos

    complexos anseios e mltiplas necessidades que

    influenciam a realidade contempornea. Ao lado disso,

    h que se citar o voto magistral voto proferido pelo

    Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ao de

    Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF, o

    direito um organismo vivo, peculiar porm porque no

  • 11

    envelhece, nem permanece jovem, pois contemporneo

    realidade. O direito um dinamismo. Essa, a sua fora, o

    seu fascnio, a sua beleza2. Como bem pontuado, o

    fascnio da Cincia Jurdica jaz justamente na constante

    e imprescindvel mutabilidade que apresenta, decorrente

    do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

    aplicao dos Diplomas Legais.

    Ainda nesta senda de exame, pode-se

    evidenciar que a concepo ps-positivista que passou a

    permear o Direito, ofertou, por via de consequncia, uma

    rotunda independncia dos estudiosos e profissionais da

    Cincia Jurdica. Alis, h que se citar o entendimento

    2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acrdo em Arguio de

    Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF. Empresa

    Pblica de Correios e Telgrafos. Privilgio de Entrega de

    Correspondncias. Servio Postal. Controvrsia referente Lei

    Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

    direitos e obrigaes concernentes ao Servio Postal. Previso de

    Sanes nas Hipteses de Violao do Privilgio Postal.

    Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegao de

    afronta ao disposto nos artigos 1, inciso IV; 5, inciso XIII, 170,

    caput, inciso IV e pargrafo nico, e 173 da Constituio do Brasil.

    Violao dos Princpios da Livre Concorrncia e Livre Iniciativa. No

    Caracterizao. Arguio Julgada Improcedente. Interpretao

    conforme Constituio conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

    estabelece sano, se configurada a violao do privilgio postal da

    Unio. Aplicao s atividades postais descritas no artigo 9, da lei.

    rgo Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurlio.

    Julgado em 05 ago. 2009. Disponvel em: . Acesso

    em 11 ago. 2015.

  • 12

    de Verdan, esta doutrina o ponto culminante de uma

    progressiva evoluo acerca do valor atribudo aos

    princpios em face da legislao3. Destarte, a partir de

    uma anlise profunda de sustentculos, infere-se que o

    ponto central da corrente ps-positivista cinge-se

    valorao da robusta tbua principiolgica que Direito e,

    por conseguinte, o arcabouo normativo passando a

    figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

    flmulas hasteadas a serem adotadas na aplicao e

    interpretao do contedo das leis.

    2 PRELDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

    RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA IDADE

    MODERNA

    Ao ter como substrato de edificao as

    ponderaes estruturadas, imperioso se faz versar, de

    maneira macia, acerca da evoluo dos direitos

    humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

    garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

    direitos humanos decorrem de uma construo

    3 VERDAN, 2009, s.p.

  • 13

    paulatina, consistindo em uma afirmao e consolidao

    em determinado perodo histrico da humanidade. A

    evoluo histrica dos direitos inerentes pessoa humana

    tambm lenta e gradual. No so reconhecidos ou

    construdos todos de uma vez, mas sim conforme a

    prpria experincia da vida humana em sociedade4,

    como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

    evidenciar que sobredita construo no se encontra

    finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo

    conquista de direitos est em pleno desenvolvimento,

    fomentado, de maneira substancial, pela difuso das

    informaes propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

    os quais permitem o florescimento de novos direitos,

    alargando, com bastante substncia a rubrica dos temas

    associados aos direitos humanos.

    Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

    anlise histrica sobre a construo dos direitos

    humanos, possvel fazer meno ao terceiro milnio

    antes de Cristo, no Egito e Mesopotmia, nos quais eram

    4 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

    Direitos fundamentais: a evoluo histrica dos direitos humanos,

    um longo caminho. In: mbito Jurdico, Rio Grande, XII, n. 61,

    fev. 2009. Disponvel em: .

    Acesso em 11 ago. 2015.

  • 14

    difundidos instrumentos que objetivavam a proteo

    individual em relao ao Estado. O Cdigo de

    Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificao

    a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

    tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

    famlia, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

    relao aos governantes, como bem afiana Alexandre de

    Moraes5. Em mesmo sedimento, proclama Rbia

    Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

    Na antiguidade, o Cdigo de Hamurabi (na

    Babilnia) foi a primeira codificao a

    relatar os direitos comuns aos homens e a

    mencionar leis de proteo aos mais fracos.

    O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), h mais

    de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

    Cdigo de Hamurabi, j fazia constar alguns

    Direitos Humanos, tais como o direito

    vida, famlia, honra, dignidade,

    proteo especial aos rfos e aos mais

    fracos. O Cdigo de Hamurabi tambm

    limitava o poder por um monarca absoluto.

    Nas disposies finais do Cdigo, fez constar

    que aos sditos era proporcionada moradia,

    5 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

    Teoria Geral, Comentrio dos art. 1 ao 5 da Constituio da

    Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

    Jurisprudncia. 9 ed. So Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06.

  • 15

    justia, habitao adequada, segurana

    contra os perturbadores, sade e paz6.

    Ainda nesta toada, nas polis gregas,

    notadamente na cidade-Estado de Atenas, verificvel,

    tambm, a edificao e o reconhecimento de direitos

    basilares ao cidado, dentre os quais sobressai a

    liberdade e igualdade dos homens. Deste modo,

    observvel o surgimento, na Grcia, da concepo de um

    direito natural, superior ao direito positivo, pela

    distino entre lei particular sendo aquela que cada povo

    da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

    de distinguir entre o que justo e o que injusto pela

    prpria natureza humana7, consoante evidenciam

    Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

    que os direitos reconhecidos no eram estendidos aos

    escravos e s mulheres, pois eram dotes destinados,

    exclusivamente, aos cidados homens8, cuja acepo, na

    viso adotada, exclua aqueles. na Grcia antiga que

    6 ALVARENGA, Rbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

    perspectiva social do trabalho. Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015, p.

    01. 7 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 8 MORAES, 2011, p. 06.

  • 16

    surgem os primeiros resqucios do que passou a ser

    chamado Direito Natural, atravs da ideia de que os

    homens seriam possuidores de alguns direitos bsicos

    sua sobrevivncia, estes direitos seriam inviolveis e

    fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

    nascessem com vida9.

    O perodo medieval, por sua vez, foi

    caracterizado pela macia descentralizao poltica, isto

    , a coexistncia de mltiplos centros de poder,

    influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

    do feudalismo, motivado pela dificuldade de prticas

    atividade comercial. Subsiste, neste perodo, o

    esfacelamento do poder poltico e econmico. A sociedade,

    no medievo, estava dividida em trs estamentos, quais

    sejam: o clero, cuja funo primordial estava assentada

    na orao e pregao; os nobres, a quem incumbiam

    proteo dos territrios; e, os servos, com a obrigao de

    trabalhar para o sustento de todos. Durante a Idade

    Mdia, apesar da organizao feudal e da rgida

    separao de classes, com a consequente relao de

    9 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face histria

    da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015.

  • 17

    subordinao entre o suserano e os vassalos, diversos

    documentos jurdicos reconheciam a existncia dos

    direitos humanos10, tendo como trao caracterstico a

    limitao do poder estatal.

    Neste perodo, observvel a difuso de

    documentos escritos reconhecendo direitos a

    determinados estamentos, mormente por meio de forais

    ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados

    regio em que vigiam. Dentre estes documentos,

    possvel mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

    Magna), outorgada, na Inglaterra, por Joo Sem Terra,

    em 15 de junho de 1215, decorrente das presses

    exercidas pelos bares em razo do aumento de exaes

    fiscais para financiar a estruturao de campanhas

    blicas, como bem explicita Comparato11. A Carta de

    Joo sem Terra acampou uma srie de restries ao

    poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

    cidado, como, por exemplo, restries tributrias,

    10 MORAES, 2011, p. 06. 11 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos

    Direitos Humanos. 3 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

    72.

  • 18

    proporcionalidade entre a pena e o delito12, devido

    processo legal13, acesso Justia14, liberdade de

    locomoo15 e livre entrada e sada do pas16.

    12 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Magna Carta

    (1.215). Disponvel em: .

    Acesso em 11 ago. 2015: Um homem livre ser punido por um pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

    crime ele ser punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

    posio; um mercador igualmente conservando o seu comrcio, e um

    vilo conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa merc; e

    nenhuma das referidas punies ser imposta excepto pelo

    juramento de homens honestos do distrito. 13 Ibid. Nenhum homem livre ser capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou

    de algum modo lesado, nem ns iremos contra ele, nem enviaremos

    ningum contra ele, excepto pelo julgamento legtimo dos seus pares

    ou pela lei do pas. 14 Ibid. A ningum venderemos, a ningum negaremos ou retardaremos direito ou justia. 15 Ibid. Ser permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

    salvaguardando a fidelidade a ns devida, excepto por um curto

    espao em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

    aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do pas e

    pessoas de pases hostis a ns e mercadores, os quais devem ser

    tratados como acima dito. 16 Ibid. Todos os mercadores tero liberdade e segurana para sair, entrar, permanecer e viajar atravs da Inglaterra, tanto por terra

    como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

    pedgio inquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

    tempo de guerra, caso sejam do pas que est lutando contra ns. E

    se tais forem encontrados no nosso pas no incio da guerra sero

    capturados sem prejuzo dos seus corpos e mercadorias, at que seja

    sabido por ns, ou pelo nosso chefe de justia, como os mercadores do

    nosso pas so tratados, se foram encontrados no pas em guerra

  • 19

    Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

    outros documentos, com clara feio humanista, foram

    promulgados, dentre os quais possvel mencionar o

    Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitaes ao

    poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

    julgamento pelos pares para a privao da liberdade e a

    proibio de detenes arbitrrias17, reafirmando, deste

    modo, os princpios estruturadores do devido processo

    legal18. Com efeito, o diploma em comento foi

    confeccionado pelo Parlamento Ingls e buscava que o

    monarca reconhecesse o sucedneo de direitos e

    liberdades insculpidos na Carta de Joo Sem Terra, os

    quais no eram, at ento, respeitados. Cuida evidenciar,

    contra ns; e se os nossos estiverem a salvo l, estes estaro a salvo

    no nosso pas. 17 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, Direitos Humanos

    Fundamentais. 6 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 18 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Petio de

    Direito (1.628). Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015:

    ningum seja obrigado a contribuir com qualquer ddiva, emprstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

    o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

    ningum seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

    executar algum servio, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

    outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

    recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob priso ou

    detido por qualquer das formas acima indicadas.

  • 20

    ainda, que o texto de 1.215 s passou a ser observado

    com o fortalecimento e afirmao das instituies

    parlamentares e judiciais, cenrio no qual o absolutismo

    desmedido passa a ceder diante das imposies

    democrticas que floresciam.

    Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

    Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

    que um indivduo que estivesse preso poderia obter a

    liberdade atravs de um documento escrito que seria

    encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

    concederia a liberdade provisria, ficando o acusado,

    apenas, comprometido a apresentar-se em juzo quando

    solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

    considerada como axioma inspirador para macia parte

    dos ordenamentos jurdicos contemporneos, como bem

    enfoca Comparato19. Enfim, diversos foram os

    documentos surgidos no velho continente que trouxeram

    o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

    marcos de uma transio entre o autoritarismo e o

    19 COMPARATO, 2003, p. 89-90.

  • 21

    absolutismo estatal para uma poca de reconhecimento

    dos direitos humanos fundamentais20.

    As treze colnias inglesas, instaladas no

    recm-descoberto continente americano, em busca de

    liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

    social, econmica e politicamente. Neste cenrio, foram

    elaborados diversos textos que objetivavam definir os

    direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais

    possvel realar a Declarao do Bom Povo da Virgnia,

    de 1776. O mencionado texto farto em estabelecer

    direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

    reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

    detentor21, e trouxe certas particularidades como a

    liberdade de impressa22, por exemplo. Como bem destaca

    Comparato23, a Declarao de Direitos do Bom Povo da

    Virgnia afirmava que os seres humanos so livres e

    20 MORAES, 2011, p. 08-09. 21 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao

    do Bom Povo da Virgnia (1.776). Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015: Que todo poder inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;

    que os magistrados so seus mandatrios e seus servidores e, em

    qualquer momento, perante ele responsveis. 22 Ibid. Que a liberdade de imprensa um dos grandes baluartes da liberdade, no podendo ser restringida jamais, a no ser por

    governos despticos. 23 COMPARATO, 2003, p. 49.

  • 22

    independentes, possuindo direitos inatos, tais como a

    vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

    segurana, registrando o incio do nascimento dos

    direitos humanos na histria24. Basicamente, a

    Declarao se preocupa com a estrutura de um governo

    democrtico, com um sistema de limitao de poderes25,

    como bem anota Jos Afonso da Silva.

    Diferente dos textos ingleses, que, at aquele

    momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

    poder do soberano, proteger os indivduos e exaltar a

    superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

    avano e progresso marcante, pois estabeleceu a vis a

    ser alcanada naquele futuro, qual seja, a democracia.

    Em 1791, foi ratificada a Constituio dos Estados

    Unidos da Amrica. Inicialmente, o documento no

    mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

    24 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao

    do Bom Povo da Virgnia (1.776). Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015: Que todos os homens so, por natureza, igualmente livres e

    independentes, e tm certos direitos inatos, dos quais, quando

    entram em estado de sociedade, no podem por qualquer acordo

    privar ou despojar seus psteros e que so: o gozo da vida e da

    liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

    buscar e obter felicidade e segurana. 25 SILVA, 2004, p.155.

  • 23

    fosse aprovado, o texto necessitava da ratificao de, pelo

    menos, nove das treze colnias. Estas concordaram em

    abnegar de sua soberania, cedendo-a para formao da

    Federao, desde que constasse, no texto constitucional,

    a diviso e a limitao do poder e os direitos humanos

    fundamentais. Assim, surgiram as primeiras dez

    emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

    direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

    propriedade, segurana, resistncia opresso,

    associao poltica, princpio da legalidade, princpio da

    reserva legal e anterioridade em matria penal, princpio

    da presuno da inocncia, da liberdade religiosa, da

    livre manifestao do pensamento26.

    3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

    DIMENSO: A CONSOLIDAO DOS DIREITOS

    DE LIBERDADE

    No sculo XVIII, verificvel a instalao de

    um momento de crise no continente europeu, porquanto a

    classe burguesa que emergia, com grande poderio

    26 MORAES, 2003, p. 28.

  • 24

    econmico, no participava da vida pblica, pois

    inexistia, por parte dos governantes, a observncia dos

    direitos fundamentais, at ento construdos. Afora isso,

    apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

    privilgio ao clero e nobreza, ao passo que a camada

    mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

    meio da tributao, eram obrigados a sustentar os

    privilgios das minorias que detinham o poder. Com

    efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

    nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

    tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfao na

    rbita poltica27. O mesmo ocorria com a populao pobre,

    que, vinda das regies rurais, passa a ser, nos centros

    urbanos, explorada em fbricas, morava em subrbios

    sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe

    sobejava, tinha que tributar Corte para que esta

    gastasse com seus suprfluos interesses. Essas duas

    subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

    contenda contra os detentores do poder, protestos e

    aclamaes pblicas tomaram conta da Frana.

    27 COTRIM, Gilberto. Histria Global Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. So Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

  • 25

    Em meados de 1789, em meio a um cenrio

    catico de insatisfao por parte das classes sociais

    exploradas, notadamente para manterem os interesses

    dos detentores do poder, implode a Revoluo Francesa,

    que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

    poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

    tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

    suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

    estatais e proclamou a Declarao dos Direitos dos

    Homens e Cidado que, ao contrrio da Declarao do

    Bom Povo da Virgnia, que tinha um enfoque

    regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

    seu povo, foi tida com abstrata28 e, por isso,

    universalista. Ressalta-se que a Declarao Francesa

    possua trs caractersticas: intelectualismo,

    mundialismo e individualismo.

    A primeira pressupunha que as garantias de

    direito dos homens e a entrega do poder nas mos da

    populao era obra e graa do intelecto humano; a

    segunda caracterstica referia-se ao alcance dos direitos

    conquistados, pois, apenas, eles no salvaguardariam o

    28 SILVA, 2004, p. 157.

  • 26

    povo francs, mas se estenderiam a todos os povos. Por

    derradeiro, a terceira caracterstica referia-se ao seu

    carter, iminentemente individual, no se preocupando

    com direitos de natureza coletiva, tais como as liberdades

    associativas ou de reunio. No bojo da declarao,

    emergidos nos seus dezessete artigos, esto proclamados

    os corolrios e cnones da liberdade29, da igualdade, da

    propriedade, da legalidade e as demais garantias

    individuais. Ao lado disso, denotvel que o diploma em

    comento consagrou os princpios fundantes do direito

    penal, dentre os quais sobreleva destacar princpio da

    legalidade30, da reserva legal31 e anterioridade em

    29 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao

    dos Direitos dos Homens e Cidado (1.789). Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015: Art. 2. A finalidade de toda associao poltica a conservao dos

    direitos naturais e imprescritveis do homem. Esses direitos so a

    liberdade, a propriedade a segurana e a resistncia opresso. 30 Ibid. Art. 4. A liberdade consiste em poder fazer tudo que no prejudique o prximo. Assim, o exerccio dos direitos naturais de

    cada homem no tem por limites seno aqueles que asseguram aos

    outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes

    limites apenas podem ser determinados pela lei. 31 Ibid. Art. 8. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessrias e ningum pode ser punido seno por

    fora de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e

    legalmente aplicada.

  • 27

    matria penal, da presuno de inocncia32, tal como

    liberdade religiosa e livre manifestao de pensamento33.

    Os direitos de primeira dimenso

    compreendem os direitos de liberdade, tal como os

    direitos civis e polticos, estando acampados em sua

    rubrica os direitos vida, liberdade, segurana, no

    discriminao racial, propriedade privada, privacidade e

    sigilo de comunicaes, ao devido processo legal, ao asilo

    em decorrncia de perseguies polticas, bem como as

    liberdades de culto, crena, conscincia, opinio,

    expresso, associao e reunio pacficas, locomoo,

    residncia, participao poltica, diretamente ou por meio

    de eleies. Os direitos de primeira gerao ou direitos

    de liberdade tm por titular o indivduo, so oponveis ao

    32 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao

    dos Direitos dos Homens e Cidado (1.789). Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015: Art. 9. Todo acusado considerado inocente at ser declarado culpado e,

    se julgar indispensvel prend-lo, todo o rigor desnecessrio

    guarda da sua pessoa dever ser severamente reprimido pela lei. 33 Ibid. Art. 10. Ningum pode ser molestado por suas opinies, incluindo opinies religiosas, desde que sua manifestao no

    perturbe a ordem pblica estabelecida pela lei. Art. 11. A livre

    comunicao das ideias e das opinies um dos mais preciosos

    direitos do homem. Todo cidado pode, portanto, falar, escrever,

    imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta

    liberdade nos termos previstos na lei.

  • 28

    Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da

    pessoa e ostentam subjetividade34, aspecto este que

    passa a ser caracterstico da dimenso em comento. Com

    realce, so direitos de resistncia ou de oposio perante

    o Estado, refletindo um iderio de afastamento daquele

    das relaes individuais e sociais.

    4 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA

    DIMENSO: OS ANSEIOS SOCIAIS COMO

    SUBSTRATO DE EDIFICAO DOS DIREITOS DE

    IGUALDADE

    Com o advento da Revoluo Industrial,

    verificvel no continente europeu, precipuamente, a

    instalao de um cenrio pautado na explorao do

    proletariado. O contingente de trabalhadores no estava

    restrito apenas a adultos, mas sim alcanava at mesmo

    crianas, os quais eram expostos a condies

    degradantes, em fbricas sem nenhuma, ou quase

    nenhuma, higiene, mal iluminadas e midas. Salienta-se

    que, alm dessa conjuntura, os trabalhadores eram

    34 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 21 ed.

    atual. So Paulo: Editora Malheiros Ltda., 2007, p. 563.

  • 29

    submetidos a cargas horrias extenuantes, compensadas,

    unicamente, por um salrio miservel. O Estado Liberal

    absteve-se de se imiscuir na economia e, com o

    beneplcito de sua omisso, assistiu a classe burguesa

    explorar e coisificar a massa trabalhadora, reduzindo

    seres humanos a meros objetos sujeitos a lei da oferta e

    procura. O Capitalismo selvagem, que operava, nessa

    essa poca, enriqueceu uns poucos, mas subjugou a

    maioria35. A massa de trabalhadores e desempregados

    vivia em situao de robusta penria, ao passo que os

    burgueses ostentavam desmedida opulncia.

    Na vereda rumo conquista dos direitos

    fundamentais, econmicos e sociais, surgiram alguns

    textos de grande relevncia, os quais combatiam a

    explorao desmedida propiciada pelo capitalismo.

    possvel citar, em um primeiro momento, como

    proeminente documento elaborado durante este perodo,

    a Declarao de Direitos da Constituio Francesa de

    1848, que apresentou uma ampliao em termos de

    direitos humanos fundamentais. Alm dos direitos

    humanos tradicionais, em seu art. 13 previa, como

    35 COTRIM, 2010, p. 160.

  • 30

    direitos dos cidados garantidos pela Constituio, a

    liberdade do trabalho e da indstria, a assistncia aos

    desempregados36. Posteriormente, em 1917, a

    Constituio Mexicana37, refletindo os iderios

    decorrentes da consolidao dos direitos de segunda

    dimenso, em seu texto consagrou direitos individuais

    com macia tendncia social, a exemplo da limitao da

    carga horria diria do trabalho e disposies acerca dos

    contratos de trabalho, alm de estabelecer a

    obrigatoriedade da educao primria bsica, bem como

    gratuidade da educao prestada pelo Ente Estatal.

    A Constituio Alem de Weimar, datada de

    1919, trouxe grandes avanos nos direitos

    socioeconmicos, pois previu a proteo do Estado ao

    trabalho, liberdade de associao, melhores condies

    de trabalho e de vida e o sistema de seguridade social

    para a conservao da sade, capacidade para o trabalho

    e para a proteo maternidade. Alm dos direitos

    sociais expressamente insculpidos, a Constituio de

    36 SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos humanos na

    valorizao do direito coletivo do trabalho. Jus Navigandi,

    Teresina, ano 8, n. 157, 10 dez. 2003. Disponvel em:

    . Acesso em: 11 ago. 2015. 37 MORAES, 2011, p. 11.

  • 31

    Weimar apresentou robusta moldura no que concerne

    defesa dos direitos dos trabalhadores, primacialmente

    ao instituir que o Imprio procuraria obter uma

    regulamentao internacional da situao jurdica dos

    trabalhadores que assegurasse ao conjunto da classe

    operria da humanidade, um mnimo de direitos

    sociais38, tal como estabelecer que os operrios e

    empregados seriam chamados a colaborar com os

    patres, na regulamentao dos salrios e das condies

    de trabalho, bem como no desenvolvimento das foras

    produtivas.

    No campo socialista, destaca-se a Constituio

    do Povo Trabalhador e Explorado39, elaborada pela

    antiga Unio Sovitica. Esse Diploma Legal possua

    ideias revolucionrias e propagandistas, pois no

    enunciava, propriamente, direitos, mas princpios, tais

    como a abolio da propriedade privada, o confisco dos

    bancos, dentre outras. A Carta do Trabalho, elaborada

    pelo Estado Fascista Italiano, em 1927, trouxe inmeras

    inovaes na relao laboral. Dentre as inovaes

    introduzidas, possvel destacar a liberdade sindical,

    38 SANTOS, 2003, s.p. 39 FERREIRA FILHO, 2004, p. 46-47.

  • 32

    magistratura do trabalho, possibilidade de contratos

    coletivos de trabalho, maior proporcionalidade de

    retribuio financeira em relao ao trabalho,

    remunerao especial ao trabalho noturno, garantia do

    repouso semanal remunerado, previso de frias aps um

    ano de servio ininterrupto, indenizao em virtude de

    dispensa arbitrria ou sem justa causa, previso de

    previdncia, assistncia, educao e instruo sociais40.

    Nota-se, assim, que, aos poucos, o Estado saiu

    da apatia e envolveu-se nas relaes de natureza

    econmica, a fim de garantir a efetivao dos direitos

    fundamentais econmicos e sociais. Sendo assim, o

    Estado adota uma postura de Estado-social, ou seja, tem

    como fito primordial assegurar aos indivduos que o

    integram as condies materiais tidas por seus

    defensores como imprescindveis para que, desta feita,

    possam ter o pleno gozo dos direitos oriundos da primeira

    gerao. E, portanto, desenvolvem uma tendncia de

    exigir do Ente Estatal intervenes na rbita social,

    mediante critrios de justia distributiva. Opondo-se

    diretamente a posio de Estado liberal, isto , o ente

    40 SANTOS, 2003, s.p.

  • 33

    estatal alheio vida da sociedade e que, por

    consequncia, no intervinha na sociedade. Incluem os

    direitos a segurana social, ao trabalho e proteo contra

    o desemprego, ao repouso e ao lazer, incluindo frias

    remuneradas, a um padro de vida que assegure a sade

    e o bem-estar individual e da famlia, educao,

    propriedade intelectual, bem como as liberdades de

    escolha profissional e de sindicalizao.

    Bonavides, ao tratar do tema, destaca que os

    direitos de segunda dimenso so os direitos sociais,

    culturais e econmicos bem como os direitos coletivos ou

    de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das

    distintas formas do Estado social, depois que

    germinaram por ora de ideologia e da reflexo

    antiliberal41. Os direitos alcanados pela rubrica em

    comento florescem umbilicalmente atrelados ao corolrio

    da igualdade. Como se percebe, a marcha dos direitos

    humanos fundamentais rumo s sendas da Histria

    paulatina e constante. Ademais, a doutrina dos direitos

    fundamentais apresenta uma ampla capacidade de

    incorporar desafios. Sua primeira gerao enfrentou

    41 BONAVIDES, 2007, p. 564.

  • 34

    problemas do arbtrio governamental, com as liberdades

    pblicas, a segunda, o dos extremos desnveis sociais, com

    os direitos econmicos e sociais42, como bem evidencia

    Manoel Gonalves Ferreira Filho.

    5 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA

    DIMENSO: A VALORAO DOS ASPECTOS

    TRANSINDIVIDUAIS DOS DIREITOS DE

    SOLIDARIEDADE

    Conforme fora visto no tpico anterior, os

    direitos humanos originaram-se ao longo da Histria e

    permanecem em constante evoluo, haja vista o

    surgimento de novos interesses e carncias da sociedade.

    Por esta razo, alguns doutrinadores, dentre eles

    Bobbio43, os consideram direitos histricos, sendo

    divididos, tradicionalmente, em trs geraes ou

    dimenses. A nomeada terceira dimenso encontra como

    fundamento o ideal da fraternidade (solidariedade) e tem

    como exemplos o direito ao meio ambiente equilibrado,

    42 FERREIRA FILHO, 2004, p. 47. 43 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Editora

    Campus, 1997, p. 03.

  • 35

    saudvel qualidade de vida, ao progresso, paz,

    autodeterminao dos povos, a proteo e defesa do

    consumidor, alm de outros direitos considerados como

    difusos. Dotados de altssimo teor de humanismo e

    universalidade, os direitos de terceira gerao tendem a

    cristalizar-se no fim do sculo XX enquanto direitos que

    no se destinam especificamente proteo dos interesses

    de um indivduo, de um grupo44 ou mesmo de um Ente

    Estatal especificamente.

    Ainda nesta esteira, possvel verificar que a

    construo dos direitos encampados sob a rubrica de

    terceira dimenso tende a identificar a existncia de

    valores concernentes a uma determinada categoria de

    pessoas, consideradas enquanto unidade, no mais

    prosperando a tpica fragmentao individual de seus

    componentes de maneira isolada, tal como ocorria em

    momento pretrito. Os direitos de terceira dimenso so

    considerados como difusos, porquanto no tm titular

    individual, sendo que o liame entre os seus vrios

    titulares decorre de mera circunstncia factual. Com o

    escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderaes

    44 BONAVIDES, 2007, p. 569.

  • 36

    vertidas, insta trazer colao o robusto entendimento

    explicitado pelo Ministro Celso de Mello, ao apreciar a

    Ao Direta de Inconstitucionalidade N. 1.856/RJ, em

    especial quando destaca:

    Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os

    direitos de terceira gerao (ou de

    novssima dimenso), que materializam

    poderes de titularidade coletiva atribudos,

    genericamente, e de modo difuso, a todos os

    integrantes dos agrupamentos sociais,

    consagram o princpio da solidariedade e

    constituem, por isso mesmo, ao lado dos

    denominados direitos de quarta gerao

    (como o direito ao desenvolvimento e o

    direito paz), um momento importante no

    processo de expanso e reconhecimento dos

    direitos humanos, qualificados estes,

    enquanto valores fundamentais

    indisponveis, como prerrogativas

    impregnadas de uma natureza

    essencialmente inexaurvel45.

    45 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acrdo proferido em

    Ao Direta de Inconstitucionalidade N 1.856/RJ. Ao Direta De

    Inconstitucionalidade - Briga de galos (Lei Fluminense N 2.895/98) -

    Legislao Estadual que, pertinente a exposies e a competies

    entre aves das raas combatentes, favorece essa prtica criminosa -

    Diploma Legislativo que estimula o cometimento de atos de

    crueldade contra galos de briga - Crime Ambiental (Lei N 9.605/98,

    ART. 32) - Meio Ambiente - Direito preservao de sua integridade

    (CF, Art. 225) - Prerrogativa qualificada por seu carter de

    metaindividualidade - Direito de terceira gerao (ou de novssima

    dimenso) que consagra o postulado da solidariedade - Proteo

    constitucional da fauna (CF, Art. 225, 1, VII) - Descaracterizao

    da briga de galo como manifestao cultural - Reconhecimento da

  • 37

    Nesta feita, importa acrescentar que os direitos

    de terceira dimenso possuem carter transindividual, o

    que os faz abranger a toda a coletividade, sem quaisquer

    restries a grupos especficos. Neste sentido, pautaram-

    se Motta e Motta e Barchet, ao afirmarem, em suas

    ponderaes, que os direitos de terceira gerao possuem

    natureza essencialmente transindividual, porquanto no

    possuem destinatrios especificados, como os de primeira

    e segunda gerao, abrangendo a coletividade como um

    todo46. Desta feita, so direitos de titularidade difusa ou

    coletiva, alcanando destinatrios indeterminados ou,

    ainda, de difcil determinao. Os direitos em comento

    esto vinculados a valores de fraternidade ou

    solidariedade, sendo traduzidos de um ideal

    intergeracional, que liga as geraes presentes s

    futuras, a partir da percepo de que a qualidade de vida

    destas depende sobremaneira do modo de vida daquelas.

    inconstitucionalidade da Lei Estadual impugnada - Ao Direta

    procedente. Legislao Estadual que autoriza a realizao de

    exposies e competies entre aves das raas combatentes - Norma

    que institucionaliza a prtica de crueldade contra a fauna Inconstitucionalidade. . rgo Julgador: Tribunal Pleno. Relator:

    Ministro Celso de Mello. Julgado em 26 mai. 2011. Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015. 46 MOTTA, Sylvio; BARCHET, Gustavo. Curso de Direito

    Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2007, p. 152.

  • 38

    Dos ensinamentos dos clebres doutrinadores,

    percebe-se que o carter difuso de tais direitos permite a

    abrangncia s geraes futuras, razo pela qual, a

    valorizao destes de extrema relevncia. Tm

    primeiro por destinatrios o gnero humano mesmo, num

    momento expressivo de sua afirmao como valor

    supremo em termos de existencialidade concreta47. A

    respeito do assunto, Motta e Barchet48 ensinam que os

    direitos de terceira dimenso surgiram como solues

    degradao das liberdades, deteriorao dos direitos

    fundamentais em virtude do uso prejudicial das

    modernas tecnologias e desigualdade socioeconmica

    vigente entre as diferentes naes.

    47 BONAVIDES, 2007, p. 569. 48 MOTTA; BARCHET, 2007, p. 153. [...] Duas so as origens bsicas desses direitos: a degradao das liberdades ou a

    deteriorao dos demais direitos fundamentais em virtude do uso

    nocivo das modernas tecnologias e o nvel de desigualdade social e

    econmica existente entre as diferentes naes. A fim de superar tais

    realidades, que afetam a humanidade como um todo, impe-se o

    reconhecimento de direitos que tambm tenham tal abrangncia a humanidade como um todo -, partindo-se da ideia de que no h

    como se solucionar problemas globais a no ser atravs de solues

    tambm globais. Tais solues so os direitos de terceira gerao.[...]

  • 39

    6 APONTAMENTOS DECLARAO SOBRE OS

    DIREITOS DAS PESSOAS PERTENCENTES A

    MINORIAS NACIONAIS OU TNICAS,

    RELIGIOSAS E LINGUSTICAS: COMENTRIOS

    RESOLUO DA ONU N 47/135

    Em um primeiro momento, cuida apontar,

    oportunamente, que a Declarao sobre os Direitos das

    Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou tnicas,

    Religiosas e Lingusticas reafirmou a f nos direitos

    humanos fundamentais, na dignidade e no valor da

    pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e

    das mulheres, assim como das naes, grandes e

    pequenas. Igualmente, desejou promover a realizao dos

    princpios consagrados na Carta, na Declarao

    Universal dos Direitos do Homem, na Conveno para a

    Preveno e Represso do Crime de Genocdio, na

    Conveno Internacional sobre a Eliminao de Todas as

    Formas de Discriminao Racial, no Pacto Internacional

    sobre os Direitos Civis e Polticos, no Pacto Internacional

    sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais, na

    Declarao sobre a Eliminao de Todas as Formas de

  • 40

    Intolerncia e Discriminao Baseadas na Religio ou

    Convico e na Conveno sobre os Direitos da Criana,

    bem como em outros instrumentos internacionais

    pertinentes adotados a nvel universal ou regional e nos

    celebrados entre diversos Estados Membros das Naes

    Unidas.

    Ao lado disso, a declarao explicitou que a

    promoo e proteo dos direitos das pessoas

    pertencentes a minorias nacionais ou tnicas, religiosas e

    lingusticas contribuem para a estabilidade poltica e

    social dos Estados onde vivem essas pessoas, bem como

    sublinhou que a constante promoo e realizao dos

    direitos das pessoas pertencentes a minorias nacionais

    ou tnicas, religiosas e lingusticas, como parte

    integrante do desenvolvimento da sociedade no seu

    conjunto e num enquadramento democrtico baseado no

    princpio do Estado de Direito, contribuem para o reforo

    da amizade e cooperao entre povos e Estados. Em seu

    artigo 1, a declarao estabeleceu que os Estados

    devero proteger a existncia e a identidade nacional ou

    tnica, cultural, religiosa e lingustica das minorias no

    mbito dos seus respectivos territrios e devero

  • 41

    fomentar a criao das condies necessrias promoo

    dessa identidade. De igual modo, o dispositivo

    supramencionado anotou que os Estados devero adotar

    medidas adequadas, legislativas ou de outro tipo, para

    atingir estes objetivos.

    O artigo 2, por sua vez, assinalou que as pessoas

    pertencentes a minorias nacionais ou tnicas, religiosas e

    lingusticas (doravante denominadas pessoas

    pertencentes a minorias) tm o direito de fruir a sua

    prpria cultura, de professar e praticar a sua prpria

    religio, e de utilizar a sua prpria lngua, em privado e

    em pblico, livremente e sem interferncia ou qualquer

    forma de discriminao. As pessoas pertencentes a

    minorias tm o direito de participar efetivamente na vida

    cultural, religiosa, social, econmica e pblica. As

    pessoas pertencentes a minorias tm o direito de

    participar efetivamente nas decises adotadas a nvel

    nacional e, sendo caso disso, a nvel regional,

    respeitantes s minorias a que pertencem ou s regies

    onde vivem, de forma que no seja incompatvel com a

    legislao nacional. As pessoas pertencentes a minorias

    tm o direito de criar e de manter as suas prprias

  • 42

    associaes. As pessoas pertencentes a minorias tm o

    direito de estabelecer e de manter, sem qualquer

    discriminao, contatos livres e pacficos com os

    restantes membros do seu grupo e com pessoas

    pertencentes a outras minorias, bem como contatos

    transfronteirios com cidados de outros Estados com os

    quais tenham vnculos nacionais ou tnicos, religiosos ou

    lingusticos.

    O artigo 3 apontou que as pessoas pertencentes

    a minorias podero exercer os seus direitos,

    nomeadamente os enunciados na presente Declarao,

    individualmente bem como em conjunto com os demais

    membros do seu grupo, sem qualquer discriminao.

    Nenhum prejuzo poder advir a qualquer pessoa

    pertencente a uma minoria em virtude do exerccio ou

    no exerccio dos direitos consagrados da presente

    Declarao. J o artigo 4 afixou que os Estados devero

    adotar as medidas necessrias a fim de garantir que as

    pessoas pertencentes a minorias possam exercer plena e

    eficazmente todos os seus direitos humanos e liberdades

    fundamentais sem qualquer discriminao e em plena

    igualdade perante a lei. Os Estados devero adotar

  • 43

    medidas a fim de criar condies favorveis que

    permitam s pessoas pertencentes a minorias manifestar

    as suas caractersticas e desenvolver a sua cultura, a sua

    lngua, a sua religio, as suas tradies e os seus

    costumes, a menos que determinadas prticas concretas

    violem a legislao nacional e sejam contrrias s

    normas internacionais. Os Estados devero adotar as

    medidas adequadas para que, sempre que possvel, as

    pessoas pertencentes a minorias tenham a possibilidade

    de aprender a sua lngua materna ou de receber

    instruo na sua lngua materna. Os Estados devero,

    sempre que necessrio, adotar medidas no domnio da

    educao, a fim de estimular o conhecimento da histria,

    das tradies, da lngua e da cultura das minorias

    existentes no seu territrio. s pessoas pertencentes a

    minorias devero ser dadas oportunidades adequadas

    para adquirir conhecimentos relativos sociedade no seu

    conjunto. Os Estados devero considerar a possibilidade

    de adotar medidas adequadas a fim de permitir a

    participao plena das pessoas pertencentes a minorias

    no progresso e desenvolvimento econmico do seu pas.

  • 44

    As polticas e programas nacionais, consoante o

    artigo 5, devero ser planeados e executados tendo

    devidamente em conta os interesses legtimos das

    pessoas pertencentes a minorias. Os programas de

    cooperao e assistncia entre Estados devem ser

    planeados e executados tendo devidamente em conta os

    interesses legtimos das pessoas pertencentes a minorias.

    Por sua vez, o artigo 6 apregoa que os Estados devem

    cooperar nas questes relativas s pessoas pertencentes

    a minorias, nomeadamente atravs da partilha de

    informaes e experincias, a fim de promover a

    compreenso e confiana recprocas. J o artigo 7 alinha

    que os Estados devem cooperar a fim de promover o

    respeito dos direitos consagrados na Declarao em

    comento. O artigo 8 comina que nenhuma disposio da

    Declarao dever impedir o cumprimento das

    obrigaes internacionais dos Estados relativamente s

    pessoas pertencentes a minorias. Em particular, os

    Estados devero cumprir de boa-f as obrigaes e

    compromissos assumidos em virtude dos tratados e

    acordos internacionais de que sejam partes.

  • 45

    O exerccio dos direitos consagrados na

    Declarao em destaque no dever prejudicar o gozo por

    todas as pessoas dos direitos humanos e liberdades

    fundamentais universalmente reconhecidos. As medidas

    adotadas pelos Estados a fim de garantir o gozo efetivo

    dos direitos consagrados na presente Declarao no

    devero ser consideradas prima facie como contrrias ao

    princpio da igualdade enunciado na Declarao

    Universal dos Direitos do Homem. Nenhuma disposio

    da presente Declarao poder ser interpretada no

    sentido de permitir qualquer atividade contrria aos

    objetivos e princpios das Naes Unidas, nomeadamente

    os da igualdade soberana, integridade territorial e

    independncia poltica dos Estados.

    As agncias especializadas e demais organizaes do

    sistema das Naes Unidas devero contribuir para a

    plena realizao dos direitos e princpios consagrados na

    presente Declarao, no mbito das respectivas reas de

    competncia.

  • 46

    REFERNCIAS:

    ALVARENGA, Rbia Zanotelli de. Os Direitos

    Humanos na perspectiva social do trabalho.

    Disponvel em: .

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    FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, Direitos

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  • 47

    MARQUESI, Roberto Wagner. Os Princpios do Contrato

    na Nova Ordem Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,

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    . Acesso em 11 ago.

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  • 48

    SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O papel dos direitos

    humanos na valorizao do direito coletivo do trabalho.

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    do Direito Penal. Jurid Publicaes Eletrnicas,

    Bauru, 22 jun. 2009. Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015.

  • 49

    APONTAMENTOS RESOLUO DA

    ONU N 2.542/75: PONDERAES

    DECLARAO DOS DIREITOS DAS

    PESSOAS PORTADORAS DE

    DEFICINCIAS

    Resumo: Imperioso se faz versar, de maneira macia,

    acerca da evoluo dos direitos humanos, os quais

    deram azo ao manancial de direitos e garantias

    fundamentais. Sobreleva salientar que os direitos

    humanos decorrem de uma construo paulatina,

    consistindo em uma afirmao e consolidao em

    determinado perodo histrico da humanidade.

    Quadra evidenciar que sobredita construo no se

    encontra finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva

    rumo conquista de direitos est em pleno

    desenvolvimento, fomentado, de maneira substancial,

    pela difuso das informaes propiciada pelos atuais

    meios de tecnologia, os quais permitem o

    florescimento de novos direitos, alargando, com

    bastante substncia a rubrica dos temas associados

    aos direitos humanos. Os direitos de primeira gerao

  • 50

    ou direitos de liberdade tm por titular o indivduo,

    so oponveis ao Estado, traduzem-se como faculdades

    ou atributos da pessoa e ostentam subjetividade. Os

    direitos de segunda dimenso so os direitos sociais,

    culturais e econmicos bem como os direitos coletivos

    ou de coletividades, introduzidos no

    constitucionalismo das distintas formas do Estado

    social, depois que germinaram por ora de ideologia e

    da reflexo antiliberal. Dotados de altssimo teor de

    humanismo e universalidade, os direitos de terceira

    gerao tendem a cristalizar-se no fim do sculo XX

    enquanto direitos que no se destinam

    especificamente proteo dos interesses de um

    indivduo, de um grupo ou mesmo de um Ente Estatal

    especificamente.

    Palavras-chaves: Direitos Humanos. Pessoas

    Portadoras de Deficincias. Reconhecimento

    Internacional.

    Sumrio: 1 Comentrios Introdutrios: Ponderaes

    ao Caracterstico de Mutabilidade da Cincia

    Jurdica; 2 Preldio dos Direitos Humanos: Breve

    Retrospecto da Idade Antiga Idade Moderna; 3

    Direitos Humanos de Primeira Dimenso: A

    Consolidao dos Direitos de Liberdade; 4 Direitos

    Humanos de Segunda Dimenso: Os Anseios Sociais

    como substrato de edificao dos Direitos de

    Igualdade; 5 Direitos Humanos de Terceira Dimenso:

    A valorao dos aspectos transindividuais dos Direitos

    de Solidariedade; 6 Apontamentos Resoluo da

    ONU n 2.542/75: Ponderaes Declarao dos

    Direitos das Pessoas Portadoras de Deficincias

  • 51

    1 COMENTRIOS INTRODUTRIOS:

    PONDERAES AO CARACTERSTICO DE

    MUTABILIDADE DA CINCIA JURDICA

    Em sede de comentrios inaugurais, ao se

    dispensar uma anlise robusta sobre o tema colocado em

    debate, mister se faz evidenciar que a Cincia Jurdica,

    enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouo

    doutrinrio e tcnico, assim como as pujantes

    ramificaes que a integra, reclama uma interpretao

    alicerada nos mltiplos peculiares caractersticos

    modificadores que passaram a influir em sua

    estruturao. Neste diapaso, trazendo a lume os

    aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o

    Direito, tornou-se imperioso salientar, com nfase, que

    no mais subsiste uma viso arrimada em preceitos

    estagnados e estanques, alheios s necessidades e s

    diversidades sociais que passaram a contornar os

    Ordenamentos Jurdicos. Ora, em razo do burilado,

    infere-se que no mais prospera a tica de imutabilidade

    que outrora sedimentava a aplicao das leis, sendo, em

    decorrncia dos anseios da populao, suplantados em

  • 52

    uma nova sistemtica. verificvel, desta sorte, que os

    valores adotados pela coletividade, tal como os

    proeminentes cenrios apresentados com a evoluo da

    sociedade, passam a figurar como elementos que

    influenciam a confeco e aplicao das normas.

    Com escora em tais premissas, cuida hastear

    como pavilho de interpretao o prisma de avaliao o

    brocardo jurdico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde

    est a sociedade, est o Direito', tornando explcita e

    cristalina a relao de interdependncia que esse binmio

    mantm49. Deste modo, com clareza solar, denota-se que

    h uma interao consolidada na mtua dependncia, j

    que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante

    processo de evoluo da sociedade, com o fito de que seus

    Diplomas Legislativos e institutos no fiquem inquinados

    de inaptido e arcasmo, em total descompasso com a

    realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta

    estrutural dependncia das regras consolidadas pelo

    Ordenamento Ptrio, cujo escopo fundamental est

    49 VERDAN, Tau Lima. Princpio da Legalidade: Corolrio do

    Direito Penal. Jurid Publicaes Eletrnicas, Bauru, 22 jun.

    2009. Disponvel em: . Acesso em 11 ago.

    2015.

  • 53

    assentado em assegurar que inexista a difuso da prtica

    da vingana privada, afastando, por extenso, qualquer

    rano que rememore priscas eras, nas quais o homem

    valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talio

    (Olho por olho, dente por dente), bem como para evitar

    que se robustea um cenrio catico no seio da

    coletividade.

    Afora isso, volvendo a anlise do tema para o

    cenrio ptrio, possvel evidenciar que com a

    promulgao da Constituio da Repblica Federativa do

    Brasil de 1988, imprescindvel se fez adot-la como

    macio axioma de sustentao do Ordenamento

    Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a

    amoldagem do texto legal, genrico e abstrato, aos

    complexos anseios e mltiplas necessidades que

    influenciam a realidade contempornea. Ao lado disso,

    h que se citar o voto magistral voto proferido pelo

    Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ao de

    Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF, o

    direito um organismo vivo, peculiar porm porque no

    envelhece, nem permanece jovem, pois contemporneo

    realidade. O direito um dinamismo. Essa, a sua fora, o

  • 54

    seu fascnio, a sua beleza50. Como bem pontuado, o

    fascnio da Cincia Jurdica jaz justamente na constante

    e imprescindvel mutabilidade que apresenta, decorrente

    do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a

    aplicao dos Diplomas Legais.

    Ainda nesta senda de exame, pode-se

    evidenciar que a concepo ps-positivista que passou a

    permear o Direito, ofertou, por via de consequncia, uma

    rotunda independncia dos estudiosos e profissionais da

    Cincia Jurdica. Alis, h que se citar o entendimento

    de Verdan, esta doutrina o ponto culminante de uma

    progressiva evoluo acerca do valor atribudo aos

    50 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acrdo em Arguio de

    Descumprimento de Preceito Fundamental N. 46/DF. Empresa

    Pblica de Correios e Telgrafos. Privilgio de Entrega de

    Correspondncias. Servio Postal. Controvrsia referente Lei

    Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula

    direitos e obrigaes concernentes ao Servio Postal. Previso de

    Sanes nas Hipteses de Violao do Privilgio Postal.

    Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegao de

    afronta ao disposto nos artigos 1, inciso IV; 5, inciso XIII, 170,

    caput, inciso IV e pargrafo nico, e 173 da Constituio do Brasil.

    Violao dos Princpios da Livre Concorrncia e Livre Iniciativa. No

    Caracterizao. Arguio Julgada Improcedente. Interpretao

    conforme Constituio conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que

    estabelece sano, se configurada a violao do privilgio postal da

    Unio. Aplicao s atividades postais descritas no artigo 9, da lei.

    rgo Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurlio.

    Julgado em 05 ago. 2009. Disponvel em: . Acesso

    em 11 ago. 2015.

  • 55

    princpios em face da legislao51. Destarte, a partir de

    uma anlise profunda de sustentculos, infere-se que o

    ponto central da corrente ps-positivista cinge-se

    valorao da robusta tbua principiolgica que Direito e,

    por conseguinte, o arcabouo normativo passando a

    figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante,

    flmulas hasteadas a serem adotadas na aplicao e

    interpretao do contedo das leis.

    2 PRELDIO DOS DIREITOS HUMANOS: BREVE

    RETROSPECTO DA IDADE ANTIGA IDADE

    MODERNA

    Ao ter como substrato de edificao as

    ponderaes estruturadas, imperioso se faz versar, de

    maneira macia, acerca da evoluo dos direitos

    humanos, os quais deram azo ao manancial de direitos e

    garantias fundamentais. Sobreleva salientar que os

    direitos humanos decorrem de uma construo

    paulatina, consistindo em uma afirmao e consolidao

    em determinado perodo histrico da humanidade. A

    51 VERDAN, 2009, s.p.

  • 56

    evoluo histrica dos direitos inerentes pessoa humana

    tambm lenta e gradual. No so reconhecidos ou

    construdos todos de uma vez, mas sim conforme a

    prpria experincia da vida humana em sociedade52,

    como bem observam Silveira e Piccirillo. Quadra

    evidenciar que sobredita construo no se encontra

    finalizada, ao avesso, a marcha evolutiva rumo

    conquista de direitos est em pleno desenvolvimento,

    fomentado, de maneira substancial, pela difuso das

    informaes propiciada pelos atuais meios de tecnologia,

    os quais permitem o florescimento de novos direitos,

    alargando, com bastante substncia a rubrica dos temas

    associados aos direitos humanos.

    Nesta perspectiva, ao se estruturar uma

    anlise histrica sobre a construo dos direitos

    humanos, possvel fazer meno ao terceiro milnio

    antes de Cristo, no Egito e Mesopotmia, nos quais eram

    difundidos instrumentos que objetivavam a proteo

    individual em relao ao Estado. O Cdigo de

    52 SIQUEIRA, Dirceu Pereira; PICCIRILLO, Miguel Belinati.

    Direitos fundamentais: a evoluo histrica dos direitos humanos,

    um longo caminho. In: mbito Jurdico, Rio Grande, XII, n. 61,

    fev. 2009. Disponvel em: .

    Acesso em 11 ago. 2015.

  • 57

    Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificao

    a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens,

    tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a

    famlia, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em

    relao aos governantes, como bem afiana Alexandre de

    Moraes53. Em mesmo sedimento, proclama Rbia

    Zanotelli de Alvarenga, ao abordar o tema, que:

    Na antiguidade, o Cdigo de Hamurabi (na

    Babilnia) foi a primeira codificao a

    relatar os direitos comuns aos homens e a

    mencionar leis de proteo aos mais fracos.

    O rei Hamurabi (1792 a 1750 a.C.), h mais

    de 3.800 anos, ao mandar redigir o famoso

    Cdigo de Hamurabi, j fazia constar alguns

    Direitos Humanos, tais como o direito

    vida, famlia, honra, dignidade,

    proteo especial aos rfos e aos mais

    fracos. O Cdigo de Hamurabi tambm

    limitava o poder por um monarca absoluto.

    Nas disposies finais do Cdigo, fez constar

    que aos sditos era proporcionada moradia,

    justia, habitao adequada, segurana

    contra os perturbadores, sade e paz54.

    53 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais,

    Teoria Geral, Comentrio dos art. 1 ao 5 da Constituio da

    Republica Federativa do Brasil de 1988, Doutrina e

    Jurisprudncia. 9 ed. So Paulo: Editora Atlas, 2011, p. 06. 54 ALVARENGA, Rbia Zanotelli de. Os Direitos Humanos na

    perspectiva social do trabalho. Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015, p.

    01.

  • 58

    Ainda nesta toada, nas polis gregas,

    notadamente na cidade-Estado de Atenas, verificvel,

    tambm, a edificao e o reconhecimento de direitos

    basilares ao cidado, dentre os quais sobressai a

    liberdade e igualdade dos homens. Deste modo,

    observvel o surgimento, na Grcia, da concepo de um

    direito natural, superior ao direito positivo, pela

    distino entre lei particular sendo aquela que cada povo

    da a si mesmo e lei comum que consiste na possibilidade

    de distinguir entre o que justo e o que injusto pela

    prpria natureza humana55, consoante evidenciam

    Siqueira e Piccirillo. Prima assinalar, doutra maneira,

    que os direitos reconhecidos no eram estendidos aos

    escravos e s mulheres, pois eram dotes destinados,

    exclusivamente, aos cidados homens56, cuja acepo, na

    viso adotada, exclua aqueles. na Grcia antiga que

    surgem os primeiros resqucios do que passou a ser

    chamado Direito Natural, atravs da ideia de que os

    homens seriam possuidores de alguns direitos bsicos

    sua sobrevivncia, estes direitos seriam inviolveis e

    55 SIQUEIRA; PICCIRILLO, 2009, s.p. 56 MORAES, 2011, p. 06.

  • 59

    fariam parte dos seres humanos a partir do momento que

    nascessem com vida57.

    O perodo medieval, por sua vez, foi

    caracterizado pela macia descentralizao poltica, isto

    , a coexistncia de mltiplos centros de poder,

    influenciados pelo cristianismo e pelo modelo estrutural

    do feudalismo, motivado pela dificuldade de prticas

    atividade comercial. Subsiste, neste perodo, o

    esfacelamento do poder poltico e econmico. A sociedade,

    no medievo, estava dividida em trs estamentos, quais

    sejam: o clero, cuja funo primordial estava assentada

    na orao e pregao; os nobres, a quem incumbiam

    proteo dos territrios; e, os servos, com a obrigao de

    trabalhar para o sustento de todos. Durante a Idade

    Mdia, apesar da organizao feudal e da rgida

    separao de classes, com a consequente relao de

    subordinao entre o suserano e os vassalos, diversos

    documentos jurdicos reconheciam a existncia dos

    57 CAMARGO, Caroline Leite de. Direitos humanos em face

    histria da humanidade. Revista Jus Vigilantibus. Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015.

  • 60

    direitos humanos58, tendo como trao caracterstico a

    limitao do poder estatal.

    Neste perodo, observvel a difuso de

    documentos escritos reconhecendo direitos a

    determinados estamentos, mormente por meio de forais

    ou cartas de franquia, tendo seus textos limitados

    regio em que vigiam. Dentre estes documentos,

    possvel mencionar a Magna Charta Libertati (Carta

    Magna), outorgada, na Inglaterra, por Joo Sem Terra,

    em 15 de junho de 1215, decorrente das presses

    exercidas pelos bares em razo do aumento de exaes

    fiscais para financiar a estruturao de campanhas

    blicas, como bem explicita Comparato59. A Carta de

    Joo sem Terra acampou uma srie de restries ao

    poder do Estado, conferindo direitos e liberdades ao

    cidado, como, por exemplo, restries tributrias,

    proporcionalidade entre a pena e o delito60, devido

    58 MORAES, 2011, p. 06. 59 COMPARATO, Fbio Konder. A Afirmao Histrica dos

    Direitos Humanos. 3 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2003, p.71-

    72. 60 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Magna Carta

    (1.215). Disponvel em: .

    Acesso em 11 ago. 2015: Um homem livre ser punido por um pequeno crime apenas, conforme a sua medida; para um grande

  • 61

    processo legal61, acesso Justia62, liberdade de

    locomoo63 e livre entrada e sada do pas64.

    Na Inglaterra, durante a Idade Moderna,

    outros documentos, com clara feio humanista, foram

    promulgados, dentre os quais possvel mencionar o

    crime ele ser punido conforme a sua magnitude, conservando a sua

    posio; um mercador igualmente conservando o seu comrcio, e um

    vilo conservando a sua cultura, se obtiverem a nossa merc; e

    nenhuma das referidas punies ser imposta excepto pelo

    juramento de homens honestos do distrito. 61 Ibid. Nenhum homem livre ser capturado ou aprisionado, ou desapropriado dos seus bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou

    de algum modo lesado, nem ns iremos contra ele, nem enviaremos

    ningum contra ele, excepto pelo julgamento legtimo dos seus pares

    ou pela lei do pas. 62 Ibid. A ningum venderemos, a ningum negaremos ou retardaremos direito ou justia. 63 Ibid. Ser permitido, de hoje em diante, a qualquer um sair do nosso reino, e a ele retornar, salvo e seguro, por terra e por mar,

    salvaguardando a fidelidade a ns devida, excepto por um curto

    espao em tempo de guerra, para o bem comum do reino, e excepto

    aqueles aprisionados e declarados fora da lei segundo a lei do pas e

    pessoas de pases hostis a ns e mercadores, os quais devem ser

    tratados como acima dito. 64 Ibid. Todos os mercadores tero liberdade e segurana para sair, entrar, permanecer e viajar atravs da Inglaterra, tanto por terra

    como por mar, para comprar e vender, livres de todos os direitos de

    pedgio inquos, segundo as antigas e justas taxas, excepto em

    tempo de guerra, caso sejam do pas que est lutando contra ns. E

    se tais forem encontrados no nosso pas no incio da guerra sero

    capturados sem prejuzo dos seus corpos e mercadorias, at que seja

    sabido por ns, ou pelo nosso chefe de justia, como os mercadores do

    nosso pas so tratados, se foram encontrados no pas em guerra

    contra ns; e se os nossos estiverem a salvo l, estes estaro a salvo

    no nosso pas.

  • 62

    Petition of Right, de 1628, que estabelecia limitaes ao

    poder de instituir e cobrar tributos do Estado, tal como o

    julgamento pelos pares para a privao da liberdade e a

    proibio de detenes arbitrrias65, reafirmando, deste

    modo, os princpios estruturadores do devido processo

    legal66. Com efeito, o diploma em comento foi

    confeccionado pelo Parlamento Ingls e buscava que o

    monarca reconhecesse o sucedneo de direitos e

    liberdades insculpidos na Carta de Joo Sem Terra, os

    quais no eram, at ento, respeitados. Cuida evidenciar,

    ainda, que o texto de 1.215 s passou a ser observado

    com o fortalecimento e afirmao das instituies

    parlamentares e judiciais, cenrio no qual o absolutismo

    65 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves, Direitos Humanos

    Fundamentais. 6 ed. So Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 12. 66 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Petio de

    Direito (1.628). Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015:

    ningum seja obrigado a contribuir com qualquer ddiva, emprstimo ou benevolence e a pagar qualquer taxa ou imposto, sem

    o consentimento de todos, manifestado por ato do Parlamento; e que

    ningum seja chamado a responder ou prestar juramento, ou a

    executar algum servio, ou encarcerado, ou, de uma forma ou de

    outra molestado ou inquietado, por causa destes tributos ou da

    recusa em os pagar; e que nenhum homem livre fique sob priso ou

    detido por qualquer das formas acima indicadas.

  • 63

    desmedido passa a ceder diante das imposies

    democrticas que floresciam.

    Outro exemplo a ser citado, o Habeas Corpus

    Act, de 1679, lei que criou o habeas corpus, determinando

    que um indivduo que estivesse preso poderia obter a

    liberdade atravs de um documento escrito que seria

    encaminhado ao lorde-chanceler ou ao juiz que lhe

    concederia a liberdade provisria, ficando o acusado,

    apenas, comprometido a apresentar-se em juzo quando

    solicitado. Prima pontuar que aludida norma foi

    considerada como axioma inspirador para macia parte

    dos ordenamentos jurdicos contemporneos, como bem

    enfoca Comparato67. Enfim, diversos foram os

    documentos surgidos no velho continente que trouxeram

    o refulgir de novos dias, estabelecendo, aos poucos, os

    marcos de uma transio entre o autoritarismo e o

    absolutismo estatal para uma poca de reconhecimento

    dos direitos humanos fundamentais68.

    As treze colnias inglesas, instaladas no

    recm-descoberto continente americano, em busca de

    liberdade religiosa, organizaram-se e desenvolveram-se

    67 COMPARATO, 2003, p. 89-90. 68 MORAES, 2011, p. 08-09.

  • 64

    social, econmica e politicamente. Neste cenrio, foram

    elaborados diversos textos que objetivavam definir os

    direitos pertencentes aos colonos, dentre os quais

    possvel realar a Declarao do Bom Povo da Virgnia,

    de 1776. O mencionado texto farto em estabelecer

    direitos e liberdade, pois limitou o poder estatal,

    reafirmou o poderio do povo, como seu verdadeiro

    detentor69, e trouxe certas particularidades como a

    liberdade de impressa70, por exemplo. Como bem destaca

    Comparato71, a Declarao de Direitos do Bom Povo da

    Virgnia afirmava que os seres humanos so livres e

    independentes, possuindo direitos inatos, tais como a

    vida, a liberdade, a propriedade, a felicidade e a

    segurana, registrando o incio do nascimento dos

    direitos humanos na histria72. Basicamente, a

    69 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao

    do Bom Povo da Virgnia (1.776). Disponvel em:

    . Acesso em 11 ago. 2015: Que todo poder inerente ao povo e, consequentemente, dele procede;

    que os magistrados so seus mandatrios e seus servidores e, em

    qualquer momento, perante ele responsveis. 70 Ibid. Que a liberdade de imprensa um dos grandes baluartes da liberdade, no podendo ser restringida jamais, a no ser por

    governos despticos. 71 COMPARATO, 2003, p. 49. 72 SO PAULO. Universidade de So Paulo (USP). Declarao

    do Bom Povo da Virgnia (1.776). Disponvel em:

  • 65

    Declarao se preocupa com a estrutura de um governo

    democrtico, com um sistema de limitao de poderes73,

    como bem anota Jos Afonso da Silva.

    Diferente dos textos ingleses, que, at aquele

    momento preocupavam-se, essencialmente, em limitar o

    poder do soberano, proteger os indivduos e exaltar a

    superioridade do Parlamento, esse documento, trouxe

    avano e progresso marcante, pois estabeleceu a vis a

    ser alcanada naquele futuro, qual seja, a democracia.

    Em 1791, foi ratificada a Constituio dos Estados

    Unidos da Amrica. Inicialmente, o documento no

    mencionava os direitos fundamentais, todavia, para que

    fosse aprovado, o texto necessitava da ratificao de, pelo

    menos, nove das treze colnias. Estas concordaram em

    abnegar de sua soberania, cedendo-a para formao da

    Federao, desde que constasse, no texto constitucional,

    a diviso e a limitao do poder e os direitos humanos

    . Acesso em 11 ago. 2015: Que todos os homens so, por natureza, igualmente livres e

    independentes, e tm certos direitos inatos, dos quais, quando

    entram em estado de sociedade, no podem por qualquer acordo

    privar ou despojar seus psteros e que so: o gozo da vida e da

    liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de

    buscar e obter felicidade e segurana. 73 SILVA, 2004, p.155.

  • 66

    fundamentais. Assim, surgiram as primeiras dez

    emendas ao texto, acrescentando-se a ele os seguintes

    direitos fundamentais: igualdade, liberdade,

    propriedade, segurana, resistncia opresso,

    associao poltica, princpio da legalidade, princpio da

    reserva legal e anterioridade em matria penal, princpio

    da presuno da inocncia, da liberdade religiosa, da

    livre manifestao do pensamento74.

    3 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA

    DIMENSO: A CONSOLIDAO DOS DIREITOS

    DE LIBERDADE

    No sculo XVIII, verificvel a instalao de

    um momento de crise no continente europeu, porquanto a

    classe burguesa que emergia, com grande poderio

    econmico, no participava da vida pblica, pois

    inexistia, por parte dos governantes, a observncia dos

    direitos fundamentais, at ento construdos. Afora isso,

    apesar do esfacelamento do modelo feudal, permanecia o

    privilgio ao clero e nobreza, ao passo que a camada

    74 MORAES, 2003, p. 28.

  • 67

    mais pobre da sociedade era esmagada, porquanto, por

    meio da tributao, eram obrigados a sustentar os

    privilgios das minorias que detinham o poder. Com

    efeito, a disparidade existente, aliado ao achatamento da

    nova classe que surgia, em especial no que concerne aos

    tributos cobrados, produzia uma robusta insatisfao na

    rbita poltica75. O mesmo ocorria com a populao pobre,

    que, vinda das regies rurais, passa a ser, nos centros

    urbanos, explorada em fbricas, morava em subrbios

    sem higiene, era mal alimentada e, do pouco que lhe

    sobejava, tinha que tributar Corte para que esta

    gastasse com seus suprfluos interesses. Essas duas

    subclasses uniram-se e fomentaram o sentimento de

    contenda contra os detentores do poder, protestos e

    aclamaes pblicas tomaram conta da Frana.

    Em meados de 1789, em meio a um cenrio

    catico de insatisfao por parte das classes sociais

    exploradas, notadamente para manterem os interesses

    dos detentores do poder, implode a Revoluo Francesa,

    que culminou com a queda da Bastilha e a tomada do

    poder pelos revoltosos, os quais estabeleceram, pouco

    75 COTRIM, Gilberto. Histria Global Brasil e Geral. 1 ed. vol. 2. So Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 146-150.

  • 68

    tempo depois, a Assembleia Nacional Constituinte. Esta

    suprimiu os direitos das minorias, as imunidades

    estatais e proclamou a Declarao dos Direitos dos

    Homens e Cidado que, ao contrrio da Declarao do

    Bom Povo da Virgnia, que tinha um enfoque

    regionalista, voltado, exclusivamente aos interesses de

    seu povo, foi tida com abstrata76 e, por isso,