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Critérios para fixação de competência penal sob o prisma constitucional Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia Elaborado em 05/2003. Página 1 de 3 » Desativar Realce aA COMPETÊNCIA – BREVES CONSIDERAÇÕES Conforme estudado no resumo do tema anterior, a jurisdição é uma das formas de expressão da soberania do Estado e, como tal, é una, indivisível. Ocorre, entretanto, que o órgão jurisdicional – o juiz –não tem condições de aplicar o direito objetivo a todos os conflitos interindividuais que surgem, pois é inconteste o número elevado e diversificado de lides que se desenvolvem no país. Percebe-se, assim, a necessidade de se dividir tarefas, ou, numa linguagem mais técnica, de se distribuir os processos entre os diversos órgãos jurisdicionais previstos na Constituição Federal. Frise-se que a jurisdição não comporta fragmentação, mas seu exercício sim. A divisão do exercício da jurisdição entre os diversos órgãos jurisdicionais é prevista na própria Lei Maior e também em dispositivos infraconstitucionais. Equivale dizer que há determinação legalpara que cada juiz exerça sua jurisdição dentro de certos limites, afetos a grupos específicos de litígios. Eis aí a definição de competência que, nos dizeres de Liebman, é a "quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos". [1] Para Mirabete, é "a medida e o limite da jurisdição, é a delimitação do poder jurisdicional". [2] Cintra, Grinover e Dinamarco bem sintetizam o assunto, lecionando que, in verbis: "a função jurisdicional, que é uma só e atribuída abstratamente a todos os órgãos integrantes do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização, até chegar-se à determinação do juiz competente paradeterminado processo; através de regras

Competencia Criminal

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Critérios para fixação de competência penal sob o prisma constitucionalFlúvio Cardinelle Oliveira Garcia

Elaborado em 05/2003.

Página 1 de 3»

Desativar Realce aA

COMPETÊNCIA – BREVES CONSIDERAÇÕES

Conforme estudado no resumo do tema anterior, a jurisdição é uma das formas de

expressão da soberania do Estado e, como tal, é una, indivisível. Ocorre, entretanto, que o

órgão jurisdicional – o juiz –não tem condições de aplicar o direito objetivo a todos os

conflitos interindividuais que surgem, pois é inconteste o número elevado e diversificado

de lides que se desenvolvem no país. Percebe-se, assim, a necessidade de se dividir

tarefas, ou, numa linguagem mais técnica, de se distribuir os processos entre os diversos

órgãos jurisdicionais previstos na Constituição Federal.

Frise-se que a jurisdição não comporta fragmentação, mas seu exercício sim. A divisão do

exercício da jurisdição entre os diversos órgãos jurisdicionais é prevista na própria Lei

Maior e também em dispositivos infraconstitucionais. Equivale dizer que há determinação

legalpara que cada juiz exerça sua jurisdição dentro de certos limites, afetos a grupos

específicos de litígios.

Eis aí a definição de competência que, nos dizeres de Liebman, é a "quantidade de

jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos". [1] Para Mirabete, é

"a medida e o limite da jurisdição, é a delimitação do poder jurisdicional". [2] Cintra,

Grinover e Dinamarco bem sintetizam o assunto, lecionando que, in verbis:

"a função jurisdicional, que é uma só e atribuída abstratamente a todos os órgãos

integrantes do Poder Judiciário, passa por um processo gradativo de concretização, até

chegar-se à determinação do juiz competente paradeterminado processo; através de

regras legais que atribuem a cada órgão o exercício da jurisdição com referência a dada

categoria de causas (regras de competência), excluem-se os demais órgãos jurisdicionais

para que só aquele deva exercê-la ali, em concreto".[3]

Clara está, portanto, a distinção entre competência e jurisdição.

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Processo Penal

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A distribuição de competência é feita observando-se uma série de disposições, que vão

das constantes na Constituição Federal às previstas em normas das Constituições

estaduais, do Código de Processo Penal e das Leis de Organização Judiciária.

Scarance Fernandes esclarece que a doutrina vem tentando agrupar e sistematizar

critérios científicos para a fixação da competência.[4] O primeiro deles é o que distingue a

competência externa ou internacional, consubstanciada em regras que definem as causas

que a justiça brasileira deverá conhecer e decidir, da competência interna, que aponta qual

o órgão local se incumbirá especificadamente do exercício jurisdicional em cada caso

concreto.

Outro critério de determinação da competência é o apresentado por Wach, defendido por

Chiovenda e acolhido no Brasil por Moacyr Amaral Santos. [5] Segundo este, três são os

critérios que devem ser observados: o objetivo (que se funda no valor ou natureza da

causa ou, ainda, na qualidade das partes), o funcional (fundado na repartição das

atividades jurisdicionais entre os diversos órgãos que devam atuar dentro de um mesmo

processo) e o territorial (atribuída aos diversos órgãos jurisdicionais considerando-se a

divisão do território nacional em circunscrições judiciárias, regiões, seções ou subseções

judiciárias).

Um outro critério, defendido por Carnelutti, estrutura-se sobre o conceito de lide. Consiste

em relevar dados referentes à lide e dados referentes ao processo. Nos primeiros,

englobam-se aqueles que tangem à relação jurídica (natureza, fato constitutivo e

cumprimento da obrigação), ao objeto(natureza, valor e situação) e às pessoas (qualidade

e sede). Nos segundos, compreendem-se os dados alusivos à natureza do processo, à

natureza do procedimento e à relação com o processo anterior. [6]

Para Cintra, Grinover e Dinamarco, que acolhem em parte o critério de Carnelutti, o

legislador, para a distribuição da competência, utilizou-se do que chamaram de "três

operações lógicas", que são:

"a) constituição diferenciada de órgãos judiciários; b) elaboração da massa de causas em

grupos (levando em conta certas características da própria causa e do processo mediante

o qual é ela apreciada pelo órgão judiciário); c) atribuição de cada um dos diversos grupos

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de causas ao órgão mais idôneo para conhecer destas, segundo uma política legislativa

que leve em conta aqueles caracteres e os caracteres do próprio órgão".[7]

Tourinho Filho [8] e Mirabete [9], mais objetivamente, entendem que a limitação do exercício

jurisdicional é feita com base na natureza da lide (ratione materiae), no territórioe nas

funções que os órgãos podem exercer dentro dos processos.

Em termos constitucionais, a distribuição de competência encontra-se expressamente

prevista segundo a estrutura do Poder Judiciário nacional. Assim, estão definidas na

Constituição Federal as atribuições do Supremo Tribunal Federal (art. 102), do Superior

Tribunal de Justiça (art. 105), da Justiça Federal (art. 108 – Tribunais Regionais Federais;

art. 109– Juízes Federais), das Justiças Especiais (art. 114 – Justiça do Trabalho; art. 121

– Justiça Eleitoral; art. 124 – Justiça Militar) e das Justiças Estaduais (art. 125).

De igual forma, são previstas na Lei Maior a delimitação do poder jurisdicional dos juizados

especiais federais e estaduais (arts. 24, X, e 98, I) e também do que Mirabete classifica de

jurisdição política, entendida como aquela afeta a órgãos não pertencentes ao Poder

Judiciário (Senado Federal, Câmara dos Deputados e Assembléias Legislativas) aos quais

é atribuído o poder de julgar os crimes de responsabilidade praticados por determinadas

pessoas. [10]

O Código de Processo Penal, em seu artigo 69, estabelece que a competência criminal

será fixada atentando-se para o lugar da infração (I), o domicílio ou residência do réu (II), a

natureza da infração (III), a distribuição (IV), a conexão ou continência (V), a prevenção

(VI) e a prerrogativa de função (VII). A rigor, a conexão e a continência não são formas de

delimitação da competência, mas critérios de modificação da mesma.

COMPETÊNCIA MATERIAL

Na seara da competência material, três são os aspectos a serem obedecidos na

delimitação do exercício do poder jurisdicional: a natureza da relação de direito (ratione

materiae), a qualidade da pessoa do réu (ratione personae) e o território (ratione loci).

Como vimos, não é possível ao juiz conhecer de todas as causas, por isso, de acordo com

a determinação constitucional e infraconstitucional, inclusive de normas de organização

judiciária, lhe é permitido conhecer algumas causas específicas. Daí a competência

estabelecida segundo a relação de direito ou, ainda, em consonância com o Código

Processual Penal, a competência fixada pela natureza da infração (art. 69, III).

O exercício jurisdicional também é delimitado pela qualidade da pessoa do réu, de tal sorte

que nem todos os juízes estão autorizados a exercer a jurisdição sobre qualquer indivíduo,

devendo-se observar a função pública exercida pelo autor da infração, que poderá

conferir-lhe o direito a foro especial por prerrogativa de função (art. 69, VII, CPP).

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Os vários órgãos jurisdicionais, dentro de suas respectivas competências, sofre ainda nova

delimitação quanto ao poder de julgar, considerando-se, desta feita, o território. É a

competência definida em razão do lugar da infração (art. 69, I, CPP) ou da residência ou

domicílio do réu (art. 69, II, CPP).

COMPETÊNCIA FUNCIONAL

Tourinho Filho define a competência funcional como aquela fundada na distribuição feita

pela lei entre "diversos juízes da mesma instância ou de instâncias diversas para, num

mesmo processo, ou em um segmento ou fase do seu desenvolvimento, praticar

determinados atos".[11] Na mesma linha de pensamento, Mirabete ensina que a

competência funcional tem como elemento de distribuição os atos processuais e os

critérios de delimitação são três: as fases do processo, o objeto do juízo e o grau de

jurisdição.

Em regra, a competência do juiz é ampla, açambarcando-se de todos os atos processuais,

desde o conhecimento inicial do pedido à execução da sentença. Pode ocorrer, contudo,

uma limitação legal à competência do juiz para a prática de determinados atos numa fase

específica do processo. É o que ocorre, por exemplo, nas ações que versam sobre crimes

dolosos contra a vida, onde há um juiz competente para a instrução e outropara o

julgamento (art. 5°, XXXVIII, d, CF/88). Desse modo, a competência funcional por fases do

processo se dá "quando dois ou mais órgãos jurisdicionais de uma mesma instância

praticam, num determinado feito, determinados atos". [12]

De forma bastante semelhante, pode ocorrer que o objeto do juízo, ou seja, as várias

questões que se apresentam para conhecimento e decisão no processo necessitem ser

submetidas a órgãos jurisdicionais diversos, o que é bastante comum nos tribunais

colegiados heterogêneos. Outra vez, o exemplo do tribunal do júri é por demais pertinente,

pois "ao juiz incumbe ‘resolver questões de direito que se apresentarem no decurso do

julgamento’ (art. 497, X [CPP]), lavrando a sentença condenatória ou absolvitória (art. 492

[CPP]) e fixando a pena, quando cabível (art. 59 do CP); aos jurados compete responder

aos quesitos onde lhes são formuladas as questões em que o julgamento se fundará (art.

481 [CPP])". [13]

Dentro do Poder Judiciário, os órgãos jurisdicionais são classificados quanto à sua

graduação ou categoria, podendo ser inferiores –aqueles correspondentes à primeira

instância – ou superiores – os pertencentes à segunda instância ou outros tribunais ad

quem. Verifica-se, destarte, a fixação de competência de acordo com o grau de jurisdição

do órgão julgador.

Salienta Mirabete, quanto aos órgãos jurisdicionais de segunda instância, que a

competência pode ser originária – nos casos de foro especial por prerrogativa de função –

ou em razão de recurso– pelo princípio do duplo grau de jurisdição. [14]

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Tourinho Filho apresenta uma classificação um pouco diferente para a competência

funcional, estabelecendo a distinção entre competência horizontal – quando dois ou mais

órgãos jurisdicionais da mesma instância podem praticar atos num mesmo processo – e

competência vertical– quando dois ou mais órgãos jurisdicionais de instâncias diversas

podem praticar atos num mesmo processo. Nesse diapasão, o ilustre doutrinador

apresenta a competência funcional por fases do processo e por objeto do juízo como

sendo horizontal, e a por grau de jurisdição (em razão de recursos) e originária (ratione

personae ou ratione materiae) como vertical.[15]

Insta alertar que a competência funcional, qualquer que seja ela, pressupõe a existência

da atribuição jurisdicional já delimitada pelos critérios da competência material em razão

da relação de direito (ratione materiae) e do território (ratione loci).

COMPETÊNCIA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO

Expressamente prevista no artigo 69, inciso I, do Código de Processo Penal, a

competência fixada pelo lugar da infração, ou forum delicti commissi, é a regra para a

determinação do juiz a quem incumbe o exercício do poder jurisdicional (artigo 70, 1ª

parte, do CPP) naquele caso concreto. Mais precisamente, entende-se que o lugar onde

se consumou a infração penal é o que firma a competência para o processo e julgamento

da causa, pois é justamente neste foro onde há maior facilidade para coligir os elementos

probatórios necessários à constatação da materialidade e à certeza da autoria. Ademais, é

o lugar onde o exemplo de repressão é exigido.

Entenda-se foro como o território dentro de cujos limites o juiz exerce a jurisdição. Sob

este prisma, Cintra, Dinamarco e Grinover esclarecem que, in verbis:

"Nas Justiças dos Estados o foro de cada juiz de primeiro grau é o que se chama comarca;

na Justiça Federal é a seção judiciária. O foro do Tribunal de Justiça de um Estado é todo

o Estado; o dos Tribunais Regionais Federais é a sua região, definida em lei (c. Const., art.

107, par. ún.), ou seja, o conjunto de unidades da Federação sobre as quais cada um

deles exerce jurisdição; o do Supremo Tribunal de Federal, do Superior Tribunal de Justiça

e de todos os demais tribunais superiores é todo o território nacional (Const., art. 92, par.

ún.)." [16]

O artigo 70 do Código de Processo Penal, ao prever que "a competência será, de regra,

determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo

lugar em que for praticado o último ato de execução", adota claramente a chamada Teoria

do Resultado. Em contrapartida, o Código Penal, ao definir o lugar do crime (art. 6°),

estabelece que "considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou

omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o

resultado", consagrando, para o Direito Penal, a Teoria da Ubiqüidade. Sobre o tema,

manifesta-se Mirabete asseverando que "a superveniência da Lei n° 7.209, de 11-7-84,

Page 6: Competencia Criminal

que deu nova redação à Parte Geral do Código Penal, não alterou a regra do artigo 70,

caput, do CPP, já que o artigo 6° daquele Estatuto refere-se ao lugar do crime para os

efeitos de direito penal e não como regra de competência" [17](grifei).

Destarte, prevalece, para a determinação da competência, o lugar da consumação do

crime, onde, em consonância com o artigo 14, inciso I, do próprio Código Penal, é possível

se reunir todos os elementos para a definição do delito. Nesse sentido, a Súmula 200 do

STJ orienta que "o juízo federal competente para processar e julgar acusado de crime de

uso de passaporte falso é o lugar onde o delito se consumou" (grifei).

Excetuando a regra geral, a Lei n° 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais

Cíveis e Criminais, optou pela Teoria da Ubiqüidade, posto que, em seu artigo 63,

prescreve que "a competência do Juizado será determinada pelo lugar em que foi

praticada a infração penal". Nesse particular, esta regra, interpretada em conjunto com o

artigo 6° do Código Penal, onde se tem por praticado o crime "no lugar em que ocorreu a

ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se

o resultado", resultou na adoção da teoria da ubiqüidade pela lei especial, resolvendo-se

qualquer conflito pelo critério da prevenção. [18] Tourinho Filho, entretanto, diverge desde

posicionamento. Para o ilustre jurista, o termo "praticada", utilizado no art. 63 da Lei dos

Juizados Especiais, tem o sentido de realizada, executada,consumada. [19]

Nos casos de tentativa, a segunda parte do artigo 70, caput, do CPP, apregoa que a

competência será firmada "pelo lugar em que for praticado o último ato de execução",

assim entendido com o último ato comissivo ou omissivo praticado pelo agente ou

omitente.

Os parágrafos 1° e 2° do artigo 70 do Código de Processo Penal versam sobre as

hipóteses dos chamados crimes à distância ou de espaço máximo, onde estão em

evidência a jurisdição de dois ou mais países soberanos. Dispõem os citados dispositivos

legais que "se, iniciada a execução no território nacional, a infração se consumar fora dele,

a competência será determinada pelo lugar em que tiver sido praticado, no Brasil, o último

ato de execução" (§1°) e "quando o último ato de execução for praticado fora do território

nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime, embora parcialmente, tenha

produzido ou devia produzir seu resultado" (§2°).

Seguindo as regras do artigo 70 do CPP, seu §3° estipula que "quando incerto o limite

territorial entre duas ou mais jurisdições [sic], ou quando incerta a jurisdição [sic] por ter

sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições [sic], a

competência firmar-se-á pela prevenção". Neste caso específico, Mirabete leciona que a

sede do delito se equipara à sede do juízo, tornando-se prevento o órgão jurisdicional que

primeiro tiver praticado algum ato do processo ou de medida a este relativa (art. 83, CPP).

Quanto aos delitos qualificados pelo resultado, como seria o caso dos previstos nos artigos

127, 129, §3°, 133, §§1° e 2°, 135, parágrafo único, 136, §§1° e 2°, 137, parágrafo único,

148, §2°, 157, §3°, 159, §§2° e 3°, 223, parágrafo único, 258, 263 e 264, parágrafo único,

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todos do Código Penal, a doutrina entende que a consumação ocorre onde se verifica um

dos eventos que majoram a pena.

Dissertando sobre o assunto, Tourinho Filho bem o sintetiza, in verbis:

"Pois bem: diz o nosso Código que o crime se consuma quando nele se reúnem todos os

elementos de sua definição legal. Assim, para saber se houve ou não a consumação, deve

o intérprete atentar para a definição legal do tipo. E, com definir um crime é dar os

elementos que o constituem, deverá o intérprete investigar se o fato praticado reúne todos

os elementos do tipo penal. [...] Ora, nos delitos qualificados pelo resultado, que os

alemães chamam durch den Erfolg qualifizierte Delikte, o segundo resultado, isto é, aquela

circunstância agravadora, que pode ser a morte ou a lesão grave, funciona, como diz

Soler, como verdadeiro elemento constitutivo, e, assim, tal circunstância, nessas

modalidades de crimes, é de capital importância para a definição legal do tipo".[20]

A fixação de competência relativa aos crimes continuados e permanentes, praticados em

duas ou mais áreas distintas de exercício jurisdicional, é tratada com bastante clareza no

artigo 71 do Código Processual Penal, onde está previsto o critério da prevenção para sua

determinação.

É importante notar que apenas as capitais e grandes cidades têm varas da Justiça

Federal. Por esse motivo, a competência pelo lugar da infração, em comarcas ou distritos

que não possuem juízo federal, será resolvida nas leis de organização judiciária. [21]

Mirabete salienta que é possível a criação, por meio de lei estadual de organização

judiciária, de varas especializadas para a apuração de certas espécies de delitos.

Entretanto, alerta-nos o douto estudioso sobre o enunciado da Súmula 206 do STJ, que

assegura que "a existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a

competência territorial resultante das leis de processo". [22]

Por fim, resta esclarecer que a competência pelo lugar da infração não está estampada na

Constituição Federal e, por assim ser, não se reveste do status de uma competência

constitucional. Nesse caso, aplica-se à espécie o artigo 567 do CPP, pois a incompetência

do juízo anulará apenas os atos decisórios, podendo o juiz competente, na forma do artigo

108, §1°, do CPP, ratificar os atos anteriormente praticados pelo juiz incompetente e

prosseguir no processo. [23] A incompetência ratione loci é, portanto, causa de nulidade

relativa e, como tal, deve ser argüida oportunamente e de forma hábil.

COMPETÊNCIA PELO DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU

A regra para se determinar a competência em limites territoriais brasileiros é, como

estudamos, a do locus delicti commissi. Na impossibilidade, contudo, de se conhecer o

lugar em que foi cometida a infração penal, prevê o artigo 72 do Código de Processo Penal

Page 8: Competencia Criminal

que a competência seja fixada pelo domicílio ou residência do réu (forum domicilii). Tem-

se, destarte, um critério subordinado, subsidiário, um foro supletivo para o exercício

jurisdicional nos casos concretos em que não for conhecido o lugar onde o delito foi

perpetrado e o critério da prevenção não puder ser aplicado.

Tourinho Filho alerta que domicílio e residênciasão expressões com significados distintos [24]. Não obstante isso, o Código de Processo Penal não define uma nem outra, o que força

o intérprete a recorrer ao Código Civil para dirimir suas dúvidas. O artigo 70 do Novo

Código Civil define o domicílio da pessoa natural como o "lugar onde ela estabelece a sua

residência com ânimo definitivo". Infere-se, assim, que a residência tem um caráter mais

transitório, exprimindo unicamente o fato da habitação. O domicílio, por sua vez, exprime

algo mais permanente: a intenção de fixar residência.

Transpondo para o Processo Penal as definições constantes nos artigos 70 e seguintes do

novo diploma civil de 2002 (antigos arts. 31 e seguintes do Código Civil de 1916), Mirabete

esclarece que "deve-se entender que a competência é determinada pelo domicílio

(residência com ânimo definitivo, centro de ocupações habituais, na falta de ambos o

ponto central de negócio ou, na falta dos anteriores, o lugar onde for encontrado) ou pela

residência (simples local de habitação ou morada)". [25]

Sobre o tema, Tourinho Filho afirma que "o legislador, tendo em vista a distinção que, no

cível, se estabelece entre domicílio e residência, procurou, no campo processual penal,

solucionar o problema de competência de maneira mais simples: tanto no domicílio como

na residência poderá tramitar a causa penal". [26]

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Caso o réu possua várias residências, considerar-se-á seu domicílio qualquer uma delas

(art. 71, NCC). Na hipótese de não ter residência habitual, o foro competente será aquele

onde for encontrado (art. 73, NCC). Em último caso, não se sabendo seu paradeiro, a

competência será fixada por prevenção, na forma dos artigos 83 e 72, §2°, do CPP.

Por fim, ressalte-se que a competência também poderá ser determinada pelo domicílio ou

residência do réu, mesmo quando conhecido o lugar da infração. É o que pode ocorrer nos

casos referentes à ação privada exclusiva, bastando que, para tanto, o querelante

expresse sua vontade nesse sentido (art. 73, CPP).

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COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO

Algumas pessoas, tendo em vista a importância do cargo público que ocupam, são

julgadas e processadas criminalmente por órgãos jurisdicionais superiores, distintos do

foro comum previsto aos cidadãos em geral. Essa distinção, nos dizeres de Mirabete,

funda-se "na utilidade pública, no princípio da ordem e da subordinação e na maior

independência dos tribunais superiores". [27]

Tourinho Filho ensina que "há pessoas que exercem cargos de especial relevância no

Estado e, em atenção a esses cargos ou funções que exercem no cenário político-jurídico

da nossa Pátria, gozam elas de foro especial, isto é, não serão processadas e julgadas

como qualquer do povo, pelos órgãos comuns, mas, pelos órgãos superiores, de instância

mais elevada". [28]

Nesse exercício jurisdicional levado a termo por órgãos diferenciados, relevando-se o

cargo ou a função pública da pessoa, é que se verifica a competência pela prerrogativa de

função (art. 69, VII, CPP).

Observe-se que não se trata de um privilégio concedido à pessoa, pois isso seria contrário

ao princípio da igualdade expressamente contido no caput do artigo 5° da Constituição

Federal, mas de uma prerrogativa que decorre da relevância e da importância do cargo ou

da função que a pessoa ocupa ou exerce.

Fernando Capez discorre acerca do assunto e defende o respeito ao princípio da

igualdade nos casos de prerrogativa de função. In verbis:

"de fato, confere-se a algumas pessoas, devido à relevância da função exercida, o direito a

serem julgadas em foro privilegiado [sic]. Não há que se falar em ofensa ao princípio da

isonomia, já que não se estabelece a preferência em razão da pessoa, mas da função [...]

Na verdade, o foro por prerrogativa visa preservar a independência do agente político, no

exercício de sua função, e garantir o princípio da hierarquia, não podendo ser tratado

como se fosse um simples privilégio estabelecido em razão da pessoa".[29]

Corroborando esta mesma tese, Tourinho Filho didaticamente esclarece que:

"Poderia parecer, à primeira vista, que esse tratamento especial conflitaria com o princípio

de que todos são iguais perante a lei [...], e, ao mesmo tempo, entraria em choque com

aquele que proíbe o foro privilegiado. Pondere-se, contudo, que tal tratamento especial

não é dispensado à pessoa [...], mas sim ao cargo, à função. [...] O que a Constituição

veda e proíbe, como conseqüência do princípio de que todos são iguais perante a lei, é o

foro privilegiado e não o foro especial em atenção à relevância, à majestade, à importância

do cargo ou função que essa ou aquela pessoa desempenhe. [...] Esse foro especial,

como bem disse Garraud ‘se legitima e se explica em face da necessidade de serem

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criadas garantias especiais de firmeza e de imparcialidade nos processos aos quais essas

pessoas são expostas’".[30]

Convém frisar, portanto, a distinção entre privilégio, que decorre de benefício à pessoa, e

prerrogativa, que se alicerça na funçãoou no cargo que a pessoa exerce ou ocupa. No

primeiro, há ofensa ao texto constitucional, no segundo, não.

As hipóteses de foro especial previstas na Constituição Federal estão separadas de

acordo com os órgãos constantes na estrutura do Poder Judiciário.

Assim, pela ordem, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar,

originariamente, "nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-

Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-

Geral da República (art. 102, I, b, CF/88) e "nas infrações penais comuns e nos crimes de

responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da

Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os

do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente"

(art. 102, I, c, CF/88).

Ensina Scarance Fernandes que, para o STF, a competência por prerrogativa de função

atinge também crime eleitoral e até mesmo a contravenção penal. [31]

Ao Superior Tribunal de Justiça compete processar e julgar, originariamente, nos termos

do art. 105, I, a, da Lei Maior:

"nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos

de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do

Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal,

os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os

membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público

da União que oficiem perante tribunais."

Contudo, no que concerne aos crimes eleitorais, o entendimento do próprio STJ é no

sentido de que prevalece a competência da Justiça Eleitoral, no particular o Tribunal

Superior Eleitoral, para o processo e o julgamento do delito, uma vez tratar-se de órgão

jurisdicional especializado para conhecimento da matéria. [32]

Os Tribunais Regionais Federais são competentes para o processo e o julgamento dos

"juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do

Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade" e dos "membros do Ministério

Público da União,ressalvada a competência da Justiça Eleitoral" (art. 108, I, a, CF/88)

(grifei).

Aos Tribunais Estaduais, compete o julgamento dos prefeitos municipais (art. 29, X, CF/88)

e dos juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como dos membros do

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Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência

da Justiça Eleitoral(art. 96, III, CF/88). Ainda em relação aos Tribunais Estaduais,

preceitua o artigo 125 da Carta Magna que aos Estados, observados os preceitos

constitucionalmente firmados, incumbe a organização de sua Justiça e que "a competência

dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária

de iniciativa do Tribunal de Justiça" (art. 125, §1°, CF/88).

Pelo princípio da simetria, as autoridades estaduais que ocuparem cargos ou exercerem

funções equivalentes aos de âmbito federal têm a prerrogativa de ser julgadas por órgão

jurisdicional superior que represente o equivalente estadual ao previsto na Lei Maior para

os cargos federais. É de se atentar, porém, que o STJ já decidiu ser inconstitucional

dispositivo constante em Constituição Estadual que institua foro por prerrogativa de função

não previsto na Constituição Federal ou em lei federal.

Scarance Fernandes, em referência à Justiça Eleitoral, afirma que "no tocante ao processo

e julgamento de autoridades sujeitas, em relação ao crime comum, ao Tribunal de Justiça

Estadual, tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça atribuem

a competência ao Tribunal Regional Eleitoral". [33]

Urge salientar que nos casos de competência por prerrogativa de função o local onde o

delito foi cometido não é relevante, sendo sempre ressalvada a competência originária dos

órgãos jurisdicionais. Infere-se, portanto, que se um Promotor de Justiça do Distrito

Federal, por exemplo, for acusado de um crime praticado em São Paulo, deverá ser

processado e julgado perante o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e não perante o do

locus delicti commissi. [34] De igual forma, se um Procurador da República ou um Juiz

Federal, em exercício no TRF da 1ª Região, cometer um crime em São Paulo, não

responderá perante o TRF da 3ª Região, mas perante o de 1ª Região, com sede e

jurisdição em Brasília.

Com bastante proficiência, Mirabete ressalta que "os dispositivos constitucionais sobre

prerrogativa de função, alteraram, evidentemente, os artigos 86 e 87 do Código de

Processo Penal com relação à competência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais

de Apelação (de Justiça, de Alçada), além de acrescentar hipóteses de competência de

nova Corte, o Superior Tribunal de Justiça". [35]

Interesse notar que a competência por prerrogativa de função, quando for o caso de

concurso de pessoas, abrangerá também, ex viarts. 77, I, e 78, III, do CPP, pessoas não

gozam de foro especial. Contudo, consoante a jurisprudência, se a denúncia contra a

pessoa que desfruta do foro especial for rejeitada, os demais denunciados, não

beneficiados originalmente pela prerrogativa de função, serão processados e julgados

segundo as regras gerais de competência, ou seja, o julgamento retorna para o primeiro

grau de jurisdição (RT 740/643).

O artigo 85 do Código de Processo Penal prevê nova situação em que se assegura o foro

especial por prerrogativa de função a pessoas que originariamente dele não poderiam se

Page 12: Competencia Criminal

beneficiar. Vejamos: "Nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes

as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos

Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida

a exceção da verdade".

Magalhães Noronha, citado por Mirabete, leciona que a razão para tanto é clara. In verbis:

"Movida ação por pessoa que goza de foro especial contra o autor da ofensa à sua honra,

é óbvio que o processo deve ocorrer perante a Justiça comum, mas, oposta a exceptio

veritatis, isto é, propondo-se o acusado demonstrar a verdade do fato que imputou, fato

que acarretará conseqüências nocivas e prejudiciais e, eventualmente, até ação penal

contra o ofendido, tudo aconselha a que o processo em curso, com a exceção de verdade,

seja apreciado pelo Juízo competente conforme o foro por prerrogativa de função. Este

que é competente para o processo do querelante é também para apreciar a exceção da

verdade oposta contra ele. Dá-se agora, prorrogação e competência do foro especial". [36]

Mirabete bem lembra que, dentre os crimes contra a honra previstos na legislação penal, o

artigo 85 do CPP somente é aplicável para os casos de calúnia, pois na injúria não se

admite a exceção de verdade e na difamação, ainda que admitida a exceptio veritatis, não

há imputação de fato definido como crime, mas apenas de fato ofensivo à reputação.

Nos casos de crime doloso contra a vida, em que o réu gozar de foro especial por

prerrogativa, boa parte da doutrina entende que a competência para o processo e o

julgamento será do foro especial e não do Tribunal do Júri, desde que a prerrogativa de

função não esteja prevista em Constituição Estadual, em lei processual ou em normas de

organização judiciária. Nesses casos, deverá prevalecer a norma constitucional. [37]

Outros, porém, consideram o Tribunal do Júri como uma garantia individual, posto que

inserido no rol do artigo 5° da Constituição Federal. Nesse diapasão, elencado o sobredito

instituto como cláusula pétrea, deve sempre sobrepor-se ao foro especial por prerrogativa

de função. [38]

Como a competência por prerrogativa de função relaciona-se diretamente ao cargo ou

função que a pessoa ocupe ou exerça, parece óbvio afirmar que a mesma não se estende

aos delitos perpetrados após a cessação definitiva do exercício funcional, conforme

apregoa a Súmula 451 do STF.[39] Nesse sentido, RTJ 75/420; RT 412/113, 499/302,

506/318, 534/380; RJTJESP 42/294 e outros.

A SÚMULA 394 DO STF E A LEI N° 10.628/2002

A Súmula 394 do STF enunciava que "cometido o crime durante o exercício funcional,

prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a

ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício".

Page 13: Competencia Criminal

Depois de vigorar por mais de 35 (trinta e cinco) anos, a sobredita Súmula foi cancelada,

por unanimidade, em sessão plenária do STF, realizada em virtude do julgamento de uma

Questão de Ordem suscitada no Inquérito 687-SP, iniciado em 30/04/1997, em que

figurava como indiciado um ex-deputado federal.

Nossa Corte Suprema impingiu interpretação restritiva aos dispositivos constitucionais e,

por via oblíqua, infraconstitucionais no que tange à competência por prerrogativa de

função, entendendo que desta somente podem se beneficiar aqueles que se encontrarem

desempenhando cargo ou mandato que lhe garanta o foro especial.

Durante o julgamento do STF, o Ministro Sidney Sanches advertiu que "a prerrogativa de

foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce.

Menos ainda quem deixa de exercê-lo". Continuou o insigne magistrado esclarecendo que

"as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser

interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os

cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos".

Restou sedimentado, então, no STF, que deixando o cargo definitivamente, seja qual for o

motivo, seu ex-titular não terá direito a processo e julgamento em órgão jurisdicional

distinto daquele que teria qualquer um do povo.

Ocorre que, não obstante o pacífico entendimento da Suprema Corte, no dia 24 de

dezembro de 2002, véspera de natal, foi promulgada a Lei n° 10.628, que alterou o artigo

84 do Código de Processo Penal, dando nova redação ao caput e acrescendo-lhe dois

parágrafos. Vejamos a novo dispositivo legal:

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"Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do

Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais e Tribunais de Justiça dos Estados e

do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por

crimes comuns e de responsabilidade.

§1°. A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do

agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação

do exercício da função pública.

Page 14: Competencia Criminal

§2°. A ação de improbidade administrativa, de que trata a Lei n. 8.249, de 2 de junho de

1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o

funcionário ou a autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de

função pública, observado o disposto no §1°."

Esse novo texto incorporado à legislação processual penal, trouxe novamente à discussão

a hipótese de manutenção do foro especial por prerrogativa de função em caso de

definitiva cessação do exercício funcional que o alicerçava, questão, frise-se, já pacificada

pelo STF, como já estudado.

O caput do artigo 84 teve poucas alterações. Na verdade, ocorreu apenas o

aperfeiçoamento da redação, substituindo-se a expressão "Tribunais de Apelação" por

"Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal", e acrescendo-se o STJ no rol

dos tribunais competentes para o processo e julgamento dos delitos sujeitos a foro

especial por prerrogativa de função.

O §1°, ora inserido, contrariando entendimento do STF, conferiu foro especial aos agentes,

mesmo após a cessação de sua função pública, em relação às condutas inerentes aos

atos administrativos praticados quando da vigência do exercício funcional. Já o §2°,

também novo, estendeu o foro por prerrogativa de função, também após o término do

exercício da função pública, aos acusados de atos de improbidade administrativa –

definidos na Lei n° 8.429/92 – por atos praticados durante sua gestão.

A inconstitucionalidade de tais dispositivos, face ao princípio da isonomia, consagrado no

caput do art. 5° da CF/88, parece evidente. Aliás, Dalmo de Abreu Dallari, referindo-se às

novas regras quando ainda figuravam como Projeto de Lei n° 6.295/02, já advertia que

"embora seja escandalosamente inconstitucional esse projeto foi estranhamente aprovado

pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, onde se supõe que

haja conhecedores da Constituição". [40]

Salta aos olhos que o novo regramento deixa de proteger o cargo para, em afronta ao

princípio constitucional da igualdade, beneficiar pessoas. Ora, se se trata de ex-

funcionário, de ex-ocupante de cargo público, não é possível a manutenção do foro

especial de prerrogativa de foro para estes, pois não estão mais investidos no cargo

público e nem exercendo função pública relevante que justifique um tratamento

diferenciado em relação aos demais cidadãos. Não há mais, no particular, o interesse

público que legitima o foro especial, pois os ex-agentes públicos, ao cessar o exercício de

sua função pública, voltam a ser cidadãos comuns e, por isso, devem ser submetidos a

processo e julgamento sem privilégios, respeitando-se, assim, o princípio de que todos são

iguais perante a lei.

Corroborando esse posicionamento, Luiz Flávio Gomes assevera que "esse foro especial

só tem sentido, portanto, enquanto o autor do crime está no exercício da função pública.

Cessado tal exercício (não importa o motivo: fim do mandato, perda do cargo, exoneração,

renúncia etc.), perde todo o sentido o foro funcional, que se transformaria (em caso

Page 15: Competencia Criminal

contrário) em odioso privilégio pessoal, que não condiz com a vida republicana ou com o

Estado Democrático de Direito". [41]

Verifica-se, então, que o legislador não criou uma prerrogativa, mas sim um privilégio, que

visa a beneficiar a pessoa do ex-ocupante do cargo público, e não o cargo em si. Nesse

ínterim, não há, dentro do ordenamento jurídico pátrio, qualquer razoabilidade que

justifique o privilégio em questão.

Quanto ao §2°, ora acrescentado, também padece de vício de inconstitucionalidade, pois o

legislador, equivocadamente, por meio de lei infraconstitucional, ampliou o rol de

competências originárias constitucionais do STF, do STJ, dos TRFs e, em alguns casos,

dos TJs. Criou novas regras, portanto, à competência dos tribunais superiores, a qual é

fixada através das normas previstas na Constituição Federal.

Percebe-se, destarte, que as alterações trazidas pela Lei 10.628/02 consubstanciam-se

em "um duro golpe contra os princípios republicanos de igualdade; fomento à

criminalidade política, à corrupção, e é sabido que muitos têm se valido de prerrogativas

asseguradas pelas funções para delinqüir impunemente". [42] Ademais, "a Lei 10.628/02

contraria a Constituição Federal; todo e qualquer senso de Justiça; princípios

constitucionais basilares; o interesse social, e não corresponde, em absoluto, com as

idéias e ideais da sociedade brasileira contemporânea, representando, sem sobra de

dúvidas, ranço primitivo e ditatorial".[43]

Por essa razão, em 27.12.2002, foi ajuizada ADIN pela Associação Nacional dos Membros

do Ministério Público – CONAMP, pleiteando-se a declaração de inconstitucionalidade dos

novos §§1° e 2° do artigo 84 do CPP. Exercendo interinamente a Presidência do STF, o

Ministro Ilmar Galvão negou liminar requerida alegando por estar configurado o periculum

in mora suscitado pela CONAMP. O julgamento do mérito, até a presente data, encontra-

se pendente.

Análise da Jurisdição e Competência na esfera Processual Penal

O presente artigo versa sobre a jurisdição e competência no âmbito Processual Penal. Palavras- chave: Jurisdição . Competência.

Texto enviado ao JurisWay em 14/11/2010.

Indique aos amigos

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA ; 2.1

JURISDIÇÃO; 2.1.1 Princípios da Jurisdição; 2.2 COMPETÊNCIA; 2.2.1

Competência pelo lugar da infração; 2.2.2 Competência pelo domicílio ou

residência do réu; 2.2.3 Competência pela natureza da infração; 2.2.4 Competência

Page 16: Competencia Criminal

por prevenção e distribuição; 2.2.5 Competência por conexão ou continência; 2.2.6

Competência por prerrogativa de função; 2.2.7 Modificações de competência; 2.2.8

Competência absoluta e relativa; 3 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS.

1 INTRODUÇÃO

É conveniente que os operadores e acadêmicos de Direito leiam integralmente

este artigo, porquanto ele tem por objetivo mostrar que a jurisdição é uma das funções

do Estado, ou melhor, é o poder-dever do Estado de dirimir os conflitos de interesses

opostos que são trazidos à sua apreciação. Além do mais, o Estado desempenha esta

função sempre através do processo, buscando solucionar os conflitos de interesses dos

titulares sempre com imparcialidade, para que possa alcançar a pacificação do caso

concreto com justiça. Vale lembrar que este trabalho acadêmico tem, também, o escopo

de mostrar que a competência é a limitação do poder jurisdicional, isto é, a competência

é a medida da jurisdição. Além disso, para que haja a determinação da competência

jurisdicional é necessário observar os critérios do artigo 69 do CPP.

2 JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA

2.1 JURISDIÇÃO

Primeiramente, é necessário dizer que a palavra “Jurisdição” vem “do latim

jurisdictio, ou seja, prerrogativa de dizer o direito, decidir”. [01]

Além disso, podemos dizer que a jurisdição é:

uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentando em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada). [02]

Nessa mesma linha de raciocínio, pode-se dizer que:

Page 17: Competencia Criminal

em sentido amplo, jurisdição é o poder de conhecer e decidir com autoridade dos negócios e contendas, que surgem dos diversos círculos de relações da vida social, falando-se assim em jurisdição policial, jurisdição administrativa, jurisdição militar, jurisdição eclesiástica etc. Em sentido restrito, porém, é o poder das autoridades judiciárias regularmente investidas no cargo de dizer o direito no caso concreto.[03]

Destarte, percebe-se que jurisdição é o poder-dever do Estado de solucionar, através do processo, os conflitos de interesses opostos que são trazidos à sua apreciação, isto é, o Estado tem por escopo agir em prol da segurança jurídica e da ordem para que haja paz na sociedade.

Mister se faz ressaltar que a jurisdição é una, uma só, porque tem por objetivo a

aplicação do direito objetivo privado ou público. Contudo, se a pretensão de alguém é a

aplicação de norma de Direito Penal, ou de Direito Processual Penal, a jurisdição será

penal, se a finalidade é a aplicação de norma jurídica extrapenal, a jurisdição é civil.

Em síntese, nota-se que jurisdição penal é o poder de solucionar o conflito entre

os direitos relacionados à liberdade do indivíduo e a pretensão punitiva.

2.1.1 Princípios da Jurisdição

Convém ressaltar que a atividade jurisdicional é regida por certos princípios

fundamentais que serão abordados no decorrer do texto.

O Princípio do juiz natural diz que “ninguém será processado nem sentenciado

senão pela autoridade competente (art.5º, LIII, da CF)”. [04] Ademais, este princípio

garante a proibição do juízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII, CF). Em outras

palavras,

a garantia do juiz natural é tridimensional. Significa que: 1) não haverá juízo ou tribunal ad hoc, isto é, tribunal de exceção; 2) todos têm o direito de submeter-se a julgamento (civil ou penal) por juiz competente, pré- constituído na forma da lei; 3) o juiz competente tem de ser imparcial. [05]

Em decorrência do Princípio do devido processo legal (due process of law)

“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art.5º,

LIV, CF)”. [06]

Consoante o Princípio da investidura, “a jurisdição só pode ser exercida por

quem tenha sido regularmente investido no cargo e esteja em exercício”. [07]

Page 18: Competencia Criminal

Já o Princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional diz que

nenhum juiz poderá subtrair-se do exercício da função jurisdicional. Outrossim, este

princípio determina que o legislador não poderá produzir leis que restrinjam o acesso ao

Poder Judiciário (art.5º,XXXV, CF).

Pelo Princípio da improrrogabilidade, o juiz não poderá invadir nem ter sua

competência invadida por outro juízo.

Conforme o Princípio da indelegabilidade, o juiz não poderá delegar sua

jurisdição a outro órgão, exceto nos casos taxativamente permitidos, como ocorre, por

exemplo, nas cartas precatórias.

Já o Princípio da inevitabilidade ou irrecusabilidade, determina que as partes

não poderão recusar o juiz que o Estado designou, salvo nos casos de incompetência,

impedimento e suspeição.

De acordo com o Princípio da inércia ou da titularidade (ne procedat judex ex

officio) “a função jurisdicional só pode atuar mediante provocação pelas partes, não

sendo lícito ao juiz instaurar ações penais de ofício, sob pena de não estar agindo com a

necessária imparcialidade”. [08]

Segundo o Princípio da correlação ou da relatividade “ou da congruência da

condenação com a imputação ou ainda da correspondência entre o objeto da ação e o

objeto da sentença” [09] o réu não poderá ser condenado sem, previamente, ter ciência

dos fatos criminosos que lhe são imputados pela acusação. Ademais, sob o mesmo

ponto de vista, Mirabete diz que:

não pode haver julgamento extra ou ultra petita (ne procedat judex ultra petitum et extra petitum). A acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido em que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. Os fatos descritos na denúncia ou queixa delimitam o campo de atuação do poder jurisdicional. [10]

Por fim, o Princípio da unidade e identidade da jurisdição, ou seja, a

jurisdição é única em si e em seus fins, diferenciando-se somente no julgamento de

ações penais ou cíveis.

Page 19: Competencia Criminal

2.2 COMPETÊNCIA

É importante salientar que o poder jurisdicional é privativo do ESTADO-JUIZ.

Entretanto, em face de uma expansão territorial, de determinadas pessoas (ratione

personae) e de determinas matérias (ratione materiae), o exercício desse poder de

aplicar o direito (abstrato) ao caso concreto sofre limitações, nascendo daí a noção de

competência jurisdicional. Pode-se, pois, conceituar a competência como sendo “o

âmbito, legislativamente delimitado, dentro no qual o órgão exerce seu Poder

Jurisdicional”. [11]

2.2.1 Competência pelo lugar da infração

A competência pelo lugar da infração (competência ratione loci), via de regra, é

determinada pelo lugar em que se consumar o delito, ou, no caso de tentativa, pelo lugar

em que for praticado o último ato de execução.

Convém ressaltar que:

a competência pelo lugar da infração, também chamada de competência de foro ou territorial, determina qual será a comarca competente para o julgamento do fato criminoso. Esse critério é o mais utilizado porque inibe a conduta de todas as pessoas que vivem no local e tomaram conhecimento do fato e, além disso, possibilita maior agilidade à colheita de provas sem que seja necessária a expedição de cartas precatórias para oitiva de testemunha, realização de perícias, etc.. [12]

Para melhor esclarecimento podemos citar como exemplo o entendimento do

STF e do STJ em relação à emissão de cheques sem fundos, ou seja, nesse caso será

competente o juízo do local onde ocorreu a recusa do pagamento pelo banco.

2.2.2 Competência pelo domicílio ou residência do réu

A competência pelo domicílio ou residência do réu, também chamada de foro

subsidiário, está disposta no artigo 72 do CPP, o qual determina que; “não sendo

conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência

do réu”. [13]

É válido frisar um exemplo, bem ilustrativo, abordado por Tourinho Filho, que diz:

Page 20: Competencia Criminal

suponha-se que um cadáver apareça boiando nas águas do Tietê, na comarca de Bariri. Foi ele arrastado pela correnteza. Constatou-se ter havido homicídio. Das investigações levadas a cabo, descobriu-se quem foi o criminoso. Este não soube explicar o local do crime. Disse apenas que ocorrera bem distante. Nessa hipótese, o processo deve tramitar pelo foro do domicílio ou residência do réu. [14]

Ressalta-se, ainda, que excepcionalmente, nos casos de ação penal privada

exclusiva, o autor poderá escolher o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda

quando conhecido o lugar da infração. É o chamado foro alternativo, que não se aplica

ao caso de ação penal privada subsidiária.

2.2.3 Competência pela natureza da infração

Uma vez fixada a competência pelo lugar da infração ou pelo domicílio ou

residência do réu (art.69, I e II, do CPP), será necessário fixar a justiça competente em

razão da natureza da infração (ratione materiae), melhor ainda, em razão da matéria.

Oportuno se torna dizer que:

a jurisdição (justiça) pode ser Especial, que se divide em Justiça Militar e Justiça Eleitoral ; e Comum, que se divide em Justiça Federal e Justiça Estadual. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária (federal ou estadual), salvo a competência privativa do Tribunal do Júri, cuja competência é atribuída pela Constituição Federal. [15]

O Tribunal do Júri tem a competência para julgar os crimes dolosos contra a

vida, por exemplo, o homicídio doloso, o infanticídio, previstos nos arts. 121 e 123 do

CP.

Em relação à jurisdição especial, a Constituição Federal determina que compete

à Justiça Eleitoral (art.121 da CF), julgar os crimes eleitorais e os seus conexos. A

Constituição Federal também prevê a competência da Justiça Militar (art.124 da CF),

qual seja, processar e julgar os crimes militares previstos em lei.

Além do mais, a Constituição Federal também prevê a competência da jurisdição

comum (federal ou estadual), por exemplo, compete à Justiça Federal processar e julgar

os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da

Justiça Militar (art.109,IX,da CF).

Page 21: Competencia Criminal

Finalmente, a Justiça Comum Estadual tem a competência residual. Em outras palavras, é competência da Justiça Estadual tudo o que não for de competência das jurisdições federal e especial.

2.2.4 Competência por prevenção e distribuição

Através da distribuição (art.69, IV, do CPP), haverá a fixação da competência do

juízo quando, houver mais de um juiz igualmente competente em uma mesma

circunscrição judiciária. Outrossim,

se na mesma comarca existirem vários juízes igualmente competentes para o julgamento do caso, considerar-se-á competente pelo critério da prevenção aquele que se adiantar aos demais quanto à prática de alguma providência processual ou extraprocessual (exemplo: a decretação da prisão preventiva, a concessão de fiança, o reconhecimento de pessoas ou coisas). [16]

2.2.5 Competência por conexão ou continência

Há conexão (art.69, V, do CPP) quando duas ou mais infrações estão ligadas por

um liame, sendo que estes crimes devem ser julgados em um só processo em virtude da

existência desse nexo.

Além disso, “há continência quando uma coisa está contida em outra, não sendo

possível a separação. No processo penal a continência é também uma forma de

modificação da competência e não de fixação dela”. [17] Ademais, ocorrerá a continência

(art.69, V, do CPP) quando duas ou mais pessoas são acusadas pelo mesmo crime, ou se

o comportamento do indivíduo configurar concurso formal, aberratio criminis

(resultado diverso daquele pretendido) com duplo resultado e aberratio ictus (erro na

execução).

Diante do exposto, nota-se que a continência e a conexão são critérios de

prorrogação de competência e não de fixação. Outrossim, a existência de continência e

conexão ocasionará a reunião de processos e prorrogação da competência. Todavia,

segundo a Súmula 235 do STJ “a conexão não determina a reunião dos processos, se um

deles já foi julgado”.

2.2.6 Competência por prerrogativa de função

Page 22: Competencia Criminal

Cumpre-nos assinalar que a competência por prerrogativa de função (art.69,

VII, do CPP) ou competência ratione personae (em razão da pessoa) é determinada pela

função da pessoa, ou melhor, é garantia inerente ao cargo ou função. Ademais, a

prerrogativa surge da relevância do desempenho do cargo pela pessoa e devido a isso,

não pode ser confundida com o privilégio, uma vez que este constitui um benefício

concedido à pessoa.

Convém enfatizar que a competência pela prerrogativa de função referente, por

exemplo, ao Supremo Tribunal Federal, está prevista na Constituição Federal. Vejamos:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,

precipuamente, a guarda da constituição, cabendo-lhe:

I – processar e julgar, originariamente:

(...)

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no artigo 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; (...). [18]

2.2.7 Modificações de competência

Pela modificação de competência podemos entender que há regras sobre

competência material e funcional, que por sua vez poderão ser modificadas nas

hipóteses de prorrogação de foro, delegação (interna ou externa) e desaforamento.

A prorrogação da competência é:

a possibilidade de substituição da competência de um juízo por outro, podendo ser necessária ou voluntária; a necessária decorre das hipóteses de conexão (é o nexo, a dependência recíproca que as coisas e os fatos guardam entre si) e continência (como o próprio nome já diz é quando uma causa está contida na outra, não sendo possível a cisão); e a voluntária ocorre nos casos de incompetência territorial quando não oposta

Page 23: Competencia Criminal

a exceção no momento oportuno (caso em que ocorre a preclusão), ou nos casos de foro alternativo. [19]

A delegação é o ato pelo qual um juiz transfere para o outro a atribuição

jurisdicional que é sua. Essa delegação pode ocorrer de duas formas, interna ou externa.

A delegação interna ocorre nos casos de juízes substitutos e juízes auxiliares do titular

do Juízo, melhor ainda, é quando um juiz cede a outro a competência para praticar atos

no processo, inclusive decisórios, cabe entendermos que neste caso não há uma

modificação de competência, mas sim de atribuições. Já a delegação externa é utilizada

nos casos em que os atos são praticados em juízos diferentes, isto é, quando há o uso

das cartas precatórias, rogatórias e de ordem.

O desaforamento nada mais é do que o instituto privativo dos crimes de

competência do Tribunal do Júri. Nos casos em que houver necessidade desse instituto,

o pedido poderá ser proposto pela acusação (MP ou querelante, em casos de ação

privada subsidiária), por representação do juiz, pelo assistente de acusação ou a

requerimento do acusado e será endereçado ao Tribunal de Justiça. Neste sentido, a

Súmula 712 do STF diz que “é nula a decisão que determina o desaforamento de

processo da competência do júri sem audiência da defesa”.

2.2.8 Competência absoluta e relativa

Chama-se competência absoluta, visto que as competências em razão da matéria

e a por prerrogativa de função, tem conteúdo de interesse público e, por isso, não podem

ser prorrogadas e nem modificadas pelas partes e o seu reconhecimento, que pode

ocorrer em qualquer tempo ou grau de jurisdição, gera nulidade absoluta do processo.

Para entendermos competência relativa, é indispensável uma breve análise da

Súmula 706 do STF que diz; “é relativa a nulidade decorrente da inobservância da

competência penal por prevenção”. Outrossim,, na competência territorial, na qual o que

prevalece é o interesse privado de uma das partes, é prorrogável se não for alegada no

tempo oportuno e é capaz de gerar, se comprovado o prejuízo pela parte interessada,

apenas a nulidade relativa do ato ou de uma fase do processo.

3 CONCLUSÃO

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Diante da exposição construída ao longo do texto, observa-se que a jurisdição

não é absoluta para um determinado juiz, isto é, a jurisdição não pode incidir sobre

todos os tipos de demanda. Logo, para que haja uma delimitação para a atuação dessa

jurisdição o legislador disciplinou regras sobre competência.

Percebe-se, ainda, que a jurisdição é o poder do Estado decorrente de sua

soberania, para editar leis e ministrar a justiça, além de ser um poder legal no qual são

investidos certas pessoas e órgãos. Já a competência é a capacidade de uma autoridade

pública de efetuar determinados atos, ou ainda, qualidade legítima de apreciar e julgar

um pleito ou questão dentro de uma determinada divisão judiciária.

Uma matéria que vem, constantemente, sendo cobrada nos Concursos Públicos é a competência em Processo Penal.

Aproveitando o “gancho”, vou tentar colocar alguns pontos relevantes sobre o ponto.

COMPETÊNCIA

A competência tem como fundamento o Princípio do Juiz Natural e, especificamente, a vedação do juízo ou tribunal de exceção (verificação do juízo antes do cometimento do delito). A competência está, assim, delimitada constitucionalmente em razão da matéria e em razão da prerrogativa de funções.

Prerrogativa de Funções (Rationae Personae)

Não é demais lembrar, inicialmente, que a Lei nº 10.628 reintroduziu o disposto na polêmica Súmula 394 do STF, determinando a manutenção da prerrogativa de foro mesmo após o afastamento do cargo. As modificações feitas pela norma no artigo 84 do CPP foram declaradas inconstitucionais nas ADIs nº 2197 e 2880.

Acerca da prerrogativa de Função:

EXECUTIVO JUDICIÁRIO LEGISLATIVO OUTROS

STF

(Crime comum incluído eleitoral e militar)

- Presidente (102, I, b) e Vice.

- Ministros (102, I, b):

*AGU

* Chefe da Casa Civil

- Membros dos Tribunais Superiores (102, I, b e c):

CNJ, STJ; STM; TST; TSE etc.

- Membro do CN (102, I, b)

- PGR (102, I, b) e CNMP.

-Comandantes das forças armadas (102, I, c);

- Membros do TCU (102, I,

Page 25: Competencia Criminal

*Presidente do BACEN

da CF);

- Embaixadores

STJ

(Crime comum incluído eleitoral e militar)

- Governadores de Estado e do DF (105, I, a);

OBS: Vice e Secretários não têm competência igual ao dos Governadores e Ministros.

- Membros dos tribunais de segunda instância:

TRF (105, I, a)

TJ

TRE

TRT

- Não há competência do STJ para julgar membros do legislativo.

- MP da União que oficiam perante os tribunais (artigo 105, I, a):

Procuradores da República, Militar ou do Trabalho que atuam no STF, SEJ, TSE, TST, TRF, TER, TRT e TJ do DF.

- Membros do Tribunal de Contas dos Estados/DF e dos Municípios.

TRF - Prefeitos nos crimes federais (Súmula 702 do STF).

- Juízes Federais;

- Juízes do Trabalho

- Juízes da JM Federal

- Deputados Estaduais que cometem crimes federais.

- MPU:

* Procurador da República;

* Procurador do Trabalho;

* Procurador Militar.

TJ

Crimes comuns exceção aos eleitorais

- Prefeitos: só para crimes estaduais, salvo a competência da justiça eleitoral, federal e militar da União.

- Juízes de Direito, salvo nos eleitorais, Juízes auditores da JM Estadual (96, III). Os Juízes devem ser julgados pelo Tribunal a qual se submetem. Assim,

- Deputados Estaduais, só para crimes estaduais (se a Constituição Estadual preveja), salvo a competência da justiça eleitoral, federal e militar da

- Membros do MP Estadual, salvo nos eleitorais. Qualquer membro:

* promotores

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mesmo que cometam crime federal serão julgados pelo TJ.

Uniãode justiça;

*procuradores de justiça;

* Procurador-Geral de Justiça.

- Súmula 702 do STF: a competência do TJ para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.

- Súmula 721 do STF: a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual.

Os foros privativos atribuídos ao STF e STJ não contemplam nenhuma exceção, com o que se pode afirmar que, em tais casos, a regra de fixação de competência é rígida.

Já em relação ao foro privativo dos TRF e dos TJ, o texto constitucional traz ressalva expressa, em razão da natureza da infração: as pessoas que têm ali o seu foro privativo serão, nos crimes comuns, como regra, julgados naqueles tribunais, a exceção dos crimes eleitorais, que apesar de serem crimes comuns, serão julgados pelo TRE.

A prerrogativa de função dos Deputados Estaduais e Prefeitos é ainda menos rígida. Em relação a eles, o foro privativo na jurisdição do TJ somente se aplicará quando se tratar de crimes da competência estadual, ficando, portanto, ressalvada a competência da JF – nos crimes federais, quando será do TRF -, da JE (nos crimes eleitorais, cuja competência se desloca para o TER) e até mesmo da Justiça Militar da União, na hipótese de crime militar.

A jurisprudência vem entendendo que prevalece a regra da competência do Tribunal a que estiver regionalmente vinculada a autoridade.

- Súmula 396 do STF: Para a ação penal por ofensa a honra, sendo admissivel a exceção da verdade quanto ao desempenho de função publica, prevalece a competencia especial por prerrogativa de função, ainda que ja tenha cessado o exercicio funcional do ofendido

Quando houver concursos de agentes e um dos acusados detiver o foro privilegiado, serão todos os acusados julgados pelo Tribunal competente, com exceção de concurso de agentes na prática de crimes dolosos contra a vida.

- SÚMULA 704 STF: não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.

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- Súmula 702 do STF:A competência do TJ para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça Comum Estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo Tribunal de segundo grau.