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ANTONIO KLINGER DA SILVA SOUZA COMÉRCIO, ACUMULAÇÃO E PODER: A empresa J. G. Araújo & Cia. Ltda. em Boa Vista do Rio Branco Manaus 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA AMAZÔNIA

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ANTONIO KLINGER DA SILVA SOUZA

COMÉRCIO, ACUMULAÇÃO E PODER:

A empresa J. G. Araújo & Cia. Ltda.

em Boa Vista do Rio Branco

Manaus2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONASINSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA AMAZÔNIA

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ANTONIO KLINGER DA SILVA SOUZA

COMÉRCIO, ACUMULAÇÃO E PODER:A EMPRESA J. G. ARAÚJO & CIA. LTDA.

EM BOA VISTA DO RIO BRANCO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia.

Linha de pesquisa: Processos Sociais, Ambientais e Relações de Poder

Orientadora: Profª. Drª. Márcia Eliane Alves de Souza e Mello

Manaus2011

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ANTONIO KLINGER DA SILVA SOUZA

COMÉRCIO, ACUMULAÇÃO E PODER:A EMPRESA J.G. ARAÚJO & CIA. LTDA.

EM BOA VISTA DO RIO BRANCO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia.

Área de concentração: Formação econômica da Amazônia. Linha de pesquisa: Processos Sociais, Ambientais e Relações de Poder.

Aprovado em ________ de _________________ de 2010

BANCA EXAMINADORA

Márcia Eliane Alves de Souza e Mello, Profª. Drª. (Presidente)Universidade Federal do Amazonas

Patrícia Maria Melo Sampaio, Prof.ª Dr.ª (Membro)Universidade Federal do Amazonas

Nélvio Paulo Dutra Santos, Prof. Dr. (Membro)Universidade Federal de Roraima

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DEDICATÓRIA

Dedico aos pesquisadores da Amazônia e a toda população desta imensa região tão complexa e rica.

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AGRADECIMENTOS

Existem muitas pessoas a quem devo agradecer por ter conseguido concluir

este trabalho, no entanto, sem a força divina tenho a certeza de que não teria

conseguida nada, independente de como as pessoas o chame: Deus, Alá, Javé,

Construtor do Universo, etc., sei que nos momentos de contemplação foi a esta

força que me dirigi por inúmeras vezes.

A pessoa essencial da minha vida agradeço humildemente e peço

desculpas pelos momentos que não pude compartilhar com ela, minha amada Vera

Lucia. Neste ensejo, nossos filhos Matheus e Marcus, que também sofreram a

ausência deste pai, mas que sempre tiveram sua mãe para dar o colo e acalentá-los

quando seu pai estava longe.

Não posso esquecer os meus irmãos: Francisco Kleuton, meu mecânico de

moto favorito, que muitas vezes fez a revisão da moto para que eu pudesse ir à

Manaus, mano tenha certeza que sua ajuda foi fundamental. Ao mano Lázaro

Kleberson “O Bell”, que na minha ausência ajudou com meus filhos sempre que

solicitado. E minha irmã Kátia Regina pelas longas conversas que teve com minha

esposa, servindo por várias vezes de ombro amigo.

Os ensinamentos de meus pais, Francisco Sebastião “seu Babá” e Maria

Aparecida, que a cada dia me ensinam algo novo e que por muitas vezes pediam

para que eu desse um tempo nos estudos e vivesse um pouco mais, e, ao mesmo

tempo me motivando para atingir meus objetivos, e realizasse meus sonhos. Assim

como os tios Roberval e Eliete, pois nos momentos de tormenta foi na casa deles

que me refugiei em busca de concentração e paz.

Aqueles que carinhosamente me acolheram em Manaus: meu irmão

Eduardo Mesquita “O buato” que passou noites acordado me ajudando na leitura

dos textos, meu irmão Emanuel Mesquita e sua família, a Tia Suzete Gomes, a

Cristina; as minhas queridas primas Valdilene Monteiro, Elen, Priscila e Suelen pelos

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tantos apartamentos que dividimos, as colegas de turma Cida e Luciene Salorte, ao

Nixon e seus filhos maravilhosos.

Ao amigo Dyson Alves, do Museu Amazônico, que muito me ajudou no

manuseio dos documentos da firma J.G. Araújo & Cia. Ltda., assim como seus

auxiliares que ao longo dos anos foram sendo trocados, mas que não se recusavam

em ajudar-me.

Agradeço a fundamental ajuda dispensada por meu querido irmão Marcos

Nogueira, ele que sempre se prontificou em revisar os textos, ajudar a buscar novas

fontes, a subir em sua moto e ir até Manaus me acompanhando. Sei que sem você

teria sido muito mais difícil.

Aos amigos da Universidade Federal de Roraima, por meio do

Departamento de História, que sempre me incentivaram a pesquisar e a estudar, em

especial as pessoas da Drª. Carla Monteiro, do Dr. Nélvio Dutra e da Msc. Márcia

D’Acampora, amigos com quem sempre pude contar e confiar. Aos queridos

Maurício, Aimberê e Rafaella por terem cedidos fotografias para compor esta obra.

Mas agradeço, principalmente, a minha orientadora Profª. Drª. Márcia Eliane

Alves de Souza e Mello, por sua paciência, dedicação e pontual orientação, sabendo

conduzir na medida certa os passos deste trabalho, sendo cordial quando se fazia

juz ao merecimento, mas exigente e rígida quando necessário. A você meus

sinceros agradecimentos.

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RESUMO

Este trabalho trata da trajetória e o papel da empresa comercial J.G Araújo & Cia. Ltda., verificando, sobretudo, os investimentos comerciais da empresa em Boa Vista do Rio Branco desde sua instalação até sua retirada daquela região. A pesquisa tem origem principalmente na percepção da necessidade de que se tem em contribuir com trabalhos referentes à História de Roraima. Ao historiador cabe, entre outras funções, estudar e interpretar o papel que o comércio vem desempenhando como mecanismo poder e de transformação social ao longo dos anos como: a expansão dos meios de comunicação, de transporte e um maior intercâmbio entre as comunidades e pessoas. O processo histórico da empresa pesquisada segue um padrão universal. Há no entanto, uma singularidade, que se deve a existencia de um grupo familiar que mediava as relações entre produtores e empresários. Sua decadência, no Rio Branco, está relacionada, externamente, à falta de adequação à modernização que ocorreu no mercado com o passar dos anos. Internamente, como ocorre em muitas empresas centradas em uma familia, os problemas de sucessão vão aos poucos provocando seu desaparecimetno.

Palavras chave: Comércio; Poder; Boa Vista do Rio Branco.

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ABSTRACT

This work deals with the history and role of commercial enterprise JG Araujo & Cia. establishes, above all, business investment company in Boa Vista do Rio Branco since its establishment until its withdrawal from that region. The research comes mainly from the perceived need that has to contribute to work on the History of Roraima. It is the historian, among other functions, study and interpret the role that trade has played as a mechanism of social change and power over the years as the expansion of the media, transport and a greater exchange between the communities and people. The company researched the historical process follows a universal pattern. There is however, a singularity, which is due to the existence of a family group that mediated the relations between producers and entrepreneurs. Its decline in Rio Branco, is linked externally to inadequacy of modernization that occurred in the market over the years. Internally, as with many companies focusing on one family, the problems of succession are gradually causing its desaparecimetno.

Keywords: Trade, Power, Boa Vista do Rio Branco.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1: O porto de Boa Vista do Rio Branco 19

FIGURA 2: Vista panorâmica da vila de Boa Vista em 1924 21

FIGURA 3: A subida do porto de Boa Vista 22

FIGURA 4: Embarcação do rio Branco 40

FIGURA 5: Joaquim Gonçalves de Araújo 55FIGURA 6: Armazéns Rosas de J.G. Araújo 61FIGURA 7: Fábrica Brasil Hévea 67FIGURA 8: J.G. Araújo & Cia. Lda – Filial (Rio Branco) 72

FIGURA 9: Ocupação fundiária no vale do rio Branco em 1898 77

FIGURA 10: Título de Registro da Charqueada Calungá 93

FIGURA 11: Balateiros do baixo rio Branco 97

FIGURA 12: Casa Bandeirante 101

QUADRO 1: Movimento da borracha da empresa J.G. Araújo (1910-1916) 63

QUADRO 2: Estabelecimentos pertencentes a J.G. Araújo na Amazônia 68QUADRO 3: População pecuária em Boa Vista do Rio Branco (1912-1913) 81QUADRO 4: Propriedades da J.G. Araújo & Cia. Ltda. no Rio Branco 83QUADRO 5: Produção de charque 91QUADRO 6: Bens de Bento Brasil em 1925 106

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

Capitulo I O RIO BRANCO NO INÍCIO DO SÉC. XX 18

1.1 Olhares sobre Boa Vista do Rio Branco 18

1.2 Aspectos socioeconômicos e os entraves ao desenvolvimento 281.3 Possíveis soluções para os problemas no Rio Branco 36

Capitulo II JG ARAÚJO E OS NEGÓCIOS NA AMAZÔNIA 442.1 As práticas comerciais tradicionais no interior da Amazônia 452.2 Antecedentes da empresa J.G Araújo & Cia. 512.3 A trajetória de Joaquim Gonçalves de Araújo 552.4 O Império comercial de J.G. Araújo 61

Capitulo III A EMPRESA J.G ARAÚJO E O RIO BRANCO

72

3.1 Breve bosquejo sobre a questão fundiária no Rio Branco 733.2 A força da empresa da J.G. Araújo no Rio Branco

79

3.3 As principais atividades da empresa no Rio Branco 883.4 Reflexos da crise no Rio Branco 993.5 O poder da empresa frente aos “coronéis de barranco” 101

CONCLUSÃO 109

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 112

FONTES 116

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INTRODUÇÃO

A pesquisa na Amazônia ainda é um grande desafio por parte daqueles que

se atrevem a fazê-la. Tal afirmação dá-se pelo fato das distâncias, que fazem da

Amazônia o grande “inferno verde”, mencionado por outros autores que já a

pesquisaram. A exemplo disso está a realidade de localidades dentro do estado do

Amazonas, em que uma simples viagem pode durar até sete dias de barco e, por

outro lado, capitais como Boa Vista, Porto Velho e Rio Branco, de onde a viagem

para Manaus, dura cerca de duas horas de vôo.

Outro ponto que deve ser mencionado é o fato de que determinadas

pesquisas encontram limites por inúmeros motivos, entre os quais a apropriação de

fontes por parte de pessoas que se julgam proprietárias das mesmas, inviabilizando

o acesso, a falta de arquivos públicos que preservem a documentação de caráter

permanente, ou, simplesmente, quando se trata de pesquisa oral, o medo dos

descendentes em expor a história de seus antepassados.

Embora tais limites estivessem presentes no decorrer desta pesquisa,

buscamos contornar os obstáculos na sua elaboração. Ainda que haja a plena

consciência de que alguns aspectos que tratam da vida da empresa J.G. Araújo &

Cia. Ltda., ou de seu proprietário, Joaquim Gonçalves de Araújo, não sejam

mencionados no corpo do trabalho.

De todo modo, “Comércio, acumulação e poder: A empresa J.G. Araújo &

Cia. Ltda. em Boa Vista do Rio Branco” foi elaborado com o intuito de preencher

uma lacuna presente na recente história do Estado de Roraima e,

consequentemente, da Amazônia. Teve como problemática analisar, sobretudo, os

investimentos comerciais da empresa JG Araújo & Cia. Ltda em Boa Vista do Rio

Branco, levando em consideração os fatores que permearam sua origem, sua

importância social e política para a região rio-branquense no período de 1900 até a

década de 1930.

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Para tanto houve a necessidade de estudar o processo de acumulação de

capital ocorrido pelo financiamento por meio do aviamento de atividades extrativistas

realizadas pela empresa, procurando compreender as razões da expansão e da

consolidação do poder econômico da empresa em Boa Vista do Rio Branco, além de

verificar como se dava a comunicação dessas transações comerciais entre aviador e

aviados. Entende-se que pra haver capital em grande escala é necessário um maior

desenvolvimento do modo de produção capitalista, mas para que o capital aumente,

é necessário acumulá-lo, e, só haverá acumulo de capital se existir relação de

produção entre trabalhadores e patrão.

A acumulação também se dá por meio de atividades comerciais, mas

necessariamente por ela. À luz de Luiz Carlos Bresser-Pereira, no capitalismo a

acumulação de capital e lucro “organizam-se em um processo circular de auto-

reforço, no qual se acumula capital para aumentar o volume de lucros e reinveste-se

os lucros para aumentar a acumulação”. No caso da Amazônia, este foi o meio mais

utilizado para a acumulação de capital por parte dos grandes empreendedores.

Podem ser citadas outras atividades, sobretudo as extrativistas (borracha, castanha,

etc.), mesmo assim seu fim era voltada para o comércio.

A escolha por trabalhar as atividades comerciais da empresa J.G.Araújo &

Cia. Ltda. surge basicamente da importância que ela representou para a história da

formação econômica, e mesmo social e política da Amazônia. Outro motivo a ser

considerado é que Joaquim Gonçalves de Araújo, por intermédio de sua empresa,

J.G. Araújo & Cia. Ltda., faz-se presente pelos mais longínquos rincões da

Amazônia, singrando os rios, vales e igarapés, conhecendo e explorando os

produtos da floresta e estabelecendo laços de fidelidades com os povos da

Amazônia, o que caracteriza o comércio por meio da prática do aviamento.

Procura-se, de forma concisa, apresentar a empresa J.G. Araújo & Cia.

Ltda., realizando um histórico da família Gonçalves de Araújo: desde sua chegada à

Amazônia, o papel da empresa no desenvolvimento econômico da Amazônia, a

ascensão e o declínio da empresa. O contexto histórico da empresa J.G. Araújo &

Cia. Ltda. e o papel que ela desempenhou para o desenvolvimento econômico do rio

Branco é objeto de estudo do trabalho realizado. Assim, inicialmente, apresenta-se,

também, um pouco da vida do proprietário da empresa e de seu talento para o

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comércio, além de sua participação política nas decisões que buscaram salvar a

economia gumífera no início do século XX.

Para trabalhar o comércio, é usado o conceito de Paulo Sandroni, que o

classifica como “troca de valores ou de produtos, visando ao lucro”1. Em todo caso,

coaduamos com Geisa Cleps quando afirma que “a história do comércio sempre

ocupou um lugar estratégico no espaço das cidades, visto que a sua função é

produzir e aproveitar-se da concentração populacional2”. Vemos assim, que as

formas de comércio também criam novas centralidades ligadas à natureza de trocas

de mercadorias.

Contudo, os atos de comércio promovem a transferência de mercadorias

entre indivíduos, deslocando-os de regiões onde são abundantes para outras em

que não existem em quantidade suficiente para satisfazer o consumo. Além de sua

função econômica fundamental, o comércio estimula a expansão dos meios de

comunicação e transporte e o intercâmbio entre as comunidades. Quanto mais

aprofundada for a divisão do trabalho social, mais necessária será a função

mediadora do comércio entre os grupos sociais.

A acumulação também se dá por meio de atividades comerciais, mas

necessariamente por ela. À luz de Luiz Carlos Bresser-Pereira, no capitalismo a

acumulação de capital e lucro “organizam-se em um processo circular de auto-

reforço, no qual acumula-se capital para aumentar o volume de lucros e reinveste-se

os lucros para aumentar a acumulação”3. No caso da Amazônia, este foi o meio

mais utilizado para a acumulação de capital por parte dos grandes empreendedores.

Podem ser citadas outras atividades, sobretudo as extrativistas (borracha, castanha,

etc.), mesmo assim seu fim era voltada para o comércio.

No que tange ao poder, pensamos primeiramente em Michel Foucault, em

“Microfísica do Poder”. Para ele, “o poder não é um objeto material, uma coisa; é

uma prática social e, como tal, constituída historicamente”4. Esse pensamento nos

ajuda a compreender melhor o âmbito de como se davam as relações interpessoais

1 SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do Século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005. p.161.2 CLEPS, Geisa Daise Gumiero. O comércio e a cidade: novas territorialidades urbanas. In: Revista Sociedade & Natureza. Uberlândia: IGUFU, 2004. p. 117.3 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Acumulação de capital, lucros e juros. In: Texto para discussão n. 4, fev. 1991.4 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 24ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. p. X.

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no interior da Amazônia, e em especial no Rio Branco. Obviamente que entendemos

que o poder é algo inevitável e de modo algum inconsciente, sendo impossível

manter uma relação que não seja marcada por ele, mesmo porque ele está em todo

lugar, mas não engloba tudo.

Existe uma ambigüidade em relação ao poder, pois há “Poder” e “poder”. O

primeiro é mais fácil de perceber porque se manifesta por intermédio dos aparelhos

complexos que formam o território, pois controlam a população e dominam os

recursos. É o Poder visível, maciço, identificável. Como conseqüência é perigoso e

inquietante, inspira desconfiança pela própria ameaça que representa. Porém, o

poder mais perigoso é aquele que não se vê, ou que não se vê mais porque se

acredita tê-lo derrotado e assim, muitos indivíduos acabam encarcerados em seus

domicílios.

A definição de “região” como a categoria espacial que expressa uma

especificidade, uma singularidade, dentro de uma totalidade, há muito vem sendo

discutida e abandonada por uma parte dos geógrafos. Na contramão dessa

afirmação, Janaina Amado5 considera região como a configuração de um espaço

particular dentro de uma determinada organização social mais ampla, com a qual se

articula. Se tirarmos o relevo deste espaço e nos atermos essencialmente na

organização social, que, na verdade, é o que nos interessa no momento, poderemos

verificar as singularidades que cada grupo social possui, especialmente quando se

trata de atores de migração.

Quando se procuram abordar os aspectos sociais e econômicos da

Amazônia, é mister a necessidade de se discutir o homem amazônico. Mesmo

porque, na sua composição, enquanto unidade federativa é constituída não somente

pelos amazônidas, mas também por migrantes oriundos de diversas partes do Brasil

e de outros países. Essas pessoas trazem consigo seus costumes, suas histórias,

suas visões de mundo e seus aspectos culturais que, no contato com a cultura

amazônida, é passível da absorção de uma para outra ou da assimilação. E, como

exemplo, podemos citar a diversidade cultural existente no nordeste brasileiro que,

trazida por migrantes nordestinos, fundiu-se com a cultura local, isto é, com os

aspectos culturais dos indivíduos originários da Amazônia, alavancando um outro

5 AMADO, Janaina. História e região: reconhecendo e construindo espaços. In: República em migalhas – história regional e local. São Paulo: Editora Marco Zero,1990.

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rosto cultural, como, por exemplo, o “Boi-Bumbá” de Parintins, que teve agregados

os ritos das diversas etnias indígenas do Amazonas como o aspecto sócio-cultural

vindo do Bumba Meu Boi, do Maranhão.

Vemos, portanto, que cada região possui suas peculiaridades, e que seus

indivíduos estabelecem laços íntimos com sua localidade de origem, mesmo

habitando, pelo fato da migração, outro espaço, isto é, o local de destino. Deste

modo, são levados consigo não somente os aspectos sócio-culturais, mas

principalmente a sua identidade ou, poderíamos dizer, seu pertencimento com o

local de origem.

Salientamos que os processos sociais não se limitam somente aos aspectos

culturais, como é o caso do “Boi-Bumbá”, acima citado, mas, como aponta Iná Elias6,

implicam desde a língua até as atividades econômicas exercidas em uma região,

determinando as características do regionalismo existente no lugar, impregnando, de

qualquer forma, os indivíduos da região de estereótipos que surgem a partir de um

processo intra-regional ligado ao poder central.

Assim, na ótica de Iná Elias, a região pode ser vista como um “acumulador

espacial de causalidades sucessivas, perenizadas numa porção do espaço

geográfico, verdadeira estrutura sujeito na relação histórica do homem com seu

território”. Vê-se, portanto, que, quando se aloca em um determinado território, o

homem traz para o novo espaço a carga cultural que vivera em sua estada anterior,

mesmo que esta “cultura” seja aquela de submissão a oligarquias locais7. A

Amazônia, por sua característica histórica, inclusive o Brasil, ainda hoje tem

arraigada uma política de “coronelismo, enxada e voto”, conforme defende Vitor

Nunes Leal8. Destarte, as regiões têm características territoriais que permitem

identificar as relações de domínio, controle e gestão que são próprias de um

determinado território. Foi assim que a história econômica da Amazônia se formou,

quando da ocasião das grandes produções de borracha, juta, castanha, ouro,

diamante e muitos outros produtos dela extraídos.

6 CASTRO, Iná Elias de. Estado e Região: considerações sobre o regionalismo. IN: www.anuario.igeo.ufrj.br/anuario_1986/vol_10_27_47.pdf. Acessado em 20 de fevereiro de 2010.7 CUNHA, Luis A. G. Sobre o conceito de região. In: Revista de Historia Regional. v.5, n. 2, Ponta Grossa: IVERNO (UEPG), 2000. p.47.8 LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. 2ª Ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.

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Cada período econômico teve ou tem seu representante regional, como os

casos de Joaquim Gonçalves de Araújo na Amazônia Ocidental ou de José Julio de

Andrade no Pará. Com isso, pode-se desnudar o exercício do poder que,

naturalmente, ou melhor, socialmente, relacionam-se a grupos, classes e

instituições, enfim, atores individuais e coletivos, públicos e privados, que atuam a

partir de heranças culturais e configurações políticas e econômicas próprias de uma

determinada região9.

Com o passar dos anos, a necessidade em escrever a história de

determinadas regiões leva os pesquisadores ao encontro destes oligarcas ou de

seus descendentes, podendo ocorrer o conflito, haja vista que os rastros da história,

em especial os documentos, estão em posse destas pessoas. Esses oligarcas não

hesitam em usar o poder contra o pesquisador, principalmente quando desconfiam

que o resultado da pesquisa não vá ao encontro dos seus interesses ou ainda

acreditam que os estudos podem comprometer sua imagem10. Muitas vezes, o

pesquisador, ao trabalhar com o regional, é obrigado a interromper ou empobrecer

sua pesquisa, porque, mesmo quando pesquisa o passado, trabalha no presente.

Entende-se que é difícil realizar estudos pesquisas de cunho regional, às vezes por

receio, às vezes por medo.

Mas é necessário, de todo modo, realizar tal estudo, fortalecer as pesquisas

neste campo, pois o estudo regional oferece novas óticas de análises ao estudo de

cunho nacional, podendo apresentar todas as questões fundamentais da história a

partir de um ângulo de visão que faz aflorar o específico, o próprio, o particular11.

Com esses conceitos, buscam-se contemplar a discussão ora proposta com

as práticas sociais, políticas e econômicas nos diversos campos da história do

município de Boa Vista do Rio Branco. Acerca desta última, iniciamos o primeiro

capítulo apresentando o Rio Branco e suas particularidades no início do século XX,

levando em consideração, por acharmos de extrema necessidade, uma discussão

acerca da formação econômica da região, os seus entraves e superações, e mais

particularmente do município, onde se estabeleceu a filial da empresa J. G. Araújo.

9 CUNHA, Luis A. G. Sobre o conceito de região 2000. p. 4910 AMADO, Janaina. História e região: reconhecendo e construindo espaços. 1990. p. 11-12.11 AMADO, Janaina. História e região: reconhecendo e construindo espaços. p. 12.

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No segundo capítulo, fazemos uma análise e um estudo sobre a empresa

J.G. Araújo e Cia. Ltda. na Amazônia, levando em consideração as mais diversas

atividades exercidas e exploradas pela empresa de estreitas ligações familiares.

Neste capítulo, também estudamos a vida de Joaquim Gonçalves de Araújo, o mais

promissor do clã dos Gonçalves de Araújo. Foi com ele que a firma que

pesquisamos surgiu. Destarte, a análise da vida deste homem ajuda a entender

como se estabeleceram as bases do comércio amazônico, mas também a entender

como um homem adquire poder, status e força em uma região que o Brasil não

costumava enxergar.

O terceiro capítulo é dedicado ás atividades da empresa no município de

Boa Vista do Rio Branco, levando como premissas as atividades comerciais,

industriais, extrativistas, as fazendas de gado, o transporte fluvial para Manaus, a

força da empresa no município e as crises que abalaram a região. No mesmo

ensejo, propomo-nos a analisar o poder da empresa frente aos coronéis de

barranco, para tanto, uma discussão sobre “poder” é necessária para o

entendimento do capítulo.

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CAPITULO I

O RIO BRANCO NO INÍCIO DO SÉCULO XX

1.1 Olhares sobre Boa Vista do Rio Branco

O município de Boa Vista do Rio Branco foi criado em 09 de julho de 1890

através do Decreto nº 49, pelo governador do Estado do Amazonas Augusto Ximeno

de Villeroy, desmembrando parte das terras do município de Moura. No mesmo ato,

o governador elevou a antiga Freguesia de Nossa Senhora do Carmo à condição de

Vila, com a denominação de Boa Vista do Rio Branco, mantendo assim, os mesmos

limites geográficos da condição anterior. A instalação do município se deu a 25 de

julho do mesmo ano, na presença do Capitão Fábio Barreto Leite, representando o

Governador, que deu posse ao Superintendente Municipal, o Coronel João

Capistrano da Silva Mota e aos dois vereadores, José Francisco Coelho e José

Joaquim de Souza Junior. Dois anos mais tarde seria criada a Comarca do Rio

Branco, pela Lei nº 7 e sua divisão político-administrativa seriam compostos apenas

pelo Distrito Sede 12.

Fatalmente esse ato mudaria o destino daquela região. Pois, acreditava-se

que com a emancipação a região iria se desenvolver mais depressa e seriam

criados e estabelecidos vínculos mais sólidos entre as elites locais e o poder central.

Institucionalmente, foi com a Constituição republicana de 1891, que

promoveu a descentralização do Estado no Brasil, que as lideranças locais

formalizaram seus locus de poder, ocupando cargos e, no caso do Rio Branco,

também legalizando as terras ocupadas, sendo criado o município de Boa Vista,

com sede na antiga fazenda do mesmo nome13.

Boa Vista está situada à margem direita do rio Branco que por várias

décadas foi o principal meio de comunicação e ligação com o restante do país. No

início do século XX, segundo o Deputado Luciano Pereira, a vila apresentava casas 12 LUCKMANN, Donato. História e geografia do município de Boa Vista. Boa Vista: FECEC, 1989. p. 9.13 SANTOS, Nelvio Paulo Dutra. Políticas Públicas, economia e poder: o Estado de Roraima entre 1970 e 2000.Tese de doutorado defendida no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Universidade Federal do Pará. Belém: 2004. p. 88.

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bem construídas de pedra de cal, coberta de telhas e bem pintadas a cores14. As

ruas eram largas e não calçadas, contudo, eram limpas e secas, mesmo no inverno.

Ao todo eram 49 casas e o espaço urbano utilizado era grande entre uma

construção e outra. De acordo com Luciano Pereira, a vila contava com cerca de

quinhentos habitantes. Por sua vez, estes viviam basicamente da indústria pastoril.

A maior concentração de casas situava-se nas proximidades do porto,

conforme poderá ser observado na fotografia a seguir (figura 1). A iluminação das

casas era feita à base de carbureto ou querosene, vindos de Manaus, também se

utilizava o sebo do gado, óleo de mamona e outros produtos nativos.

Figura 1: O porto de Boa Vista do Rio BrancoFonte: SANTOS, Adair J. História da livre iniciativa: no desenvolvimento socioeconômico do estado

de Roraima. Boa Vista: FECOMÉRCIO, 2004.

14PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: Observações de viagem. Manaus: Imprensa Pública, 1917.

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Anos mais tarde, Hamilton Rice15, no diário de sua expedição em 1924 pelo

rio Branco, afirmava que a agricultura era negligenciada e os problemas se

mantinham: dificuldade de acesso e pouco aumento populacional. O comércio

estava começando, mas já se via em destaque as lojas Souza Dias, Canto da

Fortuna e a Loja Filial da J.G. Araújo, todas explorando o comércio de fazendas,

miudezas e estivas. Naquela época Boa Vista já contava com cerca de quatorze

pequenas mercearias, um botequim, uma farmácia, duas oficinas de ferreiro, uma

carpintaria e funilaria, uma barbearia, uma panificadora e uma fábrica de sabão16.

Estava em fase de construção o hospital Nossa Senhora de Fátima e a Igreja de

São Sebastião.

Aos olhos dos viajantes que passavam por Boa Vista, no início do século

XX, a localidade estava aquém das cidades da região norte, como Belém ou

Manaus, principalmente depois de ter vislumbrado os palacetes destas cidades ou a

imponência do Teatro Amazonas ou do Teatro da Paz, e de um comércio altamente

desenvolvido.

Hamilton Rice descreveria a sede de Boa Vista como sendo “o único

agrupamento junto ao rio que tem a honra de ser chamado de Vila”17. Naquela

época, Rice identificaria 164 casas que abrigariam cerca de 1200 habitantes

(figura 2), estes, por sua vez compostos por portugueses, brasileiros e mestiços,

índios e alguns negros oriundos da Guiana Inglesa.

15 Em 1924, chega ao Rio Branco àquela que talvez tenha sido a maior das expedições já realizada naquela região, a Expedição RICE. Hamilton Rice explorou uma região pouco visitada da Amazônia, a assim chamada “Guiana Brasileira”; além disso, enquanto viajou por terra, a pé, e principalmente por via fluvial em barcos e canoas, descrevendo a região com minúcias, foi acompanhado por vôos efetuados em hidroavião. A época eram os anos de 1924 e 1925. O avião era uma invenção recente e assim, pode-se assegurar que era a primeira vez que era utilizado neste tipo de exploração. Dezenove mil quilômetros de vôo foram efetuados na região. Mas Hamilton Rice não viajava no avião; este o seguia, fazendo, às vezes, incursões antecipadas, por regiões que, posteriormente, Rice visitava. Por onde passava este o explorador colhia informações minuciosas sobre a geografia, a topografia, a geologia, a flora, as tribos que ali habitavam e seus usos e costumes. Servia-se, também, do telegrafo sem fio para permanente comunicação com os diversos ramos de sua expedição. IN: RICE, Alexandre Hamilton (1924). Exploração à Guiana Brasileira. São Paulo: Edusp, 1978.16 CENTRO DE INFORMAÇÃO DA DIOCESE DE RORAIMA – CIDR. Boletim. n. 6. Boa Vista, 1986. 17 RICE, Alexander Hamilton. Exploração da Guiana Brasileira. 1978. p. 25.

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Figura 2: Vista panorâmica da vila de Boa Vista em 1924Fonte: RICE, Alexandre Hamilton (1924). Exploração à Guiana Brasileira. São Paulo: Edusp, 1978.

Provavelmente a descrição mais abrangente a cerca do Rio Branco tenha

partido do Sr. Araújo Cavalcante, em 1945, que tinha por objetivo traçar uma síntese

clara e objetiva dos problemas essenciais da área rio-branquense, a fim de elaborar

uma proposta orçamentária para a região. Em seus relatos, Cavalcanti distribui os

habitantes do Rio Branco em dois grupos, os que viviam em regiões alagadiças e

aqueles que viviam em terra firme. As construções seriam de madeira, cobertas de

palha e geralmente situadas a margem do rio. Em Boa Vista, havia “217 mocambos

e 122 casas”, e segundo o relatório, quase todas em condições inacreditáveis de

higiene18.

18 CAVALCANTI, Araújo. Planejamento regional: recuperação e desenvolvimento do vale do Rio Branco. 1949.

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Figura 3: A subida do porto de Boa VistaFonte: Arquivo pessoal de Aimberê Freitas

Podemos observar na figura 3 em destaque como o esgoto a céu aberto

descia pelas ruas e contaminava as águas do rio Branco. A fotografia, embora tenha

sido feita em 1904, por expedição de Constantino Nery, representou por décadas a

realidade do saneamento básico da vila19. Esta era a primeira imagem que o viajante

tinha ao desembarcar no porto do rio Branco.

A água consumida em Boa Vista era extraída do próprio rio Branco, poluída

por dejetos das habitações e por restos de animais abatidos para o consumo. Assim,

doenças como verminoses, sífilis, tuberculoses e beribéri afligiam a maior parte da

população. Ademais, o serviço médico era insuficiente e mal aparelhado.

Ressaltasse que anos mais tarde o Rio Branco sofreria uma grave epidemia

a forte epidemia de febre que assolou e levou a óbito boa parte da população20. Em

1916, a intendência municipal de Boa Vista do Rio Branco, por meio de seu

superintendente Generaldo Collaço Vera, esclarece que “o estado do município é

contristador ! ” ele denuncia que a dois anos as febres afligem a região norte do

município e que já tinha provocado cerca de três mil óbitos, na maioria de indígenas.

19 O prédio em primeiro plano foi a sede da fazenda Boa Vista, de propriedade de Terêncio Lima. Ao fundo a Igreja Matriz Nossa Senhora do Carmo.20 CENDAP. CD 107.2.3 (001). Relatório lido perante o conselho municipal pelo superintendente Generaldo Collaço Veras na terceira sessão ordinária de 1916. Manaus: Imprensa Pública. 1917. p. 5.

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Em uma tentativa de ajudar a cuidar da população o superintendente adquiriu uma

ambulância de medicamentos, a qual se mostrou insuficiente, para dar conta dos

enfermos. A aquisição de uma segunda ambulância custaria aos cofres públicos

cerca de Rs 1.200$000.21

Em algumas casas havia até oito pessoas doentes, as quais não tinham

condições de cuidar de si ou dos seus parentes, de maneira que estavam entregues

a própria sorte. O relatório evidencia uma preocupação com os indígenas: “...sendo

os silvícolas o elemento quase único para todos os serviços e os melhores auxiliares

da industria pastoril, estão desaparecendo as centenas mensalmente à falta de

tratamento e recursos alimentares”. Percebe-se o temor de extinção dos indígenas

ou que houvesse um êxodo, dos mesmos, para a Guiana Inglesa, onde existia

tratamento gratuito para essa população, uma vez que a Inspetoria de Proteção ao

Índio não estava preparada para atendê-los.22

Como pode ser verificado nos periódicos da época, em 1917, uma comissão

sanitária esteve presente no Rio Branco a fim de combater a epidemia de febre. Os

trabalhos tinham o objetivo de consultar e fornecer medicamentos gratuitos aos

doentes, na vila ou ao longo do vale do rio Branco. Em um trecho mais exaltado no

Jornal do Rio Branco podem ser lidas severas criticas à administração do município:

Não podemos dar bastante louvores à administração municipal, tanto a atual como a passada, pelo cuidado que tornou e que está tomando da saúde de seus administradores. Se fosse possível que a utilíssima Comissão se tornasse efetiva e definitiva, não havia palavras que chegassem para qualificar o beneficio assim prestado a nossa população flagelada, ainda mais que estas febres de mau caráter, que nos estão dizimando, não hão de desaparecer com a mesma rapidez que caracterizou seu aparecimento. Será mister agora combater cientificamente e com grande perseverança, o mal uma vez enraizado entre nós de tal forma, que, como nos disse o Sr. Dr. Pinheiro, ele não achou um certo número de pacientes, como imaginava, mas sim, um povo inteiro doente23.

Não há duvida que as péssimas condições de higiene foi o fator primordial

para as doenças, mas em especial esta febre, seria a água a porta de entrada para

tal enfermidade, quando o esgoto é despejado na rua e levado para rio. O Jornal do

Rio Branco apresentou uma entrevista com um dos membros da Comissão e este

21 Intendência Municipal de Boa Vista do Rio Branco. 1917. p. 5.22 Intendência Municipal de Boa Vista do Rio Branco. 1917. p. 5. 23 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano 2. N.2. Estado do Amazonas – Boa Vista do Rio Branco, Set.-Nov.1917.

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revelava ter encontrado por duas vezes em analises da água consumida pelos

moradores diversos corpos orgânicos causadores de doenças.

O estado de saúde da população do Rio Branco poderia levar qualquer um a

pensar que o município não se desenvolvia porque possuía uma população doente.

De fato as famílias viviam em permanente ameaça de doenças e isso

impossibilitava, vez por outra, um bom rendimento de trabalho produtivo. Mas é

importante avaliar que muito deste quadro se deve ao próprio morador de Boa Vista

por sua ignorância em relação à higiene, em especial a pessoal. Soma-se a isso a

omissão do poder público e preponderância das elites locais.

A alimentação era precária, tendo por base o consumo de carne de gado,

caça, pesca e farinha. Não havendo frutas, verduras, legumes, ovos ou mesmo

criação de galinha. O reforço de leite seria uma proporção de 30 litros diários para

uma população aproximada de dois mil habitantes. E o aspecto físico dos rio-

branquenses era o de subnutrição e anêmicas. “A carência de frutos e legumes,

numa região que deveria ser rica em produtos agrícolas, explica-se pelo fato de que

toda mão de obra é monopolizada pelas fazendas”24. Compartilha desta idéia o

inglês Evelyn Waugh que esteve de passagem pela região no início da década de

193025. Este viajante inglês foi um dos poucos a contestar as impressões aqui

descritas a cerca do “encanto” de Boa Vista. Ao desembarcar em Boa Vista suas

impressões foram as seguintes:

Assim que desembarcamos puxamos os nossos pertences barranco acima e nos achamos na rua central de Boa Vista: uma rua larga, com piso de barro ressecado e desnivelado, com largas fendas por toda parte e sulcada por várias sarjetas secas. As casas caiadas, cobertas de telhas, de um só andar, eram enfileiradas de um lado e do outro da rua. Na porta de cada casa estavam sentadas uma ou mais pessoas que nos fitavam com olhos arrogantes, hostis e indiferentes; algumas crianças nuas corriam de um lado para o outro da rua. Fios soltos – vestígios de uma linha elétrica (que funcionou anos atrás) pendiam de uma fileira de incontáveis posteis, ou estavam enrolados debaixo das calhas das casas26.

Este relato nos permite perceber que o aspecto físico do lugar se manteve

praticamente intacto ao longo dos anos, ao menos desde a passagem de Koch-

Grünberg em 1911. Percebe-se ainda que o braço dos monges beneditinos se fez 24 RICE, Alexander Hamilton. Exploração da Guiana Brasileira. p. 25.25 CENTRO DE INFORMAÇÃO DA DIOCESE DE RORAIMA – CIDR. Boletim. n. 12. Boa Vista, 1986.26 CENTRO DE INFORMAÇÃO DA DIOCESE DE RORAIMA – CIDR. Boletim. n. 12. Boa Vista, 1986.

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presente por conta de sua indústria, ao menos naquilo que as tentativas de

modernização, como a energia elétrica e sarjetas nas ruas.

Em relação aos habitantes de Boa Vista, e de todo o rio Branco, os viajantes

relatam serem muito hospitaleiros e atenciosos. Quando se trata especificamente

dos índios, de um modo geral, os viajantes relatam que a maioria vivia aldeada,

sendo que muitos deles vinham anualmente à Boa Vista em busca de trabalho, mas

que não passavam mais do que quatro meses longe de suas aldeias, quando

retornam munidos de salário pago em mercadorias ou em espécie. Em relação ao

braço indígena nas fazendas Luciano Pereira comenta que:

No Rio Branco os serviços dos índios são aproveitados para todos os misteres, inclusive o de vaqueiro, no que às vezes se tornam exímios. Assim, os da fazenda nacional São Marcos são quase todos índios, a começar pelo capataz, e mais ou menos vão dando, conta do recado27.

É mister mencionar que por ocasião das expedições cientificas, como a de

Hamilton Rice, o braço indígena foi amplamente utilizado, sobretudo, para remar

canoas e outras embarcações, em especial nas corredeiras do Uraricoera. A outra

profissão existente em Boa Vista seria a de soldado, exclusiva para não-índios,

classificada como “contingente especial”. Eram assalariados efetivos de Manaus e

servindo em Boa Vista, fixavam moradias, casavam e constituíam famílias. Para

Rice eles eram mais colonos que policiais.

Waugh em relação à impressão que teve a cerca das pessoas comenta que

“nos fitavam com olhos arrogantes”. O viajante inglês já havia se deparado a mesma

frieza em Caracaraí quando encontrou alguns vaqueiros e, que segundo ele,

descansavam em redes [...] os vaqueiro nos observavam com um jeito que somente mais tarde descobri ser característico dos moradores de Boa Vista. [...] a maneira dos vaqueiros responder manifestava tanto desrespeito quanto suspeita e insinuava que somente a nossa incapacidade de entender o português nos livrava de insultos abertos28.

27 PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: Observações de viagem. 1917. p. 23.28 CENTRO DE INFORMAÇÃO DA DIOCESE DE RORAIMA – CIDR. Boletim. n. 12. Boa Vista, 1986. p. 16.

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Esta desconfiança dos vaqueiros talvez ainda fossem resquícios do que

acontecera anos antes na questão Brasil-Inglaterra, mas também, demonstra a

forma como os rio-branquenses recebiam desconfiados os estrangeiros que por ali

passavam. Vale lembrar que a maioria dos vaqueiros da região era composta por

nordestinos e a cultura européia do viajante poderia confundir a local.

No que diz respeito a educação nas primeiras décadas do século XX, o

município era dotado de quase 95% de analfabetos. Para os beneditinos a solução

poderia estar no ensino privado, para que o Rio Branco não corresse o risco de ter

uma geração de analfabetos. Apesar de existir duas escolas públicas estaduais e

municipais, uma feminina e outra masculina, com freqüência de mais de 160 alunos.

Elas foram extintas e criada outra escola mista, sob a responsabilidade de um

professor. Contudo, em denúncia feita pelo Jornal do Rio Branco de 1917, o

professor por não receber seus proventos, precisou fechar a escola, deixando de

funcionar o único estabelecimento de ensino público da vila.29

De fato, ao analisarmos os relatórios da Intendência Municipal de Boa Vista

do Rio Branco das décadas de 1910 e 1920, verificou-se que havia no município

duas escolas primária mantidas pelo Estado, sendo que suas dependências eram

custeadas pelo município e, ainda assim, o estado físico era deplorável. Estas

escolas estavam destinadas: uma para ensinar meninos e a outra para meninas. O

município dispunha de duas escolas municipais noturnas em 1916, mas que não

funcionavam, e, buscava fundos para criar escolas em Conceição do Maú, Taiana e

Aparecida. Junto a estas escolas, a Prelazia do Rio Branco mantinha uma escola

que ensinava: letras, ensino religioso e artes30. Em 1927, foi criada a “Liga contra o

Analfabetismo”, cujo objetivo era assinalar a emancipação intelectual do Rio Branco,

essa ação rendeu a fundação de uma escola noturna regida por professores

gratuitos31.

A única escola privada que funcionava nos idos de 1920 era a Escola Tobias

Barreto, pertencente ao Juiz de Direito Arthur Virgilio do Carmo Ribeiro. Esta escola,

29 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano 2. n.2. Estado do Amazonas – Boa Vista do Rio Branco, Set.- Nov.1917.30 CENDAP. Relatório do superintendente municipal Generaldo Collaço Veraz, lido perante o conselho municipal na 3º sessão ordinária em 1916. Manaus: Imprensa Pública, 1917. p. 28.31CENDAP. Relatório apresentado ao conselho municipal na sessão de 17/10/1927, pelo prefeito Jayme Marcos Brasil. Manaus: Palácio real, 1927. p. 27.

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embora fosse privada, funcionava gratuitamente à população. Mas sempre havia a

preocupação local a cerca do que seria quando esta ultima escola fosse fechada.

Anos mais tarde, por ocasião da criação do Território Federal do Rio Branco, Araujo

Cavalcanti iria propor um tratamento especial para a questão do ensino e da

preparação das novas gerações.

Simples escolas, grupos escolares ou ginásios tradicionais, de sentido clássico, não surtirão efeito apreciável. As necessidades primordiais da hinterlândia rio-branquense sugerem a criação de um Instituto de Formação Rural para o qual deveria ser chamada a atenção das autoridades federais (Formação de fazendeiros, veterinários, agrônomos, etc., em número suficiente)32.

Tratava-se de uma idéia simples e que poderia ter trazido inúmeros

benefícios para o Rio Branco, até porque contaria com o apoio das elites locais, pois

estes eram obrigados a mandarem seus filhos estudar em outros estados. O Instituto

seria mais uma “força propulsora para o desenvolvimento da região e representaria

um grande esforço educacional no sentido da fixação do homem ao solo”.

Somente em 1930 é que a municipalidade viria a criar escolas e nomear

professores. Mas é em 1943, com a criação do Território Federal do Rio Branco que

surgiram o Grupo Escolar Lobo D’Almada, Escola Lourenço Filho e Colégio São

José e em 1944, com a instalação do Território Federal foi criado o Ginásio Euclides

da Cunha – GEC, de ensino secundário.

1.2 Aspectos socioeconômicos e os entraves ao desenvolvimento

Subindo o curso do rio Branco, a 400 km acima de sua foz no rio Negro, as cachoeiras de Caracaraí marcam a transição da floresta úmida para os campos, as grandes planícies recobertas por gramíneas rala, entrecobertas por igarapés e buritizais, que se estenderam ao norte até os contrafortes rochosos da cordilheira Pacaraima, divisor das águas que correm para os rios Amazonas, Orenoco e Essequibo. Essa região de campos e serras no vale do rio Branco, no extremo nordeste do atual Território Federal de Roraima, se distingue historicamente na economia da Amazônia, pois não se insere nesta pelo extrativismo vegetal, mas pelo valor estratégico que assume na política colonial portuguesa o espaço confinante com domínios espanhóis e holandeses: uma vez vencida a cordilheira, as planícies constituir-se-iam no caminho natural entre o vale amazônico e o mar do Caribe33.

32 CAVALCANTI, Araújo. Planejamento regional. 1949. p. 73.33 SANTILLI, Paulo. Os filhos da nação. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 30/31/32, 1989. p. 428.

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É com esta descrição que Paulo Santilli inicia seu artigo que trata da

ocupação não-índia nas terras do atual Estado de Roraima. Nele é possível notar

aspectos geográficos que foram considerado pelos administradores portugueses, no

período colonial, como barreiras naturais contra a invasão de estrangeiros, o que

posteriormente mostrou ser esta avaliação um equívoco, haja vista as constantes

invasões e, até mesmo, a construção de uma fortaleza espanhola naquele território.

Para Santilli o aspecto econômico não teria tanta importância histórica, dando o

autor maior ênfase ao aspecto político colonial. Nesta dissertação busco exatamente

contrapor-me a essa concepção do antropólogo, por entender que o vale do rio

Branco forneceu e gerou produtos de valor econômico significativo, não apenas para

a Amazônia, mas também para o país.

Após a criação do município no último quartel do século XIX, a pecuária

ocupou toda região de lavrado, ou campos gerais, começando a surgir novos

núcleos populacionais. Em 1892, Boa Vista já aparecia relacionada entre os

municípios do Amazonas, possuindo a autonomia administrativa desejada pelos

pecuaristas locais, que passaram a legislar criando mecanismos legais que

favoreceram a consolidação da ocupação de terras do Estado34.

Aliás, esta passou a ser uma prática comum no Brasil por ocasião da

passagem da monarquias para república, uma vez que a chamada Lei de Terras de

1850, a qual discutiremos de forma mais aprofundada no terceiro capitulo, viera a

perduraria até a formulação do código civil em 1916. Neste intervalo de tempo, os

estados por meio de seus governadores passaram a ter autonomia para legislar até

que suas constituições e leis fossem elaboradas. Desta forma, a Lei de Terras

continuava sua vigência, além do que serviu de princípio e norma no que se refere à

revalidação de sesmarias, legitimação de posses e discriminação das terras

devolutas. A cerca do assunto, Lígia Osório da Silva escreveu o seguinte:

A questão da terra moveu-se, portanto, durante a República Velha,

em torno destes dois eixos: de um lado, a existência ou não de uma política de ocupação de terras devolutas do governo federal, em que 1897 e 1911 aparecem como datas significativas; de outro, a existência de uma legislação favorável ao apossamento, cuja aplicação, entretanto, esteve subordinada às condições sociais concretas predominantes no campo35.

34 VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980. Boa Vista: Editora da UFRR, 2007. p. 39.35 SILVA, L. O. Terras e Latifúndio – Efeitos da Lei de 1850. Ed. Unicamp, Campinas-SP, 1996.

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Percebe-se que as questões ligadas ao acesso da terra nunca foi de fato

uma questão de interesse das elites brasileiras, independentemente de qual tenha

sido o regime de governo. As oligarquias de cada região encontravam meios para

manter sob seu domínio a “legalidade da terra”, cerceando ou dificultando o acesso

a ela para aquelas pessoas com menor poder aquisitivo.

Na região do rio Branco, ao longo dos anos, a dificuldade de atrair colonos

se manteve, a população era escassa devido a dificuldade de acesso, visto que a

navegação era periódica pelo percurso do rio muito acidentado, além de que os

recursos financeiros enviados pelo governo do Amazonas não cobriam as

necessidades e os gastos que o rio Branco proporcionava, somando-se a isso a

ingerência dos administradores locais.

Até o limiar do século XX, ocorreram migrações caracterizadas como

domésticas e esparsas, principalmente tendo-se em consideração que a atividade

econômica básica, que era a pecuária, não demandava mão de obra mais intensa e

as dificuldades de acesso eram demasiadas. Todavia, a estrutura fundiária do

nordeste brasileiro, aliada ao ocaso da economia da borracha, começou a interferir

no desenvolvimento populacional do rio Branco, por meio de deslocamentos

espaciais mais intensos, onde predominavam antigos trabalhadores em seringais e

serviços diversos, bem como agricultores descapitalizados que chegavam à região

trazidos por fazendeiros e comerciantes.

Neste ínterim, o quadro econômico do rio Branco passou a ter nova

configuração, voltando ao velho plano colonial de Lobo D’Almada em fazer da região

um pólo desencadeador de abastecimento de carnes e couro para outras partes da

Amazônia, e ao mesmo tempo, criar condições para a sua ocupação por colonos36.

O vislumbrar deste plano estava na parceria da pecuária do rio Branco e a borracha

da Amazônia.

A melhora desse quadro veio após o primeiro ciclo econômico da borracha,

uma vez que foi ampliada a produção do gado, contudo ainda não se aproveitava a

borracha do sul do rio Branco, visto que era de quantidade insipiente e de baixa

qualidade, dessa forma continuava o vazio populacional de não-índios na região. Os

habitantes não-indios só chegariam a formar um contingente expressivo em fins do

século XIX e primeiras décadas do século XX, quando as fazendas e retiros 36 SANTILLI, Paulo. Os filhos da nação. Revista de Antropologia. 1989. p. 428

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passariam a ocupar uma parte significativa dos campos. Ao contrário de outros

ambientes da Amazônia, onde o extrativismo vegetal promoveu deslocamentos

migratórios maciços, nas regiões de campos e serra, como no caso do rio Branco,

tal atividade não teve conseqüências mais duradouras em termos de povoamento e

ocupação colonial37.

Um dos maiores entraves para o desenvolvimento econômico do município

de Boa Vista do Rio Branco, talvez tenha sido seu isolamento. A falta de estradas,

ferrovias e o tempo limitado de viagem fluvial (apenas quatro meses durante o ano),

faziam com que a comunicação com o restante do país desprovesse de certas

oportunidades e, ainda assim, tais dificuldades faziam inflacionar enormemente os

preços dos produtos.

O exemplo disso fora descrito em 1924 pelo prelado do Rio Branco, D.

Pedro Eggerath quando da sua conferência ao Instituto Histórico e Geográfico do

Brasil em que asseverava que um rolo de arame farpado, material necessário para

as cercas empregadas para isolar o gado das plantações, equivalia ao “valor de 4 a

5 rezes”, o que era de fato um absurdo para os moradores do lugar, e

principalmente para quem ali chegava para fixar moradia com pretensão de se

dedicar a produção agrícola38. Em outro momento de seu discurso o monge revela

os valores dos gêneros de primeira necessidade:

não admira, portanto, que os fretes de Manáos sejam enormes, de modo que um saco de sal do custo de 8$000 (oito contos de réis) na capital do Estado só possa ser vendido em Boa Vista por 35$000 (trinta e cinco contos de réis)39.

Abrindo espaço para considerações mais contemporâneas, como a de Jaci

Guilherme Vieira que considera que a “região do Rio Branco nunca esteve vinculada

diretamente ao extrativismo vegetal; seu incipiente desenvolvimento econômico

esteve ligado, particularmente, à pecuária e à venda de carne para Manaus,

Venezuela e a ex-Guiana Inglesa”40. Contudo, há a latente necessidade de verificar

37 KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Do Roraima ao Orinoco: Observações de uma viagem pelo norte do Brasil e pela Venezuela durante os anos de 1911 a 1913. São Paulo: Editora UNESP, 2006. 38 EGGERATH, Pedro. O Vale e os índios do Rio Branco. Rio de Janeiro: Tipografia Universal, 1924. p. 17.39 Esta situação inflacionária viria a piorar na década de 1930 por ocasião da extração de ouro e diamante.( EGGERATH, Pedro. O Vale e os índios do Rio Branco, p. 22). 40 VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980. 2007. p. 56.

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que mesmo no período de grande produção da pecuária, o rio Branco muito

contribuiu com o Amazonas fornecendo dentre outros produtos a castanha, o tabaco

e a balata que proporcionavam altas cifras para a economia regional, mesmo que

sendo “atravessada” por casas comerciais e, em outro momento, quando da

exploração mineral, o rio Branco atraiu pessoa de todas as partes do país e de

outras nações estrangeiras para nele buscar sua fortuna.

Aqui, cabe uma reflexão a respeito desta fronteira econômica. O surgimento

de novas fronteiras na Amazônia nos leva a crer que a todo o momento a região é

reavaliada afim de que sua exploração seja justificada e que sua conservação

esquecida. Berta Becker nos lembra que

as contradições que se apresentam, quando o estudo da região amazônica, revelam uma Amazônia global, transnacional, que, entretanto, é um lugar dotado de singularidades, particularidades e sócio-diversidades (os índios, os enclaves econômicos da região, etc.) que não podem ser ignorados ou desconsiderados41 .

A autora faz-nos pensar que mesmo sendo criadas fronteiras econômicas,

fronteiras físicas, fronteiras regionais, ou quaisquer outros tipos de fronteiras, é

necessário levar em consideração que na Amazônia o ritmo é diferente, não há

como planejar a região sem deixar-se envolver por suas características.

Principalmente quanto ao quesito transporte, talvez seja uma ironia, mas aqui temos

que concordar e recordar os ensinamentos de Leandro Tocantins42 sobre a

Amazônia, pois nela, “o rio comanda a vida”. Portanto, a história nos mostra que por

séculos os governantes adotaram políticas para a Amazônia sem levar em conta

suas particularidades.

Em relação ao relato de Pedro Eggerath, que vem a seguir, a principal

argumentação e denuncia feita pelo beneditino está relacionada à construção de

uma estrada de ferro que ligaria a capital guianense até os limites do rio Branco. O

que segundo o mesmo se encontrava “adiantada a estrada de ferro”. É fato,

portanto, o conhecimento dos interesses de empresas nacionais e estrangeiras

buscando a construção de uma ferrovia a partir do solo brasileiro.

41 BECKER, Bertha. Novos rumos da política regional por um desenvolvimento sustentável da fronteira amazônica. IN: A Geografia política do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1997. 42 TOCANTINS, Leandro. O Rio comanda a vida. Manaus: Editora Valer/Edições Governo do Estado, 2000.

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Em 1917, o Jornal do Rio Branco editado em Manaus, ainda se referindo

sobre a ferrovia publicou a seguinte notícia:

Acabamos de saber por um dos concessionários, residentes na capital federal, que foi prorrogado, pelo Governo do Amazonas, o prazo da concessão da “estrada de ferro de Manáos a Bôa Vista do Rio Branco, com ramais para Guiana Inglesa e Venezuela”. Conhecemos essa concessão, feitas pelo Governo do Amazonas, a alguns capitalistas brasileiros, e estavamos informados que seu prazo expirava em 1916. Eis, então para nós rio-branquenses, uma boa noticia; pois, a prorrogação do prazo torna possíveis as negociações que os concessionários estão dispostos a fazer, como nos descrevem, com qualquer companhia canadense ou norte-americana que quisesse entrar em acordo com elas para a execução do projeto. Já falamos a nossos leitores do projeto da “Canadian Pacific Railway”, que, até hoje, parece o mais sério de todos.43

O jornal em questão era de propriedade dos padres da Ordem de São

Bento, radicados na região, talvez por isso buscasse inserir na mente da população

do rio Branco a esperança de ter a região ligada ao restante do Brasil e, por que

não, aos países limítrofes. Sabe-se que nunca houve de fato o interesse do poder

central em realizar tal façanha. Mas houve sim interesses de grupos norte-

americanos na construção da ferrovia desde que “seus interesses” viessem a ser

atendidos.

Um bom exemplo foi a “expedição de Rice”. Que resultou em um minucioso

mapeamento de boa parte do território do rio Branco, levantando a fauna, a flora e

os minérios ali presentes. Após a expedição, este americano propôs a construção de

uma ferrovia que ligaria o rio Branco à Manaus e que lhe permitiria a exploração dos

recursos, de ambos os lados da estrada, por um período aproximado de trinta anos.

Também havia o fascínio de construir a estrada face aos acontecimentos da

construção da Madeira-mamoré ou dos episódios ocorridos na Guerra do

Contestado, região disputada pelos Estados do Paraná e Santa Catarina no sul

brasileiro, salienta-se o americano Percival Farqhuar estava por trás dos episódios,

haja vista a empresa construtora da estrada ser de sua propriedade, ou seja, a

Madeira Mamoré Railway Limited.

Anos antes, em se tratando de transporte no rio Branco, quando da

expedição de Theodor Koch-Grünberg que originou o livro “Do Roraima ao Orinoco”,

este faz um breve comentário, em forma de pesar, ao relatar que

43 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano II. N.3. Estado do Amazonas – Boa Vista do Rio Branco, jan,-fev, 1917.

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as agências da linha de vapor para o Rio Branco me fizeram esperar dia após dia. Os pequenos vapores de hélice, chamados lanchas, que trafegam até o alto rio Branco, pertencem a pessoas ricas ou casas de comércio em Manaus e navegavam com a máxima irregularidade44.

Vê-se, portanto, que não era fácil locomover-se no trecho em questão, não

apenas pelos fatores naturais, mas também, em decorrência dos interesses

econômicos que movimentavam o comércio regional, até porque não havia produtos

suficientes para abastecer as embarcações que faziam na mencionada linha. Koch-

Grünberg relata posteriormente que a embarcação que viajou não era destinada ao

transporte de passageiro, mas sim para o transporte de bois.

Desde 1890, os moradores do rio Branco e até mesmo particulares de

Manaus, fizeram insistentes solicitações junto ao poder central para que fosse

levada a cabo a abertura de uma estrada de rodagem que ligasse Boa Vista a

Manaus e, até mesmo, do Brasil com a então Guiana Inglesa e a Venezuela.

Em 1917, Luciano Pereira apresentou sua impressão sobre a proposta da

abertura, compactuando para que esta fosse o fator primordial para o

desenvolvimento econômico da região, mas defendendo piamente a construção de

uma estrada de rodagem:

Não é possível uma região mais própria para a construção de estradas de rodagem do que aquela, de custo e conservação tão baratos que podem ficar perfeitamente dentro da iniciativa dos próprios particulares, [...]. A não ser nos lugares baixos, alagadiços no inverno, o solo é suficientemente duro para permitir sobre ele o trafego de carros, desde que não seja muito intenso. As estradas no Rio Branco, na sua atual necessidade, consistiriam apenas em uma simples limpeza do capim em toda sua extensão45.

Aos olhos atuais, a visão do então deputado transformava um problema que

durou um século para ser solucionado em Boa Vista, ou seja, abertura da estrada

em algo tão simplório, tendo na sua manutenção na própria iniciativa de particulares.

O simplório consiste quando o deputado diz “em uma simples limpeza de capim”.

Contudo, o parlamentar não poderia prever os entraves que ocorreriam décadas

mais tarde, por ocasião da abertura da BR-174 nas décadas de 1960-1970, junto

44 KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Do Roraima ao Orinoco: Observações de uma viagem pelo norte do Brasil e pela Venezuela durante os anos de 1911 a 1913. 2006. p. 29.45 PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: Observações de viagem. p. 21

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aos índios Waimiri-Atroari na divisa com o estado do Amazonas, nem tão pouco os

inúmeros acidentes geográficos existentes na extensão da mesma.

Outro fator destacado na fala de Luciano Pereira é quanto deixar a iniciativa

da abertura e conservação da estrada por conta de particulares do Rio Branco, pois

mesmo que houvesse tal interesse, o município não possuía tecnologia suficiente

para a empreitada, e quando esta chegasse não haveria, talvez, recurso financeiro

suficiente para acabar a obra.

As tentativas anteriores de fazer a abertura da estrada, inicialmente com

Sebastião Diniz e depois com o guianense Collins se mostraram incipientes e

desumanas. Incipiente pelo fato de que ao término, digamos, de cada dez ou vinte

quilômetros abertos a floresta se encarregava de fechar os trechos iniciais.

Desumano por que o serviço braçal dispensado para a realização do feito ocasionou

óbitos que ainda hoje são comentados pelos moradores de Boa Vista. Tal

empreendimento foi assim comentado em recente publicação:

A idéia de uma ligação rodoviária entre as duas localidades era um grande sonho rio-branquense, atendido em 1893 pelo então governador do Amazonas, Eduardo Ribeiro ao contratar o fazendeiro do vale do Branco, Sebastião Diniz, para abrir uma vereda de 815 quilômetros por dentro da mata densa. Diniz, junto aos companheiros Manoel Pereira Pinto e o piloto fluvial Terêncio Antonio Lima, cumpriram com o dever e possibilitou uma nova forma de comunicação entre as duas cidades. Findo o governo de Ribeiro, a estrada ficou a deriva e a floresta tratou de reanexá-la ao ecossistema predominante. Em 1927, conforme registros históricos, o guianense Collins reabriu a via de circulação, agora com 868 quilômetros46.

A única estrada de rodagem existente em todo o rio Branco naquela época

era a que ligava Boa Vista à Caracarai, pouco mais de 130 quilômetros. Para se

deslocar a Guiana ou a Venezuela, o viajante seguia a cavalo por picadas feitas pelo

gado. Vale lembrar que os cálculos do Ministério da Agricultura, à época, orçavam

em 8$000 (oito contos de réis) o preço médio da unidade quilométrica, sendo que a

totalidade entre Boa Vista a Manaus ficaria em torno de 6.400:000$000.

O periódico, Revista do Amazonas, publicado em Manaus no dia 5 de abril

de 1876, trouxe uma matéria destacando a comunicação por terra com os campos

do rio Branco. No primeiro parágrafo da matéria o jornalista faz a seguinte menção

que:

46 REVISTA DIRETRIZES. Boa Vista, L.I. Oliveira, Ano 1, nº 2. janeiro/fevereiro de 1991.

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Um importante problema cuja solução será de incalculáveis vantagens para a Província do Amazonas, é a abertura de uma estrada que ponha em rápida e fácil comunicação os fertilíssimos campos do Rio Branco com esta capital, ou com a primeira secção navegável do rio do mesmo nome47.

Percebe-se que o problema era antigo. Mas o restante da matéria destaca

também a importância estratégica que os campos do rio Branco tinham para o

Amazonas, afinal era um período de crescimento da economia gomífera no interior

da província do Amazonas e o gado do rio Branco abasteceria se não todos, parte

dos seringais e a própria capital da província. Este pensamento fica latente em outro

trecho da revista, onde se lê:

Se não for possível abrir de pronto uma via de comunicação cômoda para todos os misteres, faça-se ao menos uma larga picada que dê passagem ao gado, que trazido ao nosso mercado em quantidade suficiente para o consumo da crescida população desta capital, elevará os rendimentos das fazendas nacionais, minorando ao mesmo tempo as dificuldades com que lutamos para obter um dos principais gêneros da alimentação pública48.

1.3 Possíveis soluções para os problemas no Rio Branco

O Jornal do Rio Branco, em novembro de 1916, por meio de seu editorial,

expõe em meio ao tom de desabafo o estado calamitoso que a região do Rio Branco

enfrentava. A nota inicia com a interrogativa: “Qual será o motivo de tal estado de

cousas?” e apresenta três respostas ou prováveis causas, a começar pela

negligência dos governantes, que segundo a edição, “tanto os federais como os

estaduais, nada fizeram de prático para favorecer o desenvolvimento do Rio

Branco”. Mesmo havendo leis e decretos, comissões, contratos e relatórios, não

houve práxis e quando se tentou executar algo, as ações eram apenas iniciadas e

não levadas a diante49.

Dois anos antes, por meio de Dom Alcuino Meyer, bispo prelado do Rio

Branco, em contato com o Ministro da Agricultura, Dr. Edwirges de Queiroz, obteve

subsídio de dez contos de réis para começar uma estrada de rodagem que

contornariam as principais cachoeiras que dificultavam a navegação no rio Branco.

Entretanto, não houve a devida fiscalização da obra e dos recursos e um ano mais

47 REVISTA DO AMAZONAS. Manaus, n. 1, ano I. 1876.48 REVISTA DO AMAZONAS. Manaus, n. 1, ano I. 1876.49 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano I. N.1. Nov.1916.

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tarde, ao retornar ao Rio Branco, o prelado verificou que nada havia sido feito,

mesmo sendo um trecho curto de aproximadamente sete quilômetros. O descaso foi

comprovado oficialmente, quando descobriu-se que o dinheiro não havia sido

repassado ao SPI, órgão que administraria a construção, mas que o próprio órgão

havia realizado a abertura de uma picada de aproximadamente sete quilômetros. O

segundo ponto em destaque no editorial diz conta da “incúria e a preguiça do povo”.

Para eles,

o povo é habituado desde mais de século a viver de seu gado, sem trabalho nenhum, não se sentindo animado pelas autoridades, nem tendo meios de levar os produtos de sua lavoura, nem ao mercado de Manáos, nem ao estrangeiro, deixa-se viver miseravelmente, sem reagir contra uma situação tão desastrosa, contentando-se com habitações e alimentos que na Europa, nem os mais pobres achariam suficientes e salubres50

Percebe-se, agora, um tom de revolta por parte dos editores quanto a

morosidade e satisfação da população por conta das condições de vida no Rio

Branco. A crítica ferrenha à alimentação local, que alias continua sendo apreciada,

demonstra a visão de outra cultura e realidade, a européia.

Novamente, vê-se o clamor para que esforços sejam feitos para tentar

resolver o problema de comunicação, uma estrada de rodagem, para que por meio

dela os produtos pudessem ser escoados. Este seria o terceiro ponto abordado

pelos editores do jornal, já que escreveram que “a falta de meios de comunicação,

que é a causa dos preços excessivos dos gêneros, da ausência de circulação

monetária e do preço exorbitante da mão-de-obra que desanimam qualquer tipo de

construção séria ou de exploração agrícola ou de exploração industrial”51.

Este problema existiu desde a conquista do vale rio-branquense pelos

portugueses, que tinham a séria dificuldade de realizar patrulhas militares na região,

deixando-a exposta as nações invasoras, como os espanhóis, ingleses e

holandeses. No entanto, passados alguns séculos não era apenas este o único

problema, a vida era difícil na região, principalmente chegar ou sair do Rio Branco

sem correr o risco de sofrer um naufrágio ou de perder parte da carga transportada,

motivos que de certa forma contribuíam, e ainda hoje contribuem, para o alto valor

dos produtos.

50 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano II. N.2. Set.- Nov.1917.51 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano II. N.2. Set.- Nov.1917

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Estes fatores culminavam na parte arquitetônica da vila, pois não havendo

condições de aquisição de produtos de primeira linha para a construção, as casas

eram construídas a revelia e quase sempre sem as mínimas condições de higiene,

ou então seguindo os costumes da população indígena cobrindo as casas com palha

e cercando-as com barro.

O editorial termina conclamando a população rio-branquense a fazer sua

parte sem esperar por ações governamentais:

O governo fazendo o seu dever, nós também faremos o nosso, concorrendo todos, cada um na sua esfera, para os melhoramentos necessários a esta terra, baixando os preços das mercadorias e da mão-de-obra, deixando de lado nossa preguiça inveterada, dedicando-nos a agricultura, e acima de tudo, tornando-nos cidadãos honestos e sérios, homens de palavra, que não se enganam aos outros como não querem ser enganados52.

Com respeito a estrada de rodagem, desde 1876 havia movimentação para

a execução da mesma e com passar dos anos o desejo só aumentava, não havendo

no Rio Branco pessoas contrarias a ela53. O projeto da estrada de ferro era

grandioso demais para ser encabeçado pelo Estado, mesmo porque os cofres

públicos não estavam favoráveis naquele momento. Portanto, a única solução seria

de fato a construção daquela pequena estrada que contornaria as cachoeiras do rio

Branco na altura do “Bem Querer”, mesmo assim, esta obra só poderia ser realizada

por meio do erário público, e favoreceria a agricultura e o comércio, mas

principalmente a pecuária, indústrias essenciais para o desenvolvimento da região.

Esta engenharia iria facilitar o trafego para as diversas paragens da região e

apresentaria para o restante do país as nações guianenses e venezuelanas.

Ressalta-se que o transporte fluvial não seria desprezado, pelo contrário, a indústria

beneditina, anos mais tarde, iria propor que houvesse um serviço de navegação

para o Rio Branco em duas seções, a do Baixo e do Alto rio Branco, unidas pela

estrada de rodagem destinada a por em comunicação direta as seções, a qual seria

servida de caminhões que transportariam os passageiros e as cargas, de uma

embarcação para a outra.

52 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano I. N.1., Nov.191653 REVISTA DO AMAZONAS. N. 1, ano I. 1876.

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Este serviço já havia sido realizado anteriormente pela Comissão de

Valorização da Borracha54 em 1912, e segundo consta aos beneditinos, foi a “única

vantagem que o Rio Branco retirou da referida Comissão”55. Pois quando a

Comissão se retirou, as embarcações foram repassadas ao Serviço de Proteção do

Índio – SPI, mas este órgão não deu seqüência ao serviço iniciado pela Comissão e

passou a utilizar apenas para interesses próprios.

A despeito do transporte fluvial, aqueles que relataram tal experiência

revelaram ser fatídico, perigoso e insalubre. Primeiro por que uma viagem ajusante

poderia durar até quarenta dias, perigoso pelo fato das corredeiras fazerem as

embarcações naufragarem e insalubre porque os passageiros, na maioria das vezes

viajavam expostos às condições climáticas e sem conforto, servindo de alimento

para as mais diversas espécies de insetos, em especial o causador da malária.

Explicando ao ministro da agricultura os motivos de seu atraso para enviar

um relatório sobre o estado de abandono que se encontrava o Rio Branco, D. Pedro

Eggerath informou o seguinte:

Outro motivo de meu atraso e merece bem de ser mencionado aqui, para o esclarecimento de V. Exia., é, que fiz uma viagem de Manáos para cá em condições verdadeiramente indignas de um país civilizado como é o Brasil, tendo gasto trinta e cinco dias para percorrer este trecho de cerca de 900 Km, passando as cachoeiras com perigo muito próximo de naufrágios, e presenciado o afogamento nas mesmas cachoeiras de um companheiro de viagem56.

Aliás, a cerca da malária e de outros tipos de febres, que eram endemias

que contribuíram para a dizimação da população de Boa Vista do Rio Branco. Neste

sentido, revela Eggerath que

54 Em 1912, o governo federal encampou um programa intitulado “Plano de Defesa da Borracha”. Esse programa estabelecia um estímulo à produção e industrialização da borracha, à migração, ao setor de transportes, à produção agrícola alimentar e à pesca. O programa destinava-se a todo território nacional, isto é, a todos os estados brasileiros onde havia árvore produtora de goma elástica. No Rio Branco foi instalado uma Comissão deste programa, o que deveria facilitar e agilizar as primícias que o plano previa para a região, tais como: localização de imigrantes em colônias nas Fazendas Nacionais de São Bento e São Marcos, construção de um hospital, construção de uma linha férrea na confluência dos rios Negro e Branco,pelo vale do rio Seruiny, entrando pelo vale do rio Catrimani e continuando até Uraricoera, com um ramal para o rio Paduiry e outro em direção a Boa Vista, melhoria na navegação para o rio Branco, arrendamento das Fazendas Nacionais São Bento e São Marco para a criação de gado e cultura de cereais. (SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1850-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1990).55 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano I. N.2., Dez.191656 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano I. N.1., Nov.1916

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Além disto, nós, três missionários, tendo passado noites ao ar livre e expostos a chuva, e apanhando muita água nas cachoeiras, chegamos aqui com febres palustres, que, hoje ainda, depois de muitos meses, nos estão perseguindo e estragado a saúde, e custaram a vida de um de nós, falecido a 4 de maio.57

Este serviço era realizado também por particulares como Bento Brasil ou a

firma J.G. Araújo & Cia. Ltda, que possuíam lanchas e batelões para executar os

transportes de cargas, gados e passageiros.

Em quanto a nossa carga, que era de 157 volumes, avariamos a perda que sofremos nesta viagem a que um terço do valor do conteúdo das mesmas, deteriorados pelas águas do rio, pela chuva, pelo calor, pelos insetos, pela umidade, todas conseqüências de uma viagem muito demorada, com abandono forçado da carga em diversos lugares58.

A navegação do rio Branco, ainda hoje é periódica, ou seja, não é transitável

durante todo o ano. E o seu percurso é longo e acidentado, como já descrevia

Jacques Ouriques em 1906: “o Baixo Rio Branco, da foz ao Caracaray, no começo

do trecho encachoeirado, com 388 kilometros; as Cachoeiras, com 24 kilometros; e

o Alto Rio Branco com 172 kilometros, do extremo superior das Cachoeiras até á

confluência do Uraricoera a Tacutu”59, aonde se localizava o forte de São Joaquim.

Além destas dificuldades, há o regime das águas que no caso do Branco tem suas

cheias de março a setembro, e o trecho das cachoeiras só é navegável neste

período.

57 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano I. N.1, Nov.191658 JORNAL DO RIO BRANCO. Ano I. N.1, Nov.191659 OURIQUES, Jacques. O Valle do Rio Branco.s/l: edição official, 1906. p.9.

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Figura 4: Embarcação do Rio BrancoFonte: Arquivo pessoal de Aimberê Freitas

Naquelas circunstâncias, os habitantes do alto Rio Branco, só poderiam

contar realmente com franca navegação a vapor, para a condução mais rápida e

mais adequada para o transporte de passageiros, de carga e do gado, durante os 3

a 4 meses do ano em que o Cojubim deixa passar as lanchas livremente”. Ele cita a

passagem do gado pois esta ainda era a base econômica da região60.

A dificuldade era a de fixar colonos, com suas respectivas famílias, para

estabelecer, efetivamente, uma povoação e não apenas uma espécie de entreposto

comercial. Esta dificuldade era de certa forma justificada pelas condições de acesso,

pois não havia estrada para a região do vale, só se chegava por via fluvial.

O crescimento populacional começou a se notar principalmente na década

de 1930, quando é descoberto ouro e diamantes em Tepequém, pessoas de todo

país vinham procurar uma fonte fácil de enriquecimento. Os garimpeiros oriundos

das mais diversas regiões do Brasil, sem muita técnica ou recursos procuravam o

Rio Branco a fim de concretizar o sonho do El Dourado.

Nilson Crócia de Barros destaca que “com a grande crise da coletada

borracha, que se inicia em torno de 1920 [...], a pecuária do alto rio Branco vai

60 D´ACAMPORA, Márcia. A criação do Território Federal do Rio Branco. Boa Vista: UFRR, 2009. p. 17.

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perder o estímulo de mercado que causara sua expansão desde 1870”61. Deste

modo a mineração veio a ser o setor econômico que “impulsionaria” o Rio Branco.

A região continuava a sofrer pela falta de acesso e, conseqüentemente com

uma população rarefeita. Uma única alternativa econômica que apareceu foi na área

do alto rio Branco, quando apareceram as primeiras informações sobre a

garimpagem de ouro e diamantes, na área dos rios Maú e Cotingo, ao norte de Boa

Vista, em 1917, mas a princípio incipiente62. Somente por volta dos finais da década

de 30 é que foram descobertos diamantes na Serra do Tepequém, e como

conseqüência, centenas de pessoas das mais variadas regiões do país, foram à

procura de fortuna rápida.

A quantidade de garimpeiros no rio Branco foi tão grande que, mesmo com a

deficiência dos meios de extração da época, foi registrada em quase vinte anos de

exploração uma produção oficial acima dos 10.000 quilates/ano. Com relação a

extração mineral, o diamante - que era o objeto de exploração – tinha sua extração

feita forma rudimentar, e “o Código de Minas nunca foi obedecido em toda a região

diamantífera do Território”. Contudo a região tinha outros minerais

comprovadamente identificados já no inicio do século XX e explorados anos mais

tarde

ágata, Bauxita (na fronteira com a Guiana Inglesa), Betume (no rio Anauá), calcáreos, carvão de pedra (nas imediações da Serra do `Tepequém e no curso do rio Uraricaá), cobre (nos rios Cotingo e Parima), cristal de rocha (em várias partes do Território e as vezes à flor da terra. Na maioria dos casos, porém, os cristais são sujos e de qualidade inferior), diamantes (ao longo de uma faixa que acompanha as cordilheiras do Parima e no sentido leste avança até a fronteira com a Guiana Inglesa). Os principais rios e igarapés diamantíferos são o Tepequem, o Cotingo, o Maú, o Quinô, o Tacutu, o alto Majari; diatômita; enxofre (no alto Cotingo); estanho (no alto Uailang, tributário do rio Mau); grandes quantidades de mica e ouro; pedras preciosas, etc63.

Em 1936, o ouro e os diamantes representavam 59,6% da receita local,

contra 26,8% do gado. E o declínio da borracha em toda Amazônia que iniciou em

1920, a pecuária no rio Branco perdeu seu estímulo de mercado passando a

mineração a ser o principal setor econômico da região. Os fazendeiros trataram de

61 BARROS, Nilson Crócia. Roraima: Paisagens e Tempo na Amazônia Setentrional. Recife: Ed. Universitária/UFPE, 1995. p. 5662 OURIQUES, Jacques. O Valle do Rio Branco. 1906. p.46/47.63 OURIQUES, Jacques. O Valle do Rio Branco. 1906. p.46/47.

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investir em mineração e o rebanho bovino que era de 300.000 cabeças, declinou

para 120.427 cabeças em 1945. Parte do gado foi sendo dizimada pelo abandono, e

parte vendida para criadores venezuelanos64.

D. Pedro Eggerath descrevendo a sociedade do Rio Branco no primeiro

quartel do século XX, registra a existência de alguns conflitos pela posse da terra e

pelos direitos indígenas, tendo como centro a exploração da balata. Um prenúncio

de choques nas décadas seguintes, quando a questão da terra, valorizada pela mi-

neração transformou-se em um dos problemas mais candentes na conjuntura do

atual estado de Roraima e o tema mais explosivo da atualidade. Era o tempo em

que o extrativismo se expandia, ocupando o espaço econômico da pecuária. Aqui já

se percebem os conflitos pelo controle da mão-de-obra através do domínio do espa-

ço numa sociedade tradicional patrimonial, no sentido que lhe dá Max Weber.

Pelo relato daqueles que tiveram contato direto com o Rio Branco na primei-

ra metade do século XX como: Pereira (1917), Rice (1924), Eggerath (1926) e Ca-

valcanti (1949), observamos que acentuam a negligência com a agricultura, a po-

breza da dieta e alto índice de doenças da população, bem como a decadência da

pecuária e a ascensão da economia mineira a partir de 1920. As pessoas liberadas

pela coleta da borracha, sem alternativas de ganho, foram atraídas pela possibilida-

de de mineração do ouro e diamante nas áreas montanhosas próximas às fronteiras

com a Venezuela e Guiana, seguindo os afluentes do Branco e outros rios.

Não houve mudanças significativas na década de 1930, época de grande

epidemia dizimadora do rebanho bovino65, mas na década seguinte, segundo Crócia

de Barros, a população de migrantes vai aos poucos superando a mais antiga, atraí-

da pela mineração que se expande mais ao norte e pelas atividades administrativas,

concentrando-se principalmente na capital, Boa Vista.

Os pecuaristas vão também participar da extração do ouro e de diamantes,

na condição de financiadores e controlar parte do comércio com a Guiana e a

Venezuela. Essa última atividade era facilitada porque muitas fazendas estavam,

localizadas próximas à fronteira, onde pontificam na atualidade muitos garimpos e

campos de pouso. A mais forte parece ter sido a família Brasil, liderada pelo Coronel

64 CAVALCANTI, Araújo. Recuperação e desenvolvimento do vale do rio Branco. 2ª edição. Rio de Janeiro: Rodrigues e Cia, 1949.65 BARROS, Nilson Crócia. Roraima: Paisagens e Tempo na Amazônia Setentrional. 1995; CAVALCANTI, Araújo. Recuperação e desenvolvimento do vale do rio Branco. 1949

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Bento Brasil, representante da Câmara de deputados do Amazonas e chefe político

do Rio Branco66, que teve disputas sobre terras com a empresa J. G. Araújo, sediada

em Manaus. Esta detinha a posse de vastas áreas no território, era aviadora de

extração da balata, fornecedora de víveres para as tropas e membros das diversas

comissões de limites nas fronteiras, além de possuir a maior casa de comércio de

Boa Vista67.

66 CIRINO, Carlos Alberto Marinho. A “Boa Nova” na língua indígena: contornos da evangelização dos Wapischana no século XX. Boa Vista: Editora da UFRR, 2008. p. 35.67 SANTOS, Nélvio Paulo Dutra. Políticas Públicas, economia e poder: o Estado de Roraima entre 1970 e 2000. 2004. p. 88.

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CAPITULO 2

J.G. ARAÚJO E OS NEGÓCIOS NA AMAZÔNIA

O comerciante Joaquim Gonçalves de Araújo foi um dos atores sociais mais

importantes da história comercial da Amazônia Ocidental na primeira metade do

século XX. Na constituição de suas empresas encontramos boa parte da história do

desenvolvimento comercial desta região, em especial o Estado do Amazonas,

devido ao seu sucesso particular nos negócios. Em poucos anos, tornou-se dono de

um império econômico que envolvia casas comerciais, industriais, exploração

extrativista, grandes fazendas de gado e seringais por toda a Amazônia Ocidental.

Além da intensa atividade na região, seus contatos comerciais se estendiam para a

Europa e Estados Unidos o que pode, também, ser comprovado pela produções

cinematográficas em parceria com Silvino Santos.

Nesse sentido, é importante caracterizar que o crescimento empresarial da

J.G. Araújo, num primeiro momento, é em decorrência do comércio varejista. E este,

acontece quando se vende as mercadorias diretamente ao consumidor. Somente

noutra fase da empresa, que o comércio atacadista se avultou, entendendo-se,

dessa forma, quando compra do produtor para vender aos varejistas. O comércio

atacadista, em geral mais volumoso e menos diversificado, adquire a mercadoria em

grandes quantidades para revendê-la em partidas menores e a preços mais

elevados.

Se, por um lado, a presença do atacadista onera o preço a ser pago pelo

consumidor, por outro torna possível que os produtores escoem rapidamente o

produto sem ter de negociar com um grande número de pequenos e médios

varejistas. Em relação ao atacadista, o varejista dispõe de maior flexibilidade para

decidir quanto à dimensão do estabelecimento, volume das transações,

diversificação dos produtos e práticas de atendimento.

A prática do comércio pode ser denominada de comercialização, e, pode-se

dizer que é o processo intermediário entre o produtor e o consumidor. Consiste em

colocar os bens e serviços produzidos à disposição do consumidor, na forma, tempo

e local em que ele esteja disposto a adquiri-los. O comerciante vende, com lucro, as

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mercadorias que o trabalhador transformou de matérias-primas em produtos

acabados. O lucro vem do fato de receber o trabalhador um salário menor do que o

valor da coisa produzida.

Naquilo que tange ao lucro, em si falando da empresa J.G. Araújo, tanto

patrão como os trabalhadores estavam em seu encalço, porém, somente a astucia

seria capaz de determinar quem obteria o maior filão nesse embate comercial. É

com base no exposto, que buscaremos neste capítulo retratar um pouco da trajetória

comercial, impar, da empresa e seus reflexos na região amazônica.

2.1 As práticas comerciais tradicionais no interior da Amazônia

Desde o século XVI, época de domínio do Estado absolutista e mercantilista,

que o projeto colonial português na América e outras partes do mundo enfrentou a

oposição de competidores europeus, principalmente da França, Inglaterra, Holanda

e Espanha68. Schilling69 considera a estratégia portuguesa como bastante avançada

para seu tempo, pois no século XVI já se havia estruturado um esquema de

exploração conjunta e combinada de quatro continentes. Portugal, afirma o autor,

negociava com especiarias da Ásia, com escravos africanos e implantou a produção

de açúcar no Brasil, vendendo-o para os europeus. O papel pioneiro desempenhado

por Portugal nesse comércio é comentado também por Caio Prado Jr.70 que destaca

duas necessidades dos portugueses: povoar e organizar a produção.

A vitória comercial portuguesa perante seus competidores ocorre graças à

aliança com a Inglaterra, sobretudo nas guerras européias. Após se ver totalmente

enfraquecido economicamente e politicamente, Portugal teve de aceitar o novo

equilíbrio de forças no continente e submeter-se a alianças com as potências mais

fortes tendo em vista três objetivos: manter sua economia em funcionamento,

proteger-se de ataques e, principalmente, resguardar as posses coloniais no

Ultramar. Fernando Novais71 (1979) escreveu que “o equilíbrio das relações políticas

internacionais se organizava, nesse momento, em torno de França e Inglaterra (...) 68 SANTOS, Nelvio Paulo Dutra. Políticas Públicas, economia e poder: o Estado de Roraima entre 1970 e 2000. 2004.69 SCHILLING, Paulo R. El expansionismo brasileño. México: El Cid, 1978.70 PRADO JR., Caio. História Econômica do Brasil. 37ª ed, São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p.86-95.

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passando as monarquias ibéricas para segundo plano”. As políticas que cada nação

seguiu ao longo desse tempo determinou uma ordem mundial mais diversificada a

partir do século XVII, bem como a queda ibérica. Nesse contexto, os ingleses

assumem, para Portugal, uma importância vital para a sobrevivência dos domínios

ultramarinos e da economia.

O comércio com as colônias trouxe lucro à metrópole, ocasionando as

primeiras fortunas dos comerciantes europeus. Particularmente interessante como

fonte de acumulação de capital foi o comércio de seres humanos, os negros nativos

da África. A acumulação de capital, que veio do comércio primitivo, mais a existência

de uma classe de trabalhadores sem propriedades (na Europa), prenunciavam o

início do capitalismo industrial. Entre as influências mais poderosas que promoveram

a acumulação de capital estava no crescimento das instituições bancárias, o

aumento dos empréstimos feito pelas Coroas européias e também pela coleta de

impostos. Na Inglaterra esta foi uma atividade suplementar lucrativa de mercadores,

que dificilmente se distinguia das operações do Estado no setor de empréstimos72.

Desde o século XVII, podemos observar que os colonos portugueses

estabelecidos na região amazônica, mantinham intenso contato com os índios

coletores que forneciam produtos extraídos da floresta. A partir destes contatos,

criou-se um sistema de trocas de produtos diante do qual os trabalhadores recebiam

dos portugueses produtos industrializados e, ocasionalmente, salário73.

Os portugueses na Amazônia, seguramente, não desprezaram o acervo de

conhecimento do qual dispunham os povos indígenas da região. Munidos desses

conhecimentos, enfrentaram as dificuldades da floresta procurando adaptar-se,

estudando-a e tentando organizar sociedades compostas por sujeitos indígenas e

não-indígenas. Para isso, dominaram diversos povos, passaram a viver em meio aos

choques culturais desalentadores e destrutivos das iniciativas e propósitos de

fixação, de permanência. Daí os êxitos que alcançaram. Êxitos que permitiram a

formação da base física e, com ela, da base sócio-econômica-cultural74.

71 NOVAIS, Fernando. Portugal e o Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: Ed. Hucitec, 1979.72 HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Ed. LCT, 1986.73 WEISNTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: HUCITEC: Editora da USP, 1993. p. 24.74 REIS, Arthur Cézar Ferreira. A Amazônia que os portugueses revelaram. MEC: Rio de Janeiro,1965. p.39.

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Nos finais do século XIX, a Amazônia se encontrava repleta de agentes

sociais nordestinos, europeus e norte-americanos que, devido às peculiaridades

amazônicas, superaram suas diferenças culturais e criaram complexas redes de

articulações para extrair, produzir e comercializar mercadorias, visando ao ingresso

no mercado internacional. Um dos mecanismos que contribuiu para tal ingresso foi o

aviamento.

O aviamento surge na Amazônia durante o período colonial, por ocasião da

exploração das drogas do sertão, quando os negociantes supriam de mantimentos a

empresa coletora para receber seu pagamento ao fim das expedições, no caso, o

produto físico recolhido. Era o crédito sem dinheiro. No século XIX, por ocasião da

exploração da hévea, os laços comerciais entre o mercado internacional e os

comerciantes locais se estreitaram ainda mais, e viram-se a necessidade de suprir

de borracha os mercados.

Conseqüentemente, seria necessário aumentar a mão de obra e manter o

mesmo modelo de aviamento, misturando escambo com crédito75. É válido salientar

que o aviamento não era uma prática exclusiva da Amazônia, outras regiões

brasileiras o praticavam, nos mesmos moldes. No entanto, o termo “escambo”,

utilizado por Roberto Santos, pode sim ser aplicado neste contexto, haja vista que

ele, assim como o aviamento, dispensa o uso de dinheiro em suas relações.

Esse mecanismo contribuiu para que o índio, aos poucos, fosse se

afastando de suas malocas e se tornasse um coletor e, com o passar do tempo,

abandonasse seus costumes. Vivendo longe de sua aldeia, passa a ter maior

contato com o mundo dos não-índios, e misturar-se com eles, e a tecer laços de

sangue através dos casamentos mistos. Dando origem mais tarde a uma população

conhecida como “cabocla”. Este homem caboclo geralmente era pobre, sem

propriedades, e procurava manter-se vendendo e/ou trocando com os portugueses

os produtos coletados na floresta por ferramentas, arma de fogo e, até mesmo,

gêneros alimentícios. Com o tempo, o caboclo tornou-se vulnerável aos esquemas

de fraudes e trapaças por parte dos comerciantes. De acordo com Barbara

Weinstein, esta condição foi precipitada devida a posição política e social de

inferioridade em que se encontrava o caboclo. Nesta ótica ele tornava-se vulnerável

75 SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1850-1920). São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.

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haja vista que de início fora uma associação puramente voluntária que com o passar

do tempo transformou-se num relacionamento coercitivo76.

Em meados do século XIX, pensando na melhoria de vida que muitos

nordestinos migraram para a Amazônia, todavia, no seio da floresta, isolados, o

único contato com o mundo externo ficava limitado às idas ao barracão. Esses

atores sociais, ora citados, utilizaram os modelos de comercialização e crédito

conhecido como aviamento, sendo representado pelas casas aviadoras e pelos

regatões. As casas aviadoras estabelecidas em Manaus ou Belém se faziam

presentes no interior da Amazônia, representadas por seringalistas, em seus

barracões, ou por casas comerciais menores estabelecidas nas vilas (aviadores

locais).

Este pequeno aviador, geralmente, tocava uma loja de secos e molhados num dos vilarejos do interior e atuava como agente de uma casa comercial maior, que o supria dos artigos que vendia a credito, recebendo em pagamento a borracha que lhe era entregue, quer pelo patrão, quer diretamente pelo seringueiro. 77

É importante ressaltar que o comércio no interior da Amazônia era feito

principalmente por pequenas frotas de navegação particulares das entidades

comerciais e estavam em constante processo de expansão, de forma que, já no

início do século XX, elas tinham a primazia e o domínio dos rios, deixando para trás

as grandes companhias de navegação. Essas embarcações estavam classificadas

como aviadores ou regatões, as quais se encarregavam de levar ao interior da

Amazônia as “novidades” do mundo.

Esses comerciantes também organizaram a forma de trabalho na selva e,

por conseqüência, as relações interior-cidade. O exercício do poder fez surgir

mecanismos de dominação mascarados pelos laços de fidelidade. Por intermédio de

adiantamento de mercadorias ou trocas de mecanismos de crédito, surgiu uma

hierarquia, na qual o comerciante estava no topo e o trabalhador, na base. Essa

relação marcada pela dependência dos últimos em relação aos primeiros estabelece

que os laços de obrigação e compromisso não eram apenas financeiros.

76 WEISNTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia. p.28.77 WEISNTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia. p.33.

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Roberto Santos78 nos chama a atenção para o possível fato de os

seringalistas79 e comerciantes não terem a exata noção da importância da troca de

mercadorias na preservação da hierarquia de poder, do quanto ele reforçava a

dependência do trabalhador em relação ao patrão80.

Os aviadores, geralmente representados por portugueses, abasteciam os

seringais e pequenos comerciantes estabelecidos no interior da Amazônia,

garantindo com isso a exclusividade no fornecimento de mercadorias. Por vezes os

clientes possuíam dívidas com outros comerciantes, as quais eram assumidas pelo

atual aviador. Essa prática gerava no cliente um sentimento de gratidão, e ele

passava a fornecer seus produtos exclusivamente ao aviador. Assim, o aviador,

além de conquistar fregueses e mercadorias, também eliminava um concorrente,

uma vez que esta casa comercial não mais atuaria naquela região81.

Para Roberto Santos, era uma cadeia vertical a base do sistema composta

pelos extratores que repassavam seus produtos em troca de utensílios e dinheiro

aos aviadores de segunda linha, geralmente pequenos comerciantes ligados aos

seringalistas, os quais, por sua vez, cobravam dos trabalhadores o preço da

mercadoria e uma margem de juro. Os aviadores de segunda linha repassavam os

produtos aos aviadores de primeira linha, composta por seringalistas ou

comerciantes locais das vilas e cidades. Essa classe de aviadores, além de cobrar

os juros normais, acrescentava uma margem apreciável de ganho chamado de

“juros extras”, e repassava o produto às Casas Aviadoras e Exportadoras, o topo da

cadeia82.

Contudo, uma das principais formas de resistência para escapar dos laços

dos aviadores por parte dos trabalhadores estava na negociação de produtos com

os regatões. Essa classe de comerciantes era representada principalmente por

sírios, libaneses e judeus. O regatão, que Bárbara Weinstein chamou de “pirata

fluvial”, trocava borracha por produtos industrializados e pagava um preço mais

barato por esse produto, o que era aceito pelos aviados, porque os livrava do

78 SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1850-1920). 1990.79 Donos dos seringais na Amazônia.80 O autor também destaca que na Amazônia havia sim a circulação do dinheiro, porém o caboclo do interior passou a suspeitar do dinheiro oficial, haja vista a falsificação de moedas e das freqüentes substituições das cédulas pelo governo federal, o que sempre trazia prejuízos.81 WEISNTEIN, Bárbara. A borracha na Amazônia. p.2882 SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1850-1920). 1990. p. 155.

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sistema de encontro de contas estabelecidas no barracão, o qual gerava a

escravidão por dívidas83. Percebe-se que o produto extraído da floresta pertence ao

coletor, que vende a quem quiser, por dinheiro ou por troca de mercadorias.

O regatão passou a ser considerado um infrator com conceito oposto ao dos

comerciantes, tendo seu grau de honestidade sempre colocado em dúvida. Segundo

Vânia Tadros, “para os judeus e árabes esta foi a única brecha encontrada para

conquistar o sucesso empresarial”84. Seus métodos de comercialização (rio acima)

consistiam em suprir as diversas localidades à beira rio com as mais diversas

mercadorias à base de crédito pessoal com os seringalistas e seringueiros, de forma

que no retorno (rio abaixo) o aviador recebia mediante conta de venda os gêneros e

produtos extrativos destinados à exportação.

Vemos assim que há uma fidelidade comercial do fornecedor com o

comerciante, isso ocorre devido a diversos fatores, como: doenças, falta de

assistência do Estado, transporte, etc. Com isso o comerciante passa a ser o

responsável pelo bem-estar do seu agente, fornecendo os subsídios necessários

para a manutenção do seu freguês/fornecedor. Em troca, a fidelidade ocorre por

meio de um laço comercial monopolista, no qual o trabalhador fornece seus produtos

exclusivamente àquele comerciante que o “ajuda”.

No aviamento, a extração de valor do fornecedor para o comerciante e os

laços de fidelidade que se formam entre os dois agentes sociais são as

características básicas deste sistema. No primeiro caso, verifica-se que o homem

isolado na floresta, ao fornecer seus produtos ao aviador, insere-se à sociedade

regional e nacional, assim como passa a fazer parte do mercado mundial por meio

de seus produtos. A partir desta análise verifica-se que o comerciante tem um papel

de receptor-transmissor, e acrescento intermediador, haja vista ele ser o

responsável por colocar no mercado os produtos da floresta, fruto do trabalho dos

“caboclos”. Contudo, este trabalhador só terá acesso aos produtos oriundos da

matéria-prima por ele fornecida, pelas mãos do aviador85.

83 TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa. A conveniência da imagem: J.G. Araújo e o exercício do Poder econômico na Amazônia (1887-1940). Paper datilografado. São Paulo: USP, 1995: 02.84 TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa. A conveniência da imagem. p. 10.85 ARAMBURU, Mikel. Aviamento, modernidade e pós-modernidade no interior amazônico. Revista Brasileira de Ciências Sociais. ANPOCS, nº 25, ano 9, junho/1994., p. 83.

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2.2 Antecedentes da empresa J.G Araújo & Cia.

É bem certo, que a história das empresas no século XIX se entrelaça em

vários momentos com a história pessoal de seus fundadores. E, portanto, não

poderíamos deixar de avaliar em seus primórdios, a participação de vários membros

pioneiros no campo do comércio e das redes sociais que estes formaram.

A história da família Gonçalves Araújo na Amazônia inicia no ano de 1863,

com a chegada ao Amazonas do jovem Bernardo Gonçalves de Araújo, aos 17

anos de idade, vindo de Alvarães, norte de Portugal. Após sua instalação, Bernardo

começou a trabalhar para um comerciante português, aprendendo a arte da

panificação. Não demorou muito para que o jovem desse início ao seu próprio

negócio partindo para o ramo comercial no ano de 1865, graças ao crédito que ele

conseguiu junto à praça local. Com a expansão de sua atividade comercial, em

1868, Bernardo resolveu convidar seu irmão, José Gonçalves de Araújo, e seu

primo, também chamado José Gonçalves de Araújo, para ajudá-lo nos negócios. Um

dado interessante é que, por esses primos serem homônimos, um deles passou a

adotar o sobrenome “Rosas”, vindo a chamar-se José Gonçalves de Araújo Rosas86.

No início da década de 1870, os irmãos José e Bernardo Gonçalves de

Araújo formam uma sociedade, criando a loja de mercearia “Flor de Manaus”. Ali se

vendiam: chapéus, tabaco, queijo, vinho do Porto, comestíveis, chouriço, chá verde,

feijão, lagosta, peixe enlatado, amêndoas, figos, passas e mais uma variedade de

produtos. Para o ambiente amazônico daquela época, parece ser estranho vender

“chá verde, lagosta, peixe enlatado”, mas o que deve ser observado é o fato de que

tudo aquilo era novidade para a época. Parecer o máximo possível com uma

metrópole européia era usufruir as novidades daquele mercado e valorizar a procura

de produtos estrangeiros por uma nova classe social.

No ano de 1872, com o processo de modernização de Manaus, foi posto em

prática o projeto da construção da igreja matriz de Manaus. Nessa época, os irmãos

Araújo já possuíam a empresa Bernardo Gonçalves de Araújo & Cia no ramo de

materiais de construção, que forneceu materiais de construção e mão de obra para a

construção da igreja. Três anos mais tarde a empresa fechou as portas. Porém o

86 ALVES, Márcia Eliane dos Santos. História em microconexões: os intricados laços comerciais da família Araújo. Amazônia em cadernos. Manaus, v. 2, n. 2/3, p. 243-249, dez. 1993/1994. p. 243.

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encerramento desta empresa serviu para que outra empresa fosse aberta, a

“Bernardo Gonçalves de Araújo, Irmão & Cia”, a qual exerceria inúmeras atividades

comerciais, inclusive no exterior.

Com as atividades comerciais em franca aceleração na região, outros

membros da família Gonçalves de Araújo vieram para o Amazonas e entraram no

circuito mercantil. De acordo com Marcia Mello, em 1876, podemos identificar 12

membros da família, são eles:

os irmãos José Gonçalves de Araújo Rozas (comerciante), Manoel Gonçalves de Araújo (comerciante) e Joaquim Gonçalves de Araújo, e seus primos: Antônio Gonçalves de Araújo (caixeiro), João Gonçalves de Araújo, (caixeiro), Bernardo Gonçalves de Araújo (comerciante e proprietário), José Gonçalves de Araújo (comerciante e proprietário), José Gonçalves de Faria (caixeiro), Manoel José de Faria (caixeiro), Luiz José de Faria (caixeiro), Antonio José de Faria (caixeiro) e Joaquim José de Faria87.

Cabe uma rápida observação acerca da prática ibérica em recrutar jovens

parentes, que, eram geralmente sobrinhos que vinham para fazer a América por

meio do comércio88. Uma vez na Amazônia, o jovem português iniciava um

aprendizado que consistia em horas de trabalho a fio, sempre supervisionado pelo

patrão, de modo que os segredos comerciais da empresa se mantivessem

preservados. O salário do jovem ficaria na família e, mais tarde, ele seria apoiado na

abertura de sua própria empresa. Na maioria das vezes, esse jovem português

tornava-se um comerciante ou um caixeiro89.

Em 1877, José Gonçalves de Araújo Rosas tornou-se proprietário de um

estabelecimento comercial, uma loja de pequeno porte que vendia a varejo gêneros

de secos e molhados. Dois anos mais tarde, entrou como sócio da firma o seu irmão

Joaquim Gonçalves de Araújo, e a firma então passou a denominar-se “Araújo

Rosas & Irmão”90.

87 MELLO, Márcia Eliane A. Souza e. O Império Comercial de J. G. Araújo e seu legado para a Amazônia (1879-1989). Monografia. Prêmio Samuel Benchimol 2010. Manaus. datilog. p..9.88 CARVALHO JUNIOR, Almir Diniz de. Herança e Tradição. O “caso” da firma Araújo Rosas e Irmãos. . Amazônia em cadernos. Manaus, v. 2, n. 2/3, p. 233-241, dez. 1993/1994.89 Por comerciante entende-se aquele que exerce o comércio, sendo este o proprietário ou não do estabelecimento. Por caixeiro temos aquele que trabalha no balcão do comércio, ou, ainda, aquele que representa uma rede comercial em outras praças, o típico caixeiro viajante.90 No momento do ingresso de Joaquim Gonçalves de Araújo o seu capital pessoal era de apenas 433$550 (contos de réis) e o de José Gonçalves de Araújo chegava a 6.696$470 (contos de réis) Cf. TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa. A convivência da imagem. p. 10.

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Pelas cartas comerciais trocadas entre a empresa e seus clientes, nos

primeiros anos de seu funcionamento, podemos observar as várias localidades do

Amazonas atendidas pelos irmãos Gonçalves Araújo, tais como: Vila de Moura,

Codajás, Tabatinga e Forte São Joaquim, no Rio Branco91. Por conseguinte, não é

de se estranhar que a década de 1880 seja marcada por uma expansão das

atividades comerciais da firma na região Amazônica. Em 1881, registram diversos

produtos regionais enviados através da empresa Araujo Rosas & Irmão para serem

vendidos no Pará, como: castanha, pirarucu, borracha fina e sernamby. Bem como,

os registros contábeis apontam para importações de diversos gêneros vindos de

Portugal a partir desta data92.

Os negócios com o mercado exterior eram sólidos o suficiente para que, em

1881, a firma se associasse à empresa de José Joaquim das Neves e Filho, com

sede em Lisboa. Esta passou a fornecer inúmeras mercadorias para Araújo Rosas &

Irmão, o qual, por sua vez, enviava para Lisboa informações sobre a cotação do

algodão, do couro verde, do couro seco e do cacau. Durante esse período, a firma

Araújo Rosas & Irmão passou da categoria de comércio de secos e molhados, para

a categoria de loja e armazém93.

A mudança política operada pelo fim do governo imperial e constituição de

um governo republicano, não afetaram essencialmente a elite local. Enquanto no

campo financeiro as atividades comerciais estavam em franco desenvolvimento. No

que concernem as mudanças político-sociais operacionalizadas pelo

estabelecimento da república no Amazonas, não poderiam as empresas comerciais

ter melhor incentivo. Pois tem início o processo de modernização de Manaus,

principiado na gestão do Governador Eduardo Ribeiro (1892-1896), que elaborou um

plano de transformação e modernização da cidade, com projetos de novas avenidas,

calçamento de ruas, entre outras melhorias. Nesse sentido, ao descrever as

mudanças operadas em Manaus, José Ribamar Bessa Freire, afirma que:

Naquele período Manaus era de um sistema portuário moderno, de serviço de água encanada, esgoto e luz elétrica, de um sistema de coleta e disposição de lixo, de serviço telefônico e de uma linha telegráfica fluvial. [...] Prédios públicos e monumentais como o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça foram construídos. No interior das residências das “elites” eram

91 Museu Amazônico – Série correspondências (1879-1886).92 ALVES, ALVES, Marcia Eliane S. 2º Relatório de atividades do Projeto J.G. Araújo. 1995. mimeo93 ALVES, Márcia Eliane dos Santos. História em microconexões. p.247.

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decoradas com o luxo europeu. A febre parisiense tomava conta daquela capital94.

Em meio a prosperidade urbana ocorrida em Manaus, verifica-se a ascensão

financeira da empresa dos irmãos José e Joaquim Gonçalves de Araújo, que

adquiriu grande impulso. Assim em 1892, eles compraram os ativos da firma

Rodrigues Vieira & Cia. que, nesse tempo, era uma grande importadora na praça de

Manaus. Com essa aquisição foi fundada mais uma firma a “Araújo Rosas & Cia”,

que trabalhava no mercado de venda a atacado, com armazéns de estivas

(miudezas, fazendas e ferragens), e também se tornou agente da Companhia

Brasileira de Navegação a Vapor95.

A nova empresa societária era composta, além dos irmãos Gonçalves, de

dois sócios minoritários Francisco Leite da Silva e Otelo de Sá Antunes. Em 1896, a

firma “Araújo Rosas & Irmão” suspende suas atividades, passando a funcionar

apenas a Araújo Rosas & Cia, tendo apenas os membros da família como sócios.

Nesta nova fase da empresa, observa-se pelos livros contábeis, que as atividades

comerciais com o interior do Amazonas estão em franco crescimento, com um

aumento substantivo de clientes que faziam parte do sistema de aviamento.

Na virada do século, o patrimônio das empresas consistia em: Depósito de

vinhos em Portugal, vários batelões, Vapor Solimões, Lancha Carolina, Lancha

Caracarahy, Fazenda São Salvador, três seringais no rio Negro e um seringal no rio

Branco. No ano de 1900, acentuam-se ainda mais o comércio da Araújo Rosas &

Cia. com o exterior, sobretudo Estados Unidos e Europa.

Se valendo dos benefícios advindos com o crescimento econômico das

exportações da borracha, Manaus, capital do estado do Amazonas, em 1901, se

modernizou de modo que pudesse atender aos interesses da elite gomífera. A

cidade dispunha de vários serviços urbanos: redes de esgoto, iluminação elétrica,

pavimentação das ruas, circulação de bondes e o sistema telegráfico subfluvial, que

garantia a comunicação da capital com os principais centros mundiais de

negociação da borracha96.

94 FREIRE, José Ribamar Bessa. Manáos, Barés e Tarumãs. Amazônia em cadernos. Manaus, Museu Amazônico/ UFAM. v. 2, n. 2/3, p. 159-178, dez. 1993/1994. p. 17395 ALVES, Márcia Eliane dos Santos. História em microconexões, p.247-8.96 DAOU, Ana Maria. A Belle époque Amazônica. 3ª ed., Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

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E em compasso com essa fase próspera da cidade, em 1904, com a saída

de José Gonçalves da empresa, seu irmão Joaquim Gonçalves de Araújo assume o

controle majoritário e denomina a firma de “J.G. Araújo & Cia.”97. A firma, então, sob

essa nova denominação e com a expansão dos negócios da borracha, cresceu

consideravelmente, tornando-se grande empório fornecedor e aviador de

mercadorias para o interior do Estado e, conseqüentemente, grande recebedor de

borracha dos seringalistas, concorrendo com outras organizações como os

Armazéns Andersen S/A., B.A. Antunes & Cia., Tancredo Porto & Cia. e B. Levy &

Cia98.

2.3 A trajetória de Joaquim Gonçalves de Araújo

Figura 5 Joaquim Gonçalves de Araújo

Fonte: Álbum de 1920. Acervo CCPA.

Como já comentamos anteriormente a historia da empresa e seus

proprietários confundem-se ao longo do tempo. Analisar o desenvolvimento da

empresa sem analisar alguns aspectos da vida de Joaquim Gonçalves de Araújo,

seria deixar em aberto as várias questões que explicariam o sucesso da empresa e

sua sobrevivência após um período de grande retração econômica.

97 ALVES, Márcia Eliane dos Santos. História em microconexões. p. 248-249.98 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas: memória empresarial. Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 1994. p. 8.

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Sendo assim, sabemos que Joaquim Gonçalves de Araújo era filho de

lavradores, nascido em Povoa do Varzim, Portugal, em 14 de fevereiro de 186099. De

acordo com seus biógrafos, chegou ao Brasil, aos 11 anos de idade e foi

apadrinhado por um comerciante do Rio Negro, Nuno Pau Brasil, que lhe deu

emprego na Casa Silva. Em 1875, o comerciante concedeu crédito para que

Joaquim abrisse sua primeira casa de negócios em Barcelos, no Amazonas. Ainda

menino, cortava piaçaba para ganhar alguns trocados por dia. A justificativa para a

vinda de Joaquim Gonçalves de Araújo para a Amazônia era a de ajudar o irmão

José Gonçalves de Araújo Rosas, porém, aqui chegando, preferiu trabalhar para

outro patrão, e com apenas 15 anos, já dono de seu próprio negócio, começou a

viajar para os mais diversos rincões do rio Negro.

O seu espírito arrojado levou-o a buscar novos negócios, e em 1879, já se

mostrava apto a tornar-se sócio, ainda que minoritário, de seu irmão José

Gonçalves. Com a firma Araujo Rosas e Irmão, passaram a fornecer todo tipo de

mercadorias para as localidades circunvizinhas. Também abasteciam os membros

da Comissão de limites Brasil/ Venezuela100. Seus negócios, em geral, eram do tipo

aviamento. Em cada local, a empresa possuía um contato que, na maioria das

vezes, eram parentes, como, por exemplo, o Tenente Antonio José de Souza

Lobato, que foi comandante do Forte de São Joaquim do rio Branco, e era sogro de

José Rosas. A este respeito, em seu ensaio, Almir Diniz de Carvalho Junior, aponta

que embora muitos fossem os negócios que a firma possuía, no montante dos

clientes devedores encontravam-se 33% decorrentes das vendas feitas aos militares

do Rio Branco, o que era um ótimo negócio, pois eles estavam dentre os poucos

funcionários que realmente recebiam em dinheiro na região101.

Em 1892, Joaquim Gonçalves de Araújo assumiu o controle da Companhia

Brasileira de Navegação a Vapor. Em meio a ascensão econômica motivada pelos

seus empreendimentos comerciais, no âmbito da sua vida particular, Joaquim

Gonçalves casa-se com a Srª. Maria Adelaide da Silva, em Manaus, em 1893. Sua

esposa era filha de Agesilau Pereira da Silva, um jurista renomado, político de

grande influência junto ao poder central e ex-presidente da Província do Amazonas.

99 BITTENCOURT, Agnelo. Dicionário amazonense de biografias: vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973. p 84.100 ALVES, Márcia Eliane dos Santos. História em microconexões, p. 245.101 CARVALHO JUNIOR, Almir Diniz de. Herança e Tradição. p. 239-40.

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E deste casamento nasceram os filhos: Agesilau Joaquim Gonçalves de Araújo

(nascido em Portugal), Aluísio de Araújo, Adelaide de Araújo e Aleth de Araújo102.

Em 1899, Joaquim Gonçalves de Araújo, já com o título de Comendador,

gerenciava uma companhia de seguros denominada Companhia Amazonense. E

quando em 1904, seu irmão encerrou a sociedade que tinham, pôde então Joaquim

Gonçalves de Araújo, com quarenta e quatro anos de idade, torna-se um dos

maiores empresários da Amazônia Ocidental. Sabendo usar como ninguém sua

imagem, confundindo seu nome com o nome da empresa. E o conhecimento que

adquiriu ao longo dos anos, associado com as viagens feitas pelo interior da região,

contribuiu para que J.G. Araújo se tornasse um nome forte e conhecido não só na

Amazônia, mas também no Brasil e em outros países. Em uma análise mais

pormenorizada a este respeito, Vânia Tadros comenta que:

O garoto de 11 anos, que segundo os seus biógrafos chegou a Manaus com a modesta quantia de 10.000 réis em moeda portuguesa e foi trabalhar como caixeiro de loja, com vinte e dois anos de idade, já estava casado com a filha de um importante político que, posteriormente, facilitou-lhe vantajosos contatos políticos e comerciais consideráveis para o seu sucesso empresarial.103

Para a referida historiadora, ser bem aceito em uma família de prestígio

naquela época era sinônimo de projeção social. Mas vale lembrar que Joaquim

Gonçalves de Araújo já era comerciante na ocasião do casamento, e estava em

clara ascensão, possuindo uma visão inovadora para administrar seus negócios e

diversificá-los quando necessário.

Em 1909, Joaquim Gonçalves de Araújo fez um acordo com a prefeitura de

Manaus para solucionar a “crise do lixo”. O município não possuía estrutura

suficiente para resolver o problema da coleta dos detritos, que expostos a céu aberto

ficavam sujeito as moscas e o mau cheiro incomodava toda a população de Manaus.

Além disso, o Brasil vivia um período de endemias, as quais foram fortemente

combatidas pelo Governo Central104. Diante disso, Joaquim Gonçalves de Araújo

102 BITTENCOURT, Agnelo. Dicionário amazonense de biografias: vultos do passado. p. 84; TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa. A conveniência da imagem. p . 11.103 TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa. A convivência da imagem. p.11.104 A chegada de Oswaldo Cruz na Amazônia representa uma intervenção nacional nas condições sanitárias dos portos, e nas condições urbanas, principalmente em Belém e Manaus. Os portos, sobretudo o de Manaus, começam a ter uma influência significativa na cidade, porque ele era o ponto intermediário de partida dos movimentos migratórios que vinham do nordeste para os chamados rios borracheiros. Era necessário Intervir nessas áreas, com uma visão de polícia sanitária, para evitar a

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mandou buscar na Inglaterra um forno crematório automático, o qual foi instalado em

Manaus a preço de fábrica105.

Este episódio não ocorreu apenas pela benevolência do empresário, mas

pelo fato de que, devido às péssimas condições sanitárias de Manaus, muitas firmas

estrangeiras se recusavam a visitar a capital para empreender negócios, o que

afetava diretamente a J.G. Araújo, uma vez que as empresas estrangeiras não se

sentiam seguras para investir em local cheio de doenças. Este exemplo demonstra

como Joaquim Gonçalves de Araújo sabia utilizar sua influência junto às classes

políticas e construir sua imagem de homem público para os demais segmentos da

sociedade, agindo em momentos que necessitavam de ações assistenciais e

humanitárias.

Verificamos que J.G. Araújo atuou também nas atividades voltadas para a

organização da classe comercial. Participando ativamente da reestruturação, em

1908, da Associação Comercial do Amazonas (ACA), contribuindo para a

manutenção da associação e participando de sua diretoria em 1913 e 1926106. Foi

um dos fundadores da Câmara Portuguesa de Comércio e Indústria de Manaus, em

1916, assumindo a sua presidência junto com o empresário José Claúdio

Mesquita107.

Quando teve inicio a crise da borracha, por volta de 1913, a firma J.G.

Araújo, ao contrário de muitas firmas estabelecidas em Manaus, conseguiu superar

o impacto negativo causado no comércio atacadista da borracha. Pois sua amplitude

de negócios o mantinha suficientemente equilibrado evitando que o prejuízo

causado com a queda dos preços da borracha no mercado mundial o levasse a

bancarrota, como aconteceu a várias outras empresas daquela época.

Dentre os empreendimentos de vanguarda de Joaquim Gonçalves de

Araújo, destacam-se também as produções cinematográficas por ele financiadas.

febre tifóide das grandes viagens, a febre amarela que precisava de medidas sanitárias rigorosas, de combate ao mosquito. A situação das endemias na periferia de Manaus reproduz, num ponto mais expressivo, o início do século. Em 1909 a febre amarela havia matado 235 pessoas em Belém. Nos rios da Amazônia, Oswaldo Cruz pôde observar que o lixo e os dejetos humanos produzidos nas embarcações eram despejados nos rios e consequentemente iriam afetar as pessoas que se utilizavam das águas para suas necessidades (THIELEN, Eduardo Vilela; PENIDO, Stella Oswaldo Cruz. Oswaldo Cruz na Amazônia. Roteiro de documentário em vídeo. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999).105 BITTENCOURT, Agnello. Dicionário amazonense de biografias. p. 85.106 MELLO, Márcia Eliane A. Souza e. O Império Comercial de J. G. Araújo. p. 24.107 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas, p. 47

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Tal empreitada teve como responsável o cineasta português, e funcionário da

empresa, Silvino Santos, a partir da década de 1920. De acordo com Selda Vale da

Costa naquela época, a firma contratou Silvino Santos para realizar um filme de

propaganda do Amazonas para ser exibido na Exposição do Centenário da

Independência, no Rio de Janeiro, em 1922108.

Posteriormente a empresa criou uma sessão cinematográfica, montou um

laboratório completo com equipamentos modernos e, Silvino Santos, em parceria

com Agesilau de Araújo, começou os trabalhos. Inicialmente filmaram “No país das

Amazonas”, que retratava a prosperidade da empresa J.G. Araújo e as belezas

amazônicas. Este foi o primeiro longa-metragem rodado inteiramente no Amazonas

com versões em inglês, francês e alemão, sendo o filme exibido na Europa e nos

Estados Unidos. O filme foi produzido com uma técnica e qualidade de imagens que

contribuíram em sua divulgação109.

O trabalho com Silvino Santos, além de ter cunho econômico, tinha também

um trabalho de reprodução da imagem de Joaquim Gonçalves de Araújo e de sua

empresa. Como empreendedor, foi agraciado com o título de Comendador pelo

governo de Portugal, ao mesmo tempo em que a empresa tornou-se conhecida em

vários países da Europa. Este uso da imagem fica implícito também nas publicações

da Revista da Associação Comercial de Manaus nas quais, constantemente, o

empresário é citado, vindo a ser comparado como o “Ford Amazonense”110.

Em 1924, J.G. Araújo colaborou com as filmagens da expedição de Hamilton

Rice às cabeceiras do rio Branco, filmando os povos indígenas e realizando as

primeiras fotografias aéreas da selva amazônica, o que deu origem ao filme “No

rastro do El Dourado”. A primeira exibição para a imprensa teve o título de

“Expedição do Dr. Hamilton Rice no Rio Branco 1924-1925”. O filme, segundo a

crítica da época, fez um ruidoso sucesso e foi um inigualável instrumento de

propaganda das riquezas do Amazonas, das suas indústrias e belezas naturais.

Além disso, o filme captou as primeiras imagens aéreas realizadas no Brasil,

permitiram a elaboração de um mapa mais preciso da região111. Outros filmes e 108 COSTA, Selda Vale da. Eldorado das ilusões. Cinema & sociedade: Manaus (1897-1935). Manaus: EDUA, 1996. p. 165-168.109 SOUZA, Marcio. Silvino Santos. O cineasta do ciclo da borracha. Rio de janeiro: Funarte, 1999. p. 79-80110 TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa. A convivência da imagem. p.12.111 COSTA, Selda Vale da. Eldorado das ilusões. p. 177-179.

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documentários foram feitos no Brasil e em Portugal, até que, em 1934, Joaquim

Gonçalves de Araújo desativou a produção de filmes, permanecendo Silvino Santos

como seu funcionário com outras atividades na empresa112.

A firma passou por uma última reorganização societária em 1925, quando

Joaquim Gonçalves de Araújo, ao fazer 65 anos, começou a tratar de sua sucessão.

Nesse ano, a firma alterou a sua razão social e se tornou “limitada”, passando a ter a

denominação de J.G. Araújo & Cia. Ltda113. Nesta, foram admitidos como sócios

cotistas os dois filhos do comendador: Agesilau Joaquim Gonçalves de Araújo, que

assumiu praticamente o comando da organização, possuindo cursos de comércio

feitos na Suíça e Inglaterra114 e Aluysio de Araújo, engenheiro arquiteto. E mais a

sua esposa, D. Maria Adelaide, e suas filhas, Aleth e Adelaide de Araújo.

Nesse período de transição do comando para os seus filhos, Joaquim

Gonçalves de Araújo havia constituído um poderoso colegiado de procuradores, que

o assessorava nas decisões da empresa: José Rodrigues de Oliveira Junior, José de

Souza Campos, Luiz Cunha Costa, Manoel de Souza Amado e os irmãos Joaquim e

Serafim Gomes Loureiro, que atuavam, também, durante a sua ausência e viagens

ao exterior115.

Então, no dia 21 de março de 1940, aos 80 anos de idade, faleceu em

Lisboa, o comendador Joaquim Gonçalves de Araújo. Ao desaparecer, esse líder

empresarial deixava uma grande organização comercial e industrial não apenas na

cidade de Manaus, como em várias cidades da Amazônia.

2.4 O Império comercial de J.G. Araújo.

Em 1904, sob a razão social da J. G. Araújo e Cia. tem início a expansão da

empresa sob a liderança de Joaquim Gonçalves de Araújo116. Nesta fase da

112 COSTA, Selda Vale da. Eldorado de Ilusões. p. 167.113 JUCEA, Registro de Contrato Social da firma J.G. Araújo e Cia Ltda. 30 de junho de 1925. Com capital de 3.600 contos de reis dividido em cotas, mantendo Joaquim G. de Araujo o controle de 50% das cotas e as demais divididas entre seus filhos e esposa. 114 BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias. p. 274115 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas. p. 10.116 Seu irmão e ex-sócio, José Gonçalves de Araújo “Rosas” se retirou dos negócios e voltou para Portugal aonde veio a falecer. Mas, o seu apelido ainda se manteria na fachada dos prédios da rua Marechal Deodoro, bem como, no nome de outras empresas que J.G. iria criar nos anos seguintes.

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empresa foram abertas várias filiais em vários locais: em Iquitos (Peru), Porto Velho

(rio Madeira), Santa Izabel (rio Negro) e Vista Alegre (rio Branco). De acordo com

Marcia Mello, tal tática se deve porque ao descentralizar seus negócios, com a

criação de filiais em pólos estratégicos da Amazônia, J.G. de Araújo estava:

Expandindo sua empresa para regiões onde pudesse assegurar o controle das transações comerciais diretamente com o produtor, e assim, garantir não só o acesso aos produtos regionais, bem como evitar a concorrência117.

Figura 6 Armazéns Rosas de J.G. AraújoFonte: Álbum vistas de Manaus. c. 1910

As grandes empresas que dominavam o setor exportador da borracha,

embora sediadas em Manaus, tinham origem no capital inglês, francês ou alemão.

Quando inicia o declínio da economia da borracha, a partir de 1913, com as

sucessivas quedas dos preços no mercado mundial, muitas dessas empresas iriam,

nos anos seguintes, fechar seus estabelecimentos. Passando então a liderança das

exportações para empresas de comerciantes portugueses, que já atuavam na região

como recebedores e aviadores, mas com menor expressão entre os exportadores da

borracha.

117 Mello, Márcia Eliane A. Souza e. O Império Comercial de J. G. Araújo... p. 27.

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Neste percurso ascendente encontramos a firma J.G. Araújo, que no ano de

1914, assumiu o primeiro lugar entre os aviadores, e a partir, de 1916, passa a

figurar entre os seis maiores exportadores. Assumindo o posto de liderança na

economia regional a partir da década de 1920, com o “comércio de importação,

exportações e seções especializadas: estivas, ferragens, fazendas, drogaria,

panificação, distribuição de combustíveis e depois no setor industrial de

beneficiamento, lavagem de borracha e seus artefatos” 118.

De acordo com Samuel Benchimol, a produção de borracha no Estado do

Amazonas, nos primeiros anos da década de 1910, girava em torno de 8 mil a 10 mil

toneladas anuais, deduzindo o economista que nesse período a firma J. G. Araujo

“chegou a controlar aproximadamente 10% da produção na fase áurea até 1910 e, já

na decadência, sua posição subiu para cerca de 20% do total de borracha produzida

e exportada”. Tal fenômeno se deve, porque segundo o autor:

com a retirada dos concorrentes e graças a sua estrutura na hinterlândia, com a sua navegação e seu empório de suprimento de mercadorias, o mercado do interior ficou cativo de sua organização. Muitos aviadores concorrentes não resistiram à decadência e foram à falência ou venderam seus negócios e se retiraram da região119.

O volume do recebimento da borracha entre 1910 e 1916 pela firma J. G.

Araújo pode ser observado no quadro 1. E nele podemos verificar que, embora o

valor da borracha tenha declinado bastante ao longo da década, o volume da

borracha recebida pela empresa não diminuiu. O que acreditamos, entre outros

fatores, que pode ter contribuído para a manutenção da estabilidade financeira da

mesma, compensando a baixa dos preços com um maior volume de exportação.

Ano Qtd borracha recebida (Kg) Valor em £ corrente Valor em £ (1992)

1910191119121913191419151916

766.952928.431

1.054.4921.019.3211.335.5491.725.9071.997.211

502.353382.513400.706290.506275.123145.181479.330

25.765.68519.619.09119.818.91814.368.42613.607.5835.744.812

16.191.767Totais 8.827.863 2.475.712 115.116.282

QUADRO 1: Movimento da Borracha da empresa J.G. Araújo (1910-1916).

FONTE: BENCHIMOL, Manáos-do-Amazonas ,1994.

118 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas. p.8.119 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas. p.9.

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Contudo, a vertiginosa queda no valor da borracha, apesar do aumento da

produção, dá-se em virtude da produção asiática, que passou a dominar o mercado

internacional. Sobre este fato, Antonio Loureiro discute que a crise decorrente da

baixa de preços, a partir de 1910, já se fazia sentir na Amazônia, em setembro

daquele ano, em decorrência da baixa do preço120. De imediato, em Belém, foi criada

a Liga dos Aviadores, destinada à proteção dos interesses do grupo, com a criação

de uma sociedade anônima operando diretamente no mercado. Por meio da

Associação Comercial do Pará, foi criada a companhia “A Seringueira da Amazônia”,

sociedade cooperativa, ambos os grupos tinham como objetivo proteger seus

interesses a fim de salvar os negócios com o mercado internacional.

Na verdade, todos esperavam a intervenção do Governo Federal no

mercado da borracha, por intermédio do Banco do Brasil, em atitude similar ao

ocorrido com o café no sudeste brasileiro. Mas, apesar de o presidente Hermes da

Fonseca haver prometido uma intervenção, por meio da baixa de impostos e da

criação de um banco protetor, nada foi feito. Naquele período, a borracha da

Amazônia representava 28,2% dos produtos exportados, e o governo brasileiro se

mostrava desinteressado pela sorte de seu segundo produto de exportação. Manaus

estava entregue aos seus próprios recursos e dificilmente sairia da recessão, pois o

comércio não encontrava bancos para negociar e a intervenção federal jamais se

concretizaria121.

De seu lado, a Associação Comercial do Amazonas organizou, em Manaus,

no ano de 1911, o 1o Congresso Comercial, Industrial e Agrícola com representantes

dos estados e países produtores de borracha, a fim de discutir o problema da crise e

possíveis soluções. Entre as pautas estavam destacadas: quais as modificações a

fazer nas relações existentes entre aviadores, produtores e exportadores; técnicas

de plantio da árvore de látex na Amazônia; divisão no tempo de trabalho nos

seringais a fim de proporcionar manutenção nos seringais existentes. De acordo

com Miranda Neto, dentre as decisões tomadas destacam-se122.

120 LOUREIRO, Antonio José Souto. A Grande Crise. (1908-1916). Manaus: T. Loureiro e Cia, 1985. p. 33.121 LOUREIRO, Antonio José Souto. A Grande Crise. (1908-1916). p. 67-68.122 MIRANDA NETO, M.J. O dilema da Amazônia. 2ª ed., Belém: Cejup, 1986. p. 5-6.

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I. Reconhecer de urgente e inadiável a necessidade do plantio da seringueira no valle do Amazonas, considerando úteis as seguintes medidas para animar o plantio:a) Iniciativa dos Estados, Municipalidades, Associações Agrícolas e comerciaes, fazendo por sua conta e com fito commercial plantações modelares de heveas.b) Concessão gratuita de terras destinadas a este cultivo; redução do imposto de exportação da borracha de plantação;c) Propaganda por meio da imprensa, circulares e memórias, mostrando as vantagens do plantio e dando conselhos práticos sobre o modo de effectuar as plantações.d) Larga distribuição de sementes e mudas de Hevea Brasiliensis.II. Aconselhar aos actuaes proprietários de seringaes:a) O inter-plantio e re-plantio das actuaes estradas.b) O plantio em roçados abertos na própria floresta, ou em estradas largas feitas n’ella.III. Aconselhar os Governos a fazerem larga propaganda na Europa e principalmente nos Estados Unidos da América do Norte, sobre as vantagens do emprego de capital na indústria da borracha no valle do Amazonas.IV. Fomentar a abertura de novos seringaes, sugerindo a Governo Federal e especialmente aos do Pará, Amazonas e Matto Grosso, uniformisarem o preço de vendas de terras destinadas as indústrias extractivas, adoptando o preço mais baixo actualmente em vigor nesses três Estados.V. (...)VI. Aconselhar o plantio da Hevea Brasiliensis de preferencia a todas as outras espécies gommiferas, inclusive o caucho, em vista do estado ainda atrazado dos nossos conhecimentos a respeito do cultivo destas arvores.

Como já observamos anteriormente, o fim da era de prosperidade

econômica promovida pela atividade gomífera na amazônia, também é em grande

parte, resultado da produção racionalizada promovida pela fácil adaptabilidade às

condições climáticas da hévea no solo e no clima asiático123. Em face disso, o

governo federal, em 1912, lançou o Plano de Defesa da Borracha, numa tentativa

de estabilizar o preço da goma e desenvolver a região. Contudo o plano foi mal

implantado e, para piorar a situação, as mudanças no governo o tornaram insólito,

forçando o seu cancelamento124. Embora tenham sido feitas inúmeras tentativas de

salvar a produção gomífera na Amazônia, no final todas se mostraram sem sucesso.

Poucos comerciantes aviadores lograram vencer o período agudo da crise

nos anos 20 e 30 do século XX, ficando muitos deles arruinados. A despeito dessa

grande crise que assolou a Amazônia, com a perda do monopólio da borracha e

conseqüente aviltamento dos preços de mercado. A empresa de J.G. Araújo

continuava aumentando o seu patrimônio financeiro e imobiliário com novas 123 O fenômeno asiático de produção gomífera, no período de 1900 até 1919, alcançou 68% da produção mundial e, em 1919, já marginalizava a Amazônia, com um percentual de 90%.124 SANTOS, Roberto. História econômica da Amazônia (1850-1920); TOCANTINS, Leandro. Amazônia: natureza, homem e tempo. Rio de Janeiro: Conquista, 1960.

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aquisições e expansão de seus estabelecimentos. Com o passar dos anos, a firma

J.G. Araújo & Cia. tornou-se um grande império comercial, atuando nos ramos de

importação e exportação. Nesse processo de acumulação, seus produtos chegavam

à Europa e aos Estados Unidos, enquanto adquiria grandes propriedades de terras

na Amazônia ou ainda dominava seus rios através da empresa de navegação que

quase monopolizava esse setor. O grande movimento comercial que a firma J.G.

Araújo passou a comandar foi descrito por Samuel Benchimol que afirma que

“somente em borracha, essa firma tinha um movimento e um faturamento

equivalente a mais de um milhão de libras esterlinas por mês, sem contar as vendas

de seus armazéns, lojas e empreendimentos mercantis e industriais” 125.

Dessa forma, enquanto o comercio exportador da borracha bruta passava

por uma retração violenta em suas atividades, a empresa J.G. Araújo andava na

contra mão da crise. Ao contrário dos demais investidores locais, que encerraram

suas firmas e tentavam salvaguardar o seu capital transferindo seus negócios para

outros estados ou mesmo países. A título de exemplo empreendedorismo de J. G.

Araújo, podemos citar a fundação em 1922, de uma usina de beneficiamento da

borracha, a “Usina Rosas”.

Com o aumento da demanda pelo produto industrializado, a Usina Rosas

precisava ser ampliada, sendo transferida de local, em 1926, passando a nova

empresa a denominar-se Fábrica Hévea Brasil (figura 7), especializando-se no

beneficiamento de borracha, exportando esse produto na forma de lâminas, de

lençóis, saltos de sapatos, etc., sendo todos de primeira qualidade.

O objetivo era fazer frente aos produtos concorrentes no mercado europeu.

A fábrica tinha uma capacidade de beneficiamento de 250 toneladas/mês, e também

dava uma qualidade ao produto, visto que o modo como a borracha era enviada,

antes da fábrica, aos consumidores europeus, suja e imperfeita, não atendia a

velocidade exigida pelo mercado em obter um produto sem a necessidade de

beneficiamento.

A empresa Hévea Brasil estava montada à beira do igarapé de Manaus, no

bairro Educandos, em um prédio constituído de um térreo e mais dois pisos de

cimento armado, com paredes grossas e inúmeras janelas de vidros quadriculares

voltadas para os quatro pontos cardeais, facilitando a circulação de ar, com 125 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas. p. 10.

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elevadores para subida e descida de borracha. No pavimento inferior, estavam

instaladas as máquinas para lavagem da borracha bruta; no primeiro andar, havia a

seção de embalagem e, no último, uma estufa, para secagem da borracha,

envolvida por chaminés para dissipar a fumaça126.

A rua de acesso cravada com paralelepípedos, margeando toda a área onde

também seria palco para a Vila Operária, moradia dos trabalhadores da fábrica,

poderia então receber por terra e água a matéria-prima com grande economia de

tempo e dinheiro. Além disso, junto à usina principal, outras iniciativas se

completam, como uma fábrica de sapatos, uma serraria para aproveitamento de

madeira e um curtume para beneficiamento de couros vindos do Rio Branco e baixo

Amazonas, empregando matéria-prima nacional desde a borracha aos caixotes para

exportação.

Figura 7: Fábrica Brasil HéveaFonte: Guia turístico e comercial de Manaus. 1932.

Outros exemplos da dinâmica crescente da empresa podem ser observados

na diversificação que a empresa foi conquistando ao longo do tempo, em especial

126 ALVES, Dysson Teles. Brasil Hévea: a maior iniciativa industrial do extremo norte. Série Memória, Manaus: Biblioteca Virtual do Amazonas, 2002. http://www.bv.am.gov.br. Acessado em 24 de outubro de 2008.

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após 1925. Indo desde o fornecimento de artigos de luxo que abasteciam a

sociedade amazonense, passando pela criação de indústrias de produtos regionais,

como a piaçava e a castanha valendo-se da mão de obra feminina, bem como a

produção de alimentos, artefatos de borracha, combustíveis, etc. Ajudou antigos

seringueiros, dando-lhes empregos até que conseguissem renda suficiente para

retornarem a seus estados de origem. A empresa venceu a competição comercial no

momento da crise, mantendo o mesmo mecanismo de dependência, com algumas

inovações. Os registros dos principais estabelecimentos que constituíam a rede de

sua organização comercial e industrial se encontram no quadro 2, a seguir:

EMPRESAS RAMO DE ATIVIDADE LOCALIZAÇÃO ANOEmpresa Jutahy S.A. Borracha Solimões e Jutaí 1910-1967Balata Ltda. Balata Jauapery 1924-1929J. G. Araujo e Cia Ltda Comércio, importação e exportação Manaus 1925-1991J.G. Araujo e Cia. Ltda.(filial)

Com. e exp. das ind. de borracha e castanha

Santa Izabel ( Rio Negro) 1922-1943

Usina Rosas Beneficiamento de Borracha Manaus 1922-1937J.G. Araújo & Cia Ltda (filial)

Com. e exp. das ind. de borracha e castanha Porto Velho 1922-1933

Fábrica Brasil Hévea Beneficiamento de Borracha Manaus 1926-1950Calama Ltda Borracha Rio Madeira 1927-1956Fábrica Rozas Ltda. Fabrico de massas e panificação Manaus 1929-1959Manacapuru Industrial Ltda

Estabelecimento de serraria, fabricação de pregos Manacapuru 1929-1959

Vila Rosas Pau rosa. Manaus 1931-1937Fabrica de Conservas Alimentos Manaus 1933-1937Drogaria Rosas Medicamentos e perfumarias Manaus 1933-1989Chaqueada Calungá Carne de charque Boa Vista 1933J.G. Araújo & Cia Ltda (filial)

Exploração das ind. pastoril, madeira de lei, borracha e castanha

Boa Vista do Rio Branco 1930-1955

Oficina mecânica Caldeiraria e usina de peças Manaus 1933-1939Companhia Industrial Amazonense S.A Juta Parintins 1936-1960

Empresa Industrial Agrícola Ltda Essência de Pau rosa Parintins 1939-1952

J.G. Araújo Export & Cia. Ltda

Pneus, motores, peças, artigos de pesca, armas e munições; estivas. Manaus 1939-1990

J.G. Araújo Borrachas e Gomas Borracha 1944-1953

Soc. de Comércio e Transporte Ltda

Transporte de carga, fazenda de gado. Manaus 1945-1965

Drogaria Rosas Medicamentos e perfumarias Manaus 1947-1989Macapá Comércio e Industria agrícola extrativa S.A

Borracha Sena Madureira (Acre) 1953-1967

QUADRO 2: Estabelecimentos pertencentes a J.G. Araújo na Amazônia

FONTE: ALVES, Marcia Eliane S. Relatórios de atividades do Projeto J.G. Araújo. 1994-1996. mimeo;

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A firma J.G. Araújo, marcou a paisagem urbana de Manaus e do interior,

tornou-se um império empresarial entre as décadas de 1920 e 1940, como podemos

observar no quadro 2, pela grande quantidade de estabelecimentos novos e

diversidade de empresas fundadas nesse período, abrangendo vários produtos

regionais.

A presença da empresa na região do Rio Branco e suas atividades

comerciais serão objeto de capitulo específico. Todavia, é importante destacar neste

momento algumas observações feitas por Marcia Mello sobre os ativos da matriz

J.G. Araújo e Cia Ltda. em Manaus, como o aumento dos bens de raiz e fazendas

na região do rio Branco, no final da década de 20. Outra nota importante dos

balanços vem da observação do montante dos devedores existentes no ativo da

firma. Tais dados possibilitam perceber qual é a tendência da formação do capital

comercial da empresa e qual a região que se concentram seus devedores. No final

do século XIX concentravam-se na região do rio Negro cerca de 90% das contas a

receber da empresa.

Contudo, os balanços do século XX mostram uma tendência bem diferente

da observada anteriormente. Neles em 1925, a região do rio Negro concentra 22%

dos ativos, seguido de perto da região do rio Branco com 19%. No próximo

qüinqüênio, a região do Rio Branco com 13% supera a do rio Negro com 8% dos

devedores, tendência que irá manter em 1935, caindo o rio Negro para 4%127. O que

nos leva a considerar pelos dados, o quão forte foi o interesse da empresa naquela

região, a partir da década de 1920, culminado com o estabelecimento de uma filial

em Boa Vista em 1930.

O empenho pela diversificação da comercialização dos produtos regionais,

também levou a empresa de J.G. Araújo a se interessar pela cultura da juta em

Parintins. O plantio da juta foi iniciado por volta de 1936, por colonos japoneses, que

fundaram a Companhia Industrial Amazonense S/A (CIA) com sede na Vila

Amazônia. Mas, ao entrar na Segunda Guerra Mundial, o Brasil cortou relações

diplomáticas com o Japão. Em setembro de 1942, a Companhia Industrial

Amazonense S/A. foi desapropriada pelo governo e, em abril de 1946, o patrimônio

da CIA passou a ser leiloado e adquirido pela empresa J.G. Araújo, de

127 MELLO, Márcia Eliane A. Souza e. O Império Comercial de J. G. Araújo. p. 36.

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processamento de juta, beneficiamento de arroz, fabricação da farinha de mandioca,

serraria, etc. A Vila Amazônia foi comprada por J. G. Araújo por 50 contos de réis128.

Para Samuel Benchimol, o Império de J.G. Araújo constituído de empresas e

negócios variados, começou declinar no final da década de quarenta do século XX.

De acordo com Benchimol, várias foram as causas para tal declínio, dentre as quais

temos a implantação do Banco da Borracha pelo governo americano, em

decorrência dos Acordos de Washington de 1942, que deteve o “monopólio final de

compra e venda de borracha e financiamento, eliminando, assim, o papel dos

antigos aviadores e exportadores de borracha”. Somando-se as ações do Rubber

Development Corp. (RDC), que era:

uma organização do governo americano, criada para incentivar a produção dos seringais nativos da Amazônia – tendo em vista a perda do suprimento de borracha das plantações asiáticas invadidas pelos japoneses –, passou, a título de estímulo, a suprir e fornecer gêneros alimentícios, tigelinhas, armas, munições e outros bens de consumo para os seringalistas, provocando, assim, o desmantelamento do setor tradicional de aviamento129.

Além das questões econômicas, também apontou Benchimol, como

agravante alguns problemas internos na sucessão da empresa, marcada por uma

gestão familiar. No inicio dos anos 40, a morte do patriarca, Joaquim Gonçalves de

Araujo, bem como de seu filho Aloysio de Araújo, levou à gerência da empresa seu

filho Agesilau Joaquim de Araújo e D. Neusa Souza de Araujo, sua esposa130. Mais

tarde, seus filhos: Felipe, Agesilau, Joaquim e Renato, foram admitidos na

sociedade e passaram a gerir algumas empresas do grupo:

Felipe Souza de Araújo, o mais velho, foi trabalhar no escritório central como seu assessor direto; Agesilau Souza de Araújo foi destacado para gerenciar a Fábrica Rosas; Joaquim Souza de Araújo foi gerenciar a Drogaria Rosas; e Renato Souza de Araújo passou a dirigir a Seção de Ferragens131.

Nos anos seguintes ocorreram várias mudanças profissionais na vida dos

descendentes de J.G. Araújo. O neto Joaquim Souza faleceu em 1967, seu irmão

Felipe se mudou para o Rio de Janeiro e fundou negócio próprio, vindo a falecer em

1969. O outro, Agesilau, foi estudar arquitetura, e se retirou dos negócios, assim,

128 www.amazonkoutakukai.com.br, acessado em maio de 2006.129 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas. p. 12.130 JUCEA. Alteração contratual da firma J. G. Araujo e Cia Ltda. 07/10/1942. 131 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas. p. 13.

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como Renato que foi seguir a carreira de artista plástico. Sem descendentes

interessados em ocupar a gerência dos negócios, assumiu nos anos 80 o sobrinho

Jaime Bittencourt de Araújo, que havia trilhado uma carreira política antes de passar

a gerir as empresas da família.

Por fim, o grupo empresarial estava marcado por questões internas (falta de

executivos capazes) e externas (adaptações exigidas pelo mercado) que

enfraqueceram sua atuação. De forma que “a firma passou sobreviver à custa do

patrimônio acumulado no passado” 132.

132 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas. p. 13

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Capitulo 3

A EMPRESA J.G. ARAÚJO E O RIO BRANCO

Figura 8: J.G. Araújo & Cia. Ltd – Filial (Rio Branco)Fonte: Arquivo Pessoal Prof. Mauricio Zouein.

A J.G Araújo, como vimos, já atuava no Rio Branco desde o final do século

XIX, quando fornecia seus produtos aos militares do Forte de São Joaquim. Na

década de 1920 estabeleceu-se, fisicamente, em Vista Alegre atuando como uma

espécie de entreposto da matriz na região. É no transcurso da década de 1920 para

1930 que se fixa uma loja filial em Boa Vista, a qual dominará as atividades

comerciais, industriais e pecuárias do município. Para entendermos melhor o

crescimento da empresa J.G. Araújo & Cia. Ltda no Rio Branco se faz necessário

compreender o acesso a terra e o início das atividades pecuaristas nesta região.

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3.1 Breve bosquejo sobre a questão fundiária no Rio Branco

Em meados do século XIX, foi criada a lei que regulamentava as

propriedades privadas e públicas no Brasil, a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.

Por meio desse dispositivo, o governo imperial podia restringir o acesso a terra,

assegurando a disponibilidade de mão de obra aos grandes fazendeiros133.

Com a extinção do tráfico e a nova regulamentação de posse da terra, o maior problema para os grandes proprietários era saber como conservar a mão-de-obra assalariada num país das dimensões do Brasil, com grandes disponibilidades de terra. O escravo estava definitivamente preso ao seu dono, mas o trabalhador livre podia procurar áreas inexploradas e montar seu sítio, produzir a própria subsistência e pôr alguma coisa no mercado. Para atender aos latifundiários, a lei de 1850 impediu que os trabalhadores livres se tornassem proprietários. E com a venda de terras públicas aos grandes fazendeiros o governo pretendia levantar fundos para financiar a imigração. A longo prazo, no entanto, esse sistema gerou um processo de concentração da propriedade da terra, criando extensas áreas improdutivas134

Essa lei proibia a aquisição de terras públicas por qualquer outro meio que

não fosse a compra. Os lotes obtidos anteriormente por meio de posse ou doação

deveriam ser demarcados e registrados, pois somente seria proprietário da terra

quem a legalizasse em cartório e pagasse os tributos em dinheiro para o governo

imperial135.

Então teve início a corrida para legitimar a terra, e inúmeras formas de

burlar a lei foram inventadas, podendo ser citadas a doação de pequenas áreas para

irmandades ou a venda de lotes a baixos preços, cujo objetivo era passar por meio

de cartório essas transações que acessavam legalizando suas posses. Entre os

muitos exemplos de grilagem das terras que Lígia Osório Silva apresentou, estava

um que indicava como “meio utilizado pelos posseiros para burlar a lei de 1850:

registravam suas posses no Registro do Vigário com data antecipada”136.

Ficou nítido que não interessava ao governo imperial disponibilizar terra

aos pobres. Por outro lado, quando o empresário pagava pela terra, mesmo esta

sendo sem documentação, ilícita ou fruto de grilagem, ele, ainda assim, recebia

133 OLIVEIRA, Marlene; BAÚ, Rosimar. Da origem dos conflitos sobre a prioridade no Brasil: a Lei de Terras de 1850. IN: www.consciencia.net.com.br. Acessado em 20 de agosto de 2010.134 MATTOS, Ilmar Rohloff. Tempo Saquarema. São Paulo: Hucitec, 1985, p. 59-60.135 OLIVEIRA, Marlene; BAÚ, Rosimar. Da origem dos conflitos sobre a prioridade no Brasil.136 SILVA, Lígia Osório. Terras e Latifúndio: Efeitos da Lei de 1850. Campinas: Ed. Unicamp, 1996. p 205.

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incentivos fiscais do governo para tornar a terra produtiva. A terra mostrou ser uma

valiosa mercadoria e fonte de poder. Por isso, o debate sobre a propriedade privada

da terra torna-se fundamental no desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

Quando o capitalista se apropria da terra, ele o faz com o intuito do lucro, direto ou indireto. Ou a terra serve para explorar o trabalho de quem não tem terra; ou a terra serve para ser vendida por alto preço a quem dela precisa para trabalhar e não a tem. Por isso, nem sempre a apropriação da terra pelo capital se deve à vontade do capitalista de se dedicar à agricultura. O monopólio de classe sobre a terra assegura ao capitalista o direito de cobrar da sociedade inteira um tributo pelo uso da terra. É a chamada renda fundiária ou renda da terra1 3 7 .

É necessário concordarmos com José de Souza Martins por entendermos

que esta relação entre a propriedade privada capitalista da terra e a renda fundiária

que permite que seu proprietário, mesmo sem nada nela produzir, possa enriquecer.

Sobretudo, quando ele se apropria de uma parcela de terra sem despender dinheiro

algum por ela, como ocorre no processo de grilagem. Ou seja, o grileiro apropria-se

ilegalmente de uma terra pública e, a partir dessa apropriação, passa a ser dono da

renda fundiária que ela gera.

Neste processo, ele, pode, com a sua venda também ilegal, obter dinheiro

que pode ser convertido em capital, e conseqüentemente sua acumulação. Assim,

dá-se o processo de produção do capital por meio da apropriação legal ou ilegal da

renda fundiária. Está, pois, neste processo de busca do acesso ilegal da terra

pública devoluta ou não, pelas elites brasileiras, um dos caminhos da produção não

capitalista do capital138.

Durante a República Velha a questão fundiária continuou a utilizar a Lei nº

601 até que o Código Civil fosse elaborado em 1916, sendo assim, de acordo com

Lígia Osório:

pode-se considerar que, de 1897 a 1911, o governo federal absteve-se, na prática, de implementar uma política de ocupação das terras devolutas e deixou-as nas mãos dos governos estaduais, em atendimento aos anseios das oligarquias regionais. Nesse período, portanto, a história da apropriação territorial esteve fundamentalmente vinculada à história de cada uma das antigas províncias, agora transformadas em estados. Cada estado regulou, por meio da sua Constituição e de uma legislação específica, o problema da terra139.

137 MARTINS, José de Souza. Expropriação e Violência (A questão política no campo). São Paulo, Hucitec, 1980. p.60-61.138 MARTINS, José de Souza. Não há terra para plantar neste verão - o cerco das terras indígenas e das terras de trabalho no renascimento político do campo. Petrópolis, Vozes, 1986. p. 32-33.139 SILVA, Lígia O. Terras e Latifúndio: Efeitos da Lei de 1850. 1996. p. 249.

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Assim, prevaleceu até 1931 a concepção de que as terras devolutas eram

passíveis de usucapião. Portanto, a sua prática não estaria proibida na Lei de Terras

e muito menos no Código Civil de 1916. Dessa forma, revalidações e legitimações

continuaram sendo feitas até 1931, embora houvesse aqueles que entendiam que,

depois do Código Civil, para aqueles que tinham regularizado as suas terras, haveria

um só caminho: “fazê-lo pela aquisição de domínio sobre as terras possuídas, em

virtude e na forma do usucapião.”140 Instaurava-se, assim, mais uma polêmica sobre

a questão da regularização da propriedade da terra.

A ocupação fundiária da região do rio Branco esta marcada por alguns

fatores peculiares, como o controle da terra por parte do governo central e o

povoamento tardio. Dessa feita, no final do século XVIII, temos a iniciativa do

estabelecimento de fazendas da coroa, pelo Governador da Capitania de São José

do Rio Negro, Manuel da Gama Lobo D’Almada, que introduziu as primeiras

cabeças de gado. Ele criou no alto rio Branco, uma fazenda da coroa, denominada

de São Bento. Visava o governador integrar a região do Rio Branco ao mercado

interno colonial e assim torná-la um pólo de atração e fixação de colonos, bem

como, também era uma estratégia administrativa de controle das terras da região141.

A ação de Lobo D’Almada foi seguida por Nicolau de Sá Sarmento,

comandante do Forte de São Joaquim, e por Freire D’Evora, que montaram mais

duas fazendas: São Marcos e São José142. Mais tarde, no governo imperial, as

fazendas seriam incorporadas e se tornariam próprios nacionais, passando a ser

conhecidas como “Fazendas Nacionais”. Dessa forma o governo era proprietário de

toda a área abrangida pelas três fazendas, que ocupava quase toda a extensão da

região dos campos do Alto rio Branco.

Embora a fixação de outros proprietários particulares na região tenha sido

pouco atrativa, por exemplo, consta que só seis pedidos de titulação de terras foram

solicitados após a decretação da Lei de terras de 1850, que exigia o registro da

posse para o reconhecimento da propriedade privada143. Por outro lado, a partir de

140 OLIVEIRA, Marlene; BAÚ, Rosimar. Da origem dos conflitos sobre a prioridade no Brasil.141 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio: territórios e identidades no vale do rio Branco. In: História dos povos indígenas do Brasil, 2003. p. 272.142 REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas, 1989. p. 145143 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio. p. 273.

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1880, foram chegando às primeiras ondas migratórias de colonos retirantes da seca

no nordeste, favorecendo a economia gomífera, e com isso, o interesse pela posse

da terra por parte de alguns proprietários já começa a aparecer.

Até meados do século XIX, a atividade da pecuária era uma atividade

complementar a economia extrativa. Sendo pouco atrativa ao investimento do

capital, visto a distância e dificuldade de acesso entre a região e Manaus – centro

urbano dinâmico da Amazônia – o que só ocorria por meio fluvial. Contudo, nas

décadas finais do século, o capital acumulado na economia extrativa já começa a

ser investido na pecuária144. É o que vai ocorrer com Sebastião José Diniz, que vindo

inicialmente para o rio Branco explorar a balata e o caucho, mais tarde, já

enriquecido, busca novos investimentos, entre eles a pecuária145.

Nesse ínterim, em 1878, as Fazendas Nacionais haviam sido arrendadas por

um período de nove anos pelo Comendador Antonio Gomes Pereira Bastos. E mais

tarde, em 1888, o arrendamento da fazenda São Bento passaria a Sebastião José

Diniz. Que por sua vez, nas primeiras décadas do século XX, teria seu espólio

adquirido pela firma J.G. Araujo e Cia Ltda., iniciando aí uma série de questões

litigiosas com respeito às terras das fazendas nacionais.

A espoliação das terras pertencentes à fazenda nacional pode ser

observada na estimativa feita pelo pesquisador John Hemming, que descreveu as

partes das fazendas que foram sendo ocupadas por criadores desde o século XIX,

de forma que em 1886 eram 80 fazendas que estavam na posse de particulares e

em 1906 passaram a ser 142 fazendas146, ressalta-se que todas as terras do Rio

Branco pertenciam à União.

O mapa seguinte (figura 7) é possível observar a distribuição das terras que

foram ocupadas por Sebastião Diniz, em 1898, na região do Rio Branco.

144 FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio. P. 273.145 SANTILLI, Paulo. Os filhos da nação. Revista de Antropologia. 1989. p. 430.146 HEMING, John. Roraima: 1990.

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Figura 9: “Ocupação fundiária no vale do rio Branco em 1898”. Onde se vê as fazendas pertencentes a Sebastião Diniz

Fonte: CUNHA, Manuela C. História dos Índios no Brasil. 1992. p. 273.

Como veremos a seguir o mecanismo da grilagem foi utilizado maciçamente

no Rio Branco para a formação do poder das elites locais, a começar por aqueles

que detinham a guarda provisória das Fazendas Nacionais, e acabaram

apropriando-se dos próprios nacionais e de tudo o que nelas estava abrigado. Na

região do Rio Branco, o quadro se agravou ainda mais a partir do momento em que,

por ocasião da República, os governadores facilitaram ainda mais a legalização da

terra junto aos posseiros147.

Em 1905, após a morte de Sebastião Diniz, sua mãe entrou na justiça a fim

defender o direito às terras ocupadas por seu filho, assim como todo o gado e

benfeitorias adquiridos ao longo dos anos148. Durante o processo, ficou clara a

espoliação praticada por aquele cidadão contra os próprios nacionais do Império a

ele confiados como responsável pela administração. Contudo, no recurso impetrado

pela mãe do falecido Sebastião Diniz, verificou-se que, em decorrência da mudança

política, ocorrida em 1889, com o advento da República, Sebastião Diniz passou a

ter “razão” naquilo que apresentava como sendo sua propriedade, ou seja, toda a

147 O governo do Amazonas havia baixado um decreto em 1892 que priorizava a venda de terras devolutas que estivessem na posse dos fazendeiros antes de 1889. (Ver. FARAGE, Nádia; SANTILLI, Paulo. Estado de sítio. p. 274-75)148 PINHEIRO, Heráclito. Fazendas Nacionais no Rio Branco. Manaus: Imprensa Oficial. 1905.

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extensão da fazenda Flechal, que estaria fora da área demarcada como sendo

pertencente à União, por ser a área de terras devolutas, assim se enquadrando ao

perfil do decreto de 1892.

Em 1911, o cientista Koch-Grünberg, em passagem pelo Rio Branco,

testemunhou o seguinte fato:

nestes gigantescos domínios estatais têm-se assentado nas últimas décadas numerosos vaqueiros particulares, que tomaram posse das terras sem ter direito a elas e que marcaram com suas próprias marcas o gado selvagem que encontravam 149.

O relato de Koch-Grünberg demonstra a apropriação do gado pertencente

ao Estado. Nesta linha, ele denuncia o descaso do Governo Central para com seus

bens no Rio Branco, de modo que o termo “selvagem”, em referência ao gado, deixa

nítido o desinteresse da União com suas fazendas:

Nas últimas décadas, estabeleceu-se nessas imensas propriedades do Estado um grande número de pessoas, criadoras de gado que tomaram posse da terra ilegalmente e puseram sua marca no gado sem dono que encontraram por lá. (...) O governo brasileiro poderia expropriar legalmente todos esses fazendeiros altivos quando bem entendesse, se tivesse poder para tanto nesses territórios longínquos e não temesse provocar uma revolução150.

Koch-Grunberg entendeu o “medo” que o Estado tinha de provocar um grave

levante, assim, percebe-se que, no Rio Branco, quem mandava de fato era o

fazendeiro, o Estado era omisso ou abafado pelo poder das elites locais. Para Jaci

Guilherme Vieira, será a partir da Lei de Terras de 1850, cujo princípio básico era o

direito de posse pela aquisição e não mais pela ocupação, que vai se abrir o

caminho para que o capital fosse absorvendo cada vez mais terras no Brasil. Desta

forma, no Rio Branco, complementa Vieira,

os grandes proprietários de terra foram paulatinamente constituindo e reforçando o seu poder e, conseqüentemente, expulsando os índios do seu território. Esse é o caso, por exemplo, da empresa J.G. Araújo e CO. LTDA, da família de Bento Brasil, do coronel Homero Cruz e de tantos outros151.

Aproveitando-se das brechas na lei, a empresa comercial J.G. Araújo & Cia.

Ltda., credora do espólio de Sebastião Diniz e de muitos outros proprietários de 149 SANTILLI, Paulo. Os filhos da nação. 1989.150 KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Do Roraima ao Orinoco. 2006.151 VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima. 2007. p. 52.

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terras por toda Amazônia, foi ampliando suas posses naquela região. Ressalta-se

porém que a empresa não grilava terras, suas posses foram adquiridas ou através

de compras, ou por vias judiciais.

3.2 A força da empresa J.G. de Araújo no Rio Branco

Como já fizemos referência, a relação entre a empresa J.G. Araújo e a

região do Rio Branco, data dos finais do século XIX152, desde os primeiros negócios

com os militares do Forte de São Joaquim, passando pela abertura, por volta de

1930, de uma loja filial em Boa Vista, até o seu encerramento na década de 1950.

Fato que se dá em virtude dos problemas administrativos que a matriz atravessava

em Manaus decorrentes da política econômica nacional e também pelo desinteresse

dos herdeiros de Joaquim Gonçalves de Araújo em seguirem adiante com os

negócios da família.

Observamos na década de 20, o crescente volume de negócios da empresa

no Rio Branco, como demonstra o aumento dos ativos da empresa concentrados

naquela região, com expressivo valor a receber pelos negócios efetuados153.

Contudo, com a crise da borracha, muitos devedores da empresa ficaram

inadimplentes, e tiveram seus bens transferidos para a mesma, como parte da

quitação de suas dívidas. Dessa forma, é possível perceber o grande incremento de

lotes de terras que passam a fazer parte dos bens de raiz da empresa já em 1930,

de acordo com Marcia Mello, contrastando com o ocorrido cinco anos antes nos

ativos da firma154.

A partir da analise dos balanços qüinqüenais da empresa J. G. Araujo e Cia

Ltda, a autora verificou que na abertura da firma, em Manaus no ano de 1925, entre

os ativos da empresa constavam como bens de raiz somente uma casa e uma

fazenda no Rio Branco, avaliados em torno de 80 mil reis. Contudo, passados cinco

anos, em 1930, o volume e o valor dos bens de raiz naquela região elevam-se

consideravelmente no montante do ativo da firma, incluindo neles: seis casas, um 152 Os registros contábeis bem como a correspondência trocada entre a casa aviadora e seus clientes dão conta da presença das atividades comerciais de longa data. 153 No balanço geral de 1925, o valor dos créditos a receber na região do rio Branco haviam subido para 19% do total. Museu Amazônico. Diário Geral da J.G. Araújo e Cia Ltda. 1935.154 MELLO, Márcia Eliane A. Souza e. O Império Comercial de J. G. Araújo. p. 34.

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seringal, três castanhais, currais e diversos lotes de terras, avaliados em,

aproximadamente, 420 mil réis. Tendência que se acentua ainda mais no balanço

realizado em 1940, onde constavam além de vários imóveis em Boa Vista, um em

Sena Madureira, um no Juruá, vinte e dois castanhais, quatro fazendas e diversos

lotes de terras, todos na região no Rio Branco, elevando os bens de raiz ao valor de

Rs 1.336:645$900155.

Em relatório apresentado por Antônio Augusto Martins, em 1950, constava

que a empresa Sociedade de Comércio & Transportes, pertencente ao grupo J. G.

Araújo tinha em seu patrimônio em Boa Vista do Rio Branco “trinta e quatro

fazendas de criação de gado, com superfície de 2.800.000.000 m2, na qual se

desloca uma população bovina de cerca de 35.000 cabeças”156. Pelo presente

relatório, ficamos sabendo que naquele período a região contava com 276 fazendas

cujo rebanho chegava a 120 mil cabeças, numa área total de 5.600.000 000 m2. Ou

seja, a empresa dominava metade da área destinada a criação de gado e possuía

1/3 da totalidade do rebanho.

Com o estabelecimento de uma filial em Boa Vista, a empresa poderia gerir

melhor as terras adquiridas pela empresa no Rio Branco, decorrente não só das

dívidas de Sebastião Diniz, bem como de outros produtores junto à firma. Além

disso, passa a deter o monopólio do transporte fluvial entre o Rio Branco e Manaus,

sobretudo o transporte do gado. Que antes da instalação da firma, era feito em

batelões da família Brasil com capacidade para transportar cerca de quinze bovinos

por vez, além do comércio das mais diversas mercadorias que abasteciam a

região157.

O incremento da atividade pecuária já podia ser observado duas décadas

antes, em relatório efetuado pelo deputado federal pelo Amazonas, Sr. Luciano

Pereira, o qual descreve a situação do gado no vale do rio Branco158. O relato tem

início com a apresentação do quantitativo da população pecuária na região no biênio

1912-1913 (quadro 3). Com base nestes números, Luciano Pereira alerta que o Rio

Branco exporta apenas 6000 bois por ano, e o abatimento para o seu próprio

consumo anual é de 9000 cabeças. Isso o levou a crer que o Rio Branco sozinho era

155 MELLO, Márcia Eliane A. Souza e. O Império Comercial de J. G. Araújo. p. 35156 MUSEU AMAZÔNICO. Relatório do Sr. Antonio Augusto Martins. Armário 1. Gaveta 1157 MAGALHÃES, Dorval de. Roraima: informações históricas. 3ª ed. Rio de Janeiro: Graphos, 1987.158 PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: Observações de Viagem. 1917.

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capaz de abastecer com carne todo o Amazonas, uma vez que o consumo anual do

estado era de 25.000 cabeças, sendo que o consumo de Manaus era de 1.200

cabeças anuais.

REBANHO QUANTIDADE

Bovinos 200.000

Eqüinos 6.800

Asinino e Muares 190

Caprinos 600

Ovinos 1.700

Suínos 2.200

Quadro 3: População pecuária em Boa Vista do Rio Branco 1912-1913

Fonte: PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: Observações de Viagem. 1917

O deputado faz a denúncia de que tanto gado fica paralisado por quase um

ano inteiro, então questiona: “Que adiantará dispor o fazendeiro de muito gado em

magníficas condições, se não o pode vender e nem ter que fazer dele?”. A resposta

estaria em uma condição de escoamento mais racional, pois o rio Branco não era

navegável o ano inteiro, além do mais, a “estrada” que ligava Boa Vista a Caracaraí

não era de boas condições. Para ele,

somente Joaquim Gonçalves de Araújo, dispõe de elementos para tentar a aventura, [...], já em começo de execução este ano, com o transporte de 2.000 bois para se refazerem no baixo Amazonas e serem abatidos em Ma-naus, na época em que o Rio Branco é obrigado a desertar o mercado.159

Outro destaque no relato dizia respeito à quantidade de gado existente, o

que, para o deputado, já refletia como um problema havia muito gado velho e

chamurros, “para este não há quem queira comprar, se matá-los só se aproveitaria o

couro, deixando sobre o solo uma grande quantidade de carne putrificada”. A

maioria do rebanho bovino era composta pela raça “barroso”. Dado o número do

rebanho bovino, a região poderia dispor de uma indústria de lacticínios capaz de

159 PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: Observações de Viagem. 1917.

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produzir queijo e manteiga. A região criadora de gado ocupava uma área imensa,

comparada a alguns países da Europa, na sua maior parte coberta por extensos

campos e atravessada por grandes cursos de água, florestas e serras, o que

dificultava por vezes o transporte. Os vaqueiros levavam dos fazendeiros um

montante financeiro que nem sempre estava ao alcance do patrão.

Contudo, a imensa fortuna, acumulada pela firma J.G. Araújo e Cia Ltda. na

região, não é fruto somente da compra de terras dos pecuaristas endividados160.

Segundo Jaci Vieira, “o aumento em seu patrimônio também foi possível devido à

ocupação de boa parte das Fazendas Nacionais”161, porém, ressaltamos que em

nossa pesquisa não encontramos documentos que apontem para uma ocupação

sumária, mas sim para uma ocupação via espólios judiciais. O quadro a seguir

apresenta parte das propriedades que a firma possuía no Rio Branco.

QUADRO 4: Propriedades da J.G. Araujo & Cia. Ltda no Rio Branco

Ano Imóvel Descrição Valor em Rs$

1924 CastanhalTerra Preta

Possuía uma área de 41.227.100 m2, fazendo frente com o Furo do Cojubim. Foi demarcado por Manoel Pereira Pinto e Lafayete Pinheiro e transferidos os direitos a Joaquim Gonçalves de Araújo, conforme Título Definitivo de 7.6.1924.

12.000$000

1924 Castanhal Mundo Novo

Possuía uma área de 30.954.000 m2, fazendo frente com o Castanhal Terra Preta. Foi demarcado por Manoel Pereira Pinto e Lafayete Pinheiro e transferidos os direitos a Joaquim Gonçalves de Araújo, conforme Título Definitivo de 7.6.1924.

12.000$000

CastanhalJarú 1

Possuía uma área de 19.921.050 m2, fazendo frente com o Paraná do Jarú. Foi demarcado por Manoel Pereira Pinto e transferidos os direitos a Joaquim Gonçalves de Araújo, conforme Título Definitivo de 7.6.1924.

24.000$000

1922 CastanhalJarú 2

Possuía uma área de 10.500 m2, fazendo frente com o Castanhal Jarú 1. Foi demarcado por Manoel Pereira Pinto e transferidos os direitos a Joaquim Gonçalves de Araújo, conforme Título Definitivo de 27.5.1922.

20.000$000

1927 Castanhal Desengano

Possuía uma área de 13.951.575 m2, fazendo frente com o rio Branco. Foi demarcado por Manoel Pereira Pinto e transferidos os direitos a J.G. Araújo & Co. Ltda., conforme Título Definitivo de 25.3.1927.

60.000$000

160 Endividamento causado, sobretudo pelas dificuldades em escoar a produção, visto a navegabilidade do rio Branco ser apenas por 4 ou 5 meses, ficando os demais meses sem comunicação com outros centros urbanos. E não ter os fazendeiros, capital suficiente para agüentar os meses de entre safra.161 VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima. 2007. p. 58.

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CastanhalNova Vista(Bella Vista)

Possuía uma área de 25.000.000 m2, fazendo frente com o Paraná do Cojubim. Foi demarcado por Flávio Rosas.

12.000$000

SeringalNova

Descoberta

Possuía uma área de 4.000.000 m2, fazendo frente com o rio Ajarany e o igarapé Nova Descoberta. Possui vinte e duas estradas de seringueiras abertas e grandes quantidades de seringueiras avulsas. Foi demarcado por Flávio Rosas.

4.000$000

Porto Nossa Senhora do Livramento

Estava situado no distrito de Caracaray, à margem direita do rio Branco e media área de 250.000 m2. Foi vendido por Bernardino José dos Santos para a firma J.G. Araújo & Co. Ltda.

6.709$130

1924

TerrenoVista Alegre

1Possuía uma área de 31.873.525 m2

TerrenoVista Alegre

2

Existia benfeitorias como barracões, barracas, plantio de café e outras fruteiras

TerrenoAturayua 1

Possuía uma área de 11.664.600 m2 e estava situado a margem esquerda do igarapé Aturayua

TerrenoAturayua 2

Possuía uma área de 25.000.000 m2 e estava situado a margem esquerda do rio Tacutu

1924 Terreno em Caracaray

Possuía uma área de 2.500 m2, com uma casa, e estava situado no distrito de Caracaray. A escritura data de 7.2.1924, foi vendido por Pedro Victal filho e sua esposa para a firma J.G. Araújo & Co. Ltda.

2.000$000

1928

Casa em Boa Vista

Situada a rua Ville Roy em um terreno que media 10 x 44 metros. Foi comprado pela J.G. Araújo & Co. Ltda. de João José de Brito e esposa. Sua escritura data de 11.5.1928.

4.500$000

1916

Situada no Boulevard Centenário em um terreno que media 1.786 m2. Foi comprado por Joaquim Gonçalves de Araújo de Raymundo Ferreira Catanhede. Sua escritura data de 3.2.1916.

10.000$000

1927

Situada a rua Sebastião Diniz em um terreno que media 15 x 60 metros. Foi comprado pela J.G. Araújo & Co. Ltda. de João Felipe Marinho e esposa. Sua escritura data de 22.9.1927.

10.900$000

1926

Situada a rua Sebastião Diniz em um terreno que media 11 x 30 metros. Foi comprado pela J.G. Araújo & Co. Ltda. de Elias Gonçalves do Nascimento e esposa. Sua escritura data de 1.6.1926.

18.282$000

1927 Situada a rua Sebastião Diniz em um terreno que media 30 x 50 metros. Foi comprado pela J.G. Araújo & Co. Ltda. de Francisco Raul da Silva e esposa. Sua escritura data de 8.10.1927.

1.500$000

1927 Situada a rua Silva Mota c/ 12 de outubro em um terreno que media 15 x 30 metros. Foi comprado pela J.G. Araújo & Co. Ltda. de Octávio José de Vasconcelos e esposa. Sua escritura data de 8.8.1927.

31.000$000

1933 Charqueada Seu registro é datado de 18.8.1933. Pertencia a

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Calungáempresa J.G. Araújo & Co. Ltda. Suas atividades eram anteriores a data do registro. Operava como seção de carnes e derivados.

1927 FazendaSerra da Lua

Sua área ocupava uma extensão de 977.622.500 m2, da qual faziam parte os lotes e retiros: Urubu, Mureru, Campo Pastoril, Verdum, Tucunaré, Floresta 1 e 2, Central, Flora 1 e 2, São Pedro.

109.905$000

1920 Fazenda Flechal

Sua área ocupava uma extensão de 1.127.497.500 m2, da qual faziam parte os lotes e retiros: Flechal, Vitória Flecha, São Sebastião, Bonfim, Maruhay, Rosa Branca, Ponta da Serra, Pau Rainha, Moreninha, Depósito Rosas, São Gregório, Chiquiba.

769.780$000

1919 FazendaNova Olinda

Sua área ocupava uma extensão de 689.694.962 m2, da qual faziam parte os lotes e retiros: São Salvador, Tucumã, Santa Maria, Poço Verde, Santa Rosa, Caranã, Esperança, Sumaúma, Au Au.

364.685$000

1930FazendaAlagadiço

(Livramento)

Sua área ocupava uma extensão de 542.296.925 m2, da qual faziam parte os lotes e retiros: Alagadiço, Cajual, Truaru, Jacitara, Pau Rainha, Ponta da Serra, Santa Adelaide, Tiquiry.

40.000$000

Fonte: Museu Amazônico. Acervo J.G. Araújo. Armário 01. Gaveta N°01.

Um fato destacado por Dorval de Magalhães eram as matanças de gado que

os fazendeiros mandavam fazer com os animais velhos, sob o pretexto de obter

pasto para o gado mais novo. Na verdade, esta também era uma forma dos

fazendeiros apresentarem para a sociedade local, índia e não-índia, o tamanho do

poder econômico que possuíam162. Sobre essa questão Luciano Pereira também

alude que

as fazendas precisam ser anualmente desbastadas de um certo número de rezes, porque do contrário, de ano para ano, vão se enchendo de animais imprestáveis, que só servem para estragar as produções futuras e ocupar no campo um espaço, de que fica privado o gado aproveitável163.

Evidentemente que essa não seria a melhor solução para o problema, que

se tornou, da superpopulação bovina no Rio Branco. Mas se, a nível local, tivesse

havido administradores com visão de mercado e investidores corajosos a fim de

lançar uma empreitada no intuito de fazer este gado virar cifras, certamente que

surgiriam indústrias de charqueada, conservas, curtumes e outros fins para esses

animais. Este quadro mudaria a partir do momento em que a J.G. Araújo & Cia. Ltda

162 MAGALHÃES, Dorval de. Roraima: informações históricas. 1987.163PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: Observações de Viagem. 1917.

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contratasse Antonio Augusto Martins, uma vez que as tentativas da indústria dos

monges beneditinos veio a fracassar, na tentativa de soerguer a produção de gado.

Em pesquisa feita nos arquivos do Museu Amazônico, da Universidade

Federal do Amazonas, que guarda o acervo da empresa, foi possível verificar os

registros de algumas fazendas da J.G. Araújo & Cia. Ltda no município de Boa Vista

do Rio Branco164. Dentre elas estão:

Fazenda Serra da Lua: possuía uma área de 977.622.500m2, estava

dividida em quatro lotes: Urubu e Murerú, com a escritura datada de 1927; Campo

Pastoril, com escritura datada de 1926; Verdum, com escritura de 1926; e Tucunaré,

com escritura de 1925. Estes lotes estavam no nome do comendador Joaquim

Gonçalves de Araújo e, até o ano de 1932, esta fazenda contabilizava 1.039

cabeças de gado bovino e 282 cabeças de gado cavalar. Além dos lotes citados, a

fazenda contava também com os lotes: Floresta 1 e 2, Central, Flora 1 e 2, os quais

estavam em nome da firma J. G. Araújo & Cia. Ltda. Em 1932, esta fazenda estava

avaliada em Rs 109.905$000, dos quais só em terras e benfeitorias correspondia a

importância de Rs 55.000$400.

Nesta região, também estava a fazenda São Pedro que, segundo o

administrador da firma, era uma magnífica fazenda devido sua localização, na frente

de Boa Vista, a qual se prestaria para a instalação de um estábulo que visava à

comercialização de leite fresco.

Fazenda Flechal: esta fazenda possuía título definitivo datado de 29 de

dezembro de 1920 a favor de Sebastião Diniz, o qual foi transferido para o

comendador Joaquim Gonçalves de Araújo em 1923. Sua área equivalia a uma

extensão de 1.127.497.500m2. Sua estrutura organizacional estava dividida em três

sedes, Flechal, Vitória Flecha e São Sebastião, as quais se subdividiam nos retiros:

Bonfim, Maruhay, Rosa Branca, Ponta da Serra, Pau Rainha, Moreninha, Depósito

Rosas, São Gregório e Chiquiba. Até 1932, esta fazenda possuía 16.593 cabeças de

gado bovino e 1.880 cabeças de gado cavalar. No mesmo ano, ela foi avaliada em

Rs 769.780$000, dos quais Rs 100.000$000 eram referentes ao valor das terras e

das benfeitorias.

164 Museu Amazônico. Acervo J.G. Araújo. Armário 01. Gaveta N°01.

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Fazenda Nova Olinda: o tamanho desta fazenda correspondia a

aproximadamente 689.694.962 m2 e estava organizada a partir da sede denominada

Nova Olinda, adquirida pelo comendador Joaquim Gonçalves de Araújo em 1919,

além dos retiros: São Salvador - que possuía titulo definitivo datado de 1903,

expedido a Araújo Rosas e Cia., sua escritura de venda datava de 1899; Tucumã –

com escritura e título datados de 1915 para o comendador; Santa Maria – escritura

de 1905; Bom Futuro – com escritura de 1918 e que foi anexada à Santa Maria;

Poço Verde – foi adquirida pela firma J. G. Araújo & Cia. Ltda., e escriturada em

1925; Santa Rosa – também adquirida pela firma, sua escritura é de 1927. Também

existiam os retiros Caranã, Esperança e Sumahuma, os quais foram abandonados, e

o retiro Au Au, do qual não obtivemos qualquer informação. Esta fazenda possuía

em 1924 cerca de 7.700 cabeças de gado bovino e 1.060 cabeças de gado cavalar.

No mesmo ano, ela foi avaliada em Rs 364.685$000, as terras e benfeitorias foram

avaliadas em Rs 60.000$000.

Fazenda Alagadiço: possuía uma área aproximada de 542.296.925 m2.

Esta fazenda anteriormente se chamava “Carmo e Livramento”, pois era assim que

estava registrado no título definitivo. Ela pertencia ao comendador Joaquim

Gonçalves de Araújo, mas, na escritura, aparecia o nome da firma J.G. Araújo & Cia.

Ltda. Sua organização administrativa estava divida em três sedes: Alagadiço, Cajual

e Truarú. Além das sedes, também havia os retiros: Jacytara, Pau Rainha, Ponta da

Serra, Santa Adelaide e Tiquiry. Infelizmente não encontramos os números

correspondentes aos rebanhos bovinos e cavalar, porém, sabe-se que em 1930 o

valor das terras e benfeitorias foi avaliado em Rs 40.000$000.

Contudo, vale ressaltar que na década de 1940, após a morte de Joaquim

Gonçalves de Araújo e no limiar da criação do Território Federal do Rio Branco, a

firma J.G. Araújo & Cia. Ltda. possuía na região mais de 30 propriedades, entre

fazendas e retiros, obtidos por meio de compra de posseiros ou como pagamento de

dívidas, desde a década de 1910, aproveitando-se das brechas das leis reguladoras

das terras da união.

Apesar deste esbulho de terras na região, essas continuavam a pertencer à

União, o que preocupava cada vez mais os fazendeiros, ciosos da necessidade de

possuir titulo definitivo das terras que ocupavam. Esse embate começou a tentar ser

resolvido com o advento da República que, por meio de meios legais, favoreceu a

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consolidação da ocupação fundiária do Rio Branco. E foi se agravando na virada do

século XX, quando as terras da fazenda nacional, passaram a ser geridas pelo

Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

Em setembro de 1945, por meio de cartas trocadas entre a empresa “filial”

em Boa Vista e a sede em Manaus, verifica-se a preocupação dos administradores

da empresa com o Decreto nº 7.724 de 10 de julho de 1945, o qual tratava sobre

“Faixas de Fronteiras”165. Versava o texto sobre o aforamento de terras devolutas da

faixa de fronteira, o qual gerava inquietação, pois algumas propriedades da firma

seriam atingidas pela lei, pois estariam na faixa de 66 Km previstos pelo decreto.

Eram elas: Verdum, Floresta Central, Floresta 1 e 2, Campo Pastoril, Mureru e

Urubu, Flora 1 e 2, Tucunaré e Iracema.

3.3 As principais atividades da empresa no Rio Branco

A firma aproveitou sua força na região para implantar, a partir do Rio Branco,

a produção e a distribuição de charque para a Amazônia. Nas observações do

deputado Luciano Pereira, em 1917, já havia o apontamento para a produção de

charque no Rio Branco, porém, o relatório do deputado mostrava que o gado da

região era muito magro para a empreitada “charque, para ser bom precisa que o

gado abatido seja o mais gordo possível, porque, do contrário, a carne seca toma

um aspecto pouco apetecível, que a reduz a preço ínfimo, quando exposta a

venda”166.

Esta empreitada pela empresa J.G. Araújo teve início na década de 1930,

após a Companhia Agrícola e Industrial do Rio Branco, pertencente aos monges

beneditinos167, ser absorvida pela firma. Contudo, as dificuldades encontradas, 165 Museu Amazônico. Acervo J.G. Araújo. Série correspondências. 1945.166 PEREIRA, Luciano. O Rio Branco: Observações de Viagem. 1917.167 Em 1925, os beneditinos instalaram em Boa Vista e Manaus a Companhia Agrícola e Industrial do Rio Branco. O projeto da Companhia agro-industrial de desenvolvimento do Rio Branco tinha o objetivo de exportar carne enlatada para todo Amazonas, inclusive à capital federal. Em Boa Vista, estava a sede da empresa, e para que a charqueada funcionasse, providenciou-se curtume, oficina mecânica, carpintaria, serralharia, pequena moagem, fábrica de gelo, cozinha, armazéns, automóveis e caminhões, casas e hotéis para os altos e baixos funcionários vindos do Rio, e luz elétrica para toda cidade de Boa Vista. Este projeto foi desativado em 1927 devido à falta de pessoas especializadas para a sua administração e principalmente por desvios de mercadorias (VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima. 2007; MIRANDA NETO, M.J. O dilema da Amazônia. 1986.).

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sobretudo em relação aos meios de transporte entre o Rio Branco e Manaus,

mostraram que esta não seria uma empreitada fácil. Já na primeira remessa de

charque para o Pará, segundo consta em carta da firma de 9 de junho de 1930, já

demonstra os problemas com a qualidade do charque:

Recebemos dos nossos correspondentes do Pará a respeito de 60 fardos que para ali embarcamos no vapor “Moacir”: O médico da hygiene pretende prohibir a venda de todo este xarque, allegando ser muito magro, ressequido e impróprio para o consumo público. A muito custo conseguimos demovel-o a permitir a venda, iniciando-se o leilão do xarque sem outros lances a não ser os de dois amigos a quem havíamos pedido para lançarem a ver si desta maneira se animariam os assistentes. Não houve, porém, um único lance verdadeiro, tendo estes amigos levado o preço até Rs 1$820. Não sendo mais possível continuar assim, e em vista da completa indiferença dos assistentes, mandamos suspender o leilão trazendo todo o xarque para o nosso armazém. Desde então temos empregado os maiores esforços para collocal-o, mas até a data ainda não conseguimos vender um único fardo. Nesta emergência teremos, talvez, de recorrer a outro leilão, dado o desinteresse que há pelo artigo. Tem sido devido aos nossos reiterados esforços, à nossa grande insistência junto aos compradores, que temos conseguido colocar todas as suas remessas de xarque do Rio Branco, sem nunca aludirmos as dificuldades que se nos deparavam, as quaes avultam cada vez mais, pois as firmas a que a principio vendemos este artigo não voltaram mais a compral-o porque os freguezes a quem o forneceram por sua vez também só o quizeram uma vez, dizendo todos que o xarque é muito duro, magro e sem gosto, não dando ao feijão o sabor próprio do xarque e tornando-se assim um artigo sem procura [grifo nosso].168

O trecho desta carta nos remete, também, ao cenário econômico que o Rio

Branco atravessava na década de 1930. A princípio, percebe-se o estado “magro”

em que se encontrava o charque da firma, o que se dá em decorrência da

mortandade que o rebanho bovino vinha sofrendo em decorrência da “febre” que

aniquilou quase metade do gado do município169. Também se verifica que os

fregueses reclamavam que o produto era “duro e sem gosto”, para Jaci Vieira, isso

ocorria pelo fato de não haver em Boa Vista profissionais qualificados para o

trabalho, mesmo quando a indústria de charqueada pertencia aos beneditinos,

sendo que a firma utilizava a mão de obra local para realizar a produção170.

Em relação à mortandade do gado, há o registro da empresa em carta de

outubro de 1930 com o seguinte teor:

168 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 9 de junho de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.169 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 9 de junho de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.170 VIEIRA, Jaci Guilherme. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima. 2007. p.117-19.

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PESTE NO GADO - Notamos o que nos inferem sobre este particular e muito é para lamentar que a peste continue a grassar intensamente em certas localidades dessa região. Estamos nos dirigindo a Sociedade Nacional de Agricultura pintando o quadro que se desenha nos sertões do Rio Branco onde os rebanhos são ameaçados de aniquilamento completo si pelos Poderes competentes não forem tomadas providencias, sob um ponto de vista prático, capazes de dar uma solução satisfatória ao caso171.

Mas, provavelmente, o fato de o mercado do Pará não ter absorvido a

mercadoria também se dava por conta da crise financeira que a Amazônia

atravessava em decorrência do declínio da borracha, mesmo porque os maiores

consumidores do produto seriam os seringueiros. Com a quebra da maioria dos

seringalistas, o mercado se fechou. O trecho da carta apresenta uma tentativa de

colocar o produto no mercado por meio de leilão e, mesmo com uma tentativa de

animar o mercado, não foi obtido êxito, e o produto teve de ser remanejado para o

Rio Branco.

É importante dar atenção ao fato de que, no Rio Branco, estava emergindo

com bastante força a mineração, deslocando consigo, para o interior, a mão de obra

da cidade. Isso fez com que muitos vaqueiros abandonassem seus empregos nas

fazendas e partissem para tentar a sorte nos garimpos de ouro ou de diamante. Boa

parte dos vaqueiros era de origem nordestina e detinha conhecimento com o trato

com o gado, agora, sem estes, os indígenas iriam ocupar as funções de vaqueiros,

assim como as vagas deixadas na indústria de charqueada da firma J.G. Araújo.

Mas é justamente nestas áreas de garimpo que a indústria de charqueada vai ter

seu momento de glória, pois serão os garimpeiros os maiores consumidores do

produto, sem levar em consideração as exigências do mercado do Pará172.

Contudo, mesmo com este aviltamento, a indústria de charqueada sofreu

constantes pressões, sobretudo de ordem da administração municipal e estadual,

uma vez que a indústria não estava legalizada e funcionava em dependências

físicas insalubres. Esse fato forçou a J.G. Araújo a planejar todo o espaço físico de

acordo com as exigências da época. A planta das novas dependências e a

legalização da indústria previa um acordo com a administração pública para a

construção de uma ponte em um dos igarapés que ligava Boa Vista a Caracaraí.

171 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de outubro de 1930, da loja filial em Boa Vista do Rio Branco para a J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus.172 BARROS, Nilson C. Crócia de. Roraima: paisagens e tempo na Amazônia Setentrional. 1995.

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O momento financeiro da empresa não era favorável a tal empreendimento;

assim, em uma carta expedida de Manaus para o Rio Branco, em 17 de julho de

1930, observa-se o seguinte teor: “Notamos o que nos dizem a respeito desses

trabalhos e lhes recomendamos mui especialmente a máxima economia em tudo

aquilo que for possível, pelo que a situação do momento assim o requer”173.

Mas em setembro daquele ano, a indústria de charque obteve do Ministério

da Agricultura autorização para funcionar legalmente, a qual foi denominada

Charqueada Columbia. A autorização detinha como recomendações a execução de

obras necessárias para a separação de seções e departamentos, assim como um

departamento destinado a fiscalização e separação de vísceras para um local

separado ao de tratamento da carne. Também havia a recomendação para que os

trabalhos não excedessem oito horas diárias e, caso necessário seu prolongamento,

que fosse solicitado ao Ministério174.

Com o projeto de produção da indústria, a firma contratou o Sr. Jayme

Vasconcelos para conduzir e orientar a administração do Rio Branco na produção do

charque. Consigo, Jayme Vasconcelos trouxe uma tabela de produção que, ao final,

obteria um total de quarenta e cinco toneladas de charque, previstas para o segundo

semestre de 1930 e o primeiro de 1931.

Período de 1930/1931 Quantidade(Toneladas)

Set/Out 4.000Out/Nov 5.000Nov/Dez 8.000Dez/Jan 10.000Jan/Fev 8.000Fev/Mar 6.000

Mar/Abr 4.000

Total 45.000

Quadro 5: Produção de charque (1930/1931)175

Fonte: Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 17 de julho de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.

173 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 17 de julho de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.174 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 15 de setembro de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.175 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 17 de julho de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.

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Juntamente à tabela, havia a informação de que este quantitativo poderia

sofrer alterações de acordo com as necessidades do momento e de que a firma no

Rio Branco ficasse preparada para atender tais necessidades, porém, era preciso

atentar para o sal (caríssimo à época), de modo que este fosse utilizado na medida

correta.

Outros departamentos da firma, no Rio Branco, tiveram cortes em seus

recursos financeiros, parece que a J.G. Araújo apostava todos os seus recursos na

indústria do charque. Tanto apostou que, em outubro de 1930, a indústria contava

com uma encomenda de aproximadamente quatro toneladas de charque e, para

tanto, seria necessário o remanejamento de gado e funcionários de outras fazendas

para ajudar na produção, segundo consta em carta de 10 de setembro de 1930.

Ficamos scientes de que iniciaram os trabalhos da presente temporada no dia 22 deste mês, para isso havendo recebido do Sr. Homero de Souza Cruz 40 bois gordos e 44 ditos velhos, das nossas e das fazendas do nosso chefe Sr. Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo. Notamos que pela informação prestada pelo referido Snr. a essa filial poderemos contar para a nossa temporada com 600 bois velhos e 500 ditos gordos das nossas fazendas e das de nosso citado chefe. Estamos em pleno acordo com a deliberação dos amigos no sentido de contractarem os quatro operários indispensáveis aos respectivos trabalhos, marcando-lhes ordenados mensaes, aos cargos dos quaes ficarão os trabalhos de extração de lenha e outros. Estamos certos de que, attendendo a situação do momento, os amigos conseguirão a maior economia possível em todos os trabalhos176.

Com esta empreitada, a firma se mantinha viva no Rio Branco e ajudava a

economia local a manter-se ereta, apesar de as vendas a crédito ou fiado estarem

praticamente proibidas naquele período de crise financeira. O charque serviu

também para abastecer outras atividades exercidas no interior do Rio Branco, em

especial na produção extrativista da balata e da castanha.

Finalmente, a 5 de outubro de 1933, o Ministério da Agricultura Industria e

Comércio, por meio da Diretoria Geral do Serviço de Industria Pastoril, concede sob

o no 983 o titulo de registro de fabrica de carnes e derivados o estabelecimento

industrial “Charqueada Calungá”, de propriedade de J.G. de Araújo & Cia. Ltda.

176 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 10 de dezembro de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.

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Figura 10: Titulo de Registro da Charqueada CalungáFonte: Acervo J.G. Araújo – Museu Amazônico

A empresa também precisou enfrentar outro problema de ordem burocrática,

os impostos municipais. Para titulo de ilustração, em 1932, as taxas tributárias

atingiram as cifras de Rs 920$000. Se lembrarmos que o mundo ainda se

recuperava dos impactos deixados pela quebra da bolsa de Nova Yorque, somado à

crise da borracha e conjuntura política econômica que o Brasil atravessava, investir

no Rio Branco não era tarefa fácil. A insatisfação da matriz ficou latente no enredo

de uma carta, trocada com a filial do Rio Branco de modo que pede-se que todos os

esforços sejam envidados para tentar reduzir as taxas tributárias:

Achamos, porém, desde já muito elevado este imposto, sobretudo em tratando-se da xarqueada que é uma industria que se inicia em beneficio local e assim será asfixiada com tais impostos e outras despesas que lhe pesam. Esperamos, portanto, que os amigos procurarão um meio de reduzi-lo aí de acordo com os exatores quanto possível. Embora que dentro da lei orçamentária vigente, achamos muito elevado também o imposto sobre bebidas e sobre ferragens e louças; portanto, os amigos procurem conseguir a redução que for possivel, em nosso beneficio, que muito agradecemnos. Devolvemo-lhes inclusive o respectivo talão.

Estes fatores incidiram em todos os ramos e atividades da empresa e, de

fato, para uma atividade nova como a indústria de charque a carga tributária

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prejudicava os negócios. De modo igual o ramo das atividades extratoras, como a

castanha, que além dos tributos passou a conviver com as constantes espoliações

de ouriços nas terras dos castanhais.

A coleta de castanha (Castanea vesca) no baixo rio Branco favorecia

economicamente a população que sobrevivia à custa desta coleta e que se situava

às margens do rio Branco 177. Juntamente com a caça e a pesca, estes foram os

produtos mais comercializados com os regatões.

A castanha da Amazônia tinha mercado certo na linha de exportação para

os países da Europa. No Rio Branco, a maior produtividade ocorria nas áreas

periféricas do rio Anauá, de forma que a colheita era feita pelos chamados coletores,

que atuavam para os atacadistas, e armazenada em barricas com capacidade para

60 litros de amêndoas a um custo que variava entre 25 e 40 mil réis. Por sua vez,

em Manaus, o produto chegava a ser vendido a preços que variavam de 150 a 200

mil réis o hectolitro178.

Observamos que em 1924, a firma J.G. Araújo & Cia. Ltda possuía no Rio

Branco os seguintes castanhais: Terra Preta, Mundo Novo, Jarú 1 e 2, Desengano e

Nova Vista. Destes, os castanhais Terra Preta e Mundo Novo, juntos, correspondiam

a uma área de 72.181.100 m2 e estavam avaliados em Rs 24.000$000, seus títulos

definitivos, respectivos, datavam de 07 de junho de 1924179.

A castanha, no período de 1913 a 1940, era um produto amazônico de

grande aceitação no mercado norte-americano. O que acabou atraindo o interesse

do comercio exportador, e passou a ter um destaque na pauta das exportações,

ficando atrás apenas dos diferentes tipos de borracha, de forma que em 1923, foram

exportadas para os Estados Unidos 32.455.299 litros de castanha180. Em Manaus a

firma J.G. Araújo possuía uma usina de beneficiamento de castanha, a qual

exportava para diversos países em 1926. Mais tarde o produto passou a ser

exportado por outra empresa especializada do grupo, a J.G. Araujo Co. Export.

177 BARROS, Nilson C. Crócia de. Roraima: paisagens e tempo na Amazônia Setentrional. 1995.178 SANTOS, Adair j. História da livre iniciativa: no desenvolvimento socioeconômico do estado de Roraima. Boa Vista: FECOMÉRCIO, 2004.179 Museu Amazônico. Acervo J.G. Araújo. Armário 01. Gaveta N°01.180 LOUREIRO, Antonio. Tempos de esperança. P.56

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Chegando essa empresa, em 1941, a liderar o ranking de empresas exportadoras de

castanha descascada181.

Ainda assim, devido à dimensão da área a ser explorada e vigiada, ficava a

propriedade a mercê de invasores que se apossavam dos frutos. A preocupação em

ter suas terras protegidas para que outros coletores não as invadissem gerando

prejuízo para a empresa J.G. Araújo, pode ser observada na correspondência de 19

de abril de 1933, onde verifica-se a seguinte denúncia:

O Sr. Miguel Lima nos veio reclamar uma exploração que diz haver feito nos fundos dos nossos castanhais denominados “Terra Preta” e “Mundo Novo” e estamos escrevendo ao Sr. Manoel Magalhães para que verifique se há razão na reclamação daquele senhor. Esta exploração, segundo afirma o Sr. Lima, dista seis horas de viagem da margem do Cojubim, para o centro, atravessando os castanhais “Terra Preta” e “Mundo Novo”, acima referidos, ficando próximos a Serra do Angola, do outro lado da Estrada Norasgaray de Vista Alegre e Serra da Lua. (...) Se a exploração que alude o Sr Miguel estiver fora destes limites, isto é, do lado oposto da Estrada Norasgaray, não podemos nos opor a que ele a continue a explorar, se efetivamente lhe pertence a exploração. É isso que lhe pedimos que de recomendarem ao Sr. Manoel Magalhães de se certificar e nos informar-nos com toda segurança para nosso governo. A exploração em apreço diz o Sr. Lima ficar a margem do Igarapé Barauaninha.182

Como podemos ver havia a preocupação da empresa em manter viva a

economia da extração da castanha no sul do Rio Branco, mas também percebemos

a apreensão com a baixa na produtividade como se pode ver em outro trecho da

citada carta:

Para nós foi uma desagradável surpresa o aviso telegráfico dos amigos de que a produção deste ano de todos os nossos castanhais do Cojubim é calculada apenas em 500 barricas, o que não corresponde absolutamente a nossa expectativa. Pedimo-lhes, pois, de intercederem junto ao Sr Manoel Magalhães no sentido de que sejam aproveitados todos os frutos da presente safra e estamos inclinados a crer que assim a colheita será superior aquela estimativa, que já é superior a de 300 barricas.

O que a empresa não poderia prever, é que no ano de 1943, com o

estabelecimento da Rubber Development Corporation, em decorrência dos acordos

de 1942 em Washington entre o governo brasileiro e americano. A exportação da

castanha iria sofrer duro golpe. Sendo suspensa por dois anos, a fim de liberar o

transporte para a borracha. Tal ação representava uma dura investida na economia

local, visto que as exportações de castanha representavam 38% do valor da pauta 181 BENCHIMOL, Samuel. Manáos-do-Amazonas. p. 265182 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933.

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de produtos exportados. E vinha crescendo gradativamente, atingindo em 1940,

mais de 16 toneladas do produto exportado183.

Mas as atividades extrativistas no Rio Branco forneceram outro produto além

da castanha, a balata. Esta ajudou a impulsionar a economia local uma vez que

graças a usina de beneficiamento em Manaus o produto passou a ter aceitação no

mercado, o que ajudou inúmero coletores no baixo rio Branco. De acordo com

Antonio Loureiro, foi graças à firma J. G. Araújo que a balata cresceu em

importância na pauta de exportações. A produção da balata que havia sido de 1

tonelada em 1917, passou para 439 toneladas do produto em 1924 e 2.031

toneladas em 1931184.

Embora o seringal Nova Descoberta pertencesse à empresa, a coleta de

borracha no baixo rio Branco nunca foi importante185. A planta produtora do látex

existente nesta área é a Hévea Benthamiana, que produz menos látex, de inferior

qualidade, e as árvores apresentam uma dispersão muito grande. Portanto a área

não sofreu a invasão de seringueiros que foi tão vigorosa e profunda em outras

partes da Amazônia. Ao lado desta Hévea, figurava a balata (Mimusops bidentata),

que também teve sua importância na economia do Rio Branco. As expedições de

balateiros eram compostas de canoas e batelões que também serviam de abrigo

para os balateiros. A balata também era extraída nos rios Ajarani, Cachorro, Alto

Apiaú e Paraná do Cujubim. O leite era transformado em blocos ou em lâminas e

transportado para Manaus186.

183 LOUREIRO, Antonio. Tempos de esperança. p. 57184 LOUREIRO, Antonio. Tempos de esperança (1917-1945). p. 53185 BARROS, Nilson C. Crócia de. Roraima: paisagens e tempo na Amazônia Setentrional. 1995.186 SANTOS, Adair j. História da livre iniciativa. 2004.

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Figura 11: Balateiros do baixo rio BrancoFonte: Arquivo pessoal Nélvio Paulo Dutra Santos.

Em relação à exploração da castanha e da balata no baixo rio Branco, Pedro

Eggerath, em 1924, expunha o seguinte:

Tratam com afinco apenas (e nesse caso são com poucas excepções exploradores que não podemos incluir na população fixa), da borracha, da balata e da castanha, cuja colheita e extracção não offerecem difficuldades, mas sim lucro certo; empregando processos os mais rotineiros, visando apenas a quantidade obtida, sem respeitar idade, nem se importando com a morte da arvore, golpeada verticalmente, resta como consolo apenas a certeza de que os manaciaes da borracha (Hevea Brasiliensis) e da balata (Massaranduba ou Mimusops) são quase inexgotaveis no Rio Branco187

Ainda sobre a balata, destacamos as transações feitas com Antonio

Pinheiro, um dos maiores fornecedores deste artigo para a firma. Ainda assim, o

adiantamento de mercadorias a crédito era o carro chefe para os negócios no Rio

Branco. Para este cidadão, em maio de 1930, a firma havia adiantado em

mercadorias a quantia de Rs 6.812$460, para que Antonio Pinheiro pudesse iniciar

seus trabalhos. A recomendação era para que a firma adiantasse o que fosse

necessário para o término da labuta188. Na medida em que Antonio Pinheiro fosse

187 EGGERATH, Pedro. O Valle e os índios do rio Branco. P.19188 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 23 de maio de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.

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aprontando os produtos, a firma poderia recolhê-los aos seus armazéns, a fim de

que aproveitasse os melhores preços. Em maio daquele ano, Antonio Pinheiro levou

da localidade de Mucajaí para Boa Vista 800 kilos de balata, somando um total de 2

toneladas. Desta quantidade de produto, a firma, no momento do pagamento,

retirava R$ 8$000 como desconto sobre os adiantamentos feitos ao fornecedor, e só

depois eram fechadas as devidas faturas sobre o restante do produto líquido.

Em correspondência trocada entre matriz e filial, no dia 12 de agosto de

1930, observa-se o misto de alegria em um bom negócio e a preocupação com o

escoamento da mercadoria para a praça de Manaus:

Notamos que o marginado chegara de Mocajahy trazendo 800 kilos de balata, que já lhes entregou, e ficando de baixar até o dia 25 deste mez mais cerca de 2.000 kilos já prompta e o mais que produzisse ainda o pessoal que ficou trabalhando. Pelo nosso aviso radiográfico de hontem, esperamos que providenciem sobre a baixa da alludida balata antes daquella epocha afim de aproveitar a vinda de nossa lancha que sairá d’aqui a 15 deste. Esperamos que os amigos envidem os seus melhores esforços no sentido de que todos os produtos dessa região que estejam promptos baixem a este porto em nossa lancha.

Certamente a exploração da balata era um grande negócio para a firma no

Rio Branco. Outro fornecedor de nome Antonio Dias Gonçalves, ao entregar 1.250

quilos de balata para a firma, recebeu como pagamento a quantia de Rs 1.000$000

e a promessa de que, após o verão, a cifra poderia melhorar ainda mais189.

Essa exploração de balata fez suscitar no Rio Branco um ponto de encontro

entre os comerciantes da Guiana Inglesa e a firma J.G. Araújo. Assim, a loja Filial

passou a receber da praça de Manaus lâminas e tapetes de borracha para que, uma

vez beneficiados, fossem transformados em sola de sapatos, carimbos e outros

artefatos no país vizinho.

Provavelmente o outro produto que, juntamente com o gado, trouxe lucro

para o Rio Branco e para a J.G. Araújo, tenha sido o tabaco. Inúmeras são as

correspondências que fazem menção a este produto. De fato, encontramos a

senhora Josefa Maria da Conceição, estabelecida no Rio Branco, em carta datada

de 23 de maio de 1930, para quem a empresa em Manaus determinava que a loja

Filial repassasse para a dita senhora o total de Rs 5.875$960 em mercadorias. Em

contrapartida. a Srª. Josefa mandaria para a firma 150 arrobas de tabaco. De modo 189 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 12 de outubro de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco

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igual, Sebastião Correia Lima receberia em mercadorias Rs 1.375$700 e mandaria

para a firma 25 arrobas de tabaco. A carta terminaria da seguinte forma:

TABACO: Ficamos scientes de que todos os fregueses que tem tabaco para embarcar a nossa consignação separem até o dia 10 de julho a ver si o Cojubim dará passagem para a lancha de maior calado, a fim de ir recebel-o todo de uma vez no porto, com grande economia, para evitar baldeações.190

Tal prática ocorria corriqueiramente com todos os fornecedores de

mercadorias da empresa, não apenas os de tabaco, mas de vários produtos, pois,

desta forma a empresa economizava com transporte e com tempo. Verifica-se

também a presença de um grande entrave no transporte para o Rio Branco, o

“Cojubim”, justamente a passagem nas corredeiras do Bem-Querer, próximo a

Caracaraí.

3.4 Reflexos da crise no Rio BrancoEm 1950, em um ensaio que previa o reajustamento econômico das

fazendas de gado que pertenciam a Sociedade de Comércio e Transporte Ltda., no

Rio Branco, Antonio Augusto Martins alegava que sempre foi um sério problema a

administração das fazendas de gado. Para o administrador geral da empresa,

mesmo quando o gado era vendido a bom preço, ao longo dos anos, nunca se

chegou a equilibrar receita com as despesas. Ano após ano, os gastos sempre

foram superiores aos lucros, sendo eles com o pagamento de funcionários,

manutenção das propriedades, sal e remédios para o gado e, principalmente, a

decorrente mortandade que o gado sofreu191.

Antonio Martins acreditava que se medidas mais duras, como a substituição

do atual administrador das fazendas, fosse tomada surgiria um maior aviltamento no

trabalho com o gado, até porque uma melhor administração levaria a um melhor

aproveitamento da criação de gado, o que poderia provocar uma alta nos preços do

bovino devido a melhor qualidade da carne. O gado vendido em 1948 atingia apenas

4,5% do total que a firma possuía, mesmo contando com o mercado da Venezuela e

as áreas de garimpo.

190 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 29 de maio de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco 191 Museu Amazônico. Relatório do Sr. Antonio Augusto Martins.

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A culpa por este fenômeno estava no tamanho da área das fazendas,

algumas com número pequeno de animais, o que tornava impossível para o

vaqueiro percorrer toda sua extensão. Outro fator era a grande quantidade de gado,

que, segundo Antonio Martins, era imprestável para qualquer uso, o que contribuía

para aumentar as despesas das fazendas. A solução apresentada era reduzir a área

e o número de fazendas e eliminar o gado imprestável primando pela qualidade,

desprezando a quantidade, seria uma das soluções.

A firma teve de cortar despesas em outras seções e departamentos, em

especial em suas fazendas. Homero Cruz, administrador das fazendas, por várias

vezes, foi aconselhado a cortar despesas, reduzir a folha de pagamento dos

empregados e até os salários dos funcionários. Em relação à loja Filial, Antonio

Martins recebeu especial recomendação de realizar vendas apenas a dinheiro, pois,

naquele período de crise esta era a forma mais segura de investimento192.

A matriz em Manaus se queixava da falta de mercadoria e da diminuição na

procura de produtos importados, assim como da falta de produtos de primeira

necessidade. Os gêneros de exportação só poderiam ser comprados se fossem de

fácil comercialização. As recomendações eram de que todos os meios para manter a

loja Filial em Boa Vista funcionando fossem postos em prática.

Com a crise, a loja teve de apelar para seu funcionário Homero de Souza

Cruz, proprietário do imóvel que abrigava a loja Filial, para que este reduzisse o

aluguel do imóvel de Rs 200$000 para Rs 120$000, caso contrário a sede da Filial

deveria procurar outro imóvel de menor valor193.

A retirada da empresa do Rio Branco se deve ao declínio que o grupo J.G.

Araújo experimentou nos anos 50. No que diz respeito especificamente aos

negócios no Rio Branco, outros fatos estão certamente ligados a este, tais como a

crise na pecuária causada pela ascensão do garimpo e pelas doenças que afetaram

os rebanhos nas décadas de 1920 e 1930, pela retomada de terras por parte do

governo federal e a ocupação por outras pessoas. O certo é que o prédio que servia

de sede da empresa, em Boa Vista, foi adquirido em 1954 pelo Sr Said Samou

Salomão, o qual inaugurou no local a Casa Bandeirante.

192 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 29 de maio de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.193 Museu Amazônico. Copiador Diversos Mar. 1930 a Dez. 1933. Carta datada de 29 de maio de 1930, da J.G. Araújo & Cia. Ltda, em Manaus, para sua loja filial em Boa Vista do Rio Branco.

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Atualmente o prédio que abrigou a sede daquela que foi a maior empresa

que o atual Estado de Roraima já possuiu encontra-se como representado na

fotografia abaixo. Parte dos móveis que estavam no interior do prédio foram

transferidos para a loja de Said Salomão, haja vista este senhor ter comprado o

imóvel em 1954.

Figura 12: Casa BandeiranteFonte: Arquivo pessoal de Rafaella Pereira.

3.5 O poder da empresa frente aos “coronéis de barranco”

Há muito as sociedades que se formaram ao longo dos anos se

consolidaram, ou tentaram se consolidar, baseadas em disputas pelo poder, sendo

este econômico, bélico, político ou por outras de suas representações.

Compactuando com Michel Foucault para quem, “o poder não é um objeto material,

uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente”194, busca-se

contemplar a discussão ora proposta com as práticas deste exercício no campo da

história da Amazônia.

As questões do poder na Amazônia, durante o início do século XX, têm suas

peculiaridades que decorrem, sobretudo, do momento econômico que a região

atravessava, mas também do momento político que o estado brasileiro atravessava,

194 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 24ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. p.X.

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aliás, era uma jovem República. Foi neste ínterim que as oligarquias e grupos

políticos se consolidaram similares ao coronelismo do nordeste brasileiro. Portanto,

a Amazônia viveu sua fase coronelista composta por seringalista e grandes

comerciantes (aviadores), que entraram para história conhecidos como “coronéis de

barranco”.

Cada lócus da Amazônia possuiu, e ainda possui, seus representantes.

Quase sempre esses autores sociais se utilizam de seu prestígio para controlar

determinada região. Assim, ocupam lugares nos meios políticos, econômicos e

midiádicos, por vezes assumindo o lugar do Estado, influenciando no destino da

região, assumindo o papel de polícia, de serviço social, de saúde, dentre outros. “O

que aparece como evidente é a existência de formas de poder diferentes do Estado,

a ele articuladas de maneiras variadas e que são indispensáveis inclusive a sua

sustentação e atuação eficaz195. Este é o caso daquele poder invisível que

discutimos na introdução, o mesmo que aprisiona o indivíduo em seu “lar”.

Os aviadores e regatões exerceram este trabalho com êxito e formalizaram

relações de fidelidade com diversos grupos sociais na Amazônia. Claro que seus

interesses eram pessoais, assim como os interesses daqueles que foram assistidos

pelos primeiros, contudo, o que fazer em rincões onde os braços do Estado não

chegam? Assim, o poder, mascarado por um falso assistencialismo, torna-se um

mecanismo de dominação, mesmo porque, no interior da Amazônia, o qual

abordamos, o poder político do Estado apresentava-se, na maioria das vezes, como

normativo.

Em relação ao poder político do Estado, Christopher Morris em alusão ao

que preconizou John Locke, afirma que “poder político é o direito de fazer as leis

com penalidades... para a regulamentação e preservação da propriedade, e de

empregar a força da comunidade, na execução de tais leis na defesa da Nação”196.

Esta prerrogativa foi utilizada, muitas vezes, por fazendeiros, seringalistas,

comerciantes e outros autores sociais para firmar seu poderio regional. Isso porque,

se nos depararmos com a ótica de Foucault, perceberemos que de fato “o poder não

195 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. p. XI.196 MORRIS, Christopher W. Um ensaio sobre o estado moderno. São Paulo: Landy, 2005.

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existe, existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder

é algo que se exerce, que se efetua, que funciona”197.

Entende-se no Brasil, como usual e adequado, aquilo que advém de uma

elite, mais ou menos, bem informada e detentora da propriedade, muitas vezes

precária ou ilegítima dos meios de produção. Mas que sempre acaba exercendo o

poder, e por vezes perpetuando o seu exercício por gerações, assim sendo, quando

se procura pesquisar a história regional, independente do lócus, deparamo-nos com

empecilhos de natureza política que, por vezes, se utilizam de influência e força para

impedir a conclusão, ou até mesmo o início de certos trabalhos.

Nas primeiras décadas do século XX, Boa Vista não possuía casas

bancárias nem financiamento público e o comércio era paupérrimo. Logo as relações

comerciais entre os homens do interior e a firma J.G. Araújo, no que se refere aos

aviamentos, passaram a ser mais controladas, tendo baixo nível de inadimplência.

As mercadorias eram entregues aos consumidores que, pagavam o financiamento

com gado, ouro, farinha, diamante e tabaco. Durante o inverno, Antonio Martins

descia para Manaus com toda safra anual para prestar contas com os patrões.

Os que chegavam à aventura dos garimpos de ouro e diamantes, os que se

dedicavam à criação de gado, os plantadores de tabaco, balateiros e coletores de

castanhas todos procuravam a loja para fazer negócios de compra e venda. Quando

não honravam seus compromissos, a loja tomava, por via da justiça, a fazenda ou

outros bens, e assim ia enriquecendo cada vez mais seu patrimônio.

E foi, também, por causa da execução de uma dessas e outras dívidas que

o antigo gerente da J.G. Araújo no Rio Branco, Sr. Teodoro Mariante da Silva, em

1928, foi morto na Nova Fazenda, às margens do rio Uraricoera. Nos autos do

inquérito, na seção “Explicação Necessária”, aponta que os responsáveis pela

bárbara sangueria de 21 de abril de 1928, eram o Sr. Adolfo Brasil e seu pai, Bento

Ferreira Marques Brasil, assim descrevia o escrivão do Superior Tribunal de Justiça

do Estado do Amazonas o ocorrido:

têm procurado fazer crer aos que desconhecem os fatos e os processos criminosos de que costumam lançar mão para resolver as suas pendências e transações de comércio, que foram levados a ordenar e fazer executar aqueles hediondos assassinatos198.

197 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. p. XIV.

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Cirino (2008) aponta outra explicação para o assassinato do depositário

judicial da empresa J.G. Araújo & Cia. Ltda., Sr. Antonio Pinheiro199. De acordo com

o autor, o ocorrido teria sido uma vingança por parte de Adolfo Brasil, por ocasião da

morte do então prefeito de Boa Vista do Rio Branco, o Sr. Jaime Brasil (morto pelas

mãos de Antonio Pinheiro e de seu irmão, Lafaiete Pinheiro). Aliás, o autor nos

mostra que a prática do banditismo era comum por toda extensão do Rio Branco,

pois não havia os olhos do poder central.

Foi preciso que surgisse uma pendência comercial, um compromisso formal,

assumido por Bento Ferreira Marques Brasil, para que a vingança pela morte de seu

ente fosse levada a cabo. Além do depositário da empresa, também foram mortos o

administrador das fazendas da J. G. Araújo & Cia. Ltda., Sr. Teodoro Mariante da

Silva e o Oficial de Justiça Newton Lago, além de ter deixado gravemente ferido o

capataz da Nova Fazenda, o Sr. Alberico Pinheiro. Os corpos de Antonio Pinheiro e

de Teodoro Mariante foram sepultados em Nova Fazenda, no mesmo dia do

assassinato, já o corpo do Oficial de Justiça, Newton Lago, foi sepultado no mesmo

local, mas no dia seguinte. Antonio Pinheiro teve as orelhas cortadas e, segundo os

autos, estas seriam enviadas à viúva de Jaime Brasil200.

Anterior aos fatos ocorridos em Nova Fazenda, o advogado da empresa, Dr.

Manoel Adolpho Pereira Gomes, foi vítima de uma surra dada por alguns dos

participantes da chacina. Este fato ocorreu em frente à casa de Adolpho Brasil,

onde, momentos antes, o advogado teria ido a fim de tratar de assuntos referentes à

penhora da fazenda Consolação, de propriedade de Bento Ferreira Marques Brasil e

administrada por seu filho, Adolpho Brasil.

É mister salientar que Bento Brasil era um homem poderoso na região do

Rio Branco, sendo eleito deputado por diversas vezes, motivo pelo qual adquiriu

“respeito” por parte dos moradores locais. Além disso, seus ancestrais vinham de

uma família de militares do Exército, tendo inclusive representantes da família no

comando do Forte de São Joaquim. Motivo pelo qual adquiriram glebas de terras no

198 DA SILVA, Francisco Pereira. Os covardes e bárbaros assassinatos de Nova Fazenda. Manaus: Oficinas Gráficas da Papelaria Velho Lino, 1934. p.3.199 CIRINO, Carlos Alberto Marinho. A “Boa Nova” na língua indígena: contornos da evangelização dos Wapischana no século XX. Boa Vista: Editora da UFRR, 2008.200 DA SILVA, Francisco Pereira. Os covardes e bárbaros assassinatos de Nova Fazenda. 1934. p. 193.

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Rio Branco e fundaram fazendas, além de ter o controle inicial da navegação entre

Boa Vista e Manaus.

Em 1907, o Coronel Bento Ferreira Marques Brasil foi adquirindo dívidas que

ao longo dos anos, ocasionou um acúmulo. No ano de 1925, a divida atingiu a cifra

de Rs 373:000$000, dos quais foram pagos 28:609$900, restando 344:391$100.

Contudo, essa dívida já havia atingido uma cifra maior, Rs 505:000$000, a qual foi

reconhecida por Bento Ferreira Marques Brasil no dia 16 de maio de 1907201.

Dentre as transações comerciais que originaram tamanha dívida, podem ser

citadas as inúmeras viagens de transporte de gado entre o Rio Branco e Manaus,

assim como miudezas em geral adquiridas na loja Filial de J.G. Araújo & Cia. Ltda.

Em 1925, a firma J.G. Araújo moveu uma ação executiva contra Bento Ferreira

Marques Brasil e, em comum acordo, parcelando o pagamento da dívida em quatro

notas promissórias. Contudo, a atitude do Coronel Bento Brasil foi a promoção de

falsificação de documentos, em especial de notas promissórias, procurando provar o

pagamento da dívida e assim ludibriar o júri. Naquela ocasião, nos autos do inquérito

transcritos consta que:

A falsificação argüida nesse provará, foi um expediente de rara infelicidade, posto em prática para se atribuir ao credor exeqüente um ato contrário a probidade comercial, de que a firma J.G. Araújo & Co., Ltd. foi sempre um exemplo, digno de imitação. O falsificador foi tão desastrado que não refletiu na facilidade de ser feita a prova cabal de que a nota promissória fora adulterada posteriormente a sua entrada nos autos. [...], mas ficou plenamente provado que o mesmo foi levado a efeito com o duplo fim: 1o – de se lançar contra a firma J.G. Araújo & Co., Ltd. as diatribes constantes do articulado acima transcrito; 2o – de se procurar um meio qualquer para diminuir a responsabilidade de uma dívida comprovada por títulos mercantis líquidos e certos 202.

É importante citar que a decisão final do Superior Tribunal de Justiça, que

julgou a ação, uma vez que Bento Ferreira Marques Brasil alegou não poder efetuar

o pagamento nem possuir bens em Manaus que pudesse oferecer a penhora, foi

requerida carta precatória para o Juízo de Direto de Boa Vista do Rio Branco, a fim

de que ali fosse procedida a penhora dos bens do devedor, que fossem encontrados

e suficientes para o pagamento da dívida, juros e custas, podendo ser estes bens:

gados, terras, currais, cercados e casas, em diversas fazendas do executado. Ficou

acordado, ainda, que o gado penhorado deveria ter sido destacado do rebanho 201 DA SILVA, Francisco Pereira. Os covardes e bárbaros assassinatos de Nova Fazenda. 1934. p.8.202 DA SILVA, Francisco Pereira. Os covardes e bárbaros assassinatos de Nova Fazenda. 1934. p 10.

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pertencente ao devedor, o qual seria superior a 15.000 cabeças. E, por este motivo,

na situação da execução da penhora, ocorreu a chacina contra os funcionários da

firma J.G. Araújo & Cia. Ltda.

Em 1925, a partir de determinação judicial, foi executado um levantamento

dos bens pertencentes a Bento Ferreira Marques Brasil para serem penhorados

(quadro 6). Esclarecemos que os dados que constam no quadro a seguir não estão

presentes nos autos do inquérito, estes se encontram no Museu Amazônico junto as

documentações da firma J.G. Araújo & Cia. Ltda., e conforme consta, estão

expressos os preços dos gados, benfeitorias, etc.

BENS Valor Rs$Nova Fazenda 156.975$000

Fazenda Tarame 193.050$000

Fazenda São Pedro 16.510$000

Fazenda Titiare 59.040$000

Fazenda Boca do Beijo 21.850$000

Terras na boca do Cauamé 4.000$000

Casa em Boa Vista 6.000$000

Valor total 457.425$000

Quadro 6: Bens de Bento Brasil em 1925.Fonte: Museu Amazônico. Acervo J.G. Araújo. Armário 01. Gaveta N°01

Foi em decorrência de tal fatalidade, que Joaquim Gonçalves de Araújo

convidou o Sr. Antonio de Souza Martins para que assumisse a gerência da

empresa no Rio Branco. Sob sua gerência, a firma também se tornou um império

comercial, e seu gerente, um dos homens mais importantes da região, nas décadas

de 1930 e 1940, vindo a ser eleito o primeiro Deputado Federal pelo Rio Branco,

desbancando a hegemonia da família Brasil. Boa Vista era uma cidade muito

pequena e governada por prefeitos de poucos recursos e dependente do governo do

Amazonas203.

A disputa pelo poder entre J.G. Araújo e as elites locais, sobretudo a família

Brasil, era tão clara, que o americano Hamilton Rice, em sua expedição pelo Rio

Branco em 1924, já observava a existência de dois grupos de interesse, em que

203 FREITAS, Aimberê. Figuras de nossa história. 1999.

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repousavam os destinos da população do Rio Branco. Um deles era o grupo do

Coronel Bento Brasil, o qual, pelo que indica nos autos do inquérito sobre a

“chacina” em Nova Fazenda, estava evolvido como mandante do crime:

[...] Bento Brasil, um dos grandes proprietários de terra do Rio Branco. Seus Domínios compreendem a maior parte dos terrenos da Margem esquerda do Branco e do Uraricoera, desde Boa Vista até a embocadura do rio Majarí, enquanto que do lado oposto, em igual extensão, os terrenos pertencem ao Sr. Araújo, conhecido por todos como J G Araújo. Esses dois homens são chefes de dois partidos opostos, nas suas mãos parecem repousar os desti-nos imediatos da população do Rio Branco 204.

Essa observação de Hamilton Rice, além de esconder, em parte, um de

seus patrocinadores, da tão afamada expedição à “Guiana Brasileira”, o comendador

Joaquim Gonçalves de Araújo, apresenta também o mapa político do Rio Branco,

vindo inclusive a delimitar os pontos geográficos do poderio de cada mandante.

Cirino (2008) relata que o império comercial de J.G. Araújo passa a interferir

tanto economicamente quanto do ponto de vista político, ao expandir suas atividades

no Rio Branco. Esse domínio afetou os negócios comerciais e latifundiários do então

Coronel Bento Brasil205. A influência da empresa e de seu gerente era tamanha que,

em 7 de setembro de 1944, Antonio Martins ajudou a fundar a Associação Comercial

do Rio Branco, sendo ele o seu primeiro presidente206. Interessante o fato de que,

dentre os fundadores da Associação Comercial, aparece o nome de Adolpho Brasil,

um dos executores do crime contra os funcionários da firma em Nova Fazenda. Mas

é necessário observar que o momento político é outro, pois Boa Vista do Rio Branco

tornou-se Território Federal e precisava ser forte ante as demais unidades da

federação.

204 RICE, Hamilton. Exploração na Guiana Brasileira. 1978. p. 27.205 CIRINO, Carlos Alberto Marinho. A “Boa Nova” na língua indígena: contornos da evangelização dos Wapischana no século XX. Boa Vista: Editora da UFRR, 2008.206 A Associação Comercial e Industrial de Roraima – ACIR, foi fundada em 07 de setembro de 1944, por Antonio Augusto Martins, João José de Brito, Abrahim Jorge Fraxe, Antonio Marcelaro, Luciano Bezerra da Silva, Nilo Melo, Luiz Bezerra de Araújo, Clodoaldo Pereira de Melo, José Pereira Filho, Jorge Simão Luis, Joaquim Tomé, Domingos Abdala, Felipe Moisés Xaud, Milton Miranda, Habib Jorge Fraxe, Said Samou Salomão, Dahas Abrahim, Antonio Luitgards Moura, Abrahim Xaud, Bráulio Barbosa de Araújo, Cecílio Pereira do Carmo, José Celestino da Luz, Homero de Souza Cruz, Alexandre Teles de Andrade, Raimundo Mota Cavalcante, Cristina de Matos Reis, Adolfo Brasil, Salustino Liberato, Severino Nunes da Cruz, João Bezerra de Araújo, Alcides da Conceição Lima, Paulo Pereira, Bernardino Dias de Souza Cruz e João Pereira de Melo, localizada na Av. Jaime Brasil nº 233, 1º andar, Centro, em boa Vista – Roraima, com sede e foro nesta capital, é uma sociedade com personalidade jurídica distinta da dos seus sócios.

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Depois que o Território Federal de Roraima foi criado, em 1943, foi Antonio

Martins eleito o primeiro Deputado Federal, em 1947, derrotando nas urnas os

representantes das famílias Brasil e Souza Cruz, os quais eram muito influentes na

região durante aquele período207.

207 FREITAS, Aimberê. Figuras de nossa história. 1999.

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CONCLUSÃO

O estudo da empresa J. G. Araújo & Cia. Ltda. no município de Boa Vista do

Rio Branco se mostrou mais que uma história empresarial, ela veio ajudar a desvelar

algumas nuances que passaram despercebidas na constituição da história de

Roraima e que refletem, ainda hoje, na cultura social roraimense.

Apesar das dificuldades que o município atravessou nas primeiras décadas

do século XX, e aí, destacam-se: epidemias, praga de gafanhotos, mortandade do

gado, transporte do gado, conflitos políticos; percebeu-se que a empresa J. G.

Araújo & Cia. Ltda. conseguia movimentar a economia no município, lançando mãos

de diversos produtos obtidos no município.

Como ilustração, podemos citar o abastecimento de gado para Manaus,

mesmo durante o período de estiagem. Também podemos salientar a empreitada

que foi a indústria de charque, que vendia seu produto para outros estados da

federação. O comércio com os países limítrofes: Venezuela e Guiana Inglesa. O

fornecimento de tabaco, castanha e balata para Manaus.

Para tanto, a administração da empresa, por vezes, estava divida, de modo

que, cada uma de suas seções tinha um administrador próprio, por exemplo: a

seção de gado foi administrada, durante algum tempo, por Jesus Cruz; a Seção de

extração de balata e castanha foi administrada por Homero Cruz, o administrador

geral da empresa no Rio Branco foi Antonio Augusto Martins, que sucedeu Antonio

Pinheiro, assassinado em Nova Fazenda.

O processo de acumulação está diretamente atrelado a imensa extensão de

terra que a empresa adquiriu ao longo dos anos e as inúmeras atividades comerciais

exercidas na região. As quarenta fazendas, os seis castanhais, o seringal, os

diversos lotes e terrenos, juntos, equivaliam a uma área aproximada de

3.337.107.887 m2, sem contar com os lotes e terrenos urbanos na sede do

município. Como visto, a acumulação também é conseqüência da cobrança de

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dividas, como aquela que Bento Ferreira Marques Brasil possuía com empresa, no

valor de Rs 505:000$000, se bem observado, ver-se-á que, por ocasião da avaliação

dos bens de Bento Brasil, mesmo que este os entregasse a empresa, ainda assim,

ficaria devendo a J.G. Araújo & Cia. Ltda. Algo parecido já havia acontecido com

Sebastião Diniz que, aos poucos, entregou suas posses para empresa. Além de

muitos outros devedores. Esse fenômeno não era exclusivo do Rio Branco, a

empresa agia de forma igual por toda Amazônia.

Isso também serviu para caracterizar o poder da empresa e de seus

proprietários e administradores. Se na Amazônia o nome de Joaquim Gonçalves de

Araújo, personagem que jamais visitou o Rio Branco, era respeitado, assim como

sua empresa, no Rio Branco o nome de Antonio Augusto Martins tinha o mesmo

respeito. O fato de o administrador ter sido eleito Deputado Federal exemplifica

muito bem este “fenômeno”.

Este poder que a empresa exerceu no Rio Branco nos faz perceber que as

representações impregnadas na mentalidade das pessoas ajudam a quem detém o

poder a exercê-lo por mais tempo. Ao se identificarem com os “donos do poder” os

indivíduos passam a aceitar suas imposições, mesmo que não percebam, e assim

agem como se fosse dentro da normalidade, como os laços de fidelidade entre

aviadores e aviados, por exemplo.

Mas a grandiosidade da empresa, no domínio da navegação, na quantidade

de fazendas, castanhais e terreno, na indústria de charque, fazia com que a

população do Rio Branco estivesse, por vezes, dependente da mesma. A empresa

chegava onde o Estado não se fazia presente, atuando, por vezes, de forma

paternalista, junto a população. O filme “No rastro do El Dorado” representa o que

estamos descrevendo.

Verifica-se, portanto, que o surgimento, a expansão e a longevidade da

empresa amazonense J.G. Araújo & Cia. Ltda. se deve à existência de pessoas ou

de empresas que mediaram às relações entre os produtores e empresários ligados

ao extrativismo, e os diversos atores sociais.

Por outro lado, sua decadência e extinção estão relacionadas à falta de

adequação à modernização que ocorreu no mercado com o passar dos anos. A falta

de capacidade de ajustar e adaptar o grupo empresarial às necessidades e

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transformações ocorridas em Manaus e na Amazônia Ocidental, no período de

recuperação do pós-guerra. Além disso, a falta de continuidade, por parte dos filhos

de Joaquim Gonçalves de Araújo, no engajamento com a empresa fez com que a

mesma fosse entregue nas mãos de terceiros os quais não conseguiram mantê-la.

No Rio Branco, o nome da empresa, mesmo depois da aquisição feita por

Said Salomão, se manteve por anos, quando se referiam ao comércio local. Muito do

que pertenceu aos antigos donos ainda podem ser encontrados nas dependências

da loja Said Salomão, no centro de Boa Vista, localizada a poucos metros da antiga

sede da Loja Filial. Quanto aos demais bens que a empresa possuía, tais como:

Fazendas, castanhais, casas, terrenos, a charqueada e outros, em parte foram

assimiladas pelos funcionários, que tornaram-se donos das fazendas ou dos retiros

que tomavam conta, outros foram vendidos.

O saudosismo ainda está presente na memória daqueles que viveram

aquela época. Em especial quando se fala do período da mineração de ouro e

diamante na Serra do Tepequém, quando a J.G. Araújo fornecia os gêneros aos

garimpeiros recebendo o pagamento em ouro ou diamante, ou mesmo comprando

os minerais dos garimpeiros. O livro de Platão Arantes revela parte desta memória

ao citar o assalto a loja durante este período de mineração. Além disso, os

copiadores de carta mostram que durante o inicio da década de 1930 o ouro serviu

como moeda nas transações comerciais do Rio Branco.

Por esta não se tratar de uma pesquisa cujo uso da história oral tivesse sido

utilizada não nos foi possível gravar entrevistas com ex-funcionários da empresa no

Rio Branco. Contudo, em conversas com tais pessoas ficou latente esta informação,

porém, sua validade só terá real valor quando uma nova pesquisa, com este intuito

for realizada e assim poder-se-á comprovar tal hipótese.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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