15
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010 1 Comunicação e Mundo do Trabalho: uma Abordagem de Gênero 1 Edilma RODRIGUES dos Santos 2 Universidade de São Paulo, São Paulo, SP CAPES Resumo O presente artigo aborda questões de gênero e do mundo do trabalho a partir da comunicação e da linguagem para refletir sobre a condição da mulher na sociedade atual e pensar caminhos teóricos para desenvolver o tema. A comunicação, em sua perspectiva interdisciplinar, ou seja, marcada pelas relações sociais, subjetividade e contexto sócio-histórico-cultural, tanto é parte do trabalho, sendo usada para sua realização, como está presente nas interações inerentes a ele. A reflexão parte de três pressupostos: 1) a centralidade da comunicação no trabalho e na constituição do humano, 2) a importância do trabalho, entendido como atividade humana e eixo para emancipação e exercício da cidadania e 3) a persistência da divisão sexual do trabalho e de desigualdades como salários mais baixos, apesar da crescente participação das mulheres no mundo do trabalho remunerado. Palavras-chave Comunicação; mundo do trabalho; gênero; linguagem Introdução A partir da década de 1970, no mesmo período que tiveram início a reestruturação do capitalismo e as transformações no mundo trabalho (catalisadas pela tecnologia da informação), a sociedade passou por mudanças nos modos de viver e de trabalhar. Os meios de comunicação e a revolução sexual – iniciada na década anterior e ampliada pela disseminação dos métodos contraceptivos e o divórcio – mudaram comportamentos, permitindo que a mulher buscasse seu espaço profissional. O ingresso de um número cada vez maior de mulheres no mercado de trabalho também vem modificando a sociedade e, em especial, a organização familiar. Na esfera do trabalho, a tecnologia e a globalização (ferramentas do capitalismo flexível) alteraram as formas de trabalhar e suas relações, ensejando novas mediações e novas formas de constituição de sentidos. Os trabalhadores, sob a hegemonia do paradigma do profissional polivalente, passam a se preocupar e a buscar um conceito surgido dessa nova base, a empregabilidade. 1 Trabalho apresentado no DT 8 – Estudos Interdisciplinares do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste realizado de 13 a 15 de maio de 2010. 2 Mestranda em Ciências da Comunicação da ECA-USP, email: [email protected]

Comunicação e Mundo do Trabalho: uma Abordagem de …

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

1

Comunicação e Mundo do Trabalho: uma Abordagem de Gênero1

Edilma RODRIGUES dos Santos2

Universidade de São Paulo, São Paulo, SP

CAPES

Resumo O presente artigo aborda questões de gênero e do mundo do trabalho a partir da comunicação e da linguagem para refletir sobre a condição da mulher na sociedade atual e pensar caminhos teóricos para desenvolver o tema. A comunicação, em sua perspectiva interdisciplinar, ou seja, marcada pelas relações sociais, subjetividade e contexto sócio-histórico-cultural, tanto é parte do trabalho, sendo usada para sua realização, como está presente nas interações inerentes a ele. A reflexão parte de três pressupostos: 1) a centralidade da comunicação no trabalho e na constituição do humano, 2) a importância do trabalho, entendido como atividade humana e eixo para emancipação e exercício da cidadania e 3) a persistência da divisão sexual do trabalho e de desigualdades como salários mais baixos, apesar da crescente participação das mulheres no mundo do trabalho remunerado.

Palavras-chave Comunicação; mundo do trabalho; gênero; linguagem Introdução

A partir da década de 1970, no mesmo período que tiveram início a reestruturação do

capitalismo e as transformações no mundo trabalho (catalisadas pela tecnologia da

informação), a sociedade passou por mudanças nos modos de viver e de trabalhar. Os meios

de comunicação e a revolução sexual – iniciada na década anterior e ampliada pela

disseminação dos métodos contraceptivos e o divórcio – mudaram comportamentos,

permitindo que a mulher buscasse seu espaço profissional. O ingresso de um número cada vez

maior de mulheres no mercado de trabalho também vem modificando a sociedade e, em

especial, a organização familiar.

Na esfera do trabalho, a tecnologia e a globalização (ferramentas do capitalismo flexível)

alteraram as formas de trabalhar e suas relações, ensejando novas mediações e novas formas de

constituição de sentidos. Os trabalhadores, sob a hegemonia do paradigma do profissional

polivalente, passam a se preocupar e a buscar um conceito surgido dessa nova base, a

empregabilidade.

1 Trabalho apresentado no DT 8 – Estudos Interdisciplinares do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste realizado de 13 a 15 de maio de 2010. 2 Mestranda em Ciências da Comunicação da ECA-USP, email: [email protected]

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

2

Tentaremos delinear teoricamente a imbricação entre comunicação, mundo do trabalho e

gênero, considerando que a comunicação está presente em todos os processos de trabalho e,

antes disso, na constituição do humano; a linguagem é um dos principais vetores de produção

de sentidos; o ambiente do trabalho se assemelha a uma comunidade discursiva que adere a

discursos semelhantes e a crescente inserção da mulher neste espaço. A proposta é reunir

estudos interdisciplinares sobre linguagem e pensamento a partir do instrumental teórico, o

binômio comunicação e trabalho, para pensar a expressão feminina como fenômeno

comunicacional no mundo do trabalho.

O social na comunicação e na linguagem

A comunicação atua no funcionamento completo da sociedade. É lugar em que são

marcados os efeitos da dominação, as negociações e as re-apropriações dos conteúdos pelos

sujeitos, bem como sua “refração”. Ela constitui o humano e está presente em todas as esferas

da vida, emergindo da interação com o outro. Para Dominique Wolton: A comunicação é sempre a busca da relação e do compartilhamento com o outro. Atravessa todas as atividades: lazer, trabalho, educação, política, concerne a todos os meios sociais, a todas as classes sociais, a todas as idades e a todos os continentes, tanto aos ricos quanto aos pobres. É ao mesmo tempo símbolo de liberdade, de democracia, de abertura, de emancipação e de consumo, enfim, de modernidade. [...] o principal da comunicação humana é a voz. [...] Comunicar é antes de tudo expressar-se. [...] Mas expressar-se não basta para garantir a comunicação [...] a expressão não é senão o primeiro tempo da comunicação. O segundo tempo, a construção da relação, é obviamente mais complicado no plano pessoal, familiar, político e cultural (2006, p.13-14)

Se a comunicação é formada pelos dois tempos de que Wolton fala (expressar e construir

a relação), fica evidenciada a natureza eminentemente social desse fenômeno, o que evoca o

percurso teórico de Bakhtin para compreensão da linguagem: “A estrutura da enunciação e da

atividade mental a exprimir são de natureza social.” (BAKHTIN, 1988, p. 122)

Bakhtin afirma que a linguagem se constitui em discurso e ultrapassa a dimensão

meramente comunicativa, uma vez que os sujeitos se formam nas relações sociais. A palavra,

componente primeiro do exprimir, situa-se na fronteira entre o ‘eu’ e o ‘outro’,

ressignificando-se de acordo com o contexto histórico e social. Este signo lingüístico

transmite ideologia, sendo objeto profícuo para refletir sobre os modos hegemônicos de

significação do feminino, principalmente diante de um contexto marcado por transformações

e balizador de relações como é o mundo do trabalho. O valor exemplar, a representatividade da palavra como fenômeno ideológico e a excepcional nitidez de sua estrutura semiótica já deveriam nos fornecer razões suficientes para colocarmos a palavra em primeiro plano no estudo das ideologias. [...] É preciso fazer

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

3

uma análise profunda e aguda da palavra como signo social para compreender seu funcionamento como instrumento da consciência. [...] As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de tramas a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma [...] A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais. (BAKHTIN, 1988, p.36, 37 e 41)

A linguagem se caracteriza pela integração de códigos que se interpenetram, formando

textos e discursos carregados de valores e subjetividades. A professora Maria Lurdes Motter a

resume como sendo “o suporte material de um sistema de sinais e dos conteúdos semânticos

desses sinais (sem os quais os sinais deixariam de ser uma linguagem). Portanto, a palavra

não pode existir sem o pensamento.” (1994, p. 68) Esta imbricação entre palavra (linguagem)

e pensamento põe em cena outro pensador importante. Adam Schaff mostra como é

fundamental entender que a linguagem é socialmente transmitida e que ela molda o

pensamento. Aprendemos a pensar a partir dela e dos signos que nos são ensinados, o que

evidencia sua carga simbólica.

E mesmo não sendo o único fator que determina o pensamento, a linguagem é de grande

importância. “Mas essa herança das gerações passadas exerce uma acção omnipotente e das

mais despóticas sobre a nossa visão atual de mundo, desde a sua articulação na percepção

sensitiva até aos matizes emocionais do nosso pensamento cognitivo” (SCHAFF, 1974, p.251)

O filósofo polonês baseia seu estudo na concepção marxista do indivíduo, ou seja, na

relação entre suas características biológicas e sociais, afirmando que “A espécie Homo-

sapiens não se distingue, na natureza, somente por suas propriedades biológicas, mas

também – e, em certo sentido, sobretudo – por propriedades sócio-históricas.” (1967, p.64).

E designa o indivíduo como “Um ser coletivo, realmente individual.” (1967, p. 66).

Ainda segundo Schaff, a estrutura psicofísica é historicamente formada, uma vez que “o

homem se transforma e se cria ao modificar suas condições de existência.” (1967, p. 78), o

que indica que para abolir as desigualdades de gênero, de raça e de condições de acesso é

preciso reeducar a sociedade e melhorar suas condições. A linguagem é co-criadora da

cultura. Neste sentido, tanto o significado das coisas como seu valor simbólico e ideológico

são transmitidos, via linguagem, quando começamos a desenvolver a habilidade de falar. A

carga simbólica vem com este aprendizado, que é reforçado na educação formal e nos grupos

sociais a que pertencemos. Assim se cristalizam conceitos e estereótipos no tecido social.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

4

A abordagem interdisciplinar da comunicação se mostra necessária para compreender a

condição feminina no mundo do trabalho, uma vez que o discurso é marcado pelas relações

sociais, subjetividades e contexto sócio-histórico-cultural.

Comunicação e trabalho

O binômio comunicação e trabalho é o instrumental teórico que mobilizamos.

Primeiramente, devido à importância da comunicação nas relações sociais e particularmente

nas relações de trabalho. A comunicação está em todas as suas trocas internas e na relação que

se estabelece no trabalho. Ela também é usada para o trabalho, nas diversas formas de

organizar os conhecimentos para tornar comuns pontos de vista, projetos, opiniões,

expressadas por meio de apresentações, reuniões pessoais ou virtuais, por e-mails, cartas ou

outros formatos usados para trabalhar.

O trabalho não existe sem comunicação e a comunicação é parte integrante do trabalho.

O estudo da comunicação e do trabalho ganha relevo no contexto sócio-econômico atual,

especialmente, se considerarmos o trabalho como o principal meio de subsistência e de

interação com outras pessoas na atualidade, além de ser espaço de mediação privilegiado e em

intensa transformação. Por ser uma atividade de interação com outras pessoas, o trabalho

encerra muitas dimensões, que vão além da troca da força física ou intelectual pelo pagamento

do salário. Da mesma forma, a comunicação é uma atividade, um percurso do pensar, que

implica na realização do sujeito falante. A professora Roseli Fígaro, que estuda o binômio,

afirma que: Se trabalhar é sempre trabalhar com o outro e comunicar é relação, troca, re-elaboração, podemos afirmar que ambos, comunicação e trabalho, atuam na construção dos conjuntos de valores que se renovam ou se cristalizam a cada escolha feita, a cada decisão do uso de si por si mesmo. (2009, p. 38)

Mundo do trabalho: espaço de significação

O mundo do trabalho pode ser visto como local de relações sociais intensas, onde grupos

e indivíduos interagem discursivamente, estabelecendo relações de produção e de poder.

Podemos também considerar que tais relações de poder são constituídas simbolicamente a

partir de estruturas internas e externas. As internas são aquelas forjadas no ambiente do

trabalho e as externas são compostas por subjetividades, por valores que circulam na

sociedade e pelos modos hegemônicos de relações de sociais.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

5

Nas estruturas internas se encontram os níveis hierárquicos formais, que constam no

organograma das empresas, e hierarquias informais, que são estabelecidas no convívio, nas

relações de reciprocidade, nos antagonismos, nas concepções dos papéis sociais e que

envolvem elementos mais complexos e valorativos, tais como o respeito, a admiração, o

reconhecimento, a indiferença, o preconceito, entre outros. Há também as próprias regras que

distinguem o que é mais ou menos adequado e o que é inadequado para a corporação, que vai

valorizar determinados conjuntos de características em detrimento de outros.

As construções externas são absorvidas pelas organizações e influenciam na hierarquia

que se irá assumir na empresa. As relações de poder válidas para a sociedade como as

experiências e filtros pessoais, os comportamentos valorizados por grupos ou formadores de

opinião, a origem pessoal e acadêmica e os preconceitos também entram na disputa pela

constituição hierárquica, seja ela formal ou não, dentro das organizações. As relações e

percepções de gênero que se realizam fora desse ambiente vão se integrar a outras que

circulam internamente.

Este cenário enseja embates que ultrapassam a relação de troca e orbitam na manutenção

do emprego para a sobrevivência, na busca por melhores salários, na esfera da constituição

dos sentidos e das representações e simbolismos (expressos de diversas formas, mas

principalmente por meio da linguagem).

Outras dimensões do trabalho

O trabalho tem a capacidade de regular todas as outras atividades da vida. Ele regula o

tempo livre, o tempo dedicado ao aprimoramento profissional, a conciliação com outras

atividades e com a família. Tudo é feito a partir das possibilidades deixadas pelo tempo do

trabalho. O próprio ciclo de vida é regulado pelo trabalho. É comum falarmos em idade

produtiva, delimitada de 18 a 60 anos ou próxima a isto. Ser produtivo é valor caro nas

sociedades ocidentais. As faixas etárias fora deste intervalo são menos prestigiadas e algumas

precisam de leis para preservar direitos3. Palavras com significados negativos são associadas

àqueles que não trabalham. Por exemplo, vagabundo para quem não quer trabalhar; incapaz

para quem não pode trabalhar seja por limitações físicas, intelectuais ou de formação

profissional, sejam elas reais ou simbolicamente imputadas.

Tais associações são tão pesadamente impostas às pessoas que desde que nascemos

somos levados a pensar no futuro, na carreira que vamos seguir, o quão rentável ela será, no

3 O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso são exemplos disso.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

6

prestígio que ela irá agregar. A pergunta ‘o que você vai ser quando crescer?’ é clássica e

indica o grau de valorização que a sociedade dá ao trabalho e a determinadas profissões.

Sua centralidade também se mostra pela importância que tem para a realização pessoal e

para a constituição dos papéis na sociedade. Dependendo da profissão, valores simbólicos

positivos e com eles prestígio são agregados.

O trabalho também está presente na forma de nos identificarmos e de nos

reconhecermos: ‘sou advogada’; ‘sou médica’; ‘sou jornalista’. A profissão é um forte

componente da identidade de uma pessoa, balizando seus encontros com o mundo. O fato de

exercer determinada atividade também interfere nas experiências que usamos para entender a

sociedade e construir as visões de mundo. A professora Mayra R. Gomes na apresentação que

fez para o livro ‘Relações de comunicação no mundo do Trabalho’ (Fígaro, 2008) afirma que

“O trabalho se torna o ponto a partir do qual identidades sociais se definem [...] E assim, ele

delineia o sujeito por seu lugar nos modos produção e no corpo social.” (2008, p.9)

De acordo com a remuneração, o trabalho rege também o lugar social que ocupamos. Há

salários que permitem viver confortavelmente enquanto a maioria é insuficiente para

sobreviver. A “classe das pessoas que vivem do trabalho” (Antunes) é ampla e revela

contrastes profundos que resultam da lógica do capitalismo, agora flexível, que exige

competências plurais e tem o descarte e a exclusão como parte da sua lógica.

Os contrastes no ambiente de trabalho são marcados por interesses e lutas também no

campo simbólico, considerando que a legitimação das diversas diferenças estabelecidas na

sociedade se dá por meio de ‘justificativas’ ideológicas. Se não fosse assim, por que as

diferenças de remuneração entre homens e mulheres, homens negros e homens brancos,

mulheres negras e mulheres brancas se perpetuam? Legitimada socialmente ou não, o fato é

que esta prática desequilibra a obtenção dos meios de acesso a uma vida com qualidade e a

equidade social. Segundo levantamento feito com 300 mil trabalhadoras em 20 países pela

Confederação Internacional dos Sindicatos4 (Ituc, na sigla em inglês), o Brasil lidera o

ranking das diferenças salariais. Enquanto a média global é de 22%, as brasileiras ganham, em

média, 34% menos que os homens.

Há, portanto, trabalhadores e trabalhadores, que são inicialmente rotulados e separados,

diferenciados pela cor da pele, pelo gênero que desempenham ou outras características

socialmente menos valorizadas e a estes são reservados empregos precários, parciais quanto

ao tempo, com baixos salários, informais e sem garantias. Vale frisar que todos que vendem

4 Matéria publicada na Folha de S.Paulo. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0503200923.htm. Acesso: 18 jun. 2009

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

7

sua força física ou intelectual são trabalhadores e pertencem à ‘classe que vive do trabalho’,

dependem dele, mesmo que hierarquizados a partir do próprio trabalho.

Trabalhos e trabalhos

O mundo do trabalho remunerado (conhecido como público, em contraste com o

privado) hierarquiza pessoas, modela fazeres e condutas, regra o privado e subordina o

trabalhador que dele depende. É nesse mundo do trabalho de possibilidades, de hierarquias e

de construção de sentidos que a mulher está cada vez mais presente. Esta nova configuração,

porém, emancipou as mulheres e construiu cidadania?

Sob o ponto de vista da ergologia, no qual trabalhar é uma atividade humana e o sujeito

é parte ativa desse processo, as atividades não remuneradas5, como as exercidas para a

reprodução, são incluídas na categoria trabalho. Aqui, entramos em um conceito fortemente

enraizado, o da divisão sexual do trabalho, que imputa às mulheres as responsabilidades

domésticas de alimentação, limpeza da casa e das roupas, educação dos filhos, cuidados com

crianças, idosos e com familiares doentes, entre outras.

Este conjunto de atividades humanas é socialmente menos prestigiado, não é

remunerado e, com a presença feminina em funções remuneradas, transformou-se no que

chamamos de dupla jornada de trabalho. E consiste em uma sobrecarga enorme e limitante

à mulher. A obrigação com as tarefas domésticas continua a ser imputada às mulheres. O tempo disponível para o trabalho, tanto do ponto de vista objetivo quanto psicológico, é um aspecto importante no acesso ao emprego profissional. A cobrança das responsabilidades familiares e o acesso a equipamentos e serviços relacionados à reprodução social são elementos importantes no redimensionamento do chamado tempo disponível. (ARAÚJO, 2007, p. 14)

Foi com o surgimento da burguesia e o predomínio de seus valores que a divisão sexual

do trabalho, como a conhecemos e que ainda persiste, consolidou-se. A mulher se incumbiu do

cuidado com o lar, do marido e dos filhos, o que a retirou, por pressão ideológica, do trabalho

institucionalizado. Este percurso se deu com a transformação do sistema feudal para o

capitalismo, evidenciando a imbricação entre o sócio-cultural e o econômico. É preciso assinalar que a noção de trabalho doméstico, tal qual a entendemos atualmente, tem sua origem, entre os séculos XVII e XVIII, com o fortalecimento da sociedade capitalista e de sua classe dirigente, a burguesia. A família burguesa passou a ser nuclear [...] formada unicamente pelos pais e filhos. Foi neste momento que se deu a transformação do conceito de trabalho doméstico, sua significação econômica e também a atitude social em relação a este. (BAUER, 2001, p.58-59)

5 Cristina Bruschini definiu o trabalho doméstico como não remunerado, em substituição à “inatividade econômica”. Esta mudança conceitual reconhece o trabalho para reprodução como essencial para a atividade econômica.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

8

Outras transformações também aconteceram em decorrência da mudança do sistema

econômico e da ascensão dos valores burgueses, que tiveram uma considerável influência na

visão de mundo e de família que temos hoje. “Com o surgimento das novas idéias (o iluminismo)

apareceram a figura da mãe, do amor materno e da infância” (BAUER, 2001, p.60).

O marxismo recebeu críticas de muitas feministas sendo acusado de reduzir a família à

sua função econômica, relegar a desigualdade de gênero a um papel secundário e por Engels

ter dado a entender que as necessidades sexuais masculinas eram mais naturais que as

femininas. Apesar da pertinência de algumas das críticas, o projeto social marxista tem

validade. O problema é que tais críticas, em geral, tendem a desconsiderar o contexto histórico em que o núcleo dessa teoria foi produzido. Supor que os clássicos do marxismo, sobretudo Marx e Engels, pudessem ter dado conta de todos os conflitos característicos da modernidade, inclusive os de gênero, deixando uma teoria pronta de modo que ela não precisasse ser enriquecida, seria ir de encontro à própria essência dialética marxista e assumir um ponto de vista marcadamente idealista. (ARAÚJO, 2007)

Há diversas tendências nos estudos feministas sobre a constituição de gênero. Henrietta

Moore (1997) pontua que os trabalhos antropológicos recentes enfatizaram que é um erro

supor que as sociedades tenham um único modelo ou discurso de gênero. Reconhecer a

existência de múltiplos modelos e discursos e investigar como eles se interseccionam em um

contexto dão nova direção à análise de gênero na antropologia.

Nosso objetivo não é descrever tendências, mas reunir elementos que ajudem a pensar

a problemática de gênero, aproximando-a das relações de trabalho e contribuindo para

construirmos a base teórica necessária para estudar a comunicação no mundo do trabalho,

com o recorte de gênero. Por isso, vamos incluir apenas mais alguns conceitos sobre a noção

de gênero, mais perguntando do que respondendo à problemática.

Conceito(s) de gênero

O conceito de gênero reúne várias questões e entendimentos sobre a distinção que se faz

entre os sexos e à discriminação contra as mulheres, bem como os outsiders ou desviantes da

heteronormatividade. Michelle Perrot salienta que gênero é “... categoria do pensamento e da

cultura” (2005, p. 467). Lia Machado fala das referências ocidentais de gênero: As construções hegemônicas das categorias do masculino e do feminino no âmago das relações amorosas não podem deixar de levar em conta as construções modelares da conjugalidade, entendida como relações estáveis entre homens e mulheres que pressupõem o exercício da sexualidade, a coabitação e a reprodução familiar. É este cenário que foi tomado como privilegiado para referências ocidentais modernas na construção social dos gêneros (MACHADO, 2004, p. 46).

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

9

A noção de gênero se refere às construções culturais e políticas que definem o que é

ser ‘mulher’ e o que é ser ‘homem’. Estes papéis são percebidos como naturais, mas são

formados socialmente por meio dos costumes e práticas que se fundamentam na desigualdade

de oportunidades, de direitos, de deveres, de liberdade, ao longo do tempo. A professora

Tânia Navarro Swain6 resume a noção de gênero incorporando a prática da sexualidade: As teóricas feministas criaram a noção de gênero como categoria analítica da divisão sexuada do mundo, trazendo à luz a construção dos papéis sociais naturalizados em torno da matriz genital/biológica. Se a divisão é binária, entretanto, a sexualidade faz parte integrante de suas definições, pois as práticas sexuais são os componentes que ancoram os papéis sexuados. O binômio sexo/gênero se traduz assim, implícita e naturalmente em sexualidade reprodutiva, heterossexual. (SWAIN7)

A antropologia tem se preocupado com questões relativas à construção da realidade e

como as diferenças de gênero são marcadas, inclusive nos corpos. Para a filósofa pós-

estruturalista americana, Judith Butler, que vê o gênero como performance, não há pré-

discursivo, o dado diferencial no corpo é construído na medida em que precisa ser reconhecido.

Ela vê o corpo como co-produtor das normas de gênero, que surgem a partir dessa materialidade

dos marcadores físicos e fala em narrativas naturalizantes da heterossexualidade. Como efeito de uma performatividade sutil politicamente imposta, o gênero é um “ato”, por assim dizer, que está aberto a cisões, sujeito a paródias de si mesmo [...] As restrições tácitas que produzem o “sexo” culturalmente inteligível têm de ser compreendidas como estruturas políticas generativas, e não como fundações naturalizadas. Paradoxalmente, a reconceituação da identidade como efeito, isto é, como produzida ou gerada, abre possibilidades de “ação” que são insidiosamente excluídas pelas posturas que tomam as categorias da identidade como fundantes e fixas. (BUTLER, 2003, p. 211)

Caminhos teóricos para pensar as desigualdades sociais

Sabemos da importância de se estudar as questões culturais fundantes das categorias de

gênero, da sexualidade e da heteronormatividade. Nossa abordagem, porém, vai em direção

ao enfretamento efetivo das diferenciações de gênero, levando em conta também as bases

econômicas e políticas que reproduzem todo tipo de desigualdade. A diferenciação social não

se dá somente pelo eixo de gênero, inclui categorias como classe e raça, o que parece mais

reivindicar a viabilização da “construção de um projeto societário coletivo que possibilite a

emancipação efetiva dos sujeitos.” (CISNE, 2006).

A hierarquia propiciada pelo trabalho pode ser uma chave a ser repensada em futuras

explorações. A problemática de gênero no mundo do trabalho, já presente nas relações

homem/mulher, é um ângulo que Ricardo Antunes avalia da seguinte forma:

6 Dra. Tânia Navarro Swain é professora da Universidade de Brasília - Departamento de História 7 Disponível em: http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/art05.html

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

10

uma crítica do capital, enquanto relação social, deve necessariamente apreender a dimensão de exploração presente nas relações capital/trabalho e também aquelas opressivas presentes na relação homem/mulher, de modo que a luta pela constituição de gênero-para-si-mesmo possibilite também a emancipação do gênero mulher. (ANTUNES, 1995, p. 46)

Na perspectiva do materialismo histórico, com as implicações que a base econômica

tem na superestrutura, parece profícuo pensar a desigualdade de gênero em composição,

inclusive teórica, com outros fatores de desigualdade e discriminação, de forma a refletir

sobre equidade como um projeto social mais amplo.

A mulher e o mercado de trabalho: avanços e retrocessos

O trabalho é velho conhecido das mulheres, que tiveram muitas atividades ao longo da

história, além das tarefas domésticas que sempre fizeram parte dos afazeres femininos. Na

Europa feudal, o que se sabe é que a mulher trabalhava em condições precárias e exercia

inúmeras atividades na economia medieval: A atividade feminina no trabalho [...] embora concentrada na indústria têxtil, não se restringiu a ela. Existiram fabricantes de elmos e armaduras, agulheiras, cuteleiras, fabricantes de tesouras, confeccionadoras de brincos e até mesmo ferreiras. Entre 88 profissões ligadas à alimentação havia as de açougueiras, salsicheiras, padeiras, leiteiras, peixeiras, forneiras e queijeiras. Na Inglaterra trabalhavam na fabricação de cerveja. [...] Somente por volta da segunda metade do século XIV, diante dos efeitos de uma monstruosa crise econômica, a mulher foi banida do mundo do trabalho e reclusa ao lar, o que acabou perdurando em alguns países até primórdios do século XIX. A situação da mulher foi progressivamente se deteriorando conforme perdurava a sociedade feudal. Diante disto podemos dizer que seu papel social não obteve condições favoráveis para sobressair e a sua submissão diante das leis e dos homens era quase total. (BAUER, 2001, p.26 e 29)

Nota-se que houve uma intensa e crescente participação da mulher no mundo do

trabalho remunerado nas últimas décadas. Na Relação Anual de Informações Sociais – Rais,

de 2008, a força de trabalho feminina no mercado formal teve um aumento de 5,5%,

superando a taxa de crescimento dos homens, que foi de 4,4%8. Segundo a Síntese de

Indicadores Sociais9, realizada pelo IBGE – Instituto Brasileiro Geografia e Estatística, entre

1996 e 2006, o nível de ocupação das mulheres aumentou quase cinco pontos percentuais, ao

passo que para os homens houve redução de cerca de um ponto percentual. O perfil das

trabalhadoras também mudou, na série Mulheres, da Fundação Carlos Chagas de 1998,

encontramos alguns dados: As trabalhadoras que até o final dos anos 70 em sua maioria eram jovens, solteiras e sem filhos, passaram a ser mais velhas, casadas e mães. Em 2002, a taxa mais alta de

8 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u606391.shtml. Acesso em: 27 mar. 2010 9 Fonte: IBGE, Síntese de Indicadores Sociais – 2007

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

11

atividade feminina, superior a 70%, é encontrada entre mulheres de 30 a 39 anos, e 67% daquelas de 40 a 49 anos também são ativas (FCC, 1998, Série Mulheres, Trabalho e Família). Não por acaso, mulheres que ocupam, nas famílias brasileiras, a posição de cônjuge, foram aquelas cujas taxas de atividade mais cresceram. Em 2002, mais de 55% delas eram ativas (FCC, 1998, Série Mulheres, Trabalho e Família). (apud BRUSCHINI, LOMBARDI, UNBEHAUM, 2006, p. 65)

Apesar das mudanças, a disparidade entre os salários continua presente sendo ainda

maior quando a mulher é negra. “Diversos estudos recentes têm revelado que a associação da

cor da pele com o sexo feminino é motivo de dupla discriminação.” (BRUSCHINI,

LOMBARDI, UNBEHAUM, 2006, p. 68). Os dados do levantamento do UNIFEM10 e do

IPEA11 também evidenciam isto: “Enquanto as mulheres brancas ganham, em média, 61,5%

do que ganham homens brancos, as mulheres negras ganham 64,5% dos homens do mesmo

grupo racial e apenas 32% do rendimento médio de homens brancos.” (2006, p. 38-39) Vivencia-se um aumento significativo do trabalho feminino, [...] preferencialmente no universo do trabalho part time, precarizado e desregulamentado. [...] Sabe-se que esta expansão do trabalho feminino tem, entretanto, significado inverso quando se trata da temática salarial, terreno em que a desigualdade salarial das mulheres contradita a sua crescente participação no mercado de trabalho (ANTUNES, 2001, p. 105)

Também existem guetos profissionais com predominância de um ou de outro gênero. Os

homens monopolizaram as profissões de maior prestígio social. Persistem também os tradicionais guetos femininos, como a enfermagem (89% dos enfermeiros, 84% dos técnicos em enfermagem e 82% do pessoal de enfermagem eram do sexo feminino em 2002), a nutrição (93% dos nutricionistas eram mulheres), a assistência social (91%), a psicologia (89% de mulheres), o magistério nos níveis pré-escolar (95%), fundamental (88%) e médio (74%), além das secretárias (85%), auxiliares de contabilidade e caixas (75%). (FCC, 2007, p. 567)

Quanto à condição da mulher, a partir da década de 1960, os movimentos feministas e a

organização das mulheres tomaram força, tendo sua voz amplificada pelos meios de

comunicação, que tiveram influência significativa no processo de emancipação da mulher, na

liberalização do comportamento e na conquista do mercado de trabalho. O rádio, que não pára mais de crescer a partir dos anos 1940 e 1950, e a televisão, inaugurada em setembro de 1950, estimulam a formação de uma nova mentalidade. Numa atmosfera como esta, o feminismo ganhou força e a presença da mulher tornou-se cada vez mais notada e respeitada nos cenários econômico, político e cultural brasileiros. (BAUER, 2001, p. 136)

Trabalho, um mundo em transformação

A transformação pela qual o mundo do trabalho passa teve início a partir da Segunda

Guerra Mundial, especialmente no Japão. Quando os japoneses precisavam recuperar seu país

10 UNIFEM - Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher 11 IPEA - Instituto de Pesquisas Avançadas

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

12

que fora devastado, criou-se um ambiente propício para a disseminação de novos métodos de

gestão de produção e organização do trabalho, com o Toyotismo ou Ohnismo – princípio de

automação e auto-ativação (CORIAT).

O Ohnismo originou-se na indústria têxtil e foi levado por Ohno (daí o nome) para a

indústria automobilística (Toyota) e, depois, para outros países. Consiste nos conceitos just in

time e kan ban. E entre as transformações que trouxe, destacam-se a “desespecialização e

polivalência operária (postos polivalentes)”, como descreve Coriat, em decorrência dos

novos modos de divisão do trabalho e sua intensificação. Neste sentido, um trabalhador opera

várias máquinas numa unidade celular, cujo conceito de cliente (não mais de companheiro de

trabalho) foi implantado entre os trabalhadores das várias células. O princípio aplicado por Ohno foi o seguinte: o trabalhador do posto de trabalho posterior (aqui tomado como “cliente”) se abastece, sempre que necessário, de peças (“os produtos comprados”) no posto de trabalho anterior (a seção). Assim sendo, o lançamento da fabricação no posto anterior só se faz para realimentar a loja (a seção) em peças (produtos) vendidas. Assim, surgiu o princípio do Kan Ban que constitui, em matéria de gestão de produção, a maior inovação organizacional da segunda metade do século. (CORIAT, 1994, p. 56)

O fordismo (modelo reproduzido com excelência no filme ‘Tempos modernos’ de

Charles Chapplin) e o trabalho repetitivo vêm sendo gradativamente substituídos e com ele,

vários cargos hierárquicos. Trata-se de uma nova conformação de produção, que substitui a

era industrial verticalizada pela horizontalizada, que extingue as chefias e os departamentos

de controle de qualidade.

O trabalho também passou a ser dotado de maior “dimensão intelectual” (capacidade de

tratamento da informação); coordenação de diferentes funções. “[...] as novas dimensões e

formas de trabalho vêm trazendo um alargamento, uma ampliação e uma complexificação da

atividade laborativa, de que a expansão do trabalho imaterial é exemplo.” (ANTUNES,

2001, p. 128)

Devido à heterogeneidade da classe trabalhadora, por a antiga divisão entre trabalho

intelectual e braçal não se sustentar e estar desaparecendo e por a classe operária não abranger

todas as categorias que existem, Antunes faz uma nova classificação e a denomina de classe

que vive do trabalho.

Outro fator a se considerar na dinâmica do novo capitalismo é a crescente deterioração

das condições de trabalho: precarização, terceirização, eliminação de vínculos empregatícios e

a individualização das relações entre empregado e empregador. Este último fator, inclusive,

tem prevalecido em negociações salariais, o que enfraquece o poder da classe que vive do

trabalho. Todas estas mudanças acarretam prejuízos na qualidade de vida do trabalhador. E os

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

13

dados mostram que são as mulheres que mais ocupam subempregos. “Em 2005, nada menos

que 33% da força de trabalho feminina ou 12 milhões de mulheres situavam-se em nichos

precários.” (FCC, 2007, p. 561)

Considerações

Transformações ocorridas a partir da década de 1970 conformaram um novo cenário

social, que foi propício para o aumento da participação das mulheres no mercado remunerado

de trabalho. Mas, a presença da mulher na esfera produtiva se deu de forma desigual com

predominância em profissões de pouco prestígio. Também se deu segundo uma divisão entre

as profissões baseada em gênero, particularmente, aquelas voltadas aos cuidados com as

pessoas. Outra característica foi a predominância em empregos precários, parciais,

temporários e com salários mais baixos.

Além disso, o trabalho não remunerado se manteve entre as atribuições sob sua

responsabilidade, estabelecendo limitações ao seu desenvolvimento profissional, o que impõe

“que qualquer que seja a análise sobre o trabalho feminino, procurando romper velhas

dicotomias, estará atenta à articulação entre produção e reprodução, assim como às relações

sociais de gênero.” (BRUSCHINI, 2007, p. 23) E, pela primeira vez na história, há conflito de

interesses, sem a mediação de homens, entre mulheres de classes sociais diferentes. As

trabalhadoras que ganham mais e ocupam posições de chefia empregam mulheres para

realizar serviços domésticos.

Estudar as questões de gênero no mundo do trabalho a partir do viés da comunicação nos

parece particularmente relevante. A comunicação, constitutiva do humano e, portanto, da

mulher, se dá na relação com o eu e o outro, está presente nas relações de trabalho e é

fundamental para a realização deste (qualquer que seja o suporte).

Assim, refletir sobre as condições da mulher e a divisão sexual do trabalho por meio da

linguagem, a partir do referencial de conhecimentos já construídos sob a denominação do

binômio comunicação e trabalho pode trazer reflexões atuais sobre a problemática de gênero.

A questão do trabalho da mulher na sociedade, que é atravessada por vários fatores, solicita

ser pensada dentro de um projeto social mais amplo, para construção da cidadania,

emancipação, igualdade de direitos e equidade social a todos.

Na tentativa de ajudar a dimensionar a importância do trabalho para os seres humanos,

finalizamos este artigo com a primorosa definição de Adam Schaff:

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

14

O trabalho é a forma fundamental [da] atividade transformadora porque o homem cria, em oposição às forças míticas, algo de algo, e não do nada. O trabalho humano transforma a realidade objetiva e faz dela, assim, a realidade humana, isto é, o resultado do trabalho humano. Enquanto o homem transforma a realidade objetiva - sociedade e natureza - cria as condições de existência e se transforma a si próprio como espécie, na conseqüência. O processo de criação do ponto de vista do homem, é, pois, um processo de autocriação. (apud FÍGARO, 2001, p. 34)

Referências bibliográficas ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 3 ed. Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1995. ________________. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 6 ed. São Paulo: Boitempo, 2001. ARAÚJO, Clara; PICANÇO, Felícia; SCALON, Celi (Org.). Novas conciliações e antigas tensões? Gênero, família e trabalho em perspectiva comparada. Bauru/SP: Edusc, 2007. ARAÚJO, Clara. Marxismo e feminismo: tensões e encontros de utopias atuais. Acesso 17 jun. 2009. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=12193 BAKTHIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1988. BAUER, Carlos. Breve história da mulher no mundo ocidental. São Paulo: Xamã, Edições Pulsar, 2001. BRUSCHINI, Cristina. Trabalho doméstico: inatividade econômica ou trabalho não remunerado? In: ARAÚJO, Clara; PICANÇO, Felícia; SCALON, Celi (Org.). Novas conciliações e antigas tensões? Gênero, família e trabalho em perspectiva comparada. Bauru/SP: Edusc, 2007. pp. 21-58 BRUSCHINI, Cristina; LOMBARDI, Maria Rosa; UNBEHAUM, Sandra. Trabalho, renda e políticas sociais: avanços e desafios. In: O progresso das mulheres no Brasil. UNIFEM: Brasília, 2006, pp. 60-93. Disponível em: http://www.mulheresnobrasil.org.br/ Acesso: 15 jun. 2009. CISNE, Mirla. Gênero, marxismo e pós-modernidade: uma reflexão teórico-política acerca do feminismo na atualidade. In: O comuneiro, nº 2, março de 2006. Disponível em: http://www.ocomuneiro.com/nr2_artigos_Genero,%20marxismo%20e%20pos-modernidade.htm Acesso: 17 jun. 2009 CORIAT, Benjamin. Pensar pelo avesso. O modelo japonês de trabalho e organização. Rio de Janeiro: UFRJ/Revan, 1994. FCC – Fundação Carlos Chagas. Cadernos de Pesquisa. Set./dez, v. 37, n.132. São Paulo: Autores Associados, 2007.

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Vitória, ES – 13 a 15 de maio de 2010

15

FÍGARO PAULINO, Roseli A. Comunicação e trabalho. São Paulo: A. Garibaldi, 2001. ________________________. Atividade de comunicação e de trabalho. In Trabalho, Educação e Saúde, v. 6, n.1. Rio de Janeiro: Fundação Osvaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2008a, p. 107-145 ________________________. Relações de comunicação no mundo do trabalho. São Paulo: Annablume, 2008b. ________________________ (2009): “Comunicação e Trabalho: binômio teórico produtivo para as pesquisas de recepção”, Mediaciones Sociales. Revista de Ciencias Sociales y de la Comunicación, nº 4, primer semestre de 2009, pp. 23-49. ISSN electrónico: 1989-0494. Universidad Complutense de Madrid. Disponível em: http://www.ucm.es/info/mediars/MediacioneS4/Indice/FigaroR/figaroroseli.html. Acesso: 04 jul. 2009

MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidades e violências: gênero e mal-estar na sociedade contemporânea. In: SCHPUN, Mônica Raisa (Org.). Masculinidades. São Paulo: Boitempo; Santa Cruz do Sul, Edunisc, 2004.

MOORE, Henrietta. Understanding sex and gender. In: Tim Ingold (ed), Companion Encyclopedia of antropology. Londres, Routledge, 1997, p. 813-830 MOTTER, Maria Lourdes. A linguagem como traço distintivo do humano. Princípios, São Paulo: Anita, v. 34, n. 34, p. 68-72, 1994. PERROT, Michele. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: Edusc, 2005. SCHAFF, Adam. Linguagem e conhecimento. Coimbra: Almedina, 1974. _____________ O marxismo e o indivíduo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. SWAIN. Tânia Navarro. Quem tem medo de Foucault? Feminismo, Corpo e Sexualidade. Disponível em: http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/art05.html. Acesso em: 05 jun. 2009 UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher; IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas. Retrato das Desigualdades: gênero e raça. 2ª edição, Brasília, 2006. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/retrato_segundaedicao.pdf. Acesso em: 09 jul. 2009. WOLTON, Dominique. É preciso salvar a comunicação. São Paulo: Paulus, 2006.