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Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2011, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

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CONECTE

Tribos existem? Você sabe o que são?

p. 3

Entrevista: David Vega conta sua experiência como

skinheadp. 10

Faça o teste e descubra de que

tribo você seria no passado

p. 12

Quando Gabi completou doze anos, seus pais decidiram que já era hora da menina ir ao cinema sozinha com as amigas. Uma ses-são que começasse cedo e termi-nasse cedo, claro. Gabi se produziu toda: sapatilha de plástico, blusa escrita “girl” com glitter, bem como suas amigas também estariam ves-tidas. A noite foi um sucesso: pi-poca grudada na gengiva, troca de olhares com os meninos cheios de espinhas, risadinhas e risadelas. Quando a Gabi fez quinze anos, não quis festa: “festa é muito brega, mãe. Quero algo mais des-colado”. A mãe queria uma festa, a filha de vestido rodado... Mas Gabi não queria. Ela desejava um churrasco igual ao da Isa, numa chácara, todo mundo dançando com DJ e uma música eletrôni-ca bem alta e ininteligível. Como a Isa era legal! Os pais da Gabi alugaram uma chácara e contra-taram um DJ por inacreditáveis trezentos reais. “Careiro”, sussur-rou o pai da Gabi, entre dentes. Aos dezessete, Gá, como era agora conhecida pela galera, não queria nem olhar pras suas fotos de pré adolescente; “blusa

rosa, argh! Olha esse cabelo cheio de mechas loiras, afe!”, falava a garota para Fabi; eram umas dez horas da manhã, as duas mata-vam aula enquanto pintavam os cabelos de azul. A Fabi era tão ra-dical, tinha três piercings e duas tatuagens, com apenas dezessete. A mãe dela era tão jovem, deixa-va ela ir a acampamentos... “Meus pais são tão caretas, tão quadra-dões”, repetia Gá aos amigos. Aos dezoito, Gabi se frus-trou: deixou de ir às melhores baladas, de tomar todas com o “pessoal” e de frequentar os ba-res da cidade para estudar. Estu-dava, estudava, estudava... Mas quando chegou o vestibular, fo-ram embora as fórmulas, frases e regras: branco to-tal. A Gabi chorou, a mãe da Gabi chorou, o pai da Gabi lamentou: “uma for-tuna eu pagava naquela escola...”. Aos dezenove, durante o jantar, o pai da Gabs olhou bem e percebeu um fio vermelho preso no cabelo desgrenhado da filha. “É só um dreadlock, pai, relaxa”, respondeu à pergunta muda do pai. Os pais se entreolharam des-confiados. “Essa menina está na

erva, Deise. Não é normal, anda de pé sujo, ta frequentando uns lugares estranhos”, repetia o pai. “Na erva não, Dorival, nossa filha não fuma nada”, rezava a Deise. Quando fez trinta, a Gabrie-la acordou, tomou banho, vestiu uma calça que cobria a tatuagem de “paz e amor” na canela e pas-sou um pouco de base para cobrir a marca de furo do antigo piercing que tinha nos lábios; indo para a terceira faculdade que começara e que pretendia largar, assim como as outras, ela pensou: “ah, quando era adolescente, eu bem sabia o que eu queria”. Queria era ser jovem.

Fase sempreincompleta

Aperte A para

reiniciar o jogo; B

para salvar bem onde parou

Marcela Busch

Pedro

Hung

ria Cab

ral

Reportagem, edição e diagramação:Amanda TavaresBruno Marise

Estevão RinaldiLudmylla RochaLuís Morais

Luiz Felipe BarbiériMarcela BuschMariana Ribeiro

Pablo MarquesVinícius Garcia

Ilustração: Pedro Hungria Cabral e Camila Takamune

Supervisão: Ângelo Sottovia Aranha, MTB 12870 e Renata Malta, MTB 34600

Suplemento desenvolvido nas disciplinas Jornalismo Impresso II e

Planejamento Gráfico IIFAAC - UNESPNovembro, 2011

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Não cabe na A que tribo você pertence? Se você nunca utilizou, com certe-za ao menos já ouviu essa frase. O termo “tribo” é muito usado para designar agrupamentos de pesso-as que se diferenciam por gostos ou características estéticas comuns. Sua propriedade, entretanto, vem sendo discutida e aparentemente foi refutada pela maioria dos pes-quisadores e até pelos membros desses supostos grupos. O termo surgiu no final dos anos 80 em um momento em que o discurso do “individualismo total” era bastante forte. A an-tropóloga Rita de Cássia explica que naquele momento pairava um pensamento de que, dali para frente, não existiriam mais pensa-mentos coletivos e cada um agiria por si mesmo. O sociólogo Michel Maffesoli usou o termo pela pri-meira vez para negar essa tese e mostrar que as pessoas ainda bus-

cavam sua identidade por meio de convívio em comunidade. O contexto histórico teve participação fundamental nessa classificação, já que a juventude só passou a ser reconhecida como segmento de público após a Se-gunda Guerra Mundial. Rita expli-ca que apenas a partir década de 50 os jovens passaram a ser consi-derados criadores e consumidores, seja de ideias ou de mercadorias. Nesse processo, Elvis Presley e Ja-mes Dean viraram ícones de um público que não era antes conside-rado pela sociedade como um gru-

po de características próprias. Nos anos 60, os movimentos de contra-cultura vieram consolidar a capaci-dade dos jovens para organizar e contestar valores tradicionais. Nas décadas seguintes o punk, o góti-co, o hip hop, só para citar alguns exemplos, foram movimentos ex-pressivos próprios da juventude. Para Rita, a terminologia parou de fazer sentido no início da década de 90. Os grupos tor-naram-se menos homogêneos, menos institucionalizados e des-vinculados de partidos políticos. A efemeridade passou a ser maior, as características estéticas menos marcantes e a transição de pessoas por diferentes grupos passou a ser muito maior. O geógrafo Renato Ca-valcanti explica que o momento histórico até o início dos anos 90 contribuía para a segmentação dos jovens em grupos que os diferen-ciassem da multidão; “o contexto era o da Guerra Fria, das ditaduras na América Latina, no Brasil tínha-mos uma ditadura bastante violen-ta. Existia uma questão ideológica que envolvia os movimentos, uma parte da juventude tinha consci-ência da situação e queria a trans-formação”. A partir de então, ficou mais difícil observar as delimita-ções entre os grupos, as caracterís-ticas estéticas se confundiam e as pessoas passaram a transitar mais por diferentes grupos, sem, muitas vezes, se declararem pertencentes a apenas um.

O sonho acabou? A dificuldade de classifi-cação dos jovens e a perda do caráter institucional de seus mo-vimentos intensificaram a discus-são sobre sua perda de identida-de e capacidade de contestação. Renato defende que “com o fim da Guerra Fria e a globali-zação, os movimentos de trans-formação pela via ideológica per-deram força. Esses grupos estão muito relacionados à moda, ao que a mídia produz, ao que in-teressa à indústria do entreteni-mento, sem buscar uma transfor-mação profunda da sociedade”. Rita, ao contrário de muitos estudiosos, não vê essa mudança como negativa. “Não acredito que a juventude seja menos mobiliza-da, muito pelo contrário”, defende. Para ela, os movimentos urbanos vêm gerando debates sobre temas que não são propostos pelo poder político, como mobilidade urba-na, cultura e corrupção. É o caso da Marcha da Liberdade, do Cir-cuito Fora do Eixo, do Movimento Passe Livre (MPL), da Bicletada, do

Desentorpecendo a Razão (DAR)... E defende que é uma outra for-ma de fazer política: “ para quem está fora, pode parecer apenas uma carnavalização ou teatraliza-ção, mas essa é uma forma de ex-pressão com muita profundidade. O fato de esses movimentos não serem ligados a nenhum partido político, no entanto, causa muito incômodo nos que vêem a políti-ca de maneira institucionalizada”. A pesquisadora vê essa mudança como um processo de continuidade temporal natural; “a pós-modernidade influencia os movimentos, a velocidade, o fluxo, a volatilidade. As pessoas circulam por vários grupos, incor-poram vários valores e constro-em sua identidade a partir des-sas múltiplas experiências”. Mas, sendo o termo “tribo” correto ou não, a questão da juventude é muito mais complexa do que a terminologia. Como observa Rita: as identidades são múltiplas, com uma dinâmica muito mais acelerada que a de uma gaveta.

gavetaMigrações constantes

entre grupos dificultam a rotulação de jovens

incompleta

Mariana Ribeiro

Vinícius G

arcia

Mudança dos movimentos estudantis preocupam pela aparente desmobilização

Marcha da Liberdade é um dos movimentos organizados por jovens

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Mariana Ribeiro

Mídia explora

Em número cada vez maior, os grupos sociais podem ser forma-dos por vários motivos. Seja pelo modo de se vestir, pela música que se ouve ou pelo papel que cada um exerce na sociedade, é percep-tível o surgimento e o rápido declí-nio desses grupos. Algumas vezes, nem chegam a criar identidade própria. Formados quase sempre por jovens que buscam se auto--afirmar, os grupos atuais conquis-tam um certo caráter de “moda”. O sociólogo Murilo César Soares afirma que “os jovens se reúnem em grupos porque estão ‘livres’ para se associarem a ou-tros”. Além disso, Soares acredita que o casamento pode ser um di-visor de águas entre a associação a um conjunto social e o futuro pessoal: “a união conjugal, o nasci-mento dos filhos, as responsabili-dades da vida adulta devem trazer mais estabilidade à maioria dos jovens, fazendo com que se dedi-quem mais à vida doméstica, com menos energia e pouco tempo li-

vre para andar com os grupos”. Mas a mídia tem alguma influência nessa composição? Para Soares, a televisão, o rádio e a internet exploram esses grupos como potenciais consumidores: “os meios de comunicação podem ter os grupos como ‘mercado’ con-sumidor de produtos como discos, filmes, roupas e produtos de uso pessoal”. Por outro lado, a mídia divulga os ideais de um certo con-junto social e busca, por meio da visibilidade comunicacional, um maior contingente de indivíduos que se assemelham ao conceito de determinado grupo para vende-rem ainda mais os produtos que, geralmente, são estipulados pelo próprio meio de comunicação. O sociólogo ainda expli-ca: “pode-se dizer que os meios de comunicação, ao focalizarem um grupo, dão visibilidade a ele e propagam-no, ao mesmo tem-po em que reforçam a identidade dos seus membros ao se verem representados, por exemplo, em

programas e repor tagens”. A internet é um dos meios de comunicação que os jovens li-gados a grupos sociais têm mais acesso. E é nesse meio que há uma democratização mais clara, como afirma Bia Granja, editora do site youPIX: “o ‘grupo da internet’ é democrático, tem todo tipo de gente. O que importa é estar on-line, consumir e produzir conteú-do. Esse é o berço, o princípio bá-sico da cultura de internet”. Já Edison Veiga, jornalista do Estado de S. Paulo, afirma que na redação onde trabalha “não há preferência a um grupo social, ao menos deliberadamente”. Veiga ainda estabelece um caráter es-pecífico na relação entre a mídia e os grupos sociais: “acredito que hoje em dia haja publicações es-pecíficas para esses grupos, as-sim cada qual consome a publi-cação que tenha mais a ver com seus princípios. Dessa maneira a ‘mídia grande’ não deve privile-giar um grupo em detrimento de outro e é o que acontece no ge-ral, salvo algumas raras exceções”. Por outro lado, pode-se dizer que a influência dos meios de comunicação tem um caráter recíproco, além de não ter foco apenas nos jovens, como observa a pesquisadora Juliana Abonizio; “não vejo essa influência restrita às camadas jovens e tampouco considero essa influência uma rua de mão única, pois esses veículos também são influenciados pelos jovens que são ativos, criativos e podem dar sentidos diferentes aos produtos consumidos para além da intenção dos seus produtores”. A pesquisadora ainda acre-dita que a relação mídia-grupos jovens é duradoura “em razão de ser a esfera do lazer e não do tra-balho”. Abonizio finaliza demons-trando um conceito utilizado erro-neamente nos dias atuais: “o termo tribos urbanas é muito usado pela imprensa e usado no senso comum para se referir a agrupamentos ju-venis contemporâneos, mas a sua utilização não é consenso entre os pesquisadores. Alguns dizem que o termo tribo é impróprio para ser utilizado nesses contextos”.

Meios de comunicação lucram mais

com sucesso dos

grupos sociais

identidade dos gruposVinícius Garcia

Camila Takamune

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“Não conheço nenhum gru-po jovem que seja tão distinto a ponto de utilizar um visual que não possa ser encontrado nas pu-blicidades de moda ou nas gran-des lojas de departamentos”. É o que constata Elisabeth Murilho da Silva, cientista social especializada em juventude, moda e cultura ur-bana. Ela afirma que a moda é uma forma de referência para qualquer grupo etário, pois representa um canal de expressão de preferências culturais. A moda jovem começou, de fato, nos anos 60, inserida num cenário de rebeldia adolescente e

consumismo desenfreado. Final-mente, os jovens podiam comprar e usar roupas diferentes dos mais velhos, criando seu próprio estilo e identidade. A minissaia e as ma-quiagens marcadas foram as gran-des pedidas das mulheres, que es-tavam cada vez mais despojadas e modernas. Os trajes unissex tam-bém fizeram muito sucesso. Nas décadas seguintes, a moda se tornou mais acessível e valorizada, principalmente pelos jovens. Nos anos 80, por exemplo, foram eles os responsáveis por di-tar as tendências das roupas de ginástica e dos tecidos coloridos,

contrariando as peças largas dos anos anteriores. Hoje, são tantos movimentos, ideias, estampas e recortes usados por eles que é praticamente impossível traçar um estilo dominante. Com essa popularidade, o público juvenil se tornou um grande mercado fashion, receben-do mais atenção das indústrias. A moda passou a incorporar gradu-almente o que as culturas jovens produzem, disponibilizando para as massas as peculiaridades de cada grupo urbano. Isso acontece, principalmente, devido ao grande número de adolescentes que não

desejam ser vinculados a nenhuma “tribo” específica, denominando--se ecléticos. Na contramão, os grupos jovens com estilos particulares pro-curam se diferenciar cada vez mais das tendências comuns, destacan-do-se nem que seja pela discrição. “Os grupos, ao serem ‘capturados’ pela indústria, abandonam suas antigas expressões identitárias, buscando novas formas de fugir do comportamento de massa”, explica Elisabeth. Assim, a moda jovem vai sempre se renovando, exatamente por causa dessa oposição entre o individual e o coletivo.

Mil grupos, mil tendências

Que a música é influência direta na vida de muitas pessoas não é novidade. Música é arte, e já dizia Oscar Wilde: “a vida imita a arte muito mais que a arte imita a vida”. Ao longo dos anos, com o crescimento da cultura pop, a mú-sica foi responsável por auxiliar os jovens na escolha de sua própria identidade. O próprio conceito de Tribo Urbana talvez nem existisse se não houvesse a música, que é capaz de unir pessoas e comparti-lhar ideologias e sensações de for-ma inigualável. O contato com a música pode moldar inclusive a personali-dade de um jovem, que, por vezes, rebela-se contra seu próprio estilo de vida. Passa a contestar aquilo que vem das gerações anterio-res justamente porque o que seus artistas preferidos têm a dizer faz pleno sentido para ele. Uma verda-deira revolução interior. Ao longo do século pas-sado, diversas manifestações de cunho político e cultural também foram impulsionadas pela música.

É impossível imaginar, por exem-plo, a contracultura e o movimento Hippie sem uma trilha sonora, pela qual era possível se manifestar de maneira direta, simples e chamati-va. No panorama atual, porém, a música pop perdeu muito de seu teor ideológico, pelo menos na opinião de Neto Rodrigues, editor do portal “Move That Jukebox”, da MTV. “Independentemente de qual seja a influência, pouquíssima par-te dela é ideológica. A politicagem de um Bob Dylan, por exemplo, sumiu com o tempo”. Neto ainda critica a futilidade e a baixa qua-lidade musical de muitas bandas de hoje: “No Brasil, por exemplo, o que se vê é uma influência muito mais baseada na vestimenta e na moda. Qualquer som de quatro acordes já agrada ao público facil-mente”. Para o blogueiro, movimen-tos como o Grunge, que ganhou força no início dos anos 90 com as bandas Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains e revolucionou o cená-rio musical da época, também não

devem se repetir. “O que aconte-ceu naquela época é algo único e, apesar de ter deixado marcas pro-fundas na cultura pop, não vejo no

Música acompanha e influencia gerações

Moda jovem reflete múltiplas identidades e as tornam acessíveis no mercado

Entoando ideologias, canções sempre ajudaram a construir a identidade dos jovens

contexto atual uma situação para que um movimento como esse ocorra novamente”, afirma Neto Rodrigues.

Para assistir:O nascimento do movimento punk no país em “Botinada, a origem do punk no Brasil” (2006), de Gastão Moreira.

“Quadrophenia” (1979), de Franc Rodmman, relembra os Mods dos anos 50 e a rivalidade entre tribos.

Conversíveis rosas dão o ar da graça em “As Patricinhas de Beverly Hills” (1995), de Amy Heckerling.

Somente paz e amor no documentário “Woodstock” (1970), de Michael Wadleigh.

A fúria e a ideologia skinhead em “Skinhead: a força branca” (1992), de Geoffrey Right.

Amanda Tavares

Estevão Rinaldi

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em que se vive. “As crianças são o reflexo de sua casa, o adolescente é o reflexo da mídia e das influên-cias de moda e música e o adul-to é o reflexo do que a sociedade espera dele”, ressalta Maria José, lembrando que “é por esse motivo que as crianças repetem e os ado-lescentes se distanciam dos pais”. É na escola que os grupos costumam se formar e crescer. E também é nesse ambiente que às vezes há atritos entre os diferentes grupos. Mariza diz já ter presen-ciado alguns desentendimentos e que é comum e importante que a escola interfira: “a mediação dos adultos na Escola, nas situações de conflitos entre as crianças/adoles-centes/jovens possibilita uma re-flexão a respeito dos sentimentos entre eles e favorece encaminha-mentos adequados. Esses proce-dimentos contribuem para o au-toconhecimento e a formação da personalidade moral dos mesmos”.

Quando bate o sinal

No intervalo das aulas, acontece o maior encontro de di-ferentes gostos, cores e opiniões. Tanto no sistema de educação par-ticular quanto no público é possível observar essa grande diversidade;

“Eu quero uma pra viver”A identidade do jovem depende do mundo. E de seu mundinho, é claro

Madame Cotinha, 56 anos, socialite. Vida difícil, muitas preo-cupações. Arrecadar dinheiro para o baile beneficente, arranjar horá-rio para manicure entre os apon-tamentos de tingir os cabelos e de tirar as sobrancelhas. E o filho, que se veste de preto, pinta os olhos de preto e adora seu gato preto. Madame Cotinha não sabe o que fazer. Vai à escola e conversa com os diretores; sai de lá meio confu-sa, afinal, é dito que é normal os adolescentes buscarem suas iden-tidades em grupos específicos. Isso que disseram para Ma-dame Cotinha é a mais pura verda-de. A psicopedagoga e orientadora de uma escola particular em Cam-pinas, Mariza Nascimento, afirma que jovens e adolescentes se re-únem em grupos para se afirmar; “existem grupos que se juntam por se identificarem uns com os outros e têm objetivos comuns. Há alguns que se caracterizam como emos, “patricinhas” e outros que se agru-pam por gostarem de tocar violão, algum tipo de música ou atividade física”. Adultos também se relacio-nam por seus gostos particulares; a psicóloga Maria José Kuntz diz que “é comum que exista a pro-cura, por conta da necessidade do indivíduo se auto-afirmar perante si mesmo e a sociedade”. A iden-tidade pessoal é refletida no meio

porém, não é uma diferença que se meça por cores, cabelos ou músi-cas, mas sim por diferentes ideais. Na escola estadual Dr. Luiz Zuia-ni, em Bauru, Mirele Ramalho, 18 anos, diz que no período em que estuda, noturno, não há muita di-visão por conceitos pré-estabe-lecidos, que muito da formação de grupos ocorre em função dos bairros. “Você conhece as pessoas dependendo de onde elas moram. Na escola, a gente se junta mais por causa dos bairros mesmo”, diz. Edgar Santos, 18 anos, conta que no período da manhã, onde os alu-nos são mais novos a separação é maior: “algumas meninas vêm de salto, tem os ‘manos’, que são bem fechados...”. Felipe Ramos, 18 anos, acha que muitos que não gostam dessa divisão tão delineada vão para o noturno. Para ele, os mais velhos gostam de se integrar mais. Segundo os alunos, os grupos escolares não são mais levados para fora do portão. “As pessoas trabalham, tem outros compro-missos e outros amigos, de esco-las mais antigas ou vizinhos, que cresceram juntos”, aponta Mirele. A rivalidade não acontece

mais dentro dos muros das esco-las. Edgar afirma não haver brigas: “muito difícil o pessoal se ‘pegar’ aqui na escola, não rola mais isso. Acho que os jovens estão mais to-lerantes”. Embora os grupos não sejam mais rivais, o preconceito ainda não “mata aula”. Gabriela Vereda, 17 anos, conta um episó-dio tenso ocorrido na escola: “duas pessoas da minha classe briga-ram muito feio, um menino e uma menina. Ela é racista, ele é negro. Não deu certo, né?”. Realmente, não deu certo e eles tiveram de ser separados. A menina não levou nenhuma advertência para casa.

Esq. p/ Dir.: Edgard, Felipe, Gabriele e Mirele antes de bater o sinal

Para acessar:

Encontre sua tribo online:

Spiner - www.spiner.com.br Saiba tudo sobre o universo feminino... e geek: www.garotasgeeks.com

Mariana R

ibeiro

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Marcela busch

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Greasers/RockersNo contexto pós-guerra, jovens ingleses da ascendente classe operária sofre-ram forte influência da música e cinema norte-americanos, além do Rock’n roll de Elvis Presley, Chuck Berry e Jerry Lee Lewis. O estilo era composto por jaqu-etas de couro, calças jeans, botas e topetes moldados com brilhantina. Também

eram adeptos da motocicleta.

HippiesMovimento símbolo da contracultura nos anos 60, trazia ideais paci-fistas e era praticamente apolítico. Rejeitavam o conservadorismo da classe média ocidental e eram adeptos à liberdade sexual e ao uso de drogas como forma de expansão mental. Gêneros como Rock Psico-délico (The Doors, Jefferson Airplane, Janis Joplin) e Folk (Bob Dylan, Neil Young) era as grandes influências musicais. Vestiam roupas velhas

e simplistas em oposição ao consumismo.

ModsDiferente dos rivais Rockers, eram jovens da classe mé-dia britânica, obcecados por tendências da moda e es-tilos musicais vanguardistas, como o Soul, Ska e Blue-beat. De vida social agitada, se reuniam em pubs para dançar e ouvir música. The Who e The Kinks, em suas fases iniciais, foram bandas influenciadas pelo movimento.

SkatistasNa falta de ondas, surfistas californianos da década de 60 inovaram colocando rodinhas em suas pranchas. O movimento cresceu e foi muito além do skate, influenciando o estilo de vida de jovens, tanto no vestuário quanto na música, que abrange desde o Hip-Hop até o

Punk Rock.

Hip HoppersIniciado nos subúrbios de grandes centros afro-americanos, latinos, jamaicanos e norte-americanos, o Hip-Hop é, até hoje, um dos movimentos mais fortes em todo o mundo. Seus adeptos têm como costume o uso de gírias e camisas largas, correntes e bonés. O Hip-Hop é influenciado por diversos gêneros musicais como Rap, Ska, R&B, Disco e Blues falado. O Grafite e a Break Dance são exemplos de artes influenciadas pelo movimento, que tem como grandes nomes Afrika Bam-baataa, Grandmaster Flash, Public Enemy e Tupac Shakur.

PunksSurgido como um estilo musical na cidade de Nova York em mea-dos dos anos 70 com os Ramones, o Punk casou perfeitamente com os valores da sociedade britânica decadente da época. A juventude inglesa o adotou e o transformou em um movimento cultural, so-cial e ideológico. Inicialmente apolítico, mais tarde associou-se ao anarquismo. Cabelo moicano, calças rasgadas, jaquetas com al-finetes e tênis surrados ou coturnos são a marca do movimento.

GóticosÉ uma subcultura que apareceu no Reino Unido, no final da década de 70. É considerada um estilo de vida por seus inte-grantes. Tem como influencias musicais Pós Punk, Gothic Rock e o Ethereal Wave, os temas abordam o sombrio e a decadên-cia. O visual envolve maquiagem e roupas escuras e cabelos

despenteados.

ClubbersApareceram com a popularização das discotecas e da música eletrônica nas décadas de 80/90. O grupo não é engajado socialmente e as principais influên-cias musicais envolvem os gêneros Techno, Jungle, Trance e Trance Psicodélico (Psy), House e Trip Hop. Os adeptos adotam um estilo estravagante e eclético, com muitas cores e pulseiras. Atualmente, os maiores pontos de encontro do

grupo são as Raves e clubes de dança. GrungesO Grunge é uma vertente do Rock originada em Seattle, por bandas como Nirvana, Pearl Jam e Alice in Chains e ganhou muitos adep-tos no início dos anos 90. Abordava temas como angústia, apatia e desejo de liberdade. O visual é “largado”, com roupas simples e

baratas, já que não se preocupavam com a moda.

OtakusTermo japonês usado para designar um aficionado por um tema qualquer. Porém, a palavra é geralmente utilizada para caracterizar fãs de Anime e Mangá, que influenciam forte-

mente o estilo do grupo.

EmosÉ uma abreviação para Emocore, vertente surgida na década de 80. Porém, atingiu seu auge no início e meio dos anos 2000, ganhando muita força com bandas como Good Charlotte, Simple Plan, Fall Out Boy e Panic! At the Disco, consideradas Emo-pop. De comportamento emotivo, os adep-tos abusam da maquiagem, além de usar franjas, cabelos coloridos e

acessórios xadrez.

ColoridosAgregando características do New Wave (gênero musi-cal forte nos anos 80), é um movimento teen que ganhou força no Brasil a partir de 2009, com as bandas Cine e Re-start. Os Coloridos são conhecidos pelos e por idolatrar seus ídolos excessivamente. O visual, extravagante, vai da

franja nos cabelos até as calças coloridas.

ANOS 50

ANOS 60

ANOS 70

ANOS 80ANOS 90

ANOS 2000

LINHA DO TEMPO

O interior de São Paulo vive uma carência cultural para o pú-blico jovem. Não existem opções de entretenimento, os shopping centers representam a única op-ção de lazer. O contato do jovem com a cidade em que vive ocorre na adolescência, mesmo período em que é formada a sua identi-dade. Nas grandes cidades é co-mum grupos de jovens de diversas tribos se encontrarem em deter-minados locais para compartilha-rem ideias e gostos semelhantes. Na cidade de São Paulo, a Galeria do Rock reúne roquei-ros de toda a região metropoli-tana para escutarem música ou discutirem qual é a melhor ban-da de todos os tempos. Espaços como esse são raramente encon-trados nas cidades do interior paulista, como Bauru. A vivência em grupo ocor-re principalmente nas escolas. Fora delas, os adolescentes convivem com os amigos dentro de suas ca-sas. De acordo com Renan Médici Penteado, 20 anos, o único ponto de encontro da cidade é o shopping nos dias em que o cinema é mais barato ou nas sextas, depois das au-las. Por isso o público jovem nesses dias costuma ser tão heterogêneo. As cidades próximas a Bau-ru também sofrem desse mal. Jéssica Gonçalves de Oliveira, 17 anos, moradora de Arealva, afirma que a única opção de convivên-cia, além das escolas, são as pra-ças onde todos costumam mar-car encontros.

A relação dos jovens do interior com a cidade é bem diferente das encontradas nos grandes centros urbanos. Não existe um local es-pecífico para cada tribo. Isso leva a uma convivência relativamente pa-cífica entre todas. A cultura urbana chega ao interior pela mídia, mas não encontra o mesmo ambien-te para ser aplicada. Isso provoca formações de identidades con-taminadas por várias influências. Skatistas que são emo e escutam rock são facilmente en-contrados pelas ruas das cidades. Ou, então, inimigos vorazes como punks e skinhad convivendo em aparente harmonia. Segundo Isaac Benici, 19 anos, que se considera da tribo do hip hop, faltam iniciativas da prefeitura para a organização de mais atividades culturais. Ele afirma que os “bailes black” que ele e seus amigos gostam de frequen-

tar raramente acontecem e quan-do ocorrem são organizados por ele ou pelo movimento Hip Hop. A vivência dos jovens com pessoas de outras tribos é saudá-vel, aconselha Marcelino Brandão, skatista, hoje com 34 anos. As tri-bos segregam muito os jovens, acredita. Hoje, apesar de andar de skate, não se considera parte de uma tribo específica e convive bem com amigos que não com-partilham as mesmas preferências. Segundo a pesquisa da IFDM, Bauru é a décima tercei-ra melhor cidade para se morar, mas não se leva em consideração a produção cultural para jovens. Os shoppings continuarão sendo o principal espaço de lazer e, por conseqüência, os únicos pontos de encontro dos jovens de todas as tribos, até que criem mais op-ções de lazer para adolescentes.

Opinião

OPÇÃOÚNICA

Laboratóriosideaisde

São Paulo. 11 milhões de ha-bitantes. Famílias tradicionais, famí-lias sem pai, famílias com dois pais, famílias sem pai nenhum. Famílias católicas, protestantes e judias. Indivíduos sem família. Trabalha-dores assalariados e desemprega-dos. Racheiros, rockeiros, skatistas, funkeiros e skinheads. E a metró-pole é o encontro de tudo isso. As grandes cidades são os cenários das manifestações juvenis, os ambientes onde se lançam ten-

dências e são movimentos culturais e políticos. Para a antropóloga Rita Alves, os centros urbanos dão mais liberdade ao indivíduo. As institui-ções tradicionais, como a família, a igreja e os partidos políticos vão ter menos influência sobre a for-mação do jovem e cobranças so-bre suas decisões são amenizadas. “A cidade permite que o indivíduo circule anonimamente pelas ruas, que seja, por exemplo, uma pes-soa de dia e outra à noite”, explica.

A movimentação pela cida-de permite ao jovem novas expe-riências e a convivência todos os dias com o diferente. A transição por diversos grupos e o intercâm-bio de ideias são condições para a organização de movimentos propriamente juvenis. Eles se di-ferenciam dos tradicionais. “Nas grandes cidades nós encontramos todas as características necessá-rias para que o jovem batalhe sua própria identidade”, completa Rita.

Metrópoles oferecem condições para a

criação dos movimentos

juvenis

Pablo

Marq

ues

Bauru Shopping é um dos únicos pontos de encontro dos jovens da região

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Mariana Ribeiro

Pablo Marques

Coloridos, uma tribo volúvelTendência do momento, os coloridos já estão fadados ao fim

A denominação “colorido” foi criada pela mídia para classificar a febre das bandas de happy rock que dominaram o cenário nacional em resposta a uma das maiores tendências dos anos 2000, a moda emo. As bandas Cine, Hevo 84, Replace e Restart são as principais representantes do estilo. O termo se refere às roupas usadas pelas bandas e, em consequência, pelos fãs. Camisetas, calças skinny, tênis e acessórios chamativos ganharam as ruas e os adolescentes do fim dos anos 2000. Viviani Nogueira, 14 anos - criadora do perfil @family_restart com mais de 129 mil seguidores no twitter - define o estilo: “é um som alegre, contagiante, que faz você se divertir com a galera e a roupa colorida meio que combina com o som vibrante dessas bandas”. Mesmo tão recente, essa tendência já está fadada ao fim. Os precursores do movimento como a banda Cine abandonaram aos poucos o estilo. A Restart, maior representante, apareceu com dourado, preto e prateado no seu novo trabalho “Ge-ração Z” prometendo um som futurista.

Tribosurbanas

“A gente vai para a balada como se fosse gente morta”Os góticos andam pelas ruas como mórbidos:roupas pretas e maquiagem carregada

O movimento gótico, começou nos anos 70 no Reino Unido, é uma tribo que surgiu no período pós-punk. Chegou no Brasil nos anos 80 e recebeu a denominação Dark. Os integrantes desse grupo costumam ter um visual sombrio composto pela cor preta, por maquiagens e por cabelos desfiados e desgrenhados. É marcado por uma referên-cia literária e filosófica associada ao niilismo e ao hedonismo.Sônia Aparecida da Silva, 25 anos, pertence a tribo dos góticos desde os 13: “ Eu gosto de música gótica do final dos anos 70, início dos anos 80 como o death rock e vou para a balada como se fosse gente morta, a cara com bastante maquiagem mais clara parecendo filme de terror mais antigo”.Sônia afirma que os góticos sofrem preconceito por ter um visual pouco comum e podem ser confundidos com outras tribos que utilizam o preto no vestuário, como os punks e os skinheads, mas costumam ter uma postura menos agressiva e uma aparên-cia mais depressiva.

Funk carioca: mania nacionalPopularizado nos anos 80, o funk já chegou às rádios europeias

Apesar do nome, o funk nacional mais conhecido como funk carioca nada tem a ver com o movimento dos anos 60 que se une ao jazz, soul e R&B.Nascido no Rio de Janeiro, na década de 80, foi a batida do Miami Bass mistu-rada a letras nacionais que gerou o novo ritmo. Tendo se destacado nas comu-nidades periféricas, associado ao tráfico e as brigas de galeras da década de 90, já começou sendo menosprezado por outras parcelas da população.Nos anos 2000, novelas aderiram ao funk em suas trilhas sonoras e ajudaram na divulgação nacional junto ao sucesso Furacão 2000, inclusive fora do Brasil.Apesar de ter se espalhado pelo país e sido declarado movimento cultural e musical pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro em 2009, Fernanda Fer-reira, estudante de16 anos e frequentadora de bailes funk, reclama que ainda hoje há muita desconfiança em relação ao gênero e que já sofreu com isso. Mesmo assim, explica porque gosta do som: “o funk é um ritmo alegre e dan-çante e fala dos temas da nossa realidade”.

Os nerds mudaramJá foram os “excluídos”. Hoje são a tendência

“Muito inteligentes, mexem bem em computadores, tem medo de conversar com garotas”. Há alguns anos, essa frase era frequentemente designada aos “nerds”. Severamente estereotipada, hoje esse preconceito parece finalmente estar saindo da cabeça das pessoas. “Agora tá começando a tudo ficar no seu devido lugar”, conta o programador Ivan Ozores. “Quando contava que jogava Doom, as pessoas já ‘sabiam’ como eu era. Agora sabem que é somente um passatempo”, observa. A mudança é tão significativa que até o nome mudou. Agora não é mais “nerd”, e sim “geek”. E por mais que venha de um sentido negativo, a nomenclatura começa a ter mais adjetivos bons ao seu redor do que ruins. “Hoje ser nerd tá na moda”, conta o estudan-te Diogo Leal. E talvez esteja mesmo. A chegada da “geração 2.0” - como é dito nos blogs de tecnologias – fez com que mais e mais pessoas queiram usufruir das máquinas, principalmente do computa-dor e da internet. E sem medo de serem taxadas de algo por isso.

Ludmylla Rocha, Luís Morais, Luiz Barbiéri e Pablo Marques

A força do Hip HopRap e dança de rua alavancam o estilo, que já figura entre as “tribos” com

maior número de adeptos no Brasil

O berço do Hip Hop brasileiro foi a cidade de São Paulo, onde começou a se “multiplicar” a partir de 1980. Com influências de filmes como Flash Dance, e de consagrados artistas como Michael Jackson, que com passos como o back--slide popularizaram a dança de rua, o Hip Hop cresceu e hoje está entre as seis tribos com maior número de adeptos no país. As outras são as dos Ecléti-cos, Surfistas, Clubbers, Roqueiros e Esportistas. O projeto “Acesso Hip Hop”, na cidade de Bauru, é um exemplo do esforço dos membros dessa “tribo” para manter vivo o ideal do movimento. “O Hip Hop nasceu no cenário urbano. Trata, na maioria das vezes, de temáticas das perife-

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rias das cidades de médio e grande porte”, observa Sérgio Segal, participante do projeto. Ele destaca que, musical-mente, “o Hip Hop já é música popular, e tem se tornado cada vez mais pop. O interessante é que ainda assim, sendo mais comercial, é um movimento de resistência, conscien-tização, e de grande importância social nas periferias das cidades”.

Entrevista

ConeCte: Como foi a sua entrada no movimento skinhead?

David: Eu sempre gostei de his-tória, e cresci numa família com descendência espanhola, onde inclusive meu avô lutou na guer-ra civil espanhola, e eu sempre gostei dessa parte, principalmen-te do lado nacionalista, fascista e comecei a ler bastante sobre o as-sunto. Quando cheguei à adoles-cência, comecei a defender isso, e por consequência conheci pessoas que faziam parte do movimento, e acabei entrando. Fiquei dos 16 até os 18 anos. Depois de um tempo comecei a não ver mais propósito em tudo aquilo, fui morar fora, tive contato com outras culturas, e não via mais um porque em toda aque-la ideologia.

ConeCte: Como aConteCeu sua saída? mudou de ideia de repente, fiCou desiludido?

David: Não teve nenhum aconte-cimento específico, eu realmente não estava mais afim. Hoje já mu-dei minha cabeça, mas na época quando saí, continuei com a ide-ologia, eu só não queria mais fa-zer parte e nem defender grupo nenhum. As ideias começaram a perder o valor pra mim, e tempo depois eu comecei a ler bastante sobre outras ideologias que antes eu só pesquisava com o intuito de criticar, e passei a extrair o que ti-nha de bom em cada uma delas, como continuo fazendo até hoje. Não fico mais restrito apenas a uma ideologia e defendendo-a até a morte.

ConeCte: tem alguma Coisa da époCa que voCê sente falta?

David: Quando se é adolescente, você não tem muita responsabili-dade e ainda mais num grupo des-ses, onde querendo ou não você fica livre pra fazer o que quiser, xingar quem dá vontade. É uma liberdade que depois da vida ma-dura não existe, se você continua fazendo acaba indo para o lado cri-minoso. Um fator interessante des-ses grupos é que têm um código de conduta muito forte, um verda-deiro código de honra. Têm pes-soas que você nem conhece, nem é amigo, mas existe um respeito muito grande, por todo mundo ter um pensamento igual. Mesmo você não conhecendo direito a pessoa, passa a defendê-la até a morte e ela faz o mesmo por você. Isso é uma parte boa do movimento. Mas em compensação, essa conduta só existe entre as pessoas que fazem parte do grupo.

ConeCte: o que leva um adoles-Cente a aderir a uma tribo é a bus-Ca por uma identidade?

David: Tem um pouco disso tam-bém, mas no caso do grupo de que participei, a maioria entrava por-que gostava mesmo e tinha aquela vontade de mudar o mundo. Essas coisas são muito atraentes para um jovem, fazem ele se sentir im-portante. Qualquer um ali dá muita importância. Às vezes nem ligam muito pra ideologia, até simpatiza com ela, mas o verdadeiro motivo de entrar no grupo é alguma ca-rência, algum vazio na vida.

ConeCte: a rivalidade entre ski-nheads e punks já vem desde sua origem na inglaterra, ou no bra-sil, por exemplo, ela existe mais por ganguismo?

David: Sempre existiu uma riva-lidade, o problema é que hoje existem muito segmentos. Basi-camente falando, os punks são anarquistas e os skinheads são nacionalistas, e alguns são social nacionalistas, conhecidos como neonazistas. Mas, desde que o movimento skinhead surgiu existe essa rivalidade, ideológica ou não, às vezes por visual, uma coisa de

grupo mesmo. Existiram na histó-ria alguns segmentos de grupos opostos, que tinham alguma ideo-logia em comum, como os anarco--punks e skinheads comunistas e anarquistas que acabaram se unin-do. Aqui no Brasil, principalmente em São Paulo, a tendência tem sido essa, de união dos grupos. Antiga-mente elas eram bem raras, mas têm crescido bastante e acabam se formando gangues maiores. Antes eram várias menores, que em sua maioria era de uma molecada de-socupada, mas agora o negócio tá organizado, tem uns movimentos verdadeiramente engajados, com uma base política forte.

Acervo pessoal

O escritor e estudante de sociologia, David Vega tem 22 anos e durante dois foi membro de um grupo skinhead social-nacionalista, uma das vertentes mais radicais e polêmicas do movimento. Toda a experiência de David como “careca” foi relatada no livro Cadarços Brancos, lançado em 2010. Confira nessa entrevista exclusiva.

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Bruno Marise

Conflito de Ideias Devido à multiculturalidade, ideologias diferentes e influências bastante diversas, as tribos urba-nas tendem a ter conflitos entre si. Alguns já são históricos e regis-tram casos de violência e muitas manchetes na mídia. O professor da USP Arthur Laura, com doutora-do nessa área, acredita que a vio-lência derivada das tribos existe há muito tempo, mas que atualmente são esporádicos e bastante espe-cíficos. Ele também afirma que o termo está um pouco desgastado, pois antigamente esses grupos ti-nham um ponto de encontro, uma verdadeira convivência e frequen-tavam os mesmos lugares, e agora tudo se tornou predominantemen-te virtual, o que perde a caracteri-zação de “tribo”, e a definição mais correta é a de “performance”. Talvez a rivalidade mais gra-ve e que mais se destaque é entre os Punks e Skinheads Comunis-tas e Anarquistas e os Skinheads Neonazistas. O movimento Punk surgiu no final da década de 70, derivado do Punk Rock, estilo mu-sical que prezava por tirar todos os

excessos do Rock, e simplifica-lo ao máximo, resgatando o frescor e energia das décadas passadas. O gênero, nascido nos Estados Uni-dos com os Ramones, se espalhou e fez enorme sucesso na Inglater-ra, onde o estilo musical ganhou proporção de movimento político, cultural e ideológico, geralmente de contestação social e com uma guinada para a esquerda e até o anarquismo. Já o movimento Ski-nhead, ao contrário do que pen-sa a grande maioria, não tem sua origem em ideais Neo Nazistas. Ele nasceu no final da década de 60 na Inglaterra, devido á união de operários britânicos com imigran-tes jamaicanos, que cultuavam a virilidade, o futebol (que daria origem aos hooligans) a cerveja, e o ska e rocksteady, (estilos prece-dentes do reggae) além de serem totalmente apolíticos. Essa ver-tente ficou conhecida como Tra-dicional. Dessa cultura, surgiram vários segmentos, mais influencia-dos pela política, como os RASH, abreviação de Red and Anarchists Skinheads (Skinheads comunistas

Bruno Marise

e anarquistas) e os White Power, esses sim com ideais nacionalistas, homofóbicos e neonazistas, tam-bém conhecidos como boneheads. A última, totalmente conservadora acabou entrando em conflito com os ideais políticos dos Punks e Ski-nheads anarquistas e comunistas, que tem uma maior aproximação. E a violência, sempre esteve pre-sente nessa briga. Mesmo sendo uma cultura estrangeira, no Brasil existem inú-meros casos de violência entre es-sas duas facções que ficam muito famosos na mídia, a mais recente ocorreu no mês de setembro, em São Paulo, onde um grupo de Ski-nheads anarquistas e punks en-frentou Skinheads neonazistas em uma violenta briga que resultou na morte de um jovem, e vários feridos. Arthur defende que casos como esses são pontuais, e que a violência no mundo das tribos se dá mais contra órgãos de repres-são como a polícia, e que mesmo assim, atualmente são muito me-nores, já absorvidos pela socieda-de.

ConeCte: existe mesmo uma Conotação polítiCa, ou a maioria dos grupos tem Como objetivo a violênCia, o vandalis-mo?

David: Depende, existem alguns grupos que não necessariamente são violentos, mesmo com um discurso mais conserva-dor, mas que repudiam o ganguismo e buscam realmente um ativismo político, sem violência. Porém, geralmente os ca-sos de violência se dão entre molecada mesmo. A ideologia vira só pretexto.

ConeCte: Como voCê vê a Cobertura da mídia em Casos de violênCia ligados aos skinheads?

David: O problema é que a mídia não trata muito do assunto, e quando trata é baseada apenas em algum caso mais pontual, e os grupos acabam sendo associados só à violência. Porém, es-ses grupos também têm sua parcela de culpa, pois não colaboram para se ex-

pressar de uma maneira diferente. Cla-ro que é complicado, porque eles são perseguidos, é difícil defenderem suas ideias abertamente em um país onde a constituição não permite. Mas eles poderiam expressar seus pensamentos através de blogs, textos e tentar mu-dar o pensamento dos demais acerca do movimento. E quando um repórter tenta entrevistar alguém de um gru-po, a pessoa se nega. Os poucos que aceitam falar acabam querendo de-monstrar poder, são arrogantes e aí todo mundo acaba se posicionando contra. E quando a mídia não está bem informada e retrata - até por causa dos próprios membros, por se manterem quase na clandestinidade - acaba se baseando só na violência.

ConeCte: existe diferença entre tribo e gangue? qual é?

David: A tribo não necessariamente está ligada à violência, é uma união

de pessoas com um pensamento igual, com roupas iguais, que cultuam uma ideologia em comum. Já as gangues es-tão relacionadas ao crime. Até a própria palavra têm uma conotação agressiva, que remete aos gângsteres.

“Tribos Urbanas, você e eu – conversas com a juventude”, Wilma Regina Alves da Silva. Paulinas, 2009

“Retratos de uma tribo ur-bana: rock brasileiro”, Alm-erinda Guerreiro. Centro Edi-torial e Didático da UFBA, 1994.

Para ler:

As rivalidades entre os grupos

urbanos de jovens foram

inevitáveis.Mas será que elas ainda

existem?

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1– Qual lugar você gostaria de frequentar? a) sorveteria b) uma campina florida c) um beco escuro d) o jockey clube da cidade

2– Com que roupa você sairia? a) jaqueta de couro e calça jeans b) bata florida e sandália de dedo c) coturno e calça rasgada d) suéter de poliéster e meia 3/4

3– O que você escutaria? a) Chuck Berry, Elvis Presley e Buddy Holly b) Janis Joplin, The Doors e Grateful Dead c) Ramones, Dead Kennedys e Sex Pistols d) The Beatles, Beach Boys e Monkees

4– Qual seria seu meio de transporte favorito? a) scootter b) carona c) a pé d) esportivo conversível

5– O que você faria para mudar o mundo? a) dividiria um milkshake gigante b) daria flores para policiais c) quebraria tudo e todos d) compraria um mundo novo com o dinheiro do meu papai

A: GREASER: Você deve vibrar no balanço do filme “Grease”. Milkshake é a melhor pedida pra qualquer hora do dia. Com uma jaqueta de couro

ou um vestido rodado, a diversão é dançar muito rock’n’roll com a galera.

B: HIPPIE: Tá tudo bem, tá tudo beleza, é tudo lindo! Essas seriam suas frases motivacionais, pois você seria um “ripongo” que adora festivais de música,

ser desencanado e curtir uma “fumaça amiga”.

C: PUNK: Se o seu resultado foi esse, você adoraria andar por aí com a sua gangue de moicano, roupas rasgadas e tocando o terror. Usar as bandas que ouve na camiseta e odiar o mundo seriam alguns dos seus

passatempos favoritos.

Se você marcou mais...

D: PREPPY: Provavelmente você adoraria passar uns dias em Palm Beach e fazer compras na Lacoste. Se você fosse preppy, não perderia um jogo de

polo e passaria horas na beira da piscina do clube.

QUADRINHO

E você? Com qual tribo do passado

você mais se identi-fica? Descubra agora

no nosso teste!

TESTE

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Pedro Hungria