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CONFLITOS SOCIAIS EM O CORTIÇO: leitura interativa e integrativa

Maria Rosvaine Barco Catto1 Milton Hermes Rodrigues2

Resumo

O presente artigo analisa os resultados da Implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica em Literatura, desenvolvido para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Vital Brasil, no município de Maringá, no período de setembro a novembro de 2011. O interesse em apresentar um autor consagrado da literatura clássica brasileira surgiu a partir da constatação de que o aluno de hoje não conhece e não se interessa por esse tipo de leitura. Com o objetivo de despertar e desenvolver o espírito crítico no aluno foi selecionado a obra O cortiço, para uma leitura interativa e integrativa. O trabalho fundamentou-se na Teoria da Recepção, que considera o horizonte de expectativa do leitor antes e após a leitura. A metodologia adotada foi a do Letramento Literário, que tem a abordagem temática como o modo mais familiar de tratar uma obra. Os objetivos complementares foram situar o aluno dentro de contextos sociopolíticos e históricos em relação à obra lida; mostrar as desigualdades sociais presentes no romance de Aluísio Azevedo; discutir relações entre periferia, marginalidade, preconceito e discriminação comparando contextos sociais diferentes e a situação ficcional em face da realidade; debater sobre a figura do imigrante no Brasil; oportunizar outros códigos informativos relacionados com a obra: filme, música, HQ. As etapas do trabalho foram divididas em três: antes da leitura, durante a leitura e após a leitura. Na primeira etapa, realizou-se uma sondagem para conhecer os hábitos de leitura do aluno; na segunda, apresentação do contexto histórico da época e, na última, sondagem para conhecer a opinião do aluno quanto ao livro e atividades. Ao final do trabalho, constatou-se a necessidade em selecionar obras que se aproximem do contexto em que o aluno está inserido, possibilitando o jovem leitor apreciar a literatura canônica.

Palavras- chave: Leitura literária; O cortiço; Horizonte de expectativa; Estratégias didático-pedagógicas.

1- Pós-graduada em EJA e Didática e Metodologia do Ensino,professora e pedagoga da rede

estadual de ensino, participante PDE 2010 – SEED -PR 2- Doutor professor do curso de Letras na Universidade Estadual de Maringá – PR -UEM

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1 Introdução

Atualmente a literatura vem sendo reduzida no espaço escolar a leituras

rápidas, fáceis, que atendem desejos imediatos, ligados a modismos. Na maioria

das vezes, a seleção de livros é feita de acordo com temas popularizados. Neste

sentido, o cinema, a televisão e a internet exercem grande influência nos jovens

leitores, pois ditam, através de programas, jogos e páginas da web os modelos a

seguir, e nem sempre contemplam a literatura devidamente.

A literatura tem natureza questionadora e, quanto ao ponto de vista didático-

pedagógico, consegue exercer papel social ao propiciar, com determinado tipo de

leitura, a formação mais rica do indivíduo:

A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob pena de mutilar a personalidade porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza. Negar a função da literatura é negar a nossa humanidade. (CANDIDO, 2004, p.186)

A leitura intervém em todos os setores para o desenvolvimento intelectual do

aluno. O fato de não ler, ou de não ter interesse por obras literárias, pode trazer

consequências na sua formação, visto que literatura e leitura são muito próximas. O

ensino de literatura nos Ensinos Fundamental e Médio enfrenta, já há algum tempo,

uma crise devido à necessidade de abandonar o método historiográfico (Zilberman,

2008, p.50).

De acordo com Cosson (2006, p.22), no Ensino Fundamental predominam as

interpretações presentes no livro didático, realizadas, frequentemente, por meio de

textos incompletos, resumos e fichas de leitura. Já a literatura no ensino médio

segue o livro didático, com aulas informativas sobre autores, características de

escolas e obras, com raras oportunidades de leituras de um texto integral e, quando

isso acontece, há preferência na cobrança pelo resumo ou, quando muito, por

debate nem sempre eficiente.

Em consequência dessa prática, na sala de aula, os alunos demonstram

desinteresse pelos textos literários e não compreendem sua importância no seu

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processo de formação. “[...] um dos sintomas da crise do ensino da literatura é a

falta de leitura por parte dos estudantes e o desconhecimento do patrimônio literário

nacional” (Zilberman, 2008, p.52).

A experiência como docente revela que a maioria dos alunos pouco lê e,

consequentemente, evita as leituras consideradas difíceis, chatas e desconectadas

com a realidade. Antônio Cândido afirma que se a grande massa não lê, não é por

incapacidade, e sim por privação (1995, p.262). Privar as camadas populares do

acesso às leituras e aos clássicos representa autoritarismo e supremacia de uma

parte da sociedade sobre a outra. “Uma sociedade justa pressupõe o respeito aos

direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e

níveis são um direito inalienável” (idem, 263).

Quando se fala de obra literária “canônica”, aquela consagrada pelos manuais

didáticos, fala-se de histórias contadas por homens com uma imaginação rica e

estilo artístico. Histórias que podem fazer com que o leitor chore, ria, se revolte,

ame, se delicie ou até não goste do que lê. Mas o mais importante nesse processo

de ler é a interação que se dá entre o texto e o leitor no ato da leitura. Ler implica

prazer e amplia a imaginação.

Cabe principalmente ao professor passar aos seus alunos a visão de que a

literatura “canônica”, a boa literatura, é assim concebida pela sua importância dentro

da construção da cultura nacional. Trata-se simplesmente de histórias que podem

fazê-los sentir diferentes emoções, assim como os livros da atualidade podem fazer.

Podemos ler o presente pelo passado.

Como educadora de Língua Portuguesa há mais de 20 anos, pude constatar o

crescente desinteresse do aluno pela literatura. Na passagem do ano final do Ensino

Fundamental para o Médio ocorre uma ruptura e, em muitos casos, com prejuízos

na aprendizagem. Os três anos do ensino médio trazem a literatura como conteúdo

obrigatório e os primeiros contatos com os “clássicos” brasileiros. Não se deve

deixar que essa apresentação à literatura cânone inicie-se somente nessa fase de

estudos, é necessário que se adote o hábito de leitura com maior grau de

aprofundamento, gradativamente, a partir do 9º ano do ensino fundamental.

Quando se trata de estudantes, é importante em sua formação a leitura dos

clássicos universais e dos melhores autores nacionais. Por isso, é preciso trazer a

literatura para a sala de aula, para “despertar” no aluno o sabor de ler, é preciso

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também propiciar condições para o prazer como satisfação de necessidades e para

a consciência social pela literatura. Ítalo Calvino (2000, p.43) afirma: “Minha

confiança no futuro da literatura consiste em saber que há coisas que só a literatura

com seus meios específicos nos podem dar”.

A realização deste trabalho buscou apresentar aos alunos uma obra da

literatura clássica brasileira, em particular, uma obra representativa. Muitas formas

de literaturas são aceitas no universo dos jovens hoje em dia, mas o interesse pelo

cânone é pequeno. Partindo desse pressuposto, era necessário escolher uma obra

transtemporal, cujos temas pudessem ter relação com o contexto atual, já que nos

interessava a relação entre literatura e sociedade.

A preocupação ao selecionar o romance O cortiço, de Aluísio Azevedo, deu-

se ao fato de se tratar de uma obra do século XIX e apresentar uma linguagem em

desuso, aspectos que poderiam ser discutidos, desenvolvidos. Os temas abordados

no romance tornaram-se um facilitador para ampliar as discussões e contrapor com

situações atuais.

O projeto tinha como objetivo geral, depois da aferição do horizonte de

expectativa dos alunos, despertar e desenvolver, com a leitura social de O cortiço, o

espírito crítico do aluno para estabelecer relações com os contextos sócio-históricos.

Para tanto, foi preciso situar o aluno dentro de contextos sociopolíticos e históricos

em relação à obra lida.

A partir do questionamento dos hábitos de leitura dos adolescentes e do

objetivo em incentivá-los a ler uma obra canônica, o presente artigo apresenta o

resultado de uma pesquisa realizada com os educandos do nono ano e seus

interesses pela leitura. Os resultados apontaram para obras de literatura estrangeira,

principalmente as consideradas literaturas de massa. As discussões aqui

apresentadas têm a intenção de fazer uma reflexão sobre essas preferências, as

quais também ajudaram na escolha da obra e das estratégias didático-pedagógicas.

O artigo se compõe das seguintes partes: apresentação e discussão da

pesquisa (questionário inicial), com gráficos demonstrativos dos resultados obtidos

dos questionamentos, e análise dos dados. Na segunda parte, apresento as etapas

aplicadas durante a leitura e comentários das atividades realizadas. Na terceira e

última parte do trabalho, exponho as atividades pós-leitura, pesquisa (questionário

final) com gráficos ilustrativos, a análise dos dados obtidos.

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2 Fundamentação teórica

A leitura é o principal aspecto constituinte do pensamento crítico. O bom leitor

é capaz de relacionar as intenções comunicativas impostas no discurso porque ler é

um processo abrangente e complexo. De acordo com Freire (1981, p.11) “a

compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção

das relações entre o texto e o contexto”.

O nosso aluno está muito distante do leitor que se espera; segundo Marisa

Lajolo (1999, p. 105), o leitor diante de um texto escrito precisa ter autonomia não só

para a decodificação da mensagem, mas para estabelecer conjecturas mínimas de

relações estruturais e contextuais ampliando a significação do texto e a

multiplicidade de relações entre texto e leitor.

O ensino de literatura deve ser capaz de formar um cidadão autônomo, com

condições de interagir com a realidade contemporânea. Porém as escolas

transformam obras de grandes escritores, como Aluísio Azevedo, em verdadeiros

suplícios.

A função social da literatura é estimular o leitor para uma maior percepção do

mundo que o cerca, fazer com que o perceba em sua pluralidade e diversidade,

leitor e leitura atuando na construção de um processo social de mão dupla,

desenvolvendo um tipo de ação que se dá em espaço bastante amplo, pois os

inumeráveis sentidos atribuídos a um texto literário, e dele também absorvidos,

entram em consonância com a história de vida e o imaginário de cada um.

O universo literário, fruto da imaginação criadora do artista e do trabalho

artístico com a palavra, revela e exprime a natureza humana. Segundo Antonio

Candido (1972, p.802), como expressão do homem, a literatura assume três

funções: a psicológica, a educativa e cognitiva. A função psicológica é a primeira

que nos ocorre quando pensamos no papel da literatura. “A produção e fruição desta

se baseiam numa espécie de necessidade universal da ficção e fantasia, que de

certo é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em sua vida como

indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais elementares”

(Candido, 1972, p.804).

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De fato, a literatura preenche a necessidade de fantasia inerente ao homem.

Contudo, na literatura, a fantasia tem sua base na realidade, e exige forte

participação do leitor. E nessa relação com o real a literatura exerce função

formativa. Mas é pelo discurso artístico que o homem começa a ter consciência de si

e da realidade que o cerca e, assim, a arte literária passa a ter função cognitiva.

A literatura é um conjunto de vivências que contribui para o desenvolvimento

das capacidades leitoras do aluno ao mesmo tempo em que amplia seus horizontes

linguísticos, culturais e pessoais. É uma das artes a ser ensinada na escola e, em

especial, as literaturas definidas como “clássicas”, pois nelas encontramos

elementos em comum com nossa vida e sentimentos como: amor, ciúme, inveja e

ódio. Os autores mais antigos focavam-se na análise introspectiva dos personagens

e seus costumes e, por mais que essas obras tragam uma realidade distinta da

época em que vivemos, ainda assim nos permite, por aproximações e confrontos,

compreender esse contexto novo. A estética da recepção, ao desenvolver a ideia de

horizonte de expectativas, ao sugerir a aferição do mesmo, permite a descoberta de

estratégias didáticas que auxiliam a passagem desse conhecimento aos alunos.

A historiografia sem contextualização torna-se sem sentido para os alunos,

principalmente o nosso jovem leitor que precisa perceber uma proximidade com seu

mundo real, até porque a literatura tem como uma de suas funções a representação

do real. O crítico e sociólogo Antonio Candido (1972, p.53) diz: “a arte e, portanto, a

literatura, são uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização

formal da linguagem, que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os

seres, os sentimentos...”

Contextualizar compreende o aprofundamento da leitura por meio dos

contextos que a obra lida traz. Rildo Cosson (2006, p.86) argumenta que o número

de contextos a serem explorados em uma obra é, em teoria, ilimitado, mas é na

presentificação e na temática que a contextualização busca correspondência da

obra com o presente da leitura, sendo a abordagem temática o modo mais familiar

de tratar uma obra para qualquer leitor.

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3 Metodologia

A metodologia utilizada foi, no geral, sugerida pela Estética da Recepção, que

considera a literatura enquanto produção, recepção e comunicação, uma relação

dinâmica entre autor, obra e leitor. De acordo com estudos de Jauss (1994, p.6), a

interação do indivíduo com o texto faz com que o sujeito reconheça o outro,

rompendo, assim, o seu individualismo e, consequentemente, promovendo a

ampliação dos horizontes proporcionada pela obra literária. De acordo com

Eagleton (1983, p.105) a atribuição de significado que cada um faz de uma obra

literária se concretiza na recepção e sem a participação ativa do leitor, não há obra

literária. A “Teoria da recepção” de Hans Robert Jauss (1994) apresenta alternativas

para iniciar a literatura com os alunos sem eliminar a história, aproximando autores e

obras de diferentes épocas e a literatura de outras linguagens artísticas: cinema,

música, teatro, entre outras. Essa teoria está formulada e fundamentada em sete

teses: a primeira diz respeito ao diálogo estabelecido entre a obra e o leitor; a

segunda, que o horizonte de expectativas determina a recepção e a disposição da

compreensão subjetiva do leitor; a terceira tese postula que o texto pode satisfazer o

horizonte de expectativas do leitor ou não, podendo provocar o rompimento desse

horizonte, em maior ou menor grau; a quarta fala da possibilidade de distintas

interpretações entre a recepção do passado e a atualização no presente; as três

últimas teses, em particular, apresentam metodologias para o estudo da obra

literária.

Para o desenvolvimento deste trabalho foram adotadas as quatro primeiras

teses defendidas por Jauss. Para a viabilidade e a concretização dos princípios

defendidos nessa teoria adotaram-se os seguintes procedimentos: investigação das

expectativas do aluno em relação a leitura (questionário inicial e final); análise dos

dados obtidos antes e após leitura; aplicação de atividades desenvolvidas para os

três módulos (antes, durante e após a leitura). Com o intuito de atingir aos objetivos

propostos no projeto foi preciso utilizar vários recursos como vídeos, músicas, HQ,

ficha de leitura, debates, imagens, fotos, powerpoint e apresentação e comentários

das temáticas presentes no livro.

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4 Desenvolvimento

Nesta parte, apresento de forma mais detida as atividades de aplicação da

produção didático-pedagógica, os respectivos resultados e comentários de cada

uma delas. As atividades são dispostas em módulos: I; antes da leitura; II; durante a

leitura; e III, após a leitura. Cada atividade é descrita com os resultados obtidos,

erros, acertos, análise criteriosa da implementação e avaliação dos objetivos

atingidos.

4.1 Módulo I antes da leitura

Como previa a primeira etapa da Implementação Pedagógica em Literatura,

PDE 2010, foi realizada no dia 20 de setembro de 2011, uma pesquisa com os

alunos do 9º ano do Colégio Estadual Vital Brasil, na cidade Maringá, Estado do

Paraná. A pesquisa contemplou a primeira etapa de aplicação da proposta,

denominada “antes da leitura”, e teve como objetivo coletar informações sobre o

comportamento dos alunos quanto à leitura. Havia necessidade de averiguar o

interesse e hábitos desses jovens leitores. Era preciso considerar seus

conhecimentos prévios e suas expectativas em relação ao texto literário, sua

experiência de leitura e nível de compreensão em face de uma obra mais complexa:

na temática, na linguagem, nos estilos e nas técnicas.

A pesquisa quantitativa, aplicada para os 64 alunos, turmas A e B do período

da manhã, vislumbrou possibilidades de se criar um atalho para a leitura. As 13

questões indicaram que o aluno/leitor possui um horizonte ainda limitado, mas em

processo de transformação. O livro O cortiço poderia confirmar ou perturbar esse

horizonte em termos de expectativas, limitações ou mudanças, pois a leitura exigiria

do aluno domínio da língua e de suas nuances, de tempo e concentração,

determinação em buscar o sentido para muitas palavras desprovidas, imediatamente

para eles, de significados, em buscar conhecimento sobre as temáticas na obra,

além da vontade de querer aprender, imaginar e finalizar a leitura para saber o

desfecho do romance. Era preciso formar um diálogo entre leitor e obra e que

interação da tríade autor/obra/leitor seria adequada para a leitura. Portanto, as

etapas propostas inicialmente na produção didático-pedagógica obedeceriam a esta

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sequência para que o horizonte de expectativas se ampliasse. Aguiar e Bordini

(1993) afirmam que o ideal é fazer o cotejo de obras de diferentes épocas para

acompanhar a evolução e a mudança de perspectiva que, de certo modo, também

integram o significado do texto atual. É necessário contextualizar, tornar a

mensagem pertinente e significativa ao grupo, comunicando todos os atributos

inerentes à mesma, mas levando em consideração as circunstâncias culturais que a

envolvem, no sentido de prover uma melhor compreensão da mesma e nunca uma

modificação. Por isso a decisão em investigar os hábitos de leitura do público a que

se destinava o projeto. Na sequência, apresento a aferição do horizonte de

expectativa: o resultado estatístico e a análise dos dados desta investigação.

A PESQUISA

1- Você considera a leitura importante?

Respostas Frequência Percentual

Sim 63 98

Não 01 02

Total 64 100

2- Caso a resposta anterior seja afirmativa escolha a opção que justifique sua resposta anterior.

Respostas Frequência Percentual

Melhora o vocabulário 37 59 Estimula o imaginário 05 08 Facilita a expressão oral 07 11 Auxilia na escrita 09 14 Desperta e/ou enriquece o senso crítico 05 08 Total 63 100

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3- Você lê: Respostas Frequência Percentual

Por prazer 42 66

Por obrigação 22 34

Total 64 100

4 - Dentre as pessoas abaixo, qual o influenciou na leitura?

Respostas Frequência Percentual

Professor(a) 15 24

Família 25 39

Amigos 04 06

Nenhuma das alternativas 08 12

Desenvolveu o gosto sozinho 12 19

Total 64 100

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5 - Qual gênero textual você mais gosta de ler?

Respostas Frequência Percentual

Poesia 12 11

Texto informativo 25 23

Revista esportiva 19 17

Jornal 07 06

Contos 24 21

Crônicas 17 15

Anedotas 03 03

Outros 04 04

Total 111 100

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6 - Ao escolher um livro para ler você o seleciona:

Respostas Frequência Percentual

Pelo número de páginas 4 6

Pelo título 12 19

Pelo assunto 33 51

Pela indicação de alguém 05 08

Pelo resumo da obra 10 16

Total 64 100

7 - Qual tema o atrai ao selecionar uma leitura?

Respostas Frequência Percentual

Romance 11 17

Suspense 3 5

Aventura 15 23

Terror 01 02

Drama 01 02

Relacionamento pessoal 03 05

Humor 17 26

Esporte 06 09

Mistério 07 11

Total 64 100

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9- Seus pais têm o hábito de leitura? Respostas Frequência Percentual

Sim 42 66

Não 22 34

Total 64 100

8 - Quais entretenimentos (lazer) você costuma ter?

Respostas Frequência Percentual

Navegar na internet 53 30

Jogar videogame 12 07

Assistir televisão 16 09

Ir ao cinema 08 04

Ouvir música 30 17

Conversar no MSN 20 11

Praticar esportes 14 08

Sair com amigos 22 12

Ir ao shopping 03 02

Total 178 100

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10- Seus pais são assinantes de algum periódico?

Respostas Frequência Percentual

Sim 25 39

Não 39 61

Total 64 100

11- Reposta afirmativa marque a(s) alternativa(s) correspondente(s):

Respostas Frequência Percentual Jornal 12 48

Revista 10 40

Livro 3 12

Total 25 100

12- O que o atrai ao escolher um livro para leitura?

Respostas Frequência Percentual

Não Sabe/Não Respondeu 03 03

Quando acha interessante 02 02

Capa 20 22

Título 17 18

Resumo 12 13

História 11 12

Autor 04 04

Assunto 16 17

Recomendação 02 02

Não lê livros 01 01

Número de páginas 06 06

Total 94 100

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13 - Cite o título do último livro que leu.

Respostas Frequência

Não sabe/Não Respondeu 21

A marca de uma lágrima 5

Harry Potter 5

Caçador de pipas 3

Pretinha e eu 2

Quilombo 2 A cabana 2

Marley e eu 2

O diário de um adolescente hipocondríaco 1

Meu querido diário otário 1

Sete facções 1 Coração de tintas 1

Memórias de um corsário 1 Robinson Crusoé 1

Cartas de Evita 1

O barco do demônio 1 Insônia 1

A cidade do sol 1 A vida secreta de Jonas 1 A menina que roubava livros 1 Amanhecer 1 A feiticeira 1 Ensaio de um beijo 1 Eclipse 2 Fala sério amiga 1 Uma professora muito maluquinha 1 A árvore que dava dinheiro 1 A fábrica de sonhos 1 Crônicas de Nárnia 3 Total 66

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Análise dos dados da pesquisa

De acordo com Jaime Roy Doxsey e Joelma de Riz3 (Metodologia da

Pesquisa Científica, 2003), pesquisar é conhecer a realidade. É levantar

informações significativas e representativas existentes nesta realidade, às quais

chamamos “dados”.

Ao ser questionado quanto à importância da leitura, a maioria dos

entrevistados, quase absoluta, 98%, considera importante o ato de ler, e cerca de

2%, não. Os resultados apontam que nossos jovens atribuem essa importância à

leitura porque são influenciados pelo meio em que se encontram boa parte do seu

dia, a escola, visto que diariamente estão em contato com algum tipo de texto

presentes nas diversas aulas e disciplinas e, certamente, mais algumas horas em

casa. O percentual nos aponta um grau elevado de importância para o ato de ler,

mas é preciso avaliar como está o nível de construção de significados quanto à

leitura realizada. Temos, neste caso, um paradoxo entre ler e o nível de leitura. A

atividade de leitura exige do leitor mais que a habilidade de decifrar códigos; exige

uma compreensão que deve ir muito além daquilo que está nas linhas, daquilo que

os olhos percebem. A leitura envolve processos mentais não só de decodificação,

mas de análises, de inferências.

Quando questionados sobre os motivos de considerarem a leitura importante

nos deparamos com resultados um tanto curiosos: 59% dos entrevistados justificam-

se dizendo que melhora o vocabulário; 14%, que auxilia a escrita; 11%, que facilita a

expressão oral; 8%, que estimula o imaginário e 8% dos entrevistados dizem que a

leitura desperta e enriquece o senso crítico. Verifica-se que as justificativas dadas à

importância da leitura estão de acordo com a rotina do cotidiano escolar e o

destaque está na forma de se expressar. O conjunto das respostas nesta questão

está interligado e se complementa entre si, e isso demonstra que os alunos têm

consciência de que ler é fundamental para o aprendizado. Para eles a leitura é

importante não apenas por ser necessária na formação escolar, mas também por

permitir o entendimento de assuntos distintos, conhecer culturas diferentes, formar

3 ESAB - Escola Superior Aberta do Brasil - Metodologia da Pesquisa Científica, 2

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uma ideia própria e madura dos fatos, refletir mais rápido, ampliar o vocabulário e

ajudar a se expressar melhor na escrita. A formação de cidadãos conscientes com

capacidade de comunicação, de pensamento, perpassa pela leitura e a escola

assume papel fundamental no processo de formar leitores.

Na pergunta “por que liam?” 66% responderam por prazer e 34%, por

obrigação. O resultado demonstra um índice que precisa ser pensado com certo

cuidado, pois se observa que o hábito da leitura entre os entrevistados, mesmo

sendo dois terços por prazer, o índice dos que leem por obrigação – um terço – é

bastante significativo. Isto demonstra que algo em relação ao estímulo à leitura deve

estar falho em algum aspecto, pois são alunos no último ano do ensino fundamental

e, nesta fase, o despertar para o conhecimento de forma global, que passa pela

leitura, é muito importante para a continuidade da vida escolar. A falta de estratégias

para uma aula de leitura pode ser motivo para os alunos lerem somente por

obrigação. Seria importante que antes da leitura, o professor tecesse alguns

comentários sobre a obra, despertando, naqueles não muito motivados, o interesse

pelo enredo. O professor deveria dedicar também momentos após-leitura, permitindo

espaços para possíveis interpretações e níveis mais profundos de compreensão.

Em relação á influência para ler, a família exerce um papel importantíssimo.

Dos que leem, 39% são influenciados por algum membro familiar; 24%, pelos

professores; 19% desenvolveram o gosto sozinho; 6% têm nos amigos a maior

influência e 12% não souberam dizer, pois nenhuma das alternativas apresentadas

correspondiam a uma opção possível para eles. Nessa questão específica, verifica-

se que o papel da família (pais, irmãos e outros parentes) e dos professores é

fundamental como fonte incentivadora ao hábito da leitura. Isso ficou evidenciado

por dois terços dos entrevistados, mas o gosto pela leitura por iniciativa própria é o

destaque principal, pois atingiu um quinto das respostas. De acordo com uma

pesquisa encomendada pelo Instituto Pró-Livro4 e feita pelo IBOPE5, em 2007, a

mãe era a principal incentivadora da leitura nos lares. Segundo os números, uma em

cada três pessoas entrevistadas tinha lembranças da mãe lendo algum livro e 49%

delas creditavam ao afeto materno o grande incentivador no processo de ler por

prazer. Os dados apontavam que o segundo maior incentivo vinha dos docentes. A

4 Instituto Pró-Livro - Retratos da Literatura no Brasil - Pesquisa realizada em 2007 e 2011.

5 IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística

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mesma pesquisa, em 2011, mostrou uma inversão, sendo o professor a pessoa mais

influente. Temos, neste sentido, a constatação do valor familiar interferindo nos

hábitos de leitura e a importância do professor neste processo de ler por prazer.

Ao serem questionados sobre qual gênero textual gostavam de ler, 23% dos

entrevistados responderam textos não literários; 21%, contos; 17%, revistas

esportivas; 15% escolheram crônicas; 11%, poesias; 6%, jornais; 3%, anedotas, e

4% disseram que gostavam de outros gêneros. As escolhas dos alunos não

apontam para os gêneros mais trabalhados em sala de aula. Nota-se certa

regularidade nas preferências e os índices estão distribuídos de forma similar

segundo seus gostos, demonstrando uma relação correta com o cotidiano interno e

externo. Os índices apontam uma preferência por leituras mais rápidas, ao encontro

da vida moderna, cheia de tecnologia. Os adolescentes atuais têm certa resistência

com textos mais longos e lentos; preferem os de fácil digestão.

Um aspecto interessante da investigação foi quanto aos critérios para

escolher um livro para ler e estudar. Esta era uma pergunta fechada de múltipla

escolha e as opções pelo tamanho da letra e pelas ilustrações não foram escolhidas.

Alguns dados interessantes: 51% dos alunos selecionam o livro pelo assunto; 19% o

fazem pelo título; 16%, pelo resumo da obra; 8%, por indicação de alguém e

finalmente, 6%, pelo número de páginas. Vê-se aqui que a seleção ocorre

principalmente pelo assunto abordado e isso é muito importante. Portanto, cabe a

nós, professores, indicar leituras com temas voltados à realidade e ao interesse

desses jovens. Outro aspecto pertinente é termos 19% que escolhem um livro

somente pelo título. Neste caso, percebe-se que não há nenhum critério de seleção,

isso pode provocar desinteresse pela obra e, fatalmente, leitura inacabada. O

resumo da narrativa ainda é um fator de escolha, logo, se a sinopse estiver bem

feita, certamente o livro será selecionado, caso contrário, não. Nessa questão fica

uma pergunta inquietante, será que os alunos de 9º ano não são críticos o suficiente

para selecionar uma leitura por outro viés diferente dos que foram citados? Foram

eles verdadeiramente sinceros?

Quanto ao tema selecionado para leitura, 26% dos entrevistados disseram

escolher o gênero humor; 23% preferem aventura; 17%, romance; 9%, esporte; 5%

escolhem temas voltados ao relacionamento pessoal; 5%, o gênero suspense, e 2%,

drama e terror. Na seleção dos temas percebemos pelas respostas que elas são

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compatíveis com a faixa etária dos entrevistados. Os interesses são condizentes

com o meio e o convívio social próprio da idade. Percebe-se isso nos índices

referentes aos gêneros humor e aventura, que favorecem leituras gostosas e

rápidas. Impor um gênero diferente requer apresentar bibliografias e comentar sobre

algumas obras para iniciar outras leituras e despertar o interesse. A difusão da

cultura digital, proporcionada pelo avanço tecnológico, gerou um contato mais

constante do leitor com outros gêneros textuais e o professor deve tirar proveito

disso adaptando a leitura aos recursos tecnológicos, em determinados momentos.

Para entendermos melhor as preferências e temas para leitura é necessário

penetrar no universo desses jovens. Ao questioná-los sobre os entretenimentos

(lazer), obtivemos os seguintes índices: 30% preferem navegar na internet; 17%

optaram por ouvir música; 12% preferem sair com amigos; 11%, conversar no MSN;

9% gostam de assistir à televisão; 8%, praticar esportes; 7%, jogar videogame; 4%,

ir ao cinema; 2%, ir ao shopping. Os índices apontam para situações de pouco

envolvimento reflexivo e retorno rápido, pois essas modalidades de divertimentos

não exigem tanta concentração e imaginação. As respostas demonstram o que já

percebíamos há algum tempo no cotidiano escolar: nossos alunos querem fazer tudo

o que é rápido e com baixo nível de exigência, daí a razão pelo pouco interesse pela

literatura. A análise que se pode fazer é que 41% dos alunos entrevistados têm

como lazer a internet e o MSN, um percentual bastante significativo que aponta o

convívio com o computador como o entretenimento preferido. A internet ocupa e

continuará ocupando grande parte do tempo disponível dos jovens dessa faixa

etária, pois a facilidade de acesso a essa tecnologia tem proporcionado

transformações significativas no meio socioeconômico. O Brasil já está entre os

primeiros no ranking mundial do uso de várias ferramentas da Internet. Segundo a

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)6, do IBGE7, 20% das

residências têm acesso à Internet; 38% das pessoas acessam à web diariamente;

10%, de quatro a seis vezes por semana; 21%, de duas a três vezes por semana;

18%, uma vez por semana. Ao todo, 87% dos internautas brasileiros entram na

Internet pelo menos uma vez por semana. Não temos mais como negar o poder

atrativo das redes sociais no contexto atual. Os números atestam o que podemos

6 PNDA- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

7 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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constatar visualmente, pois a internet está disponível via celular. A escola precisa

adaptar-se aos novos paradigmas, mas a essência do saber não pode se perder e a

literatura é muito importante no processo de construção deste saber.

Outro questionamento realizado foi sobre se os pais tinham o hábito de ler.

Os índices desta questão nos chamam a atenção: 66% dos entrevistados, em torno

de 1/3, dizem que os pais leem. Por outro lado, é preocupante o número dos que

não leem, 34%, pois é um fator de desestímulo aos filhos que precisam de exemplos

para se espelhar. Buscando conhecer mais sobre que leituras os pais costumavam

realizar, foi perguntado se eram assinantes de algum periódico, 39% deles são

assinantes, um percentual pequeno se comparado aos que não assinam, 61%. Para

entender e conhecer melhor as leituras realizadas pelos pais investigou-se sobre o

tipo de periódico. Dos 39% de assinantes, 48% são de jornais; 40%, de revistas e

12% costumam comprar livros. Essa realidade nos aponta para um aspecto

preocupante: muitos alunos têm na pessoa do professor e na escola os principais

vínculos de acesso à leitura. Neste caso, é preciso repensar sobre as

responsabilidades e influências que os professores têm sobre os alunos. O

encantamento pela leitura deve acontecer por meio de um referencial, se não for por

incentivo dos pais deve ser então do professor. A maioria dos jovens de hoje em dia

deixam de ler por terem disponíveis outras atividades mais dinâmicas. Apesar de

muitos pais terem se declarado leitores, os livros ainda estão longe de ser o

passatempo preferido deles. A leitura cai depois que a pessoa sai da escola. Diminui

também a procura por bibliotecas. Esses indicadores deveriam se manter para além

da sala de aula. Isso mostra que, infelizmente, a escola não forma leitores. A leitura

não pode ser trabalhada como obrigação. Para termos cidadãos mais críticos

precisamos primeiramente torná-los bons leitores. Zilberman & Silva (2005, p.14)

apontam que “é importante aprender a ler, porque a condição de leitor é requisito

indispensável à ascensão a novos graus de ensino e da sociedade”.

Para encerrar a sondagem foi perguntado o que os atraiam mais ao

escolherem uma obra para ser lida, se por gosto (prazer), se por outro interesse.

Essa questão era aberta e as respostas foram assim distribuídas: do universo de

100%; 22% responderam ser a capa; 18%, o título; 17%, o assunto; 13%, o resumo

da história; 6%, o número de páginas; 4%, o autor da obra; 2%, por recomendação

de alguém; 2%, outros atrativos; 1%, não lê livros; 3% não responderam. Os

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resultados indicam um fator muito relevante, que é a influência que a mídia exerce

sobre o critério de escolha de um livro. De acordo com Bordenave (1982) “é próprio

de a comunicação contribuir para a modificação dos significados que as pessoas

atribuem às coisas”.

A divulgação feita, as seleções de imagens e cores para as capas, títulos

atraentes e as obras que são transformadas em filmes ou seriados acabam tendo

um forte apelo comercial e, com isso, ampla divulgação, atraindo a atenção e o

interesse do público leitor que busca títulos por iniciativa própria. Na sequência,

apresentou-se outra questão aberta, pedindo que mencionassem o título mais

recente lido por eles. A partir das respostas obtidas pôde-se ter a confirmação dessa

constatação quando citaram títulos como Harry Potter; A cabana; Marley e eu; A

cidade do sol; A menina que roubava livros; Amanhecer; Eclipse; Crônicas de

Nárnia, sendo que grande parte desses livros foi transformada em filmes e exibidos

nos cinemas recentemente. Os amantes dessas leituras não gostam de ler: gostam

de fazer parte de um fenômeno cultural diferente. Mas a comunicação de massa

tem auxiliado, cada vez mais, a iniciação dos adolescentes à leitura.

O aluno deve ter acesso à literatura o quanto antes para que esta se torne

um processo de continuo prazer, ajude na formação de um ser pensante, autônomo,

sensível e crítico. A literatura estimula o leitor para uma maior percepção do mundo

que o cerca e faz com que o perceba em sua pluralidade e diversidade.

Portanto, cabe à escola ofertar a leitura literária e torná-la um hábito no

cotidiano escolar. Essa prática não vem acontecendo como realmente deveria e de

acordo com Maria da Glória Bordini (1989, p.9), “a escola não permite a entrada no

mundo dos livros de forma completa e sim cortando aos pedaços, como no livro

didático”.

A avaliação do horizonte de expectativas dos alunos sugeriu a validade da

adoção do livro O cortiço para a efetivação desse trabalho. Nesse sentido, ficou

confirmado tratar-se de uma obra oportuna para o espelhamento da atualidade e

adequada para desenvolver o senso crítico do aluno, objetivo geral deste projeto. Na

sequência, discorro sobre as atividades desenvolvidas para este momento, que

foram articuladas para ampliar, ainda mais, as expectativas do aluno quanto ao

romance que leriam.

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Com base nessa pesquisa, buscando ampliar o horizonte de expectativas, via

literatura, e considerando o romance O cortiço, foram apresentados alguns slides

que retratam o século XIX. Imagens dos cortiços, da cidade do Rio de Janeiro, da

corte, das pessoas nas ruas, dos trajes que usavam. Enfim, para se entender melhor

a sociedade da época. As grandes transformações ocorridas na segunda metade do

século XIX nos campos político, social e na visão e entendimento da nova realidade

que surgia no Brasil. As temáticas urbanas da época, também presentes no livro,

tinham que ser comentadas para que o aluno entendesse a escolha de O cortiço.

Foram comentados os fatos políticos desse período, as mudanças de

governo, da Constituição, da substituição do trabalho escravo pelo trabalho

assalariado, da modernização das lavouras de café; o crescimento das cidades e o

surgimento das primeiras indústrias. O processo de industrialização teve uma

abordagem detalhada, é que, a partir desse advento, províncias como São Paulo e

Rio de Janeiro se destacavam e acabaram atraindo colonos oprimidos pelo

latifúndio, que se deslocaram para as cidades à procura de uma vida melhor e mais

confortável financeiramente. Em contrapartida, para os grandes fazendeiros a vinda

para a cidade significava dar aos filhos boas escolas, faculdades, e o contato com os

jornais e revistas em circulação.

Houve bastante interesse dos alunos em conhecer mais a sociedade do

século XIX, por isso que, paralelamente às imagens, foram comentados vários

acontecimentos e os reflexos que esses exerceram no contexto sócio-histórico da

época, criando, assim, uma proximidade entre fatos relatados no livro e o contexto

atual. Alguns desses apontamentos os alunos viram nas aulas de História, ocorreu

mais interação e participação da parte deles ao relembrarem o que já tinham

estudado anteriormente.

Seguindo o que estava planejado, foram apresentadas informações da vida

de Aluísio Azevedo, sua trajetória como escritor, suas obras, seu envolvimento com

o movimento Naturalista. Comentou-se a importância das outras obras escritas por

Aluísio e quanto o escritor chocou a sociedade, em 1881, ao lançar O mulato, o

primeiro romance naturalista brasileiro, que abordava o preconceito racial. O livro foi

mal recebido pela sociedade maranhense e Aluísio de Azevedo, que já não era visto

com bons olhos, tornou-se o “satanás” da cidade. Isso o levou a retornar para o Rio

de Janeiro, onde já havia morado para estudar Arte na Academia de Belas Artes.

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Aluísio tentou viver de seus escritos, mas a vida de escritor não lhe proporcionou a

estabilidade desejada. Portanto, abandonou a literatura e ingressou na carreira

diplomática. Os aspectos que chamaram a atenção dos alunos foram o fato de o

escritor ter desistido da vida literária e de ser tão ousado para a época, escrevendo

de forma direta e escancarada sobre sexo, homossexualidade, inveja, traição,

ambição e outros temas.

Após esses comentários foram apresentadas algumas informações sobre a

narrativa naturalista e as influências do evolucionismo de Charles Darwin sobre o

movimento literário. O naturalismo surgiu na França na segunda metade do século

XIX e tem como característica marcante o fato de que o mundo pode ser explicado

por meio das forças da natureza, que o homem está condicionado às suas

características biológicas e ao meio social em que vive. Essas peculiaridades foram

comentadas para que os alunos compreendessem as ações e os comportamentos

dos personagens de O cortiço.

Nesta etapa de apresentações, foi utilizada a Tvpendrive, surgiram alguns

problemas de ordem técnica, mas com a colaboração dos alunos o problema foi

facilmente resolvido e deu-se a continuidade às apresentações.

Para complementar as informações expostas pela professora, os alunos

foram divididos em grupos para realizarem duas atividades avaliativas antes da

leitura, sendo a primeira pesquisar imagens e informações de contexto social do

século XIX e do século atual, considerando as situações de semelhanças quanto à

moradia: cortiços X favelas e, montar um painel comparativo. A segunda atividade,

pesquisar características e influências do Naturalismo na literatura, nas artes de

modo geral e montar um painel com informações curtas, objetivas e curiosas

denominado: Você Sabia?

Os grupos foram orientados a pesquisar em sites, livros e revistas literárias. A

atividade teve como finalidade uma investigação que complementasse o que já

havia sido apresentado a eles. Por isso não poderia ser superficial e desprovida de

conteúdo informativo importante. A intenção era provocar a curiosidade e o interesse

para as etapas seguintes.

Durante toda essa etapa de pesquisa os alunos estiveram bastante

envolvidos. A ida ao laboratório de informática deixou-os entusiasmados. Não foi

nenhum problema realizar essa tarefa, devido aos conhecimentos prévios no

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manuseio do computador. Fizeram uma pesquisa criteriosa e selecionaram material

suficiente para a confecção do painel, reuniram-se, escolheram imagens e

informações relevantes e curiosas.

Terminada a montagem dos painéis, os mesmos foram fixados no mural da

escola, em local visível e de fácil acesso, oportunizando a todos visualizarem e

lerem as informações. Esse trabalho foi fotografado; infelizmente, dois dias depois

de terem sido fixados, o material foi rasgado.

Nessas atividades de pesquisa, a maior dificuldade foi a separação dos

grupos, pois alguns não aceitavam as pessoas com as quais não tinham muitas

afinidades. Após dialogar com eles, esse conflito foi resolvido. A ida ao laboratório

de informática exigiu bastante da professora, pois o número de computadores não

atendia a todos e contornar isso demandou muita conversa e a colaboração de

alguns. Concluída esta etapa, iniciou-se o módulo II que orientava o aluno quanto

aos procedimentos para as atividades propostas.

4.2 Módulo II: durante a leitura

Primeiramente, dando início a essa etapa, informamos sobre a obra que

começariam a ler. Alguns fatos pertinentes a O cortiço apresentam de maneira bem

evidente aspectos problemáticos da realidade brasileira da época, e denuncia as

dificuldades enfrentadas pelas classes sociais menos privilegiadas. Para Sodré

(1995), O cortiço marca o cenário urbano do final do século XIX e nele está

impecavelmente fotografada a sociedade desse tempo, com suas mazelas e suas

chagas. Segundo Alfredo Bosi (2006), Aluísio foi um grande expoente de nossa

ficção urbana:

Só em O cortiço Aluísio Azevedo atinou de fato com a fórmula que se ajustava ao seu talento: desistindo de montar um enredo em função de pessoas, ateve-se à sequência de descrições muito precisas onde as cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto do cortiço a personagem mais convincente do nosso romance naturalista. (BOSI, 2006).

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Era muito importante comentar os temas presentes na narrativa de Aluísio

Azevedo e algumas particularidades das personagens para o aluno estar mais

atento à leitura. Portanto, disponibilizaram-se dois vídeos do Youtube que teciam

comentário sobre o romance e sobre sua importância para a literatura brasileira.

Eles elucidavam a predominância naturalista no enredo e algumas características

das personagens centrais. O primeiro vídeo exibido foi do professor Fernando

Marcílio, depois o da professora Rafaela Motta. Foram comentados alguns

aspectos em relação à narrativa, para que durante a leitura os alunos pudessem

perceber a visão de mundo, a linguagem do autor, recursos expressivos,

composição dos personagens e temáticas, já discutidos em sala. Os

encaminhamentos propostos nesse módulo foram necessários para ampliar as

expectativas quanto ao romance e orientar, posteriormente, na realização das

atividades que objetivava expandir o conhecimento acerca do livro e desenvolver o

espírito crítico em relação à narrativa.

A maior dificuldade foi a quantidade de exemplares insuficientes para atender

as duas turmas que participavam do projeto, portanto estipulou-se um prazo para a

realização da leitura da obra. A princípio, 10 dias, porém nem todos conseguiram

cumprir o prazo, dificultando o rodízio. Três alunos fizeram download do livro por

capítulos, cada um deles ficou responsável por determinado números de capítulos,

pela troca e pelos empréstimos para outros com o mesmo problema.

Finalizada a leitura, em duplas, fizeram a seleção de alguns capítulos do livro

(que são apenas enumerados), criaram títulos e elaboraram uma breve síntese para

os capítulos selecionados. Tiveram também que marcar algumas passagens

consideradas como característica naturalista. Os alunos já conheciam o conceito de

Naturalismo na pesquisa realizada no primeiro módulo, mas muitas duplas

encontraram dificuldades para fazer a síntese, consideraram difícil resumir o capítulo

por ser longo e trazer muitas informações. Foi preciso a professora explicar o

conceito de síntese e como fazer. Mesmo assim, alguns grupos tiveram que refazer,

porque entregaram cópias de trechos do capítulo. Essa atividade não foi difícil

somente para os alunos, mas também para a professora, pois exigiu bastante tempo

para a leitura, anotações e novas correções.

Depois dos trabalhos, e seguindo os propósitos e a metodologia do projeto,

os alunos responderam a um questionário de sondagem pós-leitura para compilar

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algumas impressões sobre o romance lido e até que ponto os trabalhos atenderam

às expectativas iniciais. A análise de cada uma das respostas elucida melhor este

paralelo.

4.3 Módulo III: após-leitura

Este módulo iniciou-se com a aplicação do questionário com questões

relativas à leitura realizada. Na sequência, a apresentação dos gráficos e tabelas da

pesquisa e análise dos dados dessa aferição.

1- Você gostou do livro? Respostas Frequência Percentual

Sim 27 43

Não 36 47

Total 63 100

2- O que mais chamou sua atenção?

Respostas Frequência Percentual

Os personagens 25 39

Os temas abordados 38 61

Total 63 100

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3 - Qual o personagem você mais gostou?

Respostas Frequência Percentual

Não Respondeu 2 3

João Romão 13 21

Bertoleza 8 12

Rita Baiana 26 41

Pombinha 4 6

Dona Estela 1 2

Miranda 3 5

Jerônimo 5 8

Paula 1 2

Total 63 100

4 - O que você destacaria como ponto positivo no romance?

Respostas Frequência Percentual

Enredo 22 35

Descrição 24 38

Personagens 16 25

Local da história 1 2

Total 63 100

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5 - O que destacaria como ponto negativo no romance?

Respostas Frequência Percentual

Vocabulário 36 57

Capítulos longos 24 38

Enredo 3 5

Total 63 100

6- O livro atendeu suas expectativas?

Respostas Frequência Percentual

Sim 28 34

Não 35 66

Total 63 100

7 - Por quê? (Motivos da resposta anterior)

Respostas Frequência Não sabe/Não Respondeu 6

Faltou emoção 3

Foi legal - mexeu com a imaginação 7

Um livro chato de ler 4

No final a Bertoleza morre 2

Final não foi o que esperava 3 Aprendeu novas palavras 3

Conta fatos interessantes 5

Pelas informações 2

Não foi a história que imaginei 2

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Clareza na vida dos personagens 1

Instrutivo 2 Foi além do que esperava 1 Capítulos muito longos 2

Conteúdo complicado 5

Muito ‘besteirento’ 1

História confusa 1 Não leu o livro inteiro 2

Vocabulário muito bom 2

Pela descrição 1 Pensava que era uma história de amor 1 Muito detalhista 5 Não é o tipo de livro que gosto 1 Muito naturalista 1 Não gostei do vocabulário 1

Ao serem questionados se tinham gostado do livro, o resultado causou certa

preocupação quanto à veracidade das respostas. Os índices apontados mostram

que 43% disseram que sim e 47%, que não. Os índices são altos para o sim, o que

demonstra algo a se pensar: gostaram mesmo? Essas reflexões são pertinentes

porque durante o período da leitura houve reclamações em relação à linguagem e

certa confusão para entender a narrativa. Evidente que nesse processo de leitura

ocorreram citações boas quanto à história, difícil no primeiro momento, intrigante no

decorrer dos capítulos e ousada nas descrições de algumas passagens. Isso se

comprovou quando foram questionados sobre o que mais chamou a atenção: 39%

acharam a complexidade dos personagens e 61%, os temas abordados. Mas é

preciso considerar que os alunos foram bastante estimulados sobre a temática que

encontrariam na obra, o que pode ter refletido na observação sobre os temas.

Quando perguntados de qual personagem gostaram, os índices são altos

para a personagem Rita Baiana, 41%; 21%, para João Ramon. Rita Baiana estimula

o imaginário, é muito bem descrita no livro, a sutileza e a sensualidade da

personagem atraindo o leitor. João Ramon tem uma trajetória intrigante e envolvente

na história, prendendo a atenção do leitor para saber o que acontecerá com ele.

Outra personagem apontada é Bertoleza, que desperta no leitor piedade,

principalmente pelo fato de a personagem ter um final trágico e triste.

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Os pontos positivos da narrativa apontados pelos alunos foram: 38%, as

descrições das personagens e das passagens dos acontecimentos no decorrer da

história. O enredo é outro ponto marcante; 35% dos entrevistados apontaram como

fator positivo e 25% consideraram as personagens como o ponto forte do livro. Os

resultados para essa pergunta se completam e confirmam os apontamentos

anteriores, ou seja, boa parte dos alunos detectou que o livro tem, sim,

características pertinentes aos dias de hoje, por isso a identidade com a narrativa.

Mas quando perguntados sobre os pontos negativos, confirma-se o problema com o

vocabulário; 57% o consideraram como a maior dificuldade na leitura; somado aos

capítulos longos, apontados por 38%. Somente 5% identificaram negativamente o

enredo.

Em se tratando da expectativa quanto ao romance, 66% disseram que o livro

não atendeu ao que imaginavam ou esperavam da leitura, mas 34% gostaram do

que leram. Temos aqui duas observações interessantes: trabalhar, criando-se uma

expectativa; o professor pode, muitas vezes, evidenciar alguns aspectos que não

são foco de interesse do aluno, mas em contrapartida atinge-se, sim, boa parcela

dos alunos. Foram muitas as respostas apresentadas, justificando o motivo pelo qual

a leitura não atendeu á expectativa, dentre elas: conteúdo muito complicado; final da

história não era o que esperavam; vocabulário “besteirento”; e outras. Entre os que

responderam que o livro atendeu ás expectativas temos: conta fatos interessantes,

aprenderam novas palavras; a vida social das personagens.

Vale salientar que todas as estratégias criadas, quanto ao horizonte de

expectativas, contribuíram muito para um resultado favorável. A própria entrevista

que sondou a cultura criada em torno da literatura cânone, que, segundo alguns,

vale somente para o vestibular, possibilitou a melhor condução das etapas

subsequentes.

Não era intenção que todos apreciassem a leitura, mas sim que lessem e,

neste sentido, o objetivo foi atingido. Alguns por obrigação, outros por gosto mesmo.

O acesso às mais variadas leituras dos clássicos deve ser estimulado, o aluno

precisa entender que uma história não se perde no tempo e pode ser nova em

qualquer época, inclusive para fazer um paralelo entre o ontem e o hoje. O professor

precisa fazer essa intermediação e, conforme as Diretrizes Curriculares da

Educação do Paraná (SEED-PR, 2008, p. 76), “o professor não ficará preso à linha

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do tempo da historiografia, mas fará a análise contextualizada da obra, no momento

da sua produção e no momento de sua recepção.”

Para dar seguimento às etapas elaboradas na Produção Didática Pedagógica,

os alunos realizaram as atividades pós-leitura. Como um dos objetivos do projeto era

situar o aluno dentro de contextos sociopolíticos e históricos em relação à obra lida,

apontando as desigualdades sociais, promoveu-se a discussão sobre os temas:

marginalidade, discriminação existente no final do século XIX e na

contemporaneidade; situação ficcional e realidade.

A participação foi boa, a argumentação pautada em passagens do livro,

esclarecendo melhor o ponto de vista. Ao citar determinada personagem que

ilustrava o tema decorrente da discussão, havia uma ou outra intervenção

apresentando uma personagem atual de algum folhetim da televisão ou de um livro.

A professora, mediadora do debate, teve que intervir em alguns momentos quando

um ou outro aluno não permitia a fala do colega. O tema mais discutido foi a

exploração da mulher. O interesse pelo tema justifica-se por haver um número maior

de meninas na sala.

Em relação às demais temáticas do livro, foi feito um paralelo de como eram e

como estão atualmente. Na questão da moradia, por exemplo, a discussão foi

acerca dos muitos problemas ainda decorrentes da falta de habitação decente. Os

alunos constataram que poucas coisas mudaram neste aspecto. Os cortiços,

segundo eles, representam as atuais favelas e o discriminado socialmente de ontem

é o favelado de hoje. Temos nos exemplos da ficção e da realidade a

marginalização e a discriminação em uma sociedade para poucos, por isso o que

resta para a grande maioria é viver à margem da sociedade.

O tema figura do imigrante teve outro encaminhamento, como já previa a

atividade 2 do módulo II da proposta pedagógica. Os alunos conversaram com os

pais para conhecerem melhor suas origens e trazer as histórias familiares. Como na

escola há muitos alunos de descendência japonesa, esses relatos predominaram,

mas teve também histórias interessantes e curiosas de imigrantes portugueses,

espanhóis e italianos. A maior dificuldade desta etapa foi que muitos queriam falar e

o tempo disponível para este momento, que não contemplava a todos, foi estendido

para mais participação e interação dos alunos.

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Dando sequência às atividades, os alunos receberam as fichas de leitura com

as questões de interpretação. Formaram duplas, discutiram e responderam de

acordo com a compreensão que tiveram do livro. Não terminaram essa atividade em

duas aulas como proposto inicialmente, foi disponibilizado mais uma aula para que

concluíssem e, devido a isso, foi necessário redimensionar o tempo. Não se fez o

confronto de respostas oralmente, eles entregaram as fichas respondidas e a

professora as corrigiu e fez a devolutiva com algumas anotações. A dificuldade

nesta atividade foi a morosidade para responder aos questionamentos. Poderia ter

sido realizada na oralidade, mas o intuito era a escrita e a capacidade de síntese e

argumentação das duplas.

FICHA DE LEITURA

1) O tema do adultério, bastante recorrente na ficção naturalista, encontra-se presente no livro. Que medidas foram tomadas por Miranda depois de constatar a traição de Estela? Que sentimentos passaram a reger o relacionamento de ambos? 2) Que mudanças ocorreram no casamento de Estela e Miranda após os primeiros encontros noturnos?

3) Como é descrita a população do cortiço? Em que medida essa descrição se aproxima das características do movimento naturalista?

4) Que relações os habitantes do cortiço mantêm com o espaço em que vivem? Atente-se para o aspecto de como eles resolvem seus conflitos ao responder a questão.

5) Que relações os moradores do sobrado têm com o espaço em que vivem? E esses, como resolvem seus conflitos? 6) A partir da leitura do romance, indique quais foram as modificações ocorridas no cortiço após o incêndio?

7) João Romão deseja atingir o sobrado, porque ele representa um nível social mais elevado. Ele é o único personagem que aprende a se comportar como a gente do sobrado e passa a viver nos dois espaços. Indique qual a importância de Botelho nesse processo de aprendizagem de João Romão?

8) Na visão do escritor naturalista, a influência do meio era decisiva para explicar o comportamento das personagens. Analise as transformações ocorridas no

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comportamento de Jerônimo. Elas são consideradas, de acordo com o narrador, resultado da influência do meio?

9) Qual a importância de Bertoleza e Zulmira no projeto de vida de João Romão?

10) Rita Baiana é apresentada ao leitor como uma mulher independente, que não se submete aos homens. O que a torna uma mulher independente?

11) Que recursos Léonie e Pombinha usaram para conseguir sair do ambiente miserável do cortiço e ascender a outro patamar social e econômico?

A atividade que se seguiu foi realizada oralmente e todos puderam contribuir

para complementar as características das personagens Bertoleza, Miranda,

Jerônimo e Rita Baiana; desta forma foi possível caracterizar as personagens

selecionadas. O exemplo apresentado aos alunos foi o do personagem João

Romão: “negociante português, ambicioso e explorador, era proprietário do cortiço e

desejava enriquecer a qualquer preço”. Os alunos entenderam e contribuíram nas

caracterizações das personagens e tudo transcorreu de forma bem organizada.

No contexto da literatura brasileira, O cortiço constitui um documento

fundamental para a compreensão do processo de formação da nossa sociedade,

pois traz para o universo literário as dificuldades enfrentadas por parcela da

população do Rio de Janeiro, inclusive em nossos dias. Pela importância da obra,

foram criadas outras semioses da narrativa: filme, HQ e música tema para a

personagem Rita Baiana, gravada por Zezé Motta e incorporada ao repertório da

música popular brasileira. Os alunos tiveram a oportunidade de ouvir a letra e

também ver um trecho do filme adaptado para o cinema em 1978, sob a direção de

Francisco Ramalho Junior, foram disponibilizados aos interessados o acesso ao

filme na íntegra.

Concluída essa etapa, iniciaram-se as atividades finais da implementação

pedagógica, e estas foram realizadas em grupo e cada um teve encaminhamentos

diferenciados: o grupo 1 fez um powerpoint da versão em quadrinhos do livro O

cortiço; o grupo 2 selecionou uma passagem interessante do livro, representou,

filmou e depois apresentou para todos os colegas na sala de aula, e o grupo 3

ilustrou uma das sínteses produzidas no módulo II e confeccionou um livreto.

A etapa final tinha como objetivo sintetizar toda a trajetória da implementação,

as dificuldades para a realização dessas, muitas, inclusive, em decorrência do

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período de avaliações do trimestre, aconteceram paralelamente à execução da

produção didática. Durante todo o período de aplicação do projeto as aulas da

disciplina seguiram-se normalmente, com os conteúdos pertinentes ao trimestre e

provas. Em virtude disso, após discutir com a equipe pedagógica, ficou decidido que

todas as atividades realizadas pertinentes à leitura do livro seriam utilizadas como

avaliações do trimestre. Portanto, as sínteses e fichas de leitura incorporaram como

avaliação da produção textual e as atividades finais dos grupos como trabalhos do

trimestre.

Conclusão

O projeto realizado com essa parcela de jovens demonstrou um fato de que

nós, professores, já tínhamos conhecimento. As novas tecnologias ocupam uma

parcela de tempo considerável dos nossos alunos. A internet é muitíssimo

interessante para eles, pois proporciona acesso rápido às informações e à

diversidade de entretenimento. Tudo que está on-line os atrai, conversas, chats de

bate-papo e redes sociais tornaram-se parte da vida deles. E como fica a questão da

leitura? Parece oportuno pensar em propostas estimulantes para levá-los a ler mais.

Nas reuniões de áreas para planejamento de aulas, deve acontecer uma discussão

séria e criteriosa quanto à leitura.

Como a escola assume um papel fundamental na formação de jovens

leitores, cabe a ela motivar os alunos para a leitura e a construção de um cidadão

social, ético, cultural e crítico. A família também tem responsabilidade nesse

processo de formação dos jovens leitores, por isso o ideal é unir forças escola e

família, para tornar natural o contato com a literatura, parte integrante na vida

escolar/ social deles. Também é preciso comprometimento de outras disciplinas com

a leitura, trabalhando textos diversificados e temas interessantes voltados para esse

público leitor, não descartando a introdução às leituras mais complexas e

elaboradas, como os clássicos brasileiros. O papel da escola e dos professores,

junto com as famílias, é tornar o acesso à literatura constante.

No ano final do ensino fundamental, nossos alunos estão no ápice da

adolescência, isso significa uma explosão de ansiedades e contradições. Cabe à

escola preparar o aluno para o ensino médio, portanto considerar o novo horizonte

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de expectativa que se abre para eles. A literatura, que será amplamente trabalhada

na nova etapa de estudos, precisa ser iniciada a partir do 9º ano apresentando

também textos e narrativas dos cânones. A pesquisa realizada no módulo I apontou

que nossos alunos são consumidores de literatura comercial, aquela de ampla

divulgação nos meios de comunicação. Vemos que o interesse para ler existe, mas

ainda limita-se a títulos com maior publicidade e com temas voltados ao gosto

peculiar desta fase. Não podemos descartar o que eles consomem, é preciso

aproveitar o que há de bom nessas literaturas e usá-las. A literatura de massa não

deve ser considerada como negativa, mas ser pensada como uma estratégia para a

iniciação em outras leituras, e o professor deve conduzir seus alunos às leituras

literárias, possibilitando, dessa forma, torná-lo um leitor maduro.

O horizonte de expectativa do aluno ainda não se encontra bem delimitado

para o contato com obras mais complexas. Um bom encaminhamento pode

despertá-lo para outras leituras, mas é preciso que o professor domine os

mecanismos tecnológicos existentes para o trabalho em sala de aula, e por meio

deles, apresente literatura de qualidade com certo grau de complexidade, levando-

os a conhecer um universo maior e sem fronteiras no mundo da leitura, do

imaginário, do prazer, do conhecimento, ampliando, assim, sua visão de mundo, seu

senso crítico.

Ao contextualizar a obra O cortiço, os alunos puderam se situar nos contextos

sociopolíticos e históricos da época e na atual. Quanto às discussões a cerca das

desigualdades sociais, relações de periferia, marginalidade, preconceito e

discriminação apontada por Aluísio Azevedo no romance, foram identificadas, pelos

alunos, na sociedade do século XXI, o que proporcionou mais interação com a

narrativa. Em relação à figura do imigrante no Brasil, trouxeram vários exemplos de

histórias familiares. O contato com outros códigos informativos relacionados à obra

foi muito bem aceito, despertou a atenção para uma história que rompe a barreira do

tempo e continua atual.

Podemos concluir, com os resultados do trabalho, que, ao contrário do que se

afirma, os adolescentes leem, só precisam de direcionamento para leituras que

ampliem seus horizontes e assim tornem-se sujeitos críticos e ativos na sociedade.

Para entender e conhecer a cultura e a história de um país é importante passar,

necessariamente, pela literatura canônica. Nesse sentido, a escola e os professores

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assumem papel fundamental para a efetivação desse processo, aos alunos não

pode ser negado o acesso a uma literatura de qualidade que apresenta valor

linguístico, vocabular, histórico e cultural.

Os conteúdos básicos ao 9º ano do Ensino Fundamental devem contemplar a

literatura brasileira e autores já consagrados. A literatura canônica proporciona

conhecer o universo da escrita, seu entendimento, e também transporta o leitor

para um universo histórico-cultural valioso na construção do sujeito pensante e

crítico que consegue fazer o viés dos contextos do passado e do presente. A

transtemporalidade é necessária para a compreensão do significado da palavra

sociedade no sentido mais amplo que a palavra permite.

Tornar nosso aluno um leitor crítico, objetivo maior desse trabalho, é um

processo difícil, mas não impossível. Precisa ser iniciado e, constantemente,

trabalhado por meio de leituras “ricas” para que delas possamos abstrair muito mais

do que se constata, e valorizar o contexto do texto.

.

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