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CONHECENDO ARGAMASSA - Fernando Antonio Piazza Recena

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Livro sobre argamassas, o qual trata do assunto de forma fácil de compreender, mas que, apesar disso, aborda o referido assunto com a propriedade técnica de forma concisa, gradual e cadenciada. Muito bom! Recomendo a sua leitura para consolidar o entendimento!!!

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ChancelerDom Dadeus Grings

ReitorJoaquim Clotet

Vice-ReitorEvilázio Teixeira

Conselho Editorial

Ana Maria Lisboa de MelloArmando Luiz BortoliniBettina Steren dos SantosEduardo Campos PellandaElaine Turk FariaÉrico João HammesGilberto Keller de Andrade Helenita Rosa FrancoJane Rita Caetano da SilveiraJorge Luis Nicolas Audy – Presidente Jurandir Malerba Lauro Kopper FilhoLuciano KlöcknerMarília Costa Morosini Nuncia Maria S. de ConstantinoRenato Tetelbom Stein Ruth Maria Chittó Gauer

EDIPUCRSJerônimo Carlos Santos Braga – DiretorJorge Campos da Costa – Editor-Chefe

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Porto Alegre, 2012

Fernando Antonio Piazza Recena

Segunda Edição

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – BrasilFone/fax: (51) 3320 3711e-mail: [email protected] - www.pucrs.br/edipucrs.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos direitos Autorais).

R295c Recena, Fernando Antonio PiazzaConhecendo argamassa [recurso eletrônico] / Fernando

Antonio Piazza Recena. – Dados eletrônicos. – 2. ed. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.188 p.

Sistema requerido: Adobe Acrobat ReaderModo de Acesso: <http://www.pucrs.br/edipucrs> ISBN 978-85-397-0254-1 ISBN 978-85-397-0077-6 (impresso)

1. Engenharia Civil. 2. Argamassa – Revestimento.3. Revestimentos – Construção Civil. I. Título.

CDD 624.1833

© 2008 EDIPUCRS1ª edição: 2008; 2ª edição: 2012

CaPa Vinícius XavierConTRaCaPa foto cedida por Scheiner e Cia. Ltda.REVISão DE TExTo Ferenanda LisbôaEDIToRaÇão ELETRÔnICa Visual ProduçõesaDaPTaÇão E FInaLIzaÇão Rodrigo Braga

Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico.

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Dedicatória

A meus pais, pelo que sou; a meus filhos, pelo que serei.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer não é apenas um compromisso de educação ou uma manifes-tação de civilidade, é sim, antes de tudo, a maneira mais autêntica de demonstrar o entendimento de que ninguém convive conosco por acaso.

O grande, eterno e principal agradecimento deve sempre ser feito à vida, ao Criador em suas mais diversas manifestações.

Se fosse relacionar, haveria uma imensa lista de nomes a ser feita e certamente esqueceria alguém, por isso agradeço de forma geral a todos aque-les que sempre acreditaram em mim, que me abriram portas, que me mostraram caminhos, que foram exemplos e ainda são modelos que tento igualar.

Professores foram muitos, ao longo de toda a minha vida, e a todos devo um pouco.

Um agradecimento particular deve ser feito a duas instituições:

– CIENTEC – Fundação de Ciência e Tecnologia onde exerço minha profissão como técnico e pesquisador há 29 anos e onde este trabalho que se transformou em livro foi desenvolvido;

– PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, pela oportunidade de experimentar a gratificação que somente o magistério pode dar, e a viabilização desse trabalho como livro.

E aos colegas Prof. Dr. Eng. Fernanda Macedo Pereira, Prof. Dr. Eng. Ronaldo Bastos Duarte e Eng. Sérgio Antonio Mazoni, pela disponibilidade e dedicação, na crítica construtiva e nas sugestões, e à acadêmica de Engenharia Fernanda Dutra, pelo incentivo e pela colaboração.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ...........................................................................111. INTRODUÇÃO ..................................................................152. NOTA HISTÓRICA ............................................................233. MATERIAIS ALTERNATIVOS ...........................................254. FUNÇÃO DAS ARGAMASSAS ........................................375. CARACTERÍSTICAS DAS ARGAMASSAS .....................39

5.1. Trabalhabilidade ........................................................395.2. Durabilidade ..............................................................415.3. Retenção de água .....................................................455.4. Capacidade de absorver deformações ......................475.5. Aderência ao substrato ..............................................495.6. Resistência mecânica ................................................56

6. CLASSIFICAÇÃO DAS ARGAMASSAS ..........................616.1. Classificação quanto à forma de endurecimento e resistência à umidade ....................................................62

6.1.1. Argamassas hidráulicas ......................................636.1.2. Argamassas aéreas ............................................63

6.2. Classificação quanto à natureza do aglomerante .....646.2.1. Argamassas minerais ..........................................646.2.1.1. Argamassas de cimento Portland ....................64

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6.2.1.2. Argamassas de cal ...........................................656.2.1.3. Argamassas mistas de cimento e cal ...............666.2.1.4. Argamassas de gesso ......................................676.2.1.5. Argamassas de cal hidráulica e cimento de alvenaria ...................................................................676.2.2. Argamassas poliméricas .....................................696.3. Classificação quanto à utilização ...........................716.3.1. Argamassas de assentamento ............................716.3.2. Argamassas de revestimento ..............................716.3.3. Argamassas de fixação .......................................736.3.4. Argamassas de regularização .............................746.3.5. Argamassas de recuperação e proteção ............75

6.4. Classificação quanto ao volume de pasta .................776.5. Classificação quanto à granulometria do agregado ..836.6. Classificação quanto à forma de produção ...............84

6.6.1 Argamassas industrializadas ................................866.6.2. Argamassas semi-industrializadas ......................876.6.3. Argamassas feitas em obra .................................886.6.4. Argamassas alternativas .....................................886.6.5. Outras argamassas .............................................94

7. RETRAÇÃO DAS ARGAMASSAS ...................................977.1. Estrutura interna da água ..........................................997.2. Formas de apresentação da água na pasta ............101

7.2.1. Água não evaporável ........................................1017.2.2. Água evaporável ...............................................1017.2.3. Água capilar ......................................................102

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7.3. Tipos de fissuras......................................................1027.3.1. Fissura superficial .............................................1047.3.2. Fissura de escorrimento ....................................1067.3.3. Fissura de retração plástica ..............................108

8. PRINCÍPIOS A SEREM SEGUIDOS PARA A DOSAGEM DE ARGAMASSAS ......................................1099. DOSAGEM DE ARGAMASSAS MISTAS DE CIMENTO PORTLAND E CAL .....................................119

9.1. Desenvolvimento em laboratório .............................1239.2. Exemplo de aplicação .............................................128

9.2.1. Materiais empregados no estudo ......................1289.2.2. Caracterização dos materiais empregados no estudo ....................................................................1299.2.2.1. Areias .............................................................1299.2.2.1.1. Massa unitária e massa específica .............1299.2.2.1.2. Composição granulométrica .......................1299.2.2.1.3. Inchamento das areias ................................1319.2.2.2. Aglomerantes .................................................1319.2.2.2.1. Cimento Portland ........................................1319.2.2.2.2 Cal ................................................................132

9.3. Composição do agregado .......................................1329.4. Definição do proporcionamento (traço) de melhor trabalhabilidade .............................................1359.5 Definição do proporcionamento (traço) final .............1379.6. Transformação do proporcionamento (traço) de massa para volume ...................................................141

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9.7. Dosagem em obra ...................................................1429.7.1. Dimensionamento das caixas ...........................142

10. SUGESTÃO DE TRAÇOS ............................................14711. DANOS MAIS COMUNS EM SISTEMAS DE REVESTIMENTOS ..............................................................155

11.1. Danos relacionados com a qualidade dos materiais ..15611.2. Danos relacionados com a dosagem ou uso inadequado das argamassas .........................................15811.3. Danos relacionados com a inadequada concepção, ineficiência ou ausência de projetos de revestimentos........16011.4. Danos relacionados com a qualidade da execução, falta ou deficiência de fiscalização ........................................161

11.4.1 Danos relacionados com a execução do chapisco .................................................................16511.4.2. Danos relacionados com a natureza do substrato e sua preparação ...................................16911.4.3. Danos relacionados com revestimentos cerâmicos ....................................................................174

11.5. Danos relacionados com a falta de manutenção ...17712. Registro fotográfico ....................................................181

Referência ...................................................................185

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PREFÁCIO

Poderá parecer estranho ao leitor perceber que o prefácio desta obra se divide em quatro partes, todas elaboradas por médi cos. Estranho, sim, para quem talvez não conheça com mais intimi dade os caminhos que a vida me fez percorrer nesses últimos qua tro anos. Pode imaginar o leitor o tipo de homenagem que tento timidamente prestar a quatro profissionais que orgulham a classe a que pertencem e que abnegadamente dedicam suas vidas a sim plesmente salvar outras e com isso permitiram indiretamente que esta obra pudesse chegar a suas mãos.

Tenho certeza de que tudo que eu possa fazer para homenageá-los ja-mais traduzirá a minha eterna gratidão pelo que fizeram e por aquilo que porven-tura venham a fazer caso seja preciso.

Fernando Antonio Piazza Recena

São dessas circunstâncias a que não temos explicação: pas sei boa parte da minha formação na PUCRS, onde conheci o Pro fessor Recena, ícone da cultu-ra e da competência que distinguia a Universidade Católica por pertencer ao seu quadro de professores. Um bom tempo depois conheci Fernando Antônio, filho do então nosso professor, em um episódio médico decisivo. Qual seja minha surpresa: Fernando herdara tudo de nosso mestre, o caráter, a decisão e o conhecimento profundo na sua área, a de engenharia.

Acho que assim entendo o que Fernando quer dizer sobre a verdadeira argamassa. No meu entender, ela foi conseguida com a “fusão” de Recena com o nome da mãe, Piazza, que tive a felicidade de conhecê-la recentemente, da es-posa, Geíza, e dos filhos, Inácio e Martina. Disso resultou um “concreto familiar”, que na cabeça de um médico significa algo indestrutível, seguro e perene. Nada der ruba, nem mesmo abala o Fernando.

Obrigado por tê-lo como amigo e pelo Conhecendo Argamassas, que permitiu a restauração da Igreja Matriz de Farroupilha, onde nasci e fui batizado.

Dr. José Carlos Felicetti

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12 RECENA, Fernando Antonio Piazza

No musical da Broadway, RENl, em uma das canções (“Seasons of Love”), o intérprete pergunta como se mede um ano na vida de alguém. Em cre-púsculos, em taças de chá, em lágrimas, em sorrisos, nas coisas que fez, enfim, como se pode mensurar a vida de uma pessoa?

Os chineses, em sua sabedoria, dizem que, para ter vivido, um homem deveria ter plantado uma árvore, ter tido um filho e es crito um livro. Seriam essas as medidas para avaliar a dimensão de uma vida? Note-se que cada um dos três atos projeta o homem para a eternidade e, tais quais sementes (e não o são?), trazem, em seu íntimo, a centelha da imortalidade.

Se partirmos desse pressuposto, Fernando Antonio Piazza Recena transcende seu próprio tempo e alcança aquele patamar dos que legam sua obra às gerações vindouras. Graças a sua competência profissional e ao brilhantismo de seu raciocínio lógico, Recena nos brinda com mais uma obra técnica que, tenho certeza, será referência para estudantes e profissionais.

Conheço Fernando Recena há mais de vinte anos. Não sei de nenhum homem mais sério, mais apaixonado pelo que faz e com mais capacidade de trabalho do que ele. Essas três virtudes, por si sós, chancelam este livro, o qual tive a honra de escrever um dos prefácios.

Homens não são livros, portanto não trazem epígrafes, mas quando a biografia de Recena for escrita, uma das epígrafes, não tenho dúvida, será esta: “É que vives, não das coisas, mas do sentido das coisas” (Antoine de Saint-Exupéry, in Cidadela).

Dr. Roberto Lúcio Feliciate Alves

Ao receber o convite para prefaciar o livro Conhecendo Argamassas, fi-quei ao mesmo tempo orgulhoso e honrado com tamanha distinção feita pelo amigo Fernando, mas confesso que também fiquei preocupado com tão impor-tante missão.

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13 Conhecendo argamassa

O autor, ao analisar diferentes traços de argamassas, busca uma me-lhor composição para os revestimentos, evitando trincas e outras imperfeições, aliadas a uma melhor qualidade, desempenho e custo acessível. Traçando um paralelo com o trabalho do autor, eu, como seu médico, venho ao longo desses últimos anos analisando e aplicando traços terapêuticos com a principal missão de manter a saúde de meu amigo e paciente Fernando. Assim como as argamas-sas analisadas pelo autor, nossa argamassa terapêutica tem que ser eficiente e eficaz para que não sofra fissuras e, com isso, seja uma solução de continuidade em sua saúde.

Como em todo campo da ciência, o trabalho árduo e contí nuo da pes-quisa é, sem dúvida, a mola mestra para o sucesso no desenvolvimento de no-vas tecnologias a serem empregadas para a solução dos problemas, nas mais diversas áreas do conhecimento. Tenho certeza de que esta obra irá ajudar, de maneira ímpar, os jo vens engenheiros na sua nobre missão.

Dr. João Carlos Azeredo

De todos os bens que a sabedoria nos faculta como meio de obter a nossa felicidade, o da amizade é de longe o maior.

(Epicuro)

Conheci o Fernando há muito tempo em um churrasco na ca sa de seus pais, promovido por sua irmã, minha colega de turma do Colégio Rosário. O tempo passou, e quis o destino nos reaproximar no Clube Jangadeiros e nas quadras de tênis, onde sempre fui batido por aquelas chapadas de direita, que é a sua especialidade. Só com muita amizade pode-se entender o convite para que um cirurgião cardíaco prefacie seu livro. Como não entendo de arga massa, vou falar do Fernando que eu conheço. É extremamente sério quando fala do seu trabalho, passa para todos nós a imagem de conhecimento profundo naquilo que faz, transpira e vive com plenitude suas obras e realizações. Poucas coisas o transtornam: incompetência, leviandade, falta de responsabilidade, corrupção, ignorância, o time do Inter perder, cantar bola fora quando caiu dentro da quadra

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etc. Mas, enfim, essas coisas também nos trans tornam e não devemos culpá-lo por isso. O Fernando tem um trio em casa, a mulher e um casal de filhos, aos quais ele se dedica com minha mais profunda admiração, e é onde ele ganha energias para o enfrentamento da sua profissão. Os frutos não caem longe do pé, têm educação esmerada e são, acima de tudo, pessoas íntegras e confiáveis. Como a argamassa que ele fala no livro, com sua plasticidade e seu poder agre-gador, assim é a nossa amizade, que vem de tempo e ultrapassa o tempo. Os nossos irmãos biológi cos, nós não podemos escolher, e o Fernando é um irmão por esco lha, por similaridade, por vontade própria do coração e da alma justa e perfeita. Espero que este novo filho seja sua realização co mo os outros foram, espero que apreciem o passar de sua sabedo ria como nós que convivemos de perto apreciamos. Boa leitura, porque ler é aprender e ainda por cima nos faz conhecer amigos contando seus segredos para todo mundo, quer coisa melhor...

Dr. Wagner Michael Pereira

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1. INTRODUÇÃO

Acreditamos não estar errado pensar em qualquer constru ção como um processo em linha de montagem com layout de produto fixo, já que, em realidade, percebe-se cada vez mais serem empenhados esforços no sentido de que os diversos componentes possam chegar à obra prontos, ou exigindo um mínimo de trabalho para adequá-los a apenas uma simples operação de montagem.

Com maior ou menor grau de industrialização, as obras tendem a seguir este rumo, tendo sido este o caminho procurado pelo segmento como um todo.

Mesmo considerando a construção civil como um segmento da indústria com ainda muitas atividades artesanais no que se refe re à montagem por assim dizer, já são poucos os materiais efetiva mente produzidos no próprio canteiro. Dentre esses, é possível enquadrar as argamassas, embora a indústria venha disponibili zando ao mercado argamassas prontas, vendidas secas e embala das, bastando apenas adição de água para tomá-las aptas para o uso.

As argamassas industrializadas ou, como preferem alguns, argamassas prontas apresentam, como grande e principal van tagem técnica, a homogenei-dade, tanto no proporcionamento como na qualidade dos insumos empregados. Essas características elimi nam a necessidade de correções, adaptações e outras interven ções feitas na obra, em geral sem critério, minimizando a probabili dade de ocorrerem defeitos, principalmente em revestimentos de paredes que, infeliz-mente, é onde esses defeitos ocorrem de forma mais frequente.

Livros mais antigos sobre materiais de construção, já de certo modo desatualizados, ainda trazem informações sobre a téc nica de extinção da cal virgem, operação corriqueira até os anos 70 do século passado, mas que já de há muito tempo não é mais reali zada em obra. Isso não quer dizer que essa ope-ração não seja mais realizada ou que não possa mais ser realizada em obra, mas

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trata-se de uma operação difícil de ser presenciada nos dias de hoje na rotina diária de um canteiro de obras.

À época em que se extinguia cal na obra, uma das primei ras tarefas, de-finido o canteiro, era a abertura de uma vala no ter reno para a extinção da cal que seria consumida ao longo de toda a obra nas argamassas e, não raro, na pintura.

O trabalho com a cal e suas argamassas era técnica co nhecida e do-minada e, como tantas, repassada de gerações para gerações de profissionais.

Com o passar do tempo, a exiguidade nos prazos de exe cução, a velo-cidade exigida na execução das obras, a menor área disponível nos canteiros e a natural evolução ocorrida na constru ção civil fizeram com que essa prática de extinção da cal no pró prio canteiro de obras fosse completamente abandonada.

Em um determinado momento, empresas voltadas para o comércio de materiais de construção, no passado conhecidas como madeireiras, passaram a industrializar argamassas de cal e areia, chamadas de argamassas brancas ou intermediárias, que, em pou co tempo, passaram a ser consumidas na grande maioria das obras. Essa argamassa de cal e areia pode ser considerada como um material intermediário, já que, em obra, recebe o cimento Portland para com-por a argamassa dita final, a qual efetivamente será aplicada. Tão popular se tor-nou o comércio desse tipo de ma terial que o termo argamassa, ou simplesmente massa, passou a ser empregado incorretamente como sinônimo de argamassa intermediária de cal e areia, principalmente entre serventes e pe dreiros.

A consequência da generalização dessa prática foi o total abandono do procedimento de extinção da cal em obra, determi nando o inevitável esqueci-mento da técnica pela maioria dos profis sionais, tendo sido interrompido o repas-se informal das informações que regem essa atividade.

Através de ensaios em laboratório, tem sido constatada uma grande va-riação nos proporcionamentos (traços) adotados na pre paração destas argamas-

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sas intermediárias, postas à disposição do mercado por uma imensa quantidade de produtores. A falta de cri tério em sua produção, por parte de comerciantes descuidados com a boa técnica e com os conceitos básicos que caracterizam o mate rial, vem determinando variações em suas características com con sequentes variações em seu desempenho, favorecendo ao apare cimento de manifestações patológicas importantes. Associada à diversidade de traços, deve ainda ser con-siderada a variação na qualidade dos insumos empregados na sua produção, o que dificul ta a dosagem final destas argamassas em obra, sendo comum a adição indiscriminada de cimento e água, até para compensar a deficiência de dosagem de cal, o que gera danos em grande quan tidade, principalmente nos revestimentos.

Sendo um bom negócio e com mercado promissor, a popu larização do comércio de argamassas intermediárias de cal e areia estabeleceu, naturalmente, uma concorrência acirrada que, infeliz mente, determinou o comprometimento da qualidade do produto. Passaram a ser empregados na produção dessas argamas-sas os mais variados proporcionamentos com o emprego de matérias-primas de qualidade questionável sempre com o objetivo de reduzir custos, por imposição da concorrência e com a anuência do desco nhecimento técnico sobre o material.

O transporte das argamassas intermediárias ainda é feito de forma inadequada em caminhões-caçamba, também conhecidos como caminhões-tombadeira, o que por si só já constitui uma irre gularidade, vista a necessidade de ser promovida a permanente mistura durante o transporte de materiais passíveis de segregação, assim como argamassas e concretos. A necessidade de agitação durante o transporte deverá ser tanto maior quanto mais plástica for a argamassa por sua maior tendência à segregação. Com frequên cia ainda são avistados caminhões transportando argamassa e deixando pela via pública um rastro de material devido às fugas originadas pelo excesso de água e pela má vedação da caçamba.

Ao chegarem ao destino, as argamassas são, em geral, descarregadas sem qualquer cuidado, diretamente no solo, poden do, em obras de pequeno por-

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te, a descarga ocorrer diretamente no passeio. Não raro, essas argamassas são preparadas com uma quantidade excessiva de água para aumentar seu volume, favore cendo o processo de segregação que faz com que parte da pasta seja per-dida durante a descarga por escorrer e separar, alterando o traço original.

Outra grave irregularidade presenciada com frequência é a inadequada estocagem da argamassa, que pode permanecer dias ou até semanas, em um monte na frente da obra, tal como descar regada. A evaporação da água no pro-cesso de secagem estará propiciando a ocorrência da reação de carbonatação da cal, res ponsável por seu endurecimento, comprometendo o desempenho final da argamassa. Contaminações também podem ocorrer duran te este longo perí-odo de estocagem, sendo comum haver mistura com folhas, galhos e impurezas diversas, excremento de animais e por detritos gerados pela própria obra.

Assim como existem produtores cônscios de sua responsa bilidade e comprometidos com a qualidade, existem outros cuja maior preocupação está focada na redução de custos, que empre gam processos de produção estagna-dos tecnologicamente e abdi cam de procedimentos de controle da qualidade dos insumos.

Esses procedimentos inadequados determinaram ao longo do tempo o aparecimento de inúmeras manifestações patológicas, mais notadamente em re-vestimentos, que induziram o mercado a aceitar novos materiais na tentativa de minimizar a ocorrência de problemas, já que, de certa forma, os insucessos verifi-cados nos revestimentos acabavam por ser relacionados com a cal associan do o material ao problema quando, na verdade, todos os problemas na maioria das ve-zes estavam vinculados diretamente a proporcionamentos incorretos que geraram argamassas pobres em cal e procedimentos inadequados a começar pelo estoque do material na obra. O uso indiscriminado desses materiais alternativos, postos em obra sem o necessário conhecimento e dosados exclusivamente com a finalidade de sugerirem estar sendo obtida uma argamassa de boa qualidade a um custo menor do que a alternativa conven cional, determinou igualmente o aparecimento de diversos proble mas, tão ou mais importantes que aqueles até então observados.

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Não tendo representado a solução esperada, esses materiais len tamente foram saindo do mercado a ponto de haver, hoje, certa dificuldade em encontrá-los.

Diante de um quadro tão intenso de problemas, que perigo samente ten-dia a ser encarado como normal, a partir de um deter minado momento, houve a iniciativa de algumas construtoras em produzir na própria obra a argamassa intermediária ou branca, de cal e areia, a partir da extinção da cal virgem, para garantir o em prego de um material de boa qualidade e minimizar o aparecimento de manifestações patológicas. Como de certa forma a técnica havia sido esque-cida por falta de transmissão oral entre os profissionais da construção civil, nem sempre foi atingido o êxito esperado. Deve ser ressaltado que, à época, além de não haver conhecimento da técnica mais adequada de produção desse tipo de argamassa, não havia também um método específico para sua correta dosagem no estabelecimento dos traços definitivos.

As primeiras experiências foram desenvolvidas a partir da produção de uma pasta de cal, já que a deficiente hidratação da cal virgem foi tomada como causa de uma grande quantidade de pro blemas verificados nas argamassas. A dificuldade em manter a umidade da pasta e consequentemente a relação de só-lidos por unidade de volume introduziam variações na composição da argamassa final. Posteriormente, passou a ser produzida uma argamassa intermediária de cal e areia, com o cuidado de que houvesse, antes do uso na produção da arga-massa definitiva, um período de repouso não inferior a 24 horas. Esse período de repouso obrigava a realização de duas operações de mistura, uma da argamassa intermediária e outra, a partir das 24 horas de descanso, da arga massa definitiva, elevando o custo de produção além de exigir uma área especial de estoque des-sa argamassa intermediária, em re pouso.

A partir do aprimoramento das técnicas de hidratação da cal virgem pela indústria, foi possível disponibilizar ao mercado con sumidor cal hidratada em pó, seca em sacos, o que veio a permitir a realização de algumas experiências de-senvolvidas no sentido de viabilizar a produção de argamassas de cimento, cal e areia em uma única operação de mistura.

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20 RECENA, Fernando Antonio Piazza

Em função da quantidade de argamassa produzida nessas condições e do tempo em que a técnica vem sendo adotada com sucesso, é possível afirmar que o risco que poderá estar sendo corrido pela eliminação da etapa de des-canso da cal em mistura com água ou da argamassa intermediária é pequeno, viabilizando a produção deste material em uma única operação de mistura. A argamassa assim produzida poderá determinar uma certa diminu ição da plastici-dade da pasta de cal com perda de rendimento em sua capacidade de incorporar areia. A pequena perda de trabalhabilidade que poderá ocorrer deverá, então, ser compensada com pequenos ajustes na dosagem.

Deve ser considerada ainda, como fator de comprovação da técnica, a experiência daqueles produtores de cal que igualmen te comercializam argamas-sas prontas de cimento, cal e areia, ensacadas, seguramente há mais de dez anos com bons resultados, estando essas misturas consagradas pelo uso.

Com grande frequência, a CIENTEC é chamada a opinar em situações de litígio originadas por problemas em argamassas de revestimento de paredes. Essas situações provocam constante mente a arguição quanto à possibilidade de emprego de materiais alternativos, determinando tão intenso envolvimento com diversos materiais e técnicas que permitiu fosse adquirido o conhecimento necessário para viabilizar a tomada de um posicionamento imparci al quanto a essas questões.

Como as normas brasileiras sobre argamassas ainda per mitem a exis-tência de grandes lacunas quanto à especificação de parâmetros de contro-le ou quanto ao uso dos diversos materiais passíveis de serem empregados em sua produção, muitas vezes o julgamento de questões que envolvem a qualidade das argamassas acaba por apresentar alto grau de subjetividade, conduzindo sim plesmente a afirmações do tipo não cumpre de forma eficaz a fun ção a que se destina, evidenciando o ainda incipiente conhecimento sobre o comportamento de revestimentos, principalmente, e sua relação com os ma-teriais empregados.

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Sempre será possível produzir em obra argamassas de boa qualidade, com as características requeridas para os diversos em pregos, ambicionando este livro transferir o conhecimento adquirido pela CIENTEC, ao longo de vários anos, sobre dosagem de arga massas mistas de cimento Portland e cal e orientar os profissionais da área quanto à produção de argamassas adequadas às tarefas de assentamento e revestimento de alvenarias em muros e pare des, ou emboço para aplicação de revestimentos cerâmicos.

Pode ainda ser considerado como objetivo deste livro, res gatar o conhe-cimento das argamassas de cimento, cal e areia, quanto ao emprego dos ma-teriais, sua dosagem, preparação em obra e sua aplicação, além de apresentar uma visão genérica sobre o amplo horizonte das argamassas, tipos, empregos e característi cas específicas.

Alguma orientação quanto ao controle da qualidade das argamassas produzidas em obra é apresentada, bem como o princi pal ensaio que pode ser realizado em obra para verificação do desempenho de sistemas de revestimen-tos que empreguem arga massas.

Não serão abordados, neste livro, os aglomerantes, partin do do pressu-posto que o conhecimento dos vários tipos de aglome rantes, suas possibilidades de misturas, características e peculiari dades já seja dominado.

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2. NOTA HISTÓRICA

Segundo Guimarães, é possível imaginar que, por volta de 5000 a 6000 anos a.C., a cal já pudesse ter despertado a atenção e a curiosidade do homem em função das alterações oriundas da calcinação de rochas calcárias, em caver-nas, que estivessem oca sionalmente em contato com o fogo de fogueiras acesas para geração de calor, proteção ou para cozinhar algum alimento.

Desde épocas remotas o homem emprega materiais que têm a finalidade de unir solidariamente elementos de várias nature zas na construção de edifica-ções. Do antigo Egito, há relatos de emprego de um aglomerante natural carac-terizado como um geopolímero obtido de resíduos das minas de cobre existentes no monte Sinai, podendo ser misturado com outro aglomerante constituído por gesso impuro calcinado, existindo uma teoria que diz serem os imensos blocos de pedra, com os quais foram construídas as pirâ mides, na realidade blocos de argamassa fundidos no próprio local.

Especulações à parte, o fato é que um tipo rudimentar de aglomerante, que também poderia ser cal, tem seu emprego regis trado desde a época da cons-trução das grandes pirâmides, nos anos 2980 a 2925 a.C., já que observações feitas nas pirâmides de Gizé e Quéfrem indicam a existência de argamassas de areia natu ral em que um dos constituintes é a cal.

Os gregos conheciam bem a cal e suas aplicações, sendo creditada aos romanos sua mistura com agregados graúdos entre os quais, seixos ro-lados, areias e fragmentos de cerâmica vermelha na composição de concre-tos rudimentares. Mais tarde, para melho rar o desempenho das argamassas frente à umidade, os romanos passaram a incorporar às misturas cinzas vul-cânicas obtidas na região de Pozzuoli, de onde se origina o nome pozolana. De algu ma forma, este material obtido da mistura de cal e pozolana pode ser considerado o primeiro aglomerante da história com caracterís ticas hidráuli-

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cas com o qual foram erigidas muitas construções que se mantêm estáveis até os dias de hoje.

No Brasil, conforme informações citadas por Guimarães, tem-se o registro da instalação das primeiras caieiras no ano de 1549. Essas unidades produziam cal a partir da calcinação de con chas marinhas obtidas dos abundantes depósitos existentes na Bahia. O material obtido destinava-se à produção de argamassas e para pintura, na construção e manutenção do casario da época, sendo possível dizer que o emprego da cal no Brasil é tão antigo quanto o próprio país.

No interior do Brasil, a cal era fundamentalmente emprega da em pinturas de proteção contra as chuvas das paredes de barro das edificações, sendo apli-cada em sucessivas camadas até formar uma crosta impermeável.

O cimento Portland, como conhecido hoje em dia, pode ser considerado uma evolução desses primeiros aglomerantes, defasa do de alguns séculos devi-do, também, ao obscurantismo que carac terizou a Idade Média.

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3. MATERIAIS ALTERNATIVOS

Embora o assunto abordado neste livro diga respeito preponderante-mente às argamassas mistas de cimento e cal, é neces sário discorrer algo sobre alternativas que se apresentam hoje de forma bastante sedimentada no mercado e sobre a maneira como estas alternativas vieram a ocupar um espaço signifi-cativamente grande no universo representado pelas argamassas em suas mais variadas aplicações.

A bem da verdade, é preciso reconhecer ser possível pre parar argamas-sas de excelente qualidade com uma gama muito variada de materiais. Não é prudente responsabilizar o material empregado pela qualidade final de uma ar-gamassa assim como não é possível responsabilizar exclusivamente o cimento Portland pela qualidade final de um concreto. Sempre haverá um proporciona-mento mais adequado a cada tipo de material. Problemas podem ocorrer fun-damentalmente pela aplicação de processos incorretos de dosagem e por ser exigida, dos materiais, resposta acima de sua competência técnica.

Infelizmente o que se observa em obra é a falta de critério na definição tanto do material como do traço a ser empregado na preparação das argamassas. Não raro o estabelecimento do traço é feito empiricamente pelo mestre de obras ou até pelo pedreiro, havendo, via de regra, uma preocupação imediata com a condição de trabalhabilidade e de velocidade de produção, mesmo que isso pos-sa comprometer a qualidade final da tarefa. Em se tratando de argamassa para revestimento, a facilidade de “chapar” a argamas sa e a rapidez com que poderão ser executados o reguamento e o desempenamento ditam as características do material, não rara mente comprometendo a resistência mecânica, a durabilidade e a capacidade de aderência ao substrato.

Em função dos diversos problemas ocorridos com as arga massas de cal, como já citado anteriormente, o mercado consumi dor abriu-se a materiais alter-

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nativos na busca por soluções técnicas que pudessem minimizar os problemas já corriqueiros. Como a cal é conhecida desde há muito tempo, tendo seu uso con-sagrado pela humanidade, a qualidade das argamassas preparadas com ela não pode ser questionada, exceto quando for de baixa qualidade. Sen do um aglome-rante mineral obtido até pouco tempo atrás por um processo artesanal com pouca tecnologia agregada e de baixo grau de industrialização, sua qualidade sempre esteve vulnerável às variações da matéria-prima, mas principalmente do proces-so ado tado em sua produção. Como durante muito tempo foram emprega das em obra argamassas intermediárias constituídas por cal e areia, a qualidade dessas argamassas estava condicionada à qualida de da própria cal, mas fundamental-mente do proporcionamento (traço) empregado em sua produção. Tantos foram os problemas ocorridos em um determinado período que esses, precipitadamen-te, foram relacionados diretamente com o aglomerante, predispon do o mercado a aceitar produtos alternativos, muitas vezes comer cializados erroneamente como “substitutos da cal”, que se propu nham a resolver os problemas que vinham sen-do registrados. Tais produtos alternativos sofreram do mesmo mal, ou seja, o mau uso, principalmente condicionado por sugestão de proporções inade quadas. O desconhecimento de suas características técnicas, por serem comercializados sem o estudo necessário, determinou o relacionamento direto do produto com os problemas surgidos.

Dos materiais alternativos apresentados ao mercado, dois destacaram--se por seu uso intensivo num determinado período: os aditivos incorporadores de ar, também conhecidos como aeradores ou estabilizadores para argamas-sas, ainda empregados em larga escala, e os vários tipos de argila, caulim e xisto, igualmente co mercializados inadequadamente como produtos capazes de substi tuir a cal.

A bem da verdade, aquilo que se vai discorrer adiante no texto não ten-ciona representar um julgamento das alternativas exis tentes no mercado, sendo importante e oportuno reforçar a afirma ção feita em parágrafo anterior de que argamassas de qualidade, adequadas ao uso a que se destinam, bem podem ser obtidas com os mais variados materiais. As incorreções verificadas estão muito

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mais ligadas às dosagens, ao manuseio e à aplicação do que aos materiais em-pregados, sendo, antes de tudo, fruto do desconheci mento das características e peculiaridades dos diversos materiais e de seu emprego prematuro, sem o suficiente estudo em escala de laboratório e comprovação na prática.

No entanto, alguns registros devem ser feitos com o objeti vo de esclare-cer possíveis usuários quanto às características pró prias destes produtos coloca-dos inadequadamente no mercado como substitutos da cal. É necessário ressal-tar que a cal é efetivamente um aglomerante, o que não pode ser dito de argilas ou outros materiais pulverulentos e muito menos de aditivos incorporadores de ar, embora algumas argilas e xistos possam apresentar alguma pozolanicidade, o que, ao menos no campo teórico, sugere poder haver a con tribuição com o ganho de resistência das argamassas em idades maiores.

A capacidade de aglomeração da cal decorre do contato da pasta de cal (cal e água) com o ar, ou mais precisamente, com o dióxido de carbono (CO2) presente no ar, uma das características que permite classificá-la como um aglo-merante aéreo. A estrutura original formada fundamental e preferencialmente pelo hidróxido de cálcio, mas também pelo hidróxido de magnésio é alterada por sua carbonatação, dotando a mistura, após a secagem, de resistência mecânica e estabilidade química. Além desse mecanismo de endu recimento citado, poderá haver ainda o aparecimento de produtos aglomerantes neoformados, oriundos da reação da cal com a sílica presente nos agregados ou em pozolanas intencional-mente incor poradas à mistura.

Falando em primeiro lugar nos minerais argilosos, devemos ressaltar que, em várias regiões do Brasil, mais notadamente junto à Serra do Mar, argamassas ainda são preparadas a partir da mistura de cimento Portland e saibro.

Entende-se por saibro o material meteorizado resultante da decompo-sição do granito ou de outras rochas magmáticas de textu ra granular, como o gnaisse, em que o quartzo predomina, formado, portanto, de argila e areia.

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Nessas regiões, principalmente no litoral, a experiência adquirida com esta técnica de fazer argamassas permite a obten ção de materiais adequados ao uso e que cumprem suas funções com desempenho satisfatório.

De uma forma geral, tanto é possível admitir o emprego di reto de saibros naturais, obtidos das chamadas saibreiras, como compor misturas de areia e argila. De qualquer maneira, a adoção de minerais argilosos na preparação de argamassas é uma alterna tiva técnica consagrada em algumas regiões.

A causa de inúmeros problemas verificados, principalmente a partir da década de 80, no Rio Grande do Sul, está identificada com o proporcionamento inadequado das argamassas, caracteriza do pelo emprego em quantidade exa-gerada de argila, não raramen te induzida pelo fabricante, no afã de tornar seu produto atraente economicamente, gerando sérios inconvenientes pelo apare-cimento de manifestações patológicas mais notadamente nos revestimentos de paredes.

Se lembrarmos de uma estrada sem pavimentação implan tada em região de solo argiloso, teremos em nossa mente imagens de atoleiros em dias de chuva, nuvens de poeira em dias secos e superfície lisa e firme sem pulverulência para um determinado grau de umidade. Nada de novo. Transpondo essa ideia para uma arga massa feita com argila, aplicada como revestimento, poderemos nos reportar à nota histórica referida por Guimarães de que, nos primórdios da colonização do Brasil, a cal aplicada na forma de pintura em várias demãos sobre paredes de barro garantia a esta bilidade do maciço pela impermeabilidade conferida, em nítida afir-mação da falta de estabilidade da argila empregada na construção, sob a forma de argamassa ou na construção de paredes em edifi cações de pau a pique.

Imaginemos agora uma parede revestida com barro: se for garantida a impermeabilidade do revestimento, esse estará, até certo ponto, estabilizado. Ao contrário, se a umidade tiver acesso à ar gamassa de barro, teremos, guardadas as devidas proporções, principalmente pela falta de maceramento, o comporta-mento espe rado de uma estrada, como exemplificado anteriormente.

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As variações na umidade provocam variações no volume da argamas-sa, muitas vezes rompendo as ligações promovidas pelo cimento Portland, em argamassas de baixa resistência, deter minando o esfarelamento com destruição do material. Empolamentos com posterior desagregação da argamassa também podem ocorrer com frequência, comprometendo o revestimento ou até mesmo a estabilidade de uma alvenaria quando for empregada no assentamento.

Essa argila, por ser um material muito fino e sempre co mercializado com um certo teor de umidade, apresenta uma natural tendência à formação de pe-quenas bolas que na betoneira perma necem inalteradas durante o processo de mistura, portanto sem desmanchar. Na argamassa, no caso de revestimento de paredes, este pequeno grumo, em função de variações na umidade do ar ou das variações de umidade causadas pela incidência direta das chu vas, vai experi-mentar variações de volume, criando bolhas na su perfície da parede, que, com o passar do tempo, evoluem para vesículas, emprestando mau aspecto à edifica-ção, podendo ocorrer em situações mais drásticas o escorrimento pela parede da argila dissolvida pela água ocasionando manchamentos. Evidentemente esses danos podem ser recuperados, mas sempre envolvendo cus tos e desgaste para o construtor.

Ainda por se tratarem de materiais muito finos, de elevada superfície específica, e via de regra consumidos em grande quanti dade nas argamassas, essas acabam por exigir uma quantidade mais elevada de água para o atingi-mento da trabalhabilidade reque rida. Como essa água não é convenientemen-te retida durante o processo de secagem, sua rápida evaporação favorece ao apare cimento de fissuras por retração do material durante o processo de seca-gem, podendo novamente aqui ser traçado um paralelo com o solo argiloso e seu processo de gretamento com a secagem.

Voltando ao que já foi anteriormente dito, é comum e corri queiro o em-prego de saibro na produção de argamassas, princi palmente no litoral brasileiro, desde Santa Catarina até a região Nordeste. O emprego de argila em composi-ção com areia permite a obtenção de um material que se assemelha ao saibro

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com a vanta gem de ser isento de impurezas que podem ocorrer no saibro natu ral. Dito isso, o autor se expressa de maneira indiferente ao empre go dessa composi-ção como alternativa tecnicamente aceitável, prin cipalmente na falta de materiais clássicos, cuja mistura possa gerar argamassas de melhor qualidade. Há que ser feito um alerta no sentido de vincular a qualidade do produto final com uma conveni ente dosagem em laboratório e o atingimento dos valores de refe rência para a avaliação de seu desempenho.

Os insucessos relatados em muitas oportunidades tiveram origem quase exclusivamente no equívoco cometido pela utili zação de uma quantidade exces-siva de argila, ou minerais simila res. Argamassas assim produzidas apresentam forte tendência à retração com a inevitável instalação de intensos processos de fissuração, comprometendo o aspecto visual dos revestimentos e, de pendendo da magnitude do processo, sua estabilidade por esfarelamento com pulverulên-cia ou por destacamento do substrato.

Outra incorreção é admitir como razoáveis traços muito po bres em cimento, o que determina, na argamassa, um comporta mento parecido com aquele que ocorre em estradas de chão, já tomado anteriormente como exem-plo. Essas argamassas pobres em cimento, empregadas em revestimen-tos, apresentam estabili dade apenas enquanto a película de tinta apresen-tar impermeabili dade. A natural degradação do sistema de pintura permite a passa gem da umidade em ciclos alternados entre molhagem com expan são e, posteriormente, secagem com retração. Essas alterações cíclicas de volume determinam o aparecimento de tensões internas na argamassa, ora de com-pressão, ora de tração que terminam por romper as fracas ligações promovidas pelo cimento, gerando a degradação da argamassa, normalmente com intensa pulverulên cia.

Em muitas obras, a manutenção adequada do sistema de pintura tem mantido estáveis revestimentos em argamassas com postas com argila, mesmo a partir de dosagens inadequadas pelo emprego em excesso dessas argilas.

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O caso dos aditivos incorporadores de ar deve ser analisa do de forma um tanto diferente. Toda e qualquer boa argamassa necessita de uma quantidade mínima de pasta para preencher os vazios existentes entre os grãos do agrega-do, manter esses grãos afastados entre si e propiciar seu movimento relativo para garantia da trabalhabilidade, dotando dessa maneira a mistura de coesão. Os grãos do agregado miúdo, assim envolvidos pela pasta, manter-se-ão unidos, caracterizando uma argamassa coesa cuja trabalha bilidade será tanto maior, até os níveis adequados a cada função, quanto mais água lhe for adicionada, desde que não haja comprometimento da coesão o que representaria a segregação, ou seja, a separação dos constituintes, o que determinará sempre perda de traba-lhabilidade.

Ao considerar uma argamassa de cimento e areia, esses objetivos po-derão ser obtidos a partir de um proporcionamento em massa de uma parte de cimento para três ou até cinco partes de areia, para a maioria das areias naturais. Traços em massa de 1:3 e 1:5, considerando uma relação água/cimento de 0,60, determina rão consumos de cimento da ordem de nove a sete sacos por metro cúbico, respectivamente, que podem efetivamente ser considerados consumos de cimento muito elevados que, além de gerar argamas sas de elevado custo, determinarão características físicas e mecâ nicas incompatíveis com seu empre-go em revestimentos principal mente, já que no assentamento de alvenarias de tijolos à vista, por exemplo, são clássicos esses citados traços de argamassas de cimento e areia, sem o emprego de aditivos.

Uma pasta é formada por aglomerante, água e ar aprisio nado; se houver a necessidade de aumentar o volume desta pasta com o intuito de melhorar a coesão e, consequentemente, a trabaIhabilidade de uma argamassa, isso pode ser obtido pelo aumento de qualquer uma dessas três variáveis ou por sua com-binação. Os aditivos incorporadores de ar, ao aumentarem a quantidade de ar presente na pasta, na forma de pequenas bolhas, aumentam seu volume, via-bilizando o emprego de argamassas em traços que, sem o recurso introduzido por este artifício, não apresentariam trabalhabilidade em níveis mínimos para utilização. Esse aumento de pasta, ao dotar de boa trabalhabilidade as arga-

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massas de traço muito fraco, incentivou, por benefícios comerciais, pessoas sem compromisso com a boa técnica a sugerir o emprego desses traços que geram argamassas aplicáveis, mas sem estabilidade, de elevada permea bilidade e ade-rência ao substrato sofrível.

Esses aditivos incorporadores de ar, dosados em quantida des adequadas à quantidade de cimento empregado, podem me lhorar algumas características de concretos e argamassas. É pos sível diminuir a permeabilidade de concretos e argamassas sempre que as bolhas de ar puderem interromper o fluxo hidráulico respon sável pelo desenvolvimento dos canais capilares, que se instalam no desen-volvimento do processo de exsudação. A interrupção dos canais capilares inibe a exsudação, diminui o volume de água eva porada na unidade de tempo e aumenta a estabilidade das mistu ras, colaborando para o controle da fissuração por retração.

Em misturas pobres em cimento, de baixas resistências mecânicas e pouco trabalháveis, é aconselhável o emprego de aditivos incorporadores de ar para que a trabalhabilidade adequada seja obtida pelo aumento no volume de pasta a partir da introdução de bolhas de ar, sem acréscimo de água, ou até mesmo permitindo sua redução, podendo haver assim aumento na resistência mecâni ca em função da redução da relação água/cimento.

Em misturas ricas em cimento, assim como os concretos empregados em estruturas convencionais, a introdução de bolhas de ar tem uma ação que pode ser comparada à introdução de defei tos. Como esses concretos ou arga-massas já apresentam adequa da trabalhabilidade, a introdução de bolhas de ar não propicia a redução da quantidade de água, ocorrendo, entretanto, redução na resistência mecânica, em função da introdução desses defeitos que determi-nam o aumento da porosidade do aglomerado.

Como regra geral, aditivos ou adições devem sempre ser empregados após uma avaliação criteriosa, devendo ser feito um balanço entre as vantagens e desvantagens advindas de seu em prego, sempre contando com o apoio de um laboratório de materi ais de construção.

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No caso particular de aditivos incorporadores de ar, sua efi ciência na incorporação de pequenas bolhas de ar está diretamente ligada à composição granulométrica da areia e com a quantidade de aglomerante ou material fino, devendo sua dosagem ser deter minada para cada alternativa de mistura.

Muitas vezes, o emprego indiscriminado desses aditivos incorporadores de ar, visando apenas reduzir a quantidade de cimen to empregada na produção de argamassas, pode determinar signi ficativas alterações em outras caracterís-ticas igualmente importan tes das argamassas. Perturbações na aderência ao substrato tanto em argamassas de revestimento como de assentamento, falta de estanqueidade em paredes externas, principalmente quando erigi das em tijolos à vista, são alguns dos defeitos relacionados com o uso de forma inadequada desses produtos.

Em argamassas, a utilização de aditivos incorporadores de ar possibilita, através do aumento no volume de pasta, trabalhar traços tão fracos como 1:8 ou 1:12 em volume. Sem qualquer dú vida, a mistura torna-se extremamente econô-mica e, em função desta economia, alguns fabricantes recomendam traços dessa or dem de grandeza, sem levar em conta a qualidade final da arga massa, sem a definição das características dos materiais emprega dos como o tipo de cimento e o módulo de finura da areia e sem a avaliação adequada da interferência nas outras características do material.

Argamassas assim obtidas, via de regra, apresentam baixa resistência mecânica e alta porosidade, sendo em geral permeá veis, comprometendo a es-tanqueidade do envelope da edificação e a aderência ao substrato, seja essa argamassa empregada no as sentamento de elementos de alvenaria ou em re-vestimentos de paredes.

A opção pelo emprego de um aditivo incorporador de ar e a definição da dosagem mais apropriada deve partir do conhecimento de suas características e de seus efeitos sobre a argamassa que está sendo produzida, levando em consideração a granulometria da areia, a qualidade do cimento e a eficiência do

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equipamento de mistura, além da interação desta argamassa com o substrato de aplicação.

O correto emprego desses aditivos deve ser justificado pela conside-ração de sua finalidade como melhoradores de argamassas de cimento e areia ou até mesmo de concretos de baixo consumo de cimento, mas jamais como substitutos da cal, imagem apresen tada em algumas situações que distorcem a real finalidade do pro duto, induzindo muitas vezes ao uso incorreto com o apa-recimento de inúmeros danos, que, infelizmente, poderão vir a ser classifica dos como vícios construtivos.

Outro aspecto a ser considerado na avaliação desse tipo de aditivo que, de tão importante, merece ressalva, é a variação do efeito esperado em função de alterações na composição granulométrica do agregado e na eficiência do pro-cesso de mistura da argamassa.

Areias finas de granulometria contínua apresentam uma capacidade maior de reter as bolhas de ar introduzidas pelo aditivo, aumentando sua eficiên-cia. Maior incorporação de ar igualmente pode ser obtida em função da eficiência do processo de mistura, quer pela maior eficiência do equipamento empregado, quer pelo aumento no tempo de mistura. Dessa maneira, a dosagem do aditi vo fica igualmente condicionada ao tipo de agregado empregado, ao tipo de equi-pamento de mistura adotado e fundamentalmente pelo tempo de mistura, já que esses aditivos são produtos espumígenos e quanto mais agitados mais espuma formarão.

Em função desses aspectos levantados, a adoção de arga massas aera-das principalmente em revestimentos estará sujeita a significativas variações em suas características e, consequente mente, em seu desempenho.

Em prospecções realizadas em revestimentos acabados, foi verificada significativa variação no desempenho destas arga massas, sendo possível cons-tatar a ocorrência de comportamentos distintos em uma mesma fachada, onde,

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em princípio, foi emprega do o mesmo material. Em algumas regiões do revesti-mento seu desempenho situou-se aquém dos padrões mínimos de qualidade exi-gidos por norma no ensaio para verificação da resistência de aderência realizado conforme a NBR 15258:2005 – Argamassa para revestimento de paredes e tetos – Determinação da resistên cia potencial de aderência à tração. Paralelamente, a observação subjetiva da pulverulência superficial ou da resistência ao risco, exe-cutado com instrumentos pontiagudos, indicavam igualmente haver diferenças significativas, principalmente porque o desempeno intenso dessas argamassas aeradas promove a concentração de bolhas de ar na superfície do revestimento, fragilizando-o.

Depreende-se daí a necessidade imperativa de serem estabelecidos, nesses casos, controles rígidos sobre o agregado ou sobre os diversos agrega-dos, quando houver composição, e na produção propriamente dita com relação ao tempo de mistura, ao volume de material misturado em cada operação, além da quanti dade de água empregada.

Quanto à aderência ao substrato, é preciso ressaltar que toda bolha de ar que se situar na interface argamassa/substrato representará uma solução de continuidade diminuindo o contato da argamassa com o substrato. Outro fator importante é a constatação de que em argamassas de baixo consumo de aglo-merante é igual mente reduzida a capacidade de retenção de água o que também compromete a eficiência da ligação da argamassa ao substrato.

É possível serem obtidas argamassas aeradas de excelen te qualidade desde que convenientemente dosadas e sendo o aditi vo empregado como um melhorador, jamais como um substituto de um aglomerante.

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4. FUNÇÃO DAS ARGAMASSAS

Qualquer material empregado isoladamente ou compondo sistemas deve desempenhar funções definidas em uma edificação, inclusive garantindo o efeito estético esperado. No caso das arga massas, consideradas como um elemento de um sistema e não isoladamente como um material, levando em consideração sua interação com o substrato e com o ambiente, é possível admitir como fun-ções primordiais as seguintes:

• impermeabilizar o substrato de aplicação;

• garantir bom acabamento ao paramento revestido;

• absorver as deformações naturais a que uma estrutura está sujeita;

• regularizar e/ou proteger mecanicamente substra tos constituídos por sistemas de impermeabilização ou isolamento termoacústico.

No caso do emprego em assentamento, espera-se ainda que as arga-massas possam:

• unir solidariamente entre si os elementos que compõem uma alve-naria;

• garantir a adesão ao substrato de elementos de revestimento em pisos ou fachadas;

• distribuir de forma uniforme os esforços atuantes em uma alvenaria;

• garantir a impermeabilidade das alvenarias de elementos à vista (sem revestimento).

Para o cumprimento das funções relacionadas, as arga massas deverão necessariamente apresentar as seguintes proprie dades:

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• trabalhabilidade adequada à função a que se destinam;

• eficiente capacidade de retenção de água;

• durabilidade compatível com a vida útil prevista para a edi ficação;

• estabilidade química frente aos agentes de deterioração e sem a ocorrência de alterações em seus constituintes re presentadas por reações retardadas;

• estabilidade física a partir de uma resistência mecânica compatível com as solicitações determinadas por ciclos al ternados de molha-gem e secagem;

• capacidade de aderir ao substrato formando um sistema com resis-tência de aderência compatível com as solicita ções; e

• módulo de elasticidade tão baixo quanto o necessário para dotar as argamassas de capacidade de absorver por de formação tensões in-ternas geradas pela movimentação da estrutura e/ou dos materiais que a compõem.

As funções apresentadas e sua relação com as caracterís ticas reque-ridas são, de pronto, bem entendidas, no entanto é con veniente discorrer com mais profundidade sobre algumas dessas características que podem ser con-sideradas mais importantes por serem fundamentais ao bom desempenho dos diversos tipos de argamassa.

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5. CARACTERÍSTICAS DAS ARGAMASSAS

Embora no item anterior tenham sido elencadas diversas propriedades das argamassas, não será necessário discorrer sobre cada uma delas separa-damente, visto existirem zonas de intersecção que, se abordadas, conduziriam a elaboração de um texto re petitivo. Assim, neste item, serão abordadas as princi-pais caracte rísticas das argamassas, sendo feitas implicitamente referências às propriedades e características apresentadas no item anterior.

5.1. Trabalhabilidade

A trabalhabilidade de uma argamassa é um conceito subje tivo que deve ser entendido como a maior ou menor facilidade de dispor a argamassa em sua posição final, cumprindo adequada mente sua finalidade, sem comprometer o bom andamento da tare fa em termos de rendimento e custo.

Assim, uma argamassa para assentamento de alvenarias de pedra deve-rá apresentar um comportamento diferente daquele exigido de uma argamassa de assentamento de alvenarias clássi cas de tijolos ou blocos cerâmicos; e estas, de uma argamassa de senvolvida para a função específica de revestimento de paredes.

Uma alvenaria de pedra normalmente emprega elementos de grande massa com superfícies bastante irregulares, se compa rados com outros ele-mentos de alvenaria, havendo por esta última característica a necessidade de executar estas alvenarias com juntas de maior espessura. Nessas condições, o emprego de arga massas de mais elevada plasticidade dificultaria o trabalho em fun ção da movimentação dos elementos de alvenaria, impossibilitando o correto posicionamento das pedras em fiadas, impedindo a obtenção do alinhamento e do prumo desejados, comprometendo a qualidade final da alvenaria e o desen-

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volvimento da tarefa. Por isso, as argamassas empregadas no assentamento de elementos de maior massa e superfícies irregulares devem apresentar maior consistência, “firmes” no jargão popular, sendo esta a trabalhabilidade adequada para este tipo de tarefa, evitando deslocamentos que possam ser causados pela ação do peso próprio desses elementos ou da força resultante da colocação das fiadas subsequentes.

Já as argamassas destinadas ao revestimento de paredes deverão ser caracterizadas por uma plasticidade maior obtida pelo aumento do volume de pasta, por sua vez obtido, até o limite da coesão, pelo aumento na quantidade de água empregada em sua produção. A maior plasticidade garante a aderên-cia instantânea ao substrato, no momento da projeção da argamassa e permite com mais facilidade um acabamento adequado aos revestimentos de parede. No assentamento de elementos de alvenaria, a argamassa deverá apresentar uma plasticidade que permita a obtenção de uma junta com a menor espessura possível e firme o suficiente para permitir a evolução da parede com velocidade e sem perda do prumo.

Em termos práticos, entende-se que a trabalhabilidade de uma argamas-sa deva estar diretamente ligada à tarefa a ser execu tada, estando suas carac-terísticas ligadas diretamente às funções a serem desempenhadas. Uma mesma argamassa ao ser utilizada em revestimento ou assentamento deverá apresentar trabalhabili dade diferente em cada caso.

A modificação da trabalhabilidade estará sempre ligada diretamente à quantidade de água empregada em sua preparação, desde que haja uma quan-tidade tal de material fino, preferencial mente aglomerante, suficiente para reter a água adicionada, garan tindo a estabilidade de volume e a coesão necessária para promo ver a aderência instantânea sem a ocorrência de segregação de seus constituintes. O excesso de água em uma argamassa, desde que rompida a co-esão, tornará a argamassa fluida, mas menos trabalhável pela perda de coesão, incapacitando-a para a função a que se destina. O conceito de trabalhabilidade pode ser entendido, então, como a correta interação entre dois conceitos: con-

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sistência e coesão. Vale dizer que uma argamassa muito pouco consistente, ou seja, bastante fluida, sem coesão não será trabalhável. Da mesma forma, uma argamassa de grande coesão, mas de baixa fluidez, igualmente apresentará comprometimento em sua trabalhabilidade. Como já foi dito, trabalhabilidade é um conceito relativo e as duas situações-limite expostas anteriormente podem valer para uma argamassa a ser empregada em revestimento de paredes po-dendo, cada uma delas, ser adequada a uma outra tarefa não considerada no exemplo.

5.2. Durabilidade

A durabilidade de uma argamassa é um conceito que pode ser entendido de uma forma mais simples como sendo a capacida de de uma argamassa em manter sua estabilidade química e física ao longo do tempo em condições nor-mais de exposição a um de terminado ambiente, desde que submetida aos esfor-ços que foram considerados para seu projeto, sem deixar de cumprir as funções para as quais foi projetada. A durabilidade de uma argamassa está, portanto, condicionada por suas características intrínsecas, pelas condições de agressivi-dade do meio ao qual está exposta e pelo tipo de solicitações de natureza física e mecânica a que estará submetida. Condições especiais de agressividade de um determi nado meio exigirão o emprego de argamassas especiais dosadas para re-sistir à ação específica dos produtos contaminantes existen tes em um ambiente. Elevados níveis de exigência mecânica por abrasão, flexão ou compressão ou de exigência física relacionada com variações de um microclima, envolvendo tem-peratura e umi dade, igualmente deverão definir parâmetros de projeto a serem atingidos pelo material durante o desenvolvimento de sua vida útil.

Em condições normais, não havendo exigências especiais de resistência mecânica, a durabilidade de uma argamassa de assentamento e principalmente de revestimento estará intimamente ligada à presença de umidade e de sais so-lúveis passíveis de se rem lixiviados. Quanto maior a presença de umidade, tanto maior deverá ser a participação de aglomerantes hidráulicos na formula ção da

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argamassa, influenciando diretamente sua resistência me cânica e o módulo de deformação, já que a resistência à umidade sempre estará diretamente ligada à quantidade de cimento Portland empregado.

Fala-se apenas na quantidade de cimento Portland, já que a quantidade de água empregada na produção das argamassas pouco vai ser alterada por diferen-ças no consumo de cimento, ou seja, a percentagem de água sobre o total de ma-teriais secos per manece praticamente inalterada a partir de pequenas alterações no conteúdo de cimento. Mantida a quantidade de água, fatalmente a relação água/cimento diminuirá pelo aumento no consumo de ci mento, já que a trabalhabilidade é definida por uma quantidade fixa de água sobre o total de materiais secos. Com isso torna-se mais facilmente entendido o conceito de resistência mecânica através do consumo de cimento, muito embora o parâmetro que estabelece o comporta-mento de todos os aglomerados de cimento Portland seja sempre o binômio: rela-ção água/cimento e massa específica (den sidade) da mistura.

No caso das argamassas mistas de cimento e cal, a elevada relação água/cimento, função da elevada quantidade de água em pregada em sua pre-paração e a pequena quantidade de cimento, situa-se normalmente em uma re-gião da curva de Abrams de com portamento assintótico, permitindo imaginar ser extremamente pe quena a influência direta na resistência mecânica de variações na relação água/cimento. Por isso, significativos aumentos na resistên cia mecâ-nica desses tipos de argamassas somente poderão ser percebidos a partir de também significativos aumentos na quantida de do cimento empregado em sua preparação. Muitas vezes o au mento da resistência mecânica em argamassas é obtido a partir do aumento de sua densidade, por sua vez obtido com o correto pro porcionamento dos materiais empregados, não raramente sendo necessário recorrer à mistura de agregados para a obtenção de granulometrias contínuas.

Quando empregadas na construção de alvenarias de pe dras, que podem estar permanentemente em contato com água, como fundações em alicerces e muros de arrimo, as argamassas de assentamento são produzidas exclusiva-mente com cimento Portland e areia, caracterizando uma condição extrema para

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garan tia da durabilidade a partir da característica hidráulica do aglome rante.

Em conclusão, depreende-se que as argamassas empre gadas no reves-timento externo das paredes de uma edificação devem ser dosadas com uma quantidade maior de cimento do que aquela empregada em argamassas com outras funções, assim como assentamento ou revestimentos internos, já que es-tarão mais intensamente sujeitas à ação deletéria da umidade.

Estabilidade química pode ser entendida como a manuten ção das carac-terísticas originais de uma argamassa ao longo do tempo, não devendo ocorrer reações deletérias nos aglomerantes e em sua interação com os agregados.

Como exemplo típico de instabilidade por alteração química é possível tomar, em argamassas compostas com cal, a hidratação retardada do óxido de cálcio e, principalmente, do óxido de magnésio, após a aplicação da argamassa. A formação dos compostos hidratados é acompanhada de expressivo aumento de volume que determina o aparecimento de tensões internas no material que, em não sendo suportáveis, são dissipadas através de pequenas defor mações, num primeiro momento, mas em seguida por rupturas localizadas caracterizadas pela instalação de processos de fissuração, que poderão dar origem a despla-camentos de revestimentos ou deformações em muros, caso o fato ocorra em argamassas empregadas no assentamento de elementos de alvenaria. Quando o fenômeno é localizado em revestimentos, ocorre a formação de “bolhas” em sua superfície que evoluem para vesículas a partir da expulsão de pequenas parcelas da argamassa, permitindo a obser vação no centro da vesícula de grão de coloração branca, já então de hidróxidos de cálcio e magnésio.

Não raro, cales obtidas de jazidas próximas a regiões carboníferas e areias naturais mineradas ao longo de rios que passam por essas regiões podem apresentar contaminações por carvão mineral. Nas partículas de carvão, está presente um mineral deno minado Pirita, formado por sulfeto de ferro. Esse mine-ral em contato com a umidade vai experimentar um processo de oxidação com a formação de óxidos e hidróxidos de ferro que possuem um volume maior do que

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o composto que os originou. O efeito desta reação é manifestado pela formação de “bolhas” no revestimento que evolu em igualmente para a formação de vesícu-las que em seu interior evidenciarão a presença de um material preto, carvão. As figuras 1 e 2 a seguir apresentadas registram o fenômeno.

Figura 1 Bolha na argamassa de revestimento formada pela expansão causada pela hidratação da pirita.

Figura 2 Fragmento de carvão que contaminava a areia empregada na produção da argamassa.

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A presença de sais solúveis no agregado, nos elementos cerâmicos da alve-naria ou em solos saturados, cuja água é absor vida por capilaridade, gera a destrui-ção das argamassas e mesmo dos elementos cerâmicos que compõem a alvenaria a partir do aumento de volume experimentado por esses sais em função de sua higros-copicidade ou durante o processo de cristalização que, ao ocorrer nos poros da ca-mada mais externa da argamassa ou do elemento cerâmico, causam sua destruição. A ocorrência de pulverulência pode ser acompanhada da formação de eflorescências, gerando sempre mau aspecto que pode ser agravado quando ocor re a instalação de colônias de micro-organismos, representados por vegetais inferiores.

A destruição tanto da argamassa de revestimento ou do próprio elemento cerâmico pode ser visualizada na Figura 3.

Figura 3 Apresenta o aspecto típico de uma alvenaria deteriorada pela ação expan-siva de sais solúveis.

5.3. Retenção de água

A retenção de água é a capacidade de uma argamassa de liberar demo-radamente a água empregada na sua preparação para o meio ambiente ou para substratos porosos. Quanto maior a quan tidade de água empregada na prepara-

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ção de uma argamassa, mai or igualmente o volume de água a ser evaporado, ge-rando sempre retração por maior que seja a capacidade de uma mistura em reter água. Em argamassas mistas de cimento Portland e cal, produzidas apenas com areia fina, em geral de módulo de finura inferior a 1,00, a trabalhabilidade ade-quada para operações de revestimento é determinada por uma plasticidade via de regra obtida a partir de um consumo muito elevado de água, em quantidades que podem che gar a 30% sobre a massa de material seco, razão pela qual dificil-mente uma argamassa com essas características deixará de apre sentar fissuras.

A rápida evaporação da água de amassamento de uma ar gamassa de revestimento empregada em pequena espessura, o que pressupõem a existên-cia de muito ampla superfície de evapo ração em relação ao volume, determina a redução de volume ainda com a argamassa no estado plástico, em uma etapa em que o ma terial não apresenta resistências mecânicas, principalmente a resis-tência à tração que deveria equilibrar os esforços de tração causa dos pela re-tração, determinando que esses esforços sejam dissipa dos por ruptura, ou seja, pela instalação de processos de fissuração.

Se a argamassa apresenta grande capacidade de retenção de água, a perda da água de amassamento é lenta, sendo desen cadeado simultaneamente ao pro-gressivo ganho de resistência o que garante a estruturação do material minimizando a diminuição de volume e a probabilidade de instalação de processos de fissuração.

A capacidade das argamassas em reter água é também de muita impor-tância na garantia da aderência aos substratos, evitan do o desplacamento de porções de argamassa empregadas em revestimentos de paredes e garantindo a homogeneidade das alve narias pela manutenção da união dos vários elementos que a com põem na formação de um todo compacto.

A influência da retenção de água na eficiência dos sistemas de ancora-gem das argamassas aos substratos de aplicação será mais bem compreendida no texto referente à aderência apresenta do adiante.

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5.4. Capacidade de absorver deformações

Em geral as argamassas são usadas para unir ou revestir elementos fa-bricados com materiais de diferentes naturezas e, consequentemente, diferentes comportamentos com relação à ca pacidade de absorção de água e à deformação causada por ação térmica ou higrométrica.

Uma mesma argamassa recobre, em revestimentos, mate riais de diferen-tes coeficientes de dilatação térmica num mesmo paramento vertical, assim como concreto armado e alvenaria de tijolos cerâmicos, devendo absorver de forma efi-ciente deformações diferenciais advindas da resposta dada pelos diferentes mate-riais às solicitações oriundas das constantes variações térmicas e/ou higrométricas.

A capacidade de um material em absorver esforços por de formação pode ser relacionada com seu módulo de elasticidade, que pode ser entendido de for-ma rudimentar como a tensão neces sária para promover a deformação de uma unidade de comprimento medida sobre um corpo de prova submetido ao ensaio.

O valor do módulo de elasticidade é obtido a partir da inter pretação da relação entre tensão e deformação característica de um material, representada pela secante à curva que define a rela ção, em um ponto estabelecido por um determinado nível de carre gamento. Importa num primeiro momento o conheci-mento do valor do módulo calculado para um ponto na curva que define o limite do regime elástico experimentado pelo material, embora a avaliação global deva sempre ser considerada.

Sabe-se que embora não linearmente, o módulo de elasti cidade de um material apresenta correspondência com sua resis tência à compressão. Assim é de se esperar que materiais de gran de deformabilidade, ou seja, de baixo módulo de elasticidade, apre sentem baixa resistência à compressão.

Trata-se o módulo de elasticidade de uma grandeza de difí cil quantifica-ção sendo influenciada por pequenos detalhes. Não raramente em uma mesma

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determinação, ou seja, no ensaio reali zado sobre três corpos de prova moldados com mesma amostra, pelo mesmo operador e curados da mesma maneira são obtidos resultados em muito discrepantes, exigindo sua repetição. Em se tra-tando de argamassas, é possível esperar a ocorrência de gran des variações no ensaio em função da maneira como as argamas sas são preparadas em obra, do descaso em sua dosagem e da falta de controle sobre os materiais empregados em sua produção. Outro fator a ser considerado como interveniente no processo e determinante importante de variações nos resultados está relacio nado com a qualidade da moldagem dos corpos de prova e princi palmente com a coleta da amostra, nem sempre efetuada de ma neira a garantir a representatividade do todo.

Assim como não há indicativo preciso sobre os valores de resistência à compressão e à tração a serem verificados em arga massas para serem empre-gadas em revestimentos de paredes, igualmente não se conhece o valor ou a faixa de valores apropria dos do módulo de deformação.

Em função do exposto, fica evidente a imensa dificuldade que pode ser esperada caso algum estudo seja desenvolvido no sentido de quantificar tal pa-râmetro com a finalidade de estabelecer valores de referência para dosagem.

O conhecimento dessa relação entre resistência mecânica e módulo de elasticidade pode orientar os processos de dosagem no sentido de serem produ-zidas argamassas com a mínima resistência mecânica necessária para verificar os valores definidos em norma, obtendo-se assim paralelamente baixo módulo de elasticidade. Os métodos para determinação do módulo de elasticidade são aplicá veis sobre corpos de prova cilíndricos, para os quais existe referên cia. A normalização vigente prevê o emprego de corpos de prova prismáticos para o en-saio de tração na flexão sendo o ensaio de compressão executado sobre prismas obtidos dos corpos de prova ensaiados à flexão o que não permite estabelecer comparação com os valores obtidos a partir do ensaio de corpos de prova cilín-dricos, que representam a referência conhecida.

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5.5. Aderência ao substrato

Uma das características mais importantes das argamassas é, sem dú-vida nenhuma, sua capacidade de manter-se aderida ao substrato, seja no as-sentamento, com a finalidade de unir elemen tos em uma alvenaria, ou em re-vestimentos, mesmo diante de mo vimentações diferenciadas, choques térmicos, impactos e outras solicitações. Devido à importância dessa característica, é ne-cessário co nhecer o mecanismo de funcionamento e as variáveis intervenientes no processo.

A resistência de aderência deve ser entendida como o re sultado do com-portamento de um sistema, dependendo tanto das características da argamassa como das características do substrato de aplicação. A eficiência da aplicação, sempre relacionada com o fator humano, por vezes torna-se a variável mais im-portante no processo. Outros aspectos tais como a temperatura do ar, sua ve-locidade e sua umidade podem determinar que mesmos materiais acabem por definir sistemas de revestimento com desempenhos em muito diferenciados.

Superfícies muito lisas definirão certamente sistemas de baixa resis-tência de aderência, por melhor que possa ser a arga massa empregada. Como exemplo, basta imaginar o comportamen to de uma mesma argamassa empre-gada no assentamento de tijolos maciços e no assentamento de tijolos de 21 furos, ou radica lizando, no revestimento de uma superfície de concreto e de uma superfície de vidro.

Considera-se a existência de três mecanismos de aderên cia que atuam de forma conjunta:

a. a aderência instantânea;

b. a microaderência; e

c. a macroaderência.

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A aderência instantânea consiste na capacidade da arga massa em se manter aderida à superfície por um curto espaço de tempo. Essa aderência é obti-da pelo vácuo formado no processo de deformação que a argamassa experimenta quando projetada sobre a superfície que compõe o substrato. Quando a argamassa é proje tada, a força de projeção determina sua deformação sobre o subs trato no momento do impacto. No instante seguinte a tendência é de a argamassa retornar já que parte da energia tende a ser dissi pada pela reflexão que é impedida pelo vácuo formado pela distensão da argamassa. Até que a pressão seja equilibrada a argamassa manter-se-á aderida ao substrato em tempo suficiente para que tenha início o mecanismo que caracteriza a microaderência. Essa aderência instantânea dependerá fundamentalmente da coesão e da plasticidade da argamassa.

O segundo mecanismo pode ser entendido a partir de sua observação em nível microscópico; e o terceiro, a partir da observa ção à vista desarmada.

Para o entendimento com maior facilidade do fenômeno, recorre-se ao artifício de imaginar a projeção de uma quantidade de argamassa sobre uma placa de vidro disposta verticalmente. A única forma de essa porção de arga-massa ficar aderida à superfí cie de vidro é através do mecanismo de vácuo, de curta duração, mas que, em se tratando de superfícies porosas e com saliên-cias e reentrâncias, permitirá o desenvolvimento dos dois outros meca nismos. Intuitivamente, na medida em que não irão se desenvolver mecanismos de micro e macroancoragem, é possível esperar que esta pequena porção de argamassa venha a escorrer pela placa de vidro, imediatamente após sua projeção, não havendo qualquer interação entre os dois materiais.

Analisando as características da superfície admitida como substrato, esta pode ser caracterizada como impermeável, plana e lisa, desta forma sem quaisquer condições de viabilizar a ancora gem da argamassa, seja por microa-derência ou por macroaderência.

Comentando primeiramente a macroaderência; se for ima ginada agora uma superfície de vidro irregular a partir da existência de uma grande quanti-

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dade de pequenos elementos superficiais com o formato de um cogumelo, é possível intuir que estas protuberâncias constituirão elementos de retenção que manterão a porção de argamassa projetada presa à superfície, caracterizando um pro cesso de ancoragem exclusivamente por macroaderência, que pode ser identificado pelo preenchimento de reentrâncias e saliên cias propositadamente feitas na superfície, o que ocorre principal mente em blocos cerâmicos com ou sem função estrutural.

Se for imaginada em sequência uma superfície lisa, mas porosa, com grande capacidade de absorção de líquidos, água ou mais propriamente a pasta da argamassa, no momento do contato da argamassa com o substrato poroso, este imediatamente absorve uma certa quantidade de pasta.

O preenchimento dos poros, com a pasta, garante a forma ção de peque-nos insertos, como raízes ou como pregos, fixando mecanicamente a porção de argamassa projetada ao substrato. Durante a fase de formação desses insertos, a estabilidade da argamassa até seu enrijecimento e, consequentemente, dessas pequenas estruturas é garantida pela macroaderência.

A formação dessas pequenas estruturas que caracterizam a microan-coragem está relacionada com a capacidade do material em absorver a pasta sendo uma função da quantidade e do diâme tro dos poros e da predisposição da pasta em ser absorvida. Em outras palavras, o perfeito estabelecimento da micro-ancoragem está condicionado à capacidade do material em absorver pasta em quantidade adequada, da existência de pasta disponível, da fluidez dessa pasta e da capacidade de retenção de água da pasta, já que o que deve ser absorvido para a formação do prego é pasta e nunca somente água, o que aconteceria caso não houvesse, por parte da argamassa, capacidade de reter água, ou seja, capa-cidade de man ter a estabilidade (homogeneidade) da pasta, fenômeno associado diretamente à coesão.

O estabelecimento correto desses parâmetros é extrema mente subje-tivo, pois depende da interação de pelo menos três variáveis de difícil controle.

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Se uma argamassa apresentar-se muito seca, com uma pasta de baixa fluidez e com grande viscosidade, não haverá absorção de pasta, não havendo aderência. Como exemplo é possível pensar em projetar contra um paramento verti cal uma porção de argamassa muito seca. O rebote será total, a argamassa não ficará aderida à parede.

Uma argamassa mal dosada, deficiente em pasta ou em outras palavras, muito fraca, magra, não disponibilizará a pasta adequada para, em sendo absor-vida, viabilizar a aderência. Fala-se em pasta adequada porque, aumentando a quantidade de água na mistura, aumenta-se o volume de pasta que será inade-quada pelo excesso de água e deficiência de aglomerante. Ou seja, o substrato estará absorvendo quase exclusivamente água.

Deve-se aqui, por oportuno, fazer uma breve consideração sobre o fraco desempenho das argamassas obtidas pelo emprego de aditivos incorporadores de ar quanto à resistência de aderência. O fraco desempenho não pode ser atri-buído ao aditivo e seus efei tos na argamassa, mas sim à má concepção do traço. Se, em recapitulação, admitirmos que uma pasta é formada por aglomerante, água e ar, argamassas de cimento e areia preparadas com aditivos incorporado-res de ar em traços muito fracos, pobres em aglomeran te, terão a pasta formada em grande parte por bolhas de ar que garantirão a boa trabalhabilidade, mas não a adequada aderência, pois o que será absorvido pelos poros existentes no substrato será em grande quantidade água e não uma pasta bem dosada capaz de formar elementos de fixação de adequada resistência a ponto de garantir a boa ligação da argamassa com o substrato. Consideran do que argamassas fra-cas com baixo consumo de aglomerante exigem grande quantidade de bolhas de ar para melhorar a traba lhabilidade, sempre que uma bolha de ar se posicio-nar entre a ar gamassa propriamente dita e a superfície do substrato, ocorrerá a diminuição da superfície de contato entre os dois materiais, o que fatalmente comprometerá a resistência de aderência.

No caso do emprego deste tipo de argamassa, deverá ser privilegiada a aderência por macroancoragem como aquela verifi cada pelo refluxo da argamas-

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sa por entre os orifícios de um tijolo de 21 furos no caso de argamassas de as-sentamento. O mesmo pode ser garantido no assentamento de blocos cerâmicos com função estrutural por possuírem um tipo de perfuração sempre com o eixo paralelo à direção de aplicação das cargas, que permite o parcial preenchimento com argamassa, caracterizando um proces so de macroancoragem.

Já no trabalho com elementos sem condições de propicia rem a macroan-coragem, a argamassa deverá ser dosada a partir do consumo de aglomerante que garanta um volume de pasta de boa qualidade para garantir eficiência no processo de aderência por microancoragem. Nestes casos, as argamassas de-verão ser bem mais ricas que aquelas oriundas da reprodução de traços indica-dos pelos fabricantes destes aditivos que sugerem proporcionamentos visando ao atendimento de aspectos muito mais comprometidos com a economia do que com a técnica.

Voltando um pouco a falar de retenção de água, se a capa cidade de reter água de uma argamassa for insuficiente a ponto de permitir a sucção por parte do elemento poroso, sobre o qual está sendo aplicada a argamassa, apenas de água e não de pasta, não haverá a formação de estruturas resistentes que pos-sam garantir a microaderência. Se houver uma absorção de água muito intensa, a hipótese de que poderá haver falta de água para as reações de hidratação do cimento e para a manutenção do meio aquoso ne cessário para predispor o hidró-xido de cálcio às reações de carbonatação não pode ser descartada. Em resumo haverá uma interface de baixa resistência mecânica no sistema que fatalmente represen tará o elo mais fraco.

A sequência fotográfica apresentada a seguir ilustra o fe nômeno de mi-croaderência, sendo possível identificar, a partir da terceira imagem, a formação do “prego” pela absorção da pasta pelo material cerâmico através de sua poro-sidade.

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Figura 4 Dois materiais distintos – à esquerda da fotografia, a argamassa; à direita, o elemento cerâmico.

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Figura 7 Apresenta de forma bem definida, da esquer da para direita, um grão de areia e a argamassa que se estende pelo material cerâmico, formando a estrutura responsável pela microaderência.

Figuras 5 e 6 Mesma imagem em maiores magnitudes, sendo possível identificar na região delimitada na Fotografia 6 a penetração da argamassa na porosidade da superfície do material cerâmico.

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5.6. Resistência mecânica

A grande questão com relação à resistência mecânica de uma argamas-sa é sua quantificação, ou seja, qual o valor que deve ser obtido e como deve ser feita a medição deste valor de referên cia, qual a idade de ensaio, qual o método a ser empregado e qual o corpo de prova a ser adotado. Evidentemente que a resposta a essa questão está diretamente vinculada com o emprego previsto para a argamassa e com as solicitações previstas em projeto, quando for o caso.

É possível pensar em uma argamassa destinada à recupe ração de uma peça estrutural em que a resistência mecânica torna-se um elemento de projeto de fundamental importância. Da mesma forma é possível intuir ser importante a resistência de uma arga massa a ser empregada na fixação de equipamentos, na execução de pilaretes, em alvenaria estrutural, ou quando for empregada na forma de microconcreto, em estruturas.

No caso de argamassas de assentamento e revestimento, este parâme-tro sempre recebeu uma consideração secundária, a ponto de serem indicados apenas traços para determinados usos sem qualquer referência à resistência a ser atingida ou outras ca racterísticas ou com relação às características dos ma-teriais a se rem empregados em sua produção.

No entender do autor a resistência mecânica das argamas sas será sempre um elemento importante, no mínimo como um elemento de controle na avaliação da qualidade, pela verificação da homogeneidade das operações de produção.

Antes de justificar a afirmativa, é importante ressaltar que, quando se fala em resistência de um material, deve-se ter em men te sempre a maneira como será quantificada essa resistência, inclu indo a definição do corpo de prova e o método de ensaio a ser seguido.

De forma consagrada, são dois os tipos de corpos de prova empre-gados na avaliação da resistência à compressão, tanto de concretos como de

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argamassas. O corpo de prova cilíndrico é sem pre com a altura igual ao dobro do diâmetro da base, adotado no Brasil e o corpo de prova cúbico. A NBR 13279:2005 – Argamassa para assentamento de paredes e revestimento de paredes e tetos – Determinação da resistência à compressão – hoje vigente –, define corpos de prova cúbicos para a determinação da resistência à com-pressão obtidos de metades de corpos de prova prismáticos rompi dos previa-mente por flexão.

Sabe-se por várias experiências apresentar-se diferente à resistência de um mesmo material, medida sobre cilindros ou sobre cubos.

No caso das argamassas de assentamento empregadas em alvenarias portantes, a resistência é um elemento tão mais im portante quanto maior for a espessura das juntas.

Embora importante, a resistência à compressão das arga massas não é objeto de controle na grande maioria das obras exe cutadas em alvenaria por-tante. Em edificações com este modelo estrutural com alturas correspondentes a três pavimentos, é possí vel afirmar que este parâmetro é normalmente negli-genciado.

A forma do corpo de prova e a proporção entre suas di mensões são muito importantes na avaliação da resistência de um material. Um corpo de prova cilíndrico, com altura igual ao dobro do diâmetro da base, colocado entre os pratos de uma prensa hidráuli ca ao ser ensaiado é literalmente apertado até a ruptura. O contato entre as bases do corpo de prova e os pratos da prensa determina o aparecimento de forças de atrito tão mais intensas quanto maior a pressão exercida sobre o corpo de prova. Essas forças tangenciais representam restrições ao movimento lateral do corpo de prova, impedindo a ocorrência de deformação. Essas forças de tangenci ais e a força de compressão aplicada na direção do eixo do corpo de prova, exercida pela prensa, estabelecem o aparecimento de um sistema triaxial de tensões representando uma ação de confinamento do material naquela região.

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Na medida em que são consideradas regiões do corpo de prova cada vez mais afastadas de suas extremidades, menos in tensas serão as forças tan-genciais de confinamento até que no centro geométrico do corpo de prova não serão mais percebidas essas forças, estando o material, nesse ponto, submetido exclusi vamente a uma tensão de compressão. Nesse ponto, a deformação trans-versal será máxima e proporcional à deformação vertical por uma relação conhe-cida como coeficiente de Poisson, fazendo com que o corpo de prova experimen-te um aumento no diâmetro com intensa fissuração de desenvolvimento vertical, indicando que o material está sendo submetido a forças de tração. Quanto menor for a relação entre a altura e o diâmetro do corpo de prova mais efeito das ten-sões tangenciais de confinamento será percebido no centro geométrico do corpo de prova, havendo a necessidade de um maior esforço axial de compressão para compensar as forças de confinamento para que o concreto seja submetido aos esforços de tração que determinarão a ruptura do corpo de prova. Quanto menor a relação entre a altura e o diâmetro de um corpo de prova, mais elevada deverá ser a carga aplicada no ensaio para que ocor ra a ruptura, dando a falsa ideia de que a resistência do material é mais elevada.

Se for admitida a camada de argamassa colocada entre dois elementos de alvenaria como um corpo de prova com seção transversal igual à superfície de um tijolo, assim como 10 cm x 20 cm e esses dois elementos de alvenaria como os pratos de uma prensa, é possível entender que, quanto menor a espessura da camada de argamassa, maiores as forças tangenciais de contenção estabe-lecidas não somente pelo atrito entre os elementos de alve naria e a camada de argamassa, mas também pela aderência me cânica existente. Assim, é possível entender que quanto menor a espessura da camada de argamassa de assen-tamento, menor a resistência à compressão dessa argamassa necessária para man ter a estabilidade do sistema.

A espessura da camada de argamassa de assentamento deve ter uma espessura capaz de permitir a perfeita distribuição de carga entre os elementos de alvenaria e garantir a monoliticidade da alvenaria. A NBR 8545:1984 – Execução de alvenarias sem função estrutural de tijolo e blocos cerâmicos – Procedimento

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em seu item 5.1 estabelece como espessura máxima para a junta em argamassa o valor de 10 mm. Embora seja uma especificação para execução de alvenarias sem função estrutural, essa espessura pode ser sugerida como objetivo geral a ser atingido em qualquer alvenaria. Quanto menor a espessura da camada de argamassa de assentamento, maiores serão as tensões de confinamento e a rup-tura ocorrerá com uma tensão muito maior que aquela que seria verificada caso a resistência do material fosse medida em um corpo de prova cilíndrico com altura igual ao dobro do diâmetro da base, por exemplo, 5 cm de diâmetro e 10 cm de altura, conforme o padrão adotado no Brasil sugerido pela NBR 13281:2005, para o qual existe referência consagrada.

É sabido existirem correlações entre a resistência à com pressão de al-venarias e a resistência obtida de ensaios de prismas compostos por elementos a serem empregados na alvenaria unidos com a argamassa que se pretende re-produzir na obra. Miniparedes e paredes em verdadeira grandeza podem ser en-saiadas à com pressão, definindo condicionantes de projeto para edificações em alvenaria estrutural, embora este expediente devesse ser adotado sempre em qualquer situação. Dessa maneira, a resistência da al venaria fica condicionada à avaliação do desempenho de um sis tema em que a argamassa de assentamento e principalmente sua espessura na composição de juntas é um componente, a ser avali ado indiretamente pela avaliação do conjunto.

Os materiais cerâmicos caracterizam-se entre outros aspectos por apre-sentarem uma resistência à tração muito inferior à sua resistência à compressão, sendo aquela da ordem de 10% a 15% desta. Então, se a resistência de ade-rência de um revestimen to em argamassa ao substrato deve ser de 0,3 MPa, significa que a argamassa deverá apresentar uma resistência à tração maior para que tenha condições de transferir esta tensão para a interface com o substra-to. Se a argamassa romper por tração, durante o ensaio para determinação da resistência de aderência, esta não será atin gida, não sendo possível avaliar a eficiência do sistema. Assim, se a resistência de aderência à tração de uma arga-massa ao substrato deve ser igual ou maior que os 0,3 MPa especificados para reves timentos externos ou como base para aplicação de cerâmica, a argamassa

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deverá apresentar uma resistência à tração direta maior que este valor para per-mitir a transmissão da carga aplicada sobre ela até a interface com o substrato. Esta observação sugere que para a verificação desta condição, a resistência à compressão da argamassa deverá estar situada entre 2 MPa e 3 MPa, sendo este valor uma referência efetiva, estabelecendo um padrão de compa ração na dosagem da argamassa ou no controle de sua produção.

A norma NBR 13281:2005 – Argamassa para assentamen to e reves-timento de paredes e tetos – Requisitos, vigente desde 2005, altera substan-cialmente o método de ensaio de argamassas, adotando critérios diferentes da-queles até então praticados no Bra sil. Agora deverão ser moldados corpos de prova prismáticos com seção transversal quadrada com lado de 4 cm e 16 cm de compri mento. Esses corpos de prova são ensaiados à flexão definindo uma resistência à tração e, posteriormente, cada uma das metades do prisma é en-saiada à compressão de forma a que a carga de ensaio seja aplicada sobre um cubo com 4 cm de aresta.

Trata-se de uma metodologia nova e os resultados gerados ainda não podem ser correlacionados com os valores obtidos atra vés da aplicação dos mé-todos clássicos consagrados.

Será necessária uma grande quantidade de ensaios para que seja esta-belecido um referencial para comparação direta das argamassas ensaiadas por métodos diferentes.

Em função do exposto anteriormente, o método de dosa gem de arga-massas que será apresentado adiante considera como referência a resistência à compressão simples obtida de ensaios realizados sobre corpos de prova ci-líndricos e a resistência à tração obtida por compressão diametral, métodos de ensaios amplamente utilizados no Brasil e já consagrados.

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6. CLASSIFICAÇÃO DAS ARGAMASSAS

Por argamassa entende-se o material de construção obtido a partir da mistura de uma pasta com um agregado miúdo, podendo ainda haver o emprego de aditivos e adições.

Por pasta deve ser entendida como o material obtido da mistura de um ou mais aglomerantes de origem mineral com água, devendo também ser consid-erado o ar aprisionado durante a mistu ra ou intencionalmente incorporado pela ação de aditivos específi cos. A argamassa será obtida, então, incorporando à pasta um agregado miúdo, normalmente areia natural.

Além dos aglomerantes minerais, uma argamassa pode ser produzida com a utilização de resinas poliméricas em suas mais variadas composições químicas, sendo argamassas poliméricas obtidas a partir da adição de uma carga, o agregado miúdo, à resi na. Em algumas situações o aglomerante mineral pode ser substitu ído parcialmente por uma resina polimérica, em outras, o desempe-nho da argamassa poderá ser melhorado em alguns aspectos pelo emprego de pequenas percentagens de resinas poliméricas.

Independentemente do tipo de argamassa, sempre é pos sível esperar a presença de ar na pasta. No caso das argamassas obtidas a partir do uso de aglomerantes minerais, este ar sempre se apresenta em um volume tal que exige ser considerado não só no cálculo do volume produzido de argamassa e, conse-quentemente, no seu rendimento, como também na interpretação de suas carac-terísticas reológicas, de durabilidade e naturalmente de resistência mecânica.

Este ar, dito aprisionado, tem origem, principalmente, no processo de mistura, não sendo posteriormente removido em fun ção de argamassas, em seus mais corriqueiros empregos, não sofrerem qualquer processo mais intenso de adensamento. Por sua vez, o ar intencionalmente introduzido, com a função prin-

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cipal de alterar suas características reológicas, é chamado de ar incorpora do. Neste caso, o controle do ar presente nas argamassas é feito através de ensaios ou estimado indiretamente pela quantidade de aditivo empregado, pelo tipo de agregado e pela maneira como será procedida a mistura em função do princípio de funcionamento do misturador utilizado, sua eficiência e, principalmente, do tempo de mistura.

As argamassas podem ser classificadas de várias manei ras, quanto à forma de endurecimento e resistência à umidade, quanto à natureza do aglomer-ante, quanto ao volume de pasta, quanto ao seu emprego ou, ainda, quanto ao teor de aglomerante empregado em sua produção. A NBR 13530:1995 – Revesti-mentos de paredes e tetos de argamassas inorgânicas – apresenta uma classifi-cação para os vários tipos de revestimentos e para as arga massas. No presente trabalho é feita uma simplificação, não con templando senão aquelas que mais comumente são aplicadas em obras sendo esta relação, por si, um roteiro expli-cativo sobre a natureza das diversas argamassas empregadas no universo da construção civil.

Como uma mesma argamassa pode ser classificada de mais de uma maneira, a classificação a seguir apresentada procura não criar redundâncias para não dificultar o entendimento em seu aspecto mais didático.

Desta maneira é possível classificar as argamassas como segue:

6.1. Classificação quanto à forma de endurecimento e re-sistência à umidade

Normalmente esta classificação é empregada de forma análoga à dada aos aglomerantes minerais que podem ser hidráuli cos ou aéreos. Os primeiros necessitam da água para hidratação dos compostos básicos e devem ser, após o endurecimento, que se verificará mesmo em condições de saturação, resistentes à ação da umidade. Os aglomerantes aéreos dependem da exposição ao ar e não apresentam boa resistência à umidade após seu endurecimen to.

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6.1.1. Argamassas hidráulicas

As argamassas ditas hidráulicas são produzidas com aglo merantes hi-dráulicos ou estes como aglomerante principal. Seu endurecimento ocorre at-ravés de reações químicas de hidratação dos compostos básicos do aglomerante hidráulico, devendo neces sariamente apresentar estabilidade frente à água após seu endure cimento, endurecendo mesmo debaixo da água e adquirindo ga nhos de resistência ao longo do tempo pela continuidade das rea ções de hidratação. Essa característica específica define os aglome rantes como hidráulicos e en-quadra as argamassas que empregam o cimento Portland como aglomerante único ou em misturas cujas características são definidas pelo comportamento do cimento Por tland. Algumas argamassas mistas de cimento Portland e cal, por exemplo, por possuírem um teor elevado de cimento na sua consti tuição apre-sentam um comportamento ditado quase exclusi vamente pelo cimento Portland, podendo ser classificadas como hidráulicas.

6.1.2. Argamassas aéreas

As argamassas aéreas são obtidas pelo emprego de aglo merantes que depois de endurecidos não resistem bem à umidade. Necessitam da água para a formação da pasta e para disponibilizar, na forma quimicamente adequada, os compostos básicos do aglo merante às reações que determinarão seu endurec-imento, que poderão ocorrer por reação direta com compostos presentes no ar, como a cal hidratada, ou por reidratação como ocorre com o gesso.

As argamassas obtidas pelo emprego de cal hidratada te rão sua resistên-cia definida a partir da formação de carbonatos de cálcio e magnésio resultantes da reação de carbonatação envol vendo os hidróxidos de cálcio e magnésio e o dióxido de carbono presente no ar. Como exemplo típico é possível apresentar a rea ção:

Ca(OH)2+CO2 ► CaCO3+ H2O

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Argamassas de gesso são classificadas como aéreas muito mais por sua vulnerabilidade à ação da umidade do que pela forma de endurecimento. A secagem do mineral gipso origina o gesso comercial que vai adquirir característi-cas aglomerantes a partir da reincorporação da água perdida no processo de secagem como pode ser observado através da reação exemplificada a seguir:

CaSO4 . 1/2 H2O + 1,5 H2O ► CaSO4 . 2H2O

Será igualmente considerada uma argamassa aérea a ar gamassa mista obtida com uma quantidade de cal tão elevada a ponto de seu comportamento ser determinado pelo comportamento da cal em detrimento das características de outros aglomerantes empregados que passarão a ser considerados como adi-tivos.

6.2. Classificação quanto à natureza do aglomerante

6.2.1. Argamassas minerais

Argamassas classificadas como minerais são aquelas pro duzidas a partir do emprego de um ou mais aglomerantes minerais, entendendo-se como aglomerantes minerais aqueles que são obti dos a partir de insumos constituídos de minerais naturais, que so frem algum processo industrial de transformação, ou são emprega dos in natura, sendo o entendimento dos processos de endureci-mento ou das reações químicas que os determinam, baseado nos conhecimen-tos da química inorgânica.

6.2.1.1. Argamassas de cimento Portland

São as argamassas obtidas apenas da mistura de cimento Portland, de qualquer tipo, e agregado miúdo. Dependendo do traço e da relação água/cimen-to, podem apresentar elevadas resistên cias mecânicas, sempre obedecendo à lei de Abrams.

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Normalmente apresentam elevada rigidez, definida por seu elevado módulo de deformação diretamente relacionado com sua resistência à com-pressão. Sendo produzidas a partir de um aglo merante hidráulico, resistem bem à umidade, tendo uso recomen dado onde esta característica é importante, como em fundações ou qualquer outra construção em contato com o solo úmi-do ou direta mente com água. Argamassas de revestimento externo, principal-mente em climas úmidos, com frequentes períodos de chuva, em que ocorrem ventos com velocidades importantes que possam pro jetar a água das chuvas diretamente contra as paredes de uma edificação, devem ser produzidas visan-do a garantia de sua estabi lidade frente à umidade, o que somente pode ser obtido com o em prego de cimento Portland em uma dosagem mais elevada do que aquela sugerida para argamassas de uso interno ou externo em regiões de clima ameno.

A grande resistência mecânica, esperada pelo elevado consumo de ci-mento, eleva igualmente o módulo de deformação desse tipo de argamassa tor-nando-a mais rígida, menos deformável e mais suscetível à retração, não raro com intensa fissuração quando aplicadas em revestimentos.

6.2.1.2. Argamassas de cal

É a argamassa obtida apenas da mistura de cal e agregado miúdo. Apresentam normalmente baixa resistência mecânica com endurecimento len-to. Como a cal é um aglomerante aéreo, apre sentam baixa resistência à umi-dade. Seu emprego deve ser limita do a locais secos e bem arejados, caso con-trário será fundamental a adoção de algum sistema de impermeabilização. Essa imperme abilização era obtida no passado por pinturas em diversas demãos de tintas produzidas a partir de cal.

Sua baixa resistência mecânica e, consequentemente, baixo módulo de deformação, determina uma grande capacidade de ab sorver deformações. Esta característica associada a uma grande capacidade de reter água, garante a este tipo de argamassa uma grande estabilidade de volume traduzida por baixa re-

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tração, contri buindo para a minimização da ocorrência de fissuras por retração, principalmente quando empregadas em revestimentos.

Até meados do século XX esse era o tipo de argamassa mais empre-gado, sendo até hoje objeto de confusão por pessoas menos esclarecidas que chamam de “argamassa” à mistura de cal e areia.

Ainda hoje são produzidas comercialmente grandes quanti dades de ar-gamassa de cal e areia, vendidas como um material intermediário para posterior complementação com cimento Portland, em obra, no momento de seu emprego. O emprego direto da argamassa produzida apenas tendo a cal como aglomeran-te não é mais visto, sendo exceção os trabalhos de restauração de edifi cações de interesse histórico e cultural erigidas em uma época em que a cal era o único aglomerante disponível.

6.2.1.3. Argamassas mistas de cimento e cal

Com a popularização do cimento Portland, este passou a ser misturado às argamassas de cal para a produção de um mate rial intermediário entre as argamassas de cimento e as argamassas de cal, sendo obtido um material com características intermediárias. As características das argamassas mistas variam em grande ampli tude dependendo da proporção entre cal e cimento Portland, esta belecida na dosagem.

Nestas argamassas o cimento pode ser considerado um aditivo emprega-do em proporções variáveis com o intuito de acele rar o tempo de pega da mistura, permitindo o acabamento das su perfícies em um prazo menor, ou para que o pro-duto final apresente uma maior resistência à umidade, viabilizando seu emprego em algumas situações específicas. O longo tempo de espera para ocor rência da reação de carbonatação no processo de endurecimento da cal, principalmente em épocas de grande umidade, seria absolu tamente incompatível com a velocidade imprimida às obras atual mente o que impõe o emprego do cimento Portland na obtenção de argamassas mistas, que em geral apresentam um comportamento

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hidráulico. Nessas argamassas, a cal, embora contribua para a resistência mecâni-ca, é empregada em função de sua grande plas ticidade e capacidade de retenção de água, permitindo a obtenção de uma argamassa com grande volume de pasta, mas com uma resistência mecânica muito menor do que aquela esperada em ar-gamassas de mesmo volume de pasta produzidas apenas com cimento Portland e, consequentemente, com menor módulo de de formação como desejável.

Esta argamassa é hoje o material mais utilizado no assen tamento de elementos de alvenaria e em seu revestimento, por estar internalizada na cultura da construção civil.

6.2.1.4. Argamassas de gesso

Assim são chamadas as argamassas onde o aglomerante empregado é o gesso. São pouco utilizadas em nosso meio em função de seu elevado cus-to frente às alternativas convencionais, visto não haver reservas de gesso na região. Por ser pouco empre gado esse tipo de argamassa exige uma técnica específica de apli cação pouco dominada no sul do Brasil. Prédios mais antigos apre sentam revestimentos de paredes feitos com argamassas de gesso ou so-mente com pasta de gesso permitindo a execução de dese nhos artísticos. O ges-so, por também ser um aglomerante aéreo, apresenta baixa resistência à água, limitando seu emprego apenas a ambientes internos. Embora pouco utilizadas, as argamassas de gesso apresentam aspecto agradável, grande durabilidade e estabi lidade de volume, aceitando retoques com facilidade. Na bibliografia mais antiga, o revestimento de paredes com pasta de gesso ou argamassas de gesso eram sempre citados como revestimentos de qualidade superior.

6.2.1.5. Argamassas de cal hidráulica e cimento de alvenaria

Como cal hidráulica e cimento de alvenaria são aglomeran tes que não estão disponíveis no mercado do Rio Grande do Sul, cabe apenas a citação com algumas considerações relevantes.

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A classificação sugerida suscita, por oportuno, o discorrer breve sobre este aglomerante denominado cal hidráulica.

Por cal hidráulica entende-se o material obtido da calcinação da rocha calcária da mesma forma como é processado o miné rio na obtenção da tradicio-nal cal aérea. A diferença está na com posição química da matéria-prima, o cal-cário, mais especificamente na relação entre os óxidos de cálcio, silício, alumínio e ferro. A pri meira cal hidráulica obtida foi considerada como o aglomerante pre-cursor do cimento Portland, sendo sempre citada a experiência de John Smeaton no desenvolvimento de uma cal de melhor quali dade para a reconstrução do farol de Eddystone na Inglaterra, o que foi obtido pela calcinação de um calcário com elevado teor de argila em sua composição. A partir da constatação de Smeaton de que a atividade pozolânica era mais intensa quando a cal era obtida a partir de um calcário impuro, James Parker otimizou a calcinação de calcários com essa característica obtendo um aglomerante cha mado de cimento natural muito mais próximo de uma cal hidráulica do que de um cimento Portland. O grau de hidraulicidade de uma cal é definido por um número que representa o quociente entre a soma dos teores de sílica (SiO2), alumina (AI2O3) e óxido de ferro (Fe2O3) e o óxido de cálcio (CaO), representado pela seguinte equação:

grau de hidraulicidade

O grau de hidraulicidade compreendido entre 0,1 e 0,50 ca racteriza os diversos tipos de cales hidráulicas, variando entre a cal fracamente hidráulica e a cal eminentemente hidráulica.

Estes aglomerantes apresentam um rendimento superior às cales eminen-temente aéreas, sendo mais resistentes à ação da umidade em função de seu caráter hidráulico, embora a carbonata ção represente parcela importante no ganho de resistência de for ma decrescente a partir de um grau de hidraulicidade de 0,1.

No mercado do Rio Grande do Sul são comercializadas ca les ditas hi-dráulicas, obtidas pela mistura de cal aérea e pozolana. Estes compostos aglom-

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erantes apresentam hidraulicidade a partir da reação pozolânica tal qual as mis-turas empregadas pelos roma nos, podendo, por isso, ser denominados de cales pozolânicas com maior propriedade. Na comparação direta com cales aéreas de boa qualidade, empregadas como matéria-prima em sua fabricação, essas cales pozolânicas possuem menos plasticidade, menor capa cidade de incorporação de areia e de retenção de água.

Cimentos de alvenaria são aglomerantes em geral deriva dos de cimen-tos Portland que apresentam rendimento muito inferior a esses, estando seu emprego restrito à produção de argamassas. Não podem de forma alguma ser empregados na produção de con cretos.

Este tipo de cimento que, no passado era objeto de normatização es-pecífica, já não é mais produzido no Brasil e as normas já foram oficialmente canceladas.

Embora esse aglomerante não seja mais produzido em ter ritório nacion-al, sua citação neste livro justifica-se por ser um mate rial citado em livros de ma-teriais de construção mais antigos e por serem ainda recomendados por normas sobre alvenaria estrutural em outros países.

6.2.2. Argamassas poliméricas

Quando o endurecimento ocorre a partir de uma reação de polimerização, estamos diante de um aglomerante polimérico obtido por síntese química. As arga-massas produzidas com este tipo de aglomerante, que na verdade pode ser con-siderado como uma cola, serão então denominadas de poliméricas ou sintéticas, apre sentando comportamento consonante com as características do aglomerante.

São em geral de elevado custo se comparadas às arga massas tradicio-nais, sendo empregadas em condições específicas principalmente em trabalhos de recuperação estrutural ou onde igualmente seja necessário um desempenho diferenciado de resis tência mecânica, ou resistência química, em se tratando de ambien tes agressivos.

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Normalmente são vendidas já formuladas e prontas para o uso, embora nada impeça sua produção em obra a partir do conhe cimento das características do polímero a ser usado como aglome rante.

Na construção civil este grupo de argamassas pode ser di vidido entre aquelas produzidas com polímeros que apresentam afinidade com a água e aquelas cujo polímero base exige isenção de umidade. Os polímeros emulsionados em água mais emprega dos como aglomerantes na construção civil são as resinas acrílicas, PVA, vinílicas e SBR. As resinas de maior rendimento como aglo merantes, tais como epóxi e poliéster, não são normalmente em pregadas onde houver a presença de umi-dade a menos que te nham sido formuladas para algum emprego específico.

As primeiras, emulsionadas em água, normalmente são misturadas à água de amassamento na produção de argamassas de cimento Portland e areia, constituindo as ditas argamassas mo dificadas.

Essas argamassas de cimento e areia melhoradas pela adi ção de resi-nas poliméricas podem então apresentar melhorias em algumas de suas carac-terísticas podendo ser esperada a diminui ção da permeabilidade, o aumento da resistência a agressões quí micas, da capacidade de aderir aos substratos e da capacidade de absorver deformações, diminuindo a probabilidade de apareci-mento de fissuras oriundas de processos de retração. Em função dessas alter-ações, a eficácia esperada de argamassas melhoradas com polímeros, emprega-das na recuperação de imperfeições em pisos, pode ser aumentada.

Polímeros que não apresentam afinidade com a água são empregados diretamente com agregados miúdos na composição de argamassas. Esses agre-gados ou quaisquer outros materiais a se rem empregados como carga deverão estar necessariamente se cos.

Este último grupo de argamassas é empregado quase exclusivamente em trabalhos de recuperação de estruturas.

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Apresentado o conceito, torna-se desnecessário estender o texto, clas-sificando as argamassas poliméricas ou as modificadas segundo o polímero em-pregado.

6.3. Classificação quanto à utilização

6.3.1. Argamassas de assentamento

São argamassas empregadas no assentamento de elemen tos de alve-narias. Têm como funções distribuir uniformemente as cargas atuantes, absorver da melhor maneira possível as deforma ções a que uma alvenaria está sujeita, im-permeabilizar ou contribuir para a impermeabilização das paredes, além de unir solidariamente os elementos da alvenaria, na formação de um todo compacto. Tanto podem ser argamassas aéreas, ricas em cal, como aquelas empregadas na elevação de paredes de uma edificação, como hidráulicas, no caso de um alicerce feito em alvenaria de pedras sujeito à ação direta da umidade.

6.3.2. Argamassas de revestimento

As argamassas de revestimento são empregadas, como o próprio nome sugere, no revestimento de alvenarias em paredes, em muros ou de estruturas de concreto armado.

Deverão apresentar adequada resistência de aderência ao substrato além de contribuir de forma importante para a impermea bilidade e, em menor es-cala para o isolamento termoacústico, emprestando um bom aspecto ao elemen-to revestido e assumindo importância quanto ao fator estético das edificações.

Ao bom acabamento deve ser associada a ideia de estabi lidade volumétri-ca para que não ocorram fissuras de retração, cujo aparecimento certamente irá contribuir para que o revestimento não cumpra com suas finalidades.

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Muito mais que numa argamassa de assentamento, uma argamassa de revestimento deverá ser capaz de absorver, tanto quanto possível, as movi-mentações do substrato principalmente com relação ao trabalho térmico. Dessa última afirmação, depreen de-se ser igualmente importante que a argamassa em-pregada no revestimento externo das paredes de uma edificação também pos sa atuar como isolante térmico.

Na verdade, as argamassas acabam por desempenhar de alguma forma este papel tendo em vista que, dependendo da quan tidade de ar aprisionado, poderá haver significativa redução em sua densidade, capacitando o material a esta função.

O revestimento em argamassas aplicado sobre o paramen to de alvenar-ias é atualmente composto de uma única camada chamada de reboco, determi-nando que as expressões revestimen to em argamassa e reboco sejam emprega-das como sinônimos.

Classicamente, os revestimentos em argamassas sempre foram consti-tuídos de duas camadas, uma mais espessa, colocada em primeiro lugar sobre o substrato, chamada de emboço, e outra de menor espessura, chamada de reboco, executada sobre este, com a finalidade de promover o acabamento do sistema através de uma textura mais lisa, por isso produzida, via de regra, com areia fina.

Uma camada intermediária de argamassa entre o revesti mento e o sub-strato, chamada de chapisco, pode ser executada com a finalidade de melhorar as condições de aderência do reves timento e de uniformizar o substrato. Essa argamassa é constituída por cimento Portland e areia média ou grossa, podendo ainda ser modificada pelo emprego de um polímero. Em alvenarias uma par cela significativa da superfície a ser revestida é formada pela arga massa de assen-tamento que apresenta porosidade diferente da porosidade do elemento empre-gado na alvenaria assim como blo cos de concreto, blocos cerâmicos ou tijolos maciços. A estrutura de concreto (pilares, lajes e vigas) apresenta igualmente

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condições de porosidade e absorção diferentes, muitas vezes responsáveis pela difícil execução do revestimento, não raro havendo comprome timento da aderên-cia e fissuração. Não fosse essa função de uni formização do substrato, em mui-tas alvenarias de elementos cerâ micos, o chapisco poderia ser perfeitamente dispensado já que a superfície, principalmente de blocos cerâmicos, apresenta sulcos e ranhuras suficientes em quantidade e forma para garantir a macroancor-agem da argamassa de revestimento em ambientes internos.

6.3.3. Argamassas de fixação

São argamassas empregadas na fixação de elementos ce râmicos de revestimento. No início, apenas azulejos, hoje, uma quantidade enorme de peças ou elementos cerâmicos, como referi do pela normalização vigente, diversas em suas formas, dimen sões, espessuras e processos de fabricação, o que exige materiais e técnicas distintas para sua aplicação sobre o substrato.

Azulejos eram assentados com o auxílio de uma argamas sa produzida na própria obra que se diferenciava das demais arga massas pela quantidade de aglomerante empregado, determinando um volume de pasta muito grande, o que as assemelhava a verda deiras colas. Como a técnica à época determinava a apli-cação do azulejo diretamente sobre a alvenaria, esta argamassa de assen tamento tinha também a função de regularizar o substrato e, em geral, apresentava uma espessura bastante grande. A argamassa empregada em grandes volumes retinha uma grande quantidade de água de amassamento que necessitava evaporar antes do rejuntamento, caso contrário esta água não tinha por onde sair gerando uma pressão de vapor responsável pelo estufamento dos azulejos. Este trabalho era altamente especializado e requeria muito tempo para ser realizado de forma ad-equada, exigindo igualmente um tempo muito longo para a aplicação do rejunte.

Hoje em dia essas argamassas para fixação de revestimen tos cerâmi-cos foram substituídas por argamassas colantes que, como o próprio nome diz, funcionam em camadas de pequena es pessura atuando efetivamente como co-

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las. O substrato deve ser previamente regularizado com uma argamassa de boa resistência mecânica, constituindo o emboço sobre o qual deverá ser aplicada a argamassa colante e, imediatamente, o elemento cerâmico que representará o revestimento final. Essa técnica demonstrou ser muito mais eficiente, mais versátil e rápida, a ponto de ter substituí do por completo as argamassas clás-sicas de fixação. Pode-se dizer que a primeira argamassa industrializada a ser apresentada ao mercado foi sem dúvida a argamassa colante.

6.3.4. Argamassas de regularização

São argamassas empregadas na regularização de para mentos verticais ou horizontais. No caso de paramentos verticais, esta função é desempenhada pelas argamassas de revestimento, principalmente aquelas classificadas como emboço. No caso de pisos, muitas vezes a argamassa empregada é chamada de contrapiso já que seu emprego pressupõe a preparação do substrato para a apli-cação de um revestimento posterior que pode ir do car pete ao taco de madeira.

Em se tratando especificamente de pisos, essas argamas sas necessi-tam apresentar boa resistência mecânica tanto mais elevada quanto mais fino e flexível for o material a ser aplicado posteriormente. A situação mais desfavorável é aquela representa da pelos diversos tipos de carpetes, haja vista a quantidade de locais, em zonas de maior circulação de pessoas, de rolamento de cadeiras com rodízios e armários de grande massa, danificados a partir do esmagamento da argamassa com posterior pulverulência, evoluindo, inevitavelmente, para a formação de verdadeiros bura cos.

Estas argamassas devem ser produzidas com cimento e areia em pro-porções tais que garantam um bom acabamento super ficial de baixa porosidade, segundo um proporcionamento que ga ranta um grande volume de pasta para que posteriormente o con sumo de cola, no caso de carpetes, por exemplo, seja o menor possível.

Sucede que para facilitar o trabalho, estas argamassas são produzidas

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com grande plasticidade obtida à custa de uma elevada quantidade de água e que, mesmo com um traço forte, com grande consumo de cimento, apresentam elevada relação água/cimento, comprometendo a resistência mecânica. O exces-so de água deter mina grande retração na argamassa sempre com intensa fissur-ação, não raramente comprometendo a aderência ao substrato pro movendo seu desprendimento.

A recomendação que se faz é a de empregar traços ricos em cimento para dotar a argamassa de um grande volume de pasta o que permitirá a ob-tenção de um bom acabamento. O emprego de pouca água em sua preparação deverá impor à argamassa uma consistência seca, exigindo o adensamento por apiloamento. Mui tas vezes o adensamento dessas argamassas pode ser feito ape nas com a batida da desempenadeira de madeira, em outras situa ções são empregados pilões de madeira, para um adensamento mais enérgico. Poste-riormente com o auxílio de desempenadeira e pequenas aspersões de água por meio de trincha pode ser obtido o acabamento final pretendido com uma superfí-cie lisa e pouco poro sa.

6.3.5. Argamassas de recuperação e proteção

Em muitas situações durante trabalhos de recuperação de estruturas é necessário reconstituir peças ou restaurar a camada de cobrimento sobre as armaduras. Nem sempre em função das di mensões das peças é possível em-pregar concreto, sendo o empre go de argamassas, a única alternativa. Estas argamassas devem apresentar características especiais, como baixa permeab-ilidade e grande aderência ao substrato, já que deverão ser responsáveis pela durabilidade da peça recuperada através da proteção a ser exercida sobre a armadura, garantindo o isolamento do metal com relação ao exterior.

Em outras situações estas argamassas são assim denomi nadas por ex-ercerem proteção sobre sistemas menos resistentes mecanicamente, como no caso de sistemas de impermeabilização. As características específicas de cada

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argamassa podem ser as mais variadas possíveis dependendo do fim a que se destinam. Em casos de recuperação de peças estruturais, não raramente a resis-tência mecânica é o principal requisito a ser considerado na esco lha da argamas-sa mais adequada para a reconstituição da seção original de peças degradadas, ou para a execução de camadas de reforço. É possível incluir nessa classificação as argamassas de nominadas grautes, que também podem receber a denomi-nação de microconcreto, formuladas especificamente para trabalhos especi ais de recuperação estrutural, proteção ou chumbamento de insertos metálicos em peças de concreto armado ou até mesmo de ar maduras adicionais, em reforços.

Essas argamassas para trabalhos especiais são normal mente produtos comerciais formulados que partem de um aglome rante mineral, agregados sele-cionados e modificados por meio de polímeros, não raramente possuindo uma certa percentagem de fibras flexíveis em sua formulação para auxílio no controle da fissuração por retração, além de aditivos para alterar sua reologia.

Em situações especiais podem ser empregadas argamas sas sintéticas em que o aglomerante é um polímero de elevado desempenho como a resina epóxi, mais comumente empregada em argamassas de recuperação de estrutu-ras, ou a resina poliéster.

Entre as argamassas modificadas destacam-se aquelas que têm como agente modificador uma resina acrílica.

Várias são as marcas e várias as opções no mercado, sen do sempre recomendável a consulta aos fabricantes sobre o produ to mais adequado a cada caso. A preparação em obra de argamas sas especiais de proteção estará sempre condicionada a uma do sagem específica a ser desenvolvida por laboratório es-pecializado para que o desempenho esperado possa ser efetivamente atingido.

Em se tratando de argamassas para proteção mecânica em sistemas de impermeabilização, particular atenção deve ser dada à estabilidade de volume já que a retração determina o aparecimento de fissuras que, atuando como juntas

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de movimentação, promovem o desplacamento da argamassa sendo destruída a camada de pro teção. Pelo mesmo motivo, atenção especial deve ser despendida aos indesejáveis efeitos do trabalho térmico experimentado por argamassas ex-postas ao sol. Destruída a argamassa de proteção, estará exposto o sistema de impermeabilização a ações mecânicas e aos efeitos das intempéries.

6.4. Classificação quanto ao volume de pasta

O conhecimento desta classificação é importante por estar relaciona-do com uma linguagem comumente empregada em obra que emprega as ex-pressões bem conhecidas argamassa gorda e argamassa magra. A existência desses dois tipos de argamassa pressupõe a existência de um terceiro tipo inter-mediário entre eles, a argamassa cheia.

Pode-se dizer que uma argamassa será cheia quando o vo lume de pasta for o necessário e suficiente para preencher os vazi os existentes entre os grãos do agregado e, consequentemente, gorda será a argamassa que apresentar um excesso de pasta fren te aos vazios do agregado. Por analogia, então, magra será aquela em que o volume de pasta for inferior ao volume de vazios do agre-gado. Evidentemente que uma argamassa cheia pressupõe um conceito teórico que não existe na prática onde apenas podem ser verificadas as duas outras situações.

É necessário explicar o que se entende por “gordura” de uma argamassa ou de uma pasta, por mais estranho que possa parecer o termo. Esse conceito está muito ligado efetivamente a uma das características dos óleos ou das grax-as, que são materiais que aderem às superfícies de qualquer tipo, apresentando dificulda de em serem removidos e permitindo o movimento relativo entre esta su-perfície e qualquer outro material que possa ser esfregado sobre ela. Tanto mais gorda será uma pasta quanto maior esta sensação de lubrificação que ela possa transmitir. Essa caracterís tica é conferida pela coesão, parâmetro identificado pela manuten ção da aglutinação das partículas que compõem a pasta. Assim,

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tanto mais gorda uma pasta quanto maior sua coesão. Ao ser adi cionada água a qualquer material particulado, esta, por sua tensão superficial, fica aderida à superfície dos grãos em uma camada tanto mais espessa quanto menor for o diâmetro do grão. Quanto menor o tamanho das partículas que compõem um aglomerante, maior o volume de água capaz de manter-se aderido ou adsorvido à superfície dos grãos. Quanto menor o tamanho dos grãos, maior a quantidade de grãos por unidade de massa e, por conseguinte, maior a quantidade de água retida na superfície sólida do aglome rante. Essa água manterá ainda, em função de sua elevada tensão superficial, aglutinados os grãos do aglomerante, car-acterizando um sistema de elevada coesão, o que pode ser entendido como a gordura da pasta. Pastas gordas em volumes maiores que o volu me de vazios do agregado gerarão argamassas igualmente gordas e de elevada coesão.

Como exemplo, imagine um punhado de areia seca. Ao me nor movimen-to da mão, essa poderá escorrer quase como um fluido. A mesma quantidade de areia molhada já apresentará maior difi culdade em escorrer, visto que a água existente sobre a superfície dos grãos exercerá um poder de aglutinação por efeito da tensão superficial, fenômeno este que será tão mais intenso quanto menor o tamanho das partículas como já dito. As argilas emprestam bem uma ideia do fenômeno que será menos intenso em uma cal e me nos intenso ainda em um cimento, em uma areia e assim por dian te, à medida em que o tamanho das partículas vai aumentando.

Em complementação ao enunciado no item 5.3, essa carac terística tam-bém deve ser observada com relação à capacidade do material em reter água. Quanto menor o grão do aglomerante, maior a quantidade de energia necessária para fazer com que haja a eva poração da água adsorvida, ou seja, para que esta água despren da-se do grão, determinando ao aglomerante maior capacidade em reter água. Uma das vantagens da utilização de cal em argamassas é exata-mente por sua maior capacidade de reter água, garantindo maior estabilidade de volume à argamassa, diminuindo a retração e minimizando a probabilidade de instalação de processos de retra ção.

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Não existe uma proporção predeterminada entre pasta e agregado que condicione uma argamassa a ser gorda ou magra, já que o volume de pasta pode ser influenciado pela quantidade de ar aprisionado ou intencionalmente in-corporado à mistura, além de o volume de vazios ser consequência direta da distribuição granulométrica do agregado.

Como exemplo, podemos, em um cálculo simples, demons trar o fenôme-no:

Seja uma argamassa preparada com a areia média conhe cida como areia do Guaíba, amplamente utilizada na construção civil em Porto Alegre, e em boa parte do estado do Rio Grande do Sul, e reconhecidamente de boa qual-idade. Seja uma cal comercial do tipo CH II, encontrada facilmente no mercado, e um cimento Portland Pozolânico CP IV 32, comercializado no varejo em sacos de 50 kg.

Sejam os valores de massa específica e massa unitária do quadro a seguir apresentados, tomados como característicos dos materiais considerados no exemplo:

Material Massa específica (kg/dm3)

Massa unitária

(kg/dm3)

cimento 2,70 1,0

cal 2,57 0,65

areia 2,63 1,50

Para o cálculo do volume de pasta é necessário conhecer a quantidade de água empregada para a verificação da trabalhabili dade adequada às oper-ações em obra. Considerando uma arga massa bem dosada para aplicação como revestimento, podemos imaginar ser necessário algo em tomo de 20% de água sobre o total de materiais secos.

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As recomendações existentes na bibliografia indicam ser adequado um traço em volume de argamassa de 1:3 (dm3), aglo merante e agregado. Consid-erando então um traço em volume de 1:1:6 (dm3), respectivamente cimento, cal e areia, com os valores apresentados no quadro, a transformação deste traço de volume para massa conduz a um traço em massa de 1,00:0,65:9,00 (kg). A quantidade de água necessária para uma boa trabalhabilidade desta argamassa será então de 2,13 (kg).

O volume de pasta será então:

a) cálculo do volume absoluto de cimento

b) cálculo do volume absoluto de cal

c) cálculo do volume de pasta (volume de cal mais o volu me de água)

É necessário considerar, também, que em qualquer arga massa sempre haverá uma certa quantidade de ar aprisionado em percentagens que variam en-tre 5% e 7%, devendo este volume correspondente ao ar justificar uma correção, elevando o volume de pasta para:

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d) Cálculo do volume de vazios da areia.

Este volume será dado pela diferença entre o volume apa rente e o vol-ume absoluto do material.

Esse volume de vazios sugere ser necessário o mesmo vo lume de pasta para se obter uma argamassa cheia, no entanto, deve haver uma quanti-dade de pasta maior do que o volume de vazios da areia para afastar os grãos do agregado permitindo seu movi mento relativo, mas mantendo-os juntos para que a mistura apre sente coesão. O volume desejado para a obtenção de uma arga massa cheia trabalhável deverá ser aumentado em uma percentagem compreendida entre 10% e 20%, em função da distribuição granulométrica da areia.

e) Correção

O volume de pasta necessário na argamassa do exemplo deverá variar, então, entre 2,84 dm3 e 3,10 dm3:

O volume de pasta calculado permite classificar a arga massa do exemp-lo em termos práticos como cheia, embora a trabalhabilidade esteja condicionada igualmente pela plasticidade da cal e pela distribuição granulométrica da areia, podendo variar.

Este exemplo explica o porquê de ser clássico, inclusive com orientação em normas, de traços em volume de argamassas de uma parte de cimento para aproximadamente três partes de areia. A probabilidade de ser obtida uma arga-massa deficiente em trabalhabilidade, sempre que for usado este proporciona-mento, é muito pequena, a não ser que seja empregada uma cal de muito baixa

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qualidade e/ou uma areia com distribuição granulométrica descontínua.

Cabe ressaltar a importância da mistura em proporções adequadas de areia média e areia fina para redução do volume de vazios do agregado, o que permitirá que dessa forma seja obtida uma argamassa gorda com menor volume de pasta, o que vai se traduzir em economia, mas principalmente em maior estabilidade de volume na medida em que a argamassa poderá ser produzida com menor quantidade de água.

A incorporação intencional de ar às argamassas permite igualmente au-mentar o volume de pasta sem o aumento de aglo merante ou água concorrendo este fato para o aumento da estabili dade de volume do material.

Na prática, existe, em termos operacionais, uma grande di ferença no ren-dimento do trabalho de revestimento de paredes empregando argamassas gor-das e magras, havendo por parte de quem executa o revestimento uma preferên-cia pelo uso de arga massas magras. Argamassas gordas, por apresentarem um volume maior de aglomerante, exigem na formação da pasta, um volume maior de água devido à grande superfície específica da mistura, apresentando maior coesão. A quantidade maior de água exige um tempo de espera maior para o in-ício das atividades de desempeno por haver maior quantidade de água a evapo-rar até o atingimento de um ponto ótimo para a operação. No jargão popular é dito que a argamassa demora a “puxar”. Por haver uma quantidade maior de água, a mistura apresenta maior tendência à fissuração. A maior coesão, por sua vez, aumenta a ligação da desempenadeira com a argamassa sendo possível dizer que a desempenadeira tende a “grudar” na argamassa, o que exige maior esforço do profissional na tarefa de desempeno. Como os trabalhos de revestimento de pare des com argamassas, são realizados em geral de forma terceiriza da ou re-munerados por produtividade, naturalmente toda e qual quer característica das argamassas que possa significar retardo na operação não é bem aceita pelos trabalhadores que, geralmente, pleiteiam sua alteração, já que o objetivo sempre será a maior velo cidade na realização das tarefas.

Uma argamassa magra, ao contrário, expõe a areia, ha vendo sempre

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contato da desempenadeira com o agregado. Nessas condições, o desempeno da argamassa pode ser realizado quase que imediatamente após a passagem da régua, aumentando subs tancialmente o rendimento da tarefa. Deve ser res-saltado, no entan to, que uma argamassa dosada com pouco material fino so-mente poderá apresentar trabalhabilidade adequada se o volume de pasta for corrigido pelo aumento na quantidade de água, determinando, pelo aumento no consumo de água, uma argamassa com maior tendência à fissuração por apre-sentar menor capacidade de reten ção desta água empregada. A deficiência de material cimentante na pasta poderá comprometer a competência da argamassa em aderir ao substrato, além de diminuir as resistências mecânicas, gerando esfarelamento superficial, muitas vezes apenas pelo roçar dos de dos.

A autonomia que é atribuída a pedreiros e mestres de obra na dosagem das argamassas gera misturas que muitas vezes apresentam quantidades insufi-cientes de pasta, comprometendo o resultado final.

Dosagens criteriosas devem visar à obtenção de argamas sas com a mel-hor trabalhabilidade possível de ser obtida em função dos materiais empregados no estudo, sempre visando à viabiliza ção dessa proposta com o menor consumo de água possível.

6.5. Classificação quanto à granulometria do agregado

As argamassas quanto à granulometria dos agregados po dem ser clas-sificadas em finas, médias e grossas. No passado, eram trabalhadas em reves-timento de paredes duas argamassas: uma empregando uma areia mais grossa para o emboço e outra, areia fina para o reboco. O revestimento de paredes era feito, por tanto, em duas camadas, em duas operações. Com o passar do tempo as duas camadas foram substituídas por apenas uma, ou seja, uma argamassa produzida com uma mistura de areia grossa e de areia fina de maneira a permitir um acabamento em nível tal que dispensasse o emprego posterior do emboço. Na verdade, o objeti vo era atingido pelo emprego de uma areia com granulome-

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tria con tínua que garantia um acabamento compatível com o revestimento final da parede.

Hoje em dia, ao menos no mercado da região da Grande Porto Alegre, os revestimentos são feitos em uma única camada com argamassas produzidas com areias cada vez mais finas, privi legiando o acabamento, mas comprometen-do a resistência mecâni ca, inclusive a resistência de aderência e a estabilidade de volume. De qualquer sorte, é possível ainda identificar argamassas finas, mé-dias ou mistas e grossas em função da granulometria da areia empregada na sua produção.

Como regra geral, a experiência tem mostrado que a quan tidade de problemas em um revestimento em argamassa é direta mente proporcional à “fin-ura” da argamassa e que a economia pretendida com a massa corrida não é significativa frente ao custo decorrente da quantidade de reparos exigidos por uma argamassa por assim dizer, mal dosada, já que o objetivo sempre será a minimização de qualquer tipo de problema.

6.6. Classificação quanto à forma de produção

Originalmente as argamassas eram produzidas em obra a partir da ex-tinção da cal para posterior mistura com a areia e o ci mento. O controle sobre a qualidade do material era grande, princi palmente quanto ao aspecto de repro-dução, ou seja, era possível imaginar concluir uma obra rigorosamente com uma mesma arga massa. Essa argamassa assim produzida, em obra, não existe mais.

Atualmente é considerada uma argamassa feita em obra tanto a pro-duzida em betoneira a partir da adição de cimento Por tland a uma argamassa intermediária de cal e areia comprada pron ta como aquela proporcionada a partir da mistura em betoneira de cimento Portland, cal e agregado miúdo.

A produção de argamassas em obra a partir de misturas intermediárias foi um procedimento absoluto durante muitos anos, a ponto de permitir o em-

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prego indistinto do termo argamassa para identificar essas argamassas de cal compradas prontas, como já citado anteriormente.

Tão generalizado tornou-se o sistema que, qualquer madeireira, como se chamava à época o que hoje conhecemos como loja de materiais de construção, possuía uma unidade de produção destas argamassas. Cada uma produzia a sua maneira com mate riais distintos e traços diferentes e, consequentemente, com dife renças gritantes na qualidade.

Até hoje nesse tipo de argamassa intermediária, produzida sem acom-panhamento técnico eficiente, é empregada uma quanti dade excessivamente el-evada de água. Quanto mais água é em pregada, maior o volume ocupado na car-ga, cobrado como se ar gamassa fosse. O transporte em caminhões tombadeira, maneira que, diga-se de passagem, é a mais incorreta de transportar mate riais dessa natureza, determina a segregação da mistura que ocor re pela vibração transmitida durante o transporte. O material fino da argamassa, composto pelo próprio aglomerante e a porção mais fina do agregado, em suspensão em uma grande quantidade de água, tende a posicionar-se na parte superior da carga, ficando a areia ao fundo da caçamba. Ao ser descarregada na obra, a parte supe-rior da carga é despejada primeiro, escorrendo por ser fluida, sendo perdida, pois jamais incorporar-se-á novamente ao restante do material. Restará para uso uma argamassa mal dosada, com uma quantidade de pasta inferior àquela original existente durante seu preparo.

Muitas vezes a argamassa intermediária é consumida adequadamente em um tempo curto, mas em muitas situações o mate rial poderá aguardar dias ou até mesmo semanas para ser utilizado. Quando isso ocorrer, boa parte da cal já terá carbonatado, não se comportando mais como aglomerante, mas como um agregado muito fino. Não raro observam-se estoques deste tipo de argamas sa quase completamente endurecida sendo necessário o em prego de picaretas e enxadas para sua desagregação e posterior mistura com cimento na produção de uma argamassa completa mente descaracterizada e, via de regra, de péssima qualidade.

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Esta prática equivocada alicerçada por expressões infun dadas como “ar-gamassa de cal: quanto mais velha melhor” foi res ponsável por uma quantidade tal de problemas, principalmente em revestimentos, que abriu o mercado para materiais alternativos, muitas vezes de qualidade duvidosa.

A produção de argamassas intermediárias é uma tarefa de responsabi-lidade que exige conhecimentos específicos sobre o assunto e deve ser super-visionada por um profissional com conhe cimentos sólidos em tecnologia das ar-gamassas.

6.6.1 Argamassas industrializadas

Por industrializadas o mercado identifica aquelas argamas sas que che-gam à obra necessitando apenas do acréscimo de água para serem utilizadas. São produzidas por processos industri ais bem controlados, dosadas em massa e fornecidas ensacadas.

Existem no mercado argamassas industrializadas à base de cimento Portland, aditivos e adições e outras que também utili zam cal na sua composição. O agregado empregado tanto pode ser uma areia natural como uma areia artifi-cial obtida de operações de cominuição de rochas sãs.

Por serem fornecidas em sacos, sua estocagem é simplifi cada, podendo ocorrer nas proximidades do local de aplicação on de poderá ser também mistura-da com a diminuição do transporte dentro da obra, permitindo um maior controle sobre o consumo do material. Também em função de sua homogeneidade, este tipo de argamassa vem sendo cada vez mais aceito no mercado.

Estas argamassas industrializadas são tipificadas em fun ção do uso recomendado, havendo, além das várias categorias de argamassa colante para aplicação de revestimentos cerâmicos tanto internos como externos, argamassas para assentamento de elementos em alvenarias estruturais, em alvenarias de fechamento e em revestimentos internos e externos, além de contrapisos e regu-

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larizações onde a resistência mecânica é uma das exigências principais.

Variações sobre os traços básicos são criadas com muita frequência, não raramente para atender necessidades específicas de algumas obras, podendo um fabricante disponibilizar ao merca do uma grande quantidade de variações de argamassas, particularizando o uso.

Cabe ressaltar a importância de verificar junto ao fabricante a melhor alternativa para cada caso, considerando as condições de exposição e o tipo de material a ser assentado.

6.6.2. Argamassas semi-industrializadas

Essas são as argamassas de cal e areia ditas intermediá rias ou brancas que são vendidas para posterior composição com cimento Portland na obtenção das argamassas finais, já apresenta das na introdução do presente item.

Podem ser empregadas nas mais variadas composições com cimento Portland na formação de argamassas finais com dife rentes características.

A obtenção de argamassas intermediárias de boa qualida de definida de-penderá da qualidade dos insumos empregados em sua produção, pelo processo de dosagem, da eficiência da mistura, mas principalmente da composição com areia, ou seja, do traço. Na obra, posteriormente, condições adequadas de estocagem e pro-porcionamentos adequados com cimento Portland, determinarão a qualidade do pro-duto final.

É um material largamente empregado apresentando como vantagem o menor custo frente às argamassas industrializadas, mas exigem conhecimento e cuidado para que sejam empregadas corretamente.

A idoneidade do fabricante e seu compromisso com a qua lidade são as-pectos fundamentais para a escolha do fornecedor.

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6.6.3. Argamassas feitas em obra

São as argamassas tradicionais. Levam este nome por se rem prepara-das no próprio canteiro de obra, sendo compostas por materiais aglomerantes, agregados e água, podendo ou não ser aditivadas. Estas argamassas são pro-duzidas a partir de proporcio namentos preestabelecidos de acordo com uma dos-agem específi ca. Infelizmente em uma grande quantidade de obras a dosagem é feita de forma inadequada e sem o cuidado necessário por meio de pás, baldes ou, até mesmo, capacetes.

Tanto podem ser preparadas com cimento e areia, com ou sem o em-prego de aditivos incorporadores de ar, como mistas de cimento e cal. Em am-bos os casos uma dosagem prévia deve ser realizada para a garantia do bom desempenho do material no atingimento das características exigidas para cada emprego.

6.6.4. Argamassas alternativas

É possível considerar alternativas todas aquelas argamas sas feitas com materiais diferentes de cimento Portland, cal, areia, aditivos e adições.

Fazendo apenas uma menção histórica ao aparecimento dessas mistu-ras, retomamos o período em que era usada quase unicamente argamassa feita em obra a partir de argamassas intermediárias de cal e areia, vendidas prontas. Como já foi dito, inúmeros foram os problemas verificados nas obras os quais con correram para desacreditar essas argamassas intermediárias quan to à sua qualidade. O mercado abriu-se, e novos materiais foram propostos.

O objetivo a ser atingido por todas as alternativas concen trava-se na ga-rantia de boa trabalhabilidade, semelhante àquela proporcionada pela cal, sendo alguns destes produtos vendidos de forma irresponsável como substitutos da cal. Na verdade, a maioria destes produtos visa a melhorar uma argamassa de cimento e areia garantindo boa coesão e, em última análise, gordura, sem o em-

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prego da cal.

Ocorre que esses produtos não são aglomerantes, não con tribuem para a resistência mecânica, não contribuem para a melho ria da aderência, não mel-horam as condições de impermeabilidade nem tampouco aumentam a capaci-dade de absorver deformações de argamassas de cimento e areia. Em geral, para justificar-se eco nomicamente, são sugeridos traços fracos de baixo con-sumo de cimento comprometendo o desempenho geral da argamassa.

Não se está aqui afirmando que os produtos não podem ser empregados ou que não são bons, ou mesmo que com eles não possam vir a ser obtidas argamassas de boa qualidade, o que se está dizendo apenas é que se for tom-ada como ponto de partida uma argamassa fraca de cimento e areia em que a deficiência de pasta não permitiria seu uso, por absoluta falta de trabalhabili-dade, a adição desses materiais alternativos apenas irá dotar essa arga massa da trabalhabilidade que lhe faltava originalmente, mas as características de de-sempenho com relação aos demais parâme tros permanecerão inalteradas ou prejudicadas. Uma argamassa fraca, com baixo teor de aglomerante apresentará sempre por isso baixo desempenho mesmo que possa ser trabalhada até com maior facilidade. Se o emprego destes materiais alternativos exigir um consumo maior de água, haverá sem sombra de dúvida prejuízo ao material.

Em resumo, uma argamassa de cimento e areia bem dosa da que aten-da às exigências estabelecidas em projeto, poderá ser melhorada em sua tra-balhabilidade, estabilidade de volume e capa cidade de absorver deformações pela incorporação de algum des ses produtos alternativos contribuindo para a produção de uma ar gamassa de menor custo, já que argamassas de cimento e areia para apresentarem boa trabalhabilidade, devido às características do cimento, devem inevitavelmente ser produzidas com elevados consumos. O elevado consumo de cimento determina a obtenção de argamassa de elevada resistência mecânica, elevado módulo de deformação e forte tendência à re-tração o que maximiza a probabi lidade de ocorrerem processos de fissuração em revestimentos tão intensos a ponto de propiciarem ao desplacamento das

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porções de revestimento definidas pelas fissuras que normalmente formam poligonais fechadas.

Esses produtos alternativos apresentam basicamente uma ação física já que em momento algum podem ser considerados aglomerantes, podendo ser divididos em dois grupos: os materiais argilosos e os aditivos espumígenos.

Os materiais argilosos são materiais de elevada finura, por tanto capaz-es de dotar a mistura de elevada coesão e trabalhabili dade, conferindo a essas argamassas grande plasticidade e facili dade de projeção contra paredes quando da execução de revesti mentos.

Como já citado anteriormente, em algumas cidades brasilei ras, mais no-tadamente aquelas localizadas em regiões de formação granítica, como a Serra do Mar, ainda hoje é possível encontrar argamassas sendo produzidas a partir de uma mistura de saibro, que é um material composto por areia e argila e cimento Portland, o que, em tese, permite considerar tratar-se de um material de boa qualidade em função de seu intenso emprego.

Na verdade, o uso destes materiais argilosos apresenta como proposta a reconstituição de um saibro a partir da mistura entre areia e argila. Enquanto esta mistura for benfeita, com o emprego da quantidade adequada de cimento, o resultado final poderá ser tão satisfatório como aquele obtido do emprego de sai-bros na região litorânea do Brasil, mas quando ocorre exagero na adição destes materiais argilosos obtém-se uma argamassa por demais fina com elevada su-perfície específica, enorme demanda de água e grande tendência à retração com sua inevitável consequên cia, a fissuração.

Quando o traço é fraco, considerando baixo teor de cimen to, é possível observar falta de estabilidade da argamassa seca, com pulverulência, tão logo a impermeabilidade conferida pelo sis tema de pintura esteja abalada. A grande afinidade com a água que apresenta a argila associada à própria porosidade da argamassa permite a absorção de grandes quantidades de água, promovendo

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o aumento do volume do material. O caminho inverso da água é tomado em períodos de seca, determinando sua retração. Ciclos alternados de molhagem e secagem definem períodos de expansão e contração com a introdução de tensões de compressão e tração, alternadamente, ocasionando a ruptura das tênues ligações promo vidas pelo cimento. Lentamente ocorrerá a degradação do material com comprometimento do sistema de revestimento. A bem da verdade, alguns revestimentos vêm sendo mantidos estáveis a partir da observação de uma criteriosa manutenção com a repintura feita em prazo hábil garantindo a impermeabilização da argamassa.

Na verdade, o que se deve evitar é produzir uma argamas sa tão pobre em cimento que possa ser comparada com argamas sas de barro como aquelas empregadas em casas de pau a pique. Enquanto a mistura encontra-se plástica apresenta excelente traba lhabilidade como normalmente verificado em argilas, mas após a sua secagem é perdida a coesão sem que se possa evitar a sua degradação.

Novamente o erro não está na opção pelo uso do material, mas pela adoção de uma incorreta proporção de mistura.

Alguns produtores deste tipo de material, no passado, apregoaram a atividade pozolânica eventualmente presente, como argumento de venda. A reação pozolânica ocorre entre a sílica ativa de materiais pozolânicos e o hidróx-ido de cálcio presente na pasta de cimento, em presença de água. Se na mistura houver muito pouco cimento, não há como ocorrer a reação pozolânica de forma significativa pela carência de hidróxido de cálcio disponível para a reação, não havendo contribuição para a resistência mecânica da argamassa, principalmente em sendo empregados cimentos pozo lânicos que já possuem em sua constitu-ição pozolanas.

Num determinado período, esse material foi largamente uti lizado, mas em função de muitos problemas verificados, ocasiona dos por seu incorreto uso, foi sendo paulatinamente abandonado, havendo hoje alguma dificuldade em ser

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encontrado no mercado em suas mais variadas apresentações.

Os aditivos espumígenos, conhecidos como incorporadores de ar, têm o poder de formar grande quantidade de pequenas bo lhas que, incorporadas ao aglomerante, criam um aumento virtual no volume de pasta da mistura. Como já foi visto anteriormente, a pasta é formada pelo aglomerante, água e o ar aprisio-nado natu ralmente ou intencionalmente incorporado. O volume de pasta pode, então, ser aumentado pelo aumento de qualquer um destes ele mentos ou com-binadamente. Como, em um sentido mais amplo, o que determina a trabalhab-ilidade de uma argamassa é o binômio – consistência e coesão – que pode ser traduzido pelo volume de pasta, o aumento virtual desse volume de pasta pelo aumento na quantidade de ar na forma de pequenas e estáveis bolhas aumen-ta sobremaneira a trabalhabilidade da mistura, viabilizando o emprego de arga-massas extremamente pobres em aglomerante.

Aditivos incorporadores de ar são muitas vezes emprega dos como imper-meabilizantes ou como redutores de água. Como impermeabilizantes promovem a interrupção dos canais capilares que se formam durante a exsudação da água de amassamento, não permitindo a intercomunicação entre os canais e desses com o exterior da massa, o que impede a formação de um fluxo hidráulico. A redução de água pode ocorrer em misturas realizadas a partir de traços defici-entes em pasta, ou seja, traços magros nos quais o aumento da trabalhabilidade que somente pode ser obtido pelo aumento do volume de pasta, como citado no parágrafo anterior, é obtido pelo aumento da quantidade de bolhas de ar ao con-trário do que seria feito intuitivamente pelo aumento da quantidade de água. En-tão, em argamassas pobres em cimento poderá haver um au mento de resistência mecânica em comparação direta com uma argamassa igual, porém não aditivada em que a trabalhabilidade é obtida à custa do aumento da quantidade de água.

Para que não ocorram equívocos, cabe esclarecer que o emprego dess-es aditivos pode melhorar a resistência de uma ar gamassa de baixo desempen-ho, mas em geral mantendo as carac terísticas que continuarão a classificá-la como de baixo desempe nho.

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Como são aditivos, esses produtos químicos devem ser empregados como tais. Assim, eles poderão ser empregados na melhoria de argamassas des-de que essas por si só já cumpram as funções básicas de resistência mecânica, aderência ao substrato e durabilidade.

Como exemplo, podemos citar o assentamento de tijolos em alvenar-ias sem revestimento (alvenarias de tijolos à vista). A bibliografia e a boa prática recomendam o emprego de argamas sas de cimento e areia em traços em volume de 1:3 ou 1:4, visto que traços mais fracos, embora possam garantir condições de re sistência e aderência, são difíceis de serem trabalhados. Neste caso, o emprego de aditivos incorporadores de ar pode dotar uma argamassa de traço em massa 1:5, por exemplo, de trabalhabilida de adequada à tarefa com redução de custo.

Na prática, o que se verifica é uma tendência de imposição ao mercado de argamassas em que o traço é dimensionado no limite extremo da trabalhab-ilidade, ou seja, para que o custo das argamassas se torne efetivamente at-raente, fabricantes ou vende dores destes produtos, muitas vezes, sem qualquer comprometi mento com a boa técnica, sugerem o emprego de traços que atin gem proporções entre cimento e areia tais como 1:8 ou 1:9, poden do chegar a pro-porções de 1:12 em volume, sem fazer qualquer referência ao tipo e, consequen-temente, à qualidade do cimento ou à relação água cimento e sem especificar ad-equadamente as ca racterísticas da areia sugerida, indicando apenas a condição fina ou média sem levar em conta a ampla gama de variações existentes em cada uma dessas classificações. Nessas condições, o resultado poderá não ser adequado.

Sempre que for feita a opção pelo emprego de um aditivo desse tipo, ensaios deverão ser realizados para comprovação da qualidade da argamassa obtida.

A aderência de argamassas aeradas ao substrato pode ser enormemente prejudicada comprometendo a estabilidade das alvenarias e sua estanqueidade à água. No caso de revestimentos, processos de fissuração instalam-se com

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frequência, não raro ocor rendo o desprendimento da argamassa, em placas. A desagrega ção das argamassas, com pulverulência, também é um dano ob-servado com muita frequência principalmente quando são empre gadas areias finas na sua produção.

Não se está aqui querendo condenar um determinado pro duto, mas sim alertar para a interpretação errada que é feita do seu efeito. Aditivos são apenas aditivos e, como tais, devem ser empre gados, já que, além de não fazerem mila-gres, assim como remé dios, podem apresentar efeitos colaterais graves e seus efeitos na maioria das vezes não são proporcionais às dosagens.

6.6.5. Outras argamassas

Este livro não estaria completo se não destinasse algum comentário sobre argamassas ainda pouco divulgadas, pouco utili zadas, mas de grande potencial.

Não foi considerada uma classificação quanto à forma de aplicação que poderia abranger, além das argamassas aplicadas de forma convencional, aquelas aplicadas por projeção.

Por outro lado, no item argamassas industrializadas seria possível incluir as argamassas estabilizadas.

Por serem produtos ainda não popularizados, a seguir será destinado um breve texto mais a título de informação do que efeti vamente destinado a trans-ferir um conhecimento ainda incipiente na medida em que muito ainda deve ser aprendido sobre as técni cas de aplicação, limitações e cuidados, já que, tecnica-mente, seu uso não pode ser questionado.

Quanto à argamassa projetada, não há muito o que ser dito tendo em vista ser essa técnica de projeção amplamente emprega da em revestimentos de túneis, execução de reforços estruturais e contenção de encostas. E o que é uma argamassa senão um con creto sem agregado graúdo? Uma argamassa pode

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perfeitamente ser chamada de microconcreto. Enfim, trata-se de uma técnica amplamente empregada que apresenta excelentes resultados práti cos.

Evidentemente que os equipamentos são projetados especificamente para o emprego de argamassas, e essas devem apre sentar características de coesão e trabalhabilidade adequadas à forma de aplicação.

Como grande vantagem é possível admitir a minimização da variável hu-mana, uma vez que é garantida uma perfeita unifor midade na aplicação, sempre com a mesma pressão. A velocidade de execução de revestimentos é outro fator favorável ao emprego dessa técnica. Há notícias sobre a existência de empresas que dispõem dos equipamentos e que contam com equipes treinadas especifi-camente nessa atividade garantindo a execução de um trabalho mais rápido e bastante mais homogêneo.

As argamassas estabilizadas são produtos desenvolvidos para serem produzidos e fornecidos por centrais dosadoras assim como o concreto usinado. Normalmente são produzidas com cimen to Portland, agregado miúdo, água, adi-tivo incorporador de ar e aditivo estabilizante. Eventualmente podem ser empre-gadas pozolanas ou cargas minerais sem atividade química significativa.

Praticamente é possível considerar essas argamassas bas tante simi-lares às argamassas industrializadas vendidas em sacos, tanto com relação aos materiais como com os proporcionamentos.

A grande diferença reside no emprego de um aditivo cha mado de esta-bilizador que tem a propriedade de permitir a estocagem dessas argamassas em mistura com a água por períodos de até 36 horas sem perda de trabalhabilidade e sem que ocorra o início de pega do cimento.

No momento em que a argamassa é aplicada em camadas de pequena espessura, a evaporação da água permite que as rea ções de hidratação do ci-mento Portland ocorram garantindo o de senvolvimento de todas as característi-cas desejáveis de uma ar gamassa tanto para o assentamento de elementos de

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alvenaria como para o revestimento de paredes.

Normalmente a central dosa um caminhão betoneira com 7 ou 8 m3 que percorre diversas obras distribuindo o produto que é deixado em caixas de vol-ume conhecido, permitindo a avaliação precisa do volume adquirido pela obra. Estocada em caixas, nor malmente de material plástico, as argamassas vão sen-do consumi das lentamente no decorrer de uma jornada de trabalho sem prejuí-zo da qualidade e sem perdas. No dia seguinte nova carga é forne cida para o desenvolvimento de mais uma jornada de trabalho.

Em tese não se tratam de argamassas com características diferentes das tradicionais, o que efetivamente é alterado como inovação é o conceito relativo à forma de aplicação e à possibilida de de serem fornecidas prontas, em grande quantidade, com um amplo prazo temporal para sua utilização, sem prejuízo da qualida de.

A qualidade final do revestimento dependerá do proporcio namento das argamassas e não da forma como é projetada, dosa da, transportada e distribuí-da.

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7. RETRAÇÃO DAS ARGAMASSAS

Considerando que a dosagem de uma argamassa deve ser feita a partir do consumo de água e que o objetivo a ser atingido está em obter um material com a maior estabilidade de volume possível para minimizar a probabilidade de aparecimento de pro cessos de retração, é necessário apresentar, mesmo que de forma resumida, algumas considerações sobre o desenvolvimento do sempre presente processo de retração em pastas de cimento Por tland, que por analogia podem ser estendidas para pastas mistas de cimento Portland e cal ou puramente cal, já que o comportamen to da pasta dita o comportamento do aglomerado.

Em princípio, sempre será possível associar a retração de uma arga-massa mineral e sua inevitável consequência, a fissura ção, como um fenômeno diretamente ligado ao movimento da água no interior da pasta com a qual foi formada ou desta para o exterior, sendo o fenômeno o processo de retração e sua manifestação, a fissuração.

Admite-se que uma argamassa, em similitude ao que é considerado no concreto, seja constituída por três fases distintas. Em nível macroscópico pela fase agregado, em geral areia natural, e pela fase pasta e, em nível microscópico, pela fase representada pela chamada zona de transição.

Por zona de transição entende-se a região situada na inter face entre a pasta e o agregado, sendo constituída por aglomerante água, assim como a pas-ta propriamente dita. Essa zona, por assim dizer, envolve o grão do agregado, ou seja, uma região de pequena espessura, qualitativamente de mesma constituição química que a pasta, mas com quantidades diferentes de produtos da hidratação, menor relação água/aglomerante, menor densidade e, consequen temente, me-nor resistência mecânica.

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Em qualquer material produzido com aglomerantes mine rais, a quantida-de de agregado na mistura terá influência primordi almente sobre sua estabilidade de volume, pois a retração é restrita à pasta.

A pasta, que funciona como o elemento de aglutinação, re presenta a fase suscetível de experimentar redução de volume, diretamente ligada à mo-vimentação da água para o exterior durante o processo de secagem antes de endurecer, fase plástica, ou pos teriormente ao endurecimento. Movimentações da água no interior da pasta podem também favorecer ao aparecimento de pro-cessos de retração que, embora de pequena magnitude, podem contribuir para o processo global.

Por ser na zona de transição verificada uma relação água/aglomerante maior que na pasta propriamente dita, além de representar uma região de me-nor resistência caracteriza-se por apresentar microfissuras e maior porosidade. Sendo, por conse guinte, menos resistente, dificulta a transferência de tensões para o agregado.

O esfarelamento superficial de argamassas submetidas a processos al-ternados de molhagem e secagem é determinado pela ruptura das ligações entre a pasta e o agregado. Assim, falar em tornar uma argamassa menos friável signi-fica falar em aumentar a resistência da zona de transição, e consequentemente o desempe nho mecânico do material.

Um sólido solto no espaço sem qualquer restrição ao seu livre movimento em processos de expansão e contração de qual quer natureza estará sempre em equilíbrio, não sofrendo a ação de tensões internas por serem essas dissipadas por deformação ime diatamente ao seu aparecimento, já que não há restrição à livre movimentação. Não havendo restrições ao livre movimento do cor po, essas tensões serão dissipadas por deformação na forma de aumento ou diminuição do volume do sólido. No momento em que ocorre uma restrição ao livre movimen-to do corpo, surgem tensões que não serão dissipadas por deformação já que esta não ocorrerá. Se a resistência do material for inferior ao esforço solicitante,

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as tensões internas serão dissipadas por sua ruptura manifestada pelo apareci-mento de fissuras. Materiais cerâmicos, como concreto e argamassa, resistem bem mais aos esforços de compressão do que aos de tração, suportando sem alterações, aos esforços gera dos por expansão, mas a retração, na maioria das vezes, determina o aparecimento de fissuras. Por ser indesejável o aparecimento de fissuras em qualquer material não raramente são empregadas ar maduras com a finalidade de absorver os esforços de tração gera dos pela retração, principal-mente em peças de concreto, embora este conceito seja amplamente explorado pela técnica construtiva conhecida como argamassa armada.

Considerando um revestimento em argamassa aplicado sobre uma pa-rede como uma placa de argamassa fundida no local, é possível perceber essa placa como um sólido lamelar com duas dimensões imensamente maiores que a terceira, a espessura, completamente aderido ao substrato sem qualquer liberda-de de movimentação. Nessas condições haverá condições propícias à instalação de processos de fissuração pelo impedimento à livre movimentação impedindo que ocorra o alívio de tensões por defor mação. O processo de evaporação da água de amassamento será facilitado pela elevada relação superfície de expo-sição/volume igualmente verificada em lajes de concreto armado, elemento de uma estrutura mais suscetível aos efeitos da retração com maior probabilidade de vir a fissurar.

Para o preciso entendimento do processo de fissuração de uma arga-massa, ou de um concreto de cimento Portland, é neces sário conhecer o meca-nismo de retração da pasta, sendo de fun damental importância o conhecimento de sua estrutura interna e, em sendo esta formada por aglomerante e água, deve ser explora da antes a estrutura interna da água.

7.1. Estrutura interna da água

No momento em que os pequenos átomos de hidrogênio li gam-se de for-ma covalente com um átomo grande de oxigênio, forma-se um dipolo permanen-

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te de grande magnitude, já que a nuvem de elétrons dos átomos de hidrogênio tende a se concentrar junto à parte da molécula que contém o átomo de oxigênio despro tegendo seu núcleo com a formação de um polo positivo. Na parte oposta da molécula onde se situa o átomo de oxigênio, restam elé trons não compartilha-dos, caracterizando o carregamento negativo.

Os átomos de hidrogênio podem assim estabelecer pontes com os áto-mos de oxigênio de outras moléculas permitindo a liga ção das moléculas de água entre si, fenômeno chamado de “liga ção hidrogênio”.

O número de ligações hidrogênio existentes na água justifi ca, entre ou-tras características, seu anormalmente alto ponto de ebulição, uma vez que dois terços do calor necessário são gastos para o rompimento destas ligações.

Essas ligações explicam também o aumento do volume da água ao solidi-ficar, pois neste estado sua estrutura regular permite que cada molécula ligue-se a outras quatro em formação tetraédrica. À medida que o gelo derrete, aproximada-mente 15% das liga ções hidrogênio são rompidas, permitindo que cada molécula de água ligue-se a um número maior de outras moléculas, diminuindo os espaços vazios com o aumento da densidade da substância de 0,97 para 1,00.

Na temperatura ambiente a água possui aproximadamente 50% de suas ligações hidrogênio desconectadas, o que determina o aparecimento de cargas elétricas superficiais insatisfeitas com o aumento significativo da energia super-ficial, representada pela ten são superficial, que pode ser encarada como a força necessária para afastar as moléculas superficiais que se comportam como em uma membrana elástica tensionada. Esta é a razão pela qual a água não funcio-na como lubrificante tão eficazmente como outros líquidos.

O estudo da movimentação da água no interior de sólidos porosos, parte do entendimento dos fenômenos físico-químicos de superfície, ou seja, da tensão superficial, da capacidade da água em aderir a superfícies sólidas e da superfície de contato.

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Conforme a umidade ambiental e a porosidade da pasta, a água pode apresentar-se retida na pasta das seguintes maneiras:

7.2. Formas de apresentação da água na pasta

Em pastas de cal a água funciona como o elemento que vi abiliza a rea-ção de carbonatação que ocorre com a liberação de água para o meio ambiente sempre com redução de volume na formação do carbonato de cálcio. Em pastas de cimento Portland a água se apresenta de forma diferente. De uma maneira geral é possível simplificar como a seguir se apresenta.

7.2.1. Água não evaporável

Assim é identificada uma parcela da água que é emprega da na produção de aglomerados que contenham como aglomerante total ou parcialmente o ci-mento Portland. A água não evaporável é representada pela água quimicamente combinada a partir da ocor rência das reações de hidratação do cimento Portland e integra a estrutura dos cristais hidratados.

É a quantidade mínima de água necessária para que ocorra a hidratação do cimento o que corresponde, dependendo das ca racterísticas do cimento, a relações água/cimento entre 0,23 e 0,28.

Considera-se não evaporável porque esta água não pode ser removida por simples secagem. Sua retirada só é possível por desidratação da pasta por meio de aquecimento enérgico acima dos 700° C.

7.2.2. Água evaporável

Todos os aglomerados produzidos a partir de pastas for madas por aglo-merantes minerais necessitam de certa trabalhabi lidade para poderem ser em-pregados nas atividades clássicas da construção civil. Essa trabalhabilidade é

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obtida pelo aumento no volume de pasta pela incorporação de uma quantidade maior de água do que aquela necessária para desencadear as reações quí micas que promoverão o endurecimento do aglomerado. Uma parte desta água encon-tra-se fixada à superfície sólida do aglomerante pela ligação hidrogênio, servindo como meio de ligação e transporte dos íons liberados durante a dissolução das partículas de cimento, quando este for empregado, ou disponibilizando o hidróxi-do de cálcio solubilizado à reação de carbonatação.

A água, nesta condição, somente poderá ser removida por forte secagem a uma umidade relativa de 10 a 15%, determinando forte retração na pasta.

7.2.3. Água capilar

O restante da água adicionada permanece dispersa na pas ta. Durante o processo de evaporação, ou quando pressionada por efeito da sedimenta-ção, por ser o constituinte de menor densidade, ocorre sua movimentação no sentido de encontrar uma região de menor pressão, a superfície da peça. Essa movimentação ocorre pela formação de uma rede de canais capilares durante o estabele cimento do um fluxo hidráulico. A movimentação desta água será tão mais intensa quanto menor a capacidade do aglomerado, argamassa ou concreto, em retê-la no seu interior e quanto maior a quantidade de água em-pregada.

7.3. Tipos de fissuras

Muitas vezes é possível verificar no revestimento em arga massa de pa-redes a existência de fissuras transmitidas pelo subs trato não sendo fissuras “da” argamassa, mas “na” argamassa.

É comum ocorrerem fissuras no canto de aberturas em fun ção da não colocação de contravergas ou fissuras a 45° nos cantos de edificações indicando a ocorrência de deformações em balanços ou assentamento de fundações. O tra-

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balho térmico de estruturas pode determinar a instalação espontânea de juntas que são igual mente refletidas no revestimento em argamassa.

Podem ocorrer fissuras por expansão causada pela hidra tação retarda-da dos óxidos de cálcio e magnésio. Embora este fenômeno não esteja sendo observado a um bom tempo, em fun ção da evolução tecnológica verificada nos processos de hidratação industrial das empresas produtoras de cal hidratada, ele ainda pode ocorrer.

Fissuras que são características de retração das argamas sas podem ser classificadas assim como é apresentado a seguir com a consideração apenas dos principais tipos.

Por haver diferentes formas de classificação dos diversos tipos de fissu-ra, a que aqui é apresentada poderá diferir de outras classificações relacionadas na bibliografia.

Em comum, todas terão sempre o fato de os processos de fissuração terem origem hidráulica, ou seja, oriundos da movimen tação da água do interior do material para a superfície.

Há na bibliografia muita confusão acerca dos termos “fissu ra” e “trinca”. Muitos autores estabelecem a abertura dessas mani festações como o elemento de definição, sendo um critério subjeti vo. Muitas vezes é ouvido o termo “rachadura” que sugere a exis tência de uma manifestação de maior magnitude, sinistra, sempre sugerindo o comprometimento estrutural. Já de algum tempo o autor vem empre-gando o termo fissura como representante de uma manifestação ocasionada por um fenômeno físico experimentado por um material e trinca como o resultado de uma ação mecânica atuante sobre uma estrutura. Assim, fissura será o efeito de um processo de retração sofrido por um material; e trinca, a fratura ocorrida em uma peça estrutural decorrente de sobrecargas. A manifestação causada pela corrosão da armadura em peças de concreto armado será sempre uma fissura e o recalque diferencial de fundações causará o aparecimento de trincas.

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De uma maneira geral, é possível dizer que a causa dos processos de re-tração de grande magnitude, responsáveis pelos mais intensos estados de fissu-ração, é hidráulica, ou seja, decor rente da movimentação da água principalmente do interior do mate rial para a superfície. A migração da água internamente ao material e o processo de carbonatação podem gerar um tipo de retração interna de pequena magnitude, mas que colaborará com o proces so global.

7.3.1. Fissura superficial

Este tipo de fissura caracteriza-se por apresentar em geral pequena aber-tura muitas vezes sendo visível somente após molhagem do revestimento. Seu desenvolvimento “mapeado” sugere a formação de poligonais fechadas aproxi-madamente hexagonais, conhecidas popularmente como “pés de galinha ou pele de crocodi lo”. A pequena abertura das fissuras se deve ao fato de serem es sas fissuras oriundas da retração de uma camada superficial de pequena espessura constituída de aglomerante e a porção mais fina do agregado. A causa de seu aparecimento não pode ser dis sociada da excessiva movimentação da camada superficial da ar gamassa na tentativa de melhorar o acabamento do revestimento ou quando este desempenamento é iniciado antes do momento próprio, quando a argamassa possui ainda muita plasticidade ou, como dito na prática, sem ter “puxa-do”. Durante o processo de desempeno, a ação da desempenadeira pressiona a ar-gamassa contra o substrato. Imediatamente após a passagem da desempenadeira a argamassa tende a retornar à sua posição original, o que representa um alívio de tensão, fazendo com que o material mais fino, com menor densidade em fun-ção da maior quantidade de água, seja trazido à superfície por sucção, em função da pressão negativa gerada na interface da desempenadeira com a argamassa. Haven do na superfície uma concentração maior de material fino, sua tex tura será igualmente mais fina, mais lisa, portanto, conferindo me lhor acabamento. Não está errado afirmar que esta operação pro move a segregação do material na superfície da argamassa, como se por assim dizer houvesse um revestimento posterior com uma argamassa muito fina produzida com muita água, mais propícia à retração e consequentemente vulnerável à instalação de processos de fissuração.

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A retração ocorrerá num primeiro momento apenas nesta fina camada superficial, por isto as fissuras apresentam pequena abertura, sendo muitas ve-zes não perceptíveis à vista desarmada quando a argamassa encontra-se seca. Com o passar do tempo essas pequenas fissuras tornam-se zonas de concen-tração de ten sões, já que o processo de retração continua com o tempo além de, em algumas situações, poderem surgir movimentações de origem termo-higro-métrica. Em decorrência desta evolução, algumas fissu ras poderão interligar-se na definição de um caminho preferencial para alívio de tensões com um compor-tamento similar de uma jun ta, tendo sua abertura gradativamente aumentada. Muitas vezes este fenômeno ocorre após o processo de pintura da parede e, não raramente, após a ocupação do imóvel.

As fotografias 8 e 9, apresentadas em sequência, apresen tam casos tí-picos desse tipo de fissura facilmente identificado em função da secagem mais intensa exatamente ao longo das fissuras por constituir regiões de maior super-fície de exposição.

Figura 8

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Figura 9

As figuras 8 e 9 apresentam dois aspectos da forma como se apresentam as fissuras ditas superficiais, a Figura 8 foi obtida alguns dias após a execução do revestimento, já a Figura 9 foi tomada de um revestimento mais antigo, permi tindo a observação da evolução do processo com o aumento na abertura das fissuras.

7.3.2. Fissura de escorrimento

Quando a argamassa para aplicação como revestimento em uma pa-rede é preparada com excesso de água, ocorre pela ação da gravidade uma tendência à movimentação vertical dessa argamassa na parede, como se houvesse mesmo um escorrimento. Em função da irregularidade do substra-to, a ligação desta camada de argamassa, no estado fresco, pode ser efetiva em determinados pontos onde a argamassa escorrerá menos, e menor em outros, onde vai haver um deslocamento mais intenso. Na região de transi-ção entre essas duas situações, pode ocorrer uma fissura, normal mente de grande abertura e pequeno comprimento, com desenvol vimento predominan-temente horizontal. Esse fenômeno é identifica do com facilidade, pois em um mesmo pano de revestimento ocor rem muitas fissuras com esta mesma característica.

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Quando a argamassa é aplicada em camadas muito espes sas, é possível ocorrer o mesmo fenômeno, já que, pela ação da gravidade, é verificada a mesma tendência à movimentação verti cal. Nesse caso específico, o escorrimento ocorrerá sempre que a força exercida por determinada porção da argamassa, sob a ação da gravidade, for maior que a pressão negativa criada durante a operação de projeção da argamassa sobre a parede que mantém o material posicionado até o desen-volvimento dos mecanismos de aderência. Também por esta razão, existe uma limitação de norma quanto à espessura da camada de revestimento que não deve ex ceder 30 mm. É possível aplicar camadas mais espessas em reves timentos, mas isso, além de contrariar a norma, exigirá a prepara ção de uma argamassa de muito mais elevada coesão para garantir a sucção estabelecida na projeção da argamas-sa à parede, de maneira a suportar a força vertical de escorrimento. O emprego de telas ou fibras, que estruturam o revestimento, pode atenuar o efei to negativo sobre o revestimento final decorrente do emprego de camadas muito espessas. O uso da técnica de “encascotamento” igualmente pode reduzir o aparecimento de fissuras, mas assim como a realização do revestimento em mais de uma camada au menta a massa a ser mantida aderida ao substrato, representando uma sobrecarga.

A Figura 10, apresentada a seguir, registra este tipo de fis sura.

Figura 10 Apresenta um caso típico de fissuração por escorrimento.

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7.3.3. Fissura de retração plástica

Como sempre há evaporação da água de amassamento de uma arga-massa, sempre haverá tendência à fissuração. Todo o trabalho de dosagem de uma argamassa deve ser desenvolvido com o intuito de compensar essa natural tendência, impedindo a instalação de processos de fissuração.

O desenvolvimento desse tipo de fissura ocorrerá de manei ra semelhante ao mecanismo desenvolvido no processo de fissuração superficial, com a diferença de não representar a retração de uma camada muito fina e superficial do revesti-mento, mas sim de toda sua espessura. As fissuras igualmente serão na forma de ma peamento, com tendência à formação de poligonais fechadas, mas de grande abertura e atravessando a camada de argamassa, che gando ao substrato.

Como a abertura das fissuras é significativa, é possível admitir que igual-mente significativa é a movimentação da argamas sa em relação ao substrato. Essa movimentação estabelece o apa recimento de esforços de cisalhamento que podem romper a ainda tênue microaderência estabelecida, embora sua ocorrência no es-tado plástico possa garantir o estabelecimento de novas pontes de aderência. Em situações-limite, em que a ancoragem possa estar sendo garantida mais por micro-aderência do que pelos outros mecanismos, placas definidas pelo “mapa” gerado pelas fissuras po derão desprender-se evidenciando o colapso total do sistema de ancoragem.

Figura 11 Apresenta um típico processo de fissuração causado por retração plástica.

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8. PRINCÍPIOS A SEREM SEGUIDOS PARA A DOSAGEM DE ARGAMASSAS

Sendo fruto de um conhecimento empírico, o proporcionamento dos ma­teriais na produção das argamassas vem sendo es tabelecido de forma subjetiva ao longo do tempo, privilegiando, antes de todos, o aspecto trabalhabilidade, termo entendido com alguma imprecisão como a característica que determina a maior velocidade na realização da tarefa.

Voltando a fazer uma analogia com o concreto, se fosse permitido aos operários optar quanto à consistência, sem qualquer dúvida a opção recairia so­bre um concreto tanto quanto possível fluido. Evidentemente que o trabalho en­volvido nas operações de concretagem será realizado em um prazo menor, mas fatalmente o concreto será mais caro devido ao maior consumo de cimento ne­cessário para a manutenção de uma mesma relação água/cimento. Igualmente a probabilidade de aparecerem defeitos será aumenta da, principalmente com relação à fissuração por retração em suas variadas formas.

No caso das argamassas, principalmente aquelas empre gadas no reves­timento de paredes, dois são os problemas que efetivamente causam transtor­nos, constituindo a maior fonte de reclamações e o motivo de reparos em obras já entregues: a fissu ração por retração e a baixa resistência mecânica evidenciada pelo esfarelamento superficial.

Na maioria das obras não são avaliadas a resistência à compressão e a de aderência à tração ao substrato das argamas sas empregadas. O problema apenas configura­se como tal a partir da ocorrência do desplacamento do reves­timento, fraturas mediante pequenos impactos ou de sua deterioração precoce.

Diante do exposto, é possível estabelecer um questiona mento sobre quais as características que devem ser consideradas num processo de dosagem

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de argamassas, principalmente daque las que serão empregadas em revestimen­tos de paredes.

Se depender das observações que são feitas em obra, ou seja, se os crité­rios forem estabelecidos pelos aplicadores, certa mente será privilegiada a trabalha­bilidade de tal forma que seja possível reguar e desempenar tão logo a argamassa tenha sido projetada sobre a parede. O acabamento final visando à obtenção de uma superfície lisa e de baixa porosidade também é um fator sempre considerado, por sua influência sobre o processo de pintu ra, principalmente pela redução de custo obtida em função de a pre paração da parede não exigir grandes trabalhos.

A obtenção de argamassas que possam atender a essas característi­cas pressupõe o emprego de agregados de baixo módu lo de finura e pequeno volume de pasta. O emprego de agregados finos, na medida em que propicia um melhor acabamento superfici al, determina o aumento da demanda de água favorecendo a retra ção. O baixo volume de pasta torna mais barata a argamassa e facilita a operação de desempeno.

Com relação à demanda de água, argamassas de mesmo traço, mas produzidas com agregados de superfícies específicas diferentes, exigirão em sua produção, para a obtenção de uma mesma trabalhabilidade, quantidades subs­tancialmente diferentes de água. O aumento na demanda de água pela substitui­ção de uma areia média por areia fina pode chegar a 50%.

Durante a execução de revestimentos, frequentemente é observada pre­ferência pelo emprego de uma argamassa produzida com areia fina por propiciar melhor acabamento e maior coesão sem aumento no volume de pasta, embora apresente como efeitos colaterais menor resistência mecânica, menor resistência de ade rência e sempre forte tendência à fissuração. Essas argamassas apresen­tam em geral friabilidade superficial, não raro esfarelando ao roçar dos dedos.

Se esta argamassa for empregada como substrato para aplicação de revestimentos cerâmicos ou qualquer acabamento aplicado com emprego de ar­

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gamassas colantes, a estabilidade deste revestimento estará comprometida por risco de ruptura na argamassa de emboço de baixa resistência mecânica, vindo a ocor rer, com o tempo, desplacamentos de porções do revestimento cerâmico por ruptura da argamassa de emboço.

É sabido que a resistência à compressão simples de uma argamassa de revestimento não é o melhor parâmetro para carac terizá­la ou para ser adotado como referência em um processo de dosagem. A resistência de aderência, em­bora seja extremamente importante, não constitui uma característica exclusiva da argamas sa, mas sim do sistema constituído pela camada ou camadas de arga­massa, pelas características do substrato, incluindo aí sua preparação, devendo ser considerada igualmente a eficiência de sua aplicação ao substrato, atividade extremamente variável em função do aplicador e das condições de trabalho.

Dessa maneira, tanto a resistência de aderência como a re sistência à compressão simples podem ser consideradas apenas características de controle, podendo informar sobre a qualidade da argamassa e principalmente sobre sua homogeneidade, mas não permitindo conclusões sobre a qualidade do revesti­mento.

Contrariamente ao que ocorre com o concreto em obra, a superdosagem de água numa argamassa dificilmente ocorrerá pelo simples fato de criar sérias dificuldades ao aplicador, dificultando sua tarefa. É desejável para o aplicador numa argamassa para aplicação como revestimento, tanto menos água quan­to possível para viabilizar em menor prazo o trabalho de acabamento. Parale­lamente essa característica concorrerá para a minimização da pro babilidade de instalação de processos de retração e para o aumen to da resistência mecânica, pela redução da relação água/aglome rante. Evidentemente que a argamassa de­verá atender a um pa drão mínimo de trabalhabilidade a ser obtido a partir de um consu mo mínimo de água.

Em função da velocidade de execução, observa­se uma tendência ao emprego de argamassas magras, de traço fraco, com a finalidade de reter menos

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a desempenadeira por falta de pasta, permitindo a aceleração do processo de desempeno, aumentando a produtividade, mas comprometendo a qualidade final do revesti mento.

Assim, é possível identificar como parâmetro a ser otimiza do num pro­cesso de dosagem a quantidade de água, que pode ser representado pela per­centagem de água sobre o total de materiais secos.

Esse princípio tem sido adotado pela CIENTEC nas dosagens de ar­gamassa realizadas ao longo dos últimos três anos, apresentando resultados satisfatórios a ponto de permitir sua divul gação.

Na verdade, as argamassas sempre foram tratadas de for ma deslei­xada, sendo sua dosagem e produção de responsabilida de do mestre da obra ou até mesmo do pedreiro, já que o requisito mais importante na visão do aplicador é a facilidade de aplicação e a rapidez nas tarefas de reguagem e desempeno. A compra de argamassas intermediárias de cal e areia, procedi­mento ainda mui to difundido em nosso meio, sem que o comprador manifeste qual quer preocupação com relação ao traço adotado ou com as carac terísticas dos materiais empregados, seu transporte de forma absolutamente inadequa­da, sua estocagem em condições desfavoráveis e seu emprego em um prazo muito além do recomendado, dão uma clara ideia da pouca importância que é dada às argamassas.

A preocupação com as argamassas tem início a partir de reclamações dos proprietários dos imóveis, feitas aos construtores, geralmente dando conta da existência de fissuras nos revestimen tos ou de sua friabilidade manifestada pela pulverulência caracterís tica.

Cada vez mais frequentemente, os construtores veem­se na obrigação de retornar aos imóveis, após a entrega, para reparar ou tentar de alguma forma corrigir os problemas existentes princi palmente nas argamassas de re­vestimento.

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Assim, de alguns anos para cá, é possível perceber, por parte de quem constrói, um crescente interesse pela qualidade das argamassas, mais notada­mente por aquelas a serem empregadas em revestimentos.

Outras manifestações patológicas em revestimentos, lista das na biblio­grafia existente sobre o assunto, ocorrem de forma menos intensa e, na maioria das vezes, estão diretamente ligadas à qualidade dos insumos empregados na produção das argamassas.

Fato que passa geralmente despercebido é o de que o tipo de mistura­dor empregado na produção das argamassas, as betoneiras de obra, não é o mais adequado para a produção de arga massas, pois, pelo movimento circular, promovem a formação de grumos ou não favorecem a sua destruição depois de formados.

Na bibliografia mais antiga é possível ler as expressões “água de amas­samento” e “virar concreto”. Quando o concreto era produzido em obra, efetiva­mente ele era virado, pois sua mistura era feita com pás. De uma certa forma, as betoneiras de gravidade que constituem a maioria maciça dos equipamentos de mistura, inclusive em caminhões­betoneira, viram o concreto. A mistura das argamassas produzidas antigamente e até hoje em pequenas obras é feita com enxadas, em caixas, exatamente para permitir o esmagamento ou o amassamen­to da argamassa contra o fundo da caixa.

Este procedimento de mistura garantia a destruição dos grumos que sempre se formavam, ou dos torrões de argamassa intermediá ria formados pela estocagem do produto em tempo muito longo.

Tanto produzindo concreto como argamassa, estas betoneiras são extremamente ineficientes para misturas secas o que faz com que uma quantidade adicional de água seja incorporada com a finalidade de facilitar aparentemente a operação de mistura, pois em geral mascaram a falta de homogeneidade.

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Há à disposição no mercado argamassadeiras que podem executar a mistura com muito mais eficiência e que deveriam ser empregadas sempre na mistura de argamassas.

Como já citado anteriormente, o que tem sido percebido a partir da ob­servação do trabalho desenvolvido pelos pedreiros e por suas informações em­píricas, sugere que a velocidade de tratamen to de uma argamassa após sua aplicação na parede está muito ligada à sua coesão o que é obtido a partir do emprego de areias mais finas. O aumento do volume de pasta, que também aumenta a coesão, a partir de determinados limites, dificulta o desempeno “pren­dendo a desempenadeira”, o que favorece o emprego de ar gamassas magras. Essa afirmação explica o fato de existirem no mercado argamassas de cal e areia sendo comercializadas com traços tão fracos como 1:15, em massa, como já determinado em laboratório.

O aumento da coesão pelo emprego de areia fina está liga do à capaci­dade de adsorção de água pelos grãos de menores dimensões, determinando que na produção de argamassas com areia fina seja empregada uma quantidade muito maior de água, com as implicações já citadas anteriormente no texto.

Claro torna­se, então, que o melhor desempenho de uma argamassa, deve necessariamente ser vinculado ao menor consu mo de água possível, ga­rantindo um mínimo de capacidade de retenção da água empregada em sua produção.

Essa menor exigência de água deve ser obtida a partir do emprego de uma areia adequada, com granulometria o mais contí nua possível, com o menor teor de finos possível e com o emprego de cales de boa qualidade que apresen­tem elevada plasticidade.

Não é procedimento corriqueiro na CIENTEC a dosagem de argamassas para assentamento, nem o ensaio de corpos de prova no controle da resistência à compressão de argamassas, exceto em algumas poucas obras envolvendo

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alvenaria estrutural com um número maior de pavimentos. Isso permite inferir, diante do desempenho das edificações de uma maneira geral, que, mesmo não havendo cuidados maiores com a maioria maciça das arga massas para assen­tamento utilizadas, as mesmas apresentam características técnicas compatíveis com as solicitações presentes nas alvenarias.

No entanto, muitas dificuldades têm sido encontradas na produção de argamassas adequadas para a obtenção de revesti mentos isentos de qualquer tipo de manifestação patológica.

Atualmente, em função destes problemas, o grande desafio tornou­­se a aquisição do conhecimento necessário para a dosagem de argamassas específicas para revestimentos, já que o bom de sempenho de uma argamassa em revestimentos depende, além das características intrínsecas desta arga­massa, do preparo e da natureza do substrato, das condições climáticas no momento de sua aplicação e da cura, além da habilidade e competência do pe dreiro para a tarefa.

Além da necessidade em se obter um revestimento sem patologias, a ar­gamassa deverá garantir a resistência de aderência mínima prevista em norma.

O aumento do consumo de cimento nas argamassas se por um lado favorece o aumento da resistência mecânica, por outro pode gerar processos de retração após o endurecimento da arga massa com fissuração e desplaca­mento.

No dimensionamento de um traço de argamassa para em prego em re­vestimentos de paredes, a preocupação principal sem pre estará relacionada com a fissuração, de modo que o primeiro trabalho consiste na obtenção de uma arga­massa que apresente a maior estabilidade de volume possível com os materiais escolhidos para sua produção. Posteriormente então, o traço é ajustado para atendimento aos demais parâmetros de controle como a resistência de aderência e a própria resistência à compressão, quando especificada.

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A grande incidência de fissuras por retração ocorre na fase plástica, an­tes do início do endurecimento da argamassa, relacio nado com a pega do cimen­to, quando a argamassa ainda apresen ta uma coloração mais escura que impede na maioria das vezes que fissuras de pequena abertura sejam notadas. Mesmo depois do endurecimento da argamassa muitas fissuras só poderão ser visua­lizadas a partir da molhagem do paramento revestido já que nas fissuras haverá maior absorção de água garantindo sua permanên cia na fissura após a secagem superficial da argamassa, evidenci ando sua presença por uma coloração mais escura do que a super fície do revestimento.

O consumo de água para uma dada trabalhabilidade sem pre estará con­dicionado à superfície específica da mistura.

Como exemplo é possível imaginar um cubo de 1 cm de aresta e massa “m”. Este sólido terá uma superfície de 6 cm2. Se admitirmos ser possível a adsor­ção de uma película de água de 1 mm de espessura sobre a superfície do cubo, teremos um volume de 600 mm3 de água aderida que pode ser considerada como água de molhagem do sólido considerado.

Se dividirmos o cubo do exemplo por um plano, teremos dois prismas, e a soma da superfície desses prismas será acrescida de 2 cm2 em relação à superfície do prisma original, sendo possível admitir a necessidade de mais 200 mm3 de água para a molhagem dos dois prismas embora a massa original não tenha sido alterada. Se assim procedermos indefinidamente, aumentaremos a superfície específica do conjunto de prismas sempre para a mesma massa “m”. Considerando a tensão superficial da água, quanto menor a partícula mais es­pessa a camada de água adsorvida, o que não é levado em conta no exemplo numérico apresentado, devendo ser considerado que a quantidade de água ad­sorvida na superfície de um material granular aumenta tão mais intensamente quanto maior a superfície específica deste material.

Dessa maneira fica claro que uma mesma massa de areia terá uma quantidade de água de molhagem função do tamanho dos grãos que a compõem.

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Uma argamassa de cimento e areia média, com módulo de finura de 2,40, em um traço em massa de 1:3 poderá apresentar plasticidade adequada ao trabalho com algo entre 12% e 15% de água sobre os materiais secos. Uma argamassa de mesmo traço em massa, na qual o cimento é substituído em 60% por cal hidrata da apresentará, a mesma trabalhabilidade a partir de um teor de água/materiais secos que deverá variar entre 18% e 22% e, se esta mesma ar­gamassa for preparada com areia fina, com módulo de finura em torno de 1,00, a quantidade de água sobre o total de ma teriais secos poderá chegar a 30%.

Fica claro a partir da interpretação de um exemplo simplifi cado que, quanto maior a superfície específica de uma mistura, maior a demanda de água para uma mesma trabalhabilidade, maior a quantidade de água a ser evapora­da, maior a redução de volume da argamassa e, consequentemente, maior a retração. No entanto, deve ser levada em conta nesta análise a capacidade de retenção de água da mistura. Se a evaporação da água ocorrer de forma rápida imediatamente a argamassa experimentará uma redução de volume certamente com fissuração. Ao contrário, se a argamassa apresentar uma maior capacidade de reter a água empregada na sua produção, a redução de volume ocorrerá lentamente na medida em que a argamassa vai adquirindo resistência mecânica. Quando a resistência à tração da argamassa for superior ao esforço de tra ção determinado pela retração do material, não haverá ruptura, não haverá fissura­ção. Evidentemente que o fenômeno exposto estará condicionado a variáveis de difícil controle, tais como umidade rela tiva e a velocidade do ar durante o pro­cesso, além da temperatura ambiente e do substrato no momento da aplicação da argamassa. Assim, uma mesma argamassa poderá apresentar desempenho diferenciado em função dessas variáveis.

Voltando ao exemplo já citado, a argamassa de cimento e areia, mesmo que produzida com uma quantidade muito menor de água, será sempre mais propícia à fissuração por apresentar menor capacidade de retenção de água em função do tamanho dos grãos do material empregado como aglomerante. Fica clara a relação íntima entre tamanho de grão e capacidade de retenção de água. Como os grãos de cal são muito menores que os grãos de cimento, mesmo

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que argamassas que empreguem cal exijam uma quantida de de água maior em sua preparação sempre apresentarão maior capacidade de retenção de água, minimizando a probabilidade de ocorrerem fissuras oriundas de processos de retração, além de introduzirem características desejáveis às argamassas como um menor módulo de deformação, determinando maior capacidade de acomoda­ção frente aos esforços solicitantes gerados pelas movi mentações que sempre ocorrem em qualquer estrutura.

Existem outras maneiras de aumentar a capacidade de re tenção de água de uma mistura, sendo a incorporação intencional de ar às argamassas uma delas.

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9. DOSAGEM DE ARGAMASSAS MISTAS DE CIMENTO PORTLAND E CAL

A bibliografia existente sobre argamassas, incluindo aquela produzida pela ABPC – Associação Brasileira dos Produtores de Cal, sugere a utilização de traços específicos em função do empre go da argamassa sem, no entanto, orientar sobre procedimentos de dosagem que possam sugerir alterações nas proporções dos mate riais em função de suas características particulares. Ainda pior, nessas orientações de caráter geral não há qualquer informação sobre as características dos materiais a serem empregados. Esse fato faz com que arga-massas preparadas a partir de um mesmo proporcionamento possam apresentar desempenhos completamen te diferentes, até mesmo inadequados, podendo não atender às exigências mínimas requeridas para uma determinada utilização.

Em sendo considerados todos os tipos e classes de cimen to Portland previstos pela normalização brasileira vigente e conside rando ainda que um cimento de mesmo tipo e classe fabricado nas diferentes unidades industriais existentes em todo o território nacio nal possa apresentar características diver-sas, principalmente quan to ao aspecto de resistência mecânica, é possível es-perar significa tivas diferenças nas argamassas produzidas a partir de um mesmo proporcionamento. Assim, como exemplo, as diferenças a serem percebidas em argamassas produzidas a partir do emprego de cimentos do tipo V, de alta resis-tência inicial, e tipo IV, pozolânico, podem ser tão significativas quanto a diferença existente no de sempenho destes dois tipos de cimento.

Argamassas cuja composição considere além do cimento o emprego de cal terão igualmente suas características, principal mente no estado fresco, mais notadamente com relação à trabalha bilidade, condicionadas pela qualida-de da cal empregada. É consi deravelmente variável o desempenho das cales existentes no mer cado, principalmente com relação à plasticidade e à capaci-dade de incorporação de areia, o que interfere diretamente na trabalhabilida de,

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condicionando o traço e interferindo no custo final do material. Se ainda forem consideradas as alternativas apresentadas ao mercado de cales produzidas a partir da adição de materiais pozolânicos, chamadas pelos fabricantes de cales hidráulicas, é possível ser obtido um espectro imenso de possibilidades e com-binações que, de maneira alguma, pode ser representado por simplificações traduzidas pela apresentação de traços de caráter geral vinculados apenas à utilização da argamassa e, quando muito, a uma exigên cia superficial de desempenho.

Muita importância também deve ser dada ao agregado já que nas suges-tões de traços encontradas na bibliografia ou forne cidas por alguns fabricantes de cal ou de aditivos, há apenas refe rência a um tipo de areia média ou fina o que conduz a uma classi ficação muitíssimo ampla de vez que areias entendidas popularmente como médias ou finas podem apresentar composições granulomé-tricas em muito diferentes a ponto de alterar substancial mente o desempenho das argamassas com elas produzidas.

Quando a argamassa é empregada no assentamento de elementos de alvenaria portante, a resistência à compressão passa a ter maior importância, estando o atingimento da resistência espe cificada, vinculado à relação água/aglomerante e à densidade da mistura.

Principalmente em se tratando de argamassas de revesti mento, nas quais o desempenho está associado a características específicas do material no estado fresco, a condições visuais de acabamento e a condições de estabili-dade volumétrica, no que tange a processos de fissuração, a tarefa de dosagem torna-se extremamente difícil na medida em que deve compatibilizar os di versos aspectos em essência conflitantes.

Como na dosagem de concretos, na dosagem de argamas sas devem ser considerados aspectos subjetivos e objetivos. Esses mensuráveis como a resistência mecânica, aqueles estimados co mo a trabalhabilidade, sendo sempre o procedimento de dosagem um exercício em que deve haver a complementa-

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ção entre ciência e arte, dependendo fundamentalmente da experiência prática daque les que realizam a dosagem.

Assim os resultados de um estudo de dosagem devem ser considerados como pontos de partida, podendo haver a necessida de de corrigir o traço a partir da observação dos processos de pro dução da argamassa em obra e principal-mente das condições de aplicação, da qualidade da aplicação e da preparação do substrato. O conhecimento das características do clima da região, ou da épo-ca do ano de sua aplicação, deve igualmente ser considerado.

Essas afirmações sugerem que toda e qualquer argamassa deva ser objeto de um procedimento específico de dosagem base ado em ensaios de laboratório com-plementado pelas informações fornecidas pela observação de sua aplicação em obra, em fases de testes. A definição de um traço de argamassa não pode ser enten dida como o resultado de um procedimento estanque de dosagem em laboratório, mas como o desenvolvimento de um produto a par tir da interação entre laboratório e obra, teoria e prática e entre aspectos subjetivos e objetivos, para que possa ser garantido o bom desempenho dos sistemas de revestimentos ou do comporta mento estrutural de argamassas de assentamento, no caso de al venarias portantes.

No entanto, em função de os parâmetros que norteiam o estabelecimen-to das características das argamassas serem bastan te amplos ou de avaliação puramente subjetiva, é possível, para materiais similares, estabelecer propor-cionamentos que possam ser adotados de uma maneira geral, sendo os ajustes procedidos em obra diante das especificidades de cada conjunto de variáveis.

Infelizmente embora a argamassa seja um material muito antigo, seu estudo sempre foi relegado a um segundo plano, e ain da nos dias de hoje a co-munidade técnica carece de dados e pa râmetros de referência para o julgamento de sua qualidade.

Segundo informações de profissionais mais antigos, e al guma coisa ob-tida de publicações, quando a argamassa era produ zida em obra a partir da ex-

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tinção da cal, havia controle total sobre todas as etapas do processo, garantindo a qualidade do produto final dentro dos padrões intrínsecos do profissional que orientava a produção dessas argamassas. Muitas mudanças ocorreram ao lon-go do tempo, desde o abandono dos revestimentos em duas cama das, emboço e reboco, para a adoção de revestimentos de camada única, chamados à voz corrente simplesmente de rebocos, até a própria qualificação dos profissionais.

Pode também ser considerado como fator de mudança, a velocidade de exe-cução das tarefas e a forma de preparo das ar gamassas. A relação de trabalho na obra também foi alterada, sen do a maioria das tarefas hoje empreitadas, passando a ser mais importante a velocidade de sua execução em detrimento de aspec tos téc-nicos, o que determina que sejam feitas adequações dos traços empregados à nova exigência, comprometendo em muitos casos a qualidade do revestimento final.

O grande divisor de águas pode ser considerado o fato de a argamassa de cal e areia ter passado a ser produzida de uma for ma semi-industrializada. A inadequada extinção da cal, o emprego de materiais mais baratos e traços defi-nidos sem qualquer critério técnico determinaram uma sucessão de problemas nas obras, rela cionados principalmente com as argamassas de revestimento, ge-rando o aparecimento de inúmeras manifestações patológicas.

Como já referido anteriormente, neste estágio de coisas o mercado, re-presentado pelos consumidores de argamassa semi-industrializada, abriu-se a novas alternativas. Essas, bem emprega das, efetivamente podem ser entendidas como alternativas, no entanto, as argamassas obtidas a partir destes materiais alternati vos, introduzidos no mercado erroneamente como substitutos da cal, para serem competitivos no mercado são apresentadas muitas vezes em traços de baixo consumo de cimento, gerando argamas sas de baixa qualidade que não tardam a evidenciar novas patolo gias, criando custos adicionais ou prejuízos a partir da recuperação de revestimentos em obras já entregues.

No momento, observa-se uma penetração intensa de ar gamassas pron-tas, industrializadas, que são vendidas ensacadas com fácil armazenamento e

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com homogeneidade comprovada. Paralelamente, em função do preço destas argamassas, observa-se novamente o aumento do interesse na produção de ar-gamassas mistas de cimento e cal, em obra.

9.1. Desenvolvimento em laboratório

Neste item serão apresentados os princípios do método que a CIENTEC vem adotando para dosagem de argamassas, há alguns anos, com bastante su-cesso.

O que se apresenta a seguir é a descrição de um procedi mento que vem sendo adotado pela CIENTEC no proporcionamen to de misturas para assenta-mento de elementos de alvenaria e revestimento de muros e paredes. O produto deste trabalho é uma referência, um ponto de partida, um proporcionamento que deve ser otimizado na medida em que a argamassa vai sendo empregada em escala, na obra.

A obtenção de resultados, que podem ser considerados ex celentes, per-mite chamar este procedimento de “método de dosa gem”.

Evidentemente que o procedimento de dosagem de uma argamassa deve ser o mais completo possível, otimizando todas as características desejá-veis de uma argamassa no estado fresco e no estado endurecido. Como essas características são interdependen tes, a otimização de todas, simultaneamente, é praticamente im possível, sendo necessário estabelecer prioridades.

A observação dos revestimentos em argamassa de várias obras e conside-rando a expectativa explicitada por profissionais que executam diretamente o ser-viço de revestimento, permite con cluir ser, sem qualquer dúvida, o aspecto traba-lhabilidade muito importante, provavelmente por estar diretamente relacionado com produtividade. Paralelamente, a preocupação com a obtenção de revestimentos isentos de fissuras é sempre manifestada por aque les profissionais que demandam o serviço de dosagem prestado pela CIENTEC, já que atualmente é possível dizer

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ser esta a pato logia de maior incidência e que vem exigindo retrabalho, muitas ve-zes após a entrega do imóvel. Outros aspectos como esfarelamento com pulveru-lência e perda de aderência ao substrato com desplacamento são igualmente moti-vos de preocupação, mas, infelizmente, sempre após a manifestação do problema na obra, representando preocupação o ato de recuperar, de corrigir e não de evitar.

Em um processo de dosagem devem sempre ser levados em conta, como já enfatizado anteriormente, as condições gerais de aplicação, a habilidade de quem aplica, o clima da região onde está inserida a obra, o microclima do local de aplicação e as carac terísticas intrínsecas do substrato e de sua preparação. Por isso, uma argamassa bem dosada pode gerar revestimentos de diferen tes desempenhos, sendo o processo de dosagem um ponto de partida ou a minimi-zação da probabilidade de insucessos.

Diante do que foi exposto, fica evidente que os elementos norteadores de um processo de dosagem de argamassa determi nam um procedimento com forte conotação subjetiva.

A trabalhabilidade, como já referenciado anteriormente, es tará condicio-nada a aspectos culturais, relacionados com a experi ência própria de uma região transmitida dentro das obras pelos pedreiros, assim como a características dos materiais envolvidos, além evidentemente do substrato de aplicação e de sua prepara ção.

Quando é feita a opção pelo desenvolvimento de um pro cedimento racio-nal de dosagem, é necessário conhecer a natureza do substrato onde deverá ser aplicada a argamassa, suas condi ções de absorção de água, condições super-ficiais para o desenvol vimento da macroancoragem, que podem ser traduzidas pela confi guração superficial da peça, além de sua preparação, sendo este último um fator extremamente importante no caso dos revestimen tos.

Muitas vezes as características do microclima onde está in serida a obra determinam fatores de difícil controle, sendo o mais significativo aquele relacio-

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nado com a maior ou menor velocidade de evaporação da água de amassa-mento, determinando a instala ção de processos de retração intensos o suficiente para determinar o aparecimento de fissuras, não raramente exigindo adaptações nos traços originais. Para exemplificar é possível considerar, como constatado realmente, a diferença na velocidade do ar verificada nos primeiros pavimentos e em andares superiores em edifícios altos na medida em que o prédio começa a sobressair diante de outros prédios mais baixos no seu entorno.

Sendo as fissuras formações absolutamente indesejáveis e quase sem-pre inaceitáveis pelo usuário do imóvel, o processo de proporcionamento das argamassas deve sempre privilegiar a minimização da probabilidade de apareci-mento de fissuras por retração.

O que pode ser feito com o proporcionamento das arga massas em ní-vel de dosagem é estudar os materiais a serem em pregados e sua mistura de maneira a haver a menor demanda pos sível de água para uma trabalhabilidade adequada, sendo este o primeiro princípio básico do método referido.

Para tanto, a partir dos materiais colocados à disposição do laboratório, é definida a mistura que apresente a trabalhabilidade adequada com o menor consumo possível de água.

Como já visto anteriormente, o consumo de água está dire tamente ligado à superfície específica da argamassa definida pela superfície específica da mis-tura do agregado, areia, e do aglome rante. Desta maneira, é objetivo do processo de dosagem obter a argamassa com as características pretendidas a partir do menor consumo possível de pasta, ou seja, de mistura aglomerante e água, pois esta é a fase passível de experimentar redução de vo lume.

O volume de pasta de uma argamassa, em tese, deverá ser suficiente para preencher os vazios da areia, afastar seus grãos, permitindo a movimenta-ção relativa e a mobilidade da mistura. A pasta ainda deverá apresentar-se em um volume tal que garanta o envolvimento dos grãos, dotando a mistura de coe-

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são, e permita o bom acabamento após o desempeno. O objetivo sempre deverá visar à composição de um agregado com o menor volume de vazios possível o que normalmente é obtido pela mistura de areias com pondo um agregado de composição granulométrica o mais contínua possível. Em termos práticos deve--se obter uma mistura com a menor diferença possível entre massa específica e massa unitária.

A obtenção de um revestimento estável à umidade e às ações mecâ-nicas às quais estará submetido durante sua vida útil está diretamente ligado à resistência mecânica da argamassa, con sequentemente ao volume de pasta e à proporção entre cimento e cal.

Embora relegada historicamente a um segundo plano, a re sistência à compressão de uma argamassa de revestimento é, no entender do autor, de extrema importância, pois permitirá ser avali ada indiretamente a resistência à tração que esta argamassa apre sentará de extrema importância na medida em que o esforço de tração no ensaio de arrancamento deverá ser transmitido pela argamassa ao substrato de aplicação do revestimento.

Conforme a NBR 13281:2005, a resistência de aderência à tração de uma argamassa ao substrato deverá ser de 0,2 MPa ou 0,3 MPa, para revestimentos internos com aplicação de pintura no primeiro caso ou para revestimentos exter-nos ou substrato para assentamento de elementos cerâmicos no segundo caso.

A atual NBR 13279:2005 alterou radicalmente o método de ensaio para a determinação da resistência à compressão de arga massas para revestimento e introduziu o ensaio visando à determi nação da resistência à tração na flexão.

Como o conceito de resistência à compressão está relacio nado com o ensaio de corpos de prova cilíndricos de 5 cm de diâ metro e 10 cm de altura conforme indica a NBR 7215:1996, ainda não há experiência que relacione os resultados obtidos pelos dois métodos. Dessa maneira o método CIENTEC parte de valores observados em ensaios à compressão realizados em analogia à NBR

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7215:1996 e à NBR 7222:1994 para determinar a resistência à tração por com-pressão diametral.

Com muita frequência em ensaios realizados visando à de terminação da resistência de aderência à tração por arrancamento a argamassa rompe por tração com tensões inferiores ao valor mínimo estabelecido por norma para a resistência de aderência, ou seja, o valor da resistência de aderência não é ava-liado por que a argamassa não foi capaz de transmitir o esforço mínimo até a inter face com o substrato.

Sabe-se que em argamassas a resistência à tração por compressão dia-metral atinge algo como 10 a 15% da resistência à compressão. Assim, como base para cálculo, podemos admitir que uma argamassa de revestimento deva ter uma resistência à com pressão entre 2 MPa e 3 MPa dependendo do valor de resistência de aderência pretendido, aos sete dias de idade. Trata-se, por certo, de uma aproximação, mas uma referência útil ao processo de do sagem.

A referência é tomada aos sete dias de idade, já que argamas sas mis-tas de cimento e cal podem apresentar aos 28 dias de idade comportamentos diferentes daqueles esperados, principalmente com relação ao crescimento da resistência dos sete para os 28 dias de idade podendo, inclusive, em argamassas mais ricas em cal, ser verificada a perda de resistência o que pode indicar uma perturba ção no ensaio pelo uso de um corpo de prova inadequado.

É possível imaginar que o tamanho do corpo de prova em pregado nos dois ensaios contribua para a ocorrência desta anoma lia. Os corpos de prova cilíndricos adotados apresentam um grande volume se comparados com fi-nas camadas de argamassa aplica das sobre um substrato, em revestimentos. Considerando que a reação de carbonatação é causa de retração, a hipótese de que, em argamassas ricas em cal, a retração possa determinar um esta do de fissuração interna no corpo de prova responsável pela redu ção da resistência mecânica, não pode ser descartada. Por essa razão adota-se a resistência aos sete dias de idade como referência admitindo-se que o comportamento da arga-

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massa na parede seja em muito diferente daquele verificado nestes corpos de prova com 5 cm de diâmetro e 10 cm de altura.

Em resumo, o método de dosagem aqui abordado baseia-se na obten-ção de uma mistura com o menor volume de pasta pos sível, exigindo a menor quantidade de água possível para uma dada trabalhabilidade, e na verificação de uma resistência à tração suficiente para transmitir o esforço de tração à interface da arga massa com o substrato, podendo ser avaliada indiretamente pela resis-tência à compressão simples.

9.2. Exemplo de aplicação

Para exemplificar o método empregado pela CIENTEC, se rá apresen-tado um estudo já realizado cujo resultado é um traço de argamassa mista de cimento e cal que vem sendo reproduzido em obra possibilitando a execução de revestimentos de boa qualidade.

9.2.1. Materiais empregados no estudo

No presente exemplo como aglomerantes foram emprega dos um cimen-to pozolânico tipo CP IV, classe 32, por ser pratica mente o único tipo de cimento encontrado no varejo no estado do Rio Grande do Sul, e uma cal hidratada em pó do tipo CH II.

Considerando ser praticamente impossível encontrar uma areia na-tural com granulometria que dispense qualquer correção, foi adotada uma areia natural quartzosa, conhecida comercialmen te, como “areia média – do Rio Guaíba”, minerada indistintamente na bacia do rio Jacuí e seus afluentes e uma areia igualmente natu ral quartzosa, conhecida comercialmente como “areia fina – de Osório”, extraída de cavas no município de Osório no Rio Grande do Sul.

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Os materiais supracitados são largamente empregados na constru-ção civil e reconhecidamente de boa qualidade, tendo sido caracterizados no Laboratório de Materiais de Construção Civil da CIENTEC para a realização da dosagem, apresentando as caracte rísticas descritas a seguir.

9.2.2. Caracterização dos materiais empregados no estudo

9.2.2.1. Areias

9.2.2.1.1. Massa unitária e massa específica

A massa unitária das areias foi determinada segundo a NBR 7251:1982 e a massa específica, pelo método do picnômetro.

Os resultados obtidos estão apresentados no quadro que segue:

Material Massa unitária (kg/dm3)

Massa específica (kg/dm3)

Areia Fina Areia Média

1,45 1,50

2,63 2,63

9.2.2.1.2. Composição granulométrica

A composição granulométrica das areias foi determinada segundo a NBR NM 248:2003, tendo sido obtidos os resultados apresentados nos quadros que seguem:

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Areia fina

Peneiras(aberturas)

Massa retida (kg)

% em massaRetida Acumulada

4,75mm - - -2,36mm - - -1,18mm 0,001 0 0600 mm 0,002 0 0300 mm 0,042 4 4150 mm 0,855 86 90

< 150 mm 0,099 10 100-Total 0,999 100 94

Módulo de Finura 0,94Dimensão máxima característica 300 mm

Areia média

Peneiras(aberturas)

Massaretida(kg)

% em massaRetida Acumulada

4,75mm 0,011 1 1

2,36mm 0,034 3 4

1,18mm 0,076 8 12

600 mm 0,206 21 33

300 mm 0,463 46 79

150 mm 0,196 20 99

< 150 mm 0,013 1 100-

Total 0,999 100 228

Módulo de Finura 2,28

Dimensão máxima característica 2,36mm

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131 Conhecendo argamassa

9.2.2.1.3. Inchamento das areias

O coeficiente médio de inchamento das areias empregadas no estudo foi determinado de acordo com a NBR 6467:1987, sendo de 1,30 e 1,25 respectiva-mente para as areias média e fina.

9.2.2.2. Aglomerantes

9.2.2.2.1. Cimento Portland

Para caracterização do cimento Portland empregado no es tudo, foi re-alizado ensaio visando à determinação da resistência à compressão simples. A massa específica e a massa unitária foram determinadas em função de seu conhecimento ser indispensável para a transformação de traços de massa para volume e vice-versa.

Ensaio Método Resultado

Resistência à compressão NBR 7215:1996 Idade

(dias)

03 19,3 MPa

07 24,4 MPa

28 37,4 MPa

Massa específica NBR NM 23:2001 2,70 kg/dm3

Massa unitária Analogia à NBR 7251:1996 1,00 kg/dm3

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132 RECENA, Fernando Antonio Piazza

9.2.2.2.2 Cal

Ensaio Método Resultado

Estabilidade NBR 9205:2001

Ausência de protuberâncias e/ou pipocamentos.

Retenção deágua

NBR 9290:1996 94%

Incorporação de areia NBR9207:2000 1:4,5

Plasticidade NBR 9206:2003 304

Massaespecífica

NBR NM 23:2001 2,57 kg/dm3

Massa unitáriaAnalogia à

NBR 7251:1996

0,65 kg/dm3

9.3. Composição do agregado

A otimização do agregado passa necessariamente por um estudo visan-do a composição mais adequada de no mínimo duas areias, com vistas à ob-tenção de um agregado com a menor dife rença possível entre massa específica e massa unitária, de maneira a viabilizar a obtenção de um traço adequado à finalidade a que se destina com a menor quantidade possível de pasta.

Para a consecução deste objetivo, as areias empregadas são misturadas em várias proporções, sendo determinada a massa unitária de cada mistura. A melhor mistura é definida por aquele proporcionamento que apresentar a maior massa unitária medida diretamente já que areias quartzosas em geral apresen-tam massas específicas que, em termos práticos, podem ser consideradas iguais.

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133 Conhecendo argamassa

Se os agregados apresentarem naturezas mineralógicas diferentes, deverá ser calculada a massa unitária ponderada de cada mistura.

Desta maneira é possível obter um gráfico relacionando a massa unitária de cada mistura com a proporção de cada areia na mistura, apresentado em sequência.

A proporção de mistura das areias que conduziu à maior massa unitária matematicamente determinada foi de 40% de areia fina e, consequentemente, 60% de areia média. O valor referente à percentagem de areia fina que conduz à melhor mistura é aquele que anula a equação obtida pela derivação da equação de ajusta mento para o conjunto de pontos que compõem o gráfico.

Na prática, como existe no gráfico um patamar em que o valor da mas-sa unitária não experimenta alterações significativas, adota-se a proporção que define o início do patamar para que a mistura seja obtida com a menor percen-tagem da areia fina por conduzir, em tese, a um agregado de menor superfície específica que demandará menor quantidade de água. A definição do ponto de início deste patamar deverá ser feita adotando-se o mesmo pro cedimento gráfico usado na definição do coeficiente médio de inchamento de uma areia por ser a interpretação física de mesma natureza.

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Essa mistura é feita para conferir à argamassa uma melhor condição de acabamento a partir da obtenção de uma textura mais fina. O uso exclusivo desta areia fina, por sua elevada superfície específica, gera uma argamassa que, para ser dotada da trabalha bilidade requerida para sua aplicação em revestimen-tos, exige uma quantidade de água superior em até 50% àquela requerida por uma argamassa onde tenha sido empregada apenas a areia média. No entanto a substituição de uma parcela da areia média por areia fina torna mais contínua sua distribuição granulométrica, melhorando a trabalhabilidade e o acabamento final após o desempenamento.

A proporção mais adequada de substituição de areia média por fina deve ser confirmada empiricamente, por tentativas, a partir da reprodução de um traço de argamassa de cal e areia média, normalmente 1:3 em massa, onde a areia fina a substitui em percentagens variáveis e crescentes, envolvendo a percen-tagem teóri ca estabelecida previamente, pois seria contraditório ao princípio do método de dosagem aceitar uma proporção de mistura que condu zisse a um aumento na demanda de água. Como as misturas são preparadas com a mesma quantidade de água, a definição da pro porção ótima é feita com base na mistura que apresentar o mais elevado índice de consistência, medido de acordo com o recomen dado pela NBR 13276:1996, o que igualmente pode ser expresso na forma gráfica como apresentado a seguir.

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135 Conhecendo argamassa

Neste caso exemplificado, foi adotada uma proporção de mistura em que a areia fina representa 30% do agregado.

9.4. Definição do proporcionamento (traço) de melhor trabalhabilidade

O passo seguinte visa a determinar a proporção entre aglomerante e agregado que conduza à melhor trabalhabilidade. Para tanto são preparadas di-versas misturas de cal e a areia, já compostas conforme definido no item anterior, com as quais é de terminado o índice de consistência em analogia ao recomenda-do pela NBR 13276:1996. Todas as argamassas são preparadas rigo rosamente com a mesma quantidade de água de maneira que aquela que apresentar o mais elevado índice de consistência estará representando o melhor proporcionamento ou a mistura de melhor reologia, ou seja, a mistura que poderá ser obtida com a trabalhabi lidade requerida a partir do menor consumo de água.

O relacionamento entre o traço em massa da argamassa e o índice de consistência permite obter o gráfico apresentado em sequência a partir dos da-dos tabelados:

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Como adotado na definição da melhor proporção de mistu ra das duas areias, igualmente o traço a ser adotado como deter minante da melhor traba-lhabilidade será determinado pelo mesmo procedimento, definindo um patamar em que a trabalhabilidade, avaliada pelo índice de consistência, pode ser con-siderada cons tante. O traço que define o início do patamar de constância será considerado o de melhor rendimento. Essa determinação sempre conduzirá a um traço rico em pasta permitindo ser obtida uma superfície lisa e de bom aca-bamento para o revestimento. O aparente excesso de pasta é importante para que pequenas variações na composição granulométrica das areias possam ser absorvidas sem comprometimento da trabalhabilidade da argamassa. Da mesma maneira imprecisões oriundas dos arredondamentos e simplifica ções decorren-tes da transformação do traço de massa para volume e sua adaptação às condi-ções de obra serão absorvidas pelo volu me de pasta que num primeiro momento poderá ser considerado excessivo.

Neste momento deverá ser feita uma avaliação subjetiva da argamas-sa obtida com vistas a identificar alguma deficiência visível com relação à co-esão e ao acabamento pretendido, que indireta mente estarão representando a trabalhabilidade. Esta atividade deverá ser desenvolvida por uma pessoa com significativa experi ência em argamassas em condições de aproximar o material em estudo tanto quanto possível do aspecto que deverá apresentar em obra. Posteriormente, em obra, a mesma avaliação deverá ser feita, aí consideran-do uma escala de produção diferente, com os materi ais dosados em volume e respeitando, dentro do limite técnico acei tável, a opinião do profissional que re-almente empregará o material. Deve ser considerado ainda que, na obtenção do traço definitivo, parte da cal será substituída por cimento, devendo ocorrer com isso perda de coesão além de diminuição na capacidade de retenção de água. A definição do traço final deverá então prever o emprego de um traço que permita uma maior folga no parâmetro trabalhabilida de para absorver as variações pre-vistas. No presente caso a conti nuidade do estudo deverá ocorrer com a adoção do traço 1:5, em massa.

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9.5 Definição do proporcionamento (traço) final

Conhecido o traço entre cal e areia, determinado a partir do gráfico cons-truído experimentalmente, é feita substituição de cal por cimento Portland em no mínimo três proporções, determinando três traços diferentes.

Uma primeira alternativa consiste, em continuidade ao tra balho de labo-ratório, na moldagem de corpos de prova cilíndricos com 5 cm de diâmetro e 10 cm de altura, para serem ensaiados à compressão aos sete e 28 dias de idade e, à tração por compressão diametral, aos 28 dias de idade. O ensaio com 28 dias de idade pode ser realizado como elemento balizador, até porque os valores obtidos podem apresentar distorções, pelas razões já citadas ante riormente, prin-cipalmente em argamassas mais ricas em cal. O ensaio de tração por compres-são diametral, embora seja impor tante, deve ser realizado com muito cuidado, apenas se o equipa mento empregado possuir precisão compatível com o nível de re sistência esperado, já que os valores esperados são sempre muito baixos.

Por outro lado, argamassas empregadas em revestimentos representam apenas um elemento de um sistema que sempre deve ser avaliado de uma forma ampla e preferencialmente após sua aplicação em paredes teste, a fim de per-mitir igualmente a avalia ção de aspectos subjetivos como a qualificação da mão de obra.

O outro caminho, que pode ser seguido paralelamente ao desenvolvi-mento em laboratório, parte da reprodução das mesmas argamassas em obra com a supervisão do laboratório e emprega das no revestimento de painéis-teste sobre alvenaria já executada, onde poderão igualmente ser variadas as condi-ções de preparação do substrato para definição do melhor procedimento de pre-paração. Após os 28 dias de idade, a argamassa empregada nos diferentes pai-néis é submetida ao ensaio visando à determinação da resistên cia de aderência à tração cujos resultados associados àqueles obti dos em laboratório permitirão definir o traço a ser empregado.

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Durante a aplicação das argamassas em obra no revesti mento dos pai-néis-teste, são observados os aspectos subjetivos mencionados, assim como a trabalhabilidade, o rendimento e a estabilidade de volume em relação às condições climáticas no mo mento da execução do serviço, sempre levando em consideração as observações do profissional designado para a consecução da tarefa.

A definição do traço a ser empregado é feita com o auxílio de gráficos que relacionam os parâmetros quantificados nos ensai os realizados apenas com a quantidade de cimento empregada em substituição à cal na preparação de cada uma das argamassas consideradas, já que, para uma mesma trabalhabi-lidade, a quanti dade de água sobre o total de materiais secos não deve variar sig nificativamente.

Durante a execução das argamassas em obra, podem ser moldados corpos de prova para a execução dos ensaios de contro le, embora a definição do traço deverá ser baseada fundamental mente nos resultados do ensaio de aderência admitindo-se estarem absorvidas as variações inerentes ao processo de produção e aos cuidados despendidos à preparação da argamassa, inerentes àque la obra.

Em regiões onde os materiais apresentam pouca variação com relação a seus parâmetros físicos e mecânicos, como é o caso da Grande Porto Alegre em que é consumida a areia conhecida como areia do Guaíba, observa-se uma certa constância nos traços determinados, variando a quantidade de areia em volume, entre três e cinco vezes a quantidade de aglomerante. A proporção entre cimento Portland e cal vai depender novamente da finalidade da argamassa e da qualidade tanto do cimento Portland empregado como da cal. Em função do bai-xo rendimento verificado nos cimentos comercializados no varejo, em sacos, não raramente para se rem atingidos os parâmetros de resistência quantificados em norma é necessário empregar cimento Portland em quantidade superior a de cal.

Embora a bibliografia faça sempre referência a traços de argamassas mistas de cimento e cal proporcionados em volume, o trabalho em laboratório

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139 Conhecendo argamassa

é feito a partir de proporcionamentos em massa. Evidentemente que, em obra, os traços são convertidos para volume, facilitando sua reprodução, mas sempre gerando al guma alteração por conta dos sucessivos arredondamentos no cálculo e simplificações feitas para não dificultar as operações de produção.

No presente exemplo, considerando o traço em massa de 1:5 de cal e areia, admitido como próprio para o propósito desejado, foram calculados três traços em massa com diferentes percentagens de substituição de cal por cimento Portland, obtendo-se:

Traços desdobrados em massa.

Traço-base Traços desdobrados Traços desdobrados unitáriosCal Agrega do Cimento Cal Areia Cimento Cal Agrega do

1,00 5,000,30 0,70 5,00 1,00 2,33 16,670,50 0,50 5,00 1,00 1,00 10,000,70 0,30 5,00 1,00 0,43 7,14

Com os três traços foram moldados corpos de prova para serem subme-tidos a ensaios para a determinação da resistência à compressão e da resistên-cia à tração por compressão diametral.

Se os traços são reproduzidos diretamente na obra, com a eliminação da etapa de laboratório, tomando-se o procedimento simplificado, são aguardados 28 dias e então é realizado o ensaio para a verificação da resistência de aderên-cia que definirá um traço mais indicado para a produção diretamente sobre os painéis-teste. A adoção do trabalho diretamente em obra, em função do propor-cionamento em volume, pode conduzir a algumas distorções, difi cultando a defi-nição do traço a ser empregado, o que poderia ser evitado com o conhecimento do desempenho das argamassas em laboratório.

Os resultados obtidos estão apresentados no quadro que segue, com a indicação dos traços com a composição das areias:

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Resultados dos ensaios.

Traço em massaa/agl a/c H

(%)

Resistência (MPa)Compressão Tração

Cimento Cal Areia fina

Areia média 7 dias 28 dias 28 dias

1,00 2,33 4,17 12,51 1,12 3,74 18,7 1,04 1,15 0,091,00 1,00 2,50 7,50 1,08 2,16 18,0 2,32 2,63 0,211,00 0,43 1,79 5,37 0,99 1,42 16,6 4,51 5,41 0,40

A análise dos resultados obtidos permite algumas observa ções.

A percentagem de água sobre o total de materiais secos decresce leve-mente com o aumento da quantidade de cimento Portland na mistura, à medida que a superfície específica da mistura vai sendo reduzida pela substituição em massa de um ma terial mais fino por outro menos fino. Em tese, quanto menos água maior a estabilidade de volume da argamassa.

É nítida a relação entre a resistência mecânica e a relação água/cimento, conduzindo à conclusão de que a resistência mecâ nica está diretamente liga-da ao teor de cimento Portland na mistu ra. Apesar desta evidência, a dosagem deve ser procedida por aspectos de praticidade através da proporção de cimento Portland na mistura aglomerante representada pelo gráfico a seguir apresen tado.

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141 Conhecendo argamassa

A resistência à tração pode ser estimada com certa segu rança se a es-timativa for feita considerando que possa representar algo em torno de 8% da resistência à compressão.

Assim, para a obtenção de uma resistência média à tração de 0,3 MPa, deverá ser pretendida uma resistência média à com pressão de 3,75 MPa que corresponde a uma percentagem de cimento Portland na mistura aglomerante de aproximadamente 60%.

Desta maneira o traço em massa da argamassa será:

Traço em massaResistência estimada (MPa)

a/agl a/c H(%) Compressão Tração

Cimento Cal Areia fina

Areia média 28 dias 28 dias

1,00 0,67 2,50 5,85 1,08 1,80 18,0 3,75 0,3

9.6. Transformação do proporcionamento (traço) de massa para volume

A transformação de um traço de massa para volume é feita mediante a divisão do valor em massa pela massa unitária de cada material devendo ser considerado o inchamento da areia já que esta, em obra, sempre apresentará umidade. Assim tem-se:

Material TraçoMassa Volume

Cimento 1,00 1,00Cal 0,67 1,03

Areia fina 2,50 2,16Areia média 5,85 5,07

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Observa-se que o traço final em volume é de uma parte de aglomerante para 3,56 partes de areia úmida.

9.7. Dosagem em obra

Após a transposição do traço calculado em massa no labo ratório para volume, a correta reprodução em obra deverá ser feita a partir do dimensiona-mento de caixas que deverão ser emprega das na alimentação do misturador.

Como a cal é comercializada em sacos de 20 kg, é possível colocar na betoneira um saco de cal por operação. Como o volume de cal correspondente a 20 kg é de aproximadamente 31 dm3, man tido a proporção entre os materiais, representada pelo traço unitá rio, será obtido um volume de cimento de 30 dm3, um volume de areia fina de 67 dm3 e 160 dm3 de areia média, ambas considera-das com umidade estimada em 4%. O traço em volume calculado a partir de um saco de 20 kg de cal será:

Materiais (dm3)

Cimento Cal Areia fina

Areia média

30 31 67 160

9.7.1. Dimensionamento das caixas

Por comodidade, uma caixa não deverá apresentar dimen sões maiores do que 30 a 40 cm em sua seção transversal, por compatibilidade com o diâme-tro da boca das betoneiras normal mente empregadas em obras, sendo a seção transversal da caixa dosadora de 12 dm2. Então:

- Cálculo da altura das caixas.

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143 Conhecendo argamassa

Cimento:

Areia fina:

Areia média:

Uma caixa não deverá pesar mais do que 40 kg para não dificultar a operação de carregamento do misturador e não exigir um esforço físico dema-siado grande dos trabalhadores. Esta massa de 40 kg corresponde a um volume de areia de aproximadamente 27 dm3 o que define o número de caixas de cada material em fun ção da altura. O proporcionamento será procedido então:

Material N° de caixas Altura da caixaCimento 01 25 cm

Cal 01 saco -Areia fina 02 28 cm

Areia média 05 27 cm

A água a ser empregada na produção da argamassa será aquela corres-pondente a 18% em massa sobre o total de materiais secos subtraída da quanti-dade de água trazida com a areia, esti mada em 4% sobre a massa total de areia. A partir do traço em volume é possível estimar estar sendo empregada uma mas-sa de argamassa de aproximadamente 300kg, correspondendo a essa massa um volume de água de 54 dm3. Como a massa de areia é de aproximadamente 250 kg, a massa de água incorporada à arga massa por conta da umidade da areia é de 10 dm3, devendo ser adicionados ao material, na betoneira, 44 dm3 de água.

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144 RECENA, Fernando Antonio Piazza

Obs.: O emprego da cal hidratada em pó diretamente na betonei ra tem se mostrado prática perfeitamente aplicável haja vista o tempo de adoção desta alternativa sem nenhum registro de patologias causadas por hidratação retardada da cal. Deve ser considerado ainda o grande volume de argamassas industrializadas compostas com cal, produzido e aplicado em obras sem registro deste tipo particular de manifestação patológica.

A necessidade de complementar a hidratação de cales antes de seu emprego em argamassas inviabilizaria o processo por demandar duas operações de mistura, uma na produção da argamassa intermediá ria e outra na produção da argamassa definitiva, após a adição do cimen to.

Acredita-se que a técnica assim empregada pode de certa forma subutilizar a cal na medida em que um tempo maior para a dissolução dos grãos de cal permitiria uma maior plasticidade.

Resta ainda calcular o consumo de materiais necessários para a produ-ção de um (01) m3 de argamassa. Este cálculo, fun damental para a composição de custos, deve ser feito a partir do traço em massa da argamassa.

Se o traço unitário em massa for expresso a partir de 1 kg de cimento, 1 m3 de argamassa será obtido a partir da reprodução de um determinado número de vezes desse traço de referência, devendo ser conhecido para tanto o volume de um traço unitário a ser obtido pela soma dos volumes absolutos dos compo-nentes da argamassa, proporcionados a partir de 1 kg de cimento.

Assim, o volume do traço unitário será a soma do volume absoluto do cimento, do volume absoluto da cal, do volume absolu to da areia e da água, devendo ser considerado ainda o volume ocupado pelo ar sempre aprisionado durante o processo de mistura de uma argamassa. O volume absoluto de um material, ou seja, a soma do volume de todos os grãos que compõem o material, é obtido dividindo a massa do material por sua massa específica.

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145 Conhecendo argamassa

A quantidade de água para a obtenção de uma argamassa trabalhável foi estimada em 18% sobre o total de materiais secos correspondendo, em relação ao traço unitário, a uma relação água/cimento de 1,80.

Assim tem-se, para o volume do traço unitário, consideran do 7% de ar aprisionado:

O volume unitário é aumentado em 7% considerando este valor como correspondente ao volume de ar aprisionado.

O número de reproduções deste traço para a composição de 1 m3 será obtido dividindo 1.000 dm3 pelo volume do traço unitá rio. Como o traço unitário refere-se a 1 kg de cimento, o número de reproduções deste traço determinará a massa em kg de cimento a ser despendida. Sendo “C” o consumo de cimento por m3, obtém-se:

Expressando os demais materiais em função do cimento é possível de-terminar seu consumo por m3 de argamassa.

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146 RECENA, Fernando Antonio Piazza

Como a areia é adquirida no mercado em volume, a trans formação de massa de areia seca em volume de areia com umida de será dada pela divisão da massa de areia por sua massa unitá ria e pelo produto deste volume pelo coe-ficiente médio de inchamento.

Considerando que, em obra, as condições de armazenagem nem sem-pre são as melhores, considerando que sempre ocorrem perdas quando se traba-lha com argamassa, alguns arredondamen tos para cima são feitos para o cálculo da quantidade de material a ser empregado em uma obra.

Uma dosagem tanto de concreto como de argamassa deve ser consi-derada sempre como um ponto de partida sendo sempre passível de correções e adaptações com o intuito de ser obtido sempre um material mais próprio para as tarefas propostas. Não raro essas adaptações são significativas, mas nunca deverão ser introduzidas se houver aumento na demanda de água, já que o prin-cípio deste “Método CIENTEC de Dosagem de Argamassa” reside exatamente na pesquisa de um proporcionamento que exija a menor quantidade de água possível para garantir a trabalhabilidade desejada com garantia de atingimento das características físico-mecânicas especificadas.

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10. SUGESTÃO DE TRAÇOS

A opção pela dosagem experimental de argamassas é justi ficável pela garantia de obtenção de um material otimizado que, sendo empregado adequa-damente, minimizará a probabilidade de ocorrerem imperfeições ou defeitos, principalmente em revestimen tos, condição desejável em qualquer obra. No en-tanto, o custo de um trabalho desta natureza por vezes se torna muito elevado em relação ao valor global da obra, conduzindo a adoção de alternati vas mais econômicas, mas nem sempre a melhor solução técnica.

Para uma empresa que desenvolve suas atividades na construção ci-vil em uma mesma região, onde sempre será possível encontrar os mesmos materiais, a realização de uma dosagem experimental é interessante e viável economicamente na medida em que o traço calculado poderá ser reproduzido em qualquer obra desde que sejam empregados os mesmos materiais com os quais foi realizado o estudo. O investimento será diluído no grande volu me de argamassa produzido para o atendimento de todas as obras.

Mesmo em obras de pequeno vulto, os problemas advindos do emprego de argamassas inadequadas, principalmente em reves timentos, podem ter re-percussão negativa, podendo gerar prejuízos além dos sempre desagradáveis desgastes pessoais.

Em obras de pequeno porte é comum o emprego de arga massas mistas, nem sempre corretamente dosadas, que serão empregadas na combinação com cimento Portland para a obtenção das argamassas finais segundo uma propor-ção definida subjetiva mente por um mestre de obras ou o próprio pedreiro, sendo o resul tado, via de regra, uma incógnita.

Para que não sejam adotadas soluções inadequadas com prejuízo para a qualidade final da edificação, quando não é feita uma dosagem experimental, é

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148 RECENA, Fernando Antonio Piazza

possível dispor de traços tipo “guar da-chuva” que podem ser empregados como ponto de partida para a definição dos traços definitivos. Esta situação pode ser vivenciada por um grande número de profissionais que desempenha suas ati-vidades em de obras de pequeno porte, em geral com orçamentos apertados.

Como já visto e justificado, traços em volume da ordem de uma parte de aglomerante para três partes de agregado geram sempre argamassas de cheias a gordas como se admite serem adequadas ao uso.

Publicações da ABPC (Associação Brasileira de Produto res de Cal) igualmente sugerem traços de argamassas mistas de cimento Portland e cal em proporções, em volume, sempre de uma parte de aglomerante para três partes de agregado.

Normas britânicas especificam traços de argamassas par tindo dessa mesma proporção de uma parte de aglomerante para três partes de agregado, em volume. A bem da verdade é preciso imaginar que uma comunidade como a Grã-Bretanha deva dispor, por seu tamanho, de materiais bastante homogêneos a ponto de especificar em norma traços a serem seguidos na produção de arga-massas.

Diante da experiência adquirida nas diversas dosagens de argamassa realizadas no Laboratório de Materiais de Construção Civil da CIENTEC, é pos-sível recomendar três traços que poderão ser o ponto de partida para a produção de argamassas em obras. Deve ser feita a ressalva de que os materiais a serem empregados deverão sempre ser de boa qualidade. O emprego de materiais em desacordo com as normas vigentes poderá conduzir à obtenção de argamassas com características diferentes daquelas almejadas.

Os traços que podem ser sugeridos, sempre como um pon to de partida, estão apresentados no quadro que segue, conside rando o emprego de areia úmi-da, ou seja, com um teor de umidade superior à umidade crítica, normalmente, acima de 3%:

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149 Conhecendo argamassa

Material TraçoCimento Portland classe 32

Cal hidrata-da tipo CH II,

em pó

Areia fina de Osório

-RS

Areia média de Porto Alegre - RS

Traço em volume

Forte 1 0,5 1,4 3,1Médio 1 1 1,8 4,2Fraco 1 2 2,7 6,3

Obs.: a) A areia fina de Osório, por ser obtida de cavas, apresen ta grande regularidade em suas características sendo possível supor como módulo de finu-ra um valor que se situa entre 0,90 e 1,10 e uma dimensão máxima característica de 300 mm.

b) A areia média pode ser encontrada na forma bruta ou benefi ciada por peneiramento. Em geral o módulo de finura estará compreendi do entre 2,00 e 2,40, sendo a dimensão máxima esperada situada entre 1,18 mm e 2,36 mm.

O traço forte deverá ser empregado em locais onde é espe rada a presen-ça de umidade, como em cozinhas e banheiros, ou na execução do emboço para a posterior aplicação de revestimentos cerâmicos.

O traço médio poderá ser empregado em revestimentos ex ternos e o traço fraco será sempre mais indicado para a argamassa de assentamento de elementos de alvenaria e no revestimento interno.

A aplicação de revestimentos cerâmicos em grandes ex tensões de fa-chada deverá sempre ser objeto de um estudo particularizado, obedecer a um projeto específico e ter sua execução monitorada, em cada etapa, por ensaios que possam atestar o atingimento de padrões estabelecidos por norma, tanto para a resistên cia da argamassa como para a aderência entre as diversas cama-das que compõem o sistema.

A reprodução dos proporcionamentos apresentados, para aplicação em obra, deverá ser feita sendo tomado como unidade de referência o volume de um

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saco de 20 kg de cal hidratada. Como a massa unitária da cal pode apresentar variações, inclusive em fun ção de sua elevada finura, é recomendável a medição direta, em obra, do volume ocupado por um saco de cal. O saco de cal deverá ser aberto e despejado em uma caixa sem nenhuma operação de adensamento, apenas sendo nivelada a superfície do material para permitir a medição de sua altura dentro da caixa. A altura medida será a referência para o cálculo da altura da caixa a ser empregada na dosagem do cimento e das caixas a serem empre-gadas na do sagem das areias, lembrando que, por corresponder a um volume muito maior, as areias acabam por ser dosadas em mais de uma caixa.

Como exemplo, podemos tomar o traço médio, que trans formado para a referência fornecida pelo volume de um saco de cal, considerando os parâmetros apresentados no item 9.3.2.2, e caixas com seção transversal de (30 x 40) cm, será:

- volume de um saco de cal:

- altura da caixa de cimento:

- altura da caixa de areia fina:

ou duas caixas com altura de 25 cm.

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- altura da caixa de areia média:

ou quatro caixas com 29 cm de altura.

A partir desse exemplo é possível expressar os traços su geridos como segue, considerando caixas com seção transversal de (30x40) cm:

Material Traço Cimento Portland CP IV, classe 32

Cal hidrata da tipo CH II,

em póAreia fina de Osório - RS

Areia mé dia de Porto Alegre - RS

Traçoem

volume

Forte 2 cx h = 28 cm

1 saco de 20kg

3 cx h = 31 cm

6 cx h = 34 cm

Médio 1 cx h = 28 cm

1 saco de 20kg

2 cx h = 25 cm

4 cx h = 29 cm

Fraco 1 cx h = 14cm

1 saco de 20kg

2 cx h = 22 cm

4 cx h = 26 cm

Como os traços apresentados são sugestões, poderão es tar apresentan-do consumos de cimento e cal mais elevados do que aqueles a serem obtidos em dosagens experimentais, mas, desde que sendo empregados materiais de boa qualidade, apresentarão resultados que não irão comprometer a qualidade das argamassas com eles produzidas.

Segundo Duarte, há orientação nos EUA para o emprego de argamassas em que o volume de agregado corresponda ao triplo do volume de aglomerante, correspondendo a misturas de traço em volume 1:3.

Os vários traços recomendados são identificados pela pa lavra “M a S o N w O r K”, que corresponderia em português a “tra balho do pedreiro” aproxima-damente, onde as letras grafadas em caixa alta identificam os traços sugeridos, apresentados a seguir:

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Traços em volume

Identificação Cimento Cal Areia

M 1 ¼ 3 ½

S 1 ½ 4 ½

N 1 1 6

O 1 2 9

K 1 3 12

Embora esses traços sejam sugeridos para a preparação de argamas-sas a serem empregadas no assentamento de elemen tos de alvenaria, podem também servir como ponto de partida para a obtenção de argamassas de boa qualidade. Considerando a qua lidade dos materiais encontrados no nosso meio deve ser feita a recomendação para que, da tabela apresentada, sejam usados em revestimentos os traços relativos às letras S, N e O.

Cabe novamente a mesma observação feita anteriormente com relação à não indicação das características dos materiais a serem empregados, devendo ser levadas em consideração as dife renças que podem ser esperadas no desempe-nho de cada arga massa em função de alterações na qualidade dos aglomerantes e principalmente na demanda de água determinada pela superfície específica da areia, sempre tendo em mente que a instalação de processos de fissuração sempre deverá ser vista como um indício de que algo não corre bem, devendo o trabalho ser interrompido para reavaliação do traço empregado. Areias de baixo módulo de finura como aquelas provenientes de Osório-RS, já apresentadas anteriormente não deverão nunca ser empregadas isoladamente na produção de argamassas de revestimento pela elevada demanda de água o que conduzirá a uma imensa-mente maior predisposição à fissuração. É possível ser realizada a mistura de uma areia média com uma areia fina, o que poderá melhorar em muito a reologia da argamassa, como visto durante a exposição do “Método CIENTEC de Dosagem de Argamassa”, no entanto percentagens de areia fina superiores a 20% sobre o agregado total poderão já estar aumen tando a demanda de água, não sendo aconselháveis.

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Ensaios de controle, principalmente com relação à determi nação da re-sistência de aderência, devem ser sempre realizados, independente do traço em-pregado ou da forma como foi obtido.

Uma verificação expedita, cujo resultado é avaliado de for ma absolu-tamente subjetiva, mas que pode sugerir algo sobre a qualidade da argamassa executada consiste na passagem de um prego sobre a superfície da argamassa para observação do “risco” produzido. Sempre que, com facilidade, a ponta do prego ou de outro elemento contundente qualquer, produzir um sulco mensurá-vel na argamassa deve ser questionada sua resistência mecânica e, por con-seguinte, sua qualidade como um todo, principalmente se puder ser observada na superfície do revestimento a presença de fissuras. Para a sugestão de boa qualidade a marca deixada pelo objeto contundente deverá ser necessariamente superficial.

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11. DANOS MAIS COMUNS EM SISTEMAS DE REVESTIMENTOS

O assunto a ser abordado nesse capítulo por sua importân cia e ampli-tude bem poderia fornecer material para uma outra pu blicação específica, no entanto, nenhum trabalho versando sobre argamassas estaria completo sem que o tema tivesse ao menos uma observação.

Impressiona de forma contundente a quantidade de vistori as e perí-cias realizadas pelo Laboratório de Materiais de Constru ção Civil da CIENTEC em edificações que apresentam danos em sistemas de revestimentos re-presentados por desplacamentos par ciais de revestimentos de fachadas em elementos cerâmicos, esfarelamento com pulverulência das argamassas em-pregadas e in tensos processos de fissuração causados pela retração das arga massas.

Dependendo da magnitude das manifestações patológicas os problemas podem variar entre a depreciação dos imóveis por desmerecimento da estética das fachadas, o comprometimento da estanqueidade do envelope da edificação, gerando danos nos pa ramentos internos das paredes externas e, ainda, a ocor-rência de sérios incidentes que podem colocar em risco não só o patrimônio material como também a integridade física de pessoas.

Os danos mais observados podem ser mais frequentemen te relaciona-dos com:

• a qualidade dos materiais empregados;

• a dosagem das argamassas ou seu uso inadequado;

• a inadequada concepção, deficiência ou ausência de projetos de re-vestimentos;

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• a qualidade da execução, falta ou deficiência na fisca lização;

• a falta de manutenção.

Como citado anteriormente, mesmo sendo o assunto amplo e de grande complexidade, algumas considerações de caráter geral e de cunho informativo serão apresentadas referentes àqueles te mas de maior relevância.

11.1. Danos relacionados com a qualidade dos materiais

As considerações feitas anteriormente no corpo dessa obra, pratica-mente informam o suficiente sobre danos causados por processos de expansão, oriundos da hidratação retardada de cales ou pela formação de produtos de cor-rosão de minerais que apre sentem ferro em sua composição como a pirita.

Estendendo o assunto que trata de contaminação dos agregados é pos-sível fazer uma classificação dos elementos contaminantes mais comumente en-contrados, conforme sua forma de atuação.

Simplificadamente é possível considerar que os contaminantes terão sua ação baseada em fenômenos de caráter físico ou químico. Diz-se simplifi-cadamente, pois é sabido que esses contaminantes sempre terão uma ação que envolve os dois aspectos, químico e físico, sendo, então, a classificação feita em função da ação de maior intensidade.

A ação física de um contaminante sobre uma argamassa pode ser repre-sentada pela redução da seção resistente ou pelo aumento na demanda de água. A redução da seção resistente ge nericamente ocorrerá em função da presença de partículas friáveis, torrões de argila ou fragmentos de material orgânico como folhas e gravetos. Paralelamente a essa ação clássica deve ser considerado tam-bém o possível comprometimento estético caso esses materiais contaminantes venham até a superfície dos revestimentos. O au mento na demanda de água é um efeito típico dos materiais finos que passam na peneira de 75mm de abertura

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de malha, por lava gem, conhecidos como materiais pulverulentos. É determinado pela elevada superfície específica desses materiais, em geral siltes e argilas, e ocasionam sempre a diminuição da resistência mecânica da argamassa com aumento da probabilidade de ocorrerem pro cessos de retração com fissuração. Quando esses finos apresen tam-se aglutinados em torrões podem não ser es-magados no pro cesso de mistura e vão ter ao revestimento. Com o tempo, esses grumos absorvem umidade e aumentam de volume, causando o aparecimento de bolhas nos revestimentos, que em seguida evolu em para vesículas. Em reves-timentos externos, a incidência direta da água promove a lavagem do material e o aparecimento de man chas de coloração característica na parede, inclusive na forma de escorrimentos.

A ação química pode ser representada pela interferência di reta nas rea-ções de hidratação do cimento Portland, alterando o tempo de início de pega e a velocidade de endurecimento, ou indi retamente causando alterações no compor-tamento da argamassa pela alteração do pH da pasta mais notadamente quando for em pregado apenas cimento Portland como aglomerante. Sais solúveis pode-rão ser lixiviados formando eflorescências ou criptoflorescências destruindo a ar-gamassa e/ou os elementos da alvenaria. Como exemplo, podem ser citados os cloretos como principais responsá veis na alteração do tempo de início de pega, e os compostos de sódio e potássio na formação dos vários tipos de eflorescên-cias, assim como nitritos e nitratos. A matéria orgânica, em argamassas onde o aglomerante é apenas o cimento Portland, por apresentar-se na forma de ácido húmico, reduz o pH da pasta, retardando o tempo de início de pega e prejudican-do o desenvolvimento da resis tência no período inicial, embora a resistência final possa atingir um nível mais elevado. Uma fina película de material orgânico ade-rido sobre a superfície dos grãos reduzirá a eficiência da ligação pasta/agregado, independente do aglomerante empregado, associando à ação química outra de natureza física representada por esse efei to de impedimento da ligação pasta/agregado.

Além das contaminações com origem na própria jazida, é ainda necessá-rio destacar outras que ocorrem na obra, decorrentes de depósitos de agregados

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mal planejados que permitem a mistura com britas, outros tipos de areia e os mais variados resíduos. Não raro em obra é possível observar a contaminação de areias a se rem empregadas na produção de argamassas, ou até mesmo de arga-massas intermediárias, por impurezas como caliça, fragmentos de argamassas já endurecidas, cavacos de madeira, cacos de ce râmica vermelha e tantos outros. A areia a ser empregada na pro dução das argamassas deve receber cuidados es-peciais para que seja evitada qualquer possibilidade de contaminação. A correta estocagem, inclusive com cobertura de proteção, é fundamental para a garantia da integridade do material.

A preocupação com o meio ambiente tem criado restrições à explora-ção de jazidas no leito de rios naquelas regiões consagra das pela obtenção de materiais de boa qualidade, obrigando a ex ploração de areias em locais alter-nativos, muitas vezes sendo obti dos agregados com características e qualidade diferentes daquelas internalizadas ao longo do tempo, tidas como adequadas, impedin do que muitas alterações importantes decorrentes dessas altera ções se-jam percebidas.

11.2. Danos relacionados com a dosagem ou uso inade-quado das argamassas

Embora já citado anteriormente, convém repetir como ação didática e por sua importância, que, em se tratando de argamassas intermediárias de cal e areia, o transporte realizado inadequada mente em caminhões tombadeira pode ser responsável pela segre gação que sempre ocorrerá se for empregada uma quantidade excessiva de água em sua produção. Essa quantidade excessiva de água é por vezes deliberadamente adicionada às argamassas por facilitar sua mistura, demandando um tempo menor para essa operação, e por aumentar o volume, o que não pode deixar de ser considerado em última análise como uma adulteração do produto. Por ação da gravidade, quanto mais plástica for a mistu-ra, tanto maior será a tendência da areia em deslocar-se para o fundo da caçam-ba num processo de sedimentação que determinará a segre gação do material

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com a concentração da pasta de cal na parte superior da carga. Além de causar o normalmente não punido in conveniente de derramamento da pasta de cal ou mesmo da arga massa na via pública, ao longo do trajeto, favorece a separação de grandes quantidades de pasta no basculamento da carga na obra. A pasta de cal, mais fluida, disposta em cima da carga, escorre primeiro, separando-se do restante da argamassa, restando, após a descarga, uma argamassa que poderá ser muito pobre em cal.

Nessas condições, segregada e pobre em cal, a argamassa apresentará certamente deficiência de trabalhabilidade e a corre ção, em geral realizada intui-tivamente, é feita pela incorporação de uma quantidade maior de cimento à mis-tura. Dessa prática surgem danos ao revestimento decorrentes da elevação do módulo de elas ticidade do material e de sua mais elevada tendência à retração. A deficiência de trabalhabilidade em argamassas intermediárias pode também ser decorrente da reprodução de traços muito fracos o que evidencia uma incorreção na dosagem. No Laboratório de Materiais de Construção Civil da CIENTEC, já foram reconstituídos traços de argamassas intermediárias tão fracos como 1:13, em massa.

Muitas vezes a argamassa intermediária de cal e areia é estocada em obra por muito tempo sem o cuidado necessário para evitar a perda do poder de aglome-ração da cal. Na medida em que vai ocorrendo o processo de carbonatação da cal as características da argamassa vão sendo alterada negativamente. A formação de pequenos grumos que não são desmanchados pelo processo de mistura dificultam o trabalho e comprometem o acabamento final da superfície do revestimento.

O esfarelamento da argamassa com pulverulência, a que bra de cantos no revestimento de paredes e danos oriundos de impacto ocasionados pelos mais variados objetos indicam baixa resistência mecânica da argamassa. A cau-sa tanto pode estar na incorreção da dosagem como no emprego de aglomeran-tes de baixo rendimento. O emprego de areia fina que, por sua elevada superfície específica aumenta a demanda de água, certamente é um dos fatores determi-nantes desse tipo de problema.

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Mesmo que o sistema de pintura possa por um tempo es conder fissuras e vesículas, esses defeitos acabam por se apresen tar, constituindo fator de de-sagrado do usuário e, como já citado anteriormente, obrigando o retorno à obra para reparos, não rara mente a partir de processos judiciais.

11.3. Danos relacionados com a inadequada concepção, ineficiência ou ausência de projetos de revestimentos

Não é objetivo deste livro desenvolver o tema relacionado com projetos de revestimentos visto tratar-se de uma área específi ca. No entanto, é importante ressaltar a extrema necessidade de um revestimento ser pensado racionalmente sob a ótica de seu comportamento frente à movimentação da estrutura e das solicita ções decorrentes do trabalho termo-higrométrico diferenciado em regiões distintas da superfície revestida.

Por compor um tipo de revestimento muito difundido, o sis tema de fixa-ção de placas de rocha em fachadas externas deve ser concebido de tal maneira que jamais transfira a responsabilidade pela estabilidade do sistema exclusiva-mente à aderência da arga massa sobre a qual foram fixadas as placas ao subs-trato. Insertos metálicos dimensionados adequadamente com base na massa das placas a serem fixadas e projetados com um metal estável eletroquimicamente, preferencialmente o aço inoxidável, devem ser sem pre empregados.

A definição de juntas em revestimentos é de fundamental importância principalmente em revestimentos com elementos cerâ micos. A abertura das jun-tas deve ser calculada com base no ta manho dos segmentos de revestimentos estabelecidos, sendo tão maiores quanto maiores as dimensões dos segmentos ou "panos".

Juntas deverão ser previstas em qualquer mudança de plano do reves-timento como sacadas e detalhes construtivos, reentrâncias e saliências, ou nas arestas definidas por diferentes fachadas. Varia ções no substrato como alvenaria e concreto devem justificar a implantação de juntas podendo haver o "desenho"

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da estrutura. Em geral, juntas horizontais devem ser colocadas a cada andar e juntas verticais, de tal forma que definam a formação de panos da forma mais próxima possível de um quadrado. O tratamento das juntas deverá seguir um procedimento que atenda a dois requisitos fun damentais: a manutenção da es-tanqueidade e a livre movimenta ção da área definida pelas juntas.

11.4. Danos relacionados com a qualidade da execução, falta ou deficiência de fiscalização

Como já dito, nos últimos anos, a CIENTEC tem sido solici tada com gran-de frequência a vistoriar revestimentos de edifica ções, que apresentam danos. Em alguns casos os danos registra dos vinculam-se às causas apresentadas nos itens anteriores, mas em outros é possível perceber nitidamente que os proble-mas têm origem na etapa de construção e poderiam ter sido evitados.

A fiscalização que deve ser exercida sobre a tarefa de exe cução de um sistema de revestimento, principalmente quando a atividade é desenvolvi-da sobre um andaime ou balancim, em pare des de grande altura em espigões, é geralmente negligenciada ou não realizada, ficando o serviço inteiramente sob a responsabilida de dos profissionais que o executam que, não raro, têm comprome timento maior com a velocidade de execução do serviço do que com sua qualidade. Pela quantidade de defeitos identificados du rante as vistorias re-alizadas em revestimentos com problemas de desplacamento, é possível admitir que muitas destas situações de colapso poderiam ser evitadas a partir de uma inspeção visual e de uma verificação por percussão nos revestimentos, antes de seu recebimento e liberação para a aplicação dos elementos cerâmicos. Como reforço, deve ser dito novamente que sempre que um reves timento é executado o ensaio para a verificação da resistência de aderência deve ser realizado.

Nos últimos três anos tem sido percebida uma maior inci dência de ca-sos de desprendimento de elementos cerâmicos em pregados no revestimento de fachadas. Em uma ou outra oportuni dade, quando a queda de revestimento

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ocorre em ruas muito mo vimentadas, esses fatos tornam-se notícias já tendo sido registrados casos em Porto Alegre em que o material desprendido atin-giu pes soas no passeio, ocasionando lesões físicas. Casos isolados de danos materiais de fragmentos que atingem automóveis em esta cionamentos dentro de áreas condominiais também têm sido regis trados com uma freqüência no mínimo preocupante, permitindo a formulação de algumas hipóteses para jus-tificar os fatos.

De uma maneira geral, a constatação empírica obtida a partir das visto-rias realizadas permite afirmar que, embora possam excepcionalmente ocorrer em prazos menores, a grande maioria dos prédios em que se observa desplaca-mento de revestimentos cerâmicos possui entre oito e dez anos de idade, embora tenham sido identificadas situações em que o revestimento des prendeu do subs-trato em pouco mais de um ano.

Para organizar o conhecimento, é preciso partir do entendi mento de que o revestimento de uma edificação não é um material, mas sim um sistema com-posto de diferentes materiais e com exe cução fragmentada em mais de uma etapa e, em algumas situa ções, executadas por profissionais de diferentes ca-pacitações.

O revestimento de uma edificação, em sua expressão mais simples, é formado por argamassa e pintura ou por argamassa e material cerâmico, sendo esses os dois tipos que serão abordados adiante no texto, uma vez que algumas considerações sobre reves timentos com placas de rocha já foram feitas.

Por se tratar de um sistema, os revestimentos devem ser avaliados por seu desempenho e não apenas pela qualidade dos materiais empregados em cada etapa, devendo esta avaliação considerar:

a. a natureza do substrato;

b. a preparação do substrato;

c. o número de camadas que compõem o revestimento;

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d. a espessura de cada camada e do revestimento final;

e. a qualidade dos materiais empregados;

f. a qualidade da execução (mão de obra);

g. as condições climáticas durante a execução; e

h. a orientação de cada fachada, no caso de revestimentos externos.

O revestimento clássico em argamassa de cal deve ser composto por duas camadas: uma aplicada diretamente sobre o substrato, identificada como emboço, e outra, de acabamento final, chamada de reboco. Para a execução da primeira camada, é em pregada uma argamassa feita com areia de maior módulo de finura (mais grossa), e sua espessura deve variar entre 10 mm e 25 mm. Na segunda camada, de espessura não maior do que 5 mm, deve ser usada uma outra argamassa produzida com areia fina.

A adoção de duas camadas pode ser explicada em função de as arga-massas de cal serem aéreas e demandarem um tempo maior para que ocorra de forma adequada a carbonatação da cal hidratada que, ao reagir com o dióxido de carbono presente no ar, determina a resistência do material pela formação de carbonato de cálcio. Os prazos exigidos para que ocorra uma perfeita carbona-tação hoje seriam impossíveis de serem praticados pela velocidade imprimida às obras. Em épocas de elevada umidade do ar, como costuma acontecer durante os meses de inverno no Rio Grande do Sul, esses prazos poderiam bem exceder a meses.

A primeira camada aplicada com a finalidade de regularizar a superfície deveria sempre apresentar maior porosidade, para permitir mais facilmente a pe-netração do ar em função da maior espessura. A camada de reboco deveria ser produzida com uma argamassa fina para garantir o bom acabamento da super-fície, já que, no passado, não era comum o emprego de massa corrida. Por ser menos porosa, a espessura dessa camada necessariamente deveria ser muito pequena pela maior dificuldade de penetração do ar.

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Com o emprego do cimento Portland, que num primeiro momento pode ser encarado como um aditivo, foram introduzidas algumas características nas argamassas que permitiram, entre outros benefícios, obter:

a. maior resistência à umidade;

b. maior resistência mecânica;

c. maior durabilidade;

d. maior velocidade de execução;

e. menor custo.

O emprego do cimento Portland viabilizou a execução de revestimentos em apenas uma camada, sendo esta prática, hoje, adotada de forma generaliza-da. O cimento Portland permitiu ainda a introdução no sistema de revestimento clássico em argamassa de uma nova camada: o chapisco. A introdução desta ponte de ade rência entre o substrato e o revestimento propriamente dito permi tiu melhorar sobremaneira a aderência da argamassa ao substrato, principalmente num momento em que os elementos cerâmicos para alvenaria passaram a apre-sentar superfícies lisas a partir do de senvolvimento de blocos cerâmicos vazados sem função estrutural, incorretamente chamados de tijolos furados. Em paredes erigidas com este tipo de elemento, a adoção de uma ponte de aderência passou a ser indispensável, sendo a prática estendida igualmente quando empregados tijolos maciços. Igualmente sobre superfícies de concreto o emprego de chapis-co é de fundamental importância não podendo ser dispensado. Com o passar do tempo, a conforma ção superficial dos blocos cerâmicos, já incluindo aqueles com fun ção estrutural, foi sendo alterada de maneira a aumentar a aderên cia instantânea e a macroaderência, verificada após o endureci mento da argamassa, permitindo em paramentos internos a elimi nação do chapisco.

Outra função que pode ser atribuída ao chapisco é a de uniformizar o substrato, tão mais importante quanto maior for a espessura da camada de argamassa empregada no assentamento dos elementos da alvenaria, já que o comportamento da argamassa de revestimento pode ser em muito distinto se o

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substrato for o elemento cerâmico, a argamassa de assentamento ou as superfí-cies de concreto da estrutura, em função das diferenças de porosidade que de-terminam diferentes comportamentos na absorção da pasta de constituição das argamassas.

Vários são os tipos de chapisco e várias as maneiras de aplicação, po-dendo ser citadas a clássica projeção com a colher de pedreiro, a rolagem ou de-sempenamento, com o emprego de ar gamassas industrializadas ou preparadas em obra.

Os chapiscos preparados em obra, via de regra, são consti tuídos por uma argamassa de cimento e areia em proporções em volume que variam entre 1:3 e 1:5, respectivamente, cimento e areia com granulometria de média a grossa. Essas argamassas, que podem ser melhoradas com a inclusão de resinas poli-méricas, são produzidas, em geral, sem qualquer controle da água empre gada, o que por si só constitui fonte de variação de suas caracterís ticas físico-mecânicas.

Essas resinas poliméricas, citadas anteriormente, que po dem ser cha-madas de aditivos, costumam ser emulsionadas em água. Seu emprego está ligado à expectativa de obtenção de uma melhor aderência do chapisco ao subs-trato, nem sempre obtida.

11.4.1 Danos relacionados com a execução do chapisco

A preocupação em melhorar a aderência do chapisco ao substrato, prin-cipalmente se esse for o concreto, tem predisposto o mercado ao emprego de resinas poliméricas em solução na água de amassamento das argamassas a serem aplicadas como chapis co. Na verdade essas resinas são empregadas co-mercialmente como matéria-prima de vários produtos como a cola branca para madeira ou papel ou tintas. O resultado de sua polimerização é uma película plástica tão mais espessa e impermeável quanto mai or a concentração do polí-mero na solução, daí a denominação po pular para colas plásticas ou tintas plásti-cas. Embora necessitando de comprovação científica, a observação de algumas

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situações em que houve comprovadamente prejuízo da aderência da argamassa ao chapisco melhorado com o emprego de resina polimérica suge re ter havido a diminuição da capacidade de absorção de água da argamassa de chapisco comprometendo a microaderência. A im pressão advinda da observação direta da superfície do chapisco e do resultado de testes expeditos permite supor ter ocor-rido a im permeabilização da superfície pela formação de uma película plás tica, impossibilitando o desenvolvimento da microaderência. Talvez melhor desem-penho pudesse ser obtido pela aplicação da argamassa sobre uma superfície previamente pintada com o produto, assim como se fosse aplicada ao substrato uma fina camada de cola, na formação de uma ponte de aderência. Este efeito negativo que pode ser causado pela superdosagem do polímero na tentativa de melhorar o desempenho da argamassa, também pode ser verifi cado quando o chapisco melhorado com polímero é aplicado por rolagem. A passagem repeti-damente do rolo sobre uma mesma região do substrato favorece a formação da película que impedirá o chapisco de absorver a pasta de cimento na configuração do efeito de microancoragem.

No passado não era usual o projeto de estruturas de con creto armado com resistências características à compressão eleva das, é verdade, mas desde há muito tempo são, sim, empregados concretos dimensionados para resistên-cias mais elevadas, superio res a 25 MPa ou 30 MPa. A pergunta que se impõe é:

a causa dos problemas de aderência do chapisco às superfícies de con-creto reside apenas no fato de estarem sendo empregados concretos de mais elevada resistência?

A bem da verdade, é dever considerar que o aumento da resistência ca-racterística à compressão de projeto (fCk,proj.) adota da no projeto de estruturas do concreto armado determinou fossem dimensionados traços para o atendimen-to da proposição de projeto com mais baixa relação água/cimento e, consequen-temente, maior consumo de cimento. Como consequência ocorreu a diminuição da porosidade do concreto pela redução da relação água/cimento e pela concen-tração de um maior volume de pasta na superfície das peças, diminuindo a capa-

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cidade de absorção da pasta da argamas sa de chapisco necessária para garantir a microaderência deste às superfícies das peças produzidas com concreto de mais elevado desempenho. O emprego de formas de melhor qualidade, mais lisas e menos irregulares, não raro com tratamento superficial, in clusive com plastificação, constitui um fator de agravamento do problema pela diminuição das irregularidades, o que redunda em uma diminuição da superfície de contato entre concreto e chapisco, alterando também as condições de macroaderência.

No entanto é igualmente dever levar em consideração que no Rio Grande do Sul o cimento disponível no varejo é do tipo IV, ou seja, pozolânico. Por ser o Estado grande produtor de cinza na geração de energia em usinas termoelétri-cas, é natural que este resíduo gerado seja consumido na produção de cimento ou em qualquer outra finalidade por se tratar de um rejeito de grande po tencial poluidor. A reação pozolânica, conhecida e explorada já pelos romanos, ocorre necessariamente em presença da água que, ao manter em solução o hidróxido de cálcio (Ca(OH)2) liberado como subproduto durante a hidratação de compos-tos básicos do clínquer Portland (C3S e C2S), permite a ocorrência da reação com a sílica amorfa existente na pozolana, termo que no Rio Grande do Sul é empregado como sinônimo de cinza volante.

A insuficiência de água ao processo, para viabilizar o início das reações ou para garantir sua continuidade, desestimula a rea ção, comprometendo a for-mação dos silicatos de cálcio neoformados pela reação pozolânica. É possível dizer que a não realização de qualquer tipo de cura no chapisco dificulta o desen-volvimento destes compostos cimentantes, podendo diminuir de forma drástica o rendimento do cimento.

A norma brasileira NBR 5736:1991 – Cimento Portland pozolânico, espe-cificação – permite a substituição de até 50% de clínquer por cinza, ou seja, em um saco de cimento pode haver 25 kg de clínquer, gesso e calcário moído e 25 kg de cinza. Considerando que a espessura de um chapisco é sempre muito peque-na, que muitas vezes o chapisco é executado sobre o substrato cuja super fície apresenta alta temperatura em dias quentes e secos, e que com muita frequên-

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cia, para não dizer na maioria das vezes, tão logo a argamassa de chapisco seja projetada sobre o substrato, sua coloração altera-se, denotando secagem quase que imediata, e considerando ainda que não é praxe executar cura de chapisco, é possível admitir que a contribuição da reação pozolânica para a resistência final da argamassa possa ser muito pequena.

Como exercício, é possível imaginar uma condição hipotéti ca em que um chapisco será executado a partir de uma argamassa de cimento e areia em um traço em volume de 1:4, respectivamente cimento Portland pozolânico e areia, em um dia quente e seco. O traço citado transformado será, em massa, 1:3,5 e, se não hou ver cura do chapisco, ou seja, não sendo considerada a reação pozolânica, é possível concluir ter sido produzida uma argamassa com um traço em massa de 0,5:0,5:3,5, respectivamente cimento, cinza e areia, e este traço expresso pela unidade de cimento será 1:1:7,0, ou seja, uma parte de aglome-rante para oito partes de ma terial inerte, podendo ser expresso como 1:8. Se considerarmos que uma argamassa de cimento e areia utilizada em chapisco pode ser obtida com uma quantidade de água sobre o total de materiais secos de aproximadamente 15%, haverá, então, uma relação água cimento de 1,35.

Embora o exercício seja um exemplo radical, uma conclu são plausível a que se pode chegar é a de que com um cimento de baixo rendimento e uma relação água/cimento elevada será obtida uma argamassa de baixa resistência e deficiente capacidade de aderência ao substrato.

Como em várias oportunidades, a CIENTEC foi chamada a colaborar na solução deste tipo de problema, experiências foram feitas com diferentes tipos de cimento e a recomendação pelo em prego em chapisco de cimentos de alta resis-tência inicial (tipo ARI) demonstrou ser adequada, comprovando que o emprego de cimen tos de baixo rendimento pode comprometer o desempenho de chapiscos.

Deve ser ressaltado que, além da melhor qualidade do ci mento na pro-dução da argamassa para chapisco, a preparação do substrato é igualmente importante.

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11.4.2. Danos relacionados com a natureza do substrato e sua preparação

Em qualquer procedimento de colagem, a preparação da base é de fun-damental importância seja a cola uma resina polimérica, uma tinta ou uma arga-massa.

Em qualquer situação, sempre deve ser feita uma eficiente limpeza de qualquer substrato para a remoção de poeira, gorduras, camadas de material deteriorado e sujidades em geral.

No caso específico de argamassas, se for possível, o subs trato deve ser submetido à lavagem com o emprego de jato de água sob pressão. Em superfí-cies de concreto, a água poderá ser aquecida para aumentar a eficiência da lava-gem de superfícies que possam conter resíduos de desmoldantes empregados nas formas.

Quando a superfície de concreto for muito lisa, o que acon tece quando são empregadas formas de bom acabamento ou com tratamento superficial, cuidados especiais devem ser dispensados à preparação da superfície. O escovamento com escovas de cerdas de aço ou, em casos extremos, o apicoamento por percussão são sempre alternativas a serem consideradas.

Ao longo dos últimos anos, com a intensificação da deman da feita à CIENTEC por ensaios para a avaliação da resistência de aderência em sistemas de revestimento, a quantidade de ensaios cresceu rapidamente, permitindo, a partir do entendimento da me cânica do ensaio, afirmar que, com muita frequên-cia, em um mes mo pano, o desempenho da argamassa em transmitir o esforço de tração apresentava variações importantes. O fato chamava a aten ção par-ticularmente em função de tratar-se de uma mesma arga massa aplicada pelo mesmo profissional e praticamente ao mesmo tempo.

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Esse fenômeno, relacionado diretamente com a resistência da argamas-sa, permite a consideração de duas situações distintas.

Em algumas oportunidades a resistência da argamassa apresentava-se muito inferior quando o ensaio era realizado em regiões que tinham por subs-trato o concreto da estrutura. A ruptura ocorria invariavelmente na argamassa, imediatamente abaixo da fina camada impregnada com o adesivo empregado na fixação do dispositivo de transmissão de carga.

Em outras regiões da mesma parede, sobre alvenaria de blocos cerâmicos sem função estrutural, com chapisco, a ruptura ocorria na interface da argamassa com o substrato, chapisco ou elemento cerâmico, nunca na camada superficial, sendo muitas vezes registrados valores elevados para a resistência de aderência.

A observação dos corpos de prova no plano de ruptura permitia constatar a existência de uma argamassa alterada, suge rindo que durante o desempeno pudesse ocorrer, por sucção, a concentração de uma quantidade maior de água juntamente com o material mais fino da argamassa, na superfície.

Nesse caso, em que o substrato é concreto, embora não tenham sido avalia-das a espessura da camada de chapisco e sua homogeneidade, é possível formular a hipótese de que apenas uma parcela muito pequena da água possa ser absorvida pelo substrato, estabelecendo o fluxo hidráulico de secagem através da superfície livre do revestimento. Em sua migração até a superfície do revesti mento, a água transporta consigo material fino que se concentra, após a evaporação da água, na superfície exposta, determinando a alteração da resistência nesta porção superficial.

A aceitação desta hipótese permite justificar a diferença de comporta-mento da argamassa durante o ensaio de aderência reali zado sobre um substra-to de concreto e uma alvenaria convencio nal.

Para introduzir o raciocínio sobre a segunda situação, va mos nos repor-tar ao procedimento adotado no chamado “polimento” de pisos de concreto. A

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textura fechada e lisa é obtida por meio de equipamentos chamados popularmen-te de “helicópteros” que nada mais são do que desempenadeiras mecânicas. O acabamento pre tendido é obtido pela concentração de pasta na superfície da pla-ca de concreto pelo efeito de sucção promovido pelo desempenamento. Nos re-vestimentos em argamassa, o mesmo efeito é obtido ma nualmente. Dependendo da plasticidade da argamassa, da intensi dade do desempenamento e do teor de finos, a hipótese de que possa haver na superfície da argamassa uma região com maior concentração de material fino e água não pode ser descartada.

O problema pode ser potencializado quando forem empre gadas arga-massas aeradas. É sabido que a incorporação de ar em uma argamassa depen-de, além da qualidade do aditivo, da granulometria da areia, do tempo de mistura e da eficiência do equipa mento de mistura. Assim, a alteração em qualquer uma dessas variáveis pode alterar as características da argamassa, pela maior ou menor incorporação de ar.

Por ser mais compressível, além da variação esperada na argamassa pelos fatores citados no parágrafo anterior, a hipótese de que um desempeno mais prolongado possa facilitar a concen tração de água, material fino e, princi-palmente, bolhas de ar na superfície da camada de argamassa não pode ser des-considerada. A maior quantidade de ar aprisionado parece favorecer a ocorrência do fenômeno, mais frequentemente notado nesse tipo de argamas sa.

Com isso, cuidados especiais durante a produção de arga massas aera-das deverão ser tomados, exigindo a adoção de medi das de controle que garan-tam a homogeneidade da argamassa produzida. Essas citadas medidas passam por um rigoroso controle sobre a granulometria da areia, ou das areias emprega-das, e do tempo de mistura, além dos controles clássicos sobre a relação água/cimento e sobre a quantidade total de água empregada na produção. A hipótese de que possa haver influência do desempeno na característica superficial do em-boço reforça a necessidade de haver um criterioso procedimento de inspeção antes de sua libera ção para aplicação do revestimento final, mesmo que este seja apenas uma pintura.

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Por certo essa hipótese necessita de confirmação científica, mas a ocor-rência desse fenômeno é inegável e deve ser conside rada.

Havendo menor resistência na camada superficial do em boço, a ligação da argamassa colante para fixação de elementos cerâmicos ficará debilitada, comprometendo a estabilidade de qual quer revestimento que venha a ser apli-cado no local.

No caso de substratos compostos por alvenaria, com ou sem chapisco, o problema é menos sentido devendo ser controlada com mais critério a intensi-dade do desempenamento. Se o acaba mento final for uma pintura, o problema poderá mesmo ser negli genciado.

Quando for prevista a aplicação de um revestimento cerâ mico, uma so-lução de caráter geral seria promover a raspagem desta camada comprometida, verificação do desempenho da arga massa nesta nova situação, para somente então executar o reves timento cerâmico. No caso de o substrato ser concreto, a solução poderá ser o aumento da espessura do chapisco, mesmo que exija exe-cução em mais de uma camada, o que permitirá a absorção de uma quantidade maior da água utilizada na produção da argamas sa, ao mesmo tempo em que determinará a redução da espessura do revestimento, reduzindo a quantidade de água a ser evaporada.

Quando em revestimentos internos, em alvenaria de ele mentos cerâmi-cos, é dispensado o emprego de chapisco, é reco mendável proceder à lavagem da parede no dia anterior à execu ção do revestimento para promover a saturação do material cerâ mico da alvenaria. No momento da aplicação do revestimento, o substrato estará na condição de saturado com superfície seca, situação que ga-rante a absorção da pasta da argamassa em quan tidade adequada. Substratos demasiadamente secos poderão ab sorver rapidamente, não a pasta, mas a água de amassamento de argamassas de baixa capacidade de retenção de água, comprome tendo a resistência na interface e favorecendo a retração. Como des-vantagem da adoção desse procedimento, embora recomenda do e tecnicamente

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adequado, tem-se a interferência na dinâmica de execução do emboço, pelo re-tardo que pode ser esperado na ope ração de desempenamento.

A elevada temperatura superficial do substrato no momento da aplicação da argamassa pode alterar significativamente as con dições de evaporação da água de amassamento prejudicando a aderência e favorecendo a retração e o consequente desplacamento do revestimento no futuro.

Esta situação ocorre preferencialmente em paramentos ex ternos em dias quentes e em fachadas com incidência direta dos raios solares. No verão, em facha-das externas, a execução de re vestimentos deve ser programada de maneira a per-mitir a execução do serviço em períodos do dia de menor incidência dos raios sola res, reduzindo a velocidade de execução da tarefa em favorecimento da qualidade final.

A velocidade do ar, ou seja, a presença de ventos, pode acelerar o pro-cesso de secagem da argamassa pelo favorecimento da evaporação da água de amassamento, contribuindo para o au mento da probabilidade de instalação de processos de retração com sua inevitável consequência, a fissuração.

A execução de revestimentos externos deve ser programa da, não deven-do ser executada quando as condições climáticas não forem favoráveis.

Na execução de revestimentos internos, não deve ser des considerada a pos-sibilidade de vedar as aberturas da peça onde é desenvolvida a atividade. Podem ser empregadas películas de ma terial plástico para evitar o efeito negativo do vento, mantendo o ambiente com elevada umidade diminuindo a velocidade de evapo ração da água de amassamento da argamassa, representando um processo de cura.

Se for minimizada a evaporação da água, ao menos nas primeiras 72 horas, mesmo quando empregadas argamassas mis tas de cimento e cal, haverá menos retração e melhor desempenho mecânico, tendo em vista que na região sul praticamente todo o cimento adquirido no varejo é pozolânico composto com mais de 40% de pozolana, necessitando sempre de eficientes processos de cura.

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11.4.3. Danos relacionados com revestimentos cerâmicos

De uma maneira geral, a estabilidade de um sistema de revestimento es-tará condicionada à observação de um princípio iden tificado como Princípio Geral da Estabilidade que promulga a ne cessidade de que as diversas camadas de um revestimento devam apresentar resistências decrescentes a partir do substrato. A afir mação é justificada a partir do entendimento de ser maior a solicita ção ge-rada por variações térmicas e higrométricas, experimentadas pelo revestimento, a partir de sua superfície, por ser mais exposta à radiação e mais intensamente submetida à ação da umidade, por isso deve apresentar maior capacidade de deformação.

À medida que a temperatura das camadas mais exter nas do revesti-mento se eleva, ocasionando a dilatação do material cuja movimentação fica restringida, surgem tensões decorrentes do impedimento da livre movimentação relativa entre as diversas ca madas. Estas tensões se manifestam nas interfaces entre as dife rentes camadas como forças tangenciais de cisalhamento, mais in-tensamente quanto maior o gradiente de temperatura e quanto maior a diferença na rigidez dos materiais, traduzida pelo módulo de elasticidade característico de cada material.

Ao longo do tempo, a repetição cíclica do fenômeno culmi na com a rup-tura dos elementos que estruturam a aderência, permi tindo o desplacamento da camada mais externa. Este mecanismo pode explicar a razão do cada vez mais frequente desplacamento de revestimentos cerâmicos em fachadas.

A observação feita em prédios onde o fenômeno foi regis trado identifica como elemento comum a todas as situações o em prego de elementos cerâmicos, não raramente de coloração escu ra, assentados por meio de uma argamassa colante sobre um emboço executado com uma argamassa sempre menos resis-tente que a argamassa colante e a própria cerâmica. É observada, em pré dios onde ocorre o desplacamento, a inexistência de juntas, o que permite supor ter sido o revestimento executado sem projeto espe cífico.

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O emboço, via de regra, apresenta-se intensamente fissurado, com es-pessura superior ao recomendado por norma e consti tuído por uma argamassa de baixa resistência. Em geral, durante a realização de ensaios para a verificação da resistência de aderên cia, a baixa resistência da argamassa empregada no emboço não permite a transferência do esforço de tração até a interface com o substrato, ocorrendo a ruptura na argamassa com uma tensão infe rior ao mínimo admitida para a resistência de aderência entre as diversas camadas do sistema.

Podem ser tomados como fatores condicionantes do apa recimento do problema, além da quebra do Princípio Geral da Esta bilidade, o fato de serem empregadas argamassas de baixa resis tência associadas a uma deficiente exe-cução do emboço. Talvez por se tratar de uma camada do sistema que servirá de substrato a um revestimento nobre, não sendo visível, alguns defeitos sejam inadvertidamente admitidos. Cabe lembrar que a presença de fissu ras em um revestimento, além de comprometer o aspecto da edifi cação, indica a existência de problemas no sistema.

A baixa qualidade do emboço faz com que o desplacamento ocorra na sua interface com a camada de argamassa colante. Muitas vezes a ruptura ocor-re na própria argamassa, havendo o destacamento de parte da argamassa de emboço juntamente com a argamassa colante aderida ao elemento cerâmico.

Em outras tantas situações, são identificadas falhas no assentamento do elemento cerâmico por deficiência no seu pressionamento contra os cordões de argamassa colante, diminuindo sig nificativamente a área de contato entre o elemento cerâmico e a argamassa colante. Essa irregularidade também pode ocorrer se for extrapolado o tempo em aberto da argamassa colante que, perden-do a plasticidade, dificulta o esmagamento dos cordões.

Atenção especial deve ser dada ao tempo de emprego da argamassa colante já que seu uso após o vencimento, além de dificultar a aplicação dos elementos cerâmicos pela dificuldade em esmagar os cordões de argamassa, compromete a eficiência da colagem pela perda de resistência da argamassa. A

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variação no tempo em aberto destas argamassas está relacionada diretamente com a temperatura sendo este mais um exemplo da influência das condições climáticas sobre a qualidade dos revestimentos, justifi cando a elaboração de um projeto de execução de revestimentos externos que deverá levar em conta inclu-sive o turno e o horário de trabalho.

A qualidade de um revestimento, com relação a sua estabi lidade e dura-bilidade, está relacionada diretamente com a capacita ção da mão de obra e seu comprometimento com a boa execução das tarefas.

Fazendo uma avaliação do revestimento de prédios com mais de 30 anos executado com as chamadas pastilhas, é possível concluir que o estado geral de conservação e da estabilidade é muito bom se for considerado que na maioria dos prédios não há desplacamento.

Os elementos cerâmicos empregados nestes revestimen tos, as pasti-lhas, são peças de pequenas dimensões com lado de 25 mm, vitrificadas, de ele-vada rigidez e grande durabilidade. Dife rem de muitos dos materiais empregados atualmente apenas nas dimensões, já que hoje existem prédios revestidos com elementos com lado de até 300 mm.

Mesmo que o comportamento dos diferentes materiais ce râmicos seja similar, sistemas semelhantes com desempenhos diferentes devem ser analisados por suas diferenças e não por suas semelhanças. A primeira diferença a ser considerada é a quantidade de juntas naturais existentes em cada caso. Um reves timento com as tradicionais pastilhas possui uma linha rejuntada a cada 2,5 cm, nos dois sentidos, enquanto um revestimento executado com elementos de 10 cm de lado apresenta quatro ve zes menos cordões de rejunte. Se o material empregado no rejuntamento admite movi-mentações, claro está que a dissipação de tensões de origem térmica, por deformação, será mais efetiva nos revestimentos compostos por elementos de menores dimensões.

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Outro aspecto a ser considerado é a forma de aplicação das pastilhas, feita diretamente sobre o emboço ainda no estado plástico, podendo ser enten-dido como um processo de fusão apre sentando-se os elementos cerâmicos en-cravados no emboço. Atu almente, o emprego de argamassas colantes introduz duas novas interfaces no sistema, exigindo maiores cuidados no assentamento.

Diante destas constatações, algumas questões podem ser formuladas para obrigar a reflexão sobre o porquê dos revestimen tos em pequenas pastilhas apresentarem inegavelmente maior estabilidade ao longo do tempo.

• O material empregado no rejuntamento não deveria apre sentar sem-pre mais facilidade em absorver deformações, ou seja, não deveria possuir módulo de deformação tão baixo quanto possível?

• As juntas concebidas pela aplicação das diretrizes de proje to adota-das atualmente podem ser consideradas realmente eficientes?

• Qual o custo do tratamento dessas juntas e, posteriormen te, de sua manutenção?

• Qual o procedimento de investigação a ser adotado para julgar so-bre a necessidade de substituição do material selante empregado na vedação das juntas?

Essas perguntas, ao mesmo tempo em que encaminham a discussão do tema, indicam a necessidade de muito mais estudos sobre o assunto.

11.5. Danos relacionados com a falta de manutenção

O título dado ao presente item identifica o grave erro come tido de ima-ginar que alguns revestimentos dispensam manutenção. De uma maneira geral manutenção na construção civil está sempre associada a um aspecto corretivo nunca sendo executada com cunho preventivo.

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Já está internalizada a cultura de manutenção em revesti mentos constituídos por pinturas, muito mais em função da manu tenção de um aspecto estético pretendi-do do que a manutenção de um desempenho desejado. É sabido que periodicamente as cama das de pintura devem ser renovadas sendo os prazos função da qualidade de cada tinta. A não renovação das pinturas apresenta como primeira consequência a perda de estanqueidade do sistema de revestimento, desprotegendo a argamassa e propiciando o apa recimento de danos já amplamente conhecidos.

Figura 12 Aspecto característico da deterioração típica de revestimentos em arga-massa causada por falta de manuten ção na pintura.

Independentemente das características do material empre gado no re-vestimento de uma parede, sempre qualquer ação de manutenção deve ter como objetivo a garantia da estanqueidade do sistema.

Em revestimentos com elementos cerâmicos a queda do rejunte ou a falência do sistema de vedação de juntas permite a infiltração de água por trás do revestimento, promovendo uma série de danos a partir da saturação da argamas-sa. Saturada a arga massa experimenta expansão que cria tensões que tendem a proje tar o revestimento para fora do plano da parede. O mesmo efeito pode ser promovido pela pressão de vapor que surge no processo de evaporação da água retida na argamassa de emboço que en contra a barreira impermeável represen-

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tada pelo revestimento. Essa era, no passado, a maior causa do estufamento de azulejos. O estabelecimento de um fluxo hidráulico por trás dos elementos cerâmicos promove a lixiviação do hidróxido de cálcio existente na argamassa, que irá formar eflorescências sobre o revestimento pelo carbonato de cálcio pre-cipitado durante a secagem da água dissolvente, comprometendo o aspecto do revestimento, da edificação e a estabilidade do emboço.

A manutenção de pinturas deve seguir a orientação do fa bricante da tinta quanto à preparação do substrato, da tinta e das condições de aplicação.

Um revestimento cerâmico deve ser inspecionado periodi camente para observação do aspecto dos elementos cerâmicos. Alterações de cor ou da textu-ra superficial são indicativos prelimi nares de degradação do material.

O estado do rejunte deverá ser objeto de avaliação cuida dosa, pois po-dem existir locais por onde possa haver a infiltração de água.

Juntas devem apresentar integridade. O mastique não pode apresentar ruptura ou falta de aderência às bordas da junta. Sua substituição deve ser reali-zada no prazo estipulado pelo fabricante.

O ensaio de percussão, que consiste da promoção de pe quenos cho-ques sobre a superfície dos elementos cerâmicos, reali zado com um martelo de madeira, e observação do som produzido, deve ser realizado por amostra-gem, em inspeções de rotina, para a verificação da existência de regiões onde a aderência possa estar comprometida o que será evidenciado pela observa-ção da ocorrên cia de um som cavo. Esse mesmo procedimento poderá igual-mente ser aplicado sobre revestimentos de argamassa com pintura, duran te a repintura da superfície.

A lavagem periódica, além de garantir o bom aspecto do revestimento, removerá precocemente colônias de microrganismos, impedindo o desenvolvi-mento de algas, fungos e outros vegetais inferiores.

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12. Registro fotográfico

Figura 13 Registra o ensaio de verificação da resistência de aderência em elementos cerâmicos formando painéis-teste em obra.

Figura 14 Registra seis corpos de prova preparados em emboço exposto pela queda dos elementos cerâmicos.

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Figura 15 Apresenta a região definida pelo corpo de prova destinado ao ensaio de verificação da resistência de aderência com ruptura na interface chapisco alvenaria. Regis tra igualmente, na região do desplacamento, a perda de ade rência entre o ele-mento cerâmico e a argamassa colante e entre a argamassa colante e o emboço.

Figura 16 Ensaio de resistência de aderência em corpos de prova preparados em laboratório.

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Figura 17 Estufamento típico de elementos cerâmicos.

Figura 18 Substrato mal preparado para receber o revestimento cerâmico. Observa-se o deficiente apicoamento e a não remoção da camada de pintura.

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Page 189: CONHECENDO ARGAMASSA - Fernando Antonio Piazza Recena

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