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JONAS M. S. SILVA CONHECENDO JESUS CRISTO Belém-PA 2019

CONHECENDO JESUS CRISTO · CONHECENDO JESUS CRISTO 3 “Foi pelo sangue de Cristo que fomos remidos, foi por sua morte que fomos resgatados da morte; estávamos caídos, e, pela sua

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JONAS M. S. SILVA

CONHECENDO JESUS CRISTO

Belém-PA 2019

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Copyring© Jonas Matheus Sousa da Silva, 2019

®Todos os direitos reservados

*Correção gramatical e estilística:

.: Maria Conceição de Lima.

*Diagramação: Jonas M. S. Silva

Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha Catalográfica feita pelo autor

S586c Silva, Jonas Matheus Sousa da, 1989 –

Conhecendo Jesus Cristo / Jonas Matheus Sousa da

Silva. – Belém: Ed. do Autor, 2019.

108p.

ISBN: 978-85-5697-870-7

1.Religião 2.Cristianismo 3.Igreja Católica.

1.Título.

CDD: 230

CDU: 282

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“Foi pelo sangue de Cristo

que fomos remidos, foi por

sua morte que fomos

resgatados da morte;

estávamos caídos, e, pela sua

humildade, fomos reerguidos

da nossa prostração. Mas

devemos também contribuir

com nossa prostração. Mas

devemos também contribuir

com nossa pequena parte

para ajudar os membros, pois

nos tornamos membros dele:

Ele é a cabeça e nós somos o

corpo”.

(SANTO AGOSTINHO Apud

LITURGIA DAS HORAS v. III,

1995, p.1246)

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ÍNDICE

PRÓLOGO: VOCAÇÃO CRISTÃ: CHAMADO AO

DISCIPULALADO..........................................................7

a) QUE É CRISTOLOGIA?..........................................13

b) UMA COMPREENSÃO COM DEUS UNO E TRINO

EM CHAVE COMUNICATIVA......................................15

c) SOBRE A BELEZA DA VIRGEM MARIA.................24

I CRISTOLOGIA NA SAGRADA ESCRITURA...........29

1 ANTIGO TESTAMENTO: FIGURAS E PROFECIA..29

2 QUERIGMA E VIDA NOVA NA COMUNIDADE.......30

*TENTAÇÃO ECLESIAL..............................................31

3 HOMOLOGHIAS E FÓRMULAS DE

RESSURREIÇÃO........................................................32

4 PRINCIPAIS TÍTULOS CRISTOLÓGICOS...............39

5 EVANGELHOS SINÓTICOS.....................................40

*MARCOS....................................................................41

*MATEUS.....................................................................43

*LUCAS........................................................................45

6 JOÃO E APOCALIPSE.............................................47

7 CRISTOLOGIA PAULINA.........................................50

8 HEBREUS.................................................................58

II TABELA DOS PRIMEIROS CONCÍLIOS

ECUMÊNICOS.............................................................61

III A JUSTIFICAÇÃO CONFORME O CONCÍLIO DE

TRENTO.......................................................................63

IV SISTEMÁTICA.........................................................67

1 PENSAMENTOS DE CRISTOLOGIA

FRANCISCANA............................................................67

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2 JESUS CRISTO: CABEÇA DO COSMO E DA

HISTÓRIA, PERSPECTIVA DO CARDEAL GIACOMO

BIFFI.............................................................................74

3 DE CRISTO À SUA IGREJA: ECLESIOLOGIA DE

JOSEPH RATZINGER.................................................84

REFERÊNCIAS..........................................................105

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PRÓLOGO:

VOCAÇÃO CRISTÃ: CHAMADO AO

DISCIPULADO

A fé do discípulo de Jesus, seguidor do

Mestre, nasce do Querigma, que consiste em

transmitir o evangelho que o Filho de Deus, que se

fez homem e nos salvou do pecado e da morte, no

amor divino, ao deixar-se crucificar, dando sua

vida pelos seus. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e

homem, é o “crucificado que ressuscitou e está na

glória divina com o mesmo poder do Pai, pelo

“Vínculo de amor”: o Espírito Santo.

Jesus, o Nazareu, foi por Deus aprovado diante de vós com milagres, prodígios e sinais, que Deus operou por meio dele entre vós, como bem o sabeis. Este homem, entregue segundo o desígnio determinado e a presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o pela mão dos ímpios. Mas Deus o ressuscitou, libertando-o das angústias do Hades, pois não era possível que ele fosse retido em seu poder”. (ATOS 2,22-24).

O Filho chamou pessoas humanas

para o seguirem, a fim de viverem neste mundo o

mandamento da caridade, abnegando-se,

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seguindo-o como Mestre e Senhor, mesmo

atravessando a “porta estreita-cruz”, sempre no

amor verdadeiro, até compartilhar com ele o

mistério da glória. Como diz Jesus: “Aquele que

não toma sua cruz e não me segue não é digno de

mim. Aquele que acha sua vida, a perderá, mas

quem perde sua vida por mim, a achará”.

(MATEUS 10,38-39).

De fato, é pela fé que o discípulo de

Jesus Cristo, chamado “cristão” desde o ministério

do apóstolo Paulo, em Antioquia (cf. Atos 11,26), é

chamado a entregar sua vida a Deus na opção

pelo Amor. Este amor que surge como

assentimento da fé pessoal e eclesial à Trindade

Santíssima e que, por graça, dá-se a conhecer,

revelando-se à razão humana. “Em auxílio da

razão, que procura a compreensão do mistério,

vêm também os sinais presentes na Revelação.

Estes servem para conduzir mais longe a busca da

verdade e permitir que a mente passe

autonomamente a investigar inclusive dentro do

mistério”. (JOÃO PAULO II. n.13, 2009, p.22)

Porém, a clareza da fé à razão, por

ultrapassá-la, não dispensa o cristão da “noite

escura da alma”, quando, esperando no Amor,

pode vencer a angústia da dúvida, dando o salto

no escuro, aderindo de maneira pura ao Senhor.

A dialética da fé é a mais sutil e notável de todas; tem uma sublimidade de que posso ter uma ideia, mas não

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mais que isso. Posso muito bem executar o salto de trampolim no infinito [...], amar a Deus sem fé é refletir-se sobre si mesmo, mas amar a Deus com fé é refletir-se no próprio Deus. (KIERKEGAARD, 1979, p.129).

O amor incondicional do Cristão

proporciona a entrega pelo Reino de Deus, que é

etapa decisiva na conversão, a martiria, que

significa martírio e testemunho.

-A FONTE BATISMAL

O próprio crucificado-ressuscitado

confiou à sua Igreja a missão de evangelizar todos

os povos e de conferir o sacramento do Batismo,

proporcionando-lhes as graças da remissão dos

pecados, da filiação divina em Cristo, pela

incorporação no seu corpo místico, a Igreja.

O Batismo perdoa o pecado original, todos os pecados pessoais e as penas devidas ao pecado; faz participar da vida divina trinitária mediante a graça santificante, a graça da justificação que incorpora a Cristo e à sua Igreja; faz participar do sacerdócio de Cristo e constitui o fundamento da comunhão com todos os cristãos; propicia as virtudes teologais e os dons do Espírito Santo. O batizado pertence para sempre a Cristo: é marcado, com

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efeito, com o selo indelével de Cristo (caráter).(COMPÊNDIO.q.263, 2005, p.91)

Pelo Batismo, o cristão recebe a

vocação para comprometer-se vitalmente com

Jesus, na Igreja e, por tal adesão pessoal, que, em

nosso caso pastoral, manifesta-se no sacramento

da Crisma, compromete-se a viver os preceitos do

Senhor, em seu corpo eclesial e no mundo,

conforme ensina o Concílio Vaticano II (1962-

1965): “As ALEGRIAS E AS ESPERANÇAS, as

tristezas e as angústias dos homens de hoje,

sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem,

são também as alegrias e esperanças, as tristezas

e angústias dos discípulos de Cristo”. (GAUDIUM

ET SPES. n.1, 1969, p.143).

Pelas virtudes teologais - fé, esperança

e caridade (= amor) -, o autêntico cristão faz a

diferença no mundo, conforme as palavras

expressas na antiga Carta a Diogneto (Apud

FOLCH GOMES, 1979, p.111), sobre os cristãos:

“[...] o que é a alma para o corpo, são os cristãos

para o mundo: como por todos os membros do

corpo está difundida a alma, assim os cristãos por

todas as cidades do universo. [...] os cristãos

habitam no mundo, mas não são do mundo’.

No Batismo, o novo cristão morreu

para o pecado e para o egoísmo, ressuscitando

sacramentalmente para a glória de pertencer a

Cristo, tendo o amor por sua lei, subindo à cruz

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cotidianamente, renunciando a seus instintos

egoístas pelas virtudes e alargando seus

horizontes pela graça divina.

-A FIDELIDADE DA IGREJA

Salvo, o povo cristão está neste mundo

fugaz, não pertencendo a ele; mas está

profeticamente, para testemunhar o evangelho, na

fidelidade ao Senhor, participando da Igreja,

assembleia dos chamados, reinando com Cristo

pelo serviço caritativo ao próximo, sobretudo aos

marginalizados do sistema social.

A vocação cristã se firma na fidelidade,

que expressa pertença eclesial, pois: “A perfeita

pertença de um homem à Igreja ocorre [...],

quando o seu relacionamento com o Senhor Jesus

no Espírito Santo é sem lacunas e sem frouxidão,

de modo que a ‘restauração’ e a renovação do seu

ser podem-se dizer completadas”. (BIFFI, 2009, p.

107).

A fidelidade consiste numa ascese

diária, oferecendo-se cotidianamente a Deus na

oração e intercedendo pelos demais membros do

corpo eclesial e para o bem da humanidade,

participando, assim, do sacerdócio de Cristo.

Para tanto, faz-se necessária a escuta

ao Mestre que nos chama eternamente, e darmos,

no aqui, enquanto existimos no mundo, presos por

nosso corpo ao espaço e ao tempo, a nossa

resposta-adesão pessoal e eclesial. Resposta

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essa que deve ser renovada pelo livre arbítrio do

discípulo, no agora, até o encontro definitivo com o

Senhor, na eternidade.

-O TESTEMUNHO FRANCISCANO

Em São Francisco de Assis,

encontramos sólido exemplo que nos anima a

viver fielmente o Evangelho, correspondendo a

esta vocação que recebemos no Batismo; pois na

operação do Espírito do Senhor, o “Pobrezinho de

Assis”, cotidianamente, anelava por viver mais

perfeitamente o Evangelho, constituindo-o como

regra viva para seus frades. “A regra e a vida

destes irmãos é esta: viver em obediência, em

castidade e sem nada de próprio e seguir a

doutrina e os vestígios de Nosso Senhor Jesus

Cristo”. (REGRA NÃO BULADA. n.1, 1999, p.107).

Assim, a espiritualidade franciscana

arraíga-se no Evangelho vivenciado, para honrar a

humanidade do Filho de Deus, encontrando

alegria em viver a “Lei de Cristo”, como resposta

vocacional.

Cristo é o caminho e a porta. Cristo é a escada e o veículo, o propiciatório colocado sobre a arca de Deus (cf.Ex 26,34) e o mistério desde sempre escondido (Ef 3,9). Quem olha para este propiciatório, com o rosto totalmente voltado para ele, contemplando-o suspenso na cruz,

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com fé, esperança e caridade, com devoção, admiração e alegria, com veneração, louvor e júbilo, realiza com ele a páscoa, Isto é, a passagem. (SÃO BOAVENTURA Apud LITURGIA DAS HORAS, 2000, p.1425).

Pois ser cristão é, diariamente, acolher

a moção do Espírito Santo, vivendo a caridade

como vocação, relacionando-se, na Igreja, com as

irmãs, os irmãos e com o próprio Senhor, que é

Pessoa viva e presente no meio de nós.

Por tudo isso, somos cientes de que a

vocação cristã consiste em seguir Jesus Cristo,

Deus e Homem, pessoa viva presente na sua

Igreja, e aderirmos na fé, esperança e amor ao

Seu evangelho, vivendo a Lei da caridade. E mais,

sendo cotidianamente fiel ao seu evangelho,

manifestando nosso assentimento cotidiano à

vocação batismal, que é ser profeta, rei e

sacerdote.

a) QUE É CRISTOLOGIA?

É a disciplina teológica que reflete

sobre Jesus Cristo, Filho de Deus e sua ação na

história para a nossa salvação, bem como a sua

glorificação no evento pascal.

Fala-se de Cristologia do alto, aquela

como a de João 1, que reflete a pré-existência do

Filho, Verbo (=Palavra) eterno do Pai, gerado

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eternamente no seio do Pai e a Sua entrada na

história, mediante a Encarnação no seio da

Virgem, por obra do Espírito Santo, tornando-se

Jesus de Nazaré, sem perder a natureza e a

personalidade divina. Por outro lado, a Cristologia

de baixo, inicia a sua reflexão a partir da ação

histórica de Jesus de Nazaré, considerando sua

Páscoa e a Sua glorificação à direita do Pai, como

no hino cristológico de Filipenses 2.

Para o teólogo Karl Rahner (1978,

pp.293-294):

Jesus não é simplesmente Deus em

geral, mas o Filho; a segunda pessoa

divina, o Logos de Deus é que é

homem, ele e somente ele. Existe,

portanto, pelo menos uma ‘missão’,

uma presença no mundo, uma

realidade de economia da salvação,

que não somente se apropria, mas é

própria de uma pessoa divina

determinada. Neste caso, não se fala

apenas ‘sobre’ esta pessoa

determinada no mundo.

Considerando a primeira parte do

axioma teológico de Karl Rahner, que diz “A

Trindade ‘econômica’ é a Trindade ‘imanente’”,

significando que, assim como Deus se revela na

história, não difere do seu ser/agir na eternidade, a

Cristologia é sempre uma disciplina compreendida

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inseparavelmente daquela disciplina que reflete

sobre a Santíssima Trindade.

b) UMA COMPREENSÃO COM DEUS, UNO

E TRINO, EM CHAVE COMUNICATIVA

Para uma apresentação mais acessível

sobre o mistério de Deus, uno e trino,

encontramos um capítulo, “Trindade e

Comunicação”, do livro “Teologia da

Comunicação”, de Felicísimo Martínez Dìez.

Assim, apresentamos uma síntese pormenorizada

desse capítulo, a fim de transmitir uma

compreensível apresentação teológica do mistério

mais augusto de nossa fé, neste em que está

radicada toda a Cristologia.

-Como falar da Trindade?

Para a Comunidade Cristã, a Santíssima

Trindade é modelo e protótipo de toda a

comunicação que está no centro de sua fé e

perpassa a sua práxis. Perante o mistério

Santíssimo de Deus, cabe o silêncio e a adoração,

pois o homem se dá conta de que é incapaz de

compreender todo o mistério que é o centro da fé

cristã. Mesmo Santo Agostinho e Santo Tomás de

Aquino, Gênios teológicos, aproximaram-se deste

mistério não ousando a pretensão de compreendê-

lo no todo. O silêncio sempre constitui a atitude

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mais saudável para o teólogo perante o mistério

de Deus, porém é preciso falar de Deus; o fiel

deve falar Dele como questão mais importante, a

partir da Revelação e da história em Jesus Cristo.

Nele, Deus se tornou condescendente com a

história humana, tornando possível uma modesta

e cautelosa linguagem sobre Ele mesmo e seu

mistério. Esta é a única via de acesso ao mistério

da Trindade: a revelação histórica.

Assim, a linguagem mais apropriada

para nomear Deus se torna então a narrativa. Em

Jesus Cristo, Deus se revela como Pai e Filho e

Espírito Santo: a Trindade não é apenas um

mistério lógico pois ela tem a ver com a vida de

cada pessoa, Ela é bastante concreta: a Trindade

é, sobretudo, mistério de comunhão.

A nossa fé é prática, não deve ser

reduzida a meras explicações teológicas, é preciso

concentrar a nossa experiência e práxis cristã

baseada na fé na Santíssima Trindade. Deus uno

e trino é a fonte e o modelo da vida cristã em

todas as suas dimensões, faz-nos viver a

comunhão pessoal.

-Politeísmo, monoteísmo, Trindade

A partir do discurso de São Paulo

Apóstolo, no Areópago (cf. Atos 17,24-34), faz-se

uma exposição correta da importância e o do

desejo da busca de Deus na história humana;

busca-se o Deus Criador, como tarefa fundamental

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e desejo profundo do coração dos homens. Mas, é

só na revelação de Deus, em Jesus Cristo, que o

Divino vem mais diretamente ao nosso encontro

pessoal, e nós temos essa segurança da resposta

dialogal para com Ele, pois entramos em relação

com a sua face misericordiosa.

A história religiosa das culturas está

repleta de imagens sobre Deus, as sementes do

Verbo, imagens que se projetam na experiência

humana, em projetos históricos da humanidade e

nos modelos de convivência da sociedade. Não

raramente se constrói um deus à imagem e

semelhança do homem. Assim, as representações

da divindade têm uma força de legitimação do

status quo na história dos povos, do politeísmo ao

monoteísmo.

Também na reta confissão da

Santíssima Trindade Cristã, diversos modelos de

religião sustentam o legítimo modelo de sociedade

e de convivência e comunicação, refletindo o

modelo de religião e a concepção de Deus, que

legitimem uma forma humana de convivência e

comunicação.

Ao final do século XX, viu-se o

politeísmo com certa benevolência democrática,

porém, deve-se considerar que em povos

politeístas também se fazia guerra. Não se pode

atribuir ao politeísmo um irenismo que nunca

houve, pois traz no seu bojo guerreiro uma certa

tendência para afirmar-se como uma verdade

sobre os demais, tendência inconsciente que o

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leva para o monoteísmo, pois a guerra é para

auto-afirmação sobre os demais povos. Está aí a

sua forte carga de competição e de conflito,

aspiração de domínio exterminando os deuses dos

demais povos.

Por seu turno, a inclinação ao

monoteísmo é substancial: a Confissão de Fé

afirma o único Deus verdadeiro, nisso não há

estranheza sobre guerra e conflito para a

afirmação do único Deus, pois é sua única

verdade. Ademais, deve-se refletir sobre esse

modelo de religião que talvez esteja mais próxima

da reta concepção de Deus. Pode-se chamar essa

classe de monoteísmo de “monoteísmo atrinitário”

que, na verdade, constituiu-se uma crítica de Karl

Rahner aos manuais da teologia do século XVI até

o século XX, que relegavam o mistério da

Trindade apenas ao âmbito lógico, distante da vida

concreta de cada cristão, de modo que, para o

simples cristão se excluíssem o dogma da

Trindade, afirmando-se apenas Jesus Cristo como

Deus. Pouquíssima coisa mudaria na vida da

Igreja e dos cristãos àquela época.

Para os povos, o sentido social e

político do monoteísmo estrito está na recusa à

democracia de convivência e propicia formas

autoritárias e totalitárias, comprometendo uma reta

e legítima comunicação que engrandece o ser

humano, porém, deve-se reconhecer que o

monoteísmo é conquista judaico-cristã e a ação

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política do povo de Israel, por muitas vezes,

inspirou-se nesta imagem de Deus: a monarquia.

Leonardo Boff [na sua primeira fase,

quando escrevia em sintonia com a Igreja],

considerando a Trindade e a figura de Deus na

sociologia, mostra que sempre, tal figura legitima o

modo de vida e o modo político que se estabelece

sobre determinado povo marcado por esta figura

de Deus: monoteísmo rígido, que segue, por

exemplo, o modelo de relações sociais que

enfraquece a possibilidade de uma verdadeira

comunicação entre as pessoas, porém, no

cristianismo, sendo Deus comunhão de pessoas,

abre-se mais para o diálogo a partir de uma

semelhante dignidade entre as pessoas, porque

Deus é acreditado e experimentado como

comunhão de amor. Assim, a Trindade

fundamenta teologicamente o mistério da

comunhão e da comunicação humana.

Este é o traço mais característico da fé

cristã: o Deus Uno e Trino harmonizando a

unidade, a pluralidade, a identidade e a alteridade

pessoal, tornando possível o diálogo e a

comunicação. Apenas a partir da fé trinitária se

possibilita uma fundamentação teológica da

comunicação.

-A Trindade, mistério de comunhão e comunicação

A Santíssima Trindade é mistério em

duplo sentido, mas, além de ser mistério lógico,

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pois supera a capacidade humana de

compreensão e verbalização, o que foi bem

expresso na história do dogma e de muitas

heresias que representavam, muitas vezes, uma

repulsa ao aspecto paradoxal do cristianismo,

buscando uma simplificação lógica do

pensamento. Acima disso, a Trindade é mistério

de salvação, pois essa é a verdadeira dimensão

teologal da Fé. Por isso, as primeiras formulações

trinitárias surgiram no contexto neotestamentário,

no âmbito litúrgico e querigmático, a partir da

Ressurreição de Jesus sob o influxo do Espírito.

A Trindade é o objeto central e básico

da fé cristã, mais importante transcendental para

humanidade, marcando predominantemente a

experiência concreta do cristão. A partir dessa

dimensão teologal, inclusive se encontra a pré-

compreensão da Santíssima Trindade, como

sementes do Verbo nas culturas, mostrando, por

vezes, uma determinada concepção de Trindade

em panteões de deuses primitivos, isso em

diversas culturas não cristãs.

O problema central para a teologia

trinitária é o modo de harmonizar a unidade de

natureza com a Trindade das pessoas; é uma

questão muito próxima à realidade da

comunicação; assim, a cultura hebraica e cristã

entrou em contato com a cultura românica e

helênica e suas simbologias. No centro da fé

cristã, está a confissão de Deus que é Pai e Filho

e Espírito Santo: não é um Deus solitário, fechado

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em si; Ele é comunicação de ser Uno e Trino:

Deus comunidade de Amor, Nele são

simultaneamente três pessoas intimamente

relacionadas, cuja unidade reside na comunhão

pessoal, relação característica entre as pessoas

divinas.

Enquanto algumas explicações da

Trindade, nos primeiros séculos entenderam mais

o dever de salvaguardar-se no monoteísmo,

gerando heresias, negando até a Trindade, como

o modalismo ou docetismo, outras correntes

inclinaram-se mais para a defesa da pluralidade,

ignorando a igualdade, afirmando alteridades

distintas em Deus, hierarquizando de modo

subordinacionista, embora, sempre a afirmação de

alteridade deixasse aberta a possibilidade de

comunicação.

Santo Tomás de Aquino elaborou sua

doutrina trinitária partindo das processões divinas

do Filho, que é gerado pelo Pai e, do Espírito,

expirado do Pai do Filho, dando lugar às relações

de paternidade, filiação, expiração ativa e

expiração passiva; as três relações, opostas e

incomunicáveis são as três pessoas da Trindade.

A partir das processões do Filho e do Espírito,

seguem-se, na história, as suas missões. Tudo em

torno da comunicação intratrinitária.

Tradicionalmente, na teologia trinitária,

para se falar da comunicação intrínseca e da

inabitação de uma pessoa da Trindade noutra,

fala-se circunmicessão e pericorese. Há de se

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ressaltar a íntima relação entre Jesus, o Pai

(Abbá) e o Espírito Santo, este manifesto na

história pela sua promessa e vinda como agente

da comunhão divina, guiando toda a vida e obra

de Jesus e a Igreja, desde o mistério Pascal.

-A Trindade, fundamento teológico de toda

comunicação

A interioridade íntima de Deus entrou

na história humana tornando-a uma história de

salvação. Deus se autocomunica ao criar o ser

humano à sua imagem e semelhança, tornando-o

capaz de Deus e desejando a Deus

profundamente.Ele se revela a partir da

Encarnação e da páscoa do Verbo que se fez

carne e habitou entre nós para, nossa salvação.

A Santíssima Trindade não é uma

mônada, fechada em si mesma, mas é sempre

abertura e comunicação que vem ao encontro da

sua criatura, que cria, que entra na história e

redime o ser humano e envia seu Espírito Santo

para santificação.

A relação que existe entre a Trindade

imanente, que é o mistério íntimo de Deus, e a

Trindade econômica, que é o projeto da salvação

realizado na história, foi cunhada no axioma

fundamental de Karl Rahner: “a Trindade

econômica é a Trindade imanente, e vice-versa”;

no entanto, para Walter Kasper que o reformulou,

o axioma é “a comunicação intratrinitária está

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CONHECENDO JESUS CRISTO

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presente de uma forma nova na auto comunicação

soteriológica, sobre palavras, sinais e ações,

sobretudo na figura do Homem Jesus de Nazaré”.

De fato, só temos acesso ao Mistério íntimo de

Deus Trindade através da sua Revelação

progressiva na história, culminando em Jesus e na

compreensão que a Igreja recebe do Espírito.

Deus se interessa pela história do

homem e se projeta trazendo-lhe a salvação,

manifestando uma solidariedade trinitária com a

história do ser humano, fundamentando a

comunicação humana e a solidariedade entre as

pessoas. Para tanto, deve-se compreender a ação

Salvadora de Deus em Jesus Cristo, na história,

como derivada da comunhão intratrinitária, que se

torna a fonte e origem de toda a comunhão

autêntica e da comunicação, pois a pregação e a

práxis de Jesus revela Deus Pai, não apenas

como Deus onipotente, mas que age, libertando no

centro da história do seu povo. Portanto, Jesus é o

rosto humano de Deus que se aproxima do

homem para salvá-lo.

Leonardo Boff, a partir dessa

consideração, compreende a Trindade como

modelo ideal-concreto para a nossa sociedade

para ser mais humana, dado que somos imagem e

semelhança da Trindade. Para ele, a forma de

convivência social que hoje temos não pode

agradar a Deus, pois não encontramos lugar de

digna inclusão para a maior parte das pessoas e

não há participação plena; porém, a Trindade se

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apresenta como um modelo de toda a convivência

social igualitária e respeitosa das diferenças.

A partir de Deus Uno e Trino, os

cristãos podem postular uma sociedade que possa

ser imagem e semelhança da Trindade, com base

na própria fé em Deus que nos dá melhor

compreensão do Mistério da Santíssima Trindade,

e que sempre nos permite construir uma

sociedade com relação às distorções sociais

cristãs de convivência, comunicação e comunhão

do próprio Deus instaurada no mundo. A fé na

Santíssima Trindade deve levar os cristãos a

constituírem uma sociedade justa, comunicativa e

em Comunhão plena, e verdadeiramente humana.

c) SOBRE A BELEZA DA VIRGEM MARIA

No corpo escriturístico judaico-cristão,

sobressaem várias personalidades femininas que

deram seu contributo pessoal na história da

salvação. São mulheres como Sara, Raquel, Rute,

Judite, Ester, Isabel, Marta, Madalena, entre

outras, que se destacam pela beleza das virtudes,

temor de Deus, sensibilidade feminina,

esponsalidade e maternidade. No entanto,

enfatizamos, coerentemente com a nossa fé, a

mulher Maria de Nazaré, mãe de Jesus Cristo,

essa que se desvela para nós como a mulher por

excelência. De fato, a fé da Igreja, desde os

tempos antigos, proclama sua grandeza pelos

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dogmas da Sua Virgindade perpétua e

Maternidade divina, como afirma Joseph Ratzinger

(2013, p.25):

O mais antigo dogma mariano, e o mais fundamental, afirma: Maria é virgem (ἀεί παρϑένοϛ : Symbola DS 10-30; 42/67; 72, 150) e mãe, e pode, com efeito, ser chamada de “Mãe de Deus” (Τεοτόχος: DS 251, concílio de Éfeso). As duas coisas estão estreitamente ligadas: quando ela é chamada de Mãe de Deus, isso constitui, antes de tudo, uma expressão da unidade entre ser-Deus e ser-homem em Cristo, que é tão profunda que não se pode, para os eventos carnais, como aquele do seu nascimento, construir um Cristo meramente humano, separado da totalidade de sua existência pessoal

Por isso, nota-se que não pode haver

uma genuína Cristologia, sem uma autêntica

Mariologia.

A beleza das virtudes, em Maria,

mostra-se na declaração do Arcanjo Gabriel:

"Alegra-te, cheia de graça! O Senhor é

Contigo!"(Lucas 1,28). De fato, não é uma beleza

tanto proveniente da meiguice ou formosura da

Virgem, no entanto, tal estética brota numa mulher

eleita, toda repleta da graça advinda do Ser divino,

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que habita o coração dessa moça de Nazaré;

portanto, uma mulher adornada de virtudes.

A presença de Maria é a autenticidade

presencial da mulher extremamente singular no

grau do temor de Deus. É nessa lógica que ela se

declara "a serva do Senhor"(Lucas 1,38),

colocando-se em uma atitude voluntária de pessoa

que acolhe e se conforma ao projeto do Pai. Maria

é uma pessoa humana que, em todo o seu ser, é

respeito e exultação perante o mistério de Deus;

ela triunfa de alegria perante a irrupção da

salvação na história humana, pela encarnação do

"Inominável-transcendente" na imanência do seu

ventre.

Na expressão mariana "Eles não têm

mais vinho" (João 2,3), contextualizada na festa de

casamento em Caná, da Galiléia, a sensibilidade

feminina, em Maria, manifesta-se como uma

empatia caritativa para com as outras pessoas

humanas, no caso, os noivos. Uma intuição

peculiar que aponta os caminhos da realização

humana, fazendo a diferença por não omitir sua

valorosa atuação.

O dom do amor, refletindo a fidelidade

esponsal de Maria, salienta-se na sua

maternidade, pois ela é mãe cheia de amor e

responsabilidade para com Jesus, o bendito fruto

do seu ventre, a quem, quando recém-nascido, ela

amamenta e envolve em paninhos. Preocupa-se

com ele, (por exemplos, quando fica no templo

com os doutores e nas suas peregrinações

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missionárias), acompanha seu mistério pascal,

partilha da dor de seu filho ao pé da cruz, aí onde

sua maternidade se expande, por solicitude de seu

crucificado filho, abraçando com ternura o

discípulo amado, bem como toda a comunidade

dos discípulos de Jesus.

Nesse sentido, mantendo a devida

compreensão da analogia, pode-se chamar a

Maria por “Esposa de Deus Pai”, conforme já o

fizera São João Damasceno (676 - 749) e o Papa

Pio XII, na Proclamação do Dogma da Assunção

de Maria à Glória Celeste (MUNIFICENTISSIMUS

DEUS, n.21, ano 1950). Para tanto, os teólogos

Scheeben e Feckes (1955, p. 93 – nossa

tradução), consideraram:

Pode-se chamar a mãe do Filho de Deus esposa do Pai em modo especial. Ela, de fato, como mãe por dom do Pai, concebeu como próprio filho o Filho Dele; o possui em comunhão com o Pai e está unida ao Pai através do Filho que é, ao mesmo tempo, seu próprio filho. Todavia, essa expressão, enquanto serve para indicar a união de Maria com Deus, é menos utilizada, e com razão. Designando, efetivamente, a mãe do Filho de Deus como esposa do Pai, enquanto Pai insinuar-se-ia a ideia de que o Filho do Pai exista somente pela colaboração da mãe, e, como consequência, que a mãe seja

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associada ao Pai mesmo na geração do Verbo eterno. Um dos principais motivos, pelo qual o apelativo de esposa, dado à Mãe de Deus, vem referido geralmente ao Espírito Santo, mais que ao Pai, é o de evitar essa falsa interpretação.

Então, Maria é a mulher mais

esplendorosa da Escritura Sagrada, da história da

salvação, é ela a "mulher vestida de sol"

(Apocalipse 12,1); pois, dentre tantas estrelas,

nela refulge a beleza das virtudes, o temor de

Deus, a sensibilidade feminina e a esponsalidade

materna. Em Maria, as virtudes de todas as

personalidades femininas da História da salvação

encontram sua perfeição e culminância, a ponto de

considerarmos Maria o modelo de perfeição para

todos que se deixam iluminar pela Palavra de

Deus.

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I CRISTOLOGIA NA SAGRADA ESCRITURA

Segundo São Jerônimo (séc. IV), o que

realizou a tradução Vulgata da Sagrada Escritura,

“Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”; Santo

Agostinho de Hipona, seu contemporâneo,

também ensina sobre a unidade da Sagrada

Escritura: ”O que estava latente no Antigo

Testamento, tornou-se patente no Novo”.

1 ANTIGO TESTAMENTO: FIGURAS E

PROFECIA

Figuras:

*Adão (Gn 1-3)

*Melquisedec (Gn 12, 18)

*Sacrifício de Isaac (Gn 22)

*Cordeiro pascal (Êx 12)

*Água da rocha (Êx 17, 1-6)

*Fonte do Templo (Ez 47)

*Serpente de bronze (Nm 21, 4-9)

*O servo do Senhor (Is 52-53)

*O Filho do Homem (Dn 7)

Profecias

*Proto-evangelho (Gn 3,15)

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*Bênção a Abraão (Gn 12,3)

*Profeta semelhante a Moisés (Dt 18,15)

*O sofrimento do Messias e sua glória (Sl 22)

*Concebido pela virgem (Is 7,14)

*Ungido pelo Espírito (Is 11)

*Servo do Senhor (Is 52-53)

*A nova aliança (Jr 31, 31-34)

*Do Egito chamei o meu filho (Os 11,1)

*Entrada real do Messias em Jerusalém (Zc 9,9)

*O transpassado (Zc 12,10)

*O Pastor ferido e as ovelhas dispersas (Zc 13,7)

*Eis que eu envio o meu mensageiro, que

preparará o caminho diante de mim (Ml 3,1)

*Nascimento do Messias em Belém de Judá (Ml

5,2)

2 QUERIGMA E VIDA NOVA NA COMUNIDADE

O Querigma, primeiro anúncio da fé, é

a semente essencial da fé viva que a comunidade

recebe do evento único de nossa salvação e da

revelação de Deus, que compreende a morte e

ressurreição do Senhor, com o dom do Espírito

Santo, a comunidade dos discípulos, a Igreja,

Novo Povo de Deus. Para o Padre Mário Antonelli

(2015, p.1): “A comunidade experimenta o

senhorio de Jesus Cristo dentro do conjunto de

atitudes, de experiências, de iniciativas que são

frutificação da Páscoa de Jesus e, ao mesmo

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tempo, assinalam a proveniência não humana

desta vida nova”.

O Querigma é o conteúdo fundamental

da pregação apostólica, para suscitar a fé em meio

a judeus e gentios, mediante o anúncio e a

experiência da presença salvadora de Deus em

Cristo e no Espírito Santo.

*TENTAÇÃO ECLESIAL

Mesmo com a irrupção da Vida Nova

na Igreja, mediante a Páscoa de Cristo e a

comunicação do Espírito Santo, a humanidade

marcada pela tríplice concupiscência, é sempre

tentada pela voz enganadora de satanás a

procurar construir o Reino de Deus de um modo

mais fácil que não comporte o sofrimento implícito

na cruz. Impor a fé através das forças ideológica e

militar, por exemplo, como ocorreu na Europa, no

regime medieval da Cristandade: Quem não fosse

cristão não era cidadão. Assim, não há genuína

adesão a Cristo, mas se é cristão por conveniência

ou por coerção.

Para o Padre Mário Antonelli (2015,

p.2):

A existência nova da Igreja desenrola-se como luta: sempre. Não existe vida nova que não seja combate, resistência dramática na novidade

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pascal de Jesus Cristo. E à origem dessa luta há sempre uma tentação. A tentação mais radical, aquela que, por excelência, merece o título de ‘satânica’, consiste no atribuir-se à carne e ao sangue a realização da relação nova com Deus; abafando a palavra da cruz e recusando o poder dela. A vontade vai se ensoberbecendo na presunção de alcançar a comunhão com Deus pelo caminho bem conhecido das imagens humanas de Deus e de seu Ungido.

3 HOMOLOGHIAS E FÓRMULAS DE

RESSURREIÇÃO

*Homologhias

O Padre Mário Antonelli (2015, p.3)

define “homologhia”, conforme o Novo

Testamento:

Para indicar o ato litúrgico/testemunhal de confessar Jesus reconhecendo-o como Senhor: em seu sentido próprio; homologhein significa ‘proclamar/ declarar o próprio acordo com’. A homologhia é ‘declaração sobre a qual se está de acordo’ [...] ela é a concórdia pascal, pois todos falam e aclamam a mesma palavra, a da Páscoa de Jesus, o Senhor.

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Segue-se algumas formas dessas

declarações:

> Jesus é Senhor!:

1Cor 12,3: “...ninguém pode dizer: Senhor Jesus!

se não é movido pelo Espírito Santo”

Rm 10, 9: “...se confessas com a boca que Jesus

é Senhor, se crês de coração que Deus o

ressuscitou da morte, tu te salvarás”

>Maranatha!:

1 Cor 16,22: “Quem não ama o Senhor seja

maldito. Vem, Senhor (Maranatha)!

Ap 22, 20: “Aquele que testemunha tudo isso diz:

Sim, venho logo. Amém. Vem, Senhor Jesus”

>Tradição – Paradósis

1 Cor 11,23s: “Pois eu recebi do Senhor o que

vos transmiti: O Senhor, na noite que foi

entregue, tomou o pão, dando graças o partiu, e

disse: Isto é o meu corpo que se entrega por vós.

Fazei isto em memória de mim”

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1 Cor 15, 3ss: “Antes de tudo, eu vos transmiti o

que havia recebido: que Cristo morreu por

nossos pecados segundo as Escrituras, e foi

sepultado e ressuscitou ao terceiro dia segundo as

escrituras, apareceu a Cefas e depois aos doze”

*Fórmulas de ressurreição

Rm 10, 9s: “se confessas com a boca que Jesus é

Senhor, se crês de coração que Deus o

ressuscitou da morte, tu te salvarás. Com o

coração cremos para ser justos, com a boca

confessamos para ser salvos”

1 Cor 6,14: “E Deus, que ressuscitou o Senhor,

vos ressuscitará com seu poder”

1 Ts, 1,10: “esperando, do céu, a vinda do seu

Filho, que ele ressuscitou da morte: Jesus, que

nos livra da condenação futura”

At 13, 32s: “Quanto a nós, vos anunciamos a boa

notícia: A promessa feita aos antepassados foi

cumprida por Deus a seus descendentes,

ressuscitando Jesus, como está escrito no Salmo

dois: Tu és meu filho, eu hoje te gerei””

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*Fórmulas de morte

Rm 5,8: “Pois bem, Deus nos demonstrou seu

amor no fato de que, sendo ainda pecadores,

Cristo morreu por nós”

Rm 14,15: “Contudo, se o que tu comes faz sofrer

teu irmão, não ages com amor. Não destruas, com

o que comes, alguém por quem o Messias morreu”

1 Cor 8,11: “E por teu conhecimento se perde o

fraco, um irmão por quem Cristo morreu”

2 Cor 5, 14s: “Porque o amor de Cristo nos

pressiona, ao pensarmos que, se um morreu por

todos, todos morreram. E morreu por todos, para

os que vivem não vivam para si, mas para quem

por eles morreu e ressuscitou”

*Fórmulas de entrega

-Deus: sujeito

Rm 4, 24s: “...o crer naquele que ressuscitou da

morte Jesus, Senhor nosso, que se entregou por

nossos pecados e ressuscitou para nos tornar

justos”

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Rm 8, 32: “Aquele que não poupou seu próprio

Filho, mas o entregou para todos nós, como não

vai dar de presente todo o resto com ele? ”

Jo 3, 16: “Deus tanto amou o mundo, que entregou

seu Filho único, para que quem crer não pereça,

mas tenha vida eterna”

- Jesus: sujeito

Gl 1, 3s: “graça e paz da parte de Deus nosso Pai

e do Senhor Jesus Cristo, que se entregou por

nossos pecados, para tirar-nos da perversa

situação presente, segundo o desejo de nosso

Pai”

Gl 2, 19s: “...Fui crucificado com Cristo, e já não

sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim.

Enquanto vivo na carne mortal, vivo de fé no Filho

de Deus, que me amou e se entregou por mim”

Ef 5,2. 25: “agi com amor, como Cristo vos amou

até entregar-se por vós a Deus como oferenda e

sacrifício de aroma agradável [...]Homens, amai

vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se

entregou por ela”

Tt 2, 14: “Ele [Jesus Cristo] se entregou por nós,

para resgatar-nos de toda iniquidade, para adquirir

um povo purificado, dedicado às boas obras”

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*Fórmulas de Kenósis

2 Cor 8,9: “Pois conheceis a generosidade de

nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por

vós se tornou pobre para vos enriquecer com sua

pobreza”

Fl 2, 5-11: “Tende os mesmos sentimentos de

Cristo Jesus.

Ele, apesar de sua condição divina,

não fez alarde de ser igual a Deus,

mas se esvaziou de si

e tomou a condição de escravo,

fazendo-se semelhante aos homens.

E mostrando-se em figura humana,

humilhou-se,

tornando-se obediente até à morte,

morte de cruz.

Por isso, Deus o exaltou e lhe concedeu

um título superior a todo título,

para que, diante do título de Jesus,

todo joelhe se dobre,

no céu, na terra e no abismo;

e toda língua confesse

para a glória de Deus Pai:

Jesus Cristo é o Senhor! ”

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*Fórmulas de morte/ressurreição

1 Ts 4,14: “Pois, se cremos que Jesus morreu e

ressuscitou, o mesmo Deus, por meio de Jesus,

levará os defuntos para estar consigo”

Rm 14, 9:

“Para isso morreu o Messias e ressuscitou:

Para ser Senhor de mortos e de vivos”

*Discursos missionários

At 2, 22-36: “Israelitas, escutai minhas palavras:

Jesus de Nazaré foi um homem acreditado por

Deus diante de vós com os milagres, prodígios e

sinais que Deus realizou por meio dele, como bem

sabeis. A este, entregue segundo o plano previsto

por Deus, vós crucificastes pela mão de gente sem

lei, e o matastes. Mas Deus, libertando-o dos

rigores da morte, ressuscitou-o, pois a morte não

podia retê-lo. O próprio Davi diz dele: Ponho

sempre diante de mim o Senhor; com ele à direita

não vacilarei. Por isso, meu coração se alegra,

minha língua exulta e minha carne descansa

esperançosa: porque não me deixarás na morte,

nem permitirás que teu fiel conheça a corrupção.

Tu me ensinarás o caminho da vida, me encherás

de alegria em tua presença. Irmãos, posso dizer-

vos com toda a franqueza: o patriarca Davi morreu

e foi sepultado, e o sepulcro dele se conserva até

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hoje entre nós. Mas como era profeta e sabia que

Deus lhe havia prometido com juramento que um

descendente carnal seu se sentaria em seu trono,

previu e predisse a ressurreição do Messias,

dizendo que não ficaria abandonado na morte,

nem sua carne experimentaria a corrupção. A este

Jesus, Deus ressuscitou, e todos nós somos

testemunhas disso. Exaltado à direita de Deus,

recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e o

derramou. É o que estais vendo e ouvindo. Pois

Deus não subiu ao céu, mas diz: Disse o Senhor

ao meu Senhor, senta-te à minha direita, até que

faça de teus inimigos estrado de teus pés.

Portanto, toda a Casa de Israel reconheça que a

este Jesus, que crucificastes, Deus nomeou

Senhor e Messias”

-Outros discursos missionários: cf: At 3, 12-26; At

4, 8-12. 24-30; At 5, 29-32.

4 PRINCIPAIS TÍTULOS CRISTOLÓGICOS

*Cristo/Messias (At 5, 42: “E não cessavam, a

cada dia, no templo ou em casa, de ensinar e

anunciar a boa notícia do Messias [=Cristo]

Jesus”)

*Senhor (Rm 14, 9:

“Para isso morreu o Messias e ressuscitou:

Para ser Senhor de mortos e de vivos”)

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*Filho de Deus (Rm 1, 3s: “a respeito do seu Filho,

nascido fisicamente da linhagem de Davi, a partir

da ressurreição, estabelecido Filho de Deus com

poder pelo Espírito Santo”).

5 EVANGELHOS SINÓTICOS

Os evangelhos sinóticos, Mateus,

Marcos e Lucas, são assim denominados pois nos

apresentam o Senhor de um modo mais similar

quanto à forma que utilizam.

Assim, syn+optico, significa que

Mateus, Marcos e Lucas, se dispostos em três

colunas paralelas (sinopse), podem ser

compreendidos de um só relance de vista com

conteúdos muito similares. João, por outro lado,

possui uma maneira mais desenvolvida e

espiritual, por se tratar de um escrito do final do I

século, quando a comunidade já estava mais

desenvolvida na compreensão de sua fé na

identidade de Jesus Cristo e na sua relação com o

Pai e o Espírito.

Conforme a teoria exegética das duas

Fontes Sinópticas, comparando os textos dos três

primeiros evangelhos entre si, Mateus e Lucas, de

modos coincidentes, citam passagens de Marcos

e, também, coincidem na citação de ditos

(loghions) de Jesus que não estão em Marcos.

Assim, essa fonte de loghions foi denominada em

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alemão por “Quelle” (fonte), significada por Q.

Assim temos o esquema:

Nesse sentido, Q, é uma fonte

hipotética, reconstituída a partir da análise dos

Evangelhos Sinóticos.

*MARCOS (Roma,70 dC- III geração)

O evangelho segundo Marcos é o mais

antigo. Possui linguagem mais arcaica, refletindo

as crenças populares da cultura da época. Sua

sonoridade se torna cacofônica pela insistente

repetição dos conectivos KAY (e) para ligar as

frases e orações do seu texto. No entanto, Marcos

é o iniciador do evangelho como gênero literário.

Ressalta a humanidade de Jesus. As

paixões humanas do Nazareno são enfatizadas na

Sua apresentação. Ele geme e suspira (7,34;

8,12); indigna-se e entristece-se (3,5); parece

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estar fora de si, pela sua total entrega ao

ministério (3,21); ama e acolhe as crianças

(9,36;10,16); expulsa os mercadores do templo

(11,15ss); sofre física e moralmente na Sua

Paixão e morte (14, 32-42).

Marcos apresenta Jesus como “o Filho

do Homem”. Na cultura bíblica, essa expressão

tem o significado de “criatura humana” (Ez 5,1; Ez

13,2), porém, em Daniel 7, 13s é uma figura

messiânica-escatológica, ao centro da história da

humanidade. Em Marcos, tal expressão está

associada à profecia do Servo do Senhor de Isaias

52, 13-53,12. (cf. Mc 10, 45).

Nesta preferência pelo título “Filho do

homem” dado a Jesus, associada à profecia do

Servo, Marcos ressalta o tema do segredo

messiânico. Jesus prefere não aplicar a si o título

de Messias/Cristo, recomendando silenciar quem

lhe pretende divulgar como Messias, pois tem

consciência de que a sua missão messiânica não

se confunde com os anseios de seu povo por um

messias-davídico, político e belicoso, mas como

Servo do Senhor, que redime e liberta a

humanidade por seus sofrimentos, em obediência

a Deus.

Mesmo os discípulos de Jesus não

conseguiram compreender isso no seu convívio

com o Nazareno, senão após a sua morte e

ressurreição com a efusão do Espírito Santo sobre

a Igreja nascente. (cf: 1, 10-45; 4, 10-13; 5, 1-43;

6, 33-44. 52).

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Marcos destaca o título cristológico

“Filho de Deus” (1,1. 11; 3,11; 5,7; 9,7; 14, 61s;

15,39), tais títulos acompanham os milagres

operados por Cristo. Jesus é, assim, um

verdadeiro homem que age com a dynamis(poder)

divina. No entanto, Jesus não é apresentado como

um grande profeta como os do Antigo Testamento

– Moisés e Elias – que também realizaram

prodígios em nome de Deus.

Jesus é apresentado como o Filho de

Deus em sentido próprio, concede o perdão divino

aos seres humanos, destruindo o poder do pecado

e do mal ao cumprir a Aliança no Seu sangue, por

Sua Paixão, morte e ressurreição, dando a vida

como Servo do Senhor, para a remissão dos

pecados do mundo.

O Evangelho escrito por Marcos é um

caminho de seguimento de Jesus onde, no

relacionamento íntimo com o Mestre, a

comunidade dos discípulos ruma ao mistério da

cruz e do sepulcro vazio, com a boa nova da

ressurreição; assim, os discípulos vão

compreendendo a identidade de Jesus como

Cristo-Servo e Filho de Deus.

*MATEUS (Síria, após 70 dC, aos judeus)

Mateus ou Levi, o cobrador de

impostos que, ao chamado de Jesus, ergueu-se

da sua sede na coletoria e, deixando tudo, seguiu

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o Mestre. Sendo contado entre os doze apóstolos,

escreveu o evangelho para uma comunidade de

hebreus convertidos a Jesus Cristo, radicados na

Síria, após a Guerra Judaica que culminou no ano

70, com a tomada de Jerusalém. Os Padres da

Igreja, Papias e Eusébio de Cesaréia registraram

que a primeira recensão do seu evangelho,

datando de próximo ao ano 50, foi escrita em

hebraico; tal recensão está perdida.

Mateus, adequando-se aos seus

destinatários, cita aproximadamente 43 vezes o

Antigo Testamento para comprovar, com base nas

Sagradas Escrituras do povo hebreu, que Jesus é

o Messias prometido na Lei e nos Profetas, pois

Ele cumpre em si e na sua ação as Profecias e

Figuras escriturísticas, iluminando-as e levando-as

ao seu termo.

Ao princípio deste evangelho, Jesus é

apresentado numa genealogia como descendente

de Davi e de Abraão, cumprindo as promessas

messiânicas feitas por Deus a eles.

Nesse sentido, enfatiza-se a majestade

de Jesus, evitando referências a paixões e

sentimentos em Jesus, ou a algo que sugira

limitação humana no Mestre. Dá-se muita ênfase

aos milagres operados por ele sobre o ser

humano, as forças naturais e sobrenaturais,

realçando o tema da Sua onisciência. Utiliza-se

por 13 vezes a expressão “prostrar-se” perante

Jesus, indicando sua majestade divina.

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CONHECENDO JESUS CRISTO

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No Sermão da montanha (5-7), Jesus

se mostra maior que Moisés, o legislador-

libertador do povo de Israel; é Jesus mesmo que,

sentado sobre o monte, emana a nova Lei que

leva à perfeição a Lei mosaica.

Em 16,16 e 26, 65, Jesus é

apresentado como Cristo e Filho do Deus vivo.

Na sua paixão e morte, na sua

ressurreição, o véu do templo rasgado representa

a Revelação de Deus em Cristo, que se faz projeto

universal de salvação pelo ministério da Igreja,

que anuncia o Evangelho e batiza em nome de

Deus uno-trino, integrando todos os povos na

Igreja de Cristo.

*LUCAS (Antioquia da Síria, entre 80-95 dC)

Situando seu ambiente teológico em

torno de Jerusalém e do Templo, a obra de Lucas,

em sintonia com a teologia paulina e a tarefa do

anúncio do evangelho aos povos, faz tal realce na

apresentação da Boa Nova de Jesus Cristo ao

mundo da época, quando a cultura pagã e

hebraica ansiava por salvação.

Assim, Jesus Cristo é apresentado

como soterion (a Salvação) de Deus para todos os

povos (2, 32). Ele traz e dispensa a salvação;

assim o faz, pois manifesta o amor salvador do Pai

a toda humanidade. Neste evangelho, a

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genealogia de Jesus remonta até Adão, o primeiro

homem, e deste ao próprio Criador (3, 23-38).

Ao encarnar-se, por obra do Espírito,

no seio da Virgem, a cheia de graça, o Filho do

Altíssimo recebe o nome de Jesus (O Senhor

salva), iniciando a libertar a humanidade, que Ele

mesmo assume neste mistério.

Jesus é apresentado por Lucas, com

ênfase no seu perfil missionário e misericordioso,

aberto aos samaritanos, detestados pelos judeus

(9, 57s; 17,18; 10, 29-37) e a todos os povos (13,

29s), revelando, em sua ação, o rosto

misericordioso de Deus, o Pai (7, 36-50; 15, 1-32;

19, 1-10; 23, 29-43).

A Jesus é dado o título de Kýrios

(Senhor) que, na tradução grega do Antigo

Testamento, a Septuaginta, substituía o Nome

santo e impronunciável que Deus revelou a Moisés

(Êx 3, 14) e se encontra grafado no texto hebraico,

mas aí se lê “Adonai” (Senhor) quando ocorre. Tal

título dado a Jesus mostra o florescer, nas

comunidades paulinas e lucanas, da consciência

da singularidade divina da filiação de Jesus Cristo

para com Deus, o Pai.

Quando em 1,43, Maria é chamada por

“Mãe do meu Senhor (=Kýrios), já está em germe

a fé da Igreja na maternidade divina de Maria, pois

Jesus Cristo é O Filho de Deus, portanto

compartilha a natureza divina com o Pai e o

Espírito Santo.

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O Espírito Santo tem sua ação

fortemente acentuada neste evangelho, desde os

relatos da infância de Jesus. Também na sua

exultação messiânica e ministério (10, 21s), que o

Revela “Filho de Deus”, é o Espírito quem o move.

Lucas enfatiza mais o título de “Filho de Deus” que

o de “Cristo”, pela acidental conotação político-

belicosa que evocava, no primeiro século.

Na cruz, Jesus reintegra no Paraíso,

no hoje de Deus, o pecador arrependido. O Hoje é

o Kayrós, tempo da graça de Deus, para a

Salvação do ser humano através de Cristo. O

encontro com o Cristo Ressuscitado dos

peregrinos de Emaús mostra a presença do

Senhor junto à comunidade, nos discípulos,

congregada em torno da Palavra ouvida na Igreja

e na Fração do Pão que, em Atos, está

evidenciada claramente como a Eucaristia.

O relato da ascensão em Jerusalém,

além de fazer a ponte entre o final do Evangelho e

o início dos Atos dos apóstolos, evoca a figura do

sumo sacerdote no templo de Jerusalém que

abençoa o povo, após oferecer o sacrifício. Assim,

já há um início de compreensão do sacerdócio de

Jesus.

6 JOÃO E APOCALIPSE

Concluído no início do segundo século,

o quarto evangelho não cita entre os discípulos

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João, filho de Zebedeu, como o fazem os

sinóticos, outrossim, reporta-se ao “discípulo que

Jesus amava”.

No Prólogo deste evangelho, bem

como na primeira carta de João, o ancião, também

no Apocalipse, Jesus Cristo é apresentado com o

título de Lógos (Palavra) de Deus (Jo 1, 1-14; 1Jo

1,1s; Ap 19, 13).

Essa palavra grega possui um triplo

significado, evocando três realidades conexas.

Conforme Bettencourt (p.29):

1) o intelecto, 2)o conceito formulado pelo intelecto (também dito ‘ideia’, ‘noção’) e 3) a palavra oral que exprime o conceito mental. Ora, no quarto evangelho, S. João utiliza o termo grego Lógos, já em uso na Filosofia grega pré-cristã, para designar a Palavra de Deus que, feita carne, falou aos homens.

Na tradição vetero-testamentária, a

Palavra de Deus é dita Dabar, é a palavra-ação;

quando Deus fala, nessa mesma enunciação, o

evento enunciado é criado, acontece (cf: Gn 1; Is

55, 10s; Sb 18, 14-16). Nessa mesma cultura,

Lógos também evoca a personificação da

Sabedoria (Lochman) de Deus (cf: Sb 7, 25s), pré-

existente ao criado.

Assim, a Cristologia descendente se

apresenta nos escritos joaninos, pois o Lógos pré-

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existente em Deus, Filho unigênito voltado para o

seio do Pai, entra na história assumindo a

condição de homem, para redimir todo o ser

humano e todo o cosmo, revelando o plano

amoroso de salvação do Pai.

Jesus Cristo é, então, o Lógos divino

que se fez carne, assumindo a condição humana

e, nela, o mundo, através do Amor. Ele é a

Verdade que liberta e reintegra na comunhão com

o Pai; eterno e uno com o Pai, revelando-Lhe e

prometendo o Espírito Santo (8, 24.28.58; 10,

30.38; 14, 9s. 16; 15, 26; 16,14).

A relação de Jesus com a comunidade

dos discípulos é apresentada num contato

imediato, como comunhão e participação, (o bom

pastor: Jo 10; a Videira verdadeira: Jo 15); no

entanto, o capítulo 21 nesse Evangelho, ressalta a

necessidade e a divina instituição do serviço da

autoridade representado pelo ministério petrino,

como cuidado aos discípulos oriundo do amor a

Cristo.

Jesus se manifesta como o salvador

do mundo, contra satanás, “príncipe deste mundo”,

e seu séquito (cf: 8, 44; 12, 31). Jesus manifesta e

opera o amor de Deus Pai para a salvação

universal (cf: 3, 16; 10, 10; 11. 25s), pela fé no Seu

Verbo encarnado e glorificado e, pela permanência

no preceito do amor, sob a assistência do Espírito

Santo, como filhos através do Filho (Jo 15, 9.15;

1Jo3, 1-3; 1Jo4, 9s).

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Na Sua Páscoa, Jesus forma a

comunidade dos discípulos sob a cruz e como

dom do seu mistério pascal lhes transmite o

perdão e a paz, com a expiração do Espírito Santo

(Jo 19-20).

Maria, a mãe de Jesus, é ressaltada

nos capítulos 2 e 19 do IV evangelho, como a

“Mulher”, mãe da Nova humanidade, mãe dos

discípulos amados; Em Apocalipse 12, ela é

enfatizada como o protótipo da Igreja.

7 CRISTOLOGIA PAULINA (catequese de Bento

XVI)

O Apóstolo Paulo (Saulo), natural de

Tarso, com cidadania romana, formado na Escola

rabínica de Gamaliel e membro do partido dos

fariseus, perseguiu a Igreja de Deus (cf. Gl 1, 13),

porém, no meio do seu caminho, o Ressuscitado

mostrou-se a ele provocando-lhe a conversão.

De fato, Cristo, em seu mistério pascal,

já começara a manifestar-se a ele através da

paixão do proto-mártir Estevão (cf. At 7), que

reproduziu a paixão do Senhor.

A partir da manifestação do

ressuscitado, Saulo foi iniciado no caminho dos

discípulos; batizado por Ananias (cf. At 9, 18),

recebeu a tradição apostólica e a imposição das

mãos (cf. Gl 2, 7-10; At 13, 2s), sendo feito

apóstolo para o anúncio do Evangelho às nações.

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Paulo recebeu o martírio em Roma, por volta do

ano 64, na perseguição de Nero, quando também

foi martirizado o apóstolo São Pedro.

Abaixo, cito na íntegra, a IX catequese

do Papa Bento XVI sobre o apóstolo São Paulo,

na qual o então pontífice tratou especialmente da

cristologia do apóstolo dos gentios. Esta ocorreu

na Audiência Geral de 22 de outubro de 2008.

Segue, o texto:

“A importância da cristologia - Preexistência e

encarnação

Prezados irmãos e irmãs

Nas catequeses das semanas passadas,

meditamos sobre a "conversão" de São Paulo, fruto do

encontro pessoal com Jesus crucificado e ressuscitado,

e interrogamo-nos sobre qual foi o relacionamento do

Apóstolo das Nações com o Jesus terreno. Hoje,

gostaria de falar do ensinamento que São Paulo nos

deixou acerca da centralidade de Cristo ressuscitado no

mistério da salvação, sobre a sua cristologia. Na

verdade, Jesus Cristo ressuscitado, "exaltado acima de

todos os nomes", encontra-se no âmago de toda a sua

reflexão. Para o Apóstolo, Cristo constitui o critério de

avaliação dos acontecimentos e das realidades, a

finalidade de todo o esforço que ele realiza para

anunciar o Evangelho, a grande paixão que sustém os

seus passos pelos caminhos do mundo. E trata-se de um

Cristo vivo, concreto: o Cristo, diz Paulo, "que me

amou e se entregou a si mesmo por mim" (Gl 2, 20).

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Esta pessoa que me ama, com a qual eu posso falar, que

me ouve e me responde, ela é realmente o princípio

para compreender o mundo e para encontrar o caminho

na história.

Quem leu os escritos de São Paulo sabe bem que

ele não se preocupou em narrar os simples

acontecimentos em que se articula a vida de Jesus,

embora possamos intuir que nas suas catequeses narrou

muito mais sobre o Jesus pré-pascal de quanto escreveu

nas suas Cartas, que constituem admoestações em

situações específicas. A sua intenção pastoral e

teológica estava tão orientada para as comunidades

nascentes, que lhe era espontâneo concentrar todo o

anúncio de Jesus Cristo como "Senhor", vivo e presente

agora no meio dos seus. Daqui, a essencialidade

característica da cristologia paulina, que desenvolve as

profundidades do mistério com uma preocupação

constante e específica: sem dúvida, anunciar Jesus vivo,

o seu ensinamento, mas anunciar sobretudo a realidade

central da sua morte e ressurreição, como ápice da sua

existência terrena e raiz do sucessivo desenvolvimento

de toda a fé cristã, de toda a realidade da Igreja. Para

o Apóstolo, a ressurreição não é um acontecimento

independente, desvinculado da morte: o Ressuscitado é

sempre aquele que, primeiro, foi crucificado. Também

como Ressuscitado tem as suas feridas: a paixão está

presente nele e pode-se dizer com Pascal que Ele é

sofredor até ao fim do mundo, embora seja o

Ressuscitado e viva conosco e para nós. Esta identidade

do Ressuscitado com Cristo crucificado, Paulo

compreendeu-a no encontro no caminho de Damasco:

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naquele momento, revelou-se-lhe claramente que o

Crucificado é o Ressuscitado, e o Ressuscitado é o

Crucificado, que a Paulo diz: "Por que me persegues?"

(Act 9, 4). Paulo persegue Cristo na Igreja, e então

compreende que a cruz não é "uma maldição de Deus"

(Dt 21, 23), mas sim um sacrifício para a nossa

redenção.

O Apóstolo contempla fascinado o segredo

escondido do Crucificado-Ressuscitado e, através dos

sofrimentos experimentados por Cristo na sua

humanidade (dimensão terrena), remonta àquela

existência eterna em que Ele é um só com o Pai

(dimensão pré-temporal): "Quando chegou a plenitude

dos tempos, ele escreve, Deus enviou o seu Filho,

nascido de mulher, nascido sujeito à Lei, para resgatar

aqueles que estavam sob o jugo da Lei e para que

recebêssemos a adoção de filhos" (Gl 4, 4-5). Estas

duas dimensões, a preexistência eterna no Pai e a

descida do Senhor na encarnação, anunciam-se já no

Antigo Testamento, na figura da Sabedoria.

Encontramos nos Livros sapienciais do Antigo

Testamento alguns textos que exaltam o papel da

Sabedoria preexistente à criação do mundo. É neste

sentido que devem ser lidos trechos como este, do

Salmo 90: "Antes que nascessem as montanhas, e se

transformassem a terra e o universo, desde os séculos

dos séculos Vós sois, ó Deus" (v. 2); ou trechos como

aquele que fala da Sabedoria criadora: "O Senhor

criou-me como primícias das suas obras, desde o

princípio, antes que criasse qualquer coisa. Desde a

eternidade fui constituída, desde as origens, antes dos

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primórdios da terra" (Pr 8, 22-23). É sugestivo também

o elogio da Sabedoria, contido no livro homônimo: "A

Sabedoria estende o seu vigor de uma extremidade à

outra e governa o universo com suavidade" (Sb 8, 1).

Os próprios textos sapienciais que falam da

preexistência eterna da Sabedoria, falam também da

descida, da humilhação desta Sabedoria, que construiu

para si uma tenda no meio dos homens. Assim, já

sentimos ressoar as palavras do Evangelho de João,

que fala da tenda da carne do Senhor. Construiu para si

uma tenda no Antigo Testamento: aqui está indicado o

templo, o culto segundo a "Torá"; mas do ponto de vista

do Novo Testamento, podemos compreender que esta

era uma prefiguração da tenda muito mais real e

significativa: a tenda da carne de Cristo. E já vemos

nos Livros do Antigo Testamento que esta humilhação

da Sabedoria, a sua descida na carne, implica também

a possibilidade da sua rejeição. Desenvolvendo a sua

cristologia, São Paulo refere-se precisamente a esta

perspectiva sapiencial: reconhece em Jesus a sabedoria

eterna existente desde sempre, a sabedoria que desce e

constrói para si uma tenda no meio de nós e, assim, ele

pode descrever Cristo como "poder e sabedoria de

Deus", pode dizer que Cristo se tornou para nós

"sabedoria por obra de Deus, justiça, santificação e

redenção" (cf. 1 Cor 1, 24-30). De modo análogo,

Paulo esclarece que Cristo, da mesma forma como a

Sabedoria, pode ser rejeitado sobretudo pelos

dominadores deste mundo (cf. 1 Cor 2, 6-9), de tal

modo que se pode criar, nos desígnios de Deus, uma

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situação paradoxal, a cruz, que se transformará em

caminho de salvação para todo o gênero humano.

Um ulterior desenvolvimento deste ciclo

sapiencial, que vê a Sabedoria humilhar-se para depois

ser exaltada, não obstante a rejeição, verifica-se no

famoso hino contido na Carta aos Filipenses (cf. 2, 6-

11). Trata-se de um dos textos mais excelsos de todo o

Novo Testamento. Na sua esmagadora maioria, os

exegetas já concordam em considerar que essa perícope

apresenta uma composição precedente ao texto da

Carta aos Filipenses.

Esse é um dado de grande importância, porque

significa que, antes de Paulo, o judeu-cristianismo

acreditava na divindade de Jesus. Em síntese, a fé na

divindade de Jesus não é uma invenção helenista,

surgida muitos anos depois da vida terrena de Jesus,

uma invenção que, esquecendo-se da sua humanidade,

Tê-lo-ia divinizado; na realidade, vemos que o primeiro

judeu-cristianismo acreditava na divindade de Jesus;

aliás, podemos dizer que os próprios Apóstolos, nos

principais momentos da vida do seu Mestre,

compreenderam que Ele é o Filho de Deus, como São

Pedro disse em Cesareia de Filipe: "Tu és o Messias, o

Filho do Deus vivo" (Mt 16, 16). Todavia, voltemos ao

hino da Carta aos Filipenses. A estrutura desse texto

pode ser articulada em três estrofes, que explicam os

momentos principais do percurso realizado por Cristo.

A sua preexistência é expressa pelas palavras: "Ele, que

era de condição divina, não reivindicou o direito de ser

equiparado a Deus" (v. 6); segue-se, então, a

humilhação voluntária do Filho, na segunda estrofe:

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"Despojou-se a si mesmo, tomando a condição de

servo" (v. 7), humilhando-se a si mesmo, "fazendo-se

obediente até à morte, e morte de cruz" (v. 8). A

terceira estrofe do hino anuncia a resposta do Pai à

humilhação do Filho: "Por isso é que Deus O exaltou e

lhe deu um nome que está acima de todo o nome" (v. 9).

O que surpreende é o contraste entre a humilhação

radical e a sucessiva exaltação na glória de Deus. É

evidente que essa segunda estrofe está em contraste

com a pretensão de Adão, que queria ser Deus; está

também em contraste com o gesto dos construtores da

torre de Babel que, sozinhos, desejavam edificar a

ponte para o céu e fazer-se, eles mesmos, divindades.

Mas essa iniciativa da soberba terminou na

autodestruição: não é assim que se chega ao céu, à

verdadeira felicidade, a Deus. O gesto do Filho é

exatamente o contrário: não a soberba, mas a

humildade, que é realização do amor, e o amor é

divino. A iniciativa de humilhação, de humildade

radical de Cristo, com a qual contrasta a soberba

humana, é realmente expressão do amor divino; segue-

se-lhe aquela elevação ao céu, à qual Deus nos atrai

mediante o seu amor.

Além da Carta aos Filipenses, existem outros

lugares da literatura paulina onde os temas da

preexistência e da descida do Filho de Deus sobre a

terra estão ligados entre si. Uma confirmação da

assimilação entre Sabedoria e Cristo, com todos os

correspondentes aspectos cósmicos e antropológicos,

encontra-se na primeira Carta a Timóteo: "Ele

manifestou-se na carne, foi justificado pelo Espírito,

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visto pelos anjos, pregado aos gentios, acreditado no

mundo e exaltado na glória" (3, 16). É sobretudo

segundo estas premissas que melhor se pode definir a

função de Cristo como único Mediador, tendo como

pano de fundo o único Deus do Antigo Testamento (cf. 1

Tm 2, 5, em relação a Is 43, 10-11; 44, 6). Cristo

constitui a verdadeira ponte que nos orienta para o céu,

para a comunhão com Deus.

E, finalmente, apenas uma referência aos últimos

desenvolvimentos da cristologia de São Paulo nas

Cartas aos Colossenses e aos Efésios. Na primeira,

Cristo é qualificado como "primogénito de todas as

criaturas" (cf. 15-20). Esta palavra "primogénito"

implica que o primeiro entre muitos filhos, o primeiro

entre muitos irmãos e irmãs, desceu para nos atrair e

fazer seus irmãos e irmãs. Na Carta aos Efésios

encontramos uma bonita exposição do desígnio divino

da salvação, quando Paulo diz que Deus queria

recapitular tudo em Cristo (cf. Ef 1, 23). Cristo é a

renovação de tudo, resume tudo e orienta-nos para

Deus. E deste modo insere-nos num movimento de

descida e de ascensão, convidando-nos a participar na

sua humildade, ou seja, no seu amor ao próximo, para

assim sermos partícipes também da sua glorificação,

tornando-nos com Ele filhos no Filho. Oremos a fim de

que o Senhor nos ajude a conformar-nos com a sua

humildade e com o seu amor, para que assim nos

tornemos partícipes da sua divinização.”

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8 HEBREUS

Em Hebreus, uma longa homília do

primeiro século, Jesus Cristo é apresentado como

o Verdadeiro Sumo Sacerdote, por se manifestar

solidário com os seres humanos pecadores e, ao

mesmo tempo, fonte de misericórdia para a

humanidade. Ele é o Filho eterno de Deus,

superior aos anjos.

O auto-sacrifício do seu corpo na cruz,

oferecido de uma vez por todas, revela que ele é o

autêntico ministro do verdadeiro culto e por sua

páscoa entrou de uma vez por todas, não no

santuário de Jerusalém, que é uma estrutura que

reflete os arquétipos celestes que Moisés

contemplou sobre o monte Sinai, mas no

Santuário celeste, repouso prometido ao povo de

Deus e aberto aos que são fiéis a Cristo.

Jesus Cristo não entrou no Santuário

de Jerusalém que é cópia, como o sumo

Sacerdote do seu povo adentrava no dia do

perdão, o Yom Kippur, todos os anos.

Jesus Cristo, por sua morte sacrifical,

entrou definitivamente no próprio arquétipo que

Moisés contemplou, e alcançou-nos o perdão de

uma vez por todas; por isso, está no trono da

graça, dispensando-nos o perdão.

Assim, o sacerdócio de Cristo se

inscreve na ordem de Melquisedec, rei-sacerdote

de paz e de justiça com conotação sobre-histórica,

ele é maior que Abraão, que a ele paga o dízimo e

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dele recebe a bênção, é também maior que os

descendentes de Abraão, inclusive os levitas, tribo

a quem tocou o serviço sacerdotal.

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FLORESCIMENTO

A cruz floresce qual árvore

Em meio ao Jardim do mundo.

Afronta-lhe, qual um absurdo,

É vida que vence a morte!

O Verbo de Deus qual semente,

Morrendo dá vida nova,

Nos lumes da eterna Aurora,

Salvando o mundo crente!

Jesus, O Verbo da Vida,

Altar, sacerdote e vítima:

Filho que no Amor, recria-nos.

À glória eterna, convida-nos

Pelos anuncio, fé e batismo,

Sob Pão e Vinho eucarísticos.

(Frei Jonas Silva – Poético, 2018, pp.97-98)

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II TABELA DOS PRIMEIROS CONCÍLIOS

ECUMÊNICOS

CONCÍLIO DE:

ANO HERESIA COMBATIDA

DETERMINAÇÃO DOGMÁTICA

NICÉIA 325 Arianismo / Apolinarismo

Jesus Cristo, o Filho de Deus que nasceu da Virgem, é da mesma substância do Pai; assim, Ele é Deus.

CONSTANTINOPLA I

381 Pneumatômacos

O Espírito Santo é Deus, com o Pai e o Filho.

ÉFESO I 431 Nestorianismo

Maria é Mãe de Deus, pois na união hipostática das naturezas humana e divina na única pessoa do Verbo encarnado, há uma perfeita comunicação de idiomas, sem conjunção ou justaposição, mas união perfeita e indissolúvel.

CALCEDÔNIA

451 Monofisismo

O Verbo encarnado, Jesus Cristo, na

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sua única pessoa divina, possui natureza divina e natureza humana perfeitas.

CONSTANTINOPLA III

680/1 Monotelitismo

O Verbo encarnado, Jesus Cristo, possui uma vontade divina e uma vontade humana, perfeitamente concordes e unidas.

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CONHECENDO JESUS CRISTO

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III A JUSTIFICAÇÃO CONFORME O CONCÍLIO

DE TRENTO

O Decreto sobre a Justificação foi

promulgado pelo papa Paulo III, em 1547, como

doutrina definida pela Igreja no Concílio de Trento

(1545 - 1563). Organiza-se em 16 capítulos, mais

33 cânones anatemáticos.

A ideia de Justificação encontra a sua

base fundamental na Sagrada Escritura,

sobremaneira nas epístolas do Apóstolo Paulo (Cf:

Rm 1; Fl 3; Gl 5, 1; I e IICor); é apresentada como

fruto objetivo da ação gratuita e redentora do Pai,

através das missões divinas do Filho e do Espírito

Santo.

Segundo a síntese de Stancati (2003,

p.424): “a Justificação é a transformação global,

operada por Deus, que transporta a pessoa do

estado de pecado-inimizade com Ele para o de

santidade e de filiação adotiva divina, apta à

destinação sobrenatural”. Esse conceito se

inscreve no pensamento soteriológico de Santo

Anselmo de Aosta, na obra “Por que Deus se fez

homem”, considerando a Justificação a partir do

pecado.

Conforme o Decreto sobre a

Justificação (Dz 1520-1583), deve-se partir do

reconhecimento do pecado original e seus efeitos

sobre a natureza humana, no contexto da

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importância da Natureza e da Lei para Justificar o

ser humano, passando a consideração da História

da Salvação e do mistério da vinda de Cristo

(Encarnação), que morreu por todos (Cf: 2 Cor 5,

15). Porém, só aqueles aos quais são

comunicados os méritos da Sua Paixão recebem

os benefícios da Sua Páscoa. Assim, o pecador é

justificado, entrando no estado de Graça, ao

aceitar pela fé a pregação da Igreja e ao receber

dela o Sacramento do Batismo, senão – na

impossibilidade- apenas o Batismo de desejo.

Para tanto, os adultos têm a

necessidade de se prepararem para a Justificação

que deriva da “Graça preveniente de Deus, no

chamado de Cristo, sem mérito algum por parte do

ser humano, consentindo e cooperando com a

Graça, através da iluminação do Espírito Santo”,

acolhendo a Fé, que deriva da escuta da

Pregação eclesial, dando seu assentimento,

recebendo o Batismo, iniciando uma Vida Nova e

observando os mandamentos de Deus.

Através da voluntária recepção da

graça e dos dons, santificando e renovando o

homem interior, acontece a Justificação do

pecador, derivada de cinco causas (Dz 1529):

Final: A glória de Deus e a Vida eterna; Eficiente:

Deus em Sua Misericórdia e graça, purifica-nos e

santifica-nos, assinalando-nos e ungindo-nos;

Meritória: o Verbo encarnado, através de Sua

paixão sobre a Cruz, satisfez a Deus Pai;

Instrumental: o Sacramento da fé, que é o

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Batismo, sem o qual ninguém é salvo e; Formal: A

justiça de Deus, aquela pela qual Ele nos torna

justos: na qual, perdoados, somos renovados “no

espírito da nossa mente”

Ao ser justificado, o ser humano

recebe, junto com o Perdão dos Pecados - ao ser

enxertado em Jesus Cristo e através Dele-as

Virtudes Teologais. A Esperança e a Caridade

seguem a Fé, na Graça de Deus, pois “a fé é o

princípio da salvação humana” (Dz 1532) e “a fé

sem obras é morta” (Dz1531).

Por tudo isso, não se deve presumir a

própria salvação e se deve reconhecer o aumento

da Justificação recebida, através do progresso nas

virtudes, mediante a graça de Cristo e a

cooperação da fé para as boas obras. Derivando

disso, a necessidade e a possibilidade da

observância dos Mandamentos, dado que é

próprio do justo um espírito contrito e penitente,

pelo fato de ele cair, ao menos, em pecados leves

e cotidianos. Nisso, o homem justificado deve se

precaver contra a temerária presunção da

predestinação, implorando de Deus o dom da

perseverança final e recorrendo sempre ao

Sacramento da Penitência, dado pela Igreja, pelos

méritos de Cristo, pois a graça se perde com

qualquer pecado mortal, não obstante permaneça

a fé.

O Capítulo 16, desse Decreto, trata

dos frutos da justificação ou méritos das boas

obras e da razão destes méritos: Cristo, cabeça da

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Igreja, transmite sua força aos seus membros

justificados. Assim, a Justiça de Deus é designada

também “Nossa”, dado que está inerente a nós e

nos justifica. Por isso, só é conveniente, e é dever,

gloriar-se no Senhor, ainda mais pelo motivo que

toda a vida humana deve ser examinada e julgada

conforme o juízo divino

A Justificação, conforme Stancati

(2003, p. 424), não é só a remissão dos pecados,

mas também o dom de um novo princípio vital de

existência no Espírito Santo, a vida de filhos de

Deus, predestinada à Vida Eterna.

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IV SISTEMÁTICA

1 PENSAMENTOS DE CRISTOLOGIA

FRANCISCANA

Podemos dizer que toda a reflexão da fé de Francisco a respeito de Jesus Cristo está sempre orientada para Deus na perspectiva evangélica, pela qual a ‘vida segundo o → evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo’, uma vida que se opõe, por sua prática (tácita, implícita, sem contestação intencionada), a todos os símbolos negativos, opressores do homem, é o espaço onde a invocação de Deus como nosso Pai assume sentido absolutamente novo para o homem, porque é o lugar onde, à imitação de Cristo, vivemos novamente a fraternidade. (POMPEI, 1993,p.358)

*ENCARNAÇÃO

O Filho se humilhou, descendo do ‘trono real...ao seio da Virgem’ (Adm1,16). Esta humilhação estava profundamente gravada no coração de Francisco [...] É no seio de Maria que o Filho de Deus ganha ‘a verdadeira carne da nossa humanidade’; conservando-se como Verbo de Deus, escolhe a humildade, a pobreza de

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Maria (2CtFi4-5). Ele viveu na ‘tribulação’, no opróbrio, na fome, na sede, na enfermidade, na tentação e em tudo o mais’ (Adm 6,2) e morreu por nós, depois de ter colocado ‘sua vontade na vontade do Pai’ (2CtFi4-15) e de ressuscitar para nossa salvação (OfP, 1Non). (POMPEI, 1993,p.360).

Segue o texto da Audiência do papa

Bento XVI sobre a origem da festa do Natal, onde

enfatiza a essencial contribuição sanfranciscana,

para a mesma; em 23 de dezembro de 2009:

Queridos irmãos e irmãs!

Com a Novena de Natal, que estamos a celebrar

nestes dias, a Igreja convida-nos a viver de modo

intenso e profundo a preparação para o Nascimento do

Salvador, já iminente. O desejo, que todos trazemos no

coração, é que a próxima festa do Natal nos dê, no meio

da atividade frenética dos nossos dias, serena e

profunda alegria para nos fazer tocar com mão a

bondade do nosso Deus e nos infunda renovada

coragem.

Para compreender melhor o significado do Natal

do Senhor, gostaria de fazer uma breve menção à

origem histórica desta solenidade. De fato, o Ano

litúrgico da Igreja não se desenvolveu inicialmente

partindo do nascimento de Cristo, mas da fé na sua

ressurreição. Por isso, a festa mais antiga da

cristandade não é o Natal, mas a Páscoa; a

ressurreição de Cristo funda a fé cristã, está na base do

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anúncio do Evangelho e faz nascer a Igreja. Por

conseguinte, ser cristãos significa viver de modo pascal,

fazendo-nos envolver no dinamismo que é originado

pelo Batismo e leva a morrer para o pecado para viver

com Deus (cf. Rm 6, 4).

O primeiro que afirmou com clareza que Jesus

nasceu a 25 de Dezembro foi Hipólito de Roma, no seu

comentário ao Livro do profeta Daniel, escrito por

volta de 204. Depois, alguns exegetas observam que

naquele dia se celebrava a festa da Dedicação do

Templo de Jerusalém, instituída por Judas Macabeu,

em 164 a.C. A coincidência de datas significaria então

que, com Jesus, que apareceu como luz de Deus na

noite, realiza-se deveras a consagração do templo, o

Advento de Deus nesta terra.

Na cristandade, a festa do Natal assumiu uma

forma definitiva no século IV, quando substituiu a festa

romana do "Sol invictus", o sol invencível. Assim, foi

evidenciado que o nascimento de Cristo é a vitória da

verdadeira luz sobre as trevas do mal e do pecado.

Contudo, a particular e intensa atmosfera espiritual que

circunda o Natal desenvolveu-se na Idade Média,

graças a São Francisco de Assis, que estava

profundamente apaixonado pelo homem Jesus, pelo

Deus-conosco. O seu primeiro biógrafo, Tomás de

Celano, na Vida segunda, narra que São Francisco

"acima de todas as outras solenidades, celebrava com

inefável solicitude o Natal do Menino Jesus, e chamava

festa das festas ao dia no qual Deus, feito pequeno

infante, se tinha amamentado num seio humano"

(Fontes Franciscanas, n. 199, p. 492). Desta particular

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devoção ao mistério da Encarnação teve origem a

famosa celebração do Natal, em Greccio. Ela,

provavelmente, foi inspirada em São Francisco pela sua

peregrinação à Terra Santa e pelo presépio de Santa

Maria Maior, em Roma. O que animava o Pobrezinho

de Assis era o desejo de experimentar de modo

concreto, vivo e atual a humilde grandeza do

acontecimento do nascimento do Menino Jesus e de

comunicar a sua alegria a todos.

Na primeira biografia, Tomás de Celano fala da

noite do presépio de Greccio de modo vivo e

comovedor, oferecendo uma contribuição decisiva para

a difusão da tradição natalícia mais bonita, a do

presépio. De fato, a noite de Greccio voltou a dar à

cristandade a intensidade e a beleza da festa do Natal, e

educou o Povo de Deus para compreender a sua

mensagem mais autêntica, o calor particular, e a amar

e adorar a humanidade de Cristo. Essa particular

aproximação ao Natal ofereceu à fé cristã uma nova

dimensão. A Páscoa tinha concentrado a atenção sobre

o poder de Deus que vence a morte, inaugura a vida

nova e ensina a esperar no mundo que há de vir. Com

São Francisco e com o seu presépio eram postos em

evidência o amor inerme de Deus, a sua humildade e a

sua benignidade, que na Encarnação do Verbo se

manifesta aos homens para ensinar um novo modo de

viver e de amar.

Celano narra que, naquela noite de Natal, foi

concedida a Francisco a graça de uma visão

maravilhosa. Viu jazer imóvel na manjedoura um

pequeno menino, que foi despertado do sono

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precisamente pela proximidade de Francisco. E

acrescenta: "Nem esta visão discordava dos fatos

porque, por obra da sua graça que agia por meio do

seu santo servo Francisco, o Menino Jesus foi

ressuscitado no coração de muitos que o tinham

esquecido, e foi impresso profundamente na sua

memória amorosa" (Vida primeira, op. cit., n. 86, p.

307). Esse quadro descreve com muita clareza quanto a

fé viva e o amor de Francisco pela humanidade de

Cristo transmitiram à festa cristã do Natal: a

descoberta que Deus se manifesta nos membros frágeis

do Menino Jesus. Graças a São Francisco, o povo

cristão pôde compreender que no Natal Deus se tornou

deveras o "Emanuel", o Deus-conosco, do qual não nos

separa barreira nem distância alguma. Naquele

Menino, Deus tornou-se tão próximo de cada um de

nós, tão próximo, que podemos chamá-lo por tu e

manter com ele uma relação confidencial de afeto

profundo, assim como fazemos com um recém-nascido.

De fato, naquele Menino, manifesta-se Deus-

Amor: Deus vem sem armas, sem a força, porque não

pretende conquistar, por assim dizer, de fora, ao

contrário, deseja ser acolhido pelo homem em

liberdade; Deus faz-se Menino inerme para vencer a

soberba, a violência e a ambição de posse do homem.

Em Jesus, Deus assumiu esta condição pobre e

desarmante para nos vencer com o amor e nos guiar à

nossa verdadeira identidade. Não devemos esquecer

que o título maior de Jesus Cristo é precisamente o de

"Filho", Filho de Deus; a dignidade divina é indicada

com uma palavra, que prolonga a referência à humilde

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condição da manjedoura de Belém, mesmo

correspondendo de modo único à sua divindade, que é a

divindade do "Filho".

A sua condição de Menino indica-nos, além

disso, como podemos encontrar Deus e gozar da Sua

presença. É à luz do Natal que podemos compreender

as palavras de Jesus: "Se não voltardes a ser como as

criancinhas, não podereis entrar no reino dos céus" (Mt

18, 3). Quem não compreendeu o mistério do Natal, não

entendeu o elemento decisivo da existência cristã. Quem

não acolhe Jesus com coração de criança, não pode

entrar no reino dos céus: foi isto que Francisco quis

recordar à cristandade do seu tempo e de todos os

tempos, até hoje. Rezemos ao Pai para que conceda ao

nosso coração aquela simplicidade que reconhece no

Menino o Senhor, precisamente como fez Francisco em

Greccio. Então, poderia acontecer também a nós, o que

narra Tomás de Celano – referindo-se à experiência

dos pastores na Noite Santa (cf. Lc 2, 20), –a propósito

de quantos estiveram presentes no acontecimento de

Greccio: "Cada um regressou à própria casa repleto

de alegria inefável" (Vida primeira, op. cit., n. 86, p.

479).

*CRUZ

Jesus, ‘colocando sua vontade na vontade do Pai’ (2CtFi 10), aceita a própria finitude e se entrega ao Deus infinito, que tem sempre a última

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palavra [...] A morte de Jesus foi consequência da força irresistível do amor e da bondade: ‘Vós vos dignastes morrer por amor de meu amor’(Abs). Morreu na qualidade de um amor que não conhecia comprometimentos, numa práxis toda dirigida para promover o bem do homem e resistindo a tudo o que lhe pudesse fazer mal. Essa prática não podia ser realizada com meios termos: ou toda para Deus, ou toda contra Deus. (POMPEI, 1993,p.361)

*EUCARISTIA

São Francisco sublinha, pois, com vigor, em estilo marcado pelo lirismo, a analogia entre a encarnação e a realidade eucarística sob a ótica do abaixamento de Cristo que, na encarnação, esconde sua divindade na condição humana e, na eucaristia, oculta-se no pão consagrado para convidar a contemplá-lo além do sinal, com os olhos da fé em sua divindade, presente em seu corpo e sangue, vivo e verdadeiro. (FALSINI, 1993, p. 225-226)

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2 JESUS CRISTO: CABEÇA DO COSMO E DA

HISTÓRIA, PERSPECTIVA DO CARDEAL

GIACOMO BIFFI

Apresento-vos uma síntese do livro

“Jesus de Nazaré, centro do Cosmo e da história”

do cardeal Giacomo Biffi. Trata-se de um pequeno

tomo com linguagem acessível, guardando a

grandeza cristológica da reflexão, enfatizando na

sua estrutura a unidade singular de Jesus Cristo:

Jesus histórico e Cristo da Fé.

A primeira parte trata sobre a

identidade de Jesus a nível histórico. Mas na

busca do retrato falado de Jesus, apesar de não

se possuir documentos técnicos e atuais de suas

expressões como fotos, gravações etc, embasa-se

nas diversas informações provenientes de várias

fontes através de documentos escriturísticos e

diversos testemunhos que chegaram até nós.

Deve-se recolher tais informações, organizando-as

e compreendendo-as adequadamente para captar,

de modo mais claro, a sua identidade.

Ele é um grande procurado, há

constante desejo de o encontrar, sobretudo pelos

fiéis cristãos.

As fontes escriturísticas, como os

Evangelhos, mesmo para o pesquisador laico, é

uma fonte respeitada e deve ser compreendida

com métodos hermenêuticos próprios.

Sobre o aspecto exterior, o traje de

Jesus é o mesmo dos israelitas observantes e

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notáveis, uma túnica inconsútil e um manto com

franjas. Seu modo de trajar-se está em sintonia

com o seu comportamento que transmitem

senhorio, respeitabilidade.

No convívio social, Jesus acolhe a

todos. A todas as pessoas destina a sua

mensagem. Na maior parte, são pessoas do

mundo do trabalho manual e braçal. Mas, também

dialoga com os homens de cultura, como os

escribas e fariseus.

Itinerante, Jesus se hospeda nas

casas de discípulos e amigos, como as de Pedro e

de Marta.

Pode-se averiguar que Jesus gozava

de boa saúde, enfrentando dias repletos de

atividades em 3 anos do seu ministério. É um

formidável caminhador, também precisa descansar

de suas labutas e peregrinações.

Os elogios tecidos a Jesus por uma

mulher admiradora, narrado em Lucas 11,27,

testemunham a beleza jovial e física de Jesus.

Seus olhos são magnetizantes, dá conta da

realidade que o circunda. Olha para o alto em suas

orações ao Pai, ou para Zaqueu no alto do

sicômoro. Sobretudo, penetrava, com o olhar, o

interno das pessoas até chegar ao coração.

Quanto à psicologia de Jesus,

evidencia-se que se a interioridade antropológica

já é um complexo difícil de compreender, mais

ainda a de Jesus, por sua natureza divina unida à

sua natureza humana. Porém, os relatos dos

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Evangelhos encorajam tal tarefa; no seu discurso,

Jesus manifesta a segurança absoluta de quem

fala com uma grande clareza de ideias, reunindo

seus ensinamentos em torno dos temas

fundamentais: o Pai e o seu Reino.

Observador presente e sensível à

realidade, nas suas sentenças e parábolas, mostra

que é atento à concretude da realidade humana,

inclusive nos costumes e coisas mais humildes do

dia-a-dia, dos quais tira uma mensagem sábia,

transmitida numa linguagem significativa e

compreensível para seus interlocutores.

Com a vontade firme, realiza escolhas

operativas, mantendo seus propósitos, agindo

como um líder nato do seu grupo, pois transmite

coragem, provocando seus discípulos no confiante

seguimento.

Seu comportamento possui a liberdade

perante seus parentes e opositores, conservando

suas convicções, mesmo diante das autoridades,

com respeito, mas sem temores reverenciais. A

liberdade de Jesus também marca seu

comportamento perante os amigos, preferindo a

ausência deles a ter de renunciar à sua missão.

Também assume a mesma postura perante

preconceitos e julgamentos alheios.

Com sensibilidade, expressa sua

intensa atividade, com paridade de sentimentos,

compadece-se das misérias humanas até as

entranhas, cultiva a amizade de modo gradativo

com seus apóstolos, os discípulos, a família de

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Betânia; manifesta ternura, acolhendo e

defendendo as crianças e as mulheres.

Psicologicamente sólido e senhor de si, sabe

expressar suas emoções sem constranger, sabe

chorar e ficar alegre. É atento às necessidades

das pessoas pobres e necessitadas, com empatia

e serviço.

Jesus, sente, pensa, expressa-se e

comporta-se peculiarmente como hebreu,

conforme seu ambiente cultural e histórico. Utiliza,

nas disputas com os rabinos, uma dialética própria

a eles, seu estilo semítico, utiliza também

esquemas próprios da literatura hebraica, como o

paralelismo simples, conforme Mateus 10,24;

10,39; o paralelismo antitético, conforme Mt 7,17 -

18; e o paralelismo estrófico, conforme Mateus

7,24 – 27.

Com coração de hebreu, Jesus ama

sua cultura, sua terra e seu povo, com certo

privilégio, integrado na observância das legítimas

tradições de Israel. Com relação às finanças,

Jesus não rejeitou o dinheiro, utiliza-o de maneira

que dê à sua missão uma realística base

financeira, preocupa-se com a prática da justiça,

baseada no relacionamento com o Criador, que

retribui com recompensa aos que praticam a

justiça.

Quanto à originalidade de Jesus: ele é

um rabino integrado na sua cultura e história,

conhecendo e citando a sagrada escritura,

gerando comportamento misericordioso para com

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os pecadores, incomodando a hipocrisia do seu

contexto social. Pela primazia que ele dá à vida de

interioridade, inserido na tradição profética, não

aprova o legalismo ritualista exagerado dos

fariseus.

Se Cristo ensina que as riquezas

podem se tornar Ídolos que escravizam o ser

humano, por isso é um risco, é para que se adote

a condição espiritual de pobreza para imprimir

desapego e liberdade para com os bens, para

confiar somente na providência de Deus.

Tratando do casamento, voltando ao

seu fundamento originário na criação, Jesus

condenou o divórcio e ensinou a viver o celibato

como modo de vida para o serviço itinerante do

Reino dos Céus.

A fonte interior de sua originalidade e

sua intensa relação com o Pai, é o que dá sentido

à sua vida e ministério. É o único que chama Deus

de Abbá, paizinho. Ele tem consciência de sua

singular filiação para com Deus e de que, no

Antigo Testamento, a relação de Deus para com o

povo eleito já foi enfatizada como paternidade

(Isaías; Jeremias 31,9; Malaquias 1,6; Samuel;

Salmos 89,27). Ele também foi apresentado como

pai dos órfãos, das viúvas e dos justos (Salmo

86,6; Salmo 103, 3; Sabedoria 2,6).

Que Jesus Cristo é o Filho de Deus é

manifesto no seu silêncio, na sua oração que se

desdobra em expressões de adoração,

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agradecimento, súplicas para glória de Deus, a

favor dos amigos e perdão aos inimigos.

Sua comunhão filial com Deus povoa

sua solidão, permanecendo firme na defesa das

suas doutrinas mais impopulares (João 6,15;

16,32).

Na sua comunhão com o Pai, Jesus

adere perfeitamente com sua vontade humana a

sua vontade divina. Ele tem consciência do amor e

do cuidado do Criador por todas as suas criaturas,

especialmente os seres humanos. E, por isso, é

justo que os filhos se assemelhem à santidade de

Deus Pai como resposta ao seu amor.

Jesus supera todo nacionalismo

religioso fechado, contradizendo a mentalidade

dos seus conterrâneos. Com base no amor de

Deus que se estende a todo o criado, e

declarando com força sem igual a paternidade

universal de Deus, indicando o amor como sentido

e como meio para o relacionamento do homem

para com Deus, dá primazia à interioridade que

também se expressa na justiça e no amor para

com o próximo

Da sua singular relação com Pai,

manifestando sua total originalidade, conclui-se

que não se pode titubear a certeza de que Jesus

Nazareno tinha de ser, de um modo propriamente

irrepetível e incomunicável, o Filho de Deus;

relativo ao Pai, põe a consciência da sua

magnitude e singularidade.

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Na segunda parte, Giacomo Biffi,

tratando da aproximação do Mistério de Jesus,

compreende o mesmo Jesus de Nazaré na

perspectiva da fé da Igreja, como “O Filho do Deus

Vivo”, “o salvador”, e “o cabeça do Cosmo, da

humanidade e da Igreja” para além da sua

realidade humana, na profundeza do seu mistério

e na sua ação Salvadora para conosco e no centro

do universo, e a partir da perspectiva da fé eclesial

(cf. p.50).

Jesus é o Cristo, o Filho do Deus Vivo

(Mateus 16,13 – 17,40). Essa é a fé da Igreja

apostólica da qual se participa na fé pelo Batismo.

E, apenas na Igreja se toca o mistério de Jesus

Cristo.

Por outro lado, as vozes do mundo

acerca do Senhor, são variadas opiniões

divergentes. Essas são agrupadas por Giacomo

Biffi: primeiro, Jesus no Imaginário subjetivo: ele é

um mito? E, um homem extraordinário? É, uma

crença? Uma ideia divina? Seria uma grandeza

para além do ser humano? Ele é real?

Outra perspectiva compreende Cristo

como o homem da boa nova, o extraordinário, um

gênio que marcou uma nova era na história

universal: Jesus é tomado por um gênio religioso

ou um gênio filosófico, talvez um gênio social e

político: praticamente um enigma histórico.

E o terceiro grupo, das pessoas que

veem Jesus como uma pessoa concreta na

história da humanidade. Porém, dele não se pode

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saber, certamente, nada, cientificamente. De sua

vida concreta, postulam a descontinuidade entre o

Jesus histórico e o Cristo da Fé.

O autor observa que, entre o povo, os

mitos e concepções sobre Jesus são geralmente

positivos. Porém, as perspectivas do povo e as da

Igreja sobre Jesus são maneiras diferentes de

tomar consciência, ao olhar para o seu mistério.

Certamente, as opiniões populares podem ser

sintetizadas na compreensão de Cristo como um

dos Profetas: o Libertador.

A fé da Igreja está expressa na

profissão de São Pedro Apóstolo: “Tu és o Cristo,

o Filho do Deus Vivo” (Mateus 16,16). Quem

adulterar ou decepar essa Fé, está fora da

comunhão eclesial.

Para além das variadas opiniões

acerca do mistério de Jesus Cristo, Ele permanece

único, sem precedentes ou repetições. De Jesus,

a Igreja o compreende no seu caráter messiânico,

na sua ressurreição e divindade.

A Igreja propõe, ainda hoje, a todos, a fé do apóstolo Pedro: Jesus é o Messias, isto é, a resposta divina a todas as expectativas fundamentais dos homens. Todas as eternas aspirações dos corações humanos: a verdade, a certeza, a liberdade, o sentido, a alegria encontram em Jesus de Nazaré a única realização decisiva (BIFFI, 2002, p.57).

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Enfatizando a ação Salvadora de

Jesus como único modo de responder quem é ele

para nós, o autor enfatiza o significado do nome

Yeshua: Deus salva. Ele é salvação e libertação

de um mal ameaçador que se aproxima.

Objeto da intervenção divina (a

salvação em Cristo que se faz a global e

definitiva), o ser humano, desde sua própria

interioridade, é conduzido ao seu destino,

revelando ao mesmo tempo a sua miséria

(pecado) e a sua grandeza (amado/salvo por

Deus). Tendo isso em mente, todas as teorias

iluministas sobre o ser humano, a dos

conservadores, dos radicais e dos marxistas se

mostram insuficientes. Essa verdade desmascara

todo o pelagianismo que considera o ser humano

único salvador de si mesmo.

“Para que a salvação alcance

efetivamente cada homem, é necessário que ele

creia, isto é, acolha com todo seu ser o Senhor

Jesus, em quem se realiza todo desígnio do Pai”

(BIFFI, 2002, p.69).

A reflexão teológica para compreender

a obra Redentora de Cristo parte dos atos do

Senhor em sua vida pública, não apenas do seu

mistério Pascal, mas de toda a sua existência,

pois, em Cristo, tudo é salvífico: Ele nos redimiu

não só por aquilo que fez, mas também por aquilo

que disse.

A questão da existência de Cristo

também se acopla à meditação dos Padres da

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CONHECENDO JESUS CRISTO

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Igreja sobre os mistérios da Sua Pré-existência: A

Encarnação, a Páscoa, a glorificação do Senhor. A

partir dos escritos joaninos e paulinos, em sintonia

com os padres da Igreja, considerando que Jesus

Cristo é a imagem do Pai (Colossenses 1,15),

compreende-se a possibilidade do Verbo

encarnado ser o redentor, na compreensão que o

ser humano foi criado como reflexo dele, à

imagem de Deus.

O Mistério da nossa redenção que

Cristo realizou em sua Páscoa, estava inscrito em

nosso estatuto criacional, que só poderia ser

realizado pelo Verbo Eterno de Deus que se

encarnou, pois fomos criados como seus reflexos:

Ele é o protótipo do homem (homem perfeito:

Novo Adão). Seu reflexo, que portamos, indica a

nossa conexão originária com Ele, que mesmo o

pecado não destruiu. Assim, perdura, na natureza

humana, a possibilidade do plano divino de nos

salvar no Verbo e nos fazer participar da Vida

divina.

No último capítulo, Giacomo Biff

apresenta Jesus Cristo como cabeça da Igreja,

Messias, Filho de Deus, centro do cosmo e da

História. É baseando-se em São Paulo

(Colossenses; I Coríntios) que expressa este

conceito fundamental da cristologia, usando a

metáfora do corpo e da cabeça: Cristo é a cabeça

da Igreja. Ele é, antes, a cabeça do universo

criado (Colossenses 1,16). O Cristo cabeça

derrama no seu corpo o Espírito Santo. Ele é

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enviado por Cristo, a partir de sua Páscoa, à Igreja

e ao cosmo: ao mundo interior-antropológico e ao

mundo exterior-cósmico, envolvendo na realidade

da salvação e da divinização.

3 DE CRISTO À SUA IGREJA: ECLESIOLOGIA

DE JOSEPH RATZINGER (Bento XVI)

Apresento-vos, a seguir, uma síntese

pormenorizada dos três primeiros capítulos do livro

“COMPREENDER A IGREJA HOJE: VOCAÇÃO

PARA A COMUNHÃO” DE J. Ratzinger (BENTO

XVI):

A– ORIGEM E NATUREZA DA IGREJA

-Considerações metodológicas preliminares

Atualmente, as questões teológicas

especulativas sobre a Igreja são de natureza

prática, como a questão sobre Jesus e a Igreja e a

forma da Igreja nos primórdios no Novo

Testamento são envolvidas por variadas teorias

exegéticas. A exegese liberal, conforme seu ideal,

vê Jesus como um grande individualista libertador

da instituição e do culto, um ser ético.

Com a Primeira Guerra Mundial e o

desmoronamento do liberalismo, houve o ressurgir

do desejo de reintegração da Comunidade Viva e

religiosa; inclusive, no âmbito protestante,

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valorizando-se a instituição Igreja. No âmbito

alemão, chegou-se à compreensão de que não se

pode separar o Messias do seu povo, valorizando

seu Sacramento e reconhecendo o significado da

Última Ceia, como o momento da fundação da

nova comunidade e origem permanente da Igreja,

abrindo-se para uma eclesiologia eucarística.

Depois da Segunda Guerra Mundial, com a Guerra

Fria, surgiu, no ocidente capitalista uma variante

da antiga teologia liberal com a interpretação

escatológica da mensagem de Jesus, tomando-se

os sacerdotes, o culto, a instituição e o direito,

novamente, como negativos que devem ser

superados. Tal forma liberal estava em vias de

transformar-se em uma interpretação marxista da

teologia, concebendo o Reino de Deus como o

ideal de uma sociedade comunista, opondo Igreja

oficial e Igreja popular.

Disso se pode concluir que cada

situação histórica da humanidade revela uma

determinada faceta da espiritualidade humana,

abrindo novos caminhos de compreensão da

realidade. Também a Igreja pode adentrar cada

vez mais nos fundamentos da sua verdade,

descobrindo novas dimensões dessas

experiências, sem trair a Revelação e sua

memória objetiva.

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-O testemunho do Novo Testamento sobre a

origem e a natureza da Igreja

Quanto à mensagem de Jesus sobre o

Reino dos céus, uma leitura histórica dos textos

evangélicos mostra que não pode haver

contraposição entre o Reino anunciado e a Igreja.

Inclusive, para Joachim Jeremias, o sentido da

obra de Jesus consiste em congregar o povo

escatológico para Deus. Quando Jesus disse que

o Reino de Deus está próximo, ele é o próprio

Reino; Jesus veio para congregar o povo que

estava disperso: é o dinamismo da unidade. Cristo

une e constitui a família de Deus; Deus é o Pai da

família; Jesus é o dono da casa. Um segundo

ponto importante é que Jesus ensina uma oração

comum para os seus discípulos: a oração do Pai

Nosso, que configura a célula inicial da Igreja, da

qual decorrem duas consequências: a comunidade

dos discípulos não é grupo sem forma, pois no seu

centro encontra-se o grupo dos 12, seguido pelo

ciclo dos 72 discípulos; os 72 discípulos significam

que Jesus reivindica para si toda a humanidade,

constituindo o povo da Nova Aliança, com as

palavras da instituição da Eucaristia, que apontam

para a sua Páscoa, realizando-a

sacramentalmente. Outra questão é da palavra de

Jesus sobre o templo do seu corpo, retificado após

o terceiro dia. Jesus incorpora, na sua pregação, o

tema da Aliança do Antigo Testamento que ele

renova na sua Páscoa congregando o seu povo no

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templo, que é o seu corpo. Esse povo só recebe o

título de povo de Deus a partir da comunhão com

Cristo, abrindo-se na relação para com Deus, que

não é produzida pelos homens.

A Igreja dá a si mesma o título de

Ekklesia. No Novo Testamento, a expressão povo

de Deus apenas designa o povo de Israel, não a

Igreja. Para esta, usa-se o vocábulo Ekklesia, o

termo grego utilizado na Septuaginta é referido no

Antigo Testamento com base na raiz Gahal, que é

Assembleia do Povo Santo de Deus, reunida para

o culto, escutando a palavra de Deus e aceitando-

a. Em Cristo morto e ressuscitado, pela ação do

Espírito Santo, é que se realiza esta Assembleia, a

Ekklesia, no Novo Testamento, como novidade do

Mistério da história da salvação na Aliança de

Deus, baseada na lei da justiça, transformada em

nova lei do amor concretizado em Cristo por sua

cruz e ressurreição. É sempre o Senhor que

congrega seu povo único no seu único sacrifício;

povos de todos os lugares, através da

solidariedade de Cristo com os seres humanos,

podem ser integrados Nele e se tornarem

participantes das promessas realizadas a partir

dele com a meta Suprema da União Total com Ele.

A doutrina paulina de “Igreja como

corpo de Cristo” não é novidade, mas uma fórmula

singular que expressa aquilo que caracterizou,

desde o princípio, o surgimento da Igreja. Isso já

foi utilizado como alegoria no Estoicismo, para

falar do Estado, mas a ideia paulina não se esgota

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em parâmetros sociológicos e morais filosóficos.

Também Platão já utilizou a imagem para falar do

universo como um corpo vivo. O precedente

semítico utilizava a personalidade corporativa

como Adão, representando todos os seres

humanos. Essa fórmula paulina nasce do âmbito

litúrgico-sacramental do Batismo e da Eucaristia

onde, a partir da dimensão cristológica, abre-se

para a dimensão Divina-trinitária. No Espírito de

Cristo, clamamos seu Senhorio e chamamos a

Deus de Pai. Outra raiz é a própria Eucaristia:

tomamos todos do mesmo pão que é o corpo de

Cristo, o corpo é a personalidade do sujeito

humano e a comunhão é o processo da

congregação no qual o Senhor nos aproxima como

irmãos. E mais uma ideia de São Paulo, é a dos

esponsais, que aparece na filosofia bíblica do

Amor (Eros, Philia, Ágape) e está inseparável da

teologia eucarística: o homem deixa seu pai e sua

mãe e une-se à sua mulher, formando uma só

carne. Um novo aspecto importante que surge, é

que a Igreja é o corpo de Cristo, da mesma

maneira que a mulher e o marido são um só corpo

e uma só carne. A Igreja continua a ser serva que

Cristo, em seu Amor, eleva à condição de esposa

que busca seu rosto neste final dos tempos,

manifestando o caráter dinâmico da realidade

sacramental que acontece de maneira pessoal, a

um caráter relacional e pneumatológico de ambos

os conceitos de corpo de Cristo, de esposa de

Cristo, porque a Igreja está sempre a caminho de

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se tornar uma só coisa com Cristo, o que inclui a

sua própria unidade interior.

-A visão da Igreja nos Atos dos Apóstolos

O critério primeiro foi identificar o que o

próprio Jesus Cristo diz para sua Igreja a partir da

Páscoa. A comunidade que provém de Jesus se

chamava Ekklesia. Os Atos dos Apóstolos

mostram, nesse sentido, uma eclesiologia

narrativa, começando com o quadro da reunião

dos discípulos na sala do Pentecostes,

congregados os apóstolos, Maria e a pequena

comunidade: o autêntico Gahal: Assembleia da

Aliança que reúne o número das nações. Também

aparece a catolicidade da Igreja na escolha de

Matias, mostrando-se a obediência dos Apóstolos

ao Senhor que os constituiu como Doze. É

importante ainda a função testemunhal dos

sucessores dos Apóstolos, perseverando a

comunidade na Eucaristia e nas orações. A cena

de Pentecostes é como um grande quadro pintado

por Lucas sobre a fundação da Igreja no Espírito

Santo em meio à teofania, contra a vontade

humana de poder, representada pela Babilônia. O

Espírito, no amor, induz ao reconhecimento e cria

unidade na diferença; o Espírito Santo abre aos

confins da terra. Primeiro, existe a Igreja: uma

Igreja, porém, que fala em todas as línguas,

porque é universal, gerando igrejas nos mais

diversos lugares; todas as igrejas particulares são

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a realização da única Igreja Católica. Como é o

compêndio das Nações que ocupa uma posição

teológica de destaque no Livro dos Atos dos

Apóstolos, por isso ela é a meta aonde chega a

Igreja Missionária.

B – O PRIMADO DE PEDRO E A UNIDADE DA

IGREJA

A questão da primazia do apóstolo

Pedro, da continuidade nos seus sucessores que

são os bispos de Roma, tornou-se o ponto mais

crucial das questões ecumênicas. Disputas que já

estavam presentes na Idade Média com as

querelas entre o império e o papado, passando

pelas questões das investiduras, pela época

moderna e tendências de separação de Roma, no

século XIX até os atuais protestos contra a função

diretiva do Papa e sua execução. Devem-se

distinguir dois problemas fundamentais: primeiro,

sobre o primado de Pedro e se é possível justificar

sua sucessão, com base no Novo Testamento;

segundo, se Roma pode reivindicar de ser a sede

de Pedro.

-A posição de Pedro no Novo Testamento

No Novo Testamento, a questão de

Pedro tem um significado Universal, como

expressa a antiga profissão de fé que o Apóstolo

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Paulo nos transmite, em I Coríntios 15, 3-7: Kéfas

(Pedro) é a primeira testemunha da Ressurreição

de Jesus Cristo; o apostolado é constituído,

fundamentalmente, pelo testemunho da

Ressurreição do Senhor e Pedro foi o primeiro que

pôde ver o Senhor e foi incluído na Confissão de

Fé Pascal; circunstância na qual recebeu uma

investidura dada pelo Senhor ressuscitado, na

ocasião da sua aparição. Na carta aos Gálatas, o

apóstolo Paulo, ao falar do conflito com Pedro,

defendendo a sua própria vocação apostólica,

indiretamente manifesta a importância de Pedro na

comunidade primitiva. Quando Paulo sobe a

Jerusalém, a finalidade da sua visita é encontrar-

se com Pedro, Tiago e João, pois existe apenas

um Evangelho comum assegurado por Pedro e

seus companheiros Tiago e João, que são as três

colunas da Igreja Primitiva. Tudo indica que o

apóstolo Tiago exerceu um certo primado na Igreja

Primitiva sobre os judeus cristãos com sede em

Jerusalém, porém, nunca para a Igreja universal,

como quer o teólogo protestante Oscar Cullmann.

A primazia singela de Pedro nunca foi atingida

pelas funções próprias das três colunas. Nos

escritos de João, há uma forte presença do tema

de Pedro em contraponto ao discípulo amado. O

teólogo protestante Rudolf Bultmann declarou

expressamente sobre João 21,15-19, que o

próprio Pedro foi encarregado da suprema direção

da Igreja; para ele, essa passagem remonta a uma

tradição mais antiga que a de Mateus 16, que se

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referem às chaves do céu dadas a Pedro. Para

Bultmann, a Igreja tem consciência própria da

posição de destaque de Pedro, conferida pelo

Senhor.

Relativamente ao ciclo dos 12

apóstolos, Pedro sempre é apresentado em uma

posição de maior destaque, e o grupo de 3,

formado com Pedro, Tiago e João sobressai sobre

os Doze, porém, Pedro sobressai sobre os três.

Em Lucas 5, 1-11, a vocação de Pedro é

apresentada como protótipo da vocação

apostólica; nas listas dos apóstolos, Pedro

geralmente tem o primeiro lugar.

Sobre o nome de Pedro, “Rocha”, dado

pelo próprio Jesus ao Apóstolo, Joachim Jeremias

mostrou que por detrás dessa designação

exprimindo a rocha sagrada, referencia-se um

texto rabínico sobre Abraão, pai na fé do Povo de

Deus. Essa função de Rochedo contra o Mundo

Ateu, agora é assumida, na Nova Aliança, por

Pedro, conduzindo a Igreja.

O texto da investidura, encontrado em

Mateus 16, 17-19, está no âmbito dos textos da

palavra do Senhor sobre o poder de ligar e

desligar conferido ao Colégio apostólico. A

teologia protestante Liberal encontrou motivos de

constatar que seja de Jesus a origem dessas

palavras. Posteriormente às duas grandes

guerras, no século XX, procuraram-se situações

para enquadrar as palavras às quais Bultmann

pensou que fossem oriundas da primitiva

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comunidade da Palestina e Jerusalém ou de

Antioquia. Mas, é claro que tais palavras provém

do próprio Jesus em última instância, porque a

Bíblia é de inspiração divina, pelo Espírito Santo e

é válida porque é válida a Sagrada Escritura

apresentada pelo Espírito como palavra de Jesus.

Os teólogos liberais colocaram forte

objeção. Identificaram o vocábulo Igreja que só

aparece a mais na passagem de Mateus 18,17;

porém, a forma literária do texto se torna mais

importante, pois a palavra provém do próprio

Jesus. A função de Pedro para com o Novo Povo

de Deus tem um significado Universal e

escatológico, em Mateus 16; ao mesmo tempo,

percebemos que Pedro, pelo Poder de Deus, pode

ser o fundamento da fé: a rocha firme de Cristo e,

ao mesmo tempo, pode ser uma pedra de

escândalo pela fraqueza humana. Assim, o

sucessor de Pedro sempre está neste dilema: ele

deve cumprir sua vocação de ser Rocha, porém a

história da humanidade mostrou, muitas vezes,

como pedra de tropeço, a humanidade dos Papas,

entretanto, o papado permanece o fundamento da

Igreja, pois segue com uma força que vem de

Deus para congregar o Novo povo de Deus que

transcende o tempo. Neste sentido, Pedro é um

administrador fiel da mensagem de Jesus, abrindo

as portas do Reino dos Céus, como guardião que

decide quem entra e quem não pode entrar. O

poder de tomar decisões doutrinais, disciplinares,

o direito de impor e levantar excomunhão, no

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fundo, o poder de desligar /ligar se refere ao

ministério de perdoar os pecados. Desse modo, a

Igreja é, por sua própria natureza, lugar de perdão,

banindo todo o caos de seu interior, mantendo-se

coesa pelo perdão, do qual Pedro sempre será o

sinal. Por isso, a Igreja está onde o homem

encontra sua própria verdade: ser necessitado da

Graça de Deus, que vem pela morte e

ressurreição de Jesus. Ele venceu toda a morte,

destruindo o poder do inferno e expiando toda

culpa da qual vem toda a Força do Perdão.

-A questão da sucessão de Pedro

Quanto ao princípio da sucessão

petrina, em geral, o Novo Testamento, em todas

as suas tradições, conhece o primado de Pedro.

Tal faculdade é a justificativa da sucessão petrina,

porque no Novo Testamento não encontramos

uma afirmação expressa. É importante notar que,

ao final do primeiro século, o evangelho de João

considerou a sucessão petrina como algo presente

na Igreja se tomarmos o texto de João 21,

considerando que Pedro foi martirizado no ano 64;

de fato, as tradições do Novo Testamento nunca

revelam simples interesse por curiosidades

históricas, pois não pretendem diluir o caráter

original da primitiva Igreja.

Oscar Cullmann se colocou contra a

ideia da sucessão petrina, pois pensou que Pedro

fora substituído por Tiago. Rudolf Bultmann, por

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sua vez, acreditava que Pedro foi substituído pelas

três colunas: Pedro, Tiago e João; essas hipóteses

possuem fundamentação fraca; nos Atos dos

Apóstolos e nas cartas pastorais, o princípio da

sucessão assumiu uma forma concreta pelo

testemunho do Espírito Santo que, pelo

Sacramento designa três realidades: Palavra-

testemunha, o Espírito Santo e Cristo. Sobre a

sucessão Romana de Pedro, Santo Irineu de Lião,

combatendo o Gnosticismo, e Eusébio de

Cesaréia já afirmaram o primado da Igreja romana

sobre as demais Igrejas, a partir do século II, pois

em Roma, Pedro e Paulo receberam o martírio.

Roma é reconhecida como critério da autêntica Fé

Apostólica. Tal constatação fundamental é mais

antiga, inclusive, mais que o Cânon do Novo

Testamento da Escritura: trata-se do poder

originante, que, por excelência, deriva da cátedra

romana. Por isso, é claro que o princípio da

tradição de forma sacramental na sucessão

Apostólica, elemento constitutivo para a existência

e continuidade da Igreja, lugar do martírio de

Pedro e Paulo, está como detentor principal dos

poderes do apóstolo Pedro e de seus sucessores,

com papel culminante na formação da tradição

eclesial e também na fixação do cânon do Novo

Testamento.

O Novo Testamento nos revela o

primado petrino e as tradições dos primeiros

séculos. Unidos por Santo Irineu de Lião e

Eusébio, os testemunhos sobre a primazia da

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sucessão petrina, em Roma, como aquele que

assegura a tradição anterior e a fixação do cânon

do Novo Testamento. Por isso, o primado romano

não é invenção de papas, mas constitui elemento

fundamental da unidade eclesial.

Lembramos a tensão do papel e da

figura humana do Papa, chamado a ser Rocha da

Fé, por outro lado, na sua fragilidade humana,

pode tornar-se uma pedra de tropeço. Significa

que é Deus quem está verdadeiramente presente

e quem age neste ministério que é um Carisma

dado à Igreja. O centro do primado de Pedro, na

Igreja, constitui dom do Perdão que é sinal da

natureza do poder divino que brota da Cruz e da

Ressurreição do Senhor. Se hoje se pode

mencionar com realismo os pecados dos Papas

durante a história, sua desproporção humana com

a grandeza Divina da missão deve ser realista, ao

perceber que Pedro sempre foi a rocha contra

ideologias que dissolvem e que reduzem a Palavra

com sistemas de pensamentos de determinada

época, sujeitos aos poderes temporais. Não são a

carne e o sangue que salvam, mas o Senhor,

através daqueles homens chamados a este

ministério; quem nega isso não tem fé e não tem

humildade, nem reconhece a vontade de Deus.

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C IGREJA UNIVERSAL E IGREJA PARTICULAR:

A missão do bispo

A questão fundamental é o modo da

Igreja viver e como deve responder à vontade do

Senhor. A Igreja é formada pela Eucaristia, pois aí

está sacramentalmente a entrega de Jesus na

cruz, sob o pão e o vinho. A Igreja faz isso para

celebrar a memória do Senhor; a Igreja dá sua

resposta a essa ordem do Senhor. Pode-se

afirmar que a Igreja é Eucaristia, pois brota da

morte e ressurreição de Jesus Cristo; é o Espírito

do Senhor, morto e ressuscitado, quem dá a vida,

por isso, do nome Ekklesia sobressai a Igreja,

assembleia, como purificação dos seres humanos

oriundos de todos os povos, para que sejam de

Deus. É um processo dinâmico de unificação para

com Deus e para com os irmãos, unindo o ser

humano ao amor trinitário de Deus, integrando o

ser humano consigo e com todos os membros da

humanidade outrora destroçada, o que levou os

autores patrísticos a afirmarem que a Eucaristia e

a assembleia (Ekklesia) mostram a Igreja como

comunhão.

-Eclesiologia eucarística e ministério episcopal

É certo que a Igreja se realiza na

celebração eucarística, presença da palavra

anunciada. Essa celebração sempre se dá num

local concreto com as pessoas que ali habitam,

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iniciando o processo da unificação do Povo

chamado por Deus na assembleia litúrgica. A

Igreja sempre quer ser pública como o é o próprio

Estado; ela é o Novo povo de Deus para o qual

todos são chamados. Independentemente de

posição social e demais diferenças nacionais ou

étnicas, todos são chamados à assembleia

eucarística do lugar ao qual pertencem. Santo

Inácio de Antioquia insistiu na unicidade do

ministério episcopal de determinado lugar

pertencer à Igreja, sobre estar em comunhão com

o Bispo e que a Eucaristia só é válida sob

autoridade deste Bispo ou seu delegado,

presidente da celebração. Um só Bispo para um

só lugar, diz que a Igreja é una e única para todos,

pois há um só Deus para todos, inclusive, reunindo

na mesma assembleia pessoas que outrora eram

inimigas. Cristo derrubou o muro de separação, a

inimizade, construindo a paz pelo seu próprio

sangue, conforme a carta de São Paulo aos

Efésios. Por isso, uma Igreja eucarística é uma

Igreja episcopal sendo a partir disso que se deu

mais importância à Igreja local.

Atualmente, a Igreja Ortodoxa, em prol

da Igreja local, opõe-se ao primado Romano do

papa, como é praticado no Ocidente, pois, para os

ortodoxos, no mistério eucarístico está todo o

mistério da Igreja, por isso ela é completa na Igreja

local, sob o Bispo.

Neste tempo, com a fusão de

elementos católicos, ortodoxos e protestantes na

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teologia, surgem variações desta ideia ortodoxa,

questionando o ministério petrino. Os protestantes

acreditam que, por si só, reunir-se em nome de

Jesus gera a Igreja, independentemente de

qualquer instituição, tornando esta assembleia

sujeito de todos os poderes da Igreja, inclusive o

de celebrar a Eucaristia. Nascendo a Igreja da

parte de baixo, das bases, essa colocação põe a

perder o caráter público e o caráter reconciliador

universal, expresso no princípio episcopal e

derivado da essência eucarística da Igreja. O

sínodo dos bispos, de 1985, chamou a atenção

para a Comunhão como chave para compreensão

da Igreja, exigindo aprofundamento de eclesiologia

eucarística, na qual os diversos encargos do Papa,

dos Bispos, dos sacerdotes, dos leigos são

observados da perspectiva correta como conjunto,

a partir do Sacramento do corpo e do sangue do

Senhor, por isso a Igreja é Eucaristia, a Igreja é

comunhão exatamente com todo o corpo de Cristo

e se a Igreja não for católica, ela não existe.

-As estruturas da Igreja Universal na eclesiologia

eucarística

A questão sobre a expressão concreta

disso, leva-nos à Igreja Primitiva. Nela, estão

múltiplas formas da catolicidade ligadas à figura do

próprio apóstolo; este não se reduz ao princípio da

Igreja local, o apóstolo não é bispo, mas

missionário de toda a Igreja; os bispos são seus

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sucessores, pois, no apóstolo, em sua pessoa, a

Igreja universal se expressa, ele não pertence a

nenhuma Igreja local, mas à Igreja toda. É o que

testemunha São Paulo, por suas cartas às

diversas comunidades; para ele, ser cristão

significa estar vinculado a uma única assembleia

de Deus, que está se formando e que se encontra

em todos os lugares como única e mesma.

Na época Apostólica, era patente que

a Igreja toda era universal, católica. A partir disso,

compreende-se que os bispos são sucessores dos

Apóstolos; a Igreja deve permanecer apostólica,

pois o seu dinamismo de unidade permanece

marcado profundamente por essa estrutura do

bispo como sucessor dos Apóstolos. Esse sentido

se eleva contra o reducionismo de se

compreender o bispo como apenas pertencente à

Igreja local, mas ele deve ser solícito pela Igreja

universal, no colégio episcopal, mostrando

consciência quanto à unidade da única Igreja

presente em todos os lugares, contra toda a

tendência ao isolamento. Para Santo Agostinho,

“se estou na Igreja, cujos membros são todas

aquelas Igrejas das quais sabemos realmente pela

Escritura Sagrada terem surgido, crescido, graças

às atividades dos Apóstolos, não renunciarei à sua

comunhão em nenhum lugar, com ajuda da Graça

divina”, e Santo Irineu, já dizia que “a Igreja

espalhada pelo mundo inteiro guarda zelosamente

esta pregação da fé, porque habita como que

numa única casa e, em sua fé, assemelha-se

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àqueles que têm como uma só alma, um só

coração, prega, ensina e transmite a doutrina em

uníssono, como se tivesse apenas uma boca”. É

nesse sentido que as cartas de comunicação com

o símbolo da fé, assinadas pelo bispo, davam ao

cristão peregrino uma credencial para ser acolhido

por outra igreja local.

O bispo aparece como um elo concreto

de união da catolicidade, mantendo a comunhão

com outros bispos, vivenciando o elemento

apostólico e católico; a fé sempre exige ir para os

outros e receber dos outros, pois provém do

próprio Senhor e o bispo é consagrado, no

mínimo, por um grupo de três bispos. A Igreja não

pode reduzir-se à submissão ao conciliarismo

como o seu modo estrutural, pois essa ideia faz

desaparecer a responsabilidade universal por toda

a Igreja, inerente ao apóstolo e aos seus

sucessores. Assim, que a sucessão do bispo em

Alexandria só era efetivada para o patriarcado, a

partir da resposta positiva à carta e à profissão do

símbolo do novo patriarca, perante o Papa de

Roma. Isso era critério da unidade da pentarquia

patriarcal ao longo da história antiga. A Igreja

sempre é chamada a estar vigilante, para que as

estruturas institucionais não obscureçam o seu

centro espiritual propriamente dito.

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-Consequências para o ministério e a missão do

bispo

O Bispo encarna a unidade e o caráter

público da Igreja particular, baseado no

Sacramento e na Palavra, tornando-se, ele, o elo

de união na comunhão entre as Igrejas locais,

mediando a unidade da sua Igreja local com a

Igreja universal e vice-versa. Por isso, o caráter

católico-apostólico está a serviço da unidade que

se faz na santidade e no amor operado por Jesus

Cristo, na purificação do que é pessoal pela fusão

no Amor universal de Cristo, que provém do Deus

Uno e Trino.

Um pressuposto basilar do ministério

Episcopal é a comunhão interior com Cristo, o

estar com ele, pois o bispo é testemunha da

Ressurreição, sempre em contato com o

ressuscitado. Há uma contemporaneidade interior

com Jesus Cristo vivo; o bispo é, sobretudo,

testemunha para ser sucessor dos Apóstolos e

isso exige interiorização, produzindo participação

dinâmica da missão do ofício episcopal que

pertence à vida ativa, porém, sua atividade se

pauta pela sua inserção na dinâmica da missão do

Senhor, estando com Deus por meio de Cristo e,

por meio de Cristo, a partir de Cristo, levar Deus

aos homens, transformando-os em assembleia

santa de Deus. Desse modo, é sucessor dos

Apóstolos, unido ao bispo de Roma, que é

sucessor do Apóstolo Pedro. Isso significa ser-com

os demais sucessores dos apóstolos, estar no nós

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dos sucessores. Esse nós tem valor, não apenas

sincrônico, mas diacrônico; não há geração

isolada da Igreja e, no corpo místico de Cristo, não

vale o limite da morte, pois nele se conjugam

todos os tempos. A maioria genuína da Igreja é

diacrônica, apenas prestando ouvidos a esta

maioria total é que permanece no nós apostólico.

Por isso, a Igreja não se reduz à democracia, à

vontade do povo de uma época isolada, apenas

limitando-se à questão geográfica dessa mesma

época, tanto assim que o bispo representa a Igreja

universal em face da Igreja local.

Na relação do sucessor de Pedro com

os bispos, além dos direitos sagrados

provenientes do Sacramento, o Papa só impõe os

elementos do direito humano que são realmente

necessários, procedendo do mesmo modo o

Sínodo e a Conferência Episcopal, nos seus

âmbitos particulares. Resguardando-se de todo

uniformismo pastoral, o apóstolo é sempre enviado

até os confins da terra. A missão do bispo nunca

pode se esgotar nos limites internos da Igreja, pois

o Evangelho sempre tende a ser válido para todos

e, os apóstolos e seus sucessores são

responsáveis de levá-lo até os confins do mundo,

pregando a fé, constantemente, àqueles que até o

momento não reconheceram o Cristo como

salvador. Essa é uma responsabilidade em relação

às coisas públicas do mundo; também o Estado

goza de autonomia perante a Igreja e o bispo

reconhece tal garantia do Estado e do seu direito

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próprio, evitando a confusão entre fé e política. O

bispo se põe a serviço da liberdade de todos e não

permite a identificação da fé com determinada

forma política, respeitando a maturidade dos leigos

para exercer nela o seu papel. O bispo deve ter o

discernimento para distinguir entre positivo e

negativo, pois a autonomia das coisas terrenas

não é absoluta, resguardando-se os direitos de

Deus e da Fé, os quais não podem ser contraditos

pelas leis humanas, a Igreja deve sempre se

apresentar como defensora da criação, contra todo

rumo e ameaça do mundo, inclusive, o bispo,

porque associado à paixão do Senhor, deve estar

pronto para sofrer e dar seu testemunho; isto faz

parte do seu caminho, o ser bispo não é tanto uma

honraria, um posto influente, mas a sua essência

está ligada à cruz do Senhor, fonte da alegria da

Ressurreição.

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Jonas Matheus Sousa da Silva é paraense, de

Capanema, nascido em 1989. Filho de Jovencio Oliveira

da Silva e Antônia do Carmo Sousa da Silva, irmão de

Jorbia Cecília e Jones Tiago. Franciscano-capuchinho e

padre da Igreja Católica Romana. É licenciado em

Filosofia e cursou Teologia na Arquidiocese de Belém.

É formado em Coaching Integral Sistêmico pela

Febracis. Já publicou cinco de seus livros filosóficos e

poéticos. Dispõe sua obra literária nas plataformas

virtuais: Recanto das Letras e Clube de Autores.

Colaborou com diversos artigos para os jornais

impressos: O Liberal e O Estado do Maranhão.