ConJur - Ação Em Sentido Material Ainda Existe Em Nosso Sistema_ (Parte 3)

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    18/06/2016 ConJur - Ao em sentido material ainda existe em nosso sistema? (Parte 3)

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    DIREITO CIVIL ATUAL

    30 de maio de 2016, 8h00

    Por Marcel Edvar Simes

    chegado o momento de concluir esta srie de trs colunas acerca da figura da aoem sentido material, e de apresentar uma resposta final pergunta que lhe serviu

    de ttulo.No primeiroe no segundotextos, vimos como a ao em sentido materialcorresponde ao antigo conceito de garantia da teoria geral da relao jurdica; comoh exemplos, no ordenamento jurdico, em que a ao material no se direciona pormeio de ao processual; como a ao em sentido material apresenta a naturezajurdica de poder formativo, com todos os traos caractersticos desta espcie deposio jurdica subjetiva ativa elementar.

    O que ainda no foi suficientemente elucidado o papel que ocupa a ao emsentido material na relao jurdica de Direito material, sob os pontos de vista daestrutura, da funo e do processo imanentes a essas relaes, e o papel da aomaterial na transio entre os planos material, pr-processual e processual.

    importante frisar desde logo que a descrio que se far abaixo (elementar, masnecessria) se baseia em dados da formulao original do pandectismo germnicodo sculo XIX e nas obras de Pontes de Miranda[1]e de Marcos Bernardes deMello[2]. E igualmente importante destacar que a formulao original pandectista

    teve, como base de partida e inspirao, o modelo da relao jurdica obrigacional.

    Vale dizer: a construo da relao jurdica de Direito material que se trava em trsnveis potenciais (direito pretenso ao) foi pensada tendo em mira, especial eespecificamente, o modelo da relao jurdica obrigacional, sendo inegvel que asua aplicao a outras espcies de relao jurdica (embora, evidentemente, sejavivel) demanda algumas adaptaes.

    Na relao jurdica obrigacional (doravante tomada como prottipo, tal como ofizeram os pandectistas germnicos), verifica-se que, com a ocorrncia do fatojurdico constitutivo da relao (uma das chamadasfonte das obrigaes), surgeimediatamente um primeiro nvel nesse vnculo: um nvel formado pela

    Ao em sentido material ainda existe em nossosistema jurdico? (Parte 3)

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    contraposio entre o direito subjetivo do credor prestao (direito subjetivo decrdito) e o correspectivo dever jurdico do devedor de realizar a prestao (deverjurdico de dbito ou dvida). Em outras palavras: o par de posies jurdicassubjetivas complexas crditoe dbito(primeiro nvel de uma relao jurdicaobrigacional) nasce como efeito inicial e imediato do fato jurdico constitutivo dessarelao.

    A exigibilidadeda prestao pelo credor (que no se confunde com o direito prestao), porm, pode ou no ser imediata, contempornea ao nascimento darelao obrigacional. Em uma relao jurdica obrigacional contratual de compra evenda estipulada para cumprimento imediato da prestao do vendedor, o . Noassim num relao jurdica obrigacional contratual de compra e venda em que ocumprimento da prestao do devedor foi estipulado para data diferida no tempo.

    Nesse segundo exemplo, o direito subjetivo de crdito no exigvel ab initio, s se

    chegando ao momento exigibilidadena vida desta relao jurdica quando doadvento do termo estipulado para cumprimento da prestao. Enquanto a prestaono exigvel, diz-se que h o par crdito e dbito na relao jurdica obrigacional,mas no ainda o parpretenso(que significa poder exigir) e obrigao(na acepoestrita e tcnica desse termo, e que tem a natureza de um dever comportamental).

    Em suma: quando a prestao se torna exigvel (o que pode ocorrercontemporaneamente ao nascimento da relao, ou em data diferida, a depender docaso), surge para o credor a pretenso (o poder exigir a prestao), ao mesmo tempoem que surge para o devedor a obrigao (o dever comportamental de realizar,imediatamente, a prestao). Trata-se do segundo nvel (potencial) dedesenvolvimento da relao jurdica obrigacional.

    Essas noes costumam ser ensinadas nos cursos de graduao em Direito, algumasvezes com mais preciso, outras com menos. , contudo, bem menos habitual oestudo em termos adequados daquilo que ocorre em um terceiro nvel (potencial) darelao jurdica de Direito material: o que se d quando o credor exerce a sua

    pretenso, exigindo do devedor a prestao, e este resiste pretenso, ou no asatisfaz?

    Certamente tem-se, a, o conceito carneluttianode lide (no plano do Direito material,e no no do processual!), que exprime um conflito de interesses caracterizado poruma pretenso resistida ou no satisfeita. Mas o que isso representa na estrutura eno processo da relao jurdica obrigacional?

    Isso representa (o que deve ser muito bem compreendido) a passagem ao terceiro

    nvel (potencial) da relao jurdica obrigacional, o nvel formado pelo par deposies jurdicas subjetivas elementares aoe situao do acionado[3]. Vale dizer:o credor, aps haver exercido a pretenso e exigido do devedor a realizao daprestao, ante o quadro de resistncia ou no satisfao pelo devedor, passa do

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    poder exigir pretenso ao poder agir, por todos os meios que o ordenamentojurdico lhe confere, para ver a realizao do seu direito eis a a ao, em sentidomaterial, que surge na relao jurdica material, e que se exerce em face do devedor.

    Uma vez que com o exerccio da ao material se est exercitando poder formativo, ocredor passa a prescindir de qualquer comportamento comissivo ou omissivo dodevedor, que ir apenas suportar a ao do credor em sua esfera jurdica.

    Assim se esclarece o sentido da conhecida afirmao de que o patrimnio dodevedor agarantia geral das obrigaes. Na realidade, dito de modo completo, agarantia na relao jurdica obrigacional a ao do credor que se volta contra opatrimnio do devedor, para, nesse patrimnio, impor alteraes jurdicas queconduziro satisfao do crdito.

    Essa descrio, como havia sido anunciado supra, toma como modelo a relao

    jurdica obrigacional. Mas reproduzvel, com adaptaes, s mais diversas espciesde relaes jurdicas. Nas relaes jurdicas reais, como a relao jurdica real depropriedade plena ou domnio, por exemplo, tem-se que a pretenso conata aodireito subjetivo, vale dizer: o direito subjetivo real j nasce para o seu titularmuniciado, necessria e instantaneamente, de uma pretenso, a pretenso geral excluso ou absteno (o titular do direito real tem a pretenso de exigir de todos osdemais sujeitos de direito que se abstenham de interferir com o seu direito real).

    Quando um sujeito de direito em particular desatende a essa pretenso geral, ela se

    individualiza perante esse sujeito, o que poder resultar no exerccio da aomaterial em face dele, especificamente.

    A doutrina brasileira, tanto civilista como processualista, encontra grandedificuldade para compreender que essa ao de que se falou at agora nada tem aver com processo judicial. No se trata da ao processual. Trata-se, sim, de umdado da vida da relao jurdica de Direito material.

    Pontes de Miranda, em emblemtica conferncia proferida no Instituto dos

    Advogados do Rio Grande do Sul na dcada de 1950[4], coloca em evidncia de modolapidar a distino entre a pretenso (e correspondente ao) em sentido material, apretenso (e correspondente ao) em sentido pr-processual e a pretenso (ecorrespondente ao) em sentido processual.

    No nvel do Direito material (Civil, Penal, Administrativo), o desenvolvimentoenvolve uma espcie de evoluo entre as posies jurdicas subjetivas direitosubjetivo, pretenso (em sentido material) e ao (em sentido material), posies

    essas que se exercitam sempre em facedo sujeito passivo da relao jurdicamaterial.

    Como, na atualidade, vige o chamado monoplio da fora pelo Estado (rectius,

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    monoplio da coao), o ordenamento jurdico est organizado de forma a nopermitir, na maioria das hipteses (embora no em todas), que o sujeito de DireitoPrivado exercite diretamente a ao de direito material em face de seu sujeitopassivopor seus prprios meios(o prprio Estado se organizou como coercitivo, e ele quem ir realizar, nos casos concretos, a passagem da sano coao).

    Assim, o Estado (na maioria dos casos, insisto) retira dos sujeitos de Direito Privadoa possibilidade de exercerem diretamente a ao em sentido material contra osujeito passivo da relao, mas oferece algo em troca: o direito de acesso ao PoderJudicirioou direito tutela jurisdicional um direito pblico material, previsto naConstituio Federal (art. 5, XXXV, CF), e que tem por sujeito passivo o Estado.

    Esse direito, uma vez que dotado de exigibilidade, municiado da chamadapretenso tutela jurisdicional, e uma vez que dotado de impositividade (para oscasos em que o Estado se negue a fornecer o acesso Justia) dotado de ao, em

    sentido pr-processual. Trata-se, aqui, do plano pr-processual, que a rigor, o planoconstitucional: ele formado pelo direito subjetivo pblico de acesso justia, e ascorrespondentes pretenso (pr-processual) tutela jurisdicional e ao pr-processual, todas posies jurdicas voltadas contra o Estado, e tendo por objeto aprestao de justia.

    Uma vez que, efetivamente, o sujeito de Direito Privado distribua a sua petio,deduzindo a lide perante o Poder Judicirio, a e somente a , penetramos noplano processual, o plano da ao em sentido processual. Aqui no se trata mais derelao jurdica de Direito Civil (ou de outro campo qualquer do Direito material),nem de relao jurdica disciplina pelo Direito Constitucional (entre cidados comdireito de acesso Justia e o Estado), mas sim da relao jurdica processual,angular, que se estabelece entre autor, juiz e ru.

    nessa relao que o autor (mas tambm o ru) tem o direito a receber umprovimento jurisdicional concreto (uma resposta do Judicirio, seja com resoluode mrito ou no); tem, tambm, uma correspondente pretenso (processual) ao

    provimento jurisdicional (pode exigi-lo do juiz!), e uma correspondente ao (emsentido material) em face do juiz, para obter o provimento (resposta) jurisdicional,que, ademais, o Poder Judicirio no pode negar (em caso de negativa, h uma sriede meios que o ordenamento jurdico coloca disposio dos sujeitos, que vo desdea atuao das corregedorias at a atividade do Conselho Nacional de Justia). Comose v, a pretenso e ao processuais j so exercitadas, propriamente, em face dojuiz da causa.

    Ao cabo desta caminhada, impe-se a resposta afirmativa pergunta inicialmente

    formulada: sem dvida, a ao em sentido material continua presente no sistemajurdico brasileiro. Se no bastassem os exemplos que foram apresentados de casosem que a ao material exercida pelo sujeito ativo em face do sujeito passivoindependentemente de ajuizamento de ao processual, temos, mais do que isso, o

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    conhecimento de que a ao material dado profundamente enraizado na estruturado sistema seja pelo fato de corresponder ao elementogarantiadas relaesjurdicas em geral, seja pelo fato de exprimir uma etapa irremovvel dodesenvolvimento idealmente possvel das relaes jurdicas materiais (aimpositividadedo direito), e que a etapa responsvel pela conexo entre o que material, o que material pr-processual e o que processual.

    No por outra razo, escritos recentes se debruaram sobre o estudo dogmtico e aatualizao do tema da ao em sentido material, a exemplo do livro de LeonardoSantana Abreu[5]; de diversos artigos da coletnea coordenada por Eduardo Jos daFonseca Costa, Luiz Eduardo Ribeiro Mouro e Pedro Henrique Pedrosa Nogueiraacerca da teoria quinria da ao[6]; e da tese de doutorado de Jorge IbrahimFarath[7].

    O assunto, portanto, continua e continuar vivo, no mago do sistema jurdico

    brasileiro, e nos estudos da cincia do Direito no Brasil. Basta lembrar que o novoCdigo de Processo Civil continua a prever, ao lado do procedimento comum, umasrie de procedimentos especiais (arts. 539 e seguintes do CPC/2015), que exprimem,na suabase, claras e concretamente identificveis aes de Direito material...

    [1]PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado, t. V. Riode Janeiro: Borsoi, 1955, pp. 451-502.[2]MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurdico Plano da Eficcia. 9 ed. SoPaulo: Saraiva, 2014, em especial p. 189 e seguintes.[3]Cf. MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurdico Plano da Eficcia. 9 ed.So Paulo: Saraiva, 2014, p. 189.[4]PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti.Pretenso tutela jurdica,pretenso processual e pretenso objeto do litgio. In:Revista Forense171/21-30,maio/jun 1957.[5]ABREU, Leonardo Santana de.Direito, Ao e Tutela Jurisdicional. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2011.[6]COSTA, Eduardo Jos da Fonseca; MOURO, Luiz Eduardo Ribeiro; NOGUEIRA,

    Pedro Henrique Pedrosa (coords.). Teoria Quinria da Ao. Salvador: Jus Podium,2010.[7]FARATH, George Ibrahim. Um Ensaio sobre a Ao de Direito Material. Tese dedoutorado apresentada junto Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo.So Paulo, 2014.

    Marcel Edvar Simes procurador federal, chefe da Procuradoria FederalEspecializada junto ao Ibama em So Paulo, professor de Direito Civil no Instituto de

    Direito Pblico de So Paulo (IDP So Paulo) e mestre em Direito Civil pela USP.Revista onsultor Jurdico, 30 de maio de 2016, 8h00