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4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
CONSERVAÇÃO DE NÚCLEOS URBANOS PATRIMONIAIS: o caso de Ouro Preto
BUENO, FERNANDA A. de B.
Universidade Federal de Ouro Preto. Departamento de Arquitetura e Urbanismo Campus Morro do Cruzeiro s/n . Ouro Preto. MG - 35.400-000
RESUMO
A pesquisa versa sobre os desafios da conservação dos núcleos urbanos de natureza patrimonial, entendendo a necessidade de se pensar estratégias e instrumentos de gestão, que incorporem a dinâmica e desenvolvimento urbano. Ressalta-se a importância de políticas públicas e instrumentos no planejamento urbano das cidades, que incorporem plano diretor e parâmetros para uso do solo, que conciliem desenvolvimento e preservação. As experiências brasileiras nos mostram tentativas fracassadas, que por vezes desconsideram as especificidades de cada local, impondo planos diretores "importados" e pouco efetivos. Neste contexto destaca-se a incorporação de conceitos como Preservação, Conservação, Reabilitação e Revitalização, cujos modelos de intervenção se mostram diferenciados em suas atuações e perspectivas. De grande referência serão os conceitos de Conservação Urbana e Territorial Integrada, considerando que o planejamento e a gestão do território deve ser parte de um processo global, que contemple aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais, ambientais e paisagísticos. Como objeto de pesquisa foi escolhida a cidade de Ouro Preto pela sua complexidade e importância patrimonial, seja na esfera urbana, arquitetônica, ambiental e cultural. Ouro Preto foi elevada à "Monumento Nacional" em 1933, tendo o conjunto arquitetônico e urbanístico tombado, inscrito no livro de Belas Artes em 1938 e nos livros Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico em 1989. Além disso, foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade em 1980, tendo em vista a excepcional importância do seu sítio histórico, segundo os seguintes critérios: "i. Representar uma obra-prima do gênio criativo humano; iii. Aportar um testemunho único, ou ao menos excepcional, de uma tradição cultural ou de uma civilização que está viva ou que tenha desaparecido". A história da evolução urbana de Ouro Preto demonstra o quadro desolador das ocupações irregulares, inclusive em áreas de encosta e de risco. Problemas já apontados em relatórios do ICOMOS, quando considera que o centro histórico é vulnerável ao crescimento urbano, ao tráfego, ao processo de industrialização e impactos do turismo. Partindo do conhecimento da cidade e considerando os aspectos de sua formação e desenvolvimento urbano, o estudo visa discutir os desafios da preservação desse sítio histórico, a partir de aspectos relacionados ao modelo de Conservação Urbana e Territorial Integrada. Ao se apresentar uma análise crítica dos atuais instrumentos urbanísticos aplicados, tais como: Plano Diretor, Lei de Uso e Ocupação do Solo e Portaria do IPHAN, pode-se constatar que os mesmos, não tem promovido uma efetiva preservação da paisagem urbana, ambiental e cultural.
Palavras-chave: Preservação; Conservação; Paisagem; Patrimônio Cultural; Ouro Preto.
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016
1. Introdução
A pesquisa versa sobre os desafios da conservação dos núcleos urbanos de natureza
patrimonial, entendendo a necessidade de se pensar estratégias e instrumentos de gestão,
que incorporem a dinâmica e desenvolvimento urbano. Ressalta-se a importância de políticas
públicas e instrumentos no planejamento urbano das cidades, que incorporem plano diretor e
parâmetros para uso do solo, que conciliem desenvolvimento e preservação. As experiências
brasileiras nos mostram tentativas fracassadas, que por vezes desconsideram as
especificidades de cada local, impondo planos diretores "importados" e pouco efetivos.
Neste contexto destaca-se a incorporação de conceitos como Preservação, Conservação,
Reabilitação e Revitalização, cujos modelos de intervenção, apresentados e analisados por
Castriota (2009) se mostram diferenciados em suas atuações e perspectivas. De grande
referência serão os conceitos apresentados em Queiroz; Portela (2009), ao discutir e defender
a Conservação Urbana e Territorial Integrada, como "um processo global de planejamento e
gestão dos territórios, de acordo com uma perspectiva multi-referencial (econômina, política,
social, cultural, ambiental e paisagística)”.
Como objeto de pesquisa foi escolhida a cidade de Ouro Preto pela sua complexidade e
importância patrimonial, seja na esfera urbana, arquitetônica, ambiental e cultural. O trabalho
visa discutir os desafios da preservação desse sítio histórico, apresentando uma análise
crítica dos atuais instrumentos urbanísticos aplicados, a partir dos conceitos da Conservação
Urbana Integrada. Inicialmente algumas questões são levantadas: os instrumentos
urbanísticos (Plano Diretor, Lei de Uso e Ocupação do Solo e Portaria do IPHAN) tem
promovido uma efetiva preservação da paisagem urbana, ambiental e cultural?; a legislação
urbana tem criado um "falso cenário" no centro histórico, baseado em referências da tipologia
colonial?; qual seria o melhor modelo de gestão?
Partindo do conhecimento da cidade e considerando os aspectos de sua formação e
desenvolvimento, será apresentada uma reflexão do atual modelo de gestão e instrumentos
urbanísticos aplicados ao perímetro tombado do Município de Ouro Preto, tais como, plano
diretor, lei de uso e ocupação do solo e portaria do IPHAN, para em seguida analisar de forma
crítica aspectos relacionados ao modelo de Conservação Integrada.
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2. Breve Histórico da Política de Preservação em Ouro Preto
Ao longo dos afluentes da bacia do Rio Doce surgem os primeiros povoados mineiros, cuja
população foi atraída pela exploração aurífera, surgindo assim em 1711, a antiga Vila Rica,
atual cidade de Ouro Preto. Os arraiais de origem se estabeleceram em terrenos acidentados
e embora as condições topográficas fossem importantes na consolidação do núcleo urbano, a
criação da vila se justificava pela riqueza das jazidas de ouro e consequente prosperidade do
comércio (FONSECA, 2011).
Vasconcellos (1977) destaca em seus estudos que "as povoações de Minas são muito mais
fruto das estradas ou caminhos que ligavam as minerações que propriamente destas". Aponta
ainda que as igrejas eram implantas em locais de destaque na paisagem e o traçado urbano
se configura de forma espontânea e longilínea, de forma a se adaptar às condições do
terreno. A malha urbana se configura de forma linear, através da conurbação de arraiais,
formando a chamada "estrada tronco" (MELLO, 1985).
Cabe destacar a importância da Câmara na regulamentação dos espaços públicos, buscando
sempre que possível diminuir a irregularidade na implantação dos edifícios (FONSECA,
2011). Estudos morfológicos apontam tipos básicos de construção e processos evolutivos,
destacando as construções em "parede meia", sem afastamentos laterais, implantadas em
terrenos longos e estreitos. Já as igrejas foram implantadas em locais de destaque na
paisagem e inseridas em espaços livres, seguindo as chamadas Constituições primeiras do
clero da Bahia.
Após a independência, em 1823, a antiga Vila Rica recebe o título de Imperial Cidade de Ouro
Preto e monumentos religiosos recebem elementos de gosto "neoclássico". Tem-se o início
de um processo de "modernização" das construções, e no final do século XIX parte da cidade
é remodelada ao gosto "eclético" (MENICONI, 1999)..
Com a chegada da linha férrea em 1888, a cidade recebe todos os benefícios da
industrialização, mas segundo Meniconi (1999), pouco dessas "modernidades" interferem no
panorama existente. As modificações se restringem a concepções de gosto clássico,
instalação de boulervares e reformas de fachadas, em geral de gosto neoclássico. As Figuras
01 e 02 retratam as freguesias do Pilar e de Antônio Dias, respectivamente. Nota-se como os
monumentos se destacam na paisagem e como o casario se adequa ao terreno em meio a
moldura verde.
Após a transferência da capital para Belo Horizonte, instalada em 12 de dezembro de 1897
(SILVEIRA, 1926), a cidade de Ouro Preto encontra-se em um quadro de abandono, o que de
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certa forma mantém seu tecido urbano preservado, até a retomada do crescimento econômico
a partir da década de 1950.
Figura 01: Ouro Preto, panorama da freguesia do Pilar, anos 1870.
Fonte: Acervo Museu da Inconfidência.
Figura 02: Ouro Preto, panorama da freguesia de Antônio Dias, anos 1870.
Fonte: Acervo Museu da Inconfidência
Envolvido em uma atmosfera racional e progressista, o homem “moderno” busca no passado
sua origem e a preservação torna-se indispensável no reconhecimento de sua identidade
nacional. A admiração pela arte e arquitetura colonial brasileira, faz reconhecer no barroco
uma arte genuinamente nacional e Ouro Preto é considerada como maior conjunto
preservado com tipologia urbana e arquitetônica do século XVIII no Brasil, tratada como
"cidade monumento". A cidade de Ouro Preto foi elevada à "Monumento Nacional" em 1933 e
após a criação do SPHAN1 teve seu conjunto arquitetônico e urbanístico tombado e inscrito no
livro de Belas Artes em 1938.
O que se observa, em todo o país, é a conservação de conjuntos históricos idealizados e
homogeneizados. Acreditavam no conceito de “cidade-pronta”, intocável e livre de qualquer
desenvolvimento e modificações, desconsiderando o seu crescimento. Talvez o grande
equívoco dos preservacionistas na época foi não reconhecer os conjuntos urbanos como
"cidades", algo em constante mudança e sim como “obra de arte”, um objeto estático. Além
disso, a preocupação se resumia nas fachadas e a preservação era vista como um processo
individualizado das partes que conforma um todo. Segundo Motta (1987):
1 Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional criado em novembro de 1937.
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O Patrimônio tratava a cidade como expressão estética, segundo critérios estilísticos, sem considerar suas características documentais, sua trajetória e seus diversos componentes como expressão cultural e parte de um todo socialmente construído.
As tipologias arquitetônicas ecléticas são desconsideradas pela corrente moderna e em
meados do século XX, o SPHAN executa uma ação homogeinizadora na cidade e este
processo gerou falsificações estilísticas em diversas edificações, como a que ocorreu no
antigo Liceu de Artes e Ofícios, atual Cine Vila Rica .
Começam a surgir em Ouro Preto, construções contemporâneas que imitavam as casas do
século XVIII. Na primeira metade do séc. XX os novos projetos eram esporádicos e embora o
“fingimento” fosse “aparentemente” abolido pelos preservacionistas, com o aumento dos
pedidos de aprovação, foram criadas normas como: “elementos estruturais em madeira,
beirais de cachorros, vãos em caixões externos e folhas em rótulas, calhas ou guilhotinas”,
apelidada pelos moradores de "Estilo Patrimônio". A partir da década de 1950, com o
desenvolvimento industrial, indício do turismo e consequente aumento da população, tem
início a desconfiguração do traçado inicial da cidade de Ouro Preto. O valor monetário dos
lotes passa a ser levado em consideração, as encostas começam a ser ocupadas e a
reprodução estilística de uma "tipologia arquitetônica colonial" produz uma arquitetura
desprovida de significados e nem sempre suficiente para que se mantenha a harmonia do
conjunto (MOTTA, 1987).
O termo "sítio urbano" é introduzido pela Carta de Veneza em 1964, o que sugere o
reconhecimento do crescimento das cidades, além de ampliar o conceito de "Patrimônio",
reconhecendo a importância da preservação também de obras modestas que tenham
significado cultural. Tem início tentativas por elaboração de planos urbanísticos de concepção
moderna, não condizentes com a realidade. Além disso, o enfoque dado pelo SPHAN
permanece de forma pontual e individualizado, não contendo a descaracterização do sítio
urbano.
A história mostra que a cidade de Ouro Preto, desde seu tombamento, passou por diversas
administrações políticas e várias foram as tentativas de sua preservação e controle do
desenvolvimento urbano. O primeiro plano, elaborado em 1968 pelo arquiteto português
Viana de Lima, não foi colocado em prática, e revelava uma visão idealizada, propondo um
cinturão verde ao redor do centro histórico, indicando novas áreas para crescimento. O
segundo plano, elaborado pela Fundação João Pinheiro em 1973/1975, englobava o
planejamento regional de Ouro Preto e Mariana, e assim como o primeiro não foi implantado e
se opunha à construção de obras novas no sítio histórico. Outras ações são realizadas
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durante a década de 1980 e 90, cabendo destacar as ações propiciadas pelo PCH (Programa
de Cidades Históricas) e pelo Programa Nacional Pró-Memória2 (MOTTA, 1987; SIMÃO,
2006).
Embora já se apresentasse um quadro de descaracterização e ocupação desordenada, em
1980 foi concedido à Ouro Preto o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, segundo os
seguintes critérios apontados pela UNESCO: “i. Representar uma obra-prima do gênio criativo
humano; iii. Aportar um testemunho único, ou ao menos excepcional, de uma tradição cultural
ou de uma civilização que está viva ou que tenha desaparecido”
(<http://whc.unesco.org/en/list/124/> acesso em: 26/05/16).
Em 1989, o conjunto arquitetônico e urbanístico da cidade é inscrito também no livro de
Tombo Histórico e no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Em 1993, através de um
convênio estabelecido entre prefeitura municipal, IEPHA, IPHAN, UFOP, IEF-MG é formado
um conselho, denominado GAT, para analisar projetos arquitetônicos e urbanísticos. Em 1996
foram aprovadas diretrizes básicas do plano diretor, não sendo colocado em prática pelo
governo sucessor, que também interrompe o estudo das leis de uso e ocupação do solo
(SIMÃO, 2006).
Segundo dados da UNESCO, em relação a integridade, o centro histórico é vulnerável ao
crescimento urbano, ao tráfego, ao processo de industrialização e impactos do turismo.
Também destaca-se a ocupação das encostas, em terrenos geologicamente instáveis, em
áreas verdes, áreas arqueológicas e espaços públicos, o que representa uma ameaça de
danos irreversíveis à paisagem urbana. Nas figuras 03 e 04 observa-se o crescimento urbano,
em destaque para a consolidação da Vila Aparecida na encosta ao fundo. Em 2003, Ouro
Preto recebe uma missão do ICOMOS3 para avaliar o patrimônio cultural e ambiental da
cidade, sob o risco de perder o título, devido ao processo de descaracterização, sendo assim
exigidas ações imediatas de conservação.
2 O Programa Pró –Memória, extinto, defendia: “A comunidade é a verdadeira guardiã de seus bens”.
3 ICOMOS - "International Council of Monuments and Sites", Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, associação ligada à ONU, através da Unesco.
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Figura 03: Bairro de Antônio Dias, década 1940.
Fonte: Arquivo Público Mineiro, 194[ ]
Figura 04: Bairro de Antônio Dias em 2013
Fonte: Anderson Tomé
Somente em dezembro de 2006, a Lei Complementar nº 29 estabelece o Plano Diretor do
Município de Ouro Preto, alterada pontualmente pela Lei Complementar nº 91 de 2010. A lei
de uso e ocupação do solo foi regulamentada pela Lei Complementar nº 30 de 2006, revista e
substituída pela Lei Complementar nº 93 de janeiro de 2011. O IPHAN desde sua criação em
1937 se baseia no Decreto-lei n° 25, além de outras legislações específicas, Cartas,
Declarações e Tratados Nacionais e Internacionais. A Portaria do IPHAN nº 312 de outubro de
20104, revela a atual setorização do Conjunto Tombado de Ouro Preto, dispõe sobre os
critérios para a preservação do Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Ouro Preto e
regulamenta as intervenções nessa área protegida em nível federal.
3. Os instrumentos urbanísticos atuais
Embora a Portaria do IPHAN nº 312 indique que os resultados obtidos são fruto de estudos
conjuntos com a Secretaria Municipal de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura
de Ouro Preto, entende-se que não há consonância em parte das diretrizes, o que dificulta e
causa morosidade nas análises dos processos, causando desgaste entre profissionais e
comunidade. Ocorre que, procurando resolver aspectos divergentes da antiga Portaria nº 122
de 2004, gerou-se uma metodologia específica, que diverge na prática com os parâmetros
urbanísticos, agora indicados apenas na LUOS5. Cabe destacar que as políticas públicas de
planejamento e desenvolvimento urbano deveriam ser desenvolvidas em conjunto e
consonância com as políticas de preservação. Não há pretensão de esgotar o assunto neste
4 Substitui a Portaria 122 de 02 de abril de 2004.
5 Lei de Uso e Ocupação do Solo - Lei Complementar nº 93 de janeiro de 2011.
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trabalho, mas sim de iniciar uma discussão a partir da análise de alguns aspectos
considerados relevantes.
3.1. Breve análise da Portaria do IPHAN nº 312 de 2010
O artigo 10º estabelece uma classificação para as intervenções, sendo exigidos
procedimentos de restauro apenas para bens tombados individualmente ou que possuam
características que "impliquem em um grau de complexidade de intervenção". A diretriz pode
ser considerada evasiva, não definindo o que seria considerado relevante quando não
tombado individualmente, e desconsidera a importância da conservação dos sistemas
construtivos tradicionais do casario que conforma o conjunto urbano. Por outro lado, para uma
exigência mais rigorosa seria necessária uma política de inventário eficaz, que ultrapasse a
sua função de cadastro e se estabeleça como instrumento de identificação, categorização e
controle. Assim seria possível atribuir graus e medidas de conservação. Também seriam
necessários trabalhos de conscientização, além de investimento em capacitação técnica.
Art. 10º Para fins de aplicação desta Portaria, as intervenções serão classificadas em: I - Reformas simplificadas; II - Obras de reforma, demolições ou construções novas; III - Obras de restauração. Parágrafo único. Obras de restauração serão exigidas para bens tombados individualmente, ou que contenham características que impliquem em um grau de complexidade de intervenção que estabeleça a necessidade de conhecimento especializado.
A planta abaixo, figura 05, define o limite de tombamento e as respectivas áreas de
preservação, sendo o cinza escuro a Área de Preservação Especial, que se divide em APE
016, recorte escolhido para este trabalho, e APE 02. A linha tracejada corresponde ao limite
urbano do distrito sede de Ouro Preto, sendo possível perceber a extensa área tombada,
sendo de difícil controle e gestão, o que pode levar ao questionamento de tal delimitação.
Art. 17. A Área de Preservação Especial - APE corresponde ao núcleo de maior concentração de bens de interesse cultural, compreendida pelo arruamento de origem setecentista ou que guarda relação com este, áreas verdes de interesse paisagístico, bens e obras de arte tombados isoladamente, com edificações de construção de diferentes períodos.
Nesse trabalho a análise foi direcionada a alguns aspectos da APE 01, entretanto cabe
destacar que não menos importante é a APE 02, correspondente as áreas de entorno das
capelas de São João, São Sebastião, Santana, Bom Jesus das Flores do Taquaral e Nossa
Senhora da Piedade.
6 Fica definida como Área de Preservação Especial 01 - APE 01 a área que compreende e preserva o núcleo de maior concentração de bens de interesse cultural.
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Figura 05: Planta de Macro-Setorização
Fonte: Portaria do IPHAN nº312 de outubro de 2010
De grande importância são as áreas de preservação. A AP-01 corresponde aos Morros de
Santana, São João, Piedade, Queimada, São Cristóvão, São Sebastião, São Francisco e
Taquaral. "Trata-se de área de urbanização antiga, situada em cota elevada, geralmente
acima da curva de nível de 1200m, na encosta da Serra de Ouro Preto", sendo em pequena
parte visível da APE 01, porém de importância histórica, ambiental, paisagística e
arqueológica, contemplando remanescentes da mineração. Esta área sofre com ocupação
desordenada em áreas de risco geológico, terrenos muito acidentados e presença de galerias
de mineração.
A AP-02 abrange encostas visíveis e de impacto a partir da APE 01, como o Morro de Santa
Cruz, Alto da Cruz e Morro do Cruzeiro, Nossa Senhora das Dores e Vila São José, além do
pátio ferroviário, Beco da Saudade e rua Pandiá Calógeras. As áreas verdes das encostas
emolduram ou emolduravam a APE 01, sendo necessário propor medidas de requalificação e
conter o processo de ocupação, também por apresentar áreas de risco geológico. Já a AP-03
compreende áreas não são visíveis da APE-01, o que condiciona uma maior liberdade
construtiva, desde que respeitados os remanescentes de interesse paisagístico. A APE-04
correspondem as "regiões de acesso e saída ao SÍTIO TOMBADO de Ouro Preto
compreendida pela região de Vila Pereira, Padre Faria, Água Limpa e Taquaral", o que
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justifica um maior controle nas propostas de intervenção e construções novas, além de
medidas para conservação das características paisagísticas.
Embora não seja objeto deste artigo, não se pode deixar de mencionar a importância de
medidas para conservação da APARQ, Área de Preservação Paisagística, Arqueológica e
Ambiental, contemplando remanescentes da mineração, áreas verdes e cursos d´água, além
da flora e da fauna.
O artigo 22 estabelece diretrizes para tipologia urbana na APE 01, por vezes engessando os
processos de projeto e o estabelecimento de uma arquitetura contemporânea. Neste
contexto, questiona-se: a reprodução de um "tipo" pode ser interpretado como "respeito" ao
pré-existente, ou a inserção de uma tipologia contemporânea baseada em relações de escala
e harmonia não valorizariam o "objeto antigo", na medida em que se afasta de sua forma
temporal? Por outro lado, seria possível a manutenção de uma ambiência harmônica, com
uma maior flexibilização da lei?
Talvez tenha sido essas exigências que "preservaram" de alguma forma, parte da paisagem
urbana. De qualquer forma, acredita-se ser possível a expressão formal de uma arquitetura
contemporânea, considerando estas diretrizes. E supostamente por incorporação de
"referências culturais" ocorre uma reprodução tipológica, a partir uma imagem enraizada,
desprovida de inovação.
Ainda no artigo 22, as intervenções na APE devem garantir a reabilitação e requalificação da
paisagem urbana e natural. Entretanto, a portaria não define esses conceitos, nem sequer
indica diretrizes concretas para a sua aplicação.
Art. 22. As intervenções na APE 01 deverão obedecer às seguintes diretrizes:
II - Manutenção das tipologias arquitetônicas predominantes, no que diz respeito aos planos e materiais de cobertura, ritmo e proporção de aberturas nas fachadas, cores, gabarito e implantação no lote, sendo recomendada a substituição e/ou adequação de construções incompatíveis com o sítio tombado:
V - Garantia da reabilitação dos espaços públicos e requalificação da paisagem urbana e natural.
As faixas edificáveis, estabelecidas no artigo 23, certamente foram criadas para conter a
ocupação dos tradicionais quintais, localizados na porção posterior dos lotes. Entretanto, há
ressalvas em priorizar como referência o limite edificável das edificações imediatamente
vizinhas, o que restringe os impactos da lei em urbanizações consolidadas ou mesmo podem
gerar interpretações dúbias, por não haver uma metodologia de cadastro das edificações
irregulares.
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Art. 23. Os parâmetros urbanísticos adotados para a normatização recaem sobre as Quadras, considerando-se seus interiores e Faces de Quadra, bem como os limites estabelecidos pelas Faixas Edificáveis:
I - Face de Quadra é o segmento contínuo entre duas ruas ou entre duas mudanças de direção do logradouro;
II - As Faixas Edificáveis estabelecem parâmetros de ocupação em toda a APE.
§ 3º A área máxima de ocupação terá como referência, em primeiro lugar, o limite edificável observado nas edificações imediatamente vizinhas e, em segundo, as Faixas Edificáveis.
§4º As edificações em situação irregular, em especial as que são objeto de processo judicial de qualquer natureza, não serão consideradas parâmetros de análise para as Faces de Quadra e Faixas Edificáveis.
O artigo 25, que determina o impedimento de desmembramentos de terreno na APE 01,
também foi definido para evitar a ocupação nos fundos de lotes. Entretanto a ressalva de
urbanização consolidada, também restringe o impacto da lei, ao se considerar como
urbanização consolidada, edificações construídas e registradas em inventário de 2002.
Art. 25. Não serão permitidos desmembramentos e remembramentos de terrenos, salvo nos casos em que:
I - sejam áreas de urbanização consolidada;
II - impliquem ações de requalificação arquitetônica, urbanística, ambiental ou de regularização fundiária.
Parágrafo único. Considera-se urbanização consolidada aquela onde se observa no lote mais de um imóvel edificado segundo registros da base cadastral do INBI-SU de 2002.
A Figura 06 retrata o quadro desolador das ocupações no “miolo” de quadra, próximo ao
Largo de Marília, também no Antônio Dias. Ao fundo é possível observar a Vila Aparecida.
Figura 06: Miolo de quadra na proximidade do Largo de Marília Fonte: Anderson Tomé
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De grande impacto é a ocupação urbana que se consolidou no entorno da ladeira de Santa
Efigênia, como observado nas fotos, Figuras 07 e 08.
Figura 07: Bairro de Antônio Dias por volta de 1940.
Fonte: Acervo Luiz Fontana
Figura 08: Bairro de Antônio Dias por volta 2013 Fonte: Anderson Tomé
Para o Art. 28, são pertinentes as observações feitas anteriormente no Art. 22.
Art. 28. Sobre as fachadas das edificações, fica estabelecido:
III - As esquadrias deverão ser de madeira e manter o ritmo, o alinhamento e a proporção das aberturas observadas na face de quadra;
IV - As novas alturas de fachadas frontais, fruto de edificações novas, deverão seguir a média observada da cota de beirais, cimalhas ou platibandas das edificações imediatamente vizinhas, salvo em casos discrepantes;
V - A abertura de vãos de garagem não deverá alterar as proporções e vãos já existentes. (...)
VI - Não será permitida a inserção de edificações com trama estrutural vazada e elementos estruturais aparentes, como pilares, pilotis, vigas e outros. A respectiva área deverá ter fechamento em alvenaria, rebocada e pintada de acordo com os critérios estabelecidos no inciso I do artigo 26.
Em relação ao recorte temporal estabelecido no Art. 32, que considera tratamento
diferenciado aos imóveis posteriores a 1960, entende-se que a delimitação apresenta
imprecisões.
Art. 32. Os imóveis da APE 01 serão tratados de forma distinta conforme sejam anteriores ou posteriores a 1960.
Parágrafo único. Dentre as edificações construídas até 1960, estão aquelas mapeadas no inventário de Sylvio de Vasconcellos de 1949, e outras datadas de 1950 a 1960, que se inserem no conjunto. O recorte temporal de 1960 representa o marco do processo de transformação, industrialização e urbanização crescente no município de Ouro Preto e no Brasil, de uma forma geral.
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3.2. Breve análise do Plano Diretor e Lei de Uso e Ocupação do Solo
Em primeiro lugar, questiona-se que a legislação urbanística do Município de Ouro Preto
parece estabelecer parâmetros para a cidade como se tratasse de um "grande centro urbano",
e neste aspecto confronta com as diretrizes do IPHAN. Além disso, aspectos geomorfológicos
são por vezes negligenciados, assim como, apresenta permissividade de ocupação, mesmo
que mínima, em áreas de interesse de conservação, seja pela importância ambiental,
paisagística, histórica e arqueológica.
O Plano Diretor de Ouro Preto7 divide as áreas urbanas do município em: Zona de Proteção
Especial – ZPE; Zona de Proteção Ambiental – ZPAM; Zona de Adensamento Restrito – ZAR;
Zona de Adensamento – ZA; Zona de Desenvolvimento Educacional – ZDE; Zona de
Intervenção Especial – ZIE; Zona de Interesse Mineral – ZIM; Zona de Especial Interesse
Social – ZEIS.
A ZPE - Zona de Proteção Especial, corresponde à área denominada APE pela Portaria do
IPHAN, entretanto, nota-se um estudo pouco aprofundado da região, que apresenta
características singulares do sítio e de sua paisagem cultural, que pela condição topográfica,
possui uma relação visual com as demais zonas do entorno. Como ZPE entende-se:
Art. 7º A ZPE - Zona de Proteção Especial compreende as áreas que contêm os valores essenciais a serem preservados nos conjuntos urbanos, resultantes da presença de traçados urbanísticos originais e de tipologias urbanísticas, arquitetônicas e paisagísticas que configuram a imagem do lugar.
Nota-se que no Anexo III (Quadro 01), o CA, coeficiente de aproveitamento, é igual a 1,0 para
ZPE; sendo assim, pode-se ter de área construída o corresponde à dimensão do terreno,
conforme uma LUOS tradicional. Já a taxa de ocupação (Quadro 02) varia em função da
dimensão do terreno; quanto menor, maior o percentual de ocupação, considerando como
TO, o percentual de ocupação em relação à dimensão do lote. Em lotes de 180m2 é possível
ocupar 150m2 e em terrenos de 350m2 é aceitável uma taxa de 50%. Esses critérios não
correspondem aos estudos de faixas edificáveis propostos na Portaria do IPHAN e acabam
por permitir certo adensamento em lotes menores, não havendo restrição na ocupação dos
fundos de quadra. Acredita-se que a taxa de permeabilidade mínima (TP) seja baixa para
terrenos menores, considerando a natureza da paisagem.
Embora este estudo esteja voltado para análise da ZPE, é necessário destacar a questão da
permissividade do adensamento em ZAR, Zonas de Adensamento Restrito (Quadro 01), em
especial na ZAR-3, que é específica de territórios que possuam interfaces com a ZPE.
7 Lei Complementar nº 29 de 2006; alterada pela Lei Complementar nº 91 de 2010.
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ZAR-3: compreende as áreas contíguas às ZPE´s - Zonas de Proteção Especial ou às áreas em que se encontram edificações de interesse cultural; apresentam-se predominantemente construídas, devendo ser objeto de controle o potencial de interferência na paisagem urbana tombada ou protegida.
A permissividade de ocupação acontece na ZAR, mesmo sabendo: das questões de
influência na paisagem patrimonial, dos limites de crescimento horizontal do bairro próximos a
Zonas de Interesse Ambiental, das inadequadas condições topográficas e geológicas e da
baixa infraestrutura urbana oferecida, caso típico da Vila Aparecida (Figura 07) e do Alto da
Cruz.
Quadro 01: Anexo III - Lei de Uso e Ocupação do Solo.
Fonte: Portaria do IPHAN nº 312 de outubro de 2010.
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Quadro 02: Quadro II – Taxa de Ocupação e Taxa de Permeabilidade.
Fonte: Portaria do IPHAN nº 312 de outubro de 2010.
Bairros como o Piedade, de ocupação antiga em encosta, praticamente se encontra inserido
na ZAR-2 e ZPAM, com algumas sobreposições de ZEIS. Considerando que a ZAR-2 se
refere:
ZAR-2: regiões nas quais as condições de relevo, as características de risco geológico, a geometria, a desarticulação do sistema viário ou a tendência à ocupação residencial unifamiliar exigem a adoção de parâmetros que devam ajustar e restringir o adensamento demográfico;
Torna-se incoerente um CA, coeficiente de aproveitamento de 1,0, considerando a pouca
infraestrutura, as condições de relevo e áreas de risco, seja por condições geológicas, seja
por remanescentes da mineração. Isso sem falar nas áreas onde a ZEIS se sobrepõem,
aumentando a permissividade de adensamento, cujos parâmetros são:
I. Coeficiente de aproveitamento 50% (cinqüenta por cento) maior do que o do zoneamento básico; II. Taxa de Ocupação 25% (vinte e cinco por cento) maior do que a do zoneamento básico; III. Taxa de Permeabilidade 25% (vinte e cinco por cento) menor do que a do zoneamento básico.
A lei não estabelece quotas de unidade habitacional, QTUH, o que seria interessante
incentivar, desde que resolvidas questões de infraestrutura, para equacionar o déficit
habitacional, favorecer processos de ocupação e consequente manutenção e conservação
dos imóveis.
Em relação à altura máxima das edificações na ZPE, a lei estabelece estudo da face de
quadra, mas não aprofunda e não estabelece critérios mais específicos para o estudo.
Art. 45 - Altura Máxima I. 14,00m (quatorze metros) nas Zonas de Adensamento; II. 12,00 (doze metros) nas demais zonas. §3º Na ZAR-3 e na ZPE a altura máxima estará condicionada à análise da face de quadra.
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Para os afastamentos a lei parece adotar modelos “importados”, não sendo condizente com a
realidade local da ZPE, quando se considera afastamentos laterais para “tipos básicos de
construção e processos evolutivos, destacando as construções em parede meia, sem
afastamentos laterais, implantadas em terrenos longos e estreitos”.
Art. 46 – Afastamento Frontal vias de ligação regional e arteriais: 4,00 m (quatro metros); II. vias municipais urbanas de ligação distrital: 15,0 m (quinze metros) III. demais vias: 3,00m (três metros); §1º O afastamento frontal mínimo não será exigido nos casos em que 50% (cinqüenta por cento) dos lotes existentes na face da quadra já estejam edificados com afastamento frontal inferior ao exigido; nestes casos, será exigido o recuo frontal predominante na face de quadra. Art. 49 – Afastamentos Laterais e de Fundos 1,50m - até a altura de 6,00m 2,30m - altura entre 6,00m e 15,00m Art. 50 As edificações poderão ser construídas sem afastamentos laterais até a altura de 6,00m (seis metros) nas divisas.
Em relação aos aspectos estilísticos de "fachada" a lei reproduz as diretrizes do IPHAN, que
propõe um "tipo básico", de inspiração colonial. Por um lado, entende-se que as políticas
patrimoniais engessam a cidade com normas reguladoras para as construções, gerando uma
lógica de homogeneização, estetização e patrimonialização, por vezes desconsiderando a
dinâmica contemporânea do local; por outro supõe-se que esta prática foi responsável por
“certa harmonia” na paisagem urbana, além da hipótese de que a reprodução de um "tipo"
também aconteça por identidade e valores culturais associados.
4. Reflexões e Considerações Finais
Conforme aponta Queiroz; Portela (2009) “a Conservação Integrada enfatiza a conservação
dos aspectos físicos e espaciais em articulação com o desenvolvimento e transformação da
cidade (...)”. Os autores apresentam uma análise crítica, expondo de forma clara e precisa a
complexidade do tema, considerando que o planejamento e a gestão do território deve ser
parte de um processo global, que contemple aspectos econômicos, políticos, sociais,
culturais, ambientais e paisagísticos.
Dentro deste contexto, entende-se que não existe no mercado um profissional capaz de
dominar todos esses aspectos de forma global e transdisciplinar, considerando a necessidade
da formação de um especialista capaz de se mover entre diferentes áreas do conhecimento,
que possa gerar de fato uma integração e consequentemente, um planejamento e uma gestão
efetiva. Para essa tarefa os autores defendem a instauração de uma nova formação
profissional, a do “Restaurador Urbano" cuja função seria a de "coordenador, planejador e
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gestor dos conjuntos urbanos e rurais de interesse patrimonial (...)" (QUEIROZ; PORTELA,
2009).
Termos como Reabilitação e Requalificação tem sido empregados para promover a Memória
e a Identidade da cidade, entendendo por Reabilitar, "voltar a dar utilidade"; e por Requalificar,
"voltar a dar qualidade de vida". Queiroz; Portela (2009) aponta a insuficiência dessas ações,
indicando a necessidade de um "Restauro Urbano Integrado, disciplina recente que congrega
saberes de várias áreas: história da cidade e do urbanismo; restauro arquitectónico;
planejamento urbano; sociologia; economia, turismo, mobilidade, etc."
Entretanto, projetos tem sido realizados não considerando o caráter dinâmico das cidades, a
necessidade de se adaptar à novas demandas e usos, desconsiderando variáveis sociais,
econômicas, culturais, políticas, entre outros aspectos. Ao se analisar o Centro Histórico de
Ouro Preto, podemos constatar que Programas Nacionais como o Monumenta e o PAC
Cidades Históricas, refletem resultados pontuais, como restauros isolados de edifícios e
planos urbanos pouco eficientes, que por vezes, promovem especulação imobiliária e até
mesmo processo de "gentrificação".
Conforme análise da Portaria do IPHAN nº 312 de outubro de 2010, embora o artigo nº 22
estabeleça que todas as intervenções na APE devem garantir a reabilitação e requalificação
da paisagem urbana e natural, a legislação não indica diretrizes concretas para a sua
aplicação.
Outra questão já apontada anteriormente é a natureza do Plano Diretor e da Lei de Uso e
Ocupação do Solo do Município de Ouro Preto, que parece não considerar a realidade local,
apresentando parâmetros muitas vezes em dissonância à Portaria do Iphan. Instrumentos
urbanísticos importantes como TDC (transferência do direito de construir), outorga onerosa,
IPTU progressivo, operações urbanas, entre outros, poderiam ser aplicados de forma a se
obter um controle do adensamento, desenvolvimento econômico, preservação urbana e
ambiental, entre outras ações.
Considera-se importante uma análise mais aprofundada, mas já se pode adiantar que a
legislação urbanística de Ouro Preto não contempla aspectos de um Plano de Conservação
Urbana Integrada, considerando a inexistência de uma política pública de desenvolvimento
econômico, social e cultural, além da ineficiência na preservação urbana e paisagística,
quando se percebe a permissividade de ocupação nas encostas, situação grave por se
constituírem áreas de risco. Nota-se nas imagens apresentadas ao longo do artigo, que
trata-se de uma Paisagem Cultural em constante transformação, fato este não surpreendente,
considerando a dinâmica da cidade, mas torna-se necessário um maior controle na ocupação
e planejamento que considere desenvolvimento econômico e social.
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"Em meio a múltiplas interpretações, há um consenso de que a paisagem cultural é fruto do agenciamento do homem sobre o seu espaço. No entanto, ela pode ser vista de diferentes maneiras. A paisagem pode ser lida como um documento que expressa a relação do homem com o seu meio natural, mostrando as transformações que ocorrem ao longo do tempo. A paisagem pode ser lida como um testemunho da história dos grupos humanos que ocuparam determinado espaço. Pode ser lida, também, como um produto da sociedade que a produziu ou ainda como a base material para a produção de diferentes simbologias, locus de interação entre a materialidade e as representações simbólicas" (RIBEIRO, 2007).
Soma-se a essas questões a inexistência ainda hoje de um plano de mobilidade para todo o
município e a deficiência do transporte público, muitas vezes inexistente para alguns distritos
como o de Miguel Burnier. Para se ter acesso à essa região que viveu prosperidade ao longo
dos séculos XIX e início do XX é necessário ir até até cidade de Ouro Branco.
Em relação a problemática da Habitação Social em Centros Históricos, Queiroz; Portela
(2009) recomenda: Investir primeiro em edifícios desocupados e em ruínas; Investir quando
possível em parcelamento de unidades de habitação; Recuperar comércio no térreo das
edificações; Estabelecer estratégia de Restauro Urbano Integrado; Viver no centro, aqui
entendido como privilégio e considerando todos os extratos socioculturais.
Ao analisar o Plano Diretor e os parâmetros da Lei de Uso e Ocupação do Solo, percebe-se
que não há incentivos para recuperação e ocupação de edifícios abandonados e em
arruinamento. A quota de unidade habitacional para a ZPE não é determinada, quando se
deveria estabelecer plano de infra-estrutura e incentivo ao parcelamento de unidades de
habitação, equacionando o déficit habitacional, favorecendo os processos de ocupação no
centro histórico e consequente manutenção e conservação dos imóveis.
Castriota (2009), em seu livro Patrimônio Cultural: Conceitos, Políticas e Instrumentos,
estabelece modelos a partir de três termos: preservação, conservação e reabilitação. O
primeiro modelo tem um caráter "imobilista", protegendo edificações individualmente, como
uma "coleção de objetos" monumentais e o Estado é o protagonista das políticas patrimoniais.
O autor aponta que no caso brasileiro este modelo é dominante até os dias de hoje,
destacando o caso de Ouro Preto. O modelo de Conservação evolui e articula as políticas de
patrimônio e de planejamento urbano. Já o terceiro modelo, a chamada Reabilitação, se
diferencia da Conservação por considerar a idéia de desenvolvimento das áreas conservadas.
O Estado também deixa de atuar sozinho e se articula a sociedade e iniciativa privada. Este
último modelo apontado por Castriota se aproxima ao conceito da Conservação Integrada,
defendida por Queiroz; Portela (2009), sendo aqui considerado como ideal.
Ainda segundo Castriota (2009), a questão no Brasil passa pela "implantação de políticas
imobilistas, que não conseguem reconciliar preservação e desenvolvimento, (...), e de
políticas que, na busca de revitalização econômica a qualquer custo, destroem os laços
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locais, expulsam a população e geram intensa gentrificação nas áreas que querem
conservar".
A história da evolução urbana de Ouro Preto demonstra o quadro desolador das ocupações
irregulares, inclusive em áreas de encosta e de risco. Como possíveis causas podemos
apontar: falta ou deficiente fiscalização, morosidade na implantação de um plano diretor,
inexistência de um plano de gestão que contemple a conservação urbana integrada,
ingerência nas esferas municipais e federais e política impositiva, ditada por regras rígidas,
sem a participação popular.
O plano de gestão deve considerar o desenvolvimento da cidade, entendendo as dinâmicas
urbanas e as necessidades contemporâneas, considerando novos usos. Além disso, o centro
histórico deve ser considerado como uma Paisagem em transformação. Em uma cidade como
Ouro Preto as políticas públicas de planejamento e desenvolvimento urbano deveriam ser
pensadas em conjunto com a políticas patrimoniais, não engessando o patrimônio e
considerando seu desenvolvimento econômico e social.
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