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Universidade Federal do Ceará Faculdade de Medicina Departamento de Saúde Comunitária Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva RICRISTHI GONÇALVES DE AGUIAR GOMES Construção da linha de Base dos municípios atingidos pela Integração de Bacias do Rio São Francisco e Eixão das Águas, no Estado do Ceará e suas implicações na transmissão da Esquistossomose Mansônica FORTALEZA CE 2010

Construção da linha de Base dos municípios atingidos pela Integração de ... · Entre as parasitoses humanas mais disseminadas no mundo, a esquistossomose ocupa o segundo lugar

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    Universidade Federal do Cear

    Faculdade de Medicina

    Departamento de Sade Comunitria

    Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva

    RICRISTHI GONALVES DE AGUIAR GOMES

    Construo da linha de Base dos municpios

    atingidos pela Integrao de Bacias do Rio So

    Francisco e Eixo das guas, no Estado do Cear

    e suas implicaes na transmisso da

    Esquistossomose Mansnica

    FORTALEZA CE

    2010

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    RICRISTHI GONALVES DE AGUIAR GOMES

    Construo da linha de base dos municpios

    atingidos pela Integrao de Bacias do Rio So

    Francisco e Eixo das guas, no Estado do Cear

    e suas implicaes na transmisso da

    Esquistossomose Mansnica

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

    graduao em Sade Pblica / Epidemiologia do

    Departamento de Sade Comunitria da Faculdade

    de Medicina da Universidade Federal do Cear,

    como requisito parcial para obteno do ttulo de

    Mestre em Sade Pblica.

    Orientador: Prof. Dr. Fernando Schemelzer

    Moraes Bezerra

    FORTALEZA CE

    2010

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    RICRISTHI GONALVES DE AGUIAR GOMES

    Construo da linha de base dos municpios atingidos pela Integrao

    de Bacias do Rio So Francisco e Eixo das guas, no Estado do Cear

    e suas implicaes na transmisso da Esquistossomose Mansnica

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Sade Pblica do

    Departamento de Sade Comunitria da Faculdade de Medicina da Universidade

    Federal do Cear, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Sade

    Pblica.

    Data da defesa: 13/08/2010

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________________________________________________

    Prof. Dr. Fernando Schemelzer Moraes Bezerra (Orientador)

    Departamento de Anlises Clnicas/FFOE/UFC

    _____________________________________________________________________

    Prof. Dr. Jos Ajax Nogueira Queiroz

    Departamento de Patologia/FAMED/UFC

    _____________________________________________________________________

    Profa. Dra. Mnica Cardoso Faanha

    Departamento de Sade Comunitria/FAMED/UFC

  • 4

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    Sempre acreditei no homem, seu potencial e sua bondade, para muitos no passa isso de

    ingenuidade, para mim, mais que isso, f.

    Autor desconhecido

  • 6

    DEDICATRIA

    Deus, a meus pais, Boanerges e Teresinha dedico os

    mritos desta conquista

  • 7

    AGRADECIMENTOS

    A Deus, meu pai amado, pela sua imensa misericrdia, por estar presente em todos os

    momentos da minha vida e por me proporcionar momentos especiais de graa e

    felicidade.

    Aos meus irmos, Ricardo Cleber, Cristiane e Jnior pela confiana em mim

    depositada.

    Em especial, a minha cunhada Socorro Maria e meu sobrinho querido, Rodrigo, por

    tornarem os meus dias mais alegres e descontrados com sua presena.

    Ao meu orientador, Prof. Dr. Fernando Schemelzer Moraes Bezerra, a minha gratido

    pela oportunidade de ser sua aluna, por sua disponibilidade e presena constante na

    elaborao desse trabalho, pelas contribuies para o meu crescimento pessoal e

    profissional, pelo constante incentivo e pacincia.

    Ao Mestrado em Sade Pblica, sob coordenao do Prof. Dr. Ricardo Jos Soares

    Pontes.

    Aos pesquisadores e amigos Alberto Novaes e Carlos Henrique pelas valiosas

    contribuies e por conceder-nos um olhar diferenciado ao desenvolvimento do estudo.

    Ao meu chefe e amigo, Supervisor do Ncleo de Controle de Vetores/COPROM/SESA,

    Asevedo Quirino de Sousa, pela amizade, apoio e compreenso, os quais permitiram

    uma maior dedicao de minha parte no momento da concluso desta dissertao.

    Aos meus amigos do Laboratrio de Entomologia Mdica Dr. Thomaz Arago: Graa,

    Zolide, Fabricio Kassio, Joana, Helder, Raffael, Relrison, Mariza, Rita, Airton, Jos

    Maria, Osas, Paulo, Marclia, Sebastio, Antnio Jos e Jorge em especial ao Barbosa

    pelos ensinamentos e pelas informaes fornecidas prontamente.

    O meu agradecimento especial a Vivian da Silva Gomes, Jos Hibiss Farias Ribeiro

    Rafaella Albuquerque e Silva e Claudia Mendona Bezerra pela amizade, apoio,

    incentivo, companhia, carinho, pelas nossas terapias, fundamentais para mim.

    A todos os colegas do Ncleo de Controle de Vetores e Coordenadoria de Promoo e

    Proteo a Sade da SESA.

  • 8

    Lucia Maria da Silva Alencar, pelos conselhos, pela amizade e por ter me apresentado

    ao meu ento orientador.

    A Geziel dos Santos de Sousa, da Secretaria de Sade do Municpio de Fortaleza

    (CEVEP) pela ajuda com o Arcview.

    Secretaria da Sade do Estado do Cear pelas informaes cedidas.

    A todos que fazem o Laboratrio de Parasitologia e Biologia de Moluscos LPBM,

    Martha, Teiliane, as Marianas, Sara, Vanessa e Aninha que me receberam to bem.

    Secretaria de Recursos Hdricos do estado do Cear por ter gentilmente cedido os

    arquivos shape importantes para o desenvolvimento desse estudo.

    E a todos que contriburam direta ou indiretamente para o desenvolvimento deste

    trabalho.

  • 9

    RESUMO

    A esquistossomose uma doena parasitria, provocada por vermes trematdeos do

    gnero Schistosoma. uma endemia mundial, ocorrendo em 74 pases e territrios,

    principalmente na Amrica do Sul, Caribe, frica e Leste do Mediterrneo, onde atinge

    as regies do Delta do Nilo, alm de pases como Egito e Sudo. Entre as parasitoses

    humanas mais disseminadas no mundo, a esquistossomose ocupa o segundo lugar

    (perdendo apenas para a malria), constituindo, no Brasil, um de seus mais graves

    problemas de sade pblica. A transmisso do Schistosoma mansoni depende do inter-

    relacionamento entre o ecossistema, as pessoas e suas condies sociais. Grandes

    projetos de engenharia que causam alteraes no meio ambiente costumam criar

    condies satisfatrias para o aparecimento de fatores de risco de introduo e

    disseminao de doenas nas comunidades afetadas. O objetivo deste trabalho foi

    construir uma linha de base dos municpios atingidos por dois grandes projetos de infra-

    estrutura hdrica: A integrao de Bacias do Rio So Francisco nos limites do estado do

    Cear e o Eixo das guas do Cear, e as implicaes sobre a transmisso de

    Esquistossomose Mansnica. Os municpios pertencentes a rea de Influncia Direta

    dos projetos envolvidos foram: Alto Santo, Baixio, Barro, Brejo Santo, Cascavel,

    Caucaia, Chorozinho, Horizonte, Ic, Itaitinga, Jaguaribara, Jaguaribe, Jati, Lavras da

    Mangabeira, Maracana, Mauriti, Misso Velha, Morada Nova, Ocara, Pacajus,

    Pacatuba, Pena Forte, Russas, So Gonalo do Amarante e Umari. Foram utilizados

    indicadores scio-demogrficos, scio-econmicos, educacionais, ambientais e de

    sade. A anlise dos dados scio-demogrficos e scio-econmicos revelou que os

    municpios prximos a Regio Metropolitana de Fortaleza apresentaram os melhores

    indicadores. O hospedeiro intermedirio B. straminea encontra-se disseminado em

    todos os 25 municpios dos quais 6 apresentaram casos de esquistossomose mansnica

    no perodo de 2001 a 2006. Somente 8 municpios so trabalhados pelo Programa

    Estadual de Controle da Esquistossomose com prevalncia variando de 0,1 a 0,8 % com

    o municpio de Maracana apresentando a maior prevalncia (0,8%). Cinco municpios

    da AID apresentaram bito por esquistossomose no perodo de 2001 a 2009, destes 3

    no so trabalhados pelo PCE. A produo de espaos potenciais para a transmisso da

    esquistossomose na AID decorrentes da implementao do referidos projetos de

    transposio de bacias necessita ser mensurado.

    Palavras-chave: Esquistossomose mansnica, Tranposio do Rio So Francisco, Canal da Integrao.

  • 10

    ABSTRACT

    Schistosomiasis is a parasitic disease caused by trematode worms of the genus

    Schistosoma. It is a worldwide endemic disease, occurring in 74 countries and

    territories, mainly in South America, the Caribbean, Africa and Eastern Mediterranean,

    where it reaches the regions of the Nile Delta, along with countries like Egypt and

    Sudan Among the most widespread parasitic infections in human world, schistosomiasis

    ranks second (second only to malaria), constituting, in Brazil, one of its most serious

    public health problems. The transmission of Schistosoma mansoni depends on the inter-

    relationship between the ecosystem, people and their social conditions. Large

    engineering projects that cause environmental changes often create good conditions for

    the emergence of risk factors for introduction and spread of diseases in the affected

    communities. The objective of this study was to build a baseline of the municipalities

    affected by two major projects of water infrastructure: The integration of the So

    Francisco River Basin within the limits of the state of Ceara and Eixo Waters of Cear,

    and the implications on the transmission Schistosomiasis mansoni. The municipalities in

    the Area of Direct Influence of the projects involved were: Alto Santo, Baixio, Barro,

    Brejo Santo, Cascavel, Caucaia, Chorozinho, Horizonte, Ic, Itaitinga, Jaguaribara,

    Jaguaribe, Jati, Lavras da Mangabeira, Maracana, Mauriti, Misso Velha, Morada

    Nova, Ocara, Pacajus, Pacatuba, Pena Forte, Russas, So Gonalo do Amarante e

    Umari. Indicators were used socio-demographic, socioeconomic, educational, and

    environmental health. The socio-demographic and socioeconomic analysis revealed that

    the municipalities close to the Metropolitan Region of Fortaleza were the best

    indicators. The intermediate host Biomphalaria straminea is widespread in all 25

    municipalities of which 6 were cases of schistosomiasis in the period 2001 to 2006.Only

    eight counties are handled by the State Program for the Control of Schistosomiasis with

    prevalence ranging from 0.1 to 0.8% with the town of Maracana presenting the highest

    prevalence (0.8%). Five municipalities ADI (area of direct influence) had died of

    schistosomiasis in the period 2001 to 2009, these three are not operated by the State

    Program for the Control of Schistosomiasis. The production potential spaces for the

    transmission of schistosomiasis in the ADI following the implementation of these

    projects watershed transposition needs to be measured.

    Key words: Schistosomiasis mansoni, Inter-basin water tranfer on the San Francisco river, Channel

    integration.

  • 11

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    AID - rea de Influncia Direta

    CIPP Complexo Industrial e Porturio do Pcem

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia Estatstica

    IPECE - Instituto de Pesquisa Estatstica e Econmica do Estado do Cear

    PCE Programa de Controle da Esquistossomose

    PROGERIRH - Projeto de Gerenciamento e Integrao dos Recursos Hdricos Cear

    RIMA - Relatrio de Impacto Ambiental

    RMF - Regio Metropolitana de Fortaleza

    SEINFRA Secretaria de Infra-estrutura do Estado do Cear

    SIG Sistema de informaes Geogrficas

    SIS-PCE Sistema de Informao do Programa de Controle da Esquistossomose

    SRH Secretaria de Recursos Hdricos

    WWTP - Wanjiazhai Water Transfer Project (Projeto de Transferncia de gua de

    Wanjiazhai)

    SMHS - Snowy Mountains Hydroelectric Scheme (Esquema Hidreltrico de Snowy Mountains) SOHIDRA - Superintendncia de Obras Hidrulicas - Cear

  • 12

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Nmero de municpios da rea de estudo e percentual de acordo com o

    porte populacional, Brasil, 2000. 51

    Tabela 02. Renda per capta e Produto interno Bruto por municpio da AID 52

    Tabela 03. Municpios com casos de Esquistossomose Mansnica trabalhados pelo

    Programa Estadual de Controle da Esquistossomose na AID. 59

    Tabela 04. Prevalncia da Esquistossomose Mansnica nos municpios trabalhados

    pelo Programa Estadual de Controle da Esquistossomose na AID, no perodo de 2000

    a 2008. 63

    Tabela 05: Nmero de bito por esquistossomose, segundo o ano de ocorrncia e

    municpio de residncia na AID, 2001 a 2009 64

  • 13

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Distribuio do Schistosoma mansoni no mundo 17

    Figura 2: Conchas das espcies hospedeiras do S. mansoni que ocorrem no

    Brasil: A) Biomphalaria glabrata (Say, 1818); B) Biomphalaria tenagophila

    (Orbigny, 1835); C) Biomphalaria straminea (Dunker, 1848)

    19

    Figura 3: Desenho esquemtico do ciclo evolutivo de S. mansoni 20

    Figura 4: Reao granulomatosa aos ovos do parasito. 22

    Figura 5: Formas clnicas da Esquistossomose Mansnica: A) Dermatite cercariana;

    B) Forma Hepatoesplnica. 22

    Figura 6: Mtodo parasitolgico Kato-Katz 24

    Figura 7: reas endmicas e focais da esquistossomose mansnica. Brasil, 2004 26

    Figura 8: Regio Semi-rida. Agncia Nacional de guas, 2009 32

    Figura 9: Snowy Mountains Hydroelectric Scheme-SMHS. Construo da represa

    Murray 2, Austrlia, 1967 34

    Figura 10: Localizao da Transposio Tajo-Segura., Espanha, 1973. 36

    Figura 11: Mapa da extenso total do rio So Francisco 38

    Figura 12: Mapa esquemtico do Eixo das guas 42

    Figura 13: Mapa do Estado do Cear, mostrando os municpios por onde passaro os

    projetos da interligao de bacias do Rio So Francisco e o Eixo das guas 49

    Figura 14: Populao residente nos municpios da rea de estudo. Brasil, 2000 53

    Figura 15: Percentual de cobertura de abastecimento de gua e instalaes sanitrias

    nos municpios da AID 54

    Figura 16: Mapa da cobertura de abastecimento de gua e instalaes sanitrias nos

    municpios da AID. 54

    B

  • 14

    Figura 17: ndice de desenvolvimento municipal dos municpios pertencentes a AID 56

    Figura 18: Populao residente de 5 anos ou mais por alfabetizao dos municpios

    pertencentes a AID 58

    Figura 19: Proporo de alfabetizados por municpio em relao a populao total

    residente de 5 anos ou mais 58

    Figura 20: Precipitao mdia anual na AID no ano de 2006. 58

    Figura 21: Tipos de Vegetao encontrados no estado do Cear. 59

    Figura 22: Hipsometria estado do Cear. 60

    Figura 23: Distribuio da Biomphalaria straminea nos municpios estado do Cear 61

    Figura 24. Distribuio da B. straminea, leitos perenizados e principais audes nos

    municpios da AID do Rio So Francisco no Cear e Eixo das guas,. 62

    Figura 25. Exames realizados e percentual de positividade para Esquistossomose

    Mansnica, Cear, 1997 2006. 63

    Figura 26. bitos por Esquistossomose no Estado do Cear de 1990 a 2009. 63

    Figura 27. Municpios com casos de Esquistossomose localizados na AID.

    64

  • 15

    SUMRIO

    1. INTRODUO.............................................................................................................. 16

    1.1. Esquistossomose .................................................................................................. 17

    1.2. Hospedeiros intermedirios ............................................................................... 18

    1.3. Ciclo Evolutivo..................................................................................................... 19

    1.4. Transmisso.......................................................................................................... 20

    1.5. Manifestaes clnicas da doena........................................................................ 21

    1.6. Diagnstico............................................................................................................ 23

    1.7. Epidemiologia........................................................................................................ 24

    1.7.1. Fatores ambientais e o risco da transmisso da

    Esquistossomose......................................................................................................

    27

    1.8. Nordeste Semi-rido e a busca pela gua........................................................... 29

    1.9. Transferncia de guas entre Bacias Hidrogrficas.......................................... 33

    1.9.1. O Rio So Francisco e o projeto de Integrao de bacias hidrogrficas

    para o Nordeste Setentrional...............................................................................

    37

    1.9.2. O projeto Eixo das guas do Cear........................................................ 41

    2. JUSTIFICATIVA......................................................................................................... 43

    3. OBJETIVOS................................................................................................................... 45

    3.1 Objetivos especficos ................................................................................................ 46

    4. MATERIAIS E MTODOS......................................................................................... 47

    4.1. Desenho do estudo................................................................................................. 48

    4.2. rea do estudo....................................................................................................... 48

    4.2.2. Municpios localizados na rea de Influncia Direta das obras de

    integrao de bacias do Rio So Francisco para o Nordeste Setentrional e o

    Eixo das guas do Cear.

    49

    4.3. Indicadores do Estudo .......................................................................................... 50

    4.3.1. Dados Demogrficos e Scio-econmicos .................................................. 50

  • 16

    4.3.2. Dados educacionais...................................................................................... 50

    4.3.3. Dados ambientais e de pluviosidade........................................................... 50

    4.4. Distribuio espacial do Hospedeiro intermedirio........................................... 50

    4.5. Identificao das reas de transmisso da Esquistossomose Mansnica j

    existentes......................................................................................................................... 50

    4.6. Softwares utilizados................................................................................................. 51

    4.7. Arquivos em formato Shapefile.............................................................................. 51

    4.8. Aspectos ticos......................................................................................................... 51

    5. RESULTADOS............................................................................................................... 52

    5.1. Anlide de dados Demogrficos e Scio-econmicos............................................ 53

    5.2. Anlise de dados Educacionais............................................................................... 56

    5.3. Anlise de dados de Pluviosidade e dados Ambientais ....................................... 58

    5.4. Distribuio do molusco hospedeiro intermedirio no estado do Cear............. 61

    5.5. Identificao das reas de transmisso da Esquistossomose Mansnica j existentes...................................................................................................................

    62

    6. DISCUSSO.................................................................................................................. 66

    7. CONCLUSO................................................................................................................ 77

    8. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS......................................................................... 79

    9. ANEXOS......................................................................................................................... 88

  • 17

    INTRODUO

  • 18

    1. INTRODUO

    1.1 Esquistossomose

    A esquistossomose uma doena parasitria, provocada por vermes trematdeos

    do gnero Schistosoma. Atualmente, existem seis espcies de Schistosoma (Schistosoma

    mansoni, Schistosoma hematobium, Schistosoma japonicum, Schistosoma intercalatum,

    Schistosoma mekongi e Schistosoma malayensis) que podem provocar doena no

    homem, sendo que no continente americano existe apenas S. mansoni. (Ministrio da

    Sade, 2007). uma endemia mundial, ocorrendo em 76 pases e territrios,

    principalmente na Amrica do Sul, Caribe, frica e Leste do Mediterrneo, onde atinge

    as regies do Delta do Nilo, alm de pases como Egito e Sudo. (WHO, 2002)

    Entre as parasitoses humanas mais disseminadas no mundo, a esquistossomose

    ocupa o segundo lugar (perdendo apenas para a malria), constituindo, no Brasil, um de

    seus mais graves problemas de sade pblica (DIAS, 1992).

    Figura 1: Distribuio do Schistosoma no mundo

    Fonte: Gryseels et al., 2006

    Os principais fatores que contriburam para propagao da esquistossomose foram os

    movimentos migratrios, a explorao inadequada de recursos hdricos, a ampla

  • 19

    distribuio dos hospedeiros intermedirios, a longevidade da doena, problemas

    sanitrios e a falta de educao sanitria (MACHADO 1982, SILVA 1983, AMARAL e

    PORTO 1994).

    1.2 Hospedeiros intermedirios

    Os caramujos transmissores da esquistossomose mansoni no Brasil pertencem ao

    Filo Mollusca, Classe Gastropoda, Subclasse Pulmonata, Ordem Basommatophora,

    Famlia Planorbidae, Gnero Biomphalaria. So discides e apresentam uma depresso

    que lembra o umbigo. (NEVES, 2005)

    J foram identificadas dez espcies pertencentes ao gnero Biomphalaria no

    Brasil. So elas: Biomphalaria glabrata, Biomphalaria tenagophila, Biomphalaria

    straminea, Biomphalaria amazonica, Biomphalaria peregrina, Biomphalaria

    occidentalis, Biomphalaria intermedia, Biomphalaria schrammi, Biomphalaria oligoza

    e Biomphalaria kuhniana. Destas, apenas as trs primeiras foram encontradas

    eliminando cercrias na natureza, sendo, portanto, transmissoras da esquistossomose

    mansnica nas Amricas. A B. amazonica e a B. peregrina foram infectadas em

    laboratrio, mas nunca foram encontradas com infeco natural (SOUSA; LIMA, 1990)

    A B. glabrata apresenta concha de at 40 mm de dimetro por 11 mm de largura,

    seis a sete giros arredondados; periferia arredondada, tendendo para a direita, o maior

    molusco da famlia Planorbidae. encontrado numa faixa continua em todos os estados

    brasileiros situados entre o Rio Grande do Norte e o Paran, tendo sido descritos focos

    no Par, Maranho e Piau. Constitui-se o mais eficaz vetor da esquistossomose, com

    taxas de positividade de at 70% (LIMA 1995).

    A B. tenagophila apresenta concha com at 35 mm de dimetro por 11 mm de

    largura, sete a oito com carena em ambos os lados, porem mais acentuada a esquerda.

    Est mais restrita ao sul do pas, entretanto, tambm encontrada no oeste do

    Matogrosso do Sul, sul da Bahia e leste do Rio de Janeiro at o Rio Grande do Sul

    (LIMA, 1995).

    A B. straminea concha com at 16,5 mm de dimetro por 6 mm de largura,

    arredondados, crescendo mais rapidamente em dimetro, as vezes apresentando leve

  • 20

    angulao esquerda. encontrada em quase todas as bacias hidrogrficas do Brasil.

    a espcie predominante no nordeste do Brasil, principalmente na regio do semi-rido,

    sendo a nica das espcies transmissoras encontradas no Cear (LIMA, 1995).

    Figura 2: Conchas das espcies hospedeiras do S. mansoni que ocorrem no Brasil: A) Biomphalaria

    glabrata (Say, 1818); B) Biomphalaria tenagophila (Orbigny, 1835); C) Biomphalaria straminea

    (Dunker, 1848).

    1.3 - Ciclo Evolutivo

    A eliminao de ovos nas fezes de portadores da esquistossomose mansnica

    pode levar a contaminao de colees hdricas e a liberao de uma forma

    intermediria, o miracdio, infectante para moluscos do gnero Biomphalaria (PASSOS

    et al., 1998)

    O miracdio um organismo muito mvel quando em meio aqutico, graas aos

    numerosos clios que lhe revestem a delgada cutcula e ao seu sistema muscular.

    Decorridas 48 horas aps a penetrao do miracdio no interior do molusco hospedeiro

    intermedirio, este perde a mobilidade e se transforma num esporocisto primrio,

    contendo de 50 a 100 clulas germinativas. Cada uma dessas clulas dar origem a

    quatro esporocistos secundrios, e estes, por um processo de reproduo assexuada, dar

    origem a milhares de cercrias. Finalmente, aps quatro a sete semanas da infeco do

    molusco, este comea a liberar as cercrias. sob a forma de cercrias que o S. mansoni

    infecta o hospedeiro definitivo, penetrando ativamente na pele do homem, por meio de

    ao combinada da secreo ltica das glndulas anteriores e dos movimentos

    vibratrios intensos. Uma vez nos tecidos do hospedeiro definitivo, as cercrias perdem

  • 21

    a cauda e se transformam em esquistossmulos. Estes caem na circulao sangunea e

    /ou linftica, atingem a circulao venosa, indo at o corao e os pulmes, retornando

    posteriormente ao corao, onde so lanados atravs das artrias aos pontos mais

    diversos do organismo. O fgado se constitui o rgo preferencial de localizao do

    parasito, onde estas formas jovens se diferenciam sexualmente e crescem, alimentando-

    se de sangue. Ainda imaturos, os parasitos migram para a veia porta devido suas

    tributrias mesentricas, onde completam a evoluo. A partir da terceira semana da

    penetrao das cercrias ocorre a migrao dos vermes para as veias mesentricas. Os

    vermes adultos se localizam nos ramos terminais das veias mesentricas onde acontece

    o incio das posturas. Ainda imaturos os ovos migram da luz do vaso para a luz

    intestinal, provocando assim hemorragias e reas de inflamao responsveis pelo

    aparecimento das diarrias muco-sanguinolentas e outros distrbios gastrointestinais.

    Uma fmea de S. mansoni produz cerca de 300 ovos dirios, dos quais 25% a 35% so

    eliminados pelas fezes. Os ovos que no conseguem atingir a luz intestinal por ficarem

    retidos nos tecidos, ou porque foram depositados em vasos de outros rgos, como o

    fgado bem como aqueles que refluem para o parnquima heptico so os responsveis

    pela formao de microgranulomas que posteriormente podero ocluir, total ou

    parcialmente, o fluxo sanguneo ocasionando toda sintomatologia da doena em suas

    formas mais graves. A maturao concluda, assim, organiza-se ento em seu interior

    o embrio que denominado miracdio, iniciando ento novo ciclo (COELHO, 1970).

    Figura 3. Desenho esquemtico do ciclo evolutivo de S. mansoni

    Fonte:http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/filo-platelmintos/imagens/ciclo-do-schistosoma-

    mansoni-p.jpg

    http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/filo-platelmintos/imagens/ciclo-do-schistosoma-mansoni-p.jpghttp://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/filo-platelmintos/imagens/ciclo-do-schistosoma-mansoni-p.jpg

  • 22

    1.4 Transmisso

    A esquistossomose a mais grave forma de parasitose cujo bito ocorre devido a

    extensa fibrose decorrente da presena em parnquima heptico de ovos do S. mansoni,

    o agente causal. Aps o reconhecimento da doena no pas, a esquistossomose comeou

    a ser vista como de potencial importante, principalmente devido a sua gradativa

    expanso, em funo de movimentos migratrios em direo a reas com precrias

    condies de saneamento bsico, constituindo a rea endmica inicial da infeco

    (NEVES, 2005).

    A transmisso da Esquistossomose mansnica hoje reconhecida em importantes

    reas metropolitanas do nordeste do Brasil, no centro-oeste da frica e na regio central

    da China. Quando emigrantes rurais com uma elevada prevalncia vo para uma rea

    peri-urbana, existe um alto risco de transmisso da doena devido contaminao

    dessas massas de gua naturais (OMS, 1994).

    O contato com a gua contendo cercrias considerado como fator essencial para

    a infeco humana, a qual pode ter vrias razes classificadas como domsticas,

    recreacionais, ocupacionais e religiosas. O risco de ocorrer a infeco pode variar com a

    hora do dia em que ocorreu o contato, a durao da exposio e a rea da pele exposta

    (MOTT, 1980; JORDAN, 1993).

    A esquistossomose tambm est associada ao padro de emprego nas reas peri-

    urbanas. Os pequenos pomares, hortas irrigados so oferecidos como emprego ao

    emigrante rural que j foi, na maioria das vezes, um pequeno agricultor. Como a

    esquistossomose endmica na maioria dessas reas, o trabalhador se j no estava

    infectado, corre o risco de contrair a doena (OMS, 1994)

    1.5 Manifestaes clnicas da doena

    A infeco humana por S. mansoni induz diferentes manifestaes clnicas

    caractersticas. A fase aguda surge entre a quarta e dcima semana aps exposio s

    cercrias e caracteriza-se por manifestaes toxmicas durante a migrao da larva e no

    perodo inicial de postura dos ovos. Alguns indivduos aps a exposio podem

    apresentar manifestaes cutneas do tipo urticria (Fig. 5). A hepatomegalia

    freqente nessa fase. Nesse perodo o doente, em geral, apresenta diarria caracterstica

  • 23

    com a presena de muco e sangue. Os sintomas da fase aguda, tais como os surtos

    febris, tosse seca e persistente sem sinais pulmonares apreciveis, desaparecem

    espontaneamente aps o tratamento (BOROS, 1989).

    A fase crnica apresenta-se sob as formas clnicas intestinal, hepatointestinal e

    hepatoesplnica compensada ou descompensada. A forma intestinal a mais freqente

    encontrada em pacientes cronicamente infectados. Nesta forma, os sintomas so

    geralmente brandos, com perda de apetite, dispepsia e desconforto abdominal

    (SAVIOLI et al., 1997).

    A forma hepatoesplnica caracteriza-se pelo aumento considervel do bao e do

    fgado. Na forma hepatoesplnica compensada, as leses hepticas caracterizam-se por

    fibrose peri-portal com vrios graus de obstruo dos ramos intra-hepticos da veia

    porta. O aumento do bao se deve a dois fatores principais: 1) hiperplasia dos elementos

    do retculo endotelial da polpa vermelha e 2) congesto passiva determinada pela

    hipertenso porta (REY, 1991).

    Na forma hepatoesplnica descompensada, o quadro clnico caracterizado pela

    fibrose periportal podendo resultar no bloqueio da microcirculao porta e

    desenvolvimento de circulao colateral. Esta manifestao acomete uma porcentagem

    pequena da populao infectada, variando de 1 a 10%, dependendo da rea de estudo

    (ANDRADE & VAN MARCK, 1984)

    Figura 4. Reao granulomatosa aos ovos do parasito.

    Fonte: http://www.proto.ufsc.br/downloads/graduacao/esquistossomose_med.pdf

    B

    http://www.proto.ufsc.br/downloads/graduacao/esquistossomose_med.pdf

  • 24

    Figura 5. Formas clnicas da Esquistossomose Mansnica: A) Dermatite cercariana; B) Forma

    Hepatoesplnica.

    Fonte: http://www.grupoescolar.com/a/b/05B25.gif

    http://www.grupoescolar.com/a/b/05B25.gif

  • 25

    1.6 Diagnstico

    Para fins de diagnstico da esquistossomose mansnica, o mtodo parasitolgico

    mais utilizado em inquritos fundamenta-se no encontro dos ovos do parasito nas fezes

    do paciente pela tcnica de Kato-Katz, mas esta se mostrou pouco eficiente com cargas

    parasitrias baixas (indivduos que eliminam menos de 100 ovos/g fezes). Isso ocorre

    devido baixa sensibilidade do mtodo Kato-Katz, que depende diretamente da

    quantidade de fezes examinadas e do nmero de ovos eliminados pelo portador

    (KAMNAMURA, et al, 1998).

    Apesar da ampla distribuio dos moluscos e as freqentes oportunidades do

    contato humano com a gua, as altas taxas de transmisso s devem ocorrer em poucos

    locais. O nmero de ovos por grama de fezes que fornece a intensidade de infeco,

    deve ser considerado ao se tentar classificar os nveis de endemicidade. Com as devidas

    ressalvas, poderamos considerar regies de mdia e alta endemicidade aquelas com

    prevalncia superior a 10%, com mais de 120 ovos por grama de fezes e presena de

    indivduos com quadro clnico da esquistossomose. rea de baixa endemicidade seria

    aquela com prevalncia inferior a 10%, com a maioria dos infectados assintomticos e

    eliminando menos de 96 ovos por grama de fezes (DIAS et al., 1994).

    A fmea acasalada do S. mansoni elimina diariamente cerca de 200 ovos pelas

    fezes. Assim, a probabilidade de uma lmina do mtodo de Kato detectar a infeco por

    um casal de vermes (200 ovos/fmea - 200g fezes/dia - 42mg de fezes examinadas)

    seria de cerca de 1/24. Portanto, principalmente para controle de cura, aps

    quimioterapia, deve-se pedir vrios exames de fezes para se ter certeza da cura

    parasitolgica. O controle de cura por exames de fezes deve ser feito aps trs meses da

    administrao da droga devendo-se considerar a possibilidade de reinfeces (NEVES,

    2005).

    Para levantamentos epidemiolgicos, recomenda-se a tcnica quantitativa de

    Kato-Katz. Apesar da grande variao diria no nmero de ovos eliminados por

    paciente, quando se trabalha com populao, a mdia reflete com bastante preciso a

    carga parasitria da comunidade. Por outro lado, a quantificao desta carga parasitria

    indispensvel para se ter elementos para avaliar a eficcia de medidas profilticas

    (quimioterapia, aplicao de moluscicidas, saneamento bsico, etc.) (NEVES, 2005).

  • 26

    O diagnstico laboratorial da doena pode ser feito atravs do exame

    parasitolgico de fezes, biopsia retal, determinao e identificao de antgenos e

    determinao de indicadores bioqumicos e patolgicos que esto associados a infeco

    por S. mansoni. As tcnicas de diagnostico parasitolgico de fezes variam

    consideravelmente quanto a sensibilidade, dependendo da quantidade de fezes

    examinadas, do numero de ovos excretados e fatores inerentes a perda intrnseca

    durante a realizao do procedimento (GARGIONI ET AL., 2008).

    Figura 6. Mtodo parasitolgico Kato-Katz.

    Fonte: PCE/SESA-CE, 2009

    1.7 Epidemiologia

    A epidemiologia da esquistossomose em suas linhas gerais bem conhecida. Ela

    no , necessariamente, uniforme dentro de um pas endmico e quase impossvel de

    ser comparada entre pases. Sua epidemiologia to variada quanto a ecologia humana

    e o ambiente no qual a esquistossomose ocorre. Os parmetros epidemiolgicos, como

    prevalncia, incidncia, intensidade de infeco e morbidade, variam, amplamente,

    mesmo dentro de uma regio (DIAS, 1994).

    Para ALVES et. al 1998, a Esquistossomose pensada pelos rgos pblicos

    como uma doena diretamente ligada s condies de saneamento e maneira de viver

    das populaes situadas em reas endmicas. Produzida por trematdeos, organismos

    (metazorios) endoparasitos, a transmisso do Schistosoma mansoni depende do inter-

    relacionamento entre o ecossistema, as pessoas e suas condies sociais. O contato

    humano com as colees de gua doce e de superfcie, adequada vida dos moluscos

    hospedeiros intermedirios (o caramujo), a presena de pessoas parasitadas, a densidade

    B

  • 27

    da populao de caramujos, os hbitos de poluio fecal do ambiente e condies

    econmicas (como a disponibilidade de gua domiciliar e condies sanitrias), so

    fatores que determinam, em diferentes nveis, as medidas dessa infeco.

    Segundo FAVRE e colaboradores 2001, nas numerosas colees hdricas da

    rea endmica que as populaes humanas, por questes econmicas e socioculturais,

    exercem grande parte de suas atividades domsticas, de lazer e de higiene pessoal. As

    condies ambientais, associadas falta de saneamento bsico, como rede de esgoto

    sanitrio, abastecimento e tratamento de gua para consumo, bem como intensa

    locomoo das comunidades, criam condies propcias manuteno da transmisso e

    expanso da esquistossomose.

    A mortalidade da Esquistossomose Mansnica relativamente baixa, mas sua

    patologia crnica e capacidade de desabilitar so enormes. Estima-se que 200 milhes

    de pessoas estejam infectadas, onde 120 milhes so sintomticos e 20 milhes sofrem

    severamente com a doena (WHO, 2002).

    No Brasil, a doena popularmente conhecida como xistose, barriga dgua

    ou mal-do-caramujo, atingindo milhes de pessoas, considerada uma das maiores

    regies endmicas dessa doena em todo o Globo. A transmisso ocorre em 19 estados,

    numa faixa contnua ao longo do litoral, desde o Rio Grande do Norte at a Bahia, na

    regio Nordeste, alcanando o interior do Esprito Santo e Minas Gerais, no Sudeste. De

    forma localizada, est presente nos estados do Cear, Piau e Maranho, no Nordeste;

    Par, na regio Norte; Gois e Distrito Federal, no Centro-Oeste; So Paulo e Rio de

    Janeiro, no Sudeste; Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, na regio Sul (figura

    7). As prevalncias mais elevadas so encontradas nos estados de Alagoas, Pernambuco,

    Sergipe, Minas Gerais, Bahia, Paraba e Esprito Santo (REY, 1991).

    Acredita-se que a esquistossomose tenha sido introduzida no Brasil entre os anos

    de 1550 e 1646 no litoral, quando os primeiros escravos africanos chegaram Bahia e

    Recife. A parasitose permaneceu incgnita at 1907, quando o mdico baiano Piraj da

    Silva, registrou pela primeira vez a esquistossomose mansnica no pas (AMARAL e

    PORTO 1994).

  • 28

    Figura 7. reas endmicas e focais da esquistossomose mansnica. Brasil, 2004.

    Fonte: GT-Esquistossomose/CDTV/CGDT/SVS/MS

    A diversidade dos fatores que envolvem a transmisso da esquistossomose

    dificulta de forma importante o seu controle pelos servios de sade. As aes de

    controle da doena no Brasil vm sendo adotadas de maneira sistemtica e abrangente

    desde 1976. Ao longo das trs ltimas dcadas os Programas de Controle da

    Esquistossomose (PCE) passaram por diversas fases onde foram feitas tentativas de

    medicalizao macia dos portadores, conjugadas com outras aes preventivas

    consideradas importantes (AMARAL; PORTO, 1994).

    O controle nacional da esquistossomose foi implementado no Brasil, em 1975,

    pela Superintendncia de Campanhas de Sade Pblica (SUCAM), com a criao do

    PECE (Programa Especial de Controle da Esquistossomose), que direcionou suas

    atividades para o tratamento quimioterpico em massa com oxamniquina. O controle de

    moluscos vetores, atravs da aplicao de moluscicida (niclosamida), foi levado a efeito

    em menor escala e de forma irregular. Saneamento, abastecimento de gua e educao

    em sade, foram medidas implementadas em menor frequncia. As atividades do PECE

  • 29

    seguiram trs fases operacionais: a) preparatria, onde a rea de trabalho era definida e

    o inqurito parasitolgico inicial, realizado; b) de ataque, na qual as medidas de controle

    eram colocadas em prtica; c) de vigilncia, que previa avaliaes peridicas e o

    tratamento quimioterpico para casos novos e/ou no-curados. Em 1980, o PECE

    perdeu as caractersticas de Programa Especial, tornando-se um programa de rotina do

    Ministrio da Sade. As aes de controle restringiram-se a quimioterapia em massa e

    estimularam a participao de outros rgos de Sade Pblica (Fundao Servio

    Especial de Sade Pblica- FSESP, Instituto Nacional de Assistncia Mdica e

    Previdncia Social - INAMPS e Secretarias Estaduais de Sade) no diagnstico e

    tratamento dos portadores da infeco. Em 1990, o PCE foi reestruturado e passou a ser

    dirigido pela Fundao Nacional de Sade (FNS), que se originou da fuso da SUCAM

    com a FSESP. O PCE adotou a localidade como unidade epidemiolgica e no mais o

    municpio, tendo os seguintes objetivos: a) reduzir a prevalncia nas localidades a nveis

    inferiores a 25%; b) reduzir a incidncia e a prevalncia de casos hepatoesplnicos e

    morte causada pela infeco esquistossomtica; c) controlar a transmisso em focos

    isolados; d) prevenir a expanso da esquistossomose para reas indenes (FAVRE,

    2001).

    No Cear, tem-se conhecimento da existncia da esquistossomose desde o

    perodo de 1920 - 1925, quando MACIEL encontrou um percentual de 2,8% de casos

    em 141 marinheiros cearenses examinados no Hospital Naval do Rio de Janeiro

    (MACIEL, 1925 e 1936). A seguir, existem subsdios oferecidos por ALENCAR, 1940

    que realizou o primeiro inqurito coproscpico no Estado, constatando casos autctones

    no Vale do Acarape quando foi encontrada uma positividade de 12,2% em 199 amostras

    da cidade de Redeno e arredores (TIMBO; LIMA, 1999).

    O Inqurito Helmintolgico Escolar, promovido pelo Ministrio da Sade,

    realizado por PELLON e TEIXEIRA no perodo de 1950 a 1953, e que no Cear foi

    realizado por ALENCAR em 1940 - 49 totalizou 40.462 exames com uma positividade

    de 390 casos, e um percentual total para o Estado de 1%. Dentre as regies onde foram

    encontradas pessoas com esquistossomose, mostraram-se mais atingidas Pacoti, com

    31,4%, e Redeno, com 62,2%. A esquistossomose foi encontrada em 20 localidades,

    de 19 municpios, sendo 3 na regio litornea, 5 na regio das serras, 3 no Vale do

    Cariri, 1 no Serto do Cariri, 1 no Vale do Jaguaribe, 2 no baixo Jaguaribe, 1 no mdio

    Jaguaribe e 3 no Serto. (ALENCAR, 1947).

  • 30

    1.7.1 Fatores ambientais e o risco da transmisso da Esquistossomose

    A partir do conhecimento sobre a dinmica do processo sade-doena, ou do

    conhecimento do processo histrico, espao e temporal dos determinantes do estado de

    sade at o aparecimento de determinadas doenas em uma comunidade, pode-se

    estabelecer razes de causalidades atravs de determinados indicadores de risco e

    correlacion-los com os principais fatores ambientais, sociais e biolgicos identificados

    pelas mudanas do estado de sade para o aparecimento de doenas nas comunidades

    (BARCELLOS & BASTOS,1996).

    LACAZ et al. (1972) enfatizam que, para se entender a interao de uma

    doena, em qualquer populao humana, faz-se necessrio avaliar o homem no seu

    ambiente fsico, biolgico e scio-econmico. Nota-se que a insuficincia dos servios

    de saneamento, a aglomerao humana em determinadas reas e a habitao

    inadequada, colaboram para o surgimento de doenas como o caso da

    esquistossomose, que tm relao direta com o ambiente degradado.

    O estudo das condies de vida e sade segundo o tipo de insero espacial dos

    grupos humanos torna-se uma alternativa metodolgica para a identificao e anlise de

    suas necessidades e, conseqentemente, para a superao das iniqidades (PAIM,

    1997).

    Grandes projetos de engenharia que causam alteraes no meio ambiente

    costumam criar condies satisfatrias para o aparecimento de fatores de risco de

    introduo e disseminao de doenas nas comunidades afetadas. Esses fatores devem

    ser previamente detectados, uma vez que a avaliao da experincia acumulada em

    diferentes projetos, permite inferir que a magnitude dos impactos sobre a sade dessas

    populaes est diretamente relacionada com a deteco precoce dos riscos e a

    conseqente implementao de aes de controle e preveno de doenas nestas

    comunidades (CERNEA E MCDOWELL, 2000).

    O caso mais antigo e bem documentado de alteraes ambientais causadas por

    empreendimentos de infra-estrutura hdrica o da barragem de Akosombo, construda

    no Rio Volta, no Gana, no princpio dos anos 60. O conseqente lago artificial, com

  • 31

    linhas de costa particularmente longas, atraiu muitos povoadores novos, seduzidos pelas

    importantes oportunidades de pesca que surgiram de imediato, na fase eutrfica depois

    da criao do reservatrio. A prevalncia da esquistossomose entre os moradores

    adultos das margens do lago, contudo, subiu de 1,8% para 75% (e entre as crianas

    atingiu 100%) durante um curto perodo de tempo, aps a concluso da construo da

    represa (CERNEA E MCDOWELL, 2000).

    Passados mais de 20 anos, as mesmas observaes foram feitas em relao s

    comunidades de plantao de arroz na rea Richard Toll, da Bacia do Rio Senegal, aps

    a construo da barragem de Diama. Esta barragem impede a entrada de gua salgada,

    uma intruso que, muitas vezes, subia pelo rio em vrias centenas de quilmetros,

    durante a estao seca, permitindo a explorao de solos agrcolas frteis. A Avaliao

    do Impacto sobre a Sade foi feita, mas na ausncia do hospedeiro intermedirio do S.

    mansoni, a esquistossomose no foi considerada um risco significativo. Contudo, depois

    de iniciada a irrigao do arroz e da cana-de-acar, a prevalncia da esquistossomose

    na populao local disparou at 100% (SOUTHGATE, 2001).

    OLIVEIRA 2007, em seu estudo que discute o impacto sobre a sade que a

    construo de grandes represas hidreltricas pode causar s comunidades originais e seu

    entorno, afirma que um dos efeitos deletrios sade mais freqentemente observados

    um aumento na prevalncia da esquistossomose ao redor da rea de reservatrio de

    represas. A construo de represas pode criar ambiente ecologicamente favorvel

    introduo do reservatrio do S. mansoni.

    Atividades como pescaria e recreao aqutica, alm da falta de saneamento,

    favorecem a infeco humana e mantm o ciclo de vida do parasito causador da

    esquistossomose. Os canais de terra e lagos para diverso so um excelente criadouro

    para muitas espcies de vetores (BASAHI, 2000).

    1.8 Nordeste Semi-rido e a busca pela gua.

    A gua o recurso natural mais importante e participa e dinamiza todos os ciclos

    ecolgicos; os sistemas aquticos tm uma grande diversidade de espcies teis ao

    homem e que so tambm parte ativa e relevante dos ciclos biogeoqumicos e da

  • 32

    diversidade biolgica do planeta Terra. O Homo sapiens alm de usar a gua para suas

    funes vitais como todas as outras espcies de organismos vivos, utiliza os recursos

    hdricos para um grande conjunto de atividades, tais como, produo de energia,

    navegao, produo de alimentos, desenvolvimento industrial, agrcola e econmico.

    Entretanto, 97% da gua do planeta Terra est nos oceanos e no pode ser utilizada para

    irrigao, uso domstico e dessedentao. Os 3% restantes tm, aproximadamente, um

    volume de 35 milhes de quilmetros cbicos. Grande parte deste volume est sob

    forma de gelo na Antrtida ou na Groelndia. Somente 100 mil km3, ou seja, 0,3 % do

    total de recursos de gua doce est disponvel e pode ser utilizado pelo homem. Este

    volume est armazenado em lagos, flui nos rios e continentes e a principal fonte de

    suprimento acrescido de guas subterrneas (TUNDISI, 2003).

    Recurso natural indispensvel vida dos homens, a gua transformou-se num

    bem absolutamente necessrio e essencial para a sobrevivncia de agrupamentos

    humanos, comunidades, coletividades, cidades e naes que dela dependem tanto para

    existir simplesmente quanto para satisfazer as suas necessidades sociais e econmicas

    (MACHADO, 2003).

    A disponibilidade de gua doce constitui-se num recurso estratgico neste inicio

    de milnio. A gesto de recursos hdricos ultrapassou, na atualidade, as fronteiras

    poltico-administrativas das naes e ganhou dimenses continentais e globais,

    tornando-se um tema supranacional e de alta complexidade. Entende-se que a

    expectativa de que possa faltar gua em determinadas regies do planeta poder fazer

    com que a gua se torne a commodity mais disputada nos anos vindouros. Segundo

    dados do Banco Mundial, oitenta pases enfrentam atualmente graves problemas por

    falta ou escassez de gua. Pases como Arbia Saudita, Israel, Tunsia, Imen, Egito,

    Etipia, Haiti, Ir, Lbia, Marrocos, Om, Sria e frica do Sul esto na lista das regies

    carentes em recursos hdricos. Ao mesmo tempo, observa-se tambm que a populao

    mundial cresce muito rapidamente em reas onde a gua j escassa.

    Ao longo do ltimo sculo, no Brasil, as grandes massas de gua foram

    consideradas como ddivas da natureza, reservatrios inesgotveis, capazes de fornecer

    gua pura eternamente e de receber e absorver quantidades ilimitadas de rejeitos

    provenientes das atividades humanas. Mas, com o crescimento acelerado da populao,

    a urbanizao das cidades, o desenvolvimento industrial e tecnolgico e a expanso das

  • 33

    reas agrcolas, as poucas fontes disponveis de gua esto comprometidas ou correndo

    risco (MACHADO, 2003).

    O fenmeno da escassez de gua est caracterizado pelo fato de 80% das

    descargas dos rios ocorrerem nos setores ocupados por 5% da populao, enquanto os

    20% restantes devem abastecer 95% do contingente, cuja parcela urbanizada j atinge

    os 75%, conforme dados do censo de 2000 (IBGE, 2001).

    Como se no bastasse esse desequilbrio geogrfico, a gua no Brasil est

    tambm ameaada pela poluio, pela eroso, pela desertificao e pela contaminao

    do lenol fretico. Rios, riachos, canais e lagoas foram assoreados, aterrados e

    desviados abusivamente, e mesmo canalizados; suas margens foram ocupadas, as matas

    ciliares e reas de acumulao suprimidas. Regies no passado alagadias, com

    pntanos, mangues, brejos e vrzeas foram, primeiro, aterradas e, depois,

    impermeabilizadas e edificadas. Imensas quantidades de lixo ou resduos slidos

    acumulam-se dentro e/ou nas margens de rios, riachos, lagos e baias. Com isso, a

    drenagem urbana no Brasil se tem tornado catastrfica: a cada vero, a chuva paralisa as

    grandes cidades nos dias de maior intensidade de precipitao trazendo, em seu rastro,

    as epidemias de leptospirose. Quando no enchente, so desmoronamentos de

    encostas. Para complementar esse quadro dantesco, a falta de saneamento leva o Brasil

    a conviver ainda, em vastas regies, com epidemias e endemias provocadas por agentes

    patolgicos transmitidos pela gua, como a dengue, a esquistossomose e a malria

    (MACHADO, 2003).

    O Nordeste semi-rido caracteriza-se por ser uma regio pobre em volume de

    escoamento de gua dos rios. Essa situao pode ser explicada em razo da

    variabilidade temporal e espacial das precipitaes e das caractersticas geolgicas

    dominantes, onde h predominncia de solos rasos baseados sobre rochas cristalinas e

    conseqentemente baixas trocas de gua entre o rio e o solo adjacente. Essa

    caracterstica causa uma forte dependncia da interveno do homem sobre a natureza,

    no sentido de garantir, por meio de obras de infra-estrutura hdrica, o armazenamento de

    gua para abastecimento humano e demais usos produtivos (GARJULLI, 2003; CIRILO

    et al, 2008).

    O semi-rido nordestino dadas suas caractersticas possui uma densa rede de rios

    temporrios. A maior exceo o Rio So Francisco. Esse grande rio, porm, nasce na

    Serra da Canastra, em Minas Gerais, e s aps centenas de quilmetros de percurso

  • 34

    entra na regio Nordeste. Outros rios permanentes so encontrados no Maranho, no

    Piau e na Bahia, com destaque para o Rio Parnaba. Os rios de regime temporrio so

    encontrados na poro nordestina que se estende desde o Cear at a regio setentrional

    da Bahia. Entre esses, destaca-se o Jaguaribe, no Cear, pela sua extenso e potencial de

    aproveitamento: em sua bacia hidrogrfica se encontram alguns dos maiores

    reservatrios do Nordeste, como Castanho e Ors (CIRILO et al, 2008).

    O estado do Cear tem 93% de seu territrio inserido na regio do semi-rido

    brasileiro. Com caractersticas tpicas desta regio, o estado apresenta mdia

    pluviomtrica anual de 800 mm, distribuda irregularmente durante o ano, e evaporao

    mdia de mais de 2.000 mm. Associado a estes fatores, todos os rios so intermitentes e

    a disponibilidade de recursos hdricos subterrneos limitada (TEIXEIRA, 2003).

    uma regio que apresenta elevada dependncia dos recursos naturais e os

    piores indicadores sociais do pas. Essa problemtica est associada a uma teia completa

    de fatores, que se fortalecem mutuamente. Dentre esses fatores, encontram-se as

    condies agroclimticas, a disponibilidade de recursos naturais do Semi-rido e o

    ordenamento fundirio, alm de fatores scio-econmicos como as deficincias de

    educao, o uso de prticas produtivas inadequadas, o baixo de nvel de tecnologia

    utilizado, o desenvolvimento de atividades muito dependentes do clima em reas de

    condies climticas desfavorveis, alm de outros (CEAR, 2008).

  • 35

    Figura 8. Regio Semi-rida. Agncia Nacional de guas, 2009

    Uma forma de solucionar o dficit hdrico em bacias a importao de gua por

    meio da transferncia dentro de uma mesma bacia ou entre bacias hidrogrficas

    diferentes (BANCO MUNDIAL, 2005).

    Grandes obras hdricas de transporte de gua foram concludas, esto em

    construo ou foram projetadas para abastecer as cidades do semi-rido e dar suporte s

    atividades produtivas nos ltimos anos. o caso, por exemplo, do Canal da Integrao,

    no Cear, destinado a conduzir gua desde o reservatrio de Castanho, o maior do

    Nordeste fora da bacia do Rio So Francisco (capacidade de 6,7 bilhes de metros

    cbicos) at a regio de Fortaleza, ao longo de 225 quilmetros. Outro exemplo a rede

  • 36

    de 500 quilmetros de adutoras do Rio Grande do Norte. Em ambos os casos, trata-se de

    aproveitamento de reservas hdricas no territrio de cada Estado. (CIRILO, 2008).

    1.9 Transferncia de guas entre Bacias Hidrogrficas.

    O interesse por sistemas de transferncias de gua aumenta na medida em que

    sua disponibilidade diminui ou a demanda para diferentes usos aumenta em uma dada

    bacia hidrogrfica. Projetos dessa natureza compreendem prtica antiga: h registros de

    transferncia de gua para agricultura na Espanha desde o sculo XV (LUND &

    ISRAEL, 1995).

    Nos Estados Unidos a mais antiga das transposies de Bacias o Grand River

    Ditch Project, foi construda em 1892 para transpor gua dos mananciais do rio

    Colorado para o rio Cache La Poudre, por meio da gravidade atravs de canais.

    (PORTO, 2000).

    Na Austrlia foi construdo, entre 1949 e 1974, o Snowy Mountains

    Hydroelectric Scheme - Sistema Hidreltrico das Montanhas de Snowy SMHS,

    projeto que coleta e armazena a gua que normalmente fluiria do leste para o litoral

    sendo desviada do rio Snowy para os rios Murray e, objetivando irrigao, gerao de

    energia e o abastecimento urbano do sudeste australiano Murrumbidgee. O SMHS

    constitudo por 16 reservatrios, 7 usinas, 1 estao de bombeamento, 145 km de tneis

    e 80 km de adutoras. Atualmente o sistema continua a exercer um papel vital no

    crescimento e no desenvolvimento da economia nacional, abastecendo mais de 70% de

    toda a energia renovvel disponvel para o leste do pas, considerando as horas de pico

    de demanda para as cidades de Sydney, Brisbane, Canberra, Melbourne e Adelaide.

    Acrescenta-se que a agricultura irrigada praticada nos vales dos rios Murray e

    Murrumbidgee representa de 25 a 30% da renda e emprego regional (SHRE, 2004).

    No nordeste da China dficits hdricos vinham prejudicando a irrigao,

    aumentando o custo de produo industrial e diminuindo a disponibilidade de gua dos

    habitantes em vrias cidades na provncia de Shanxi, com uma populao de,

    aproximadamente, 30 milhes de pessoas. O crescimento econmico do pas tambm

    vinha estimulando a demanda de gua e o uso da capacidade da infra-estrutura existente.

    O projeto Wanjiazhai Water Transfer Project Projeto de Transferncia de gua de

  • 37

    Wanjiazhai WWTP foi construdo com o objetivo de melhorar o abastecimento e a

    qualidade da gua, reduzir o consumo de gua subterrnea e controlar a intruso salina

    nas cidades litorneas, aumentar o desenvolvimento econmico, atenuar a pobreza e

    aliviar a escassez hdrica de trs reas industriais: Taiyuan, Pingsuo e Datong. Desde os

    primeiros estgios de implementao, em 1998, o projeto contou com a realizao de

    reformas institucionais, medidas de controle da poluio, manejo de resduos

    industriais, coleta de esgoto e estratgia de tratamento (BANCO MUNDIAL, 2005).

    Figura 9. Snowy Mountains Hydroelectric Scheme-SMHS. Construo da represa Murray 2,

    Austrlia, 1967

    Fonte: http://www.snowyhydro.com.au/photo.asp?pageID=215&parentId=345&i=0

    Na Europa, em pases onde o direito de uso da gua superficial concedido pela

    autoridade da bacia ou agncia pblica, tm sido desenvolvidos acordos de

    transferncias envolvendo fluxos de gua em larga escala. Citam-se como exemplos

    Rhone-Barcelona e Tajo-Segura, na Espanha, ambas para abastecimento urbano e

    irrigao (BALLESTERO, 2004).

    http://www.snowyhydro.com.au/photo.asp?pageID=215&parentId=345&i=0

  • 38

    A adutora que interliga o rio Tajo ao Segura foi planejada em 1933 e as obras

    completadas em 1973. O objetivo do projeto foi transferir gua da bacia do rio Tajo,

    localizada na vertente do oceano Atlntico da pennsula Ibrica, para a bacia do rio

    Segura, uma regio seca situada no sul da Espanha, ao largo do mar Mediterrneo. A

    gua partiu de um conjunto de grandes reservatrios (Entrepenas, Buendia e Bolarque)

    e foi transferida a uma distncia de 286 km por meio de um sistema composto por rios,

    canais e reservatrios (BALLESTERO, 2004).

    Segundo Banco Mundial 2005, este projeto desenhado como um programa de

    desenvolvimento regional mostrou-se, por um lado, bastante ineficiente gerando vrios

    aspectos negativos como:

    Destruio de milhares de hectares de vegetao nativa;

    Decrscimo na vazo ecolgica;

    Sria degradao da qualidade da gua do rio Tajo proveniente de lanamentos

    de efluentes da cidade de Madri. O rio Tajo, em seu trecho mdio, um dos mais

    poludos da Europa e em sua grande parte no satisfaz aos parmetros requeridos para

    irrigao;

    A vegetao ribeirinha foi profundamente alterada pela poluio e a flora e a

    fauna aqutica foram destrudas;

    A adutora tem facilitado a passagem de espcies de peixe de uma bacia para

    outra, o que tem conduzido extino de espcies de peixes endmicos na regio (90%

    das espcies aquticas da pennsula Ibrica so exclusivamente endmicas de cada bacia

    especfica).

    As repercusses sociais e econmicas decorrentes do projeto foram:

    Na bacia receptora, a transferncia gerou grande expectativa, o que provocou

    desenvolvimento insustentvel nos setores do turismo e da agricultura;

    O crescimento exponencial da demanda de gua e o uso excessivo de pesticidas

    e fertilizantes tm degradado o solo e poludo os corpos dgua.

  • 39

    Figura 10: Localizao da Transposio Tajo-Segura., Espanha, 1973.

    Fonte: http://campusvirtual.unex.es/cala/epistemowikia/index.php?title=Trasvase_Tajo-Segura

    No Brasil existem vrios casos de transferncia de gua entre bacias. Entre eles

    podem ser citados: (a) a inverso do curso do rio Alto Tiet para a Baixada Santista,

    executada pela antiga Companhia Light na dcada de 50; (b) a transposio das guas

    das cabeceiras do rio Piracicaba para abastecimento da Regio Metropolitana de So

    Paulo, executada pelo antigo Comit de Meio Ambiente, Segurana e Produtividade do

    Sinduscon/SP COMASP na dcada de 70; (c) o sistema Coremas - Me dAgua no

    estado da Paraba; (d) a transposio do rio Paraba do Sul, executada tambm pela

    Light na dcada de 50, para produzir energia eltrica prximo ao Rio de Janeiro e para

    abastecimento da regio metropolitana desta cidade, (e) a transposio de guas da

    bacia do rio Jaguaribe para a Regio Metropolitana de Fortaleza, atualmente em

    execuo pelo estado do Cear por meio da Secretaria de Recursos Hdricos do Estado

    do Cear/Superintendncia de Obras Hidrulicas SRH/SOHIDRA e, (f) a transposio

    http://campusvirtual.unex.es/cala/epistemowikia/index.php?title=Trasvase_Tajo-Segura

  • 40

    das guas do rio Paraguau para abastecimento da Regio Metropolitana de Salvador,

    no estado do Bahia (BANCO MUNDIAL, 2005).

    No Cear, o sistema concebido, chamado de Eixo de Integrao Castanho

    RMF, capta no aude Castanho e, por meio de um nico bombeamento nas

    proximidades do aude, segue por gravidade entre canais e adutoras por cerca de 250

    km at a RMF e o porto do Pecm, situado 60 km a oeste de Fortaleza (CEAR, 2008 ).

    O primeiro trecho foi construdo com recursos do Projeto de Gerenciamento e

    Integrao dos Recursos Hdricos PROGERIRH, financiado pelo Banco Mundial e

    concludo em 2004. Esta etapa, com 55 km de extenso, interliga os audes Castanho e

    Curral Velho, bem como refora o abastecimento para consumo urbano da cidade de

    Morada Nova, disponibilizando gua para o desenvolvimento de projetos hidroagrcolas

    por meio da integrao de seus recursos com os da bacia do Banabui. Os trechos 2 e 3

    tambm so parte do projeto PROGERIRH e apresentam 46 e 66 km de extenso,

    respectivamente. O trecho 2 se inicia no aude curral Velho e vai at a Serra do Flix. O

    trecho 3 se inicia na Serra do Flix e desgua no aude Pacajus, que faz parte do

    Sistema de Abastecimento da RMF. O trecho 4, com uma extenso de

    aproximadamente 34 km, segue do aude Pacajus ao aude Gavio, efetuando um by-

    pass ao sistema atual elevatrio Pacajus-Erer-Pacoti. O trecho 5 destinado ao

    suprimento industrial do Porto do Pecm, apresentando cerca de 55 km de extenso

    (CEAR, 2008).

    Outra situao hoje vivenciada no Brasil o incio das obras para transposio

    de guas do rio So Francisco (BRASIL, 2000) para os Estados do Cear, do Rio

    Grande do Norte, da Paraba e de Pernambuco.

    1.9.1 - O Rio So Francisco e o projeto de Integrao de bacias

    hidrogrficas para o Nordeste Setentrional

    O rio So Francisco, tambm chamado de Opar, como conhecido pelos

    indgenas, ou popularmente de Velho Chico, nasce em So Roque de Minas, na Serra

    da Canastra, no estado de Minas Gerais, a aproximadamente 1200 metros de altitude,

    atravessa o estado da Bahia, fazendo sua divisa ao norte com Pernambuco, bem como

  • 41

    constituindo a divisa natural dos estados de Sergipe e Alagoas, e, por fim, desgua no

    Oceano Atlntico, drenando uma rea de aproximadamente 641.000 km e atingindo 2

    830 km de extenso (BRASIL, 2004).

    F

    igura

    11.

    Mapa

    da

    extens

    o total

    do rio

    So

    Francis

    co

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    ttp://

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    d.wiki

    media

    .org/w

    ikipedi

    a/commons/2/2b/Saofrancisco.png

    O Projeto de Integrao do Rio So Francisco com Bacias Hidrogrficas do

    Nordeste Setentrional um empreendimento do Governo Federal, sob responsabilidade

    do Ministrio da Integrao Nacional MI, destinado busca de soluo para os graves

    problemas acarretados pela escassez de gua na regio, que inviabilizam a

    sobrevivncia em condies dignas dessas populaes, gerando situaes de pobreza e

    misria (BRASIL, 2004).

    Dois sistemas independentes, denominados EIXO NORTE e EIXO LESTE,

    captaro gua no rio So Francisco entre as barragens de Sobradinho e Itaparica, no

    http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2b/Saofrancisco.pnghttp://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2b/Saofrancisco.pnghttp://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2b/Saofrancisco.pnghttp://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2b/Saofrancisco.pnghttp://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2b/Saofrancisco.pnghttp://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2b/Saofrancisco.pnghttp://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2b/Saofrancisco.pnghttp://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/2b/Saofrancisco.png

  • 42

    Estado de Pernambuco. Compostos de canais, estaes de bombeamento de gua,

    pequenos reservatrios e usinas hidreltricas para auto-suprimento, esses sistemas

    atendero s necessidades de abastecimento de municpios do Semi-rido, do Agreste

    Pernambucano e da Regio Metropolitana de Fortaleza. As bacias hidrogrficas

    beneficiadas so as do rio Jaguaribe, no Cear; do rio Piranhas-Au, na Paraba e Rio

    Grande do Norte; do rio Apodi, no Rio Grande do Norte; do rio Paraba, na Paraba; dos

    rios Moxot, Terra Nova e Brgida, em Pernambuco, na bacia do rio So Francisco

    (BRASIL, 2004).

    No horizonte final do projeto, haver retirada contnua de 26,4 m3/s de gua, o

    equivalente a 1,4% da vazo garantida pela barragem de Sobradinho (1.850 m3/s) no

    trecho do rio onde se dar a captao. Essa vazo ser destinada ao consumo da

    populao urbana de 390 municpios do agreste e do serto dos quatro Estados do

    Nordeste setentrional. Nos anos em que o reservatrio de Sobradinho superar sua

    capacidade de acumulao, o volume captado poder ser ampliado para at 127 m3/s,

    contribuindo para o aumento da garantia da oferta de gua para mltiplos usos

    (BRASIL, 2004). A Figura 10 representa o esquema geral do projeto, evidenciando os

    Eixos Norte e Leste, estruturas principais do sistema, bem como reservatrios que

    devero receber as guas e traado aproximado das adutoras a serem interligadas.

    O Eixo Norte foi projetado para uma capacidade mxima de 99 m3/s e dever

    operar com uma vazo contnua de 16,4 m3/s, destinada ao consumo humano. Os

    volumes excedentes transferidos sero armazenados em reservatrios existentes nas

    bacias receptoras: Atalho e Castanho, no Cear; Armando Ribeiro Gonalves, Santa

    Cruz e Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte; Engenheiro vidos e So Gonalo, na

    Paraba; Chapu e Entremontes, em Pernambuco (BRASIL, 2000).

    O Projeto de Transposio de guas do Rio So Francisco Trecho I Eixo

    Norte localiza-se nos Estados de Pernambuco e Cear, desenvolvendo-se a partir do

    Rio So Francisco a montante da Ilha Assuno, no municpio de Cabrob em

    Pernambuco, em direo cidade de Salgueiro, atravessando a divisa com o Estado do

    Cear no tnel Milagres-Jat. A extenso total aproximada at o ponto de entrega, o

    Reservatrio de Jat no Estado do Cear, de 141 km. (BRASIL, 2000)

    No Trecho II, um significativo volume de guas, cerca de 50 m3/s, procedente

    do Reservatrio Cuncas, ser aduzido, no sentido nordeste, para o riacho Tamandu,

    http://www.scielo.br/img/revistas/ea/v22n63/a05fig11.gif

  • 43

    formador do rio Piranhas. Neste ponto, ocorrer um dos mais importantes eventos de

    mistura faunstica, no qual sero conectadas a biota resultante da mistura das guas da

    bacia do rio So Francisco e cabeceiras da bacia do rio Jaguaribe com a biota do curso

    superior do rio Piranhas. Neste evento a mistura de biotas considerada como de alta

    relevncia (BRASIL, 2004).

    Como parte deste projeto, sero construdos canais, tneis e 22 novos

    reservatrios: Tucutu, Angico, Terra Nova, Serra do Livramento, Mangueira, Negreiros

    e Milagres, a serem implantados no riacho Terra Nova, afluente da margem esquerda do

    rio So Francisco, no Trecho I; Jati, Logradouro e Cuncas, a serem implantados na

    bacia do rio Jaguaribe, no Trecho II; Santa Helena, a ser implantado no rio Caio Prado,

    afluente da margem esquerda do rio Salgado, tributrio do rio Jaguaribe, no Trecho III;

    Panela Dgua, dos Mandantes e Salgueiro, a serem implantados no riacho Mandantes,

    afluente da margem esquerda do rio So Francisco, no Trecho V; Cacimba Nova,

    Bagres, Copiti, Moxot, Barreiros e Campos, a serem implantados no riacho dos

    Mandantes, afluente da margem esquerda do rio So Francisco, no Trecho V; e

    Tamboril e Parnamirim, a serem implantados no riacho da Brgida ( BRASIL, 2004).

    Em adio, alguns reservatrios j existentes sero reformados para sua

    participao no sistema.

    No Estado do Rio Grande do Norte, o aude Armando Ribeiro Gonalves

    responsvel pelo abastecimento de uma grande quantidade de municpios das bacias do

    Piranhas-Au, Apodi e Cear-Mirim por meio de quatro grandes sistemas adutores que

    esto em operao: Adutora de Mossor, Adutora Serto Central/Cabugi, Adutora Serra

    de Santana, Adutora do Mdio Oeste. Em complemento, a Adutora do Alto Oeste,

    quando concluda, atender maior parte dos municpios da bacia do Apodi, captando

    gua no aude Santa Cruz, um dos reservatrios que devero receber aporte de gua do

    Projeto So Francisco (CIRILO, 2008).No Estado da Paraba, o Eixo Leste do Projeto

    So Francisco, de acordo com dados do Ministrio da Integrao, permitir o aumento

    da garantia da oferta de gua para os vrios municpios da bacia do Paraba, atendidos

    pelas adutoras do Congo, do Cariri, Boqueiro e Acau. O Eixo Norte possibilitar a

    garantia de abastecimento de diversos municpios da bacia do Piranhas, atendidos por

    sistemas tais como Adutora Coremas/Sabugi e Canal Coremas/Souza (CIRILO, 2008).

    No Estado de Pernambuco, os eixos Norte e Leste, ao atravessarem o seu

    territrio, serviro de fonte hdrica para sistemas adutores existentes ou em projeto,

  • 44

    responsveis pelo abastecimento de populaes do serto e do agreste: Adutora do

    Oeste, j com a maior parte do sistema operando (estando os ltimos ramais em

    licitao, as adutoras podero ter reforada sua capacidade de atendimento a partir de

    integrao com o Eixo Norte); Adutora do Paje, com a primeira fase em licitao

    iniciada no princpio de 2008; Adutora do Agreste/Frei Damio, ainda em projeto e

    Adutora de Salgueiro, que opera h cerca de trinta anos e que, pelo crescimento da

    demanda, necessita no presente de complementao (CIRILO 2008).

    1.9.2. - O projeto Eixo das guas do Cear

    No Estado do Cear, o Canal da Integrao (capacidade de 22 m3/s), interligar o

    aude Castanho s bacias do Banabui (maior afluente do Rio Jaguaribe) e

    Metropolitanas (CIRILO, 2008).

    Eixo das guas ou Canal da Integrao compreende cinco trechos constitudos

    por um conjunto de obras composto por uma estao de bombeamento, canais, adutoras,

    sifes, e tnel que realiza a transposio das guas do Aude Castanho para a Regio

    Metropolitana de Fortaleza (RMF), reforando o abastecimento, numa extenso de

    255,94 km, inclusive na RMF e Complexo Industrial e Porturio do Pecm, fazendo a

    integrao das bacias hidrogrficas do Vale do Jaguaribe e da Regio Metropolitana

    (FIGURA 02) (CEARA, 2008).

    O aude Castanho no Cear tem capacidade de armazenar 7 bilhes de m3 de

    gua e foi construdo com duas grandes finalidades: fornecer gua para uma grande

    regio, incluindo a cidade de Fortaleza (com 2,4 milhes de habitantes) e porto do

    Pecem; e, controlar as cheias do rio Jaguaribe em anos de chuvas intensas, que afetavam

    milhares de pessoas que habitam as margens do Baixo Jaguaribe e na cidade de Aracati

    (PINHEIRO & CARVALHO, 2010).

    O Eixo Castanho-RMF tem seu incio imediatamente jusante da barragem do

    Aude Castanho, derivando sua vazo diretamente da tubulao da tomada dgua do

    respectivo reservatrio. A transposio, ento, realizada at o Aude Pacoti (trechos I,

    II e III), reservatrio integrante do Sistema de Abastecimento de gua da Regio

    Metropolitana de Fortaleza (SARMF) e da at ao reservatrio Gavio (trecho IV) onde

    terminar o sistema adutor principal. O percurso estende-se ao longo de

    aproximadamente 200 km. O prolongamento do sistema adutor para a zona Oeste de

  • 45

    Fortaleza, entre o aude Gavio e Porto do Pecm (trecho V), apresenta um

    desenvolvimento adicional de cerca de 55 km (CEARA, 2008).

    Ao final do seu percurso, o Canal da Integrao ter passado por doze

    municpios, Nova Jaguaribara, Morada Nova, Russas, Ocara, Pacajus, Horizonte,

    Guaiuba, Pacatuba, Itaitinga, Maracana, Maranguape, Fortaleza, irrigando pelo menos

    33 mil hectares e garantindo gua para o Complexo Industrial do Pecm e os distritos

    industriais de Maracana, Horizonte e Pacajus (CEARA, 2008).

  • 46

    Figura 12. Mapa esquemtico do Eixo das guas

    Fonte: SRH-CE, 2002

  • 47

    JUSTIFICATIVA

  • 48

    2 Justificativa

    A construo de empreendimentos de infra-estrutura hdrica geralmente causa

    modificaes na composio da fauna em sua rea de influncia. Estas modificaes

    tm direcionado pesquisas para os vetores de doenas endmicas, visto que podem

    favorecer a transmisso em reas de baixa endemicidade ou propiciar a instalao de

    novos focos de doenas. Dessa forma, a ocorrncia da Esquistossomose Mansnica pode

    ser potencializada, tanto pela expanso espacial resultante dos movimentos

    populacionais, quanto pela construo de barragens e o aproveitamento das mesmas

    para obras subseqentes, como irrigao. O conhecimento da variao espacial e

    temporal da incidncia da doena, aliado s situaes ambientais, importante para o

    planejamento de aes de preveno e controle.

    No Cear, dois grandes projetos hdricos em fase de construo envolvendo mais

    de 25 municpios, levaro gua do Rio So Francisco entrando em Jati, extremo sul do

    estado at o Complexo Industrial-Porturio do Pecm (CIPP) no municpio de So

    Gonalo do Amarante.

    No existem estudos que avaliem o surgimento de espaos potenciais de

    transmisso da Esquistossomose Mansnica no mbito dos projetos de infra-estrutura

    hdrica no estado do Cear.

  • 49

    OBJETIVOS

  • 50

    3 OBJETIVO GERAL

    Construir uma linha base dos municpios atingidos por dois grandes projetos

    hdricos: A integrao de Bacias do Rio So Francisco no estado do Cear e o Eixo das

    guas, e as implicaes sobre a transmisso de Esquistossomose Mansnica.

    3.1 - Objetivos especficos

    Traar o perfil demogrfico, scio-econmico e ambiental de 25 municpios

    sob influncia direta das obras de integrao de Bacias do Rio So Francisco

    no estado do Cear e o Eixo das guas;

    Descrever a situao epidemiolgica e o perfil da esquistossomose mansnica

    nos municpios que sofrero influncia direta com as referidas obras;

    Levantar a ocorrncia do hospedeiro intermedirio da esquistossomose

    mansnica na rea de influncia direta dos projetos em estudo.

  • 51

    MATERIAIS E

    MTODOS

  • 52

    4 MATERIAIS E MTODOS

    4.1 Desenho do Estudo

    Trata-se de um estudo ecolgico, no qual sero analisados dados secundrios de

    prevalncia da Esquistossomose Mansnica, dados demogrficos, scio-econmicos e

    ambientais.

    4.2 reas de estudo

    A rea de estudo compreende os municpios que sofrem influncia direta de dois

    empreendimentos de infra-estrutura hdrica: a Integrao de Bacias do Rio So

    Francisco nos limites do estado do Cear e o Eixo de Integrao Castanho Regio

    Metropolitana de Fortaleza (RMF) Complexo Industrial e Porturio do Pcem (CIPP).

    O Projeto de Integrao do Rio So Francisco com as Bacias Hidrogrficas do

    Nordeste Setentrional prev a construo de dois canais: o Eixo Norte que levar gua

    para os sertes de Pernambuco, Cear, Paraba e Rio Grande do Norte e o Eixo Leste

    que beneficiar parte do serto e as regies agreste de Pernambuco e da Paraba

    (BRASIL, 2004)

    O Eixo Norte, a partir da captao no rio So Francisco prximo cidade de

    Cabrob PE, percorrer cerca de 400 km, conduzindo gua aos rios Salgado e

    Jaguaribe, no Cear; Apodi, no Rio Grande do Norte; e Piranhas-Au, na Paraba e Rio

    Grande do Norte (BRASIL, 2004).

    O Eixo das guas ou Canal da Integrao compreende cinco trechos

    constitudos por um conjunto de obras composto por uma estao de bombeamento,

    canais, adutoras, sifes, e tnel que realiza a transposio das guas do Aude

    Castanho para a Regio Metropolitana de Fortaleza (RMF), reforando o

    abastecimento, numa extenso de 255,94 km, inclusive na RMF e Complexo Industrial

    e Porturio do Pecm, fazendo a integrao das bacias hidrogrficas do Vale do

    Jaguaribe e da Regio Metropolitana (CEAR, 2008)

    A rea do estudo ocupa uma posio centro-oriental no Estado do Cear, sendo

    composta por trs regies distintas, uma representada pela Bacia do Salgado, outra

    representada por parte Bacia do Jaguaribe, onde encontra-se posicionado o aude

    Castanho, uma das fontes hdricas do empreendimento ora proposto. A outra regio

  • 53

    representada pelas Bacias Metropolitanas abriga em seu territrio a Regio

    Metropolitana de Fortaleza, bem como o Complexo Industrial Porturio do Pecm

    CIPP.

    A unidade de anlise o municpio e o critrio de incluso adotado foi

    municpio pertencente a rea de influncia direta dos dois empreendimentos de infra-

    estrutura hdrica dentro dos limites do estado do Cear

    A rea de Influncia Direta (AID) de ambos os projetos de Integrao de bacias

    abrange o conjunto das reas dos municpios atravessados pelos Eixos de conduo da

    gua. Considera os limites dos municpios onde esto localizadas as obras de aduo e

    os rios e audes receptores (BRASIL,2004; Cear, 2008).

    4.2.1 Municpios localizados na rea de Influncia Direta das obras de

    integrao de bacias do Rio So Francisco para o Nordeste Setentrional e o Eixo

    das guas do Cear.

    De acordo com os projetos originais de Integrao do Rio So Francisco e do

    Eixo de Integrao Castanho - RMF, os seguintes municpios sofrero influncia direta

    com a construo de barragens, adutoras, audes etc: Alto Santo, Baixio, Barro, Brejo

    Santo, Cascavel, Caucaia, Chorozinho, Horizonte, Ic, Itaitinga, Jaguaribara, Jaguaribe,

    Jati, Lavras da Mangabeira, Maracana, Mauriti, Misso Velha, Morada Nova, Ocara,

    Pacajus, Pacatuba, Pena Forte, Russas, S. Gonalo do Amarante e Umari, como mostra

    a figura 13 (CEAR, 2008; BRASIL 2000).

    Ic

    Morada Nova

    Russas

    Jaguaribe

    Mauriti

    Caucaia

    Alto Santo

    Barro

    Ocara

    Jati

    Cascavel

    Jaguaribara

    Umari

    Itaitinga

    S. Gonalo do Amarant

    Lavras da Mangabeira

    Misso Velha

    Brejo Santo

    Limite municipal.shp

    Municpios AID

    e

  • 54

    Figura 13. Mapa do Estado do Cear, mostrando os municpios por onde passaro os projetos da

    interligao de bacias do Rio So Francisco e o Eixo das guas.

    4.3 Indicadores do Estudo

    4.3.1 Dados Demogrficos e Scio-econmicos

    Os dados demogrficos e scio-econmicos foram obtidos atravs do Instituto

    Brasileiro de Geografia Estatstica IBGE (Censos dos anos de 1991 e 2000) e do

    anurio do Cear publicado pelo Instituto de Pesquisa Estatstica e Econmica do

    Estado do Cear IPECE, ano 2009.

    4.3.2 Dados educacionais

    Os dados relativos a educao foram obtidos atravs do Instituto Brasileiro de

    Geografia Estatstica IBGE (Censos dos anos de 1991 e 2000) e do Anurio do Cear

    publicado pelo Instituto de Pesquisa Estatstica e Econmica do Estado do Cear

    IPECE, ano 2009.

    4.3.3 Dados ambientais e de pluviosidade

    Os dados scio-ambientais e de pluviosidade foram coletados atravs do Atlas

    Eletrnico da Secretaria de Recursos Hdricos do Estado do Cear, 2009.

    4.4 Distribuio do molusco hospedeiro intermedirio no estado do Cear.

    Os dados acerca do hospedeiro intermedirio Biomphalaria straminea foram

    obtidos atravs do Programa Estadual de Controle da Esquistossomose - PCE da

    Secretaria da Sade do Estado do Cear.

    4.5 Identificao das reas de transmisso da Esquistossomose Mansnica j

    existentes.

  • 55

    A identificao de reas de transmisso j existentes foi realizada atravs de

    coleta de dados do Sistema de Informao do Programa Estadual de Controle da

    Esquistossomose, SIS-PCE, da Secretaria da Sade do Estado do Cear.

  • 56

    4.6 - Softwares utilizados.

    Um banco de dados foi construdo utilizando-se o programa Excel 2007. Os

    arquivos com extenso shp (shape file) foram analisados por meio de um sistema de

    consulta com base em SIG (Sistema de Informaes Geogrficas), que armazenou todos

    os dados espaciais para manipulao e ligao dos atributos descritivos s feies

    grficas, permitindo a visualizao. O programa utilizado para esse fim foi o Arcview

    3.3, onde os resultados foram expressos em forma de mapas temticos e tabelas.

    4.7 Arquivos em formato Shapefile (shp)

    Os arquivos shp necessrios para compor alguns mapas temticos foram cedidos

    pela Secretaria de Recursos Hdricos do Cear.

    4.8 Aspectos ticos.

    O projeto de pesquisa em sua fase anterior a execuo foi submetido aprovao

    do Comit de tica em Pesquisa COMEPE, da Universidade Federal do Cear em

    conformidade com a portaria 196/1996, do Conselho Nacional de Sade do Ministrio

    da Sade. Para a coleta de dados foi solicitada a autorizao do Ncleo de Controle de

    Vetores da Secretaria de Sade do Estado do Cear SESA obtendo-se parecer

    favorvel em ambas instituies.

    Foi dispensada desse estudo a obrigatoriedade do uso do Termo de

    Consentimento Livre e Esclarecido, pois foram utilizados apenas dados secundrios.

    Protocolo n 34/2010.

  • 57

    RESULTADO

    S

  • 58

    5 RESULTADOS

    5.1. Anlise de dados Demogrficos e Scio-econmicos

    Dos vinte e cinco municpios pertencentes a rea de influncia direta do projeto

    de Interligao de Bacias do Rio So Francisco no estado do Cear e o Eixo das

    guas, cerca de 48% so municpios que apresentam populao inferior a 50.000

    habitantes como est mostrado na Tabela 01.

    Tabela 1. Nmero de municpios da rea de estudo e percentual de acordo com o porte

    populacional.

    Agrupamento At 10.000 De 10.001 a 50.000 De 50.001 a 100.000 De 100.001 a 500.000 Total

    Municpios 5 12 6 2 25

    % 20 48 24 8 100

    Porte populacional

    Fonte: IBGE, 2001.

    A populao residente na rea de influncia direta AID dos dois projetos de

    infra-estrutura hdrica em estudo totaliza 1.283.799, correspondendo a 15,70% da

    populao total do estado do Cear que de 8.185.286. A figura 14 mostra a

    distribuio da populao residente na AID dos projetos em estudo.

    Municpios fora da AID

    Populao

    5791 - 9992

    9993 - 23340

    23341 - 41653

    41654 - 65783

    65784 - 316906Municpios fora da AID

    Populao

    5791 - 9992

    9993 - 23340

    23341 - 41653

    41654 - 65783

    65784 - 316906

  • 59

    Figura 14. Populao residente nos municpios da rea de estudo. Brasil, 2000.

    Em relao aos municpios com abastecimento de gua e instalaes sanitrias

    encontrou-se que dos 25 municpios apenas o municpio de Nova Jaguaribara possui

    cobertura de 100% de abastecimento de gua isso se deve ao fato da cidade ter sido

    previamente planejada para abrigar os moradores da antiga Jaguaribara que foi

    submersa em virtude das obras de construo do aude Castanho. Dez municpios

    possuem cobertura acima de 90% de abastecimento de gua e o municpio com a pior

    cobertura Pacatuba com apenas 28,80% dos domiclios com abastecimento de gua

    encanada (Figura 15). Observou-se que 10 (40%) dos 25 municpios no possuem

    instalaes sanitrias segundo dados da SEINFRA Secretaria de Infra-estrutura do

    Estado do Cear, 2006. A figura 16 mostra o mapa da cobertura de gua e

    abastecimento dos municpios da AID.

    Figura 15. Percentual de cobertura de abastecimento de gua e instalaes sanitrias nos municpios da

    AID.

    Municpios fora da AID

    Abastecimento de gua

    28.8

    28.8 - 71.1

    71.1 - 82.2

    82.2 - 91.6

    91.6 - 100Municpios fora da AID

    Instalaes sanitrias

    0 - 7.8

    7.8 - 26.9

    26.9 - 51

    51 - 87.5

  • 60

    Figura 16. Mapa da cobertura de abastecimento de gua e instalaes sanitrias nos municpios da AID.

    A tabela 02 apresenta os ltimos dados publicados acerca da renda per capta e o

    PIB dos municpios da AID. Os municpios pertencentes a regio Metropolitana de

    Fortaleza como Maracana , Caucaia, Horizonte, Pacajus e Cscavel so os que

    apresentam a melhor renda enquanto que Baixio, Umari, Penaforte e Jati na mesorregio

    Sul do estado do Cear tem a menor renda (Figura 16). Os municpios de Maracana e

    Horizonte aparecem com o PIB mais elevado e Misso Velha, Baixio e Lavras da

    Mangabeira apresentam PIB inferior a 2 milhes.

    Tabela 02. Renda per capta e Produto interno Bruto por municpio da AID

    MUNICPIO RENDA PER CAPTA PIB

    Maracana 2.196.619.64 11.329.85

    Caucaia 1.036.991.92 3.411.49

    Horizonte 504.107.07 11.587.34

    Pacajus 366.959.74 7.090.05

    Cascavel 354.053.87 5.604.78

    Russas 301.187.75 4.701.87

    Pacatuba 198.255.16 3.266.09

    Morada Nova 183.281.12 2.701.75

    Brejo Santo 141.302.63 3.407.51

    Ic 135.449.06 2.122.76

    Jaguaribe 110.248.07 3.001.99

    Mauriti 96.866.11 2.231.06

    Itaitinga 90.600.66 2.727.21

    Misso Velha 63.208.03 1.822.08

    Lavras da Mangabeira 60.844.83 1.932.44

    Chorozinho 52.799.82 2.548.13

    Barro 50.940.89 2.496.74

    Ocara 50.760.84 2.237.74

    So Gonalo do Amarante 46.048.48 2.593.99

    Alto Santo 37.405.99 2.265.38

    Jaguaribara 35.663.01 3.808.52

    Jati 18.182.83 2.418.90

    Penaforte 18.098.08 2.451.65

    Umari 17.300.91 2.421.06

    Baixio 11.630.29 1.964.91

    O IDM ndice de Desenvolvimento Municipal tem como objetivo principal

    mensurar os nveis de desenvolvimento alcanados pelos municpios. Sua elaborao

    utiliza um conjunto de 30 indicadores, abrangendo quatro grupos: i) Fisiogrficos,

  • 61

    fundirios e agrcolas; ii) Demogrficos e econmicos; iii) Infra-estrutura de apoio; e iv)

    Sociais. A partir da, so calculados ndices para esses grupos, sendo depois

    consolidados em um ndice de desenvolvimento para cada municpio. Observando os

    dados da figura 17, observa-se que Umari, Jati, Alto Santo e Misso Velha figuram

    entre os municpios com IDM inferior a 20% enquanto que Maracana e Horizonte

    apresentam os melhores ndices (acima de 50%). A capital cearense possui IDM de

    89.56% (IPECE, 2006).

    Figura 17. ndice de desenvolvimento municipal dos municpios pertencentes a AID

    5.2 Anlise de dados Educacionais

    A populao alfabetizada de 5 ou mais anos de idade nos municpios que

    abrangem a AID bastante varivel e est representada na Figura 18 . O municpio de

    Caucaia o que apresenta o maior nmero, com cerca de 170.000 alfabetizados. O

    municpio de Baixio apresenta 3.348 alfabetizados.

  • 62

    Figura 18. Populao residente de 5