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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 1898
CONSTRUÇÕES, REFORMAS E ADAPTAÇÕES: A POLÍTICA EDUCACIONAL DA DÉCADA DE 1970 E A ARQUITETURA DO GRUPO
ESCOLAR DA VILA CASTELO BRANCO, CAMPINAS/SP
Rayane Jéssica Aranha da Silva1
Esta comunicação deriva de uma pesquisa de mestrado cujo objeto de estudo
compreende o Grupo Escolar da Vila Castelo Branco de Campinas/SP e sua arquitetura
escolar, e as modificações estruturais e organizacionais instauradas por intermédio das
relações e interações dos discursos pedagógicos e a prática escolar no período de 1967 a 2010.
Neste trabalho propomos a análise das relações entre arquitetura escolar e política
educacional pelo viés do "chão da escola", isto é, no interior da instituição. Para tanto, a
abordagem toma como recorte as décadas de 1960 e 1970, posto que, evidenciaram as etapas
de criação e institucionalização da escola no período de ditadura militar. Dessa forma, o
dialogo proposto neste texto se organizará em dois aspectos que se relacionam, o primeiro
deles localiza a instituição na sua relação com bairro e arquitetura escolar, o segundo aborda
a escola e seu funcionamento na relação com as modificações do espaço escolar e a reforma
educacional n. 5.692/71.
A escola e o bairro
Narrar a história do Grupo Escolar da Vila Castelo Branco e sua arquitetura é algo que,
na visão deste trabalho, possibilita o diálogo com uma gama de aspectos que perpassam os
muros da escola e vinculam-se a questões relacionadas às políticas educacionais, arquitetura
escolar e o cenário urbano da cidade de Campinas/SP. Ao pesquisar a escola, identificamos os
frequentes momentos em que a trajetória da instituição relaciona-se diretamente a história
do bairro ao qual está inserida.
Não apenas o espaço-escola, mas também sua localização, a disposição dele na trama urbana dos povoados e cidades, tem de ser examinada (...). A produção do espaço escolar no tecido de um espaço urbano determinado pode gerar uma imagem da escola como centro de um urbanismo racionalmente planificado ou como uma instituição marginal e excrescente. (ESCOLANO, 2001, p. 28)
1 Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), vinculada à linha de pesquisa de História Cultural pelo Grupo Memória. E-Mail: <[email protected]>.
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Implantada em duas etapas, entre os anos de 1967 e 1968, a Vila Castelo Branco teve
em sua totalidade 1.112 unidades habitacionais edificadas, sendo que 688 foram entregues na
primeira etapa e 444 na segunda. Inicialmente o Conjunto Habitacional Vila Castelo Branco
foi denominado Vila Bela, a alteração do nome ocorreu em função da morte do ex-presidente
Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, em um acidente de avião. Tal nomeação
inaugurou na cidade um conjunto de efemérides para a ditadura, nas quais destacam-se a
criação de 2 outros bairros populares denominados, respectivamente, Vila Costa e Silva
(1969) e Vila 31 de março (1970), todos em região periférica e marcados por estrutura
bastante similar.
A criação deste bairro na cidade de Campinas integra a política habitacional
desenvolvida pelo poder público na década de 1960 para a construção de bairros populares
na cidade, cujo financiamento construtivo integrou o conjunto de ações empreendidas pelo
Banco Nacional da Habitação (BNH) no período da ditatura militar. As casas edificadas na
Vila Castelo Branco seguiram o padrão determinado pelo Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (Serfhau) e foram projetadas de forma de forma geminada, duas a duas, com o
proposito de economizar terreno, material, mão de obra e tempo de construção. Ao partilhar
a cumieira central, as casas dispensaram a necessidade do recuo lateral, fato que conferiu
agilidade à edificação e possibilitou a colocação de dois relógios de medição em um mesmo
poste. Essa mesma lógica de economia construtiva é utilizada na divisão da ligação de água e
esgoto. As casas da Vila Castelo Branco possuíam de um a três dormitórios, além de sala,
cozinha e banheiro, com área média de construção de 37m².
Figura 1 – Fachada padrão das casas construídas na Vila Castelo Branco. (GONÇALVES, 2002, p. 110)
A figura 1 evidencia o padrão de construção adotado no bairro, nela notamos a ausência
de recuo lateral entre as casas que partilhavam um mesmo telhado. Nos anos iniciais do
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bairro a população que compôs o bairro era formada por operários, funcionários públicos,
domésticas e metalúrgicos com renda média três salários mínimo. Os novos moradores, em
sua grande maioria, vinham de cortiços localizados em bairros próximos a região central da
cidade. Naquele período a região da Vila Castelo Branco era tida como um lugar de difícil
acesso, longínquo, na fala de alguns moradores do bairro um “fim do mundo” (GONÇALVES,
2002). A criação de bairros populares como a Vila Castelo Branco no final da década de 1960
promove uma intensa modificação nas feições da cidade, que a partir de então aloca a
população pobre nas regiões periféricas.
Essa mudança se traduz fisicamente nos novos arranha-céus, avenidas e logradouros, por um lado, e no surgimento dos novos (e distantes) bairros e loteamentos populares. Socialmente, ela implicou numa crescente segregação espacial dos trabalhadores e das camadas de mais baixas rendas. Até os anos cinquenta, era comum a existência numa mesma área urbana de residências (e habitantes) de distintos níveis sociais e de rendas, embora, é claro, já existissem bairros mais nobres. A valorização intensa e especulativa desses terrenos expulsa dessas áreas a população pobre, que juntamente com o crescente contingente migratório passou a deslocar-se para as áreas mais distantes. Ao mesmo tempo, as áreas mais centrais vão sendo recicladas, com o impulso à verticalização (SEMEGHINI, 1991, p. 128).
Durante os primeiros anos do bairro a garantia a moradia, assegurada sob a forma de
casas populares, só não figurou na memoria dos moradores como a única ação efetiva do
Estado em virtude da implantação de uma escola construída em meio as casas populares do
bairro. A simplicidade da vila de casas populares e ruas estreitas contrasta com a escola que
nela foi construída.
Figura 2 – Plano geral da Escola em relação as casas populares da Vila Castelo Branco. Acervo da pesquisadora (SILVA, 2016, p. 61).
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Construído pelo Fundado Estadual de Construções Escolares (Fece), por intermédio de
uma cessão de lote da prefeitura municipal de Campinas ao governo estadual, o prédio da
escola ocupa um terreno de 16.193 m², que corresponde a maior área destinada à construção
de uma escola pública em Campinas2.
Sua edificação insere-se no contexto de expansão e ampliação da rede de ensino do
Estado de São Paulo e é importante que seja entendida como um elemento dessa política
pública estadual articulada à política nacional de habitação.
Em 1960 abandonaram-se os organismos promotores de projeto e construção que vinham sendo usados e criou-se um novo organismo central de programação – o FECE (Fundo Estadual de Construções Escolares). Fazia-se necessário distribuir as escolas em áreas onde elas mais servissem a seu destino. (ARTIGAS, 1999, p. 95)
A criação do Fece proporcionou ao estado de São Paulo um aumento expressivo do
numero de escolas, já que no período em questão, os projetos das escolas ficaram a cargo dos
escritórios paulistas de arquitetura, fato que conferiu uma diversificação da produção e
modernidade aos novos prédios. Vemos nesse período projetos modernos e de grande
relevância no cenário da arquitetura escolar nacional, dentre esses se destacam os realizados
por Vilanova Artigas, um dos arquitetos mais significativos do período. A cidade de Campinas
se beneficiou diretamente da iniciativa de ampliação da rede física de escolas, neste momento
encontramos projetos arquitetônicos realizados por renomados arquitetos como Fábio
Penteado, Plínio Croce, Rubens Carneiro Vianna, Paulo Mendes da Rocha, entre outros3.
Encontramos neste período, em grande parte das escolas, projetos que possuem gabinete
dentário, secretaria, biblioteca, laboratório de ciências, anfiteatro, quadra poliesportiva,
grandes pátios cobertos com palco, e, em algumas delas, há também piscina semi-olímpica;
muitas dessas características estão presentes na arquitetura do Grupo Escolar da Vila Castelo
Branco.
Estruturada e organizada originalmente em três blocos, os 2.472m² de área construída
da escola tiveram seu projeto, cuja autoria é desconhecida, e supervisão de obra executada
pelo Fece4.
2 O FECE – Fundo Estadual de Construções Escolares tinha por finalidade elaborar, desenvolver e custear o programa de construções, ampliações e equipamentos de prédios destinados às escolas públicas estaduais.
3 A tese “Arquitetura Escolar em São Paulo 1959-1962: o page, o Ipesp, e os arquitetos modernos paulistas” de André Augusto de Almeida Alves (2008), apresenta um panorama dos projetos realizados na cidade de Campinas neste período.
4 Nos arquivos que reproduzem a planta original, o campo de assinatura do projeto não está preenchido e os órgãos responsáveis pela fiscalização/guarda de tais documentos não dispunham dessa informação.
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Figura 3 – Pavimento administrativo do Grupo Escolar da Vila Castelo Branco. Acervo da pesquisadora (SILVA, 2016, p. 53).
O primeiro pavimento da escola, ilustrado na figura 3, foi destinado às atividades
administrativas da escola possui 240,48 m² e contempla os seguintes ambientes: portaria,
secretaria, direção, biblioteca, depósito, sanitários administrativos, sala de auxilio da direção
e gabinete dentário. Sobre o posicionamento da sala do diretor neste projeto, é importante
ressaltar que,
(...) como o representante da escola na comunidade externa e o responsável pelos serviços gerais administrativos e pedagógicos, a sala ou gabinete da direção tenderá a se localizar, com o passar do tempo, no lugar em que hoje é habitual: próximo à entrada do edifício, à direita ou à esquerda, com uma pequena ante-sala a fim de protegê-la ou separá-la, que impede o acesso direto desde o corredor ou vestíbulo, e não muito distante da secretaria e serviços administrativo. (VIÑAO FRAGO, p. 114, 2001)
Os segundo e terceiro blocos destinados às salas de aula foram projetados em paralelo e
possuem planta simétrica de área construída com 696,96 m², em cada um deles encontramos
10 salas de aula com 48m² e dois conjuntos de sanitários para os alunos.
Figura 4 – Pavimento de salas de aula do Grupo Escolar da Vila Castelo Branco. Acervo da pesquisadora (SILVA, 2016, p. 45).
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Ambos os blocos representados na planta da figura 4 possuem fundação sob pilotis e
esta opção arquitetônica além de proporcionar a criação de dois galpões cobertos abaixo dos
pavimentos também conferiu modernidade à arquitetura da escola, já que o sistema de
sustentação por pilares, dependendo da posição do observador é possível ver a edificação
como uma “caixa no ar”; fato que a destacou ainda mais das demais construções existentes no
bairro5.
Figura 5 – Pavimento inferior do Grupo Escolar da Vila Castelo Branco. Acervo da pesquisadora (SILVA, 2016, p. 46).
O pavimento inferior da escola, representado na figura 5, possui dois galpões paralelos
onde no primeiro galpão temos um depósito, refeitório, cozinha e despensa e no segundo há
um palco pequeno e dois sanitários.
Compreender o significado dessa instituição na Vila Castelo Branco nos coloca em
dialogo com a concepção de Augustín Escolano sobre a não neutralidade do espaço escolar.
Posto que para ele os espaços operam um tipo de “discurso que institui, em sua
materialidade, um sistema de valores, um conjunto de aprendizagens sensoriais e motoras e
uma semiologia que recobre símbolos estéticos, culturais e ideológicos (ESCOLANO, 1998, p.
26)”.
Neste sentido a partir da cultura escolar, vislumbramos a arquitetura escolar como
um programa invisível e silencioso que cumpre determinadas funções culturais e pedagógicas, pode ser instrumentada também no plano didático, toda a vez que define o espaço em que se dá a educação formal e constitui um referente pragmático que é utilizado como realidade ou como símbolo em diversos aspectos do desenvolvimento curricular. (ESCOLANO, p.47,2001)
5 A palavra pilotis, de origem francesa, caracteriza um sistema de construção baseado na sustentação de uma edificação através de uma grelha de pilares, ou colunas em seu pavimento térreo. O uso de pilotis é apontado por Le Corbusier, em sua publicação na revista L’Espirit Nouveau de 1926, como um dos cinco pontos da nova arquitetura do século XX.
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Ao assumir e compreender o edifício escolar como elemento constitutivo do currículo
evidenciamos também que
Edifícios significativos enquanto obras do mundo da cultura, transformam a visão de mundo, os valores e sentimentos, criam novas centralidades no urbano, enfim, trazem à experiência do espaço, novas sensibilidades. A construção de um edifício como um ‘mundo fictício’ proporciona a distância necessária à revelação e transformação da vivência quotidiana. (DUARTE, 2011, p.13)
A Escola: Criação, Funcionamento e Desafios
O ato público de criação/autorização do funcionamento da escola foi publicado no
Diário Oficial do Estado de São Paulo no dia 22/09/1967 e, na época, a escola passou a ser
conhecida como “Grupo Escolar do Bairro Presidente Castelo Branco”. Dias após o decreto de
criação da escola, foi atribuído o cargo de diretor a Italo Barioni, cujo trabalho ocorreu com
dedicação exclusiva à instituição. Esse diretor ficou à frente da escola por oito anos, a ele é
atribuído grande parte do sucesso educacional da instituição à época. Não são raras às vezes
em que os supervisores de ensino referenciaram e qualificam sua postura como “incansável”,
cujos esforços seriam responsáveis por assegurar a ordem, asseio e disciplina na instituição.
Os matriculados da escola, em grande parte, eram moradores da Vila Castelo Branco e
bairros vizinhos. A maioria das crianças da instituição nasceu na cidade Campinas e seus pais
trabalhavam como operários, motoristas ou pequenos artesãos. O primeiro ano letivo da
instituição teve inicio no dia 25/09/1967. Naquele contexto, funcionavam 30 turmas
organizadas de forma alternada, isto é, divididas em 3 períodos de aulas. O prédio escolar
contava com 20 salas de aula, entretanto, nos primeiros meses de funcionamento da escola,
as 30 turmas criadas foram atendidas por meio da triplicação de períodos, cuja distribuição
aparece representada no quadro abaixo:
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Fonte: Dados coletados pela pesquisadora (SILVA, 2016, p. 74).
Ainda sobre o primeiro ano de funcionamento da escola não encontramos dados que
evidenciem a prática pedagógica realizada. No entanto, para a consolidação desta pesquisa
utilizamos o registro descritivo de documentos como: livro de matrícula, livro ponto docente
e administrativo, livros de visitas e comunicações oficiais publicadas no diário oficial do
Estado de São Paulo, além dos arquivos de planta e dados do prédio existentes no acervo da
FDE. O cruzamento de dados dessas fontes foi importante para a apreensão da dinâmica do
cotidiano da escola.
O segundo ano de funcionamento da escola sofreu um aumento na demanda de
matrículas e, consequentemente, da oferta de turmas na instituição retomou suas atividades
com 45 turmas divididas em três turnos. A organização de turmas de meninos no período da
manhã e meninas no período da tarde revela uma tentativa de separação por gênero através
da distribuição dos períodos. O funcionamento da instituição recebeu inspeção escolar
detalhada, com visitas que trataram do desenvolvimento da escola em seus mais variados
aspectos, tais como administrativo, docente, financeiro dentre outros:
Em função do meu cargo estive novamente hoje neste grupo, onde tive oportunidade de percorrer classes do 1° período. Em cada uma das classes visitadas examinei trabalhos gráficos dos alunos e palestrei com os respectivos professores sôbre as diversas matérias do programa, e de modo especial, sôbre a matéria que na ocasião estava sendo focalizada. Assim, orientei alguns professores no ensino dos cálculos aplicados a problemas, e outros no ensino da linguagem escrita. Percorri em companhia do M. Diretor as instalações do estabelecimento, achando tudo na mais perfeita ordem, no que compete aos nossos funcionários. Quero com isto dizer que no prédio ainda faltam uns pequenos retoques nos bebedouros das crianças. No mais, aqui se notam, ordem, asseio, boa frequência e disciplina. Observação: O
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saldo de Maio para Junho da caixa escolar é de NC$142,14. Conversei longamente com o M. Diretor no sentido de conseguir um meio de aumentarmos o saldo da Caixa, para melhorarmos a assistência material aos alunos, que pertencem a uma classe bastante pobre. O estabelecimento que em sua inauguração em setembro de 1967, começou com 20 classes, hoje está funcionando com 45, tendo necessidade de funcionar em três períodos. B. Castelo Branco, 19/6/1968. Inspetor Escolar
Os registros de visita da inspetoria escolar retratam a dinâmica escolar de forma
minuciosa e foram valiosos para a realização da pesquisa. Ao realizar as visitas, os
supervisores orientavam a direção escolar em assuntos referentes ao conteúdo e didática de
ensino, atividades pedagógicas, manutenção do prédio e conservação do mobiliário, ordem e
disciplina, além de questões como a caixa escolar. Por meio desses registros percebemos a
ampliação do atendimento realizado pela escola que, de um ano para o outro, teve o número
de turmas aumentado em 125%.
Entre 1969 e 1970, a instituição manteve o atendimento em três turnos para dar conta
dos 1.680 alunos matriculados na unidade. A merenda escolar passou a ser oferecida aos
alunos a partir do segundo semestre de 1969 e, como reforço à alimentação servida, passou-
se a cultivar uma horta em seu terreno da escola. A partir da consulta ao livro de termos de
visita da escola, constatamos em diversas situações a inspetoria denunciando a falta de
mesas, cadeiras e armários e solicita reparos no piso de taco e rede hidráulica da instituição.
Neste mesmo documento constam ainda, registros que mencionam as intervenções e
indicações didáticas realizadas durante a supervisão das aulas, e as felicitações aos trabalhos
festivos desenvolvidos em datas comemorativas, como o dia de 31 de março. Na visita de
9/11/1970, o inspetor menciona, “(...) notei boa ordem, asseio, disciplina e bom trabalho das
professoras, cujo diretor tem se mostrado incansável no seu trabalho de assistência
administrativa e pedagógica”. No Grupo Escolar da Vila Castelo Branco, o ano de 1971
transcorreu de forma similar ao ano anterior, entretanto, dois aspectos nos chamam atenção.
O primeiro diz respeito ao aumento de visitas do supervisor de ensino que, em uma de suas
inspeções menciona:
Em todas as salas examinei os trabalhos gráficos dos alunos, para aquilatar-me do andamento das unidades em estudo, e palestrei longamente com as respectivas professoras sobre o assunto em pauta na hora da minha visita. Assim também fiz a verificação do aprendizado de estudos sociais e língua pátria. (Inspetor de Ensino, 21/08/1971).
O segundo aspecto se refere à mudança de nome da instituição, fato que oficializado
por meio de publicação no diário oficial.
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Projeto de lei n. 288, de 1971, apresentado pelo deputado Salvador Julianelli, dando a denominação de “Prof. Antônio Fernandes Gonçalves” ao Grupo Escolar do Bairro Castelo Branco em Campinas. (DO, 17/09/1971, p. 68)
Se no ano de 1971 a maior mudança na instituição ocorrera em seu nome, no cenário
educacional brasileiro, no entanto, tratou-se de um ano tido como um dos mais intensos da
história. Em 11 de agosto, foi promulgada a lei n. 5.692/71, que reformou o ensino primário e
secundário no país. Sancionada pelo então presidente Emílio Médici, sob 88 artigos, a lei não
recebeu veto e foi sancionada por inteiro.
Sua matéria instituiu o ensino de 1º e 2º graus em 8 anos, o ensino supletivo,
reestruturou regras básicas para o financiamento do ensino fundamental, reorganizou as
funções dos professores especialistas, bem como regulamentou disposições gerais e
transitórias. Essa lei não se encerrou em si, posto que desencadeou uma série de medidas
complementares que deram suporte a sua implementação, como o parecer do Conselho
Federal de Educação n. 853/71, que delimita um núcleo comum nos currículos do ensino de
1º e 2º graus.
De acordo com Germano (2005), a lei n. 5.692/71 apresenta dois aspectos
fundamentais. O primeiro deles é a ampliação da obrigatoriedade escolar de 4 para 8 anos, o
que se denominou ensino de 1° grau, isto é, a faixa etária atendida iria de 7 a 14 anos. O
segundo ponto diz respeito à generalização do ensino profissionalizante no 2° grau. A
ampliação da obrigatoriedade da educação escolar para 8 anos ocasionou a expansão da rede
física de escolas, em especial, por meio da construção de prédios novos para atender os
alunos ingressantes, e o aumento de classes nas unidades existentes para absorver a
demanda oriunda da ampliação da educação elementar (Romanelli, 1996). A capacidade de
adaptação à realidade dos tradicionais cursos de 1° grau e o aumento de vagas foi um desafio
imposto às escolas de todo país.
No Grupo Escolar Professor Antônio Fernandes Gonçalves os ecos das implicações e
disposições da reforma do ensino n. 5.692/71 provocaram alterações diretas à dinâmica de
atendimento da escola. Neste aspecto, o registro de visita do inspetor elucida tais mudanças.
No estabelecimento, não obstante o elevadíssimo número de seus alunos, reina ordem, asseio e disciplina. Aqui contamos com 2.400 crianças sendo talvez o maior estabelecimento de ensino das primeiras séries do Estado. Estamos com 46 classes comuns e 7 provisórias todas superlotadas, o que exige um dispêndio considerável de energias, quer do corpo docente, quer da direção da casa. (Inspetor de Ensino, 24/03/1972).
O registro do inspetor se mostra contraditório ao relatar ordem e disciplina num
ambiente em que 2.400 crianças convivem sob o regime de superlotação das classes. Ao
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infringir disciplina no interior da instituição, identificamos nesse contexto aproximações do
termo à interpretação de Foucault (1987) em Vigiar e Punir, uma vez que,
A disciplina "fabrica" indivíduos: ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. Não é um poder triunfante (...); é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. Humildes modalidades, procedimentos menores, se os compararmos aos rituais majestosos da soberania ou aos grandes aparelhos de Estado. (FOUCAULT, 1987, p. 153).
A ampliação do número de vagas na instituição foi de aproximadamente 50% se
comparado com o ano anterior, fato que reitera o intenso desenvolvimento da região noroeste
da cidade de Campinas. Neste período estavam em construção mais quatro escolas na região,
todavia, essa instituição ainda respondia pela educação de grande parcela das crianças do
entorno da Vila Castelo Branco. Uma imposta via legislação impôs a ampliação e continuação
do ensino primário para além da 4ª série, as orientações e esforços em prol da não evasão
escolar foram redobrados às crianças que estavam nessa série de ensino. A continuidade da
trajetória escolar foi temática constante para os alunos da 4ª série, na escola não faltaram
incentivos e estímulos do diretor, corpo docente e do inspetor escolar que, na visita de
26/05/1972, menciona “palestrei longamente com os alunos das 2 quartas séries por mim
visitados, incentivando-os a continuarem os seus estudos no próximo ano”. Os esforços
realizados no ano anterior ressoaram em 1973 com a abertura de duas 5ª séries na escola.
Assistimos o inicio do período letivo da 5° série e na observação dos diversos livros de escrituração das 5° séries verificamos ordem e bom andamento (Inspetor de ensino, 17/04/1973).
O currículo de disciplinas ministradas às 5ª séries era formado por aulas de Português,
Matemática, História, Geografia, Ciências, Música, Francês, Educação Física e Desenho. No
ano de 1974, houve a ampliação de mais uma turma com a abertura da 6ª série da escola e,
no que diz respeito ao currículo, foram introduzidas à grade de matérias da escola as
disciplinas de Inglês e Educação Moral e Cívica.
Estudos Sociais, OSPB, EMC mudanças no ensino de línguas, tornando apenas “recomendável” o ensino de uma língua estrangeira moderna na escola básica (em detrimento da obrigatoriedade de períodos anteriores), e a ênfase em que esse ensino ocorresse com a escolha do inglês, são mudanças que expressam uma nova configuração no ensino das humanidades”. (MARTINS, 2014, p. 44).
Ainda de acordo com Martins (2014), nesse período ocorreu um aprofundamento da
pedagogia tecnicista, característica do regime ditatorial, cujo lema é a proposição da tríade:
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formar, cultivar, disciplinar. Seguindo os propósitos de escolarização, em 1975 o
“estabelecimento mantém o ensino de 1ª a 7ª, sendo 38 turmas de 1ª a 4ª série e 17 turmas
de 5ª a 7ª série. Conta com 20 salas de aula e funciona em 3 períodos” (Inspetor Escolar,
1/12/1975). No ano seguinte a escola abre vagas para a 8ª série e completa institucionalmente
a oferta do ensino de obrigatório de 1ª a 8ª série, isto é, o antigo primeiro grau.
Funcionava aqui, até a conclusão do prédio próprio, a E.E. de 1° grau do Jardim Paulicéia, neste prédio em período intermediário com 19 classes, sendo 2 de 5° serie. Com a possível escolha, hoje das 14 aulas de História e 6 de Geografia fica definitivamente em ordem o funcionamento das 1° a 8° série. Mesmo com a saída das 19 classes para o Jardim Paulicéia; esta escola permanecerá com 30 classes de 1° a 4° série, totalizando 54 classes. (Inspetor de Ensino, 1976).
O registro do inspetor nos fornece dados que evidenciam a expansão do ensino, posto
que mesmo com a criação de outra escola na região noroeste de Campinas, a demanda
interna da instituição se manteve com um número elevado de turmas. Outro aspecto
importante traz à tona um dado recorrente na trajetória da escola e, diz respeito às aulas das
disciplinas de História e Geografia. O livro de visitas da escola menciona e o livro ponto
escolar reitera a recorrente mudança de docentes que ministravam essas duas disciplinas na
instituição. Durante a ditadura militar essas disciplinas sofreram modificações, sobretudo
nas séries de quinta a oitava, contexto em que se iniciava o trabalho dos licenciados em
Geografia e História.
Na dinâmica de criação e modificação dos espaços, muitas vezes em decorrência de
demandas pedagógicas, e outras por questões de ordem administrativas e legislativas, os
contornos e intencionalidades do projeto inicial da instituição ganha novas silhuetas. O
quadro a seguir sintetiza em uma linha do tempo da trajetória da escola nas décadas de 1960
e 1970 e correlacionam os usos e apropriações do espaço a s políticas públicas vigentes no
período em questão.
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Fonte: Dados coletados pela pesquisadora (SILVA, 2016, p. 109).
As análises das reformas educacionais ocorridas no período da ditadura militar e seus
desdobramentos no currículo do grupo escolar dá Vila Castelo Branco e o cenário educacional
brasileiro dialoga com os estudos de Martins (2002), cuja referencia em subsidiou o paralelo
entre o cenário curricular nacional e as práticas educativas e organizacionais no interior da
instituição estudada. Assim, a pesquisa delineia o descompasso existente entre a criação e
implantação de novas políticas educacionais e a realidade das escolas brasileiras que
caminham, em grande medida, a reboque das normativas e novas indicações propostas sobre
o teor de reforma educacional para o país.
Referências
ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo: CosacNaify: FUPAM, 1999. 172p, il. (Historia e teoria da arte).
Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 1911
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