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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO MARIA CECILIA GALLI LUGNANI DE SOUZA CONSUMO SUSTENTÁVEL DE CARNE: um estudo exploratório da reação dos consumidores às informações sobre maus tratos com animais de produção Rio de Janeiro 2011

CONSUMO SUSTENTÁVEL DE CARNE: um estudo exploratório … · Aos meus pais, João Bosco e Aparecida Eunides. E ao Raphael, meu marido, ... alguns membros, entre outros maus-tratos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

MARIA CECILIA GALLI LUGNANI DE SOUZA

CONSUMO SUSTENTÁVEL DE CARNE: um estudo exploratório

da reação dos consumidores às informações sobre maus tratos

com animais de produção

Rio de Janeiro

2011

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Maria Cecilia Galli Lugnani de Souza

CONSUMO SUSTENTÁVEL DE CARNE: um estudo exploratório

da reação dos consumidores às informações sobre maus tratos

com animais de produção

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.

Orientadora: Leticia Moreira Casotti, D.Sc.

Co-orientador: Celso Funcia Lemme, D.Sc.

Rio de Janeiro

2011

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Maria Cecilia Galli Lugnani de Souza

CONSUMO SUSTENTÁVEL DE CARNE: um estudo exploratório

da reação dos consumidores às informações sobre maus tratos

com animais de produção

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração

Aprovada em:

___________________________________

Leticia Moreira Casotti, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)

___________________________________

Celso Funcia Lemme, D.Sc. (COPPEAD/UFRJ)

___________________________________

Mateus José Rodrigues Paranhos da Costa, D.Sc. (UNESP)

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Aos meus pais, João Bosco e Aparecida Eunides.

E ao Raphael, meu marido, que sempre me incentivou e apoiou. Sem dúvida a

pessoa que mais contribuiu para a conclusão desta importante etapa da minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Ao Raphael, por entender a ausência em muitos momentos e me apoiar sempre.

Ao professor Celso Funcia Lemme, pelas aulas e conversas inspiradoras que foram

o grande legado deste mestrado. Por me incentivar e me dar a segurança para que

eu apostasse naquilo em que acredito. Pela sugestão do tema e, mais do que tudo,

por ser uma pessoa muito especial e um grande exemplo de vida.

À professora Letícia Casotti, pela dedicação, apoio e confiança e pelo grande

aprendizado que me proporcionou a sua convivência.

Ao professor Mateus Paranhos da UNESP e sua equipe, pela atenção, pronto auxílio

e pelo importante aprendizado em Etologia.

Aos professores Otavio Figueiredo e Victor Almeida, por gentilmente atenderem

sempre que precisei de seus conselhos e opiniões.

Aos diversos profissionais da área de bem-estar animal, como a equipe da WSPA

que me recebeu, solucionou dúvidas, ofereceu ajuda e teve papel fundamental no

andamento deste trabalho; bem como tantas outras organizações que trabalham

com o tema, que tive a oportunidade de conhecer e colocaram-se à disposição para

ajudar no que fosse necessário.

A todos os pesquisadores no Brasil e fora, com os quais me correspondi, pelo

trabalho e pela gentileza em me indicar referências e enviar parte de seus trabalhos,

orientando minhas escolhas.

Ao Gaspar Giacomini, à Monique Perin e à Fernanda Borelli que estiveram

presentes em momentos importantes, contribuindo ativamente.

Aos meus queridos colegas da turma 2009, com quem tive uma convivência

inesquecível, de grandes alegrias.

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A toda equipe de funcionários do COPPEAD, sempre dispostos a ajudar, em

especial, à Eliane, bibliotecária.

Aos nove entrevistados neste estudo, que dispuseram de seu tempo e tiveram uma

participação tão importante em seus resultados.

A todas as mais de 700 pessoas que atenderam ao meu pedido, preencheram o

extenso questionário da pesquisa, seja na versão teste, seja na versão final, e o

enviaram para sua lista de contatos.

A Deus, por eu existir e ser quem sou. Por ter me ajudado a concluir esta difícil

tarefa a que me propus.

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“O mundo tem o suficiente para atender às necessidades de todos, mas não

para a ganância de cada um.”

Mahatma Gandhi

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RESUMO

SOUZA, Maria Cecilia Galli Lugnani de. CONSUMO SUSTENTÁVEL DE CARNE: um estudo exploratório da reação dos consumidores às informações sobre maus tratos com animais de produção. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

Esse estudo exploratório tem como principal objetivo compreender reações de um grupo de consumidores em relação à crueldade contra os animais praticada em processos industriais de produção de carne. Avalia-se aqui práticas de consumo quanto à existência de um selo de certificação, cujo objetivo seria diferenciar empresas produtoras de carne fornecendo um atestado da inexistência de tratamento cruel com os animais nos processos de produção. O estudo utilizou metodologia qualitativa e quantitativa, com entrevistas em profundidade e uma survey através da internet, que contaram com a utilização de um vídeo que ilustrava algumas práticas industriais de criação de animais. Além de tentar avaliar o grau de conhecimento que os consumidores têm sobre esses procedimentos, a pesquisa buscou identificar o potencial de mudança de hábitos de consumo decorrente do contato com a nova informação. A proposta desse estudo se insere na discussão sobre consumo ético, um campo de pesquisa em construção. Foi levantado um conjunto de informações e ideias de um grupo de consumidores, que representam desafios para a comunidade acadêmica e para os gestores que se interessem em repensar seus modelos de negócios em busca de alternativas mais sustentáveis e que reconheçam os limites éticos para os consumidores. Embora a literatura internacional utilize, predominantemente, o termo “bem-estar” ao se referir às questões relacionadas ao tratamento dado aos animais de produção, o grupo de pesquisa decidiu também trabalhar com o termo crueldade, utilizado por McInerney (2004), que se mostrou melhor compreendido pelos participantes na primeira etapa de campo. O termo crueldade refere-se a algumas práticas utilizadas para acelerar o processo de produção dos animais, tais como pouco espaço e amputações de alguns membros, entre outros maus-tratos que, comprovadamente, causam dor, sofrimento e estresse. Os selos de certificação, ainda raros no Brasil, buscam reduzir a assimetria de informação entre produtores e consumidores através de credenciais como métodos de produção sustentáveis e ambientalmente corretos, locais de origem, qualidade, forma de comércio, trato com animais, entre outros, funcionando como um instrumento de auto-regulação. O estudo mostra que esse grupo de consumidores não têm conhecimento sobre os atuais padrões de manejo para a produção de carne. Após terem acesso a imagens das fazendas industriais, mudam sua percepção, demonstrando, em alguns casos, revolta e culpa, indicando uma ameaça para as empresas que mantiverem os processos e modelos de negócios atuais. Além disso, mostram-se propensos a pagar preços mais elevados por produtos certificados, sinalizando para as empresas a existência de uma oportunidade de mercado.

Palavras-chave: Sustentabilidade corporativa. Consumo sustentável. Bem-estar animal. Selos de certificação.

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ABSTRACT

SOUZA, Maria Cecilia Galli Lugnani de. CONSUMO SUSTENTÁVEL DE CARNE: um estudo exploratório da reação dos consumidores às informações sobre maus tratos com animais de produção. Rio de Janeiro, 2011. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011. The main objective of this study is to understand consumer behavior regarding cruelty against animals, practiced in industrial processes of meat production. It evaluates reactions regarding the information about livestock and also about the existence of a certification label that would have the goal to distinguish meat producing companies providing a guarantee of non-cruel treatment with the animals in the production process. The study used qualitative and quantitative methodology, with in-depth interviews and a survey over the internet that were illustrated by a vídeo showing some industrial practice on animal growing. Besides trying to evaluate the level of knowledge that consumers have about these procedures, the research intended to identify the potential for consuming habit changes as results of the contact with the new information. The proposal of this study is inserted in the ethical consumer discussion, a research field yet in construction. A set of information and ideas was raised by a group of consumers, that represent challenge for the academic community as well as for managers that show interest in rethinking their business models looking towards alternatives which are both more sustainable and capable of recognizing ethical limits to consumers. Even though the international literature utilizes, mostly, the term “welfare” when referring to animal treatment related issues, the research team also decided to work with the term “cruelty”, used by Mclnemey (2004), which showed to be better understood by participants in the field stage. The term “cruelty” refers to some practices used to accelerate the animal production process, such as little space and amputation of some limbs among other ill-treatment which, are proved to cause pain, fear and stress. The certification labels, still rare in Brazil, seek to reduce information asymmetry between producers and consumers through credentials as sustainable producing methods and correct as regards environment, origin location, quality, commerce form, animal treating, among others, functioning as a self-regulation instrument. The study shows that consumers are not aware of the current meat producing handling standards. After having access to the industrial farms images, they change their perception, demonstrating, in some cases, anger and guilt. In addition to that, they show themselves to be willing to pay higher prices for certified products, indicating the companies the existence of a steady market opportunity. Keywords: Sustainable consumption. animal welfare. labelling

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

1.1 PROBLEMA 13

1.2 OBJETIVOS E PERGUNTAS DA PESQUISA 19

1.3 RELEVÂNCIA DO TEMA 20

1.4 DELIMITAÇÃO 25

2 REVISÃO DE LITERATURA 26

2.1 SUSTENTABILIDADE E CONSUMO 26

2.2 SUSTENTABILIDADE E USO DE SELOS E ESQUEMAS DE ROTULAGEM

(VALUES-BASED LABELS) 35

2.3 BEM-ESTAR ANIMAL (BEA) E A INDÚSTRIA DA CARNE 44

2.3.1 Percepção dos consumidores e da sociedade 51

3 METODOLOGIA 53

3.1 TIPO DE PESQUISA ADOTADO 53

3.2 O ESTUDO QUALITATIVO 54

3.2.1 Seleção dos entrevistados 55

3.2.2 Construção do roteiro 56

3.2.3 As entrevistas em profundidade 59

3.2.4 As categorias da análise qualitativa 60

3.2.5 Análise e interpretação dos dados qualitativos 61

3.3 ESTUDO QUANTITATIVO 62

3.3.1 Elaboração do questionário 61

3.3.2 População e amostra da etapa quantitativa 63

3.4 LIMITAÇÕES DO ESTUDO 63

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS 66

4.1 O ESTUDO QUALITATIVO 66

4.1.1 Práticas alimentares dos entrevistados 66

4.1.2 Antes do vídeo – conhecimento sobre o processo de criação

de animais, sofrimento envolvido e selos de certificação 71

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4.1.3 Depois do vídeo - mudanças na intenção de compra e consumo de carne 79

4.2 O ESTUDO QUANTITATIVO 85

4.2.1 Antes do filme: amostra já sensível mesmo sem conhecimento 87

4.2.2 Identificando grupos 89

4.2.3 Após o filme: sinais de mudança 93

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 97

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101

ANEXOS 108

ANEXO A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE 108

ANEXO B – QUESTIONÁRIO FASE QUANTITATIVA 111

ANEXO C – DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS 131

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1 INTRODUÇÃO

Esse estudo teve como principal objetivo compreender reações do comportamento

dos consumidores de carne em relação à crueldade contra os animais envolvida na

pecuária industrial. Para este fim, o estudo foi desenvolvido em duas etapas. A

primeira utilizou metodologia qualitativa, quando foram realizadas entrevistas em

profundidade, que contaram com a utilização de uma parte editada do vídeo nacional

“A Carne é Fraca”, ilustrativo de algumas práticas industriais de criação de animais.

Já a segunda etapa utilizou metodologia quantitativa, quando foi estruturado um

questionário, aplicado através da internet, utilizando o mesmo vídeo e tentando

identificar a disposição dos consumidores a pagar preços diferenciados pela carne

obtida em processos sem práticas crueis contra os animais. Além de tentar avaliar o

grau de conhecimento que os consumidores têm sobre as práticas industriais de

criação e abate de animais, a pesquisa buscou identificar o potencial de mudança de

hábitos de consumo decorrente do contato com a nova informação.

Para tanto, buscou-se reunir conceitos de marketing (comportamento do

consumidor), sustentabilidade corporativa (integração e equilíbrio de aspectos

financeiros, ambientais e sociais), finanças (criação de valor) e ética (preocupação

com bem-estar animal), com o objetivo de examinar as mudanças de comportamento

dos consumidores e entender também o papel dos selos de certificação, ou values-

based labels (VBLs) no processo de compra de carne. A questão do consumo ético e

seus desdobramentos (políticas públicas, campanhas de organismos internacionais e

resposta das empresas) ainda é algo novo e os pesquisadores reconhecem que é

um campo de pesquisa que está em construção (GULBRANDSEN, 2006; PEATTIE;

COLLINS, 2009).

A fase inicial da pesquisa envolveu a escolha e o aprofundamento de três tópicos

principais da literatura, que apoiam a compreensão do comportamento do

consumidor de carne: o consumo sustentável (ANDERSON; CUNNINGHAM, 1972;

ROBERTS, 1996; CARRIGAN; ATTALA, 2001, CONNOLY; SHAW, 2006; PEATTIE;

COLLINS, 2009), os selos de certificação, ou values-based labels (VBLs)

(GALLASTEGUI, 2002; BARHAM, 2002; MCEACHERN; SCHRODER, 2004,

MCEACHERN, 2008) e o bem-estar animal (BROOM, 2010; DA COSTA, 2002;

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MCINERNEY, 2004; MOLENTO, 2005). Este último, por se tratar de uma área de

conhecimento ainda distante das disciplinas de administração e marketing, exigiu o

conhecimento de alguns termos técnicos, para que o pesquisador pudesse ter mais

clareza ao fazer a conexão entre aquilo que é considerado eticamente desejável

para os animais e aquilo que os entrevistados demonstravam em suas respostas.

Cabe observar que, embora a literatura internacional utilize predominantemente o

termo bem-estar ao se referir a questões relacionadas ao tratamento dado aos

animais nos processos produtivos, o grupo de pesquisa decidiu também trabalhar

com o termo crueldade, utilizado por McInerney (2004), que se mostrou melhor

compreendido pelos participantes no início da etapa de campo. O termo crueldade

refere-se a algumas práticas utilizadas para acelerar o processo de produção dos

animais, tais como pouco espaço, amputação de rabos, bicos e dentes, entre outros

maus tratos que, comprovadamente, causam dor e estresse intensos.

1.1 PROBLEMA

O mundo vive hoje uma crise ambiental, que é reflexo dos estilos de produção e dos

estilos de vida de uso intensivo de recursos naturais, principalmente nos países do

hemisfério norte (PORTILHO, 2004; CORTEZ, 2009). A origem de muitos problemas

ambientais e sociais parece estar relacionada ao contexto da sociedade pós-

moderna, com o excesso do individualismo e a falta de princípios universais; o

imediatismo; a falta de senso de comunidade; o esvaziamento do espaço público; a

falta da verdade da filosofia - que se ocupa das coisas eternas e válidas

universalmente; e a falta de utopias coletivas (BAUMAN, 2001). Segundo Bauman, o

consumismo é um atributo da sociedade e o consumo exerce o papel que o trabalho

exercia na sociedade de produtores (moderna), na qual os bens não se destinavam

ao consumo imediato, mas eram cuidados e protegidos para terem durabilidade a

longo prazo. Na sociedade pós-moderna, por outro lado, a felicidade não estaria

associada à satisfação das necessidades, “mas a um volume e uma intensidade de

desejos sempre crescentes, o que, por sua vez, implicaria o uso imediato e a rápida

substituição dos objetos destinados a satisfazê-la” (BAUMAN, 2001, 2008).

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O atual sistema econômico e suas formas de mensuração de sucesso promovem o

aumento de consumo, o que gera mais consumo dos recursos naturais, que são

finitos. E “talvez a maior ferramenta comercial para atiçar o consumo seja o

marketing” (ASSADOURIAN, 2010 p.11), e a transmissão de símbolos, normas,

costumes, mitos e histórias culturais através dos meios de comunicação. O Relatório

Estado do Mundo, do World Watch Institute (ASSADOURIAN, 2010), aponta

também os governos como responsáveis pelo reforço da tendência ao consumismo,

através de subsídios a indústrias específicas, como os setores de transporte e

energia, produzindo um efeito em cadeia em toda a economia, sem, muitas vezes,

exigir a internalização dos custos ambientais e sociais da produção. Desta forma, os

custos dos produtos permanecem artificialmente baixos e seu uso é estimulado.

Segundo o relatório, estes subsídios e externalidades totalizaram, em 2001, cerca

de U$ 1,9 trilhão.

As organizações que desenvolvem atividades no campo da sustentabilidade alertam

para a necessidade de mudanças culturais, através da alteração de paradigmas e

suas premissas, como, por exemplo, a de que “mais coisas fazem as pessoas mais

felizes, o crescimento perpétuo é bom, os homens estão separados da natureza e a

natureza é uma reserva de recursos a serem explorados para os objetivos dos

homens” (ASSADOURIAN, 2010 p.16). A “primeira geração” dos esforços de

sustentabilidade concentrou-se na mitigação de impactos sociais e ambientais e na

eficiência dos processos produtivos (BSR, 2010). Mesmo assim, os resultados

obtidos ainda estão longe de ter sucesso: o consumo de recursos está cerca de 30%

acima do limite da capacidade de regeneração do planeta e os sistemas que dão

suporte à vida humana estão se degradando mais rápido do que podem se

recompor (HAWKEN et al., 2000), ao passo que grande parte das populações não

tem acesso a necessidades básicas, como comida, água limpa e recursos que

melhorem sua qualidade de vida (BSR, 2010).

No entanto, o mundo começa a dar sinais de preocupação em relação às

consequências de seu comportamento. Os desafios que empresas e sociedades

terão de enfrentar para resolver questões de desequilíbrio ambiental e social irão

exigir a interação entre diversas áreas de conhecimento, de forma construtiva e

inovadora. Tais desafios servirão, cada vez mais, para orientar escolhas da

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sociedade e essas escolhas definirão a sobrevivência e a liderança das empresas no

futuro. As dificuldades, portanto, podem gerar oportunidades de negócios,

aproximando a empresa dos diversos stakeholders (públicos de interesse) e

incentivando os investimentos em tecnologia e inovação (LEMME, 2010).

A sociedade de consumo, concentrada em grandes centros urbanos, tem cada vez

menos contato com a origem e com os processos produtivos dos alimentos que

consome, o que origina, em vários países, um movimento crescente em busca de

padrões mais éticos e sustentáveis de produção de alimentos, através da

certificação dos processos produtivos, comunicados através de selos nas

embalagens (conhecidos na literatura de marketing como values-based labels –

VBLs; ou ecolabels, em alguns casos) (McEACHERN, 2004, 2008; PEATTIE, 2009;

BARHAM, 2002; GALLASTEGUI, 2002).

A produção de carne em escala industrial e os impactos disto na vida e no bem-

estar1 dos animais de produção e no meio-ambiente são questões que ferem

princípios éticos de muitas pessoas (BROOM, 2010).

A agropecuária industrial é um sistema de criação de animais que utiliza métodos de “linha de produção” intensivos, maximizando a quantidade de carne produzida e minimizando custos. [...] é caracterizada pela alta densidade animal e/ou confinamento fechado, índices de crescimento forçado, alta mecanização, altos índices de investimento e baixos requisitos de mão-de-obra” (COX, 2007, p. 13).

É razoável imaginar que a maior parte dos consumidores não conhece detalhes da

produção nas fazendas industriais, sendo difícil avaliar possíveis impactos que

algumas mudanças nas práticas de manejo, como as já propostas por McInerney

(2004) em seus estudos, poderiam causar no mercado consumidor. De acordo com

Broom (2010), o atual sistema, que resulta em intenso sofrimento dos animais, pode

ser insustentável a longo prazo, por ser percebido como inaceitável por uma grande

parcela da população. O conhecimento dos consumidores poderia surpreender as

empresas, já que as práticas de crueldade com os animais são frequentes no

processo produtivo, desde a criação até o abate. É comum as pessoas considerarem

1 “Bem-estar de um indivíduo é seu estado em relação às suas tentativas de se adaptar ao seu

ambiente” (BROOM, 2008). No caso dos animais, bem-estar pobre é frequentemente associado com a falta de controle sobre suas interações com o ambiente, i.e., com dificuldade de adaptação.

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que têm obrigações éticas tanto em relação às outras pessoas, quanto aos animais

que lhe servem, demonstrando comportamento de cuidado em relação a ambos

(BROOM, 2010). Além disso, existem indicações que melhorias no bem-estar de

animais de produção teriam uma variação pequena no preço final do produto

(MCINERNEY, 2004).

Todas as cadeias produtivas devem refletir uma compreensão das exigências de

qualidade do produto por seus clientes, especialmente o tipo de valor que o produto

representa para o consumidor (MCEACHERN; SCHRÖDER, 2004). Se um

determinado atributo tem valor para o consumidor, pode ser uma oportunidade de

criação de valor para empresas que possuem as competências para atender estas

demandas (DOYLE, 2008). Não se pode confundir maximização de valor ao

acionista, com maximização de lucros. Estes estão mais ligados à gestão de curto

prazo: corte de custos, redução de investimentos e downsizing, o que diverge muito

do desenvolvimento de estratégias de marketing de longo prazo, que buscam criar

valor ao acionista através de decisões gerenciais que aumentam o valor presente

dos fluxos de caixa futuros (DOYLE, 2008). Criação de valor ao acionista é um

conceito muito mais ligado à busca de novas oportunidades de mercado, reunindo

estratégias de marketing adequadas que rapidamente conquistem massa crítica e

desenvolvam relacionamentos duradouros com os clientes, do que à redução de

despesas.

Do ponto de vista dos consumidores, valor econômico é uma ponderação que as

pessoas fazem, que reflete o benefício (prazer, satisfação, ganho, mérito, vantagem)

que ganham, o que os economistas chamam de utilidade. Valor, portanto, é algo

relativo, não absoluto; é uma medida que as pessoas determinam de acordo com as

suas preferências individuais, renda, conhecimento, experiência e cultura. No

contexto da produção animal, portanto, o papel dos animais não pode ser visto

apenas como tendo valor de uso - fornecimento de carne, por exemplo -, mas

também valor de não-uso, como o bem-estar animal (MCINERNEY, 2004), ou a

rastreabilidade dos rebanhos, que garante que a carne não vem de áreas

desmatadas ilegalmente.

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A forma como as empresas definem e entregam valor influencia e dita a forma como

os consumidores escolhem e usam os produtos (BSR, 2010), daí o grande potencial

de transformação das grandes corporações. A maioria das empresas multinacionais

tem publicado códigos de conduta e relatórios de sustentabilidade, demonstrando

seu comprometimento com um melhor comportamento nos negócios e sinalizando

para seus diversos públicos de interesse (stakeholders) seus esforços no campo da

sustentabilidade.

Algumas empresas, buscando estabelecer um diferencial competitivo em seus

mercados, tentando antecipar-se a questões regulatórias e reforçando uma postura

ética, aderiram a certificações dos seus produtos, que passam a ter toda a cadeia

produtiva auditada. A informação relacionada aos métodos de produção dos

alimentos é um atributo cada vez mais valorizado por consumidores. Em países da

União Européia e na América do Norte, vários selos (chamados, na literatura de

marketing e comportamento do consumidor, de values-based labels) estão

disponíveis nos supermercados: Label Rouge, Freedom Food e Neuland, Welfare

Quality, EconWelfare, Q-PorkChains e EAWP (CCE, 2009). No Brasil, este tipo de

selo ainda não é encontrado com facilidade, estando presente, por exemplo, em

alimentos orgânicos. No caso de certificação específica de bem-estar animal, existe

no pais uma certificadora chamada Ecocert, cujo selo chama-se Certified Humane2

(utilizado em inglês), porém, ainda é muito restrita a disponibilidade de produtos com

tal selo nos supermercados.

Segundo Elizateth Barham (2002), para entender as values-based labes (VBLs), “é

preciso olhar para os consumidores e para os movimentos sociais que estão

tentando transformar as escolhas de compra, de uma satisfação de necessidades e

desejos solitária, em um ato social de solidariedade.” Apesar da atenção dada à ética

no marketing, o lado do comprador permanece pouco pesquisado. A ética na lógica

do consumidor e a sua interação com o comportamento de compra estão mudando e

são campos férteis de pesquisa (CARRIGAN; ATTALLA, 2001)

2 http://www.ecocert.com.br/noticias_ver.html?id=26

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Melhorando a qualidade da informação em relação ao impacto do produto no

ambiente, estes selos aumentam a confiança em características ambientais e

estimulam a demanda por produtos com menos impactos. Com informações precisas

e corretamente percebidas pelos consumidores, tais produtos levam à melhoria na

qualidade do ambiente. Por isso, tais selos têm sido vistos como um instrumento

econômico voluntário para a melhoria do ambiente (OECD, 1991; EPA, 1993 apud

MORRIS, 1997).

No Brasil, os consumidores conscientes ainda são uma parcela pequena da

população, mas o segmento cresce rapidamente e tem expectativa de crescimento

de 5% a 7% ao ano até 2020 (Dossiê 16, 2009). Uma pesquisa anual realizada pela

GlobeScan com cerca de 17000 pessoas em 17 países indica que Brasil, Índia e

China são os países com o maior crescimento do segmento (BSR, 2010). Uma

possível causa para esta maior conscientização, que vem sendo apontada por

diversos autores, é o avanço e a popularização da internet, com as redes sociais e o

acesso rápido e fácil às mais diversas fontes de informação, bem como o seu

compartilhamento, através do efeito viral (BERRY; MCEACHERN, 2005). Harrison

(2005) examina o contexto político dos últimos 20 anos, buscando identificar as

razões, os fatores externos que influenciaram o crescimento do comportamento de

consumo ético. O autor destaca sete tendências, que vão além da maturidade do

conhecimento dos consumidores, mas estão relacionadas à atividade dos grupos de

pressão globais, que direcionam esforços a grandes marcas e grupos transnacionais.

São elas:

1. Globalização dos mercados e enfraquecimento dos governos nacionais;

2. Crescimento das corporações transnacionais;

3. Crescimento dos grupos de pressão;

4. Mudanças tecnológicas;

5. Mudança no poder de mercado dos consumidores;

6. Efetividade das campanhas de marketing;

7. Movimento de maior transparência das empresas.

Para a indústria da carne no Brasil, o tema bem-estar animal parece ser ainda

incipiente. Visitas aos sites das principais empresas do setor no primeiro trimestre de

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2010 evidenciaram o fato. O país ainda não conta com uma legislação rigorosa,

como em países da União Européia e alguns estados dos EUA. Porém, por ser o

Brasil um dos maiores exportadores de carne do mundo, é possível que venha a

sofrer restrições no comércio internacional, caso não se adeque às normas de bem-

estar animal exigidas por países importadores.

Cresce o número de estudos buscando entender a sensibilidade do consumidor ao

bem-estar animal (MCEACHERN, 2008; SCHNETTLER, 2008; HUSTVEDT et al,

2008) mas no Brasil não foram encontrados estudos com o tema, na área de

comportamento do consumidor. Este estudo, portanto, busca explorar o fenômeno da

compra da carne, tendo como foco os consumidores finais, buscando compreender o

conhecimento que possuem sobre as técnicas utilizadas em sistemas de produção

intensivos de animais para a produção de carne.

Os consumidores aceitam ou não determinadas práticas na medida em que têm

acesso à informação, conhecem alguns detalhes críticos do processo, para então

formar um conceito e julgar aquilo que consideram aceitável ou não. Por isso, o

presente trabalho buscou examinar se os consumidores brasileiros de carne têm

informações mínimas sobre o processo de criação de animais de produção e como

reagem ao tomar conhecimento dos atuais padrões, o que pode ter impacto não

apenas na intenção de compra de carne, mas também, na criação de valor para as

empresas do setor.

1. 2 OBJETIVO E PERGUNTAS DA PESQUISA

O objetivo principal do trabalho foi compreender práticas de consumo e reações dos

consumidores de carne em relação à crueldade contra os animais envolvida na

pecuária industrial, buscando identificar o nível de conhecimento que possuem em

relação às práticas adotadas pelas empresas e o potencial de mudança de hábitos

de consumo a partir do contato com as informações. Adicionalmente, o estudo tentou

avaliar reações em relação à existência de um selo, cujo objetivo seja diferenciar

empresas produtoras de carne no Brasil, atestando a inexistência de tratamento cruel

nos processos de criação, transporte e abate. Buscou, também, entender se os

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consumidores estariam dispostos a pagar mais caro pela carne produzida sem a

utilização de métodos que envolvem crueldade contra os animais.

O presente estudo tem caráter exploratório. Tentou-se levantar questões e ideias e

agrupar um conjunto de informações que apresentem o problema e os desafios,

tanto para a comunidade acadêmica, bem como para os gestores que se interessem

em repensar seus modelos de negócios, em busca de alternativas mais sustentáveis

(reconhecendo os limites éticos da atividade) e novos mercados para a indústria de

alimentos de origem animal.

Foram estabelecidas as seguintes perguntas de pesquisa:

1. Qual o nível de conhecimento e compreensão dos consumidores de carne sobre

práticas de crueldade contra os animais na pecuária industrial?

2. Como consumidores de carne reagem às informações relativas a essas práticas?

3. Como vêem a possibilidade de um selo de garantia de ausência de maus tratos e

o pagamento de preço diferenciado para produtos com esse selo?

1.3 RELEVÂNCIA DO TEMA

O consumo de carne está aumentando. Enquanto a população mundial cresceu 2,3

vezes desde 1960, a produção de carne de frango cresceu 37 vezes e a de carne

bovina mais que dobrou (Revista Veja3, 2010). A busca de aumento na produtividade

por empresas da área de alimentos tem levado a práticas que causam sofrimento

aos animais de produção. Observa-se, por este motivo, o crescimento de

movimentos internacionais (WSPA e PETA, por exemplo) voltados para denunciar e

eliminar práticas empresariais e hábitos de consumo que afrontem o respeito para

com os animais, com possível impacto de longo prazo nos modelos de negócios e na

criação de valor das empresas do setor de alimentos.

O Brasil, como maior exportador de carne de boi e de frango e o quarto maior de

carne suína, precisa estar atento a questões relacionadas ao bem-estar animal. Na

União Européia, por exemplo, a partir de 2010 as gaiolas de bateria para frangos

3 De acordo com a matéria “Abaixo a crueldade humana”, revista Veja, edição 2181, ano 43, n. 36 de

8 de set. 2010

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foram banidas e a partir de 2013 o sistema de baia de porcas não será mais

permitido, sendo que alguns países estão se antecipando ao prazo estabelecido. Na

Califórnia foi promulgada uma lei que determina o fim da criação de galinhas

poedeiras em gaiolas4, a partir de 2015, e estabelece padrões mínimos de bem-

estar animal, como o espaço mínimo para que possam levantar-se, virar-se e

estender seus membros; outros estados nos EUA começam a tratar do assunto.

Em depoimento à matéria publicada pela Revista Veja, o filósofo Peter Singer

reconhece que esta realidade está mudando e que a tendência é uma maior atenção

das pessoas às necessidades e ao bem-estar dos animais. Além disso, segundo a

matéria, existem práticas eticamente repulsivas que não oferecem vantagens

econômicas para os produtores e por isso devem ser extintas.

Buscando conscientizar os gestores das empresas brasileiras que atuam com

produção animal, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)

instituiu, em 2008, a Comissão Técnica Permanente específica para questões de

bem-estar animal5. Acredita-se que o bem-estar animal será em um futuro próximo,

uma barreira não-tarifária utilizada pelos países importadores (CAPUTO, 2009).

Outra iniciativa do MAPA, em parceria com a WSPA (Sociedade Mundial de Proteção

Animal), é o treinamento das equipes que trabalham em frigoríficos, em técnicas de

abate humanitário6, com o objetivo de minimizar o sofrimento dos animais no

momento do abate.

Os movimentos internacionais que atuam com animais têm destacado que a luta pelo

respeito a outras formas de vida tende a ser a próxima revolução social, após o

combate vitorioso dos últimos séculos contra a discriminação contra mulheres e

negros. Em paralelo, o consumo de carne e a criação de rebanhos têm sido

apontados como importantes vilões no processo de mudanças climáticas, através de

desmatamento e da emissão de gás metano no processo de digestão dos animais.

4 A campanha que gerou a votação chamou-se “Yes on Prop 2”e está disponível em

http://www.youtube.com/watch?v=kKu6ry0kj1Y&feature=related 5 Portaria Ministerial 185 de 17 de março de 2008

6 Abate Humanitário é definido como conjunto de procedimentos técnicos e científicos que garantem

o bem-estar dos animais desde o embarque na propriedade rural até a operação de sangria no matadouro-frigorífico. Mais informações em http://www.cpap.embrapa.br/agencia/congressovirtual/pdf/portugues/02pt03.pdf

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Além disso, percebe-se o aumento do interesse dos consumidores por produtos

identificados com selos baseados em valor, que certifiquem a origem e a

sustentabilidade nos processos produtivos de diversas categorias de produtos.

Paralelamente, o avanço do alcance da internet e das redes sociais abriu um canal

de comunicação entre pessoas e grupos locais e internacionais de consumidores,

que podem coordenar suas atividades globalmente (CARRIGAN; ATTALLA, 2001), a

um custo baixo e com rápido alcance de um grande número de pessoas, através das

“campanhas virais” e das redes sociais. Este fenômeno está gerando necessidade

de maior transparência e capacidade de resposta rápida por parte das empresas. A

maioria das empresas multinacionais tem publicado códigos de conduta e relatórios

de sustentabilidade, demonstrando seu comprometimento para com um melhor

comportamento nos negócios7.

É cada vez mais comum a presença de campanhas e abaixo-assinados na internet

com o intuito de pressionar o poder público a criar leis que protejam os interesses da

população. No Brasil, além da sociedade ter acesso a campanhas internacionais,

existem exemplos de ações locais. Em abril de 2010 foi protocolada uma solicitação

de projeto de lei criando a 1ª Promotoria de Defesa Animal do país, no estado de São

Paulo.

A academia também vem demonstrando interesse crescente pelo tema consumo

sustentável e VBLs. Nos últimos anos, dois editoriais do Journal of Consumer

Studies foram dedicados aos temas (números 32 de 2008 e 33 de 2009). No Brasil

pode ser destacado o trabalho desenvolvido pela ONG Instituto Akatu, comunicando

e educando a comunidade com o objetivo de promover mudanças de

comportamento de consumo, para um padrão mais sustentável e consciente8.

A disseminação das informações sobre o impacto das atividades empresariais tem

como objetivo levar a mudanças de atitudes dos consumidores. Estes, por sua vez,

influenciam as práticas das empresas que desejam manter ou alcançar posições de

7 Ver pesquisa da FBDS “Rumo à credibilidade”com seleção dos top 10 relatórios em

http://www.fbds.org.br/fbds/article.php3?id_article=832 8 http://www.akatu.org.br/quem_somos/oquefazemos

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liderança no setor de alimentos (por quanto tempo a mão-de-obra escrava poderia

ser uma vantagem competitiva de países ou empresas, sendo a escravidão uma

prática abominável para a maioria das pessoas?).

Com este objetivo de educar e conscientizar os consumidores, as values-based

labels (VBLs) - selos que identificam, do ponto de vista do consumidor, padrões de

valores éticos e sustentáveis dos produtos - vêm cada vez mais sendo utilizadas,

refletindo o aumento do interesse dos consumidores por critérios sociais e

ambientais no processo de escolha dos produtos (CARRIGAN; ATTALLA, 2001;

TAGBATA; SIRIEIX, 2008; VITELL et al, 2001). Utilizadas como canal de

comunicação e informação com os consumidores, as VBLs possibilitam, de início, a

segmentação do mercado e, ao longo do tempo, a mudança de condutas coletivas e

processos produtivos.

A adoção de práticas mais alinhadas com princípios e valores éticos de consumo e

produção pode influenciar a obtenção ou sustentação de liderança empresarial. O

sucesso a longo prazo e a sustentabilidade da atividade empresarial deve preservar

e desenvolver as diversas formas de capital, ou seja, industrial, financeiro, humano e

natural. Elkington (1997) desenvolveu e difundiu o termo “tripple bottom line” (TBL),

que questiona o resultado único (financeiro) na atividade empresarial, destacando a

importância de se considerar também os custos e retornos ambientais e sociais

(externalidades) na apuração do resultado final da operação. Desta forma, o autor

destaca a dependência entre as diversas formas de capital para a sustentação dos

resultados no longo prazo. O conceito de sustentabilidade corporativa indica que não

há sociedade desenvolvida com empresas fracas nem empresas vencedoras em

sociedades derrotadas (LEMME, 2005). As empresas, entretanto, parecem ter pouco

conhecimento sobre a formação, gestão e consumo do capital humano e do natural,

mas as duas últimas décadas, com a degradação ambiental, os desequilíbrios

sociais, o déficit de recursos hídricos e os conflitos por fontes de energia,

demonstram que eles merecem atenção como fatores restritivos do desempenho

empresarial (LEMME, 2005).

“O dever de qualquer negócio é fornecer valor ao cliente mediante lucro” (KOTLER;

KELLER, 2006 p. 34). Para tanto, é necessário criar ofertas para mercados-alvo bem

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definidos, identificando desejos, percepções, preferências e critérios de compra,

buscando selecionar, fornecer e comunicar o valor. Este processo, que deve

envolver toda a cadeia produtiva, tem o propósito de conquistar e manter vantagens

competitivas sustentáveis, buscando entregar um valor superior (KOTLER; KELLER,

2006).

Para implantar uma estratégia baseada em valor, deve-se avaliar os recursos e

capacitações da empresa e identificar benefícios para o cliente, buscando entender

como ele obtem informações sobre o produto e toma decisões de compra. A

lucratividade de uma cadeia de suprimentos é limitada pelo valor percebido pelos

consumidores, comprando e utilizando o produto, e sua disposição a pagar por isso.

Para que a cadeia seja sustentável, ela precisa gerar suficiente valor para cada

membro e este valor deve ser precisamente comunicado (MCEACHERN;

SCHRÖDER, 2004).

Do ponto de vista da demanda, os consumidores estão mais informados através, não

só dos meios de comunicação tradicionais, como de ferramentas de pesquisa e

comparação proporcionadas pela internet e outras tecnologias. Questões sociais e

ambientais estão atraindo cada vez mais atenção e preocupação e este

conhecimento afeta a resposta do consumidor às informações dos produtos (BERRY;

MCEACHERN, 2005).

No Brasil, o tema VBLs ainda é pouco explorado tanto por empresas como por

pesquisas acadêmicas. A revisão de literatura revelou que os estudos estão

concentrados especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Existe, portanto, uma

oportunidade de pesquisa para o exame de práticas de rotulagem e comunicação

corporativa que orientem a mudança de procedimentos empresariais e hábitos de

consumo, com reflexos na criação de valor para empresas no Brasil.

Melhorando a qualidade da informação em relação ao impacto do produto no

ambiente, os selos aumentam a confiança em características ambientais e estimulam

a demanda por produtos com menos impactos. Com informações precisas e

corretamente percebidas pelos consumidores, tais produtos levam à melhoria na

qualidade do ambiente.

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1.4 DELIMITAÇÃO

A pesquisa refere-se aos hábitos de consumo de carne no Brasil, nos anos de 2010

e 2011. A seguir, apresentamos o referencial teórico que orientou o desenvolvimento

da pesquisa. Após o referencial teórico do tema, descrevemos a metodologia para,

em seguida, apresentar e discutir os principais resultados da pesquisa, que são

seguidos por um conjunto de considerações finais.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

Este capítulo apresenta o referencial teórico sobre o qual se constrói o trabalho e

está dividido em três seções: a primeira expõe o conceito de consumo sustentável,

investigando questões relacionadas à ética e às mudanças de comportamento do

consumidor nas últimas décadas. A segunda seção aprofunda a discussão do papel

e a efetividade das values-based labels. Os dois conceitos estão intimamente

relacionados, de acordo com o que se observa na literatura de marketing e consumo.

Por fim, o conceito de bem-estar animal no processo produtivo da carne será

apresentado e discutido de acordo com as contribuições encontradas na literatura.

O desenvolvimento do referencial teórico possibilitou também o estabelecimento de

pontos-chave para a elaboração do roteiro de entrevista, possibilitando ao

pesquisador o reconhecimento de questões críticas verificadas em estudos

anteriores que pudessem ser também aqui exploradas.

2.1 SUSTENTABILIDADE E CONSUMO

A compreensão do conceito de consumo sustentável envolve um levantamento de

estudos com diferentes termos – consumo consciente (ANDERSON;

CUNNINGHAM, 1972), consumo ético (NEWHOLM; SHAW, 2007; HARRISSON et

al, 2005), consumo verde (ROBERTS, 1996; PEATTIE, 1999, 2001), entre outros (

ver quadro 1) - que buscam entender mudanças de comportamento de consumo e

discutir novas preocupações que começam a surgir na sociedade, principalmente a

partir da década de 1960 (CARRIGAN; ATTALLA, 2001), potencializados por alguns

movimentos sociais. A tentativa de reunir conceitos de diferentes autores tem o

objetivo de estabelecer um termo que melhor reúna os atributos pertinentes à

discussão de um selo. Optou-se, neste estudo, por utilizar o termo Consumo

Sustentável porque sustentabilidade remete a questões pertinentes aos

consumidores e às empresas, enfatizando a importância do impacto das decisões a

longo prazo. Sustentabilidade é segundo a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente

e Desenvolvimento das Nações Unidas, "suprir as necessidades da geração

presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas". Consumo

sustentável, por sua vez, é definido pelo United Nations Environment Programme -

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UNEP (1995) como “O uso dos produtos e serviços que respondem às necessidades

básicas e trazem melhor qualidade de vida, enquanto minimizam o uso de recursos

naturais e materiais tóxicos, bem como as emissões de poluentes ao longo do ciclo

de vida, de modo a não comprometer as necessidades das gerações futuras”.

O que se observa nas publicações da área de marketing e comportamento do

consumidor é o aumento do interesse dos consumidores por critérios sociais e

ambientais no processo de escolha dos produtos (CARRIGAN; ATTALLA, 2001;

TAGBATA; SIRIEIX, 2008; VITELL et al, 2001) e, por isso, é cada vez mais comum

o uso de termos como consumo sustentável, consumo consciente e consumo ético.

Em um dos primeiros estudos feitos com o objetivo de compreender o consumo

consciente, Anderson e Cunninghan (1972) buscaram determinar de que forma os

consumidores socialmente responsáveis podiam ser diferenciados através de

características demográficas e sociopsicológicas, questionando a visão de que

lucratividade e ação social eram conceitos inconciliáveis. Além disso, tinham como

objetivo estabelecer fundamentos para segmentação de mercado e critérios para

estratégias de marketing efetivas com este público. Os autores utilizaram a Escala

de Responsabilidade Social de Berkowitz e Daniels (1964), que busca identificar a

personalidade socialmente responsável, ou a disposição de um indivíduo a ajudar

outras pessoas, mesmo sem receber nada em troca.

O estudo indicou que as variáveis demográficas status socioeconômico, ocupação e

idade eram significantes para discriminar o consumidor com alto / baixo nível de

responsabilidade social; o status socioeconômico e a ocupação diretamente, e a

idade, inversamente. As variáveis sociopsicológicas analisadas também foram

consideradas discriminantes efetivos. Cosmopolitanismo diretamente; dogmatismo,

conservadorismo e consciência de status, inversamente. Os consumidores

socialmente conscientes parecem ser "mente aberta", bem informados e com

orientação para progresso e mudança. Portanto, os mercados poderiam ser,

segundo os autores, segmentados em bases relacionadas a consumo socialmente

responsável.

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Uma das maiores preocupações dos pesquisadores, desde então, foi estudar a

diferença existente entre atitude e comportamento (ROBERTS, 1996), bem como

replicar em outras regiões, tentativas de segmentação em bases demográficas9. O

autor relata estudos nos EUA que verificaram que os consumidores não

necessariamente compravam os produtos que diziam preferir e isto afetava a

viabilidade comercial dos mesmos. As principais razões para essa diferença seriam:

1. O fato deste tipo de produto ser muito caro;

2. Os fatores de decisão mais importantes serem preço, qualidade e

conveniência e, só então, fatores relacionados a apelos socioambientais

serem considerados;

3. Confusão no entendimento dos apelos dos produtos;

4. Fato de as empresas hesitarem em oferecer este tipo de produto em função

do rigor e das exigências das organizações ambientais.

O que Roberts (1996) concluiu é que fatores demográficos não são um bom preditor

do comportamento socialmente responsável e que isto pode sugerir que o mercado

para este tipo de produto está se expandindo para vários segmentos da sociedade.

Peattie e Collins (2009) defendem a ideia de que as abordagens convencionais de

marketing e comportamento do consumidor podem não ser suficientes para entender

o consumo sustentável e que consumo e sustentabilidade seriam campos de estudo

em desenvolvimento. Isto se deve ao fato de que as disciplinas de marketing e

economia, ao tratar o conceito de consumo, usualmente o fazem em contextos de

compra. Ou seja, o foco das idéias e conceitos presentes na literatura está em como

efetuar a venda, conquistar mais clientes e aumentar a frequência de compra.

O conceito de sustentabilidade trouxe para as empresas a necessidade de entender

os impactos sociais e ambientais de todo o ciclo de produção e consumo dos

produtos. O consumo, então, deve ser estudado e gerenciado desde a compra e

uso, até o descarte do material restante após o uso. A transferência de propriedade

do produto no momento da compra não permite que o produtor se exima da

9 os profissionais de marketing passaram a adotar como padrão o perfil de consumidor de alta renda

e alto nível educacional.

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responsabilidade dos impactos ambientais e sociais da sua produção (TOFFEL,

2004).

Connolly e Shaw (2006) pesquisaram a interação entre questões éticas e a tomada

de decisão do consumidor, buscando entender o potencial de mercado do comércio

justo (do inglês, fair trade) para empresas deste setor e demais empresas que

buscam entender e atender um grupo de consumidores preocupados com questões

éticas. O comércio justo é caracterizado pela importação de produtos produzidos em

países em desenvolvimento de acordo com normas sociais e ambientais como as da

International Labor Organization Conventions e a Agenda 21 das Nações Unidas

(LOUREIRO; LOTADE, 2004) e traz consigo o conceito de preço justo, enfatizando

mensagens de cuidado com o ambiente, justiça social e padrões de qualidade. Os

autores buscaram entender o comércio justo através da literatura relacionada a ética

e consumo - na qual destacam-se o consumo ético, o consumo verde e a

simplicidade voluntária – e fizeram um levantamento dos “consumidores

interessados” (do inglês concerned consumers) na literatura de marketing das duas

últimas décadas, estabelecendo uma categorização de grupos de consumidores:

Quadro 1: Categorização dos consumidores preocupados

Consumidores responsáveis Fisk, 1973

Consumidores socialmente responsáveis Anderson e Cunningham, 1972; Webster,

1975; Brooker, 1976; Mayer, 1976; Antil,

1984; Osterhus, 1997.

Consumidores ecologicamente

preocupados Kinnear, Taylor e Ahmed, 1974; Kinnear e

Taylor, 1973;Schwepker e Cornwell, 1991;

Roberts e Bacon, 1997;Balderjahn, 1988;

Bohlen, Schlegelmilch e Diamantopoulos,

1993.

Consumidores ambientalmente

preocupados Murphy, Kangun e Locander, 1978; Berger e

Corbin, 1992; Follows e Jobber, 2000; Brown e

Wahlers, 1998.

Consumidores ambientalmente /

ecologicamente conscientes Dembkowski e Hammer-Lloyd, 1994;

Straughan e Roberts, 1999; Keesling e

Kaynama, 2003

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Consumidores verdes

Roberts, 1996; Shrum, McCarty e Lowrey,

1995; Prothero, 1990; Schlegelmich, Bohlen e

Diamantopoulos, 1996; Titterington, Davies e

Cochrane, 1996; Laroche, Bergeron e Barbaro,

2001; Peatttie, 2001; Diamantopoulos,

Schlegelmich, Sinkovics e Bohlen, 2003.

Consumidores verdes, éticos e caridosos Schlegelmilch, 1994

Consumidores éticos Strong, 1997; Shaw e Clarke, 1999; Shaw,

Shiu e Clarke, 2000; Shaw e Shiu, 2002

Semi-ethicals/slavery McDonagh (2002)

Consumidores humanos Ger, 1997

Consumidores conservadores Pickett, Kangun e Grove, 1993

Simplificadores éticos Shaw e Newholm, 2002

Simplificadores voluntários Shama, 1985; Rudmin e Kilbourne, 1996;

Etzioni, 1998; Craig-Lees e Hill, 2002.

Minimizadores Schor, 1991, 1998

Fonte: Adaptado de Connoly; Shaw (2006)

O quadro 1 demonstra a diversidade existente na literatura, mas pode-se agrupar

preocupações e sentimentos que categorizam os consumidores, conforme

demonstramos no quadro resumo abaixo.

Quadro 2: Principais tipos de “consumidores interessados”

Fonte: Adaptado de Connolly, Shaw 2006

Simplicidade Voluntária

Consumo ético

Consumo verde

•consumo estendido ao estilo de vida, sistema de crenças e prática: liberdade, baixo consumo, auto-suficiência

•preocupa-se também com questões sociais mais profundas, como injustiça no comércio mundial e bem-estar animal.

•Preocupa-se com o meio-ambiente, a saúde, o processo produtivo e o descarte, o uso de energia.

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O tema central identificado nas definições de consumo verde, desde a década de

1970, seria: consumidores que consideram o meio-ambiente importante e avaliam a

sua decisão de compra levando isto em consideração. A distinção entre consumidor

verde e consumidor ético é ambígua, mas segundo o Guia do Consumidor Verde, de

Elkington e Hailes (1989 apud CONNOLLY; SHAW, 2006, p.356) o consumidor

verde é

Alguém que evita produtos que oferecem perigo à sua saúde ou à dos outros, causam dano significativo ao meio-ambiente no processo produtivo, ou no descarte, consomem energia em excesso, causam perda desnecessária, utilizam materiais provenientes de espécies ou ambientes ameaçados, envolvem crueldade desnecessária aos animais e afetam negativamente outros países.

O consumidor ético se distingue do consumidor verde por sua preocupação com

questões sociais mais profundas, como injustiça no comércio mundial e questões

relacionadas ao bem-estar dos animais.

O terceiro conceito que os autores abordam extrapola o consumo ético,

incorporando questões como a idéia de que a satisfação pessoal, a realização e a

felicidade resultam de um comprometimento com os aspectos não materiais da vida

(ZAVESTOSKI, 2002). Trata-se da Simplicidade Voluntária, que envolve a escolha

pela liberdade, o estilo de vida de baixo consumo, a responsabilidade ecológica e a

auto-suficiência.

Apesar das tentativas de definição e busca de diferentes tipos de segmentação,

McDonald et al (2009) afirmam que não existe “o” consumidor verde ou ético. Os

resultados de seus estudos demonstraram inconsistências no comportamento de

compra individual, havendo uma tensão entre o ator econômico racional, como parte

da visão positivista do consumo, e o culturalmente orientado. Fatores como tempo e

dinheiro são causas desta inconsistência. Valores verdes e éticos nem sempre são

traduzidos na concretização da compra, da mesma forma em diferentes setores de

produtos e serviços. As práticas de consumo sustentáveis estão mais bem

desenvolvidas em alguns setores do que em outros. O consumo sustentável,

portanto, seria mediado por uma série de fatores alheios ao controle do indivíduo,

fazendo com que as técnicas de marketing tradicionais, que usam informações

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sobre o comportamento de uma compra passada para prever uma possível compra

futura (similar ou relacionada), não necessariamente funcionem.

No livro O Consumidor Ético (The Ethical Consumer), Harrison et al (2005) reúnem

diversos autores em torno do tema e busca caracterizar o consumidor ético em

comparação com o comportamento de compra tradicional. A compra ética pode ser,

por exemplo, de um produto certificado com um selo específico (do inglês label), ou

mesmo um boicote. O consumidor ético não deixa de considerar critérios como

preço e qualidade, mas adiciona outros critérios ao processo decisório. São motivos

que podem ser políticos, religiosos, espirituais, sociais ou relacionados ao meio

ambiente, entre outros. Preocupa-se com o efeito que uma escolha de compra tem,

não só sobre si mesmo, mas sobre o mundo em que vive ou seja, faz uma

importante diferenciação com relação a fatores internos e externos. Quando a

motivação é apenas o próprio benefício, a compra não pode ser considerada ética,

ao contrário de quando a escolha se dá em função de algum efeito externo, como,

por exemplo, o mal que pode causar ao ambiente. Trata-se de uma ação coletiva

que busca contrabalancear as forças entre produtores e consumidores.

Os autores (HARRISON et al, 2005) também situam o consumidor ético na atual

sociedade de consumo, na qual os luxos de ontem transformam-se em

necessidades hoje e destacam a complexidade do ambiente e a contínua

transformação cultural, quando se fala em consumo ético. O consumo ético, desta

forma, exige comprometimento e esforço consideráveis. Enquanto consumidores

agindo de uma forma racional auto-motivada podem escolher um produto em função

de preço e sabor, aqueles preocupados com questões éticas podem ser guiados por

um senso de obrigação em relação aos outros e optar por pagar um preço mais alto

(SHAW et al., 2000). A identidade, portanto, seria um importante antecedente da

compra de produtos sustentáveis. Nos produtos associados ao comércio justo (do

inglês fair trade), por exemplo, a marca tem um capital simbólico e cria

relacionamentos sociais, que são traduzidos em benefícios, como um preço

diferenciado. Daí a grande importância da história de vida dos produtores,

transmitida através da promoção e do uso do selo. A técnica de story telling cria o

vinculo emocional e de experiência com os consumidores e constrói brand equity,

tornando visível e tangível para eles, quem são e como trabalham os produtores. O

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consumo de produtos com selo de comércio justo oferece uma importante

oportunidade de identificação de si mesmo, como indivíduo socialmente e

ambientalmente consciente e como parte de uma comunidade (CONNOLLY; SHAW

2006).

Barnett et al. (2005) buscam as bases filosóficas da ética, que podem ser relevantes

para a compreensão do consumo ético, destacando três correntes principais: o

consequencialismo, a deontologia e a ética da virtude. O consequencialismo

privilegia questões relacionadas ao que é “bom” – são preocupados em definir uma

conduta ética fazendo referência aos resultados e às consequências de nossas

ações. Esta corrente pressupõe a capacidade individual de fazer exigências e

cálculos desinteressados sobre qual ação produziria os resultados mais desejados.

Ou seja, o foco é no resultado das práticas de consumo. Um estudioso de destaque

desta corrente é Peter Singer, reconhecido por seus estudos a respeito dos direitos

dos animais. A abordagem consequencialista, segundo Singer, seria mais realista e

prática na medida em que relaciona o julgamento das ações ao seu contexto. O

consumo em altos níveis seria um erro de alocação de recursos, algo tolo e

relacionado à exposição extravagante da posição social – o consumo conspícuo. A

principal crítica a esta corrente está relacionada à impossibilidade de coletar,

comparar e calcular todo tipo de informação e sua cadeia de causalidade antes e

depois da ação.

A abordagem deontológica, também conhecida como “teoria do dever”10, por outro

lado, define a ação “certa” como independente da sua contribuição à felicidade

humana. O dever em cada caso particular deve ser determinado por regras que são

válidas independentemente das consequências de sua aplicação. Esta corrente,

além de levar à generalização das práticas de consumo, nos leva a pensar sob o

ponto de vista do outro. Esta pluralidade de valores leva à priorização do que é

certo, em vez de priorizar o que é bom, como meio de assegurar que o que é bom

para o coletivo não se conquiste às custas de liberdades individuais. A deontologia

evoca argumentos relacionados à responsabilidade das pessoas por cuidar dos

10 http://pt.wikipedia.org/wiki/Deontologia acessado em 7/9/2010

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outros – sejam pessoas, criaturas, o meio-ambiente ou as futuras gerações

(BARNETT et al, 2005).

Os autores alertam, porém, para o fato de que estas posições formais podem ter

uma aplicação abstrata no consumo cotidiano. A ideia de que o consumo ético pode

funcionar simplesmente por tornar visíveis as consequências e conexões entre

consumidores e produtores pode ser simplista, já que não considera a dimensão

social do consumo e a dimensão simbólica dos bens. Mais do que simplesmente

suprir as necessidades básicas, os bens facilitam interações interpessoais e

constroem identidade. O consumo ético está ligado a debates e estratégias nas

quais o consumo não é tanto o objeto de avaliação moral, mas um meio para a ação

moral e política. Portanto, ele não implica, necessariamente, menos consumo, mas é

um potencial recurso de mudança de práticas e padrões: o consumo como voto. Por

isso, a terceira corrente, chamada a ética da virtude, é apontada como uma

abordagem mais realista, permitindo um certo grau de parcialidade na decisão entre

reivindicações concorrentes, já que ambas falham no que diz respeito a identificar as

motivações que estão por trás de uma ampla gama de comportamentos no processo

de consumo. A simples aplicação das abordagens filosóficas, portanto, não

desvenda os enigmas do consumo contemporâneo. As práticas de consumo ético

precisam ser formuladas e reformuladas em um debate contínuo, que busque

formas de os indivíduos mudarem suas práticas de consumo.

Shaw et al (2005) exploraram o papel dos valores humanos e a sua pertinência em

contextos de consumo ético. Os autores utilizaram a escala de valores de Shwartz

(1992), com seus dez grupos de valores testados em 20 diferentes países e

contextos culturais. O estudo identificou aqueles valores mais importantes, para a

população-alvo – “consumidores éticos”, membros da Scottish Co-operative Society

- e também sugeriu valores adicionais. O Universalismo, com ênfase nas

preocupações sociais, foi o valor identificado como o de maior importância na

tomada de decisão do grupo. Os valores relacionados a poder e tradição, por sua

vez, não foram considerados importantes. Entretanto, os autores encontraram três

novos valores, dois relacionados a poder (um diferente tipo de poder), e um, a

universalismo:

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Quadro 3 - Novos valores propostos para a lista de valores de Schwartz em contextos de consumo

ético

tipo de valor Valor (significado)

Poder Capitalismo (controle das multinacionais)

Poder Poder do consumidor (impacto da minha decisão de compra)

Universalismo Bem-estar animal (proteção do bem-estar dos animais) Fonte: adaptado de Shaw et al, 2005

Os novos valores de poder propostos acima estão mais associados ao poder de

influência do consumidor, da sua capacidade de realizar mudanças através de seu

comportamento e suas decisões éticas, do que aos valores de poder que refletem as

necessidades individuais de dominação e controle, com o objetivo de obter status e

prestígio. Além disso, destaca-se a importância do tema BEA, como novo valor para

os consumidores.

A questão que se mostra crítica para as empresas é se o comportamento ético nos

negócios tem influência no comportamento de compra dos consumidores. Carrigan e

Attalla (2001) verificaram esta questão com consumidores do Reino Unido. O que

surgiu da pesquisa, de caráter exploratório, indica que os consumidores ainda

prestam pouca atenção ao comportamento ético ou não ético das empresas na sua

decisão de compra. Porém, um assunto que parece ter grande importância é o

direito dos animais, em particular, se o animal sofre em função do comportamento

da empresa. Eles valorizam esta questão (abuso contra animais) a ponto de pagar

um preço premium e procurar ativamente um produto que tenha sido produzido de

forma ética. Outro achado importante é que os consumidores confiam nas

informações dos selos como um guia e não necessariamente vão em busca de

informações mais profundas sobre o processo produtivo. Estudos anteriores, de

Boustridge e Carrigan em 2000, citados pelos autores, indicam que os fatores que

mais influenciam a decisão de compra são preço, valor, familiaridade com a marca

e qualidade (CARRIGAN; ATTALLA, 2001). Porém, caso os consumidores

soubessem de comportamento não ético ou irresponsável de uma empresa através

da mídia, isto afetaria a sua decisão de compra. Ou seja, os entrevistados ficam

desconfortáveis, mas não o suficiente para mudar a decisão de compra, justificando

e tentando racionalizar seu próprio comportamento. Se tivessem condições

financeiras para optar contra as companhias não éticas, pagariam um preço

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premium por qualquer produto de qualidade, mas esta decisão parece ter maior

influência em algumas categorias de produtos, com destaque para alimentos.

Consumidores mais jovens tem uma perspectiva diferente sobre ética, são mais

sensíveis e parecem ser seletivamente éticos (pessoas mais jovens podem escolher

marcas que protegem o meio-ambiente, mas ser menos exigente quando o assunto

for abuso contra os empregados, por exemplo).

A possível causa para estes resultados, segundo Carrigan e Attalla (2001), seria o

fato de o consumidor sofisticado estar mais oprimido pela quantidade de informação,

do que desinteressado em conhecer produtos éticos. As informações, desta forma,

precisariam ser organizadas e transmitidas de forma simples, já que as pessoas

fazem pouco uso de fontes importantes de informações sobre produtos, como

relatórios e guias. A pressão por falta de tempo e o excesso de informação reduzem

drasticamente a procura e pesquisa dos consumidores, que apesar de terem mais

acesso à informação, parecem ter seu uso limitado. A habilidade do consumidor

para fazer julgamentos precisos, comparando corretamente o valor de diferentes

produtos, pode ficar limitada, já que amplia-se a complexidade de comparação de

marcas e atributos que ele precisa fazer. Neste sentido, as VBLs parecem ser uma

tentativa de solucionar o problema, identificando com rapidez e objetividade as

informações críticas para o consumidor sustentável, sensibilizando-o com relação ao

que é ético ou não ético.

2.2 SUSTENTABILIDADE E USO DE SELOS E ESQUEMAS DE ROTULAGEM (VALUES-BASED LABELS)

A rotulagem de produtos, com exposição de selos que atestam a origem ou a

relação do produto com alguma causa ambiental ou social, é uma prática que vem

crescendo (MCEACHERN, 2008). Os selos acompanham a tendência de aumento

de consciência sócio ambiental de grupos de consumidores, que, inicialmente,

aceitam pagar mais caro por produtos que estejam em acordo com normas pré-

estabelecidas. O propósito de fornecer aos consumidores informações sobre o

produto usando selos e certificações é criar atributos que credenciem a avaliação

pré-compra, agilizando o tempo de decisão (HUSTVEDT et al., 2008). Além disso,

os selos cumprem o papel de incentivar produtores, governos e demais agentes a

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melhorar os padrões éticos, sociais e ambientais de produtos e serviços

(GALLASTEGUI, 2002).

As primeiras iniciativas, tais como German Blue Angel (1977), Canadian

Environmental Choice (1988), Nordic Swan (1989) e European Flower (1992), foram

lançadas por governos, que através de uma comparação entre produtos da mesma

categoria, permitiam o uso do selo pelos fabricantes com os melhores índices

(GULBRANDSEN, 2006). Na última década, no entanto, os programas de

certificação voluntária, coordenados por associações e organizações não

governamentais com auditoria independente, foram os que mais se desenvolveram.

Barham (2002) cita exemplos de VBLs em alimentos, tais como: produzido

localmente, produzido organicamente, feito sem matéria prima de origem animal,

provenientes de animais criados livremente, provenientes de animais não tratados

com drogas, da estação, minimamente processado ou embalado, produzido sem o

uso de produtos de petróleo ou recursos não renováveis, entre outros. Ela também

categoriza outros tipos de selos, destacando aqueles relacionados a meio-ambiente

(ex.: proteção às florestas); os relacionados a aspectos sociais (ex.: fair trade) e os

que envolvem uma escolha ética (ex.: não testado em animais). A questão comum a

todos estes selos seria o fato de eles levarem uma mensagem sobre o valor de um

produto, considerado usualmente non-market pelos economistas.

As values-based labels (VBLs) tem como público-alvo os consumidores conscientes

e atestam, através de terceiros e governo, a origem e o processo produtivo

diferenciado de determinados produtos, funcionando como um instrumento de auto-

regulação (BARHAM, 2002; GUNNINGHAM; GRABOSKY, 1998 apud AMSTEL et al.

2006). Mais do que isso, contam uma história, educam, criam padrão e vantagem

competitiva sustentável. São suportadas por um esquema de rotulagem, um

documento contendo os padrões de produção para um grupo de produtos, que é

público (AMSTEL et al, 2006), envolve regras ambientais e sociais, acreditação de

auditores independentes e aprovação prévia das práticas de produção da cadeia de

fornecimento. Segundo Overdevest e Rickenbach (apud GULBRANDSEN, 2006),

um esquema de rotulagem é um mecanismo de mercado para internalizar as

externalidades através dos preços.

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Além disso, em sua maioria, as VBLs são utilizadas voluntariamente pelas

empresas. Por isso, critérios e limites de seleção devem ser públicos e o seu uso

deve ser por tempo limitado. Uma outra perspectiva apontada por Gulbrandsen

destaca a visão de Micheletti (2003 apud GULBRANDSEN, 2006), de que a

influencia do consumidor não seria tão somente uma questão de disposição a pagar

um preço premium por produtos certificados. Consumidores eticamente e

politicamente motivados podem pressionar o estado por reformas políticas, ou os

produtores, para que abandonem determinadas práticas, através dos boicotes,

organizados por movimentos internacionais.

As ecolabels são um importante tipo de selo que tem tido destaque nas publicações

acadêmicas e, por isso, são uma importante fonte de informação para o estudo das

demais VBLs. O conceito de values-based labels vem sendo estudado no mundo

todo e os resultados das pesquisas mostram a credibilidade que elas tem com os

consumidores (MCEACHERN, 2008). Elas cumprem o papel de ajudá-los na coleta

de informações no processo de decisão de compra e influenciam a disposição a

pagar por determinado valor agregado. Um dos principais objetivos de um selo,

portanto, é criar uma marca confiável e facilmente identificável.

Gallastegui (2002) defende a importância da necessidade de agir no nível do

consumidor. Uma justificativa apresentada pelo autor são as evidências de que uma

parte considerável dos problemas ambientais tem relação com o consumo de

mercadorias. Seria preciso influenciar a forma como elas são produzidas e, neste

contexto, o comportamento e a decisão do consumidor são cruciais.

Do ponto de vista dos produtores, dados da OECD (1997 apud GALLASTEGUI,

2002) indicam que as vendas de produtos que passaram a utilizar VBLs

aumentaram. O impacto de mercado de um esquema de rotulagem estaria

relacionado ao nível de conhecimento sobre questões ambientais e sociais e a

demanda por produtos “verdes” ou socialmente responsáveis. Porém, o impacto de

mercado representa apenas uma parte do sucesso de um esquema de rotulagem,

visto que a certificação é concedida a uma pequena parte dos produtos, com o

objetivo de criar diferenciação e seletividade. Na visão de Cortez (2009), ao discorrer

sobre a politização do consumo e as estratégias dos consumidores, a rotulagem

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ambiental pode fortalecer as redes de relacionamentos entre produtores,

comerciantes e consumidores.

As VBLs podem também reduzir a assimetria de informação entre produtores e

consumidores (MCEACHERN, 2008; AMSTEL et al. 2006), através de credenciais

como métodos de produção sustentáveis e ambientalmente corretos, locais de

origem, qualidade, forma de comércio, trato com animais, entre outros

(MCEACHERN, 2008). Por ser um mecanismo de comunicação, as VBLs

normalmente são acompanhadas de ações de comunicação de marketing

específicas, como story telling e relações públicas. O uso das novas tecnologias de

comunicação e informação, como as redes sociais, blogs e aplicativos de telefones

celulares (como o Good Guide), parecem também ser uma parte importante do

universo de transparência (disclosure), que é uma realidade com a qual as

empresas estão aprendendo a conviver.

Muitos dos estudos presentes na literatura apresentam a questão das VBLs a partir

do comércio mundial, em função de exigências que consumidores e governos de

determinados países fazem em relação a padrões de produção, qualidade,

segurança da saúde, questões éticas, entre outros valores. A transparência, neste

sentido, passa a ser um qualificador no momento da escolha das empresas / países

fornecedores. McEachern (2008), observa que muitas questões precisam ser

estudadas: “quanto estes selos são críveis? Os consumidores os notam e

compreendem o seu significado? A efetividade varia de acordo com as

características sócio-demográficas ou circunstâncias culturais? Além disso, quanto

os consumidores estão dispostos a pagar por estes valores agregados e qual

impacto os selos tem no comportamento de compra do consumidor?”

Uma questão critica é a forma de medir o valor non-market agregado aos produtos

certificados. McEachern e Schröder (2004) tentaram fazê-lo, investigando a

percepção de valor de um selo por mulheres consumidoras de carne na Escócia.

Além de investigar o valor de mercado dos esquemas de rotulagem para diversos

elos da cadeia, as pesquisadoras construíram um modelo de atitude multi-atributo

sobre o comportamento de compra do consumidor de carne no contexto das VBLs,

buscando integrar a voz dos consumidores finais na cadeia produtiva da carne. Os

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resultados do estudo demonstram que questões relacionadas a bem-estar animal e

garantia de qualidade (sabor e textura) são particularmente importantes. Hustvedt et

al. (2008) compararam as reações de consumidores a vários esquemas de

rotulagem, buscando identificar fatores demográficos e psicográficos, além de

investigar o tamanho deste segmento. Eles identificaram um segmento de

consumidores americanos (19% da amostra) que são motivados a comprar produtos

de vestuário com selo ou certificado de bem-estar animal.

Outra questão importante é se o comprador pode realmente confiar no vendedor.

Existem denúncias de comportamento oportunista de produtores, fato que vem

sendo chamado de greenwashing, ou seja, o produto parece ser mais

ambientalmente correto do que realmente é, especialmente quando o comprador

está disposto a pagar um preço mais elevado (AMSTEL et al. 2006).

Morris (1997) destaca que por terem pouco tempo para descobrir o impacto dos

produtos, os consumidores precisam reconhecer um selo no qual podem confiar e os

selos podem melhorar a imagem e/ou as vendas da empresa; eles podem encorajar

as empresas a estimar o impacto da sua produção; podem educar, conscientizar os

consumidores com relação a problemas sociais e ambientais e ajudar a proteger o

meio-ambiente. A comunicação de marketing para produtos com selo de comércio

justo, por exemplo, deve permitir que o consumidor sinta-se “fazendo a diferença”,

para que ele tenha um comportamento de compra regular e desenvolva lealdade à

marca (NICHOLLS, 2002).

Barham (2002) avalia o potencial transformador das VBLs, investigando o seu

universo conceitual e utiliza duas linhas de raciocínio para afirmar a existência deste

potencial. Primeiro, as VBLs são um movimento moral ou ético que relaciona

aspectos econômicos baseados no capitalismo neo-liberal que estão em desacordo

com o conceito de sustentabilidade. Movimentos sociais colocam as suas

convicções morais e éticas em prática através de um engajamento com o mercado

(POLANYI et al, 1971 apud BARHAM, 2002 p.351). A nova visão de economia

humana proposta por Polanyi “contradiz a perspectiva econômica neoclássica,

afirmando que o mercado, em vez de ser um elemento dominante da economia, tem

sido historicamente incorporado em sistemas de normas sociais e instituições,

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econômicas e não econômicas”. Segundo, elas representam parte de um esforço

maior para a criação de economias alternativas mais éticas e sustentáveis,

predizendo uma mudança, ao menos parcial, de normas competitivas para normas

cooperativas nas relações de mercado.

Alguns autores, por outro lado, identificaram possíveis fraquezas em esquemas de

rotulagem, agrupadas por Gallastegui (2002):

- Falta de objetividade no estabelecimento de critérios;

- Dificuldades em estabelecer fronteiras entre as categorias de produtos;

- Arbitrariedade no processo de seleção e atualização de critérios – não é

possível estimar com precisão todos os danos que um produto tem ao longo

do seu ciclo de vida;

- Falta de estimativa de demanda para produtos certificados;

- Falta de reconhecimento por melhorias – os prêmios são concedidos apenas

aos melhores produtos, que representam uma parcela pequena do total;

- O curto prazo de validade até a revisão da certificação – especialmente em

indústrias intensivas em capital;

- No longo prazo, os selos podem reduzir os incentivos ao investimento em

novas tecnologias, por causa da possibilidade do efeito tecnológico lock-up

(Morris, 1997);

- Dificuldade de separar outros efeitos dos efeitos das labels.

Além destes, Morris (1997) destaca que os esquemas de rotulagem normalmente

podem refletir as preocupações de grupos de pressão do país no qual o selo é

desenvolvido e, por isso, acaba favorecendo os bens produzidos localmente, sendo

eles ou não os melhores para o meio-ambiente, considerando-se as alternativas de

produtos estrangeiros.

Amstel et al. (2006) apontaram falhas em selos ecológicos direcionadas a assuntos

de biodiversidade. Eles buscaram compreender se eles diminuem suficientemente a

diferença de informação entre compradores e vendedores para ser um instrumento

auto-regulador. Em uma relação de assimetria de informação, a autonomia individual

de uma parte fraca pode ser corrigida por três princípios legais: separação de

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poderes, democracia e legal equity. O princípio da separação de poderes ajuda a

diminuir a assimetria de informação dando objetividade à informação; o princípio da

democracia incentiva a participação; e o legal equity, através da exigência de

verificação, com transparência de padrão, execução e rastreabilidade. Eles

concluem que o problema destes selos ecológicos (relacionadas à biodiversidade na

Holanda) está na falta de clareza em como padronizar a biodiversidade. Ou seja,

eles diminuem a diferença de informação, mas possuem algumas características

questionáveis. Termos como sustentabilidade e “ecológicos” (do inglês

environmentally friendly) são muito vagos para especificar o sentido de um selo. Eles

não provêm informação suficiente para diminuir a diferença de informação, porque

cobrem apenas os estágios de planejamento e implementação, excluindo o estágio

de saída, ou seja, o impacto ecológico do produto não é medido e monitorado e,

portanto, não poderia ser comunicado ao consumidor. Os autores, porém,

reconhecem que os selos ecológicos cumprem o papel de começar a desenvolver

padrões e encorajar os produtores a pensar em questões críticas, induzindo à

mudança de comportamento.

Os estudos nesta área evidenciam as várias ponderações ( do inglês, trade-offs)

existentes no processo de compra e demonstram as peculiaridades existentes em

cada categoria de produto, que variam de acordo com a região ou país pesquisado.

Por exemplo, temas como o consumo de produtos com selo Fair Trade, podem ser

mais valorizados em determinados países, ou em determinados tipos de produto,

como o café, por exemplo. Por outro lado, o selo de orgânico pode sensibilizar mais

os consumidores em produtos como frutas. Tagbata e Sirieix (2008) buscaram

compreender a importância dos selos “orgânico” e “comércio justo” nas decisões de

compra de chocolate na França e verificaram que, nesta categoria de produtos,

existem interações entre a percepção de gosto e os selos, melhorando a aprovação

do produto. O preço aparece como o critério mais importante na decisão de compra

para metade dos consumidores da amostra e questões como gosto e segurança da

saúde também são decisivas na escolha do produto. Entretanto, para a outra

metade dos consumidores da amostra, os selos tem um impacto positivo, traduzido

em uma disposição a pagar (willingness to pay) de 20% a 30% acima do preço do

produto, mesmo considerando-se as interações dos critérios de gosto e preço. Outra

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descoberta interessante do estudo é que o uso de apenas um selo por produto é

melhor compreendido e avaliado pelos consumidores.

O uso das VBLs tem diferentes implicações, se observado do ponto de vista da

demanda ou da produção. Para os produtores, por exemplo, uma questão

importante é o risco de perda de competitividade em função de adoção de práticas

que possam afetar os custos do processo produtivo. Os riscos podem aumentar em

função das diferentes práticas adotadas em diferentes países e a necessidade de

adequação aos padrões locais. O aumento de competição, todavia, exige critérios

ambientais mais rígidos e, naturalmente, geram a necessidade de aprendizado e

adequação dos processos produtivos, o que pode ajudar a melhorar também a

competitividade e os esquemas de rotulagem. Além disso, através das VBLs, os

produtores podem evitar riscos financeiros e de relações públicas (GALLASTEGUI,

2002).

Ainda sob o ponto de vista dos produtores, os varejistas tem papel fundamental no

sucesso dos esquemas de rotulagem, afinal, são eles que selecionam os produtos

que farão parte do seu portfiólio, de acordo com o seu posicionamento de mercado.

Alguns deles criam seus próprios padrões, com o objetivo de preservar e melhorar a

imagem da marca corporativa, mas, em alguns casos, isto pode confundir os

consumidores e eventualmente prejudicar os selos fornecidos por terceiros

(GALLASTEGUI, 2002). Além disso, o comportamento de compra de VBLs, segundo

um estudo qualitativo de Schröder e McEachern (2002), é influenciado pela

disponibilidade do produto no varejo.

A demanda por produtos certificados com VBLs pode ser também afetada por vários

padrões de consumo consciente, mas além disso, segundo Gulbrandsen (2006),

pelas interações dos movimentos sociais, estados, consumidores e empresas e das

novas normas e princípios de governança ambiental. O crescimento do mercado de

produtos certificados se deve, em grande parte, ao trabalho de grupos

ambientalistas e suas estratégias, que muitas vezes não envolvem diretamente o

consumidor final, mas os compradores industriais e as redes de varejo. Em vez de

permitir a prática de um preço premium, portanto, as organizações envolvidas em

um esquema de rotulagem tem feito do selo um custo para se fazer negócios.

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A satisfação do consumidor sustentável envolve, naturalmente, questões comuns a

qualquer processo de compra, como preço, desempenho e qualidade. Por isso, é

importante destacar não ser suficiente que um produto certificado corresponda a

determinados padrões ambientais e/ou sociais, se não for compatível com os

padrões de qualidade e desempenho dos concorrentes da categoria

(GALLASTEGUI, 2002). O reconhecimento e a rápida e correta identificação do

significado do selo, porém, são essenciais para que o consumidor possa considerar

os atributos valorizados em um produto certificado. Para que o consumidor se

disponha a comprar um produto que eventualmente custe mais caro, ele precisa

entender o que aquele símbolo está oferecendo de diferente em relação ao produto

e, também, que o processo de certificação é feito de forma isenta e independente e

se diferencia dos apelos promocionais, apresentando padrões efetivamente

praticados e confiáveis. Acima de tudo, portanto, o consumidor precisa acreditar em

características que não estão visíveis no produto, são intangíveis.

2.3 BEM-ESTAR ANIMAL (BEA) E A INDÚSTRIA DA CARNE

A definição de bem-estar animal mais aceita no ambiente científico é a proposta por

Broom em 1986, segundo a qual “bem-estar de um indivíduo é seu estado em

relação às suas tentativas de se adaptar ao seu ambiente” (MOLENTO, 2005).

Desde 1964, porém, com a publicação do livro “Animal Machines” de Ruth Harrison

e, em 1965, com a publicação do Brambell Report, as necessidades dos animais e

os problemas que eles enfrentam, caso não tenham estas necessidades satisfeitas,

vêm sendo discutidos (BROOM, 2008). O Brambell Report lançou também o

conceito das cinco liberdades11 – liberdade de fome e sede; liberdade de

desconforto; liberdade de dor, ferimentos e doença; liberdade para expressar

comportamento natural; liberdade de medo e distresse – adaptado posteriormente

pelo projeto Welfare Quality, da União Européia, para a realidade dos animais de

produção, através de quatro princípios12 - boa alimentação, boas instalações, boa

saúde e comportamento apropriado. O ano de 1983 marca o início da ciência do

11

Disponível em http://www.fawc.org.uk/freedoms.htm 12

Disponível em http://www.welfarequality.net/everyone/43148/9/0/22 ou em http://www.bemestaranimal.info/principiosecriterios_br.html

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bem-estar animal, que é oriunda da Medicina Veterinária e preocupa-se com as

questões de comportamento animal.

Keyserling et al (2009) abordam o conceito tratando de três amplas questões: se o

animal está funcionando bem (boa saúde e produtividade); se o animal está se

sentindo bem (não tem dor); e se ele é capaz de viver de acordo com a sua natureza

(ter comportamentos naturais importantes).

Figura 1 – A sobreposição das questões que compoem bem-estar

Fonte: adaptado de Keyserlingk et al, 2009

Da Costa e Cromberg (1997) resgatam os conceitos de homeostase e necessidade,

na busca da definição do conceito de bem-estar animal. A homeostase está

relacionada ao processo pelos quais os organismos mantem o equilíbrio interno.

Quando o animal não consegue mantê-la ou quando ele o faz à custa de muito

esforço, pode haver problemas de bem-estar. A constante estimulação dos animais

aciona sistemas funcionais de controle que atuam no equilíbrio, como a temperatura

corporal, o balanço hídrico e as interações sociais. Se o animal não está apto a

satisfazer uma necessidade (devido à falta de sombra, longa distancia da água,

confinamento, por exemplo), pode haver prejuízo no bem-estar, podendo, em

situações mais acentuadas, colocar sua vida em risco. Segundo os autores, três

implicações decorrem da definição de Broom (1986). Primeiro, bem-estar é uma

característica do animal e não algo que possa ser fornecido a ele. Segundo, ele

pode variar entre muito ruim e muito bom. Terceiro, ele pode ser medido objetiva e

cientificamente, independente de considerações morais. Exemplos de situações

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críticas e de alto risco para o bem-estar de ruminantes a pasto, por exemplo, são: o

uso do espaço e suas consequências nas relações sociais; as restrições no acesso

à sombra e à água; e contaminação das forragens pelas fezes dos próprios animais.

Uma das características que está se tornando proeminente nas preferências dos

consumidores é a proveniência de produtos de origem animal (MCINERNEY, 2004).

Estas características, porém, não são diretamente observáveis e, por isso, precisam

ser verificadas e acreditadas. Mesmo a carne sendo considerada uma commodity,

alguns países possuem esquemas de rotulagem, criados para estabelecer

diferenças e agregar valor para o consumidor, (MCEACHERN; SCHRODER, 2004).

Label Rouge, Freedom Food e Neuland, Welfare Quality, EconWelfare, Q-

PorkChains e EAWP são exemplos de selos existentes na Europa (CCE, 2009).

Alguns existem no Reino Unido desde a década de 90, coordenados por produtores,

outros por organizações independentes e alguns por varejistas. Os principais

critérios certificados nestes selos incluem rastreabilidade do rebanho, garantia de

origem, nível de manejo empregado, segurança e higiene, bem-estar animal e

qualidade do produto final.

Na Europa, principalmente, problemas de doenças dos rebanhos despertaram o

interesse dos consumidores pela origem da carne e por selos que garantissem a

qualidade do produto, nos quais os consumidores pudessem confiar. A participação

da mídia, investigando e divulgando todas as etapas do processo produtivo, foi um

importante fator neste crescente interesse dos consumidores.

Na indústria brasileira de carne, os selos e certificações direcionados às empresas

(ou trade labels) são mais comuns e estão mais relacionados à rastreabilidade do

produto e à garantia de que a criação não utilizou terras na Amazônia, do que ao

bem-estar animal. O SISBOV – Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia

Produtiva de Bovinos e Bubalinos - do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento, é um exemplo de selo utilizado pelas empresas produtoras de carne.

E o Programa de Certificação de Produção Responsável na Cadeia Bovina, criado

pela ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados), envolve também os

varejistas, porém também não é direcionado aos consumidores finais.

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Na busca pela máxima produtividade da carne e lucros de curto prazo, em geral, as

empresas do setor tem dado atenção especial para nutrição, melhoramento genético

e reprodução, mas aspectos de comportamento e fisiologia dos animais tem sido

esquecidos (DA COSTA et al, 2002; LANDIS-MARINELLO, 2008). Quando os

animais são tratados como “máquinas de produzir carne”, aspectos de seres vivos,

como respostas às condições do ambiente, capacidade de adaptação e

características individuais são negligenciados. Atividades como apartar, identificar,

vacinar, curar, etc., têm sido conduzidas de forma equivocada, com ações

agressivas que condicionam os animais a terem medo de humanos e das áreas de

manejo.

A criação e produção em larga escala nas fazendas industriais vêm sendo alvo de

estudos das mais diversas áreas do conhecimento. Pouco espaço, amputação de

rabos, bicos e dentes, entre outros maus tratos, são formas de acelerar o processo

de produção dos animais, causando dor e estresse intensos. Apesar de o aumento

da produção geralmente beneficiar a economia, é problemático em uma indústria

que externaliza muitos dos seus custos e contribui para vários problemas ambientais

que afetam a saúde e o bem-estar humanos. Alguns estudos agrupados pela WSPA

(COX, 2007) evidenciam a extensão do problema:

Quadro 4: Conversão de Alimentos

Fonte: Council for Agricultural Science and Technology (CAST) apud COX, J (2007)

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Quadro 5: Eficiência do solo – Rendimentos de proteína por acre de diversos alimentos

Fonte: Departamento de Agropecuária dos EUA (USDA) apud COX, J (2007)

Quadro 6: Consumo de água – Litros de água para produzir um quilo de alimento

Batatas 500

Trigo 900

Alfafa 900

Sorgo 1.100

Milho 1.400

Arroz 1.910

Grão de soja 2.000

Frango 3.500

Carne bovina 100.000 Fonte: Council for Agricultural Science and Technology (CAST apud COX, 2007). Informação tal

como disponível, sem avaliar balanço hídrico.

As taxas de crescimento e produção não naturais das fazendas industriais causam

alguns danos ambientais, sendo os principais, segundo Landis-Marinello (2008): o

excesso de emissão do gás metano (proveniente do processo digestivo do gado); o

desmatamento para pasto; a emissão de CO2 para o transporte dos animais e da

carne; o excessivo uso de água (para irrigação do alimento dos animais) e o

desgaste do solo. A água também pode ser prejudicada com descarte incorreto das

carcaças dos animais, que poluem as nascentes dos rios, como quaisquer outros

lixos. Além disso, em muitos países, poucas são as medidas efetivas para o controle

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e prevenção de doenças associadas aos dejetos dos animais de produção

(NIEREMBERG; GARCÉS, 2005). A produção animal excede, hoje, todas as formas

de transporte, em termos de emissão de gases do efeito estufa (COLE et al, 2009).

O universo do consumo que está relacionado aos animais vai além da indústria de

alimentos. As indústrias de couros, calçados, ração e têxtil, têm também uma grande

parcela de responsabilidade na situação de desequilíbrio. O consumidor, porém,

tende a não relacionar, em termos de conhecimento e prática, o consumo destes

produtos aos problemas ambientais ou éticos. Ao contrário, procura evitar ou sente-

se desconfortável quando toca no assunto crueldade com animais e consumo de

carne (SCHRODER; MCEACHERN, 2004). Segundo um estudo do Instituto

Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) 2009, no Brasil, metade das emissões dos

gases de efeito estufa deve-se à pecuária. A questão é crítica porque está

relacionada também à localização e crescimento de grande parte do rebanho

bovino, na Amazônia.

Todavia, há evidências concretas de que é possível desenvolver relações positivas

entre humanos e animais, sem grandes investimentos para tanto (DA COSTA,

2002). O primeiro passo está relacionado ao estabelecimento de princípios éticos,

desenvolvendo conhecimento sobre o comportamento dos animais de produção e

utilizando técnicas que respeitem e garantam boas condições de vida a todos os

animais, inclusive àqueles que estão prestes a serem abatidos. O autor defende esta

idéia, afirmando que o setor de produção de carne se beneficia com ganhos diretos,

através do maior rendimento e melhor qualidade da carne, e indiretos, com uma

melhor imagem da carne, percebida pelos consumidores.

McInerney (2004) aponta os conflitos entre bem-estar animal e produtividade,

propondo um modelo conceitual que representa o trade-off que os produtores de

animais devem fazer entre elementos de valor econômico – o benefício percebido de

produtos mais baratos, e o benefício direto percebido com relação ao bem-estar dos

animais13.

13

Vale notar que as unidades não são indicadas porque não existe uma única escala para medir BEA. Cada espécie tem os seus padrões de medidas.

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Figura 2: Relação entre bem-estar animal e produtividade

Fonte: adaptada de McInerney, 2004

As pressões comerciais sempre tenderão a pressionar a curva para o ponto E,

buscando os maiores ganhos de produtividade, por isso, leis e regulação são um

importante fator neste contexto, estabelecendo padrões mínimos aceitáveis pela

sociedade, de tratamento dos animais, representados pelo ponto D (que pode ser

insatisfatório para um grande numero de pessoas). O autor ainda destaca que

nenhum dos pontos indicados representa um ponto ótimo, já que as pessoas tem

diferentes opiniões a respeito do que consideram desejável. Porém, existe a

tendência de que o limite mínimo considerado aceitável ou satisfatório aumente –

bem como o aumento da demanda por produtos com este valor agregado - em

função de algumas questões como:

- uma maior conscientização do público a respeito do tema através da mídia;

- mellhoria dos níveis de educação da sociedade, com aumento de conhecimento de

assuntos relacionados à BEA;

- aumento dos níveis de renda. Com o aumento da afluência da sociedade, a

tendência é que as pessoas consumam bens de melhor qualidade (com

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componentes de maior valor agregado, por exemplo) e não necessariamente uma

maior quantidade de produtos.

2.3.1 Percepção dos consumidores e da sociedade

Pesquisas feitas em países europeus e norte americanos indicam mudanças de

comportamento de alguns grupos sociais, com relação ao consumo de produtos de

origem animal. Hustvedt et al (2008) pesquisaram o potencial de selos de produtos,

cujo tema é o bem-estar animal e verificaram que o que mais motiva consumidores

de vestuário proveniente de lã, são questões relacionadas aos direitos dos animais,

mais do que questões relacionadas ao meio-ambiente. Eles citam um segmento

crescente de consumidores chamados LOHAS (lifestyle of health and sustainability)

(FRENCH; ROGERS, 2005 apud HUSTVEDT et al., 2008), que nos EUA já

correspondem a 23% da população. Citam também o crescimento da indústria de

alimentos orgânicos a uma taxa de 20% ao ano.

Os animais considerados orgânicos são aqueles não expostos a sintéticos químicos.

O custo de manutenção do rebanho, portanto, é muito maior, visto que os animais

ficam mais sujeitos a doenças, especialmente durante a gestação (HUSTVEDT et al

2008). Carlsson e Lagerkvist (2007) observaram a pré-disposição a pagar por

abatedouros móveis, em vez do transporte de gado vivo. A distância e o tempo de

transporte estão intimamente ligados ao bem-estar dos animais, bem como à

qualidade da carne.

Sergio Greif (2009), por sua vez, critica o uso da expressão “abate humanitário”,

utilizado para definir o “conjunto de procedimentos que garantem o bem-estar dos

animais que serão abatidos, desde o embarque na propriedade rural, até a operação

de sangria no matadouro-frigorífico”. Para ele, o termo soa como um contra-senso,

já que bem-estar refere-se à vida e não à exploração e morte. Além disso, a

produção para consumo não seria uma necessidade do ser humano. Porém, a carne

de animais abatidos “humanitariamente” teria um valor agregado. O biólogo afirma

que animais não podem ser considerados produtos e que o problema de sua

exploração não se limita à forma como o fazemos, mas ao real entendimento dos

interesses dos animais.

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A superioridade inata do homem frente à natureza, segundo Lourenço (2009), é

“uma deturpada concepção hierárquica da vida, de raízes remotas no

antropocentrismo teleológico aristotélico, segundo o qual tudo tem o propósito de

servir à humanidade.” O direito apropriou-se desta visão, sem levar em conta a

capacidade de sofrer que os animais tem, assim como os homens. Por isso, desde a

década de 70 vem ganhando força a tese de que os animais possuem valor moral e

jurídico próprios.

Schröder e McEachern (2004) concluíram que os consumidores que tem dificuldade

em utilizar o certificado de bem-estar animal em carne ou tem dúvida de sua compra

baseada em um selo, são mais favoráveis a sentir que este deveria ser um assunto

regulatório. Profissionais de marketing, porém, descobriram que sentimentos de

culpa relacionados ao sofrimento dos animais fornecem um motivador poderoso

para consumidores que procuram produtos que prometem aliviar a sua culpa. O

BEA, segundo McInerney, é considerado um bem público e os animais de produção

podem ter um valor adicional de não-uso, ou seja, “valor que um elemento no mundo

natural tem independentemente de qualquer uso, atual ou futuro, pelos seres

humanos. Este conceito envolve questões culturais, comportamentais e éticas (…)”

(LEMME, 2005 p. 159). Da mesma forma, as pessoas podem perceber uma perda

de valor, uma sensação de desconforto, ao perceberem que os animais sofrem

crueldade.

Desde 2002 a Europa discute formas de melhor comunicar os consumidores sobre o

bem-estar dos animais, buscando aprimorar a legislação, incluindo países de fora da

Europa. A Comissão das Comunidades Européias realizou um estudo de viabilidade

de uma VBL de bem-estar animal e concluiu, em janeiro de 2009, que a rotulagem

pode aumentar a sensibilização dos consumidores e acelerar a penetração de

mercado dos produtos certificados. O estudo envolveu diversas partes interessadas,

desde funcionários ligados diretamente ao manejo, produtores e cidadãos, com o

objetivo de, além de buscar formas de zelar pela proteção aos animais de produção,

estimular oportunidades de negócios que o tema oferece aos produtores. “[...] a

informação aos consumidores poderá lançar um ciclo virtuoso onde os

consumidores criam uma procura de produtos alimentares originários de

explorações que respeitem o bem-estar dos animais” (CCE p.3, 2009).

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3 METODOLOGIA

Durante a fase inicial da pesquisa, buscou-se aprofundar o conhecimento na área de

bem-estar animal – campo de conhecimento oriundo das áreas de medicina

veterinária e zootecnia – através da participação em dois Workshops Internacionais:

“Ferramentas e práticas de baixo custo para melhorar o bem-estar de animais de

produção” e “Estratégias educacionais para promover conceitos e práticas de bem-

estar animal”. Além disso, foram assistidos três documentários que abordam

assuntos próximos ao tema: “Food Inc” de Robert Kenner, “Animais, seres

senscientes” da WSPA, e “A carne é fraca” de Nina Rosa e Denise Gonçalves. Este

último foi fonte de imagens editadas e utilizadas posteriormente nas fases de coleta

de dados, como forma de ilustração dos processos produtivos para os entrevistados.

O vídeo editado foi submetido à avaliação de veterinários atuantes em fazendas e

abatedouros, para que atestassem sobre a fidelidade aos processos utilizados nas

empresas produtoras.

A primeira fase da coleta de dados, com entrevistas em profundidade, foi restrita à

cidade do Rio de Janeiro e investigou o comportamento de pessoas com idade entre

25 e 40 anos, residentes na zona sul da cidade, responsáveis pela compra de

alimentos do seu domicílio.

Incluiu-se aqui carnes de animais facilmente encontradas em supermercados e

consumidas frequentemente por consumidores brasileiros: carne bovina, carne

suína, carne de frango e de peixe. Optou-se por limitar o estudo à compra de carne e

não aos demais alimentos de origem animal, muito embora seja constatado por

pesquisas da área de veterinária e zootecnia que os ambientes de criação de

animais produtores de leite e ovos seja também estressantes para os animais.

Decidiu-se, da mesma forma, excluir deste estudo, a investigação do comportamento

dos consumidores em situações de consumo do alimento pronto, em restaurantes,

para concentrar esforços na compreensão do fenômeno da tomada de decisão da

compra de carne in natura, no momento em que os consumidores normalmente

conhecem e selecionam marcas e são expostos aos mais diversos rótulos e apelos

de comunicação.

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A segunda fase da coleta de dados utilizou um questionário que foi aplicado através

da internet. O link com a survey permaneceu disponível durante os meses de

setembro a novembro de 2010 e contou com a participação de 666 pessoas,

distribuídas por vários estados brasileiros, sendo que 550 concluíram o

preenchimento. A divulgação do link foi feita através de emails e publicação em

redes sociais (Facebook, Orkut, Twitter, Google Talks, Skype), através do perfil de

usuário da pesquisadora. Através do efeito “viral” que estas redes proporcionam, o

link da pesquisa espalhou-se rapidamente.

3.1 TIPO DE PESQUISA ADOTADO

O tema bem-estar animal ainda é pouco explorado na literatura de marketing e

comportamento do consumidor. Os estudos disponíveis concentram-se na UE e nos

EUA (ver MCEACHERN e HUSTVEDT). Por este motivo, e apoiados por autores

como Malhotra (1999) e Aaker (2001), optamos por utilizar a pesquisa do tipo

exploratória. Seu principal objetivo, segundo Malhotra (1999) é prover a

compreensão do problema enfrentado pelo pesquisador, através de um processo

flexível e não estruturado, com uma amostra pequena e não representativa. Sua

contribuição é significativa quando o pesquisador se depara com novas idéias e

dados, podendo mudar o foco de investigação constantemente, gerando hipóteses e

identificando variáveis que devem ser incluídas. Aaker aponta também outras

situações em que a pesquisa exploratória pode ser útil, como o estabelecimento de

prioridades de questões e o aprendizado sobre problemas práticos na execução do

trabalho.

A coleta de dados foi dividida em duas partes: a primeira, que chamamos etapa

qualitativa e a segunda, que chamamos etapa quantitativa. Entre junho e agosto de

2010 foi realizada a primeira etapa, com nove entrevistas em profundidade e de

setembro a novembro aplicou-se o questionário através da internet.

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3.2 O ESTUDO QUALITATIVO

Dadas as condições socioeconômicas e culturais específicas do contexto brasileiro,

diversa daquela observada em países desenvolvidos, há um grande espaço para o

estudo do comportamento de consumo de carne, que está diretamente relacionado

ao aumento da afluência nas sociedades (COX, 2007). Os estudos precisam

aprofundar a compreensão dos fatores que impactam no processo de consumo de

carne. A metodologia qualitativa mostrou-se adequada neste contexto, permitindo

que se descubra o que o consumidor tem em mente, quais são as suas

perspectivas, a complexidade das suas preocupações, sentimentos, pensamentos,

intenções e também, comportamentos passados (AAKER, 2001). Gaskell (2004)

sintetiza os objetivos da pesquisa qualitativa, afirmando que ela apresenta uma

amostra do espectro dos pontos de vista. Gummesson (2005, p.311), ao discorrer

sobre a complementaridade das abordagens quantitativas e qualitativas, afirma que

a interpretação, mais ligada às abordagens qualitativas, “é uma necessidade em

todos os esforços humanos de entender o mundo e aspectos específicos da

interpretação aparecem em todos os tipos de pesquisa”. O autor enfatiza a

importância das qualidades humanas do pesquisador, tais como intuição,

experiência, empatia, conhecimento tácito e ética, entre outros, visto que a vida não

pode ser quebrada em partes bem constituídas. A realidade é maior do que a soma

das partes e sofre efeitos de sinergia.

Optou-se pela entrevista individual em profundidade, com roteiro de entrevista semi-

estruturado para a primeira etapa. A pesquisa com entrevistas é um processo social

e, portanto, constitui-se em uma troca de idéias e de significados em que

percepções e realidades são exploradas e desenvolvidas (GASKELL, 2004).

Dependendo da situação e da natureza da interação, surgem sentidos e sentimentos

sobre o mundo e os acontecimentos. O assunto crueldade com animais de

produção, por ser desconhecido da maioria das pessoas, poderia surpreender ou

chocar os respondentes despertando sentimentos diferentes. Por isso, optou-se pelo

método das entrevistas individuais, e não em grupo, para que as pessoas tivessem

mais conforto em demonstrar seus sentimentos e percepções, ao se depararem com

alguns detalhes do processo produtivo, e questionar suas escolhas de compra até

então. No grupo, os participantes podem levar em consideração os pontos de vista

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dos outros ao estruturar suas respostas. Além disso, a entrevista em profundidade,

se bem conduzida, estabelecendo uma relação de confiança e segurança, reduz as

chances de o entrevistado fornecer respostas superficiais e oferecer uma

racionalização normativa. Por ser um assunto novo, faz-se necessário, também, que

o entrevistado disponha de pausas durante a entrevista, em que aproveite o tempo

de silêncio para pensar.

Durante a fase inicial de elaboração do roteiro de entrevistas, no entanto, tivemos

contato com diversos pesquisadores em universidades no Brasil e em outros países,

que gentilmente nos cederam seus instrumentos de coleta de dados, em surveys

realizadas nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Chile, além de uma pesquisa

realizada no Brasil pelo Welfare Quality Project, em parceria com a UNESP. Este

rico material ao qual tivemos acesso nos levou a propôr uma segunda etapa de

pesquisa, também exploratória, mas de caráter quantitativo, através de uma survey.

Por isso, após a conclusão das entrevistas em profundidade, criou-se, com base nos

questionários recebidos e com base nos achados das entrevistas, um questionário

adaptado ao contexto brasileiro.

A entrevista em profundidade precisa contar com alguns cuidados por parte do

entrevistador, que, de acordo com Malhotra (1999) são os seguintes: evitar parecer

superior e deixar que o entrevistado se sinta à vontade; demonstrar imparcialidade e

objetividade, sempre de forma simpática; formular perguntas de maneira informativa;

não aceitar respostas do tipo “sim” ou “não”; e sondar o entrevistado.

3.2.1 Seleção dos entrevistados

De acordo com Gaskell (2004) não existe um método para selecionar os

entrevistados das investigações qualitativas. O número de entrevistados, porém, é

pequeno, já que não necessariamente mais entrevistas levam a uma compreensão

mais detalhada do fenômeno. Há um número limitado de interpretações, ou versões,

da realidade, que não surgem das mentes individuais, mas são o resultado de

processos sociais; ou seja, pessoas que compartilham de um meio social específico

podem ter representações semelhantes de um tema de interesse comum. Por isso,

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as primeiras entrevistas apresentam surpresas e diferenças, mas à medida que a

investigação progride, percebe-se que novas percepções não aparecem.

A seleção dos entrevistados buscou alguma homogeneidade sociodemográfica,

porem, é importante destacar que, segundo Roberts (1996), fatores demográficos

não são sempre bons preditores do comportamento socialmente responsável. Os

nove entrevistados moram em bairros da zona sul da cidade do Rio de Janeiro, são

jovens profissionais (entre 25 e 40 anos) que vivem em apartamentos com poucas

pessoas. As características dos entrevistados estão no quadro abaixo. Os nomes

utilizados são fictícios de forma a preservar a confidencialidade dos depoimentos. O

único filtro utilizado para a seleção foi a resposta positiva sobre o consumo de carne.

Quadro 7 – Perfil dos entrevistados

Nome fictício idade bairro

renda domiciliar filhos

pessoas na casa profissão

Amanda 27 Copacabana 7000 e 9000 1 3 jornalista

Poliana 34 Copacabana mais de 10000 não 2

relações públicas

Raul 33 Laranjeiras 4500 e 7000 não 2 contador

Daniele 26 Laranjeiras 4500 e 7000 não 2 relações públicas

Marcos 31 Leme 2500 e 4500 não 3 designer

Alice 36 Urca 4500 e 7000 não 2 administradora

Karina 32 Laranjeiras mais de 10000 não 2 administradora

Flavia 29 Gávea 4500 e 7000 não 1 jornalista

Juliana 33 Catete mais de 10000 2 3 administradora

Sabe-se que o assunto é relevante para mais meios sociais, mas, como exposto

anteriormente, a pesquisa qualitativa busca profundidade e, para tanto, precisa fazer

escolhas, limitando a seleção de respondentes.

3.2.2 Construção do roteiro

O roteiro de uma entrevista em profundidade caracteriza-se como um tópico guia

semi-estruturado para que determinado número de perguntas seja coberto em um

período de tempo relativamente limitado (GASKELL, 2004) – cerca de 1h a 1h30. O

roteiro (anexo 1) contemplou quatro etapas. A primeira etapa introduziu o assunto

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compra de alimentos, fazendo com que os entrevistados relembrassem não só o

momento em que fazem as compras, mas também mudanças nos seus hábitos

alimentares que porventura tivessem acontecido. Esta introdução estimulou os

entrevistados a pensar em características gerais de suas práticas cotidianas

relacionadas à alimentação, expondo preferências, cuidados, restrições de saúde,

influência de familiares e amigos, conveniência do ponto-de-venda, entre outros. Aos

poucos a entrevista era conduzida para o tema central, sendo que a segunda etapa

abordava especificamente o assunto da compra e consumo de carne. A terceira

etapa investigava a opinião dos participantes sobre os métodos de criação e a

possibilidade do selo de certificação, ainda sem a apresentação do vídeo. Por fim, a

última etapa iniciava-se logo após a exibição do vídeo sobre maus-tratos contra os

animais no processo de produção, incentivando o comentário livre e repetindo

algumas questões mais críticas do roteiro, com o objetivo de identificar eventuais

mudanças nas respostas.

O roteiro foi adaptado após a primeira longa entrevista, quando pequenos detalhes

foram corrigidos e percebeu-se a necessidade de introduzir o vídeo no processo.

Ficou clara a total falta de informação da primeira entrevistada sobre o processo de

criação dos animais de produção. Ao final da entrevista, ela demonstrou curiosidade

e preocupação, já que, na sua visão, não entendia o que poderia ser considerado

maltratar animais de produção. Por ter tido contato com fazendas domésticas na

infância, sua imagem em relação aos animais do campo foram descritas como algo

que remetesse à tranquilidade e bem-estar. Optou-se, a partir de então, por

selecionar imagens de documentários feitos no Brasil, mostrando a realidade do

cotidiano dos animais de produção nas fazendas industriais14. O documentário

escolhido para a edição de imagens foi “A Carne é Fraca” de Nina Rosa e Denise

Gonçalves e foi mostrado nas duas etapas da pesquisa, ao final da entrevista ou do

questionário.

Kozinets e Belk (2006), em uma discussão sobre o uso de métodos audiovisuais na

pesquisa contemporânea do consumidor, reconhecem o valor da vídeografia para a

pesquisa qualitativa. Inúmeras formas de inclusão dos recursos audiovisuais são

14

o vídeo está disponível no endereço eletrônico

www.http://www.youtube.com/watch?v=6ODsIm2XxsY

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possíveis e dependem da criatividade do pesquisador, já que a relação do vídeo

com as emoções são uma parte central dos elementos humanos tratados por este

tipo de pesquisa.

Embora as observações dos autores tenham servido de inspiração para essa

pesquisa, cabe observar que eles se referem a um tipo de pesquisa que é feita em

vídeo em sua quase totalidade. No caso desse estudo qualitativo, uma parte editada

do filme “A Carne é Fraca” foi usado no meio da entrevista pessoal e não foram

encontradas outras descrições de usos semelhantes em outros estudos.

Alguns cuidados importantes foram tomados. Primeiro, buscou-se a mínima

interferência de efeitos de edição e som, para que a atenção do entrevistado não

fosse desviada da mensagem principal (KOZINETS; BELK, 2006). Segundo,

submeteu-se a seleção de imagens a veterinários especializados no assunto, com o

objetivo de evitar sensacionalismos e não comprometer o resultado da pesquisa.

Além disso, o pesquisador, não participando da narrativa de tais práticas, manteve

uma posição de neutralidade, incentivando sempre o máximo de sinceridade do

entrevistado.

O vídeo mostrava imagens do cotidiano dos animais de produção em fazendas

industriais, destacando os danos que o confinamento e alguns métodos de criação e

manejo causam aos mesmos. A primeira parte, que foi a mais lembrada pelos

entrevistados, apresentava a situação das aves. As duas seguintes descreviam a

realidade dos bovinos e dos suínos.

Após a visualização do vídeo, perguntou-se ao entrevistado o que mais lhe chamava

a atenção, incentivando o comentário livre e, posteriormente, repetimos algumas

questões mais críticas do roteiro, com o objetivo de identificar eventuais mudanças

nas respostas.

Além disso, após as três primeiras entrevistas, algumas das questões iniciais – cujo

objetivo era criar empatia - foram abandonadas, com o objetivo de possibilitar mais

tempo de conversa ao final da entrevista, que foi o momento que os respondentes

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demonstraram a maior necessidade e facilidade de interação, para conversar dentro

do tema central da pesquisa.

Cabe observar a importância assumida pelo uso do vídeo na exploração do tema,

não só pela qualidade das informações levantadas a partir da sua utilização,

transformando-se em um importante exercício projetivo para o grupo dos

entrevistados, mas também pela experiência da dinâmica de uso dessa ferramenta

em uma longa entrevista.

3.2.3 As entrevistas em profundidade

As entrevistas foram realizadas no local de trabalho, ou na casa dos entrevistados,

em um ambiente no qual houvesse o silêncio necessário para a gravação do áudio,

bem como, para a correta compreensão do vídeo apresentado ao final da conversa.

Os entrevistados foram contatados pela pesquisadora, convidando-os para participar

de sua pesquisa sobre o tema alimentação. Não foram fornecidos mais detalhes

neste primeiro contato.

No momento da entrevista, inicialmente, fazia-se uma breve explicação sobre como

funcionaria a conversa e sobre a importância da sinceridade nas respostas. Deu-se

ênfase ao fato de não existir certo e errado, e também, ao fato de o roteiro utilizado

pelo entrevistador ser apenas um guia, para que o entrevistado se sentisse a

vontade para abordar aquilo que lhe parecesse mais importante no decorrer da

conversa.

Aos poucos o tema alimentação e compra de alimentos era explorado e a questão

da carne surgia na conversa. A questão do animal vivo, por sua vez, precisava ser

introduzida pelo pesquisador, com o objetivo de entender o nível de conhecimento

relacionado ao tema da pecuária industrial, e provocar algumas reflexões iniciais

sobre a possibilidade de um selo de certificação.

Posteriormente o entrevistado era convidado a assistir o vídeo com cerca de cinco

minutos. Esclarecia-se a respeito do conteúdo das imagens, que seriam cenas do

cotidiano das fazendas de criação de animais, e que não haveria cena de abate.

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Após assistirem o vídeo, os participantes eram incentivados a falar sobre aquilo que

mais lhes chamava atenção e, em seguida, repetiam-se algumas questões

relacionadas à possibilidade de um selo de certificação. Logo após a conclusão da

entrevista, já sem a presença do entrevistado, fazia-se um “diário de campo” com as

percepções do pesquisador sobre comportamentos do entrevistado que mereciam

destaque.

As nove entrevistas em áudio foram enviadas para transcrição. Os textos finais, bem

como os arquivos em áudio, foram acessados inúmeras vezes, servindo de insumo

para a construção da análise qualitativa.

3.2.4 As categorias da análise qualitativa

As categorias de análise foram estabelecidas de acordo com os grandes temas

presentes no roteiro de entrevista, e também no que foi observado através do

discurso dos entrevistados. Após a leitura detalhada das transcrições, buscou-se

estabelecer os diferentes tópicos que pudessem gerar atributos diferenciadores dos

diversos comportamentos dos entrevistados. Dessa forma, a análise dos resultados

desse estudo está organizada em duas categorias: o comportamento anterior ao

vídeo – conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento envolvido

e selos de certificação - e o comportamento posterior ao vídeo - mudanças na

intenção de compra e consumo de carne.

Apresentamos a seguir as duas categorias e seus objetivos:

A. Comportamento anterior ao vídeo – conhecimento sobre o processo de

criação de animais, sofrimento envolvido e selos de certificação;

Esta categoria buscou entender o nível de conhecimento sobre as práticas

presentes na pecuária industrial e diferenciar os entrevistados que tinham

conhecimento sobre o assunto, dos demais; bem como compreender o que poderia

ser considerado crueldade; como viam os selos de certificações em geral e se

seriam aplicáveis para esta categoria de produto (carne).

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62

B. Comportamento posterior ao vídeo - mudanças na intenção de compra e

consumo de carne

A segunda categoria explorou como os entrevistados julgam as imagens

apresentadas no vídeo e como a informação afeta o comportamento e as intenções

futuras de compra.

3.2.5 Análise e interpretação dos dados qualitativos

Os dados são constituídos pelo que é realmente falado, mas a análise, segundo

Gaskell (2004) tem o objetivo amplo de procurar sentidos e compreensão e, para

isto, é necessário ir além daquilo que é falado. Deve-se buscar temas com conteúdo

comum e identificar as funções destes temas. Para tanto, é necessária uma imersão

do pesquisador no corpus do texto, relembrando e revivendo aspectos não verbais

da entrevista, procurando padrões e conexões, tentando descobrir um referencial

mais amplo. O exame comparativo das seções, buscando como os diferentes

entrevistados respondem a um determinado assunto pode revelar contradições,

também importantes para a compreensão do fenômeno.

Nesta fase da pesquisa, a intuição criativa e a interpretação fazem parte do

processo, porém, é necessário que toda inferência esteja enraizada nas entrevistas,

de forma a justificar quaisquer conclusões.

Os achados da fase qualitativa serviram como subsídio para a elaboração do

questionário da fase quantitativa.

3.3 O ESTUDO QUANTITATIVO

3.3.1 Elaboração do questionário

O questionário utilizado na fase quantitativa da pesquisa (disponível no anexo 2)

utilizou os achados da fase qualitativa para a adequação de questionários aplicados

por pesquisadores do tema em outros países, gentilmente cedidos por seus autores.

Tais questionários tinham como foco a percepção do consumidor final em relação a

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BEA, sendo dois relacionados a consumo de carne e um a consumo de vestuário

(MCEACHERN, 2008; SCHNETTLER, 2008; HUSTVEDT et al, 2008). O

questionário foi hospedado no site surveymonkey.com, contendo o vídeo em formato

digital.

Os pré-testes foram feitos com duas turmas de alunos, uma em um curso de

mestrado em administração e outra em um curso de MBA em Marketing, o primeiro

com 23 e o segundo com 27 alunos, no mês de agosto de 2010. Os alunos recebiam

a primeira parte do questionário, respondiam, assistiam em sala ao vídeo com cenas

do cotidiano dos animais de produção e então recebiam a segunda parte do

questionário, com algumas questões repetidas e outras novas. Algumas dificuldades

nas respostas foram descritas pelos alunos e, desta forma, algumas correções ou

exclusão de questões foram feitas.

A primeira parte do questionário tinha como objetivo compreender alguns

comportamentos relacionados à compra de alimentos em geral e também à compra

de carne. Primeiramente investigou-se o nível de participação na decisão de compra

de alimentos do respondente, interesse por informações presentes nos rótulos dos

alimentos, eventual consumo de alimentos orgânicos e interesse por temas ligados

aos padrões de produção dos alimentos. Em seguida, ainda na primeira parte do

questionário, foram inseridas as primeiras questões relacionadas aos hábitos de

compra de carne e às possíveis preocupações com os padrões de criação dos

animais. Por fim, questionou-se a importância que um selo que garantisse ausência

de maus-tratos aos animais teria para o respondente, bem como o percentual

adicional que ele estaria disposto a pagar pela carne com tal selo.

Tal adicional de preço, neste caso, não refere-se a uma diferença real que o produto

teria, caso o processo produtivo seguisse requisitos de BEA. O objetivo, com as

questões que atribuíam um valor monetário ao produto certificado, foi verificar a

existência e tentar quantificar este valor que o BEA poderia ter para os

respondentes. Estudos na área de avaliação ambiental utilizam a metodologia de

Valoração Contingente, com utilização de pesquisas amostrais, cujo objetivo é

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descobrir a disposição a pagar (do inglês willingness to pay15) por bens que não são

comercializados em mercados (MITCHELL; CARSON, 1989). O que recebe “valor”

através de situações hipotéticas, portanto, são as preferências das pessoas, para

que tal valor possa ser comparado a outros valores de mercado, de forma a permitir

a tomada de decisão envolvendo recursos.

A segunda parte do questionário apresentava o vídeo e uma questão que

confirmava a sua visualização ou não. Apenas após assistir o vídeo o respondente

deveria responder as questões seguintes. Por isso, aqueles que informaram que

tiveram problemas técnicos ou não quiseram assistir o vídeo, foram retirados da

amostra.

Em seguida, algumas questões da primeira parte foram repetidas, para verificar uma

possível mudança de comportamento nas respostas, relacionada à importância dada

ao selo, bem como ao percentual que o respondente pagaria a mais pelo produto

certificado. Além disso, buscou-se entender possíveis mudanças de comportamento

futuro e a forma preferida para receber informações sobre os padrões de criação de

animais de produção.

Por fim, o questionário apresentou algumas questões para classificar o perfil

sociodemográfico dos respondentes. Mais de 80% dos participantes da amostra

deixaram o seu email, demonstrando interesse em receber os resultados finais da

pesquisa.

3.3.2 População e amostra da etapa quantitativa

A população da etapa quantitativa foi representada por pessoas em várias cidades

do Brasil. A amostra foi não-probabilística, ficando sua composição final dependente

da disposição das pessoas de diferentes grupos de renda, idade e instrução em

responder o questionário hospedado na internet. Por ser um estudo exploratório e

15

Willingness to pay: Quantia máxima que uma pessoa pagaria para obter um recurso que deseja e

não possui. Tal metodologia é limitada pela renda do indivíduo pois sem poder de compra não há

acesso ao recurso (MITCHELL; CARSON, 1989).

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sem planejamento amostral pré-definido, optou-se por realizar a análise dos

resultados apenas através de estatística descritiva.

A versão final do questionário foi disponibilizada através de um link em um site de

pesquisa16. A divulgação do link foi feita através de envio de emails, uso de redes

sociais como Facebook, Orkut, Twitter, Ning, e grupos como Yahoo Groups e

Google Groups. O questionário ficou disponível entre os dias 22 de setembro e 30

de novembro de 2010. O total de acessos chegou a 666, mas conseguiu-se

aproveitar 468 questionários, visto que 173 pessoas não assistiram o vídeo e 25

ignoraram as questões após o vídeo.

3.4 LIMITAÇÕES DO MÉTODO

Os métodos qualitativos de pesquisa não apresentam resultados representativos do

que pode ser encontrado na população (AAKER, 1999). Por isso, normalmente, seus

achados são utilizados como insumo para outras investigações, que utilizem

técnicas mais conclusivas. Muitas vezes, também, o pesquisador pode não

compreender uma determinada linguagem e, com isso, correr o risco de fazer falsas

inferências (GASKELL, 2004). Estas potenciais limitações, portanto, exigem

habilidade na condução da entrevista, esclarecendo situações corretamente, para a

correta compreensão do fenômeno.

As falhas possíveis de ocorrer nas entrevistas surgem quando o entrevistador utiliza

informações do entrevistado relacionadas a ações ocorridas em outras

circunstâncias de tempo e espaço. Além disso, o entrevistado pode omitir detalhes

importantes ou distorcer fatos, bem como adotar um discurso em linha com alguma

auto-imagem específica (GASKELL, 2004).

Com relação à fase quantitativa da pesquisa, uma importante limitação refere-se ao

fato de a amostra ser não-probabilística, impossibilitando a generalização das

conclusões para a população e a medição do erro de amostragem (MALHOTRA,

16

http://www.surveymonkey.com/s/NKZNSB8

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2006). O fato de o questionário ter sido disponibilizado através da internet e das

redes sociais, limitou o acesso àquelas pessoas que têm acesso a computador e

internet e estão, de alguma forma, conectados à rede de contatos da pesquisadora.

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67

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nesse capítulo serão apresentados os resultados das duas etapas de pesquisa,

sendo a primeira qualitativa, e a segunda, quantitativa.

4.1 O ESTUDO QUALITATIVO

Este tópico descreve os resultados da pesquisa, através da análise das entrevistas,

utilizando-se as seguintes categorias: Antes do vídeo – conhecimento sobre o

processo de criação de animais, sofrimento envolvido e selos de certificação; e

Depois do vídeo - mudanças na intenção de compra e consumo de carne.

Inicialmente são apresentadas características gerais das práticas alimentares dos

entrevistados. Os achados são, sempre que possível, relacionados ao que foi

apresentado na revisão de literatura. Inicialmente serão apresentadas algumas

observações que visam facilitar a compreensão do estudo.

4.1.1 Práticas alimentares dos entrevistados

A etapa qualitativa do estudo evidenciou, desde a primeira entrevista, a necessidade

de um material de apoio que informasse aos entrevistados como é o processo de

criação dos animais de produção. A primeira entrevista não previa este material de

apoio, e a intenção foi investigar as reações e intenções do entrevistado, apenas

com o conhecimento prévio que ele tivesse sobre o assunto. Porém, percebeu-se

que o nível de informação que a primeira entrevistada tinha era muito limitado e,

além disso, bastante diverso daquilo que se observa nas fazendas de pecuária

intensiva. Por isso, optou-se por editar um documentário e inserir um vídeo com

imagens do dia-a-dia das fazendas de pecuária industrial, que representassem com

fidelidade, as práticas utilizadas.

Notava-se desconforto dos entrevistados ao saberem que veriam um vídeo com tais

cenas. Eles eram informados de que não haveria cena de abate, mas, mesmo

assim, demonstravam algum desconforto, antes mesmo de iniciar o vídeo (alguns

perguntavam se o procedimento era realmente necessário). A percepção é de que

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parece existir uma tendência das pessoas que consomem carne, evitarem pensar

nos animais vivos.

Ao serem questionados sobre a possibilidade de uma alternativa de carne que

garantisse padrões mínimos de BEA e, em conseqüência, ausência de crueldade, os

entrevistados demonstraram preocupação com as empresas produtoras e em

relação ao preço do produto, se isto o encareceria demasiadamente. Porém,

concordam que ter acesso à informação é essencial, principalmente no local de

compra. Para eles, a informação deveria incluir não só os benefícios para os

animais, mas também para a saúde dos consumidores, em relação à carne

certificada.

Alguns entrevistados, que já tinham sido expostos a informações sobre a crueldade

envolvida na pecuária industrial parecem desenvolver um comportamento mais

defensivo, como se tivessem criado uma barreira ao tema. Observa-se, como foi o

caso do entrevistado Marcos, que a violência e até um certo sensacionalismo

presente em alguns vídeos que circulam na internet, podem ter contribuído para

esse comportamento defensivo.

Pode ser considerado um ponto comum entre os entrevistados, o fato de realizarem

muitas refeições fora de casa, especialmente aquelas no horário do almoço, durante

a semana. Isto reduz o volume de alimentos comprados em supermercados,

especialmente aquele tipo de alimento presente em refeições mais completas, com

consumo de carne. É comum que a refeição da manhã e da noite, durante a

semana, sejam menos elaboradas, com alimentos prontos ou simples, como pão,

frios, frutas e bebidas. Também aos finais-de-semana são comuns, na rotina dos

entrevistados, as refeições em restaurantes. Por isso, acabam comendo mais carne

fora de casa, em restaurantes, do que em casa e a compra de carne é eventual, em

volume pequeno. Além disso, a carne não tem um preparo rápido, é um alimento

que requer mais elaboração, na visão dos entrevistados:

“Para refeição, o que a gente compra é massa (…) porque faz rápido, a gente faz um

molhinho lá qualquer, e deu. A gente não compra carne pra fazer em casa” (Poliana).

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“A gente também compra alguma coisa, por exemplo, steak de frango. A gente não

prepara, a gente só frita ou assa” (Daniele)

Os entrevistados também admitem que ir às compras é uma atividade que deve ser

feita, mas não a encaram como algo ligado a prazer e procuram realizá-la de forma

rápida. Amanda, que vai com a filha de dois anos, relata:

“Primeiro que eu detesto [ir ao supermercado], estou sempre com muita pressa,

quero resolver o mais rápido possível e sempre tendo a fazer como faço sempre, é

uma coisa bem mecânica. (…) Ela está derrubando as prateleiras e eu saio

juntando”.

Da mesma forma, a refeição fora de casa parece estar mais relacionada a

momentos de prazer, quando os entrevistados se permitem consumir alguns tipos de

produtos diferentes:

“Eu não sou muito de jantar fora durante a semana porque quando você começa a

jantar fora durante a semana, você tende a comer mais pesado ou coisinhas mais

gostosas. Eu detesto ir a um restaurante e pedir saladinha só” (Poliana).

Em casa procuram ser mais regrados, comprando e consumindo alimentos que

escolheram para a sua rotina. Além disso, apenas dois entrevistados, Raul e Alice,

dizem gostar de cozinhar, mas preferencialmente nos finais-de-semana. Outros,

como Amanda, por exemplo, admitem:

“não tem coisa que eu mais deteste do que cozinhar, mas eu cozinho”.

Outro aspecto que pode ser destacado é o papel desempenhado pela empregada

doméstica. Nota-se conflito no discurso de Amanda, por exemplo, que primeiro

relata as suas preferências e exigências na escolha dos produtos, afirmando que

gosta de “fazer tudo natural”, mas depois cita o papel decisório da empregada nas

compras de alimentos, admitindo que não passa as orientações sobre o que a

empregada deve comprar:

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“eu digo para ela, „compra o que precisar (…) eu não digo o que ela precisa

comprar”.

O preço dos alimentos parece, a princípio, um atributo secundário para o grupo de

entrevistados. Daniele é a única que declarou que escolhe os produtos considerando

primeiramente os menores preços, muito embora afirme que prefere comprar frutas

e verduras no Hortifrutti, local que ela admite ter preços mais altos do que no

mercado que ela compra os demais alimentos. Os demais respondentes dizem

considerar primeiro outros atributos como a qualidade, a marca ou local de compra,

e depois o preço, já que cozinham pouco em casa e, por isso, podem “se dar o luxo”

de escolher os produtos que mais lhe agradam.

“Eu não olho preço, não olho (…) quando eu faço algum doce em casa, „hoje estou

inspirada, vou fazer o doce‟, não é um doce, é „o doce‟. Eu tenho que usar leite

condensado, vou usar Leite Moça” (Amanda).

“(…) vou ali no Hortifrutti pra comprar coisas mais saudáveis e fáceis de fazer. Lá

tem muita coisa quase pronta e saudável” (Alice).

“A primeira coisa que eu penso não é o preço, é uma coisa secundária. Primeiro eu

vejo a questão da qualidade e tal. Em segundo lugar, eu comparo muito os preços

dos produtos parecidos” (Juliana).

A falta de tempo e a “mecanização” na hora de fazer as compras e escolher os

produtos, descritas por alguns dos respondentes, parece ter influência direta na falta

de atenção que dão aos rótulos dos alimentos, e à falta de conhecimento de selos e

certificações. Isto está em linha com o que afirmam McDonald et al (2009) a respeito

das inconsistências no comportamento de compra individual, e da tensão entre o

ator econômico racional e o culturalmente orientado. Fatores como tempo e dinheiro

são causas desta inconsistência. Além disso, pode-se inferir que a falta de oferta de

produtos certificados também exerça influência neste comportamento. A partir do

momento em que são expostos a este tipo de apelo, os consumidores podem se

sensibilizar e ficar mais atentos. Ao serem questionados sobre informações

presentes nos rótulos, a tendência é relacioná-los a informações nutricionais, como

quantidade de sal e calorias, e à data de validade. Com exceção de Juliana e

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Marcos, que dizem verificar com mais detalhe as informações nutricionais, o grupo

não demonstra ter interesse ou não lembra com facilidade de características do

rótulo que o tenham feito optar por um ou outro produto. Daniele admite que não

paga mais caro, porém Marcos, sim:

“Não estou lembrando agora. Talvez à primeira vista tenha chamado a minha

atenção, mas se for muito caro, por exemplo, eu não levo” (Daniele).

“(…) com os sucos de caixinha. Eu vejo se tem conservantes ou não e dou

preferência para aqueles que não tem, apesar de que, muitas vezes eles são mais

caros” (Marcos).

“Quando eu comecei a comer mais saudável, eu comecei a ler um pouco mais o

rótulo, mas não tenho esse costume. (…) eu não gosto muito de fazer compras; aí eu

vou; eu já sei mais ou menos o que faz bem e o que não faz. Eu gostaria de olhar

mais, acho que é falta de hábito mesmo” (Alice).

Quando estimulados a pensar mais especificamente em selos e certificações, dois

entrevistados citaram o selo Abric de café, admitindo, porém, que o selo não é

decisivo na escolha do produto:

“ Eu gosto da ideia de orgânico, eu gosto da ideia de não conservantes, mas não é

uma coisa que me restringe, que eu não vou comprar nada fora deste selo” (Marcos).

Flavia e Raul não consomem alimentos com certificação de orgânicos porque

acham “muito caro”. Já Juliana destaca a atenção que tem em diferenciar selos e

certificações, de apelos promocionais.

“Mas eu sei que tem produtos que colocam assim „com cristais de não sei o que lá‟.

Você sabe que é o maior embuste, sabe”.

Tal preocupação exemplifica o comportamento oportunista de produtores, destacado

por Amstel et al (2006), chamado de greenwashing, e reforça o alerta que

Gallastegui (2002) faz a respeito da importância da diferenciação entre apelos

promocionais, de padrões efetivamente praticados e confiáveis.

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Em geral, os depoimentos dos entrevistados não sugerem características de um

comportamento que possa ser caracterizado como “consumidor consciente”. Ao

menos, não ficou claro que buscam produtos em função de questões relacionadas à

forma como são produzidos, ou se preocupem em utilizar padrões mais éticos e

sustentáveis de consumo. Uma respondente apenas, Juliana, diz preferir os vegetais

orgânicos, entretanto, esta preocupação está mais relacionada aos benefícios para a

sua saúde, e não às questões relacionadas ao meio-ambiente. Segundo Harrison et

al (2005), quando a motivação primária do consumidor está relacionada ao benefício

interno, esta não pode ser considerada estritamente uma compra ética. Caso a

escolha se dê em função de uma ação coletiva, buscando contrabalancear as forças

entre produtores e consumidores, então sim, pode-se caracterizar a compra ética.

4.1.2 Antes do vídeo – conhecimento sobre o processo de criação de animais,

sofrimento envolvido e selos de certificação

O primeiro esclarecimento que se fez necessário para o correto entendimento dos

entrevistados foi a abrangência do termo carne. Quando eram questionados sobre o

consumo de carne da família, ou quando voluntariamente falavam sobre a carne na

alimentação, a tendência era que as respostas levassem em consideração apenas a

carne vermelha. Os relatos mostravam que a carne vermelha vem tendo seu

consumo reduzido e é vista por alguns como indulgência, como alimento saboroso,

mas que faz mal à saúde, sendo comparada a doces, por exemplo; e por alguns,

como necessidade nutricional, como Amanda, que diz “se esforçar para comer”.

“Eu como pouca carne vermelha, eu não anulo a carne vermelha (…) eu prefiro

diminuir, mas eu não sou contra a carne como proteína” (Juliana).

“Eu acho que a gente come muito mais carne do que a gente precisa. Evito” (Alice).

“ A gente não come tanta carne vermelha (…) é menos saudável” (Daniele).

É comum, na rotina descrita pelos entrevistados, o consumo da carne vermelha ou

carne de peixe acontecer durante o almoço, em restaurantes. Por isso, na hora de

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fazer as compras, a carne de frango é preferida, não só para que possam variar,

mas por uma questão de conveniência, porque a carne de frango é citada como uma

carne de fácil preparo e que pode ser congelada.

“A gente compra carne só quando a gente sabe que vai cozinhar alguma coisa com

carne. (…) A carne (vermelha) eu considero que tem que ser uma coisa fresca”

(Amanda).

Para seis dos nove entrevistados, as carnes brancas, de frango e peixe, são as

preferidas, para a alimentação do dia-a-dia. A carne de porco não foi citada

voluntariamente. Uma questão que parece influenciar a preferência por comprar

carne de frango é a facilidade do preparo, principalmente das embalagens de filé de

peito de frango congelado. Poliana e Alice também citam a carne moída (bovina),

como opção mais conveniente:

“E também porque é prático, porque a gente nem gosta tanto e a gente nem gostaria

de comer tanto, mas é o mais fácil (…) agora é muito por não conhecer outros

pratos, eu acabo repetindo, não é que eu preciso da carne, é por falta de opção

(Alice).”

Daniele enfatiza a importância do preço, ao ser questionada sobre o que é

importante no momento da compra da carne:

“Preço, com certeza. A gente sempre procura uma oferta (…) e também a aparência

(da carne, não da embalagem)”.

E quando questionada sobre a influência da marca, ela afirma que “para carne não”.

Os demais entrevistados, porém, parecem dar menos importância ao preço:

“Eu dou preferência a cortes limpos e já fatiados (…) tem prato que dá pra fazer com

chã, patinho e tem outros pratos que eu preciso de uma alcatra ou um filé. Não é o

preço que influencia, mas é o prato que estou fazendo. (…) O preço influencia

porque eu compraria menos file do que lagarto” (Marcos).

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Os atributos de uma carne de qualidade, citados pelo grupo, incluem a cor, a

maciez, o cheiro, o valor nutricional, a praticidade no preparo, a quantidade de

gordura, o sabor; no caso do frango, a marca (quando o produto é congelado) e,

para três entrevistados, Juliana, Poliana e Alice, o frango ser “caipira” (criados com

mais espaço e sem hormônios). Quando questionada sobre as razões que a fazem

preferir o frango caipira, Juliana explica:

“ele é mais saboroso e ele sofreu menos intervenções. É uma coisa mais natural.

Pelo menos eu já li que isso faz bem pro organismo, sei lá, um frango que não foi

engordado artificialmente. Eu acho que até por uma questão ecológica, eu me sinto

com minha consciência mais tranquila, não sei”.

Entretanto, a entrevistada diz não pensar em questões ligadas à forma como o

animal foi criado ao escolher e comprar outros tipos de carne:

“Carne é carne. Não tem carne orgânica, e o peixe também, normal”.

Este comportamento evidencia a importância que a disponibilidade do produto pode

ter nas decisões de compra. Parece haver uma dissonância cognitiva no discurso de

Juliana, que afirma dar importância a uma questão que seria comum a qualquer

animal, apenas para a espécie cuja versão “caipira” se encontra disponível no

mercado. Alice também destaca a questão em seu discurso:

“(…) é porque a gente vai muito para Teresópolis e lá é mais fácil de comprar o

caipira e a gente compra sempre lá. Aqui no Rio é mais difícil (…) a opção que existe

aqui é aquele Korin (…) um frango que você compra a R$ 5,00, a mesma quantidade

do Korin é R$ 15,00, R$ 18,00. É uma coisa absurda, eu não compro”.

Juliana e Alice deixam claro em seus discursos uma questão apontada por

McDonald et al (2009) a respeito da importância de uma série de fatores alheios ao

indivíduo, na mediação do consumo sustentável. Além disso, ilustram aquilo que

Shaw et al (2000) afirmam sobre a exigência de comprometimento e esforço

consideráveis que consumidores preocupados com questões éticas enfrentam,

diferente daqueles que tomam suas decisões de forma racional auto-motivada.

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Cabe também destacar o comentário de Amanda, sobre a sua percepção de

qualidade da carne, que está relacionada à região e tipo de terreno onde o boi é

criado. A única a ir além dos canais de distribuição, de forma espontânea, mas

preocupada apenas com os efeitos de determinados padrões no sabor da carne:

“Eu gosto muito da carne do sul e do Uruguai (…) por causa do pasto, de onde o boi

fica. Em Minas é muito plano, acho que é isso, daí o boi… ou ocontrário, tem um

lugar que é muito íngreme e o boi (…) precisa fazer muito esforço e a carne fica mais

dura”.

A percepção de qualidade da carne também parece estar ligada ao local de compra

do produto. Alguns entrevistados explicam que confiam no varejista, quando

questionados sobre a preocupação com a procedência da carne, que, por sua vez,

está relacionado à higiene:

“taí, eu deveria me preocupar mais. Eu não sou muito de pensar da onde vem.

Porque eu compro do Zona Sul e eu parto do princípio que as coisas lá são um

pouco melhores (…) não sei se é porque é um supermercado um pouco mais caro”

(Flavia).

“Quem compra sou eu, geralmente em supermercados que eu confio: grandes,

limpos e com boa aparência” (Karina).

“Eu faço uma grande compra num supermercado mais em conta e não preciso voltar

lá tão cedo, deixo pra comprar essas coisas esporádicas, a carne, onde eu quero,

que infelizmente é o lugar mais caro” (Amanda).

Também justificam a não preocupação com a procedência em função da preferência

por carnes congeladas.

A embalagem, o rótulo das carnes, portanto, não foram lembrados por esse grupo

como tendo destaque no momento da compra. Poliana é a única entrevistada a

lembrar-se da embalagem “de um frango que não tem hormônios”:

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“assim, eu não sei se é selo ou certificação, mas quando a gente comprou frango,

tinha o frango (…) que são três vezes mais caros, mas como a gente compra tão

pouco (…) eu me dou ao luxo de comprar um que não tem hormônios e tal”

(Poliana).

Os entrevistados demonstraram desconforto quando incentivados a pensar sobre o

processo de criação dos animais que dão origem à carne que consomem. Ao

mesmo tempo, seus discursos ficaram por vezes confusos, evidenciando a falta de

domínio sobre o assunto e, ao mesmo tempo, o conflito moral com o qual se

deparavam:

“É paradoxo isso, razão e emoção. A razão quer ser informada e a emoção, não sei”

(Raul).

“Ao mesmo tempo que eu quero informação a mais porque eu quero qualidade no

produto, eu também não quero saber como o processo todo funciona” (Karina).

“Outro dia meu pai fez um porco lá em casa (…) e ele botou o porco inteiro (…). Eu

não consegui comer porque tinha aquele animal vivo ali. (…) Aí eu vi de fato aquele

animal morto, que tinham matado. Mas talvez porque venha sempre em filezinho, a

gente não consegue visualizar muito dentro de um boi” (Flavia).

Marcos, por exemplo, que contou que já havia tentado ser vegetariano, era o

entrevistado que demonstrou ter mais conhecimento sobre o processo de criação de

animais. Nesse dilema, o bem-estar animal e os selos de certificação são colocados

por ele em um mundo ideal. E no mundo real? Vence a sua preferência pelo

consumo da carne:

“Eu gostaria que num mundo ideal todos os produtores tivessem esse tipo de selo,

de atestado de respeito. Mas isso é muito pouco significante na minha escolha final”

(Marcos).

Por outro lado, ele foi um dos que se dispôs a pagar a maior diferença de preço pela

carne certificada, após ver o vídeo: 50%. Tal comportamento reforça a

inconsistência do “comportamento verde ou ético” proposto por McDonald et al

(2009).

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Ao serem questionados sobre o que pensam sobre os produtores de carne, os

respondentes dizem não pensar a respeito e não conhecer nada ou pouco a

respeito. Expressões como “curiosamente”, “medo” e “lenda” sugerem

distanciamento em relação ao assunto:

“Curiosamente eu queria entender melhor como é o processo, até para confiar mais,

até pra saber se compro ou não” (Karina).

“Até fiquei com medo agora. Eu nunca parei pra pensar na procedência. (…) talvez

porque nunca fui provocado a pensar (…) só histórias muito bizarras sobre produção

de salsicha. Eu acho que você nunca sabe se é lenda ou se é verdade” (Raul).

Dois deles afirmam já ter tido acesso a algum tipo de informação sobre o processo

de criação de animais na pecuária industrial, porém, todos admitem que evitam

pensar no assunto e justificam que esta seria uma forma de defesa:

“Salsicha, todo mundo que diz que vê salsicha, diz que nunca mais compra. Essa

coisa do boi, eu acho que se eu soubesse, eu nem comeria mais (…) eu prefiro

desvincular do ser vivo, sabe? Porque, sei lá. Não me faz bem” (Juliana).

Quando incentivados a pensar sobre os animais vivos, no contexto de compra e

consumo de carne, destaca-se o tom lúdico dos comentários dos dois homens

entrevistados. Marcos admite:

“Eu gerava piadas ou algum tipo de sarcasmo a respeito dos animais que eu estava

prestes a comer, mas isso nunca me impediu de comer”.

Mas afirma que assume esta postura apenas quando está com os amigos. Tal

comportamento evidencia aquilo que Barnett et all (2005) destacam como a

dimensão social do consumo e a dimensão simbólica dos bens. A decisão por

consumir ou não a carne, feita por Marcos, que já tentou ser vegetariano, parece ter

relevância para sua identidade e suas interações interpessoais.

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“Coitadinho do franguinho, né. É uma vida, cadeia alimentar é isso (…). Nada que

gastei mais de dez segundos para ficar pensando. Sei lá, falei “essa vida é doida.

Mas então, tem molho?” (Raul).

Mesmo tendo pouca noção sobre o processo de criação dos animais na pecuária

industrial, a ideia do selo de garantia de bons tratos é bem recebida pelos

entrevistados. Todos do grupo afirmam que fariam a opção pela carne certificada,

mas quando questionados sobre a diferença de preço, as reações foram diversas.

Daniele afirmou que para ela, dificilmente seria algo que chamaria a sua atenção e

que sua decisão de compra não seria afetada por tal selo. Os demais disseram que

poderiam comprar a carne certificada dispondo-se a pagar entre 10% e 50% a mais

do que costumam pagar. Destacam-se aqui os comentários de Raul e Amanda que

demonstram dúvidas sobre as informações, sobre os selos e sobre quanto estariam

dispostos a pagar a mais pela certificação:

“Nunca fui provocado até por informação para saber se os animais são maltratados

ou qualquer coisa ligado ao tema. Talvez por isso não me sensibilize tanto ver um

selo assim. O que é mau trato com o animal? (…) não ia pagar duas vezes a mais

porque o franguinho não chorou quando morreu. Crueldade né? (…) Acho que

pagaria (10% a mais), pagaria se eu tivesse, se eu fosse sensibilizado o suficiente

para ver que aquilo fizesse uma diferença, entendeu?”

“Estou entre a cruz e a espada. No momento que digo que certas coisas eu não olho,

só que não olho ou porque não existem, ou porque… Eu acabei de dizer que o que

me importa é a qualidade, como posso dizer… eu acho muito importante, se

existisse essa cultura (…) não consigo imaginar um cenário real para dar essa

pontuação (entre um e dez) (…) o que é tratar bem o animal? O tratador dele

conversa com ele ou porque o animal recebeu alimentação adequada?” (Amanda).

Karina comenta sobre a contradição que o termo “bons tratos ao animal” representa:

“Você trata bem para depois você matar? (…) imagine os ativistas”.

A entrevistada explica que a noção que tem sobre a criação de animais como boi e

frango, vem do pouco contato que teve com o campo, quando visitava as terras de

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sua família no Rio Grande do Sul, e em uma ocasião que esteve em um Hotel

Fazenda, onde os alimentos consumidos, incluindo as carnes, eram produzidos no

local. Por isso, a imagem que ela tinha sobre a vida dos animais “do campo” era

uma imagem “romântica”, como a imagem presente nas embalagens de muitos

alimentos de origem animal, presentes nos supermercados:

“não era esse horror que as pessoas diziam. Eu nunca vi isso, talvez por isso não dê

tanta importância. (…) não despertei a isso ainda e não sou obrigada a ter essa

consciência nesse momento” (Amanda).

Duas preocupações aparecem, com relação à carne certificada. A diferença de

preço abusiva e a importância da credibilidade da instituição certificadora. As duas

opções de produto – com selo e sem selo - foram comparadas, por alguns

entrevistados, com a diferença de preços dos alimentos orgânicos, considerada

abusiva. O preço mais alto do produto certificado poderia, na opinião dos

entrevistados, ser muito acima do normal, o que geraria um comportamento de

revolta. Da mesma forma, a certificação deveria envolver um órgão conhecido,

preferencialmente ligado ao governo, e a linguagem utilizada no selo deveria evitar

qualquer semelhança com promessas e apelos promocionais, para o selo não ser

confundido com “uma forçação de marketing”, como reforçou Alice.

Outra questão que merece destaque é a importância da qualidade intrínseca da

carne. Os respondentes afirmam ter disposição a pagar mais caro pela opção com o

selo, desde que os demais atributos de qualidade sejam comparáveis à opção de

carne sem o selo. Poliana ainda traz uma idéia interessante para o valor que pode

ser adicionado às carnes com selos de certificação: além da associação positiva

com animais bem tratados, uma associação com um tipo de alimento que seja

saudável.

“seria melhor se, além de garantia de bons tratos, mais saúde pra você. Não sei se

realmente é verdade isso, mas existe essa consequência. (…) seria perfeito”

Com relação à melhor forma de serem informados sobre como os animais são

criados, no caso do produto certificado, o selo na embalagem foi a forma citada

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como a mais efetiva. Também surgiram sugestões como displays na área destinada

às carnes no supermercado e através do site das empresas. Marcos sugere:

“uma maneira mais transparente de você ver a produção… alguma forma no site da

própria produtora. Você ver o passo-a-passo da produção da carne”.

4.1.3 Depois do vídeo - mudanças na intenção de compra e consumo de carne

A primeira mudança que se pôde notar no comportamento dos entrevistados foi a

postura e o tom de voz enquanto assistiam o vídeo. Eles estavam visivelmente

desconfortáveis e em seguida, demonstravam indignação. Cabe destacar o caso de

Poliana, que muito emocionada, não conteve as lágrimas e desabafou:

“Olha isso! (…) Nossa! Estou chocada. Horrível (…) É sacrificar mesmo a vida. Eu

não imaginava um negócio assim (…) como se fosse uma fábrica (…) eu acho que

as pessoas não tem noção da crueldade envolvida (…) é revoltante. Precisa ser

assim? Não precisa”.

Logo no início da conversa após o vídeo, surgiram muitas dúvidas. Eles

demonstravam grande preocupação, questionando se as marcas que consumiam

utilizavam aqueles métodos de criação, se as imagens vistas eram realmente um

padrão no mercado. Perguntavam de que forma poderiam não “participar daquilo” e

diziam que tinham vontade de parar de consumir carne. As preocupações

demonstradas pelos entrevistados envolviam o sofrimento dos animais, a culpa pela

“co-autoria” ao consumirem a carne, e a preocupação com a própria saúde:

“E comendo uma carne que um bicho sofreu demais. Eu acho que tem uma coisa

maior envolvendo meu organismo (…) deve ter uma diferença de você colocar pra

dentro um animal que foi criado de forma diferenciada” (Flavia).

Sete dos nove entrevistados admitiram que as informações sobre a realidade da

cadeia alimentar que começa com a criação e abatedouro do animal podem

provocar mudanças em suas opiniões e preocupações sobre a procedência da

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carne, sugerindo que conhecer a realidade da crueldade animal poderia mudar seu

comportamento de compra e consumo :

“Depois de ver o vídeo „ah, esse animal foi bem tratado‟ eu já vou enxergar de outra

forma (…) chamou a atenção a maneira que eles tratam um ser vivo como uma fruta,

que não tem vida” (Juliana).

“Agora eu fico pensando em parar de comer carne totalmente, que te choca” (Flavia).

“É aquela coisa de você receber informação, ser co-autor ou participar de um

processo desse naipe (…) A gente não tem contato com o início da cadeia e também

não tem nenhum outro tipo de contato com a realidade, né? O que é a realidade pra

gente? A realidade é a caixinha do leite lá, que a gente acha que o cara tirou

bonitinho com a mãozinha e botou na caixinha” (Raul).

Este último comentário, de Raul, está de acordo com o estudo qualitativo de Bekin et

al (2007) que mostrou o comportamento alienado dos consumidores em relação aos

reais impactos das suas escolhas de consumo. O consumo parece ser percebido,

portanto, como sendo algo separado da produção e do descarte. A “caixinha” a que

se refere o entrevistado está associada à conveniência, que tem assumido

importância cada vez maior no processo de consumo.

Daniele e Marcos, entretanto, classificaram as imagens apresentadas como cenas

de crueldade, mas disseram não acreditar que uma mudança na forma de criação

dos animais fosse possível, em função da grande demanda da população, e, por

isso, continuariam comprando e consumido da mesma forma. Mesmo assim, Marcos

admitiu que pagaria até 50% a mais pela carne certificada.

“Não parece uma criação normal de animais. Parece tudo muito doloroso para o

animal. (…) Não imaginava também que era assim. Mas isso também não influencia,

isso não vai me influenciar. Aí que tá, por mais que eu ache que isso é uma

crueldade, que é uma sacanagem com os animais, isso não influencia a minha

compra. Não sei se isso é ruim, se é feio” (Daniele).

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Ao final da entrevista Daniele diz ter se sentido muito mal:

“Parece que eu gosto de ver os animais sofrendo e se eles sofrerem eu compro”.

Tal comportamento pode ser comparado aos achados de Carrigan e Attalla (2001).

Seus entrevistados sentiram-se desconfortáveis, mas não o suficiente para mudar a

decisão de compra, justificando e tentando racionalizar seu próprio comportamento.

Marcos, por sua vez, demonstra ter este conflito amenizado em função da morte do

animal, que acontecerá em ambos os produtos (certificado ou não):

“Tá legal, vamos dar uma morte digna a esses bichos, mas eles vão morrer de

qualquer jeito”.

A sequência mais citada, como as imagens que mais chamaram a atenção dos

entrevistados, foi aquela relacionada à criação de aves:

“pela questão da fragilidade, né? Porque o gado você acredita que é maior, é mais

forte (…)” Alice.

A importância do selo de garantia de bons tratos, bem como a disposição a pagar

por ele, também foram revistas pelos entrevistados e, em geral, a mudança foi

grande. Além da maior disposição a pagar, os entrevistados enfatizaram a

importância da mudança de hábitos:

“Não fazia ideia não. É muito difícil você também ver assim e não mudar nada,

mudou realmente (…) Eu recebi informação e isso faz toda diferença. Se eu dei três

a quatro, agora dou nove a dez. E pagaria 30% a mais também” (Raul).

Quando questionado sobre uma diferença de 50% no preço, Raul complementa:

“Talvez. Tem que ver o que é efetivamente custo do processo e o que os caras

começam a ganhar valor agregado em cima daquilo, em cima da boa fé da galera”.

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Alguns afirmaram que estariam dispostos a reduzir a quantidade de carne

consumida, caso o aumento de preço fosse muito grande (100%):

“Com certeza eu aumentaria, não seria mais 30%. Ou então, diminuiria, em vez de

comprar um kilo de carne por semana, eu não sei quanto eu compro de carne hoje,

com certeza eu ia comer menos. Posso pagar o dobro e como a metade, uma coisa

assim, que aí melhora dos dois lados” (Alice).

“Eu pago o que for mesmo. Depois que eu vi esse vídeo, eu pago o que for. Eu não

vou contribuir para esse troço (…) Se for absolutamente mais caro eu vou parar de

comer (…) 100% mais caro eu não vou comprar. Eu vou escolher um outro produto

que me dê aquela proteína e não vou comer mais a carne. Mas eu fiquei bem mais

sensível ao preço mais caro”(Juliana).

Quando incentivados a pensar sobre as razões que levaram ao processo intensivo,

visto no vídeo, os entrevistados apontam o excesso de consumo e o excesso de

pessoas, consumindo cada vez mais e o “excesso” das empresas em cortar custos e

mecanizar os processos, não respeitando a vida dos animais. A quantidade de carne

consumida, na opinião de alguns entrevistados, é exagerada, mas Alice considera

que esta é uma questão cultural:

“(…) no Brasil isso é muito cultural, né. Você tem que ter um amido, tem que ter uma

proteína de carne (…) arroz, feijão, carne e uma salada”.

“Muita gente consumindo muito (…) chega a um nível que é complicado, é custoso,

custa tempo você fazer de outra forma”(Karina).

“Eu acho que tem um meio termo aí que você não precisa fazer aquela coisa assim

super manual, super orgânico, não precisa disso também porque eu acho que isso é

meio irreal. Mas também isso aqui que eu vi me parece que é o outro extremo, que é

fazer de tudo, usar de todos os sacrifícios (…) e tirar o máximo de proveito possível,

tornar aquele negócio mais lucrativo possível (…) Sem limite, é isso que eu estou

falando. Da ganância, porque ali já passou do lucro (…) se elas (as pessoas que

consomem) sabem de um negócio desses, elas não topam mais isso. Eu acho que

não combina mais com a nossa era” (Poliana).

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As opiniões se dividem com relação à importância da transparência na divulgação

das informações sobre o processo de criação dos animais por parte dos produtores.

Alguns afirmam que esta informação deveria chegar, mas não sabem qual deveria

ser a fonte, se a empresa, ou outra organização. A razão apresentada para tal

opinião é o fato de as imagens e o assunto não serem algo “agradável”. Karina

afirma que em sua opinião, os cuidados com o bem-estar do animal são uma

obrigação dos produtores, e que não deveria haver recompensa para os mesmos.

“Quando um produtor começa a fazer, os outros também acompanham. Do mesmo

jeito que uma empresa tem que ter obrigação com o meio ambiente, tipo a Petrobras

(…) eles poderiam ter e não ser recompensados por isso”.

Esta obrigação dos produtores, destacada por Karina, está relacionada à

importância que McInerney (2004) atribui às leis e regulações, para o

estabelecimento de padrões mínimos aceitáveis pela sociedade no tratamento aos

animais. Flavia, por sua vez, acredita que uma mudança na forma de criação dos

animais só é possível a partir da mudança de comportamento dos consumidores.

A importância da credibilidade da organização certificadora é uma questão reforçada

pelos entrevistados. Na opinião de Daniele, esta certificação não poderia ser dada

por uma organização protetora dos animais.

Mudanças na intenção de compra da carne certificada após terem acesso à

informação sobre os métodos utilizados pelos produtores parecem estar em linha

com aquilo que Carrigan a Attalla (2001) afirmaram sobre os consumidores

investigados em seu estudo. A grande quantidade de informação a que estão

expostos pode afetar mais o comportamento de compra do que o interesse em

conhecer produtos éticos ou a disponibilidade desses produtos no mercado. Muita

informação, pouco tempo e busca por conveniência reforçam a importância de

identificações com selos que atestem a procedência de produtos (GALLASTEGUI,

2002).

Seguem dois quadros-resumo: o primeiro relaciona os principais fatores de

influência na decisão de compra de carne encontradas no comportamento dos nove

entrevistados, em contextos regulares e de decisão ética; e o segundo, resume as

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decisões relacionadas à importância do selo na compra de carne, antes e depois do

vídeo, para os entrevistados.

Quadro 8 – Atributos considerados na compra de carne antes e depois do vídeo

Atributos considerados na compra de

carne (ANTES DO VÍDEO)

Atributos considerados na compra de

carne (DEPOIS DO VÍDEO)

- cor

- maciez

- cheiro

- valor nutricional

- praticidade no preparo (já fatiado, por

exemplo)

- quantidade de gordura

- sabor (tipo do corte)

- região de origem e suas características

geográficas)

- Imagem do varejista (higiene, imagem

de preço, confiança)

- Localização do varejista

- Volume de carne a ser comprado

- Tempo disponível para as compras e

presença de filhos pequenos

- Compra corriqueira ou eventual (em

ocasiões especiais)

- Preço

- Marca*

- Influência da diarista

*para carnes processadas ou congeladas

prioritariamente

- Todos os fatores influenciadores da

compra regular

- Conhecimento sobre métodos de

criação

- Credibilidade da fonte da informação

sobre os métodos de criação

- Volume de produtos certificados

disponíveis nos varejistas

- Ausência de hormônios*

- Saber que o método de criação

influencia a saudabilidade

- Credibilidade da organização

certificadora

- Otimismo / esperança em mudanças

positivas da indústria

- Quantidade de informações comerciais

a que são expostos os consumidores

* para carne de frango, prioritariamente

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Quadro 9 – Resumo do comportamento dos entrevistados antes e após o vídeo

4.2 O ESTUDO QUANTITATIVO

A amostra final foi de 468 questionários. Os gráficos abaixo representam

características sociodemográficas da amostra: predominantemente feminina (63%

de mulheres), faixa de idade concentrada entre os 21 e 40 anos, elevado grau de

instrução, já que mais de 50% possuia pós graduação (57%) que quando somados

aos 40% com nível superior, chegavam a quase 100% da amostra. Além disso,

pertencententes a classes econômicas de renda mais alta. A faixa de renda

domiciliar mensal considerou o valor do salário mínimo no estado do Rio de Janeiro

na época da pesquisa (R$ 581,88), sendo que parte considerável da amostra

encontrava-se nas faixas entre cinco e vinte salários mínimos de renda familiar

mensal.

Outra caracterísitica dos respondentes que merece ser destacada é o fato de, em

sua maioria, serem os próprios responsáveis pela compra de alimentos em seus

domicílios (mais de 50%) ou os principais influenciadores da decisão (cerca de 30%

são filhos dos decisores e, portanto, têm papel importante na decisão de compra de

alimentos e carne).

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A amostra não probabilística desse estudo exploratório, dessa forma, parece ter sido

influenciada pela rede de respondentes acionada a partir de uma instituição de

ensino de pós graduação e também pelo meio de coleta de dados utilizado, a

internet.

Masculino37%

Feminino63%

Gênero

Até 20; 3%

Entre 21 e 40; 73%

Acima de 41; 24%

Idade

Ensino médio; 3%

Ensino superior;

40%

Pós-graduação;

57%

Nível de instrução

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4.2.1 Antes do filme: amostra já sensível mesmo sem conhecimento

O estudo qualitativo já havia sugerido que, normalmente, as pessoas não pensam

ou procuram não pensar no animal vivo ao comprar ou consumir carne. Com efeito,

87% dos respondentes têm dificuldades de conectar o alimento que consomem ao

animal vivo. Além disso, os respondentes possuem pouca familiaridade com o

processo de criação de animais para corte e consumo (76%). Em geral, eles não

têm ideia de como são tratados os animais nas fazendas industriais.

No entanto, quando estimulados a parar para pensar no dia-a-dia destes animais,

97% dos respondentes concordam que animais são seres capazes de sentir dor,

medo e stress e quase 90% acreditam que métodos de criação, transporte e abate

podem causar sofrimento. Mesmo tendo poucas informações sobre as condições de

criação dos animais vivos, 40% afirmaram que as informações sobre o sofrimento

dos animais afetariam sua propensão ao consumo de carne e quase 70% da

amostra, mesmo antes de assistir ao vídeo com as cenas do cotidiano dos animais

de produção, considerou importante na decisão de compra de carne um selo que

garanta que o animal não sofreu maus-tratos.

Quando incentivados a imaginar uma situação de compra de carne em um

supermercado, com duas opções, sendo uma certificada e a outra não, quase 90%

da amostra escolheu a opção com o selo. Tal resultado era esperado, visto que a

diferença de preço ainda não tinha sido apresentada. Além disso, de acordo com

Até 3 salários

mínimos; 7% Entre 3 e

10 salários mínimos;

34%

Acima de 10 salários mínimos;

59%

Faixa de Renda Domiciliar Mensal

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Broom (2010), é normal as pessoas considerarem que tem obrigações em relação

aos animais que lhe servem, demonstrando comportamento de cuidado.

Em seguida, entretanto, era apresentada aos participantes a necessidade de fazer a

escolha do selo levando em consideração diferentes faixas de preço para o produto

certificado buscando investigar quanto estas pessoas estariam dispostas a pagar a

mais pelo benefício, ou seja, por um selo que garantisse que os animais não

sofreram maus tratos. Os resultados, ilustrados pelo gráfico 1 abaixo, mostram que

apenas cerca de 14% dos respondentes não estariam dispostos a pagar mais caro

pela certificação. Os demais, mais de 400 disseram que pagariam mais: 31,8%

pagariam até 20%, 21,8% pagariam até 40% e 32% estariam dispostos a pagar mais

de 40%.

Gráfico 1 – Disposição a pagar pela carne certificada (antes do vídeo)

Reforçamos aqui o fato de que a diferença de preço apresentada aos respondentes

não significa que o produto certificado teria necessariamente um custo mais alto –

alguns estudos demonstram que, ao contrário, pode haver redução de custos (DA

COSTA, 2002). Tal adicional de preço apresentado na questão buscou atribuir valor

monetário às preferências das pessoas por terem a garantia de que os animais não

sofreram maus tratos, tendo como referência a metodologia de Disposição a Pagar

(MITCHELL; CARSON, 1989).

14,5%

31,8%

21,8% 22,2%

9,6%

Nada Até 20% De 21% a 40% De 41% a 70% Acima de 70%

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O grupo de mais de 60 respondentes que disse não estar disposto a pagar a mais

pela carne certificada foi convidado a responder, em uma questão aberta, qual seria

o motivo da escolha. Foram deixados 43 comentários e apenas dois depoimentos

admitiram não ver qualquer valor no selo.

Foram anotadas várias justificativas que questionavam se de fato uma produção

diferenciada em relação aos maus tratos dos animais teria custos superiores ou não

seriam apenas uma forma de aumentar os lucros dos produtores. Alguns citam a

desconfiança que teriam em um selo como este, questionando o comportamento

oportunista que poderia haver por parte dos produtores. Outros, ainda, acreditam

que tratar bem os animais é uma obrigação do produtor e que tal garantia deveria

ser objeto de regulação como sugerem os depoimentos abaixo. Tal postura pode ser

caracterizada como uma “resposta de protesto” (MITCHELL; CARSON, 1989). As

respostas de protesto, comuns em pesquisas que buscam avaliar a disposição a

pagar por bens públicos, normalmente são excluídas das análises, visto que podem

não ser um indicativo dos valores reais do respondente e, portanto, causar um viés

no resultado da pesquisa.

“(...) nao sei dizer se tratar melhor o animal é mais custoso ou não. Tendo a pensar que usar

homeopatia ao invés de alopatia, e tratar os bichos com mais dignidade diminuiria a escala e talvez

afetasse no custo, mas em outras culturas orgânicas muitas vezes há compensações que acabam

por fazer com que o custo de fato não se altere. E se há ganho de margem talvez o produtor ou

comerciante devesse dividir com o cliente e nao apenas ver o selo como possibilidade de aumentar

seus lucros.”

“Não entendo como o abate e criação sistêmica de grande volume pode ocorrer sem que ocorram maus tratos aos animais.”

“Não faria a relação do selo com o preço. Vejo que é obrigação do criador.” “Não confio em boa parte dos certificados, que são comprados.”

4.2.2 Identificando grupos

Quais são os consumidores de carnes que merecem mais atenção das empresas

em relação a questão dos maus tratos dos animais no processo industrial? Buscou-

se diferenciar alguns grupos a partir de características dos respondentes como, por

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exemplo, aqueles mais interessados na certificação que indique a procedência da

carne, isto é, que indique que os animais não sofreram maus tratos.

GRUPO 1 - Inicialmente procurou-se compreender aqueles que responderam que

“discordavam totalmente” da afirmativa “saber que o animal sofre não afeta o meu

consumo de carne” (questão 15). O que caracteriza esse grupo que se declara mais

sensível às informações sobre os maus tratos dos animais?

corresponde a aproximadamente 24% do total da amostra;

65% comem carne sempre ou frequentemente;

têm disposição a pagar bem mais caro pela carne certificada, se comparados

ao total da amostra (ver Gráfico 2);

procuram se informar sobre a origem e os padrões éticos e ambientais dos

alimentos que consomem;

cerca de 7 a cada 10 respondentes deste grupo, declararam que

verificam o rótulo dos alimentos;

Aqueles que verificam os rótulos parecem dar importância a padrões

éticos e ambientais de produção (57%) e aos selos de certificação

(65%).

Essas informações podem caracterizar um nicho de mercado com consumidores

mais sensíveis em relação aos maus tratos de animais que pode sinalizar uma

mudança de padrões de consumo já que não apenas esse grupo, mas o total da

amostra desse estudo apresentou disposição a pagar preços mais elevados pela

carne certificada. Este é um resultado relevante da pesquisa, devendo merecer

estudos adicionais.

Gráfico 2 – Disposição a pagar preço adicional pela carne certificada com ausência de mau-tratos aos

animais – antes do video (questão 15 do questionário, opção “discordo totalmente”, comparada com o

total da amostra)

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GRUPO 2 - Depois do grupo de respondentes mais sensíveis aos maus tratos

animais, buscou-se caracterizar também o grupo que declarou conhecer bastante

sobre o processo de criação formado por cerca de 112 pessoas (24% da amostra).

Como diferenciar esse grupo?

Consomem carne frequentemente (72%);

Dão importância a informações presentes nos rótulos: “padrões éticos e

ambientais de produção” (50%) e aos “selos e garantias”(55%);

Declaram que procuram se informar sobre a origem e os padrões éticos e

ambientais dos alimentos que consomem (70%);

Esse grupo que conhece o processo de produção foi o que atribuiu maior

importância aos selos de qualidade e aos métodos de criação e abate dos animais

quando comparados ao total da amostra. As características desse grupo podem ser

uma indicação da importância que o acesso à informação sobre o processo de

criação dos animais pode ter no processo de consumo de carne.

GRUPO 3 - Decidiu-se também caracterizar o grupo que declarou consumir com

frequência produtos orgânicos (25% da amostra) pois eles se destacaram em alguns

aspectos quando comparados ao total da amostra:

9,7%

20,4%

23,0% 23,0% 23,9%

14,5%

31,8%

21,8% 22,2%

9,6%

Nada Até 20% De 21% a 40% De 41% a 70% Acima de 70%

Discordo totalmente

Total amostra

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93

66% consomem carne com frequência;

São muito preocupados com a questão dos selos e garantias;

Concordam que é importante ou muito importante buscar informações sobre a

origem e os padrões éticos e ambientais de produção dos alimentos que

consomem (97%). Cerca de 8 a cada 10 afirmam que buscam tais

informações;

76% do grupo dão grande importância aos selos de qualidade, sendo que,

para os que sempre consomem orgânicos, esta característica é uma das três

mais importantes no momento de decidir a compra;

Além disso, 6 em cada 10 dão grande importância ao método de criação e

abate dos animais;

70% consideram que um selo que garantisse que o animal foi tratado sem

crueldade seria muito importante na sua decisão de compra de carne -

enquanto para o total da amostra, este resultado cai para 54%;

Cerca de 60% estariam dispostos a mudar o local de compra de alimentos

para encontrar o produto certificado.

Este, portanto, parece ser um segmento de grande importância para o mercado de

selo de BEA, com destaque para uma maior presença feminina no segmento: 74%

versus 63% na composição total da amostra.

Gráfico 3 – Consumidores de orgânicos - disposição a pagar preço adicional pela carne certificada

com ausência de mau-tratos aos animais – antes do vídeo (questão 6 do questionário, opções

“sempre” e “frequentemente”, comparada com o total da amostra)

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Outras características e relações identificadas parecem merecer atenção especial no

grupo de respondentes:

O costume de verificar rótulos. Dentre aqueles que responderam que

sempre verificamr os rótulos (94 pessoas), há também um grande número

que considera que padrões éticos e ambientais de produção, bem como selos

e garantias, são importantes ou muito importantes (60%).

O interesse daqueles pela carne certificada coincide com o consumo mais

frequente de alimentos orgânicos em geral (cerca de 25% da amostra). Este

grupo também tem disposição para pagar mais caro pela carne certificada se

comparado ao total da amostra (Gráfico 3). Além disso, 65% consideram

padrões éticos e ambientais importantes ou muito importantes.

Dentre as 416 pessoas (89% da amostra) que concordam que animais são

seres capazes de sentir dor, medo ou stress, mais de 50% estariam dispostos

a mudar o local de compra para encontrar a carne certificada, sendo que

metade destes com a ressalva de o local não ser muito longe.

5,1%

25,4%

22,0%

29,7%

17,8%

14,5%

31,8%

21,8% 22,2%

9,6%

Nada Até 20% De 21% a 40% De 41% a 70% Acima de 70%

Consumidores de orgânicos

Total amostra

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95

4.2.3 Após o filme: sinais de mudança

Após o vídeo, o comportamento dos respondentes sofreu mudanças, como ilustram

os gráficos abaixo. O primeiro evidencia o aumento na disposição a pagar nas faixas

acima de 40%.

Gráfico 4 – Disposição a pagar pela carne certificada antes e depois do vídeo (total da amostra)

O gráfico 4 sugere o impacto que o conhecimento sobre os métodos de produção

pode ter no comportamento dos consumidores. Ter acesso a um pequeno vídeo

através da internet, hoje, é algo cada vez mais comum, devido ao rápido avanço das

redes sociais. Por isso, tal resultado deve ser avaliado com atenção, por empresas

do setor. Os processos produtivos praticados hoje parecem não estar em linha com

o que a maioria dos respondentes da pesquisa julga ser algo éticamente aceitável. O

resultado pode ser visto como uma ameaça por muitas empresas, visto que as

imagens transmitidas no vídeo correspondem ao padrão predominante na pecuária

industrial no Brasil. A mudança demonstrada pelos respondentes, porém, pode ser

vista como oportunidade de negócios para aquelas empresas que liderarem uma

mudança nos padrões de criação de animais.

14,5%

32,1%

21,8% 22,3%

9,4%

12,0%

20,0% 19,6%

30,6%

17,8%

Nada Até 20% De 21% a 40% De 40% a 70% Acima de 70%

Antes do vídeo

Depois do vídeo

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Com relação à importância na decisão de compra de carne de um selo que

garantisse que o animal foi tratado sem crueldade, os respondentes apresentaram

uma maior concentração nas faixas de maior importância, conforme ilustra o gráfico

5.

Gráfico 5 – Importância de um selo garantindo que não houve maus tratos antes e depois do vídeo

Grande parte da amostra (67%) acredita que conhecer os padrões de criação de

animais e produção de carne é importante nas decisões de compra e consumo de

carne.

Após assistir o vídeo, 82% esperam mudanças em seu consumo futuro de carne,

seja evitando ou reduzindo o consumo, seja optando apenas por produtos orgânicos

ou com selo de BEA; 40% da amostra esperam que seu consumo futuro aconteça

apenas quando a carne for orgânica ou apresentar certificado de BEA. Este

resultado, entretanto, poderia se alterar caso existissem alternativas de carnes

certificadas nos supermercados. Uma participante da pesquisa, por exemplo, entrou

em contato com a pesquisadora esclarecendo que não havia optado pela alternativa

acima, visto que sabia que não encontraria tal produto para comprar. Mas sentiu

falta de uma opção no questionário que deixasse isto evidente.

5,1% 5,8% 6,7%

14,5% 14,0% 13,6%

40,3%

2,4%4,0% 3,8%

7,6%9,6%

14,0%

58,6%

1 Nem um pouco

importante

2 3 4 5 6 7 Muito importante

Antes do Vídeo

Depois do vídeo

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O selo nas embalagens dos produtos é o meio mais adequado, na opinião dos

respondentes, para receber informações sobre BEA. Em seguida aparecem a

comunicação através da televisão e as ações no ponto-de-venda.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou investigar as reações dos consumidores de carne ao

tomarem conhecimento dos padrões de manejo dos animais de produção. Desde o

início da pesquisa buscou-se evitar o maniqueísmo presente em muitas discussões

relacionadas ao tema, que contrapõem consumidores de carne e não consumidores

(vegetarianos e veganos), atribuindo a culpa dos problemas relacionados ao tema

da pecuária industrial ao consumo de carne. É verdade que tanto o sofrimento dos

animais como grande parte dos problemas ambientais e sociais são fruto do

aumento da produção e consumo de carne (e alimentos de origem animal) nas

últimas décadas. Entendemos, no entanto, que mudanças de comportamento

acontecem passo-a-passo e podem ser frutos diretos de um aumento de

conscientização da sociedade. Por isso concordamos com Barnett et al (2005),

quando afirmam que o consumo ético ou sustentável é um potencial recurso de

mudança de práticas e padrões e está ligado a debates e estratégias nas quais o

consumo pode ser um caminho para a ação moral e política.

Os processos de transporte, criação e abate são distantes dos consumidores, já que

não são imagens agradáveis de ver, se comparadas com plantações em campos

verdes e ensolarados. A imagem descrita pelos entrevistados, quando tentavam

pensar no assunto “animais ainda vivos”, antes do choque de realidade apresentado

em vídeo, correspondia por vezes às românticas paisagens bucólicas presentes em

comerciais, rótulos e embalagens dos produtos. Esta visão pode estar relacionada a

vários fatores, que vão de falta de informações, tempo e curiosidade, à falta de

produtos certificados nos canais de distribuição.

E se as fazendas industriais tivessem “paredes de vidro”? A exibição das imagens

da realidade despertou em alguns revolta e culpa (fato que pôde ser observado com

mais profundidade na fase qualitativa), sentimentos expostos pelos entrevistados

quando viam-se fazendo parte de um sistema percebido como não ético e danoso.

As informações sobre a realidade transmitidas pelo vídeo tiveram um impacto

contundente; mudaram não só a importância atribuída pelos entrevistados aos

métodos da pecuária industrial, como também a importância que davam aos selos

de certificação. Eles reconsideraram, inclusive, um sensível incremento do preço

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que estariam dispostos a pagar por uma carne certificada. Tal diferença de preço

representa a percepção de valor dos respondentes a um atributo que antes, para a

grande maioria deles, não existia ou não era relacionado diretamente ao produto. “O

que é bem-estar animal?” questionou a primeira entrevistada, evidenciando a falta

de conhecimento que se repetiu posteriormente. Como atribuir valor a algo que não

se conhece, ou nunca tenha sido provocado a refletir?

Desta maneira, apesar deste ser um estudo exploratório, existem evidências de que

um selo garantindo a ausência de maus tratos no processo produtivo da carne teria

boa aceitação pelo mercado consumidor, caso o público seja corretamente

comunicado sobre as diferenças dos padrões de manejo no bem-estar dos animais

que este implicasse. Um segmento que despontou como sendo uma boa alternativa

de público-alvo inicial para o selo é o grupo formado por consumidores de alimentos

orgânicos. Porém, são necessários estudos mais aprofundados e conclusivos que

esclareçam a questão da segmentação de mercado para a carne certificada.

Uma alternativa interessante para a concepção do selo, dessa maneira, é considerar

o uso do termo “carne orgânica”, agregando-se ao esquema de rotulagem os

requisitos de bem-estar animal. Alguns produtores de carne, como a Friboi e a Taeq,

já utilizam o termo e citam padrões de bem-estar animal, porém, sem uma

certificação específica bem compreendida e divulgada para tanto. Tal alternativa

privilegiaria o conhecimento, ainda que restrito, de um grupo de consumidores a

respeito do significado do termo orgânico, que, em geral, considera as questões

ambientais e sociais na concessão da certificação. O uso do termo “orgânico”,

entretanto, não reduz a importância de uma campanha educativa da opinião pública,

alertando sobre a atual situação dos animais nas fazendas industriais e as aviltantes

práticas associadas a ela. Isto porque o termo bem-estar animal, no Brasil, parece

não transmitir com fidelidade o que em outros países é melhor compreendido.

Alguns estudos analisados revelam que o tratamento respeitoso aos animais é algo

que não necessariamente implica custos mais elevados. Pode-se, inclusive, obter

ganhos de produtividade sem a necessidade de grandes investimentos. Apesar de o

preço ser um critério importante de escolha de um produto desta categoria, os selos

de certificação – que têm crescido especialmente no setor de alimentação – podem

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adicionar valor percebido do produto e possibilitar ganhos de imagem e mercado. As

empresas do setor que derem atenção às práticas de bem-estar animal poderão,

ainda, se beneficiar de prováveis melhorias de relacionamento com suas empresas

parceiras e seus acionistas.

Por outro lado, continuar agindo de forma reativa, não tratando adequadamente o

tema bem-estar animal em seus padrões de manejo, nem em seu discurso

institucional – através dos relatórios de sustentabilidade, por exemplo – pode

representar um grande risco para as empresas do setor. Cabe a elas a abertura de

um diálogo transparente com os diversos stakeholders da cadeia produtiva, na

tentativa de preparar-se para futuros imperativos que começam a se desenhar, a

exemplo de alguns países que já aprovaram leis restritivas a práticas consideradas

cruéis. Algumas ONGs (organizações não-governamentais) estão tendo sucesso ao

disseminar imagens e discursos com o objetivo de conscientizar a população. A

internet, neste sentido, é uma ferramenta de comunicação que facilita e potencializa

esta tarefa.

A iniciativa de aproximação com ONGs, governo e entidades reguladoras,

instituições de pesquisa, sindicatos de funcionários, fornecedores, varejistas e

distribuidores, mídia e consumidores; traria luz a um tema que hoje pode estar

sendo menosprezado pelas grandes empresas do setor de alimentos no Brasil.

A dificuldade de medir os impactos de determinado produto no ambiente, problema

pertinente às ecolabels, parece não se aplicar a um selo de bem-estar animal. Ao

contrário, conforme descrito por estudos realizados no Brasil por Da Costa (1997) o

bem-estar animal pode ser medido de maneira objetiva e científica, independente de

considerações morais. É algo que se refere ao processo produtivo em si. Trata-se de

uma característica do animal que pode ser controlada pelo produtor, segundo

padrões pré-estabelecidos.

Os resultados desse estudo exploratório demonstram que ter acesso às informações

sobre práticas utilizadas no processo produtivo das carnes em geral pode implicar,

pelo lado dos consumidores, em mudanças negativas para a indústria e varejo de

carnes, como redução de consumo e migração para substitutos. Pelo lado dessas

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empresas, no entanto, esses achados podem ser vistos como uma oportunidade de

antecipação a uma nova consciência crítica trazida à tona pela economia da

informação ou mesmo uma oportunidade de começar a trabalhar para atender os

anseios de grupos de consumidores mais preocupados com a ética e com a

sustentabilidade. A internet trouxe poder aos grupos organizados que denunciam

práticas que considerem abusivas e não éticas, como a crueldade contra os animais.

O vídeo produzido pela organização da sociedade civil PETA com a participação de

Paul McCartney, chamado “Paredes de Vidro17” é apenas um dos muitos exemplos

que estão na web.

Dessa maneira, um dos grandes desafios é buscar alternativas efetivas de

apresentar o tema aos consumidores. Indústrias que operam com temas

considerados danosos para a sociedade, como o fumo, por exemplo, tiveram

restrições drásticas à distribuição e comunicação com seus consumidores, sendo

impelidas a estampar cenas fortes de degradação física em suas embalagens. Uma

postura que busque liderar processos de mudança e que priorize a educação da

sociedade e do mercado consumidor, por sua vez, pode beneficiar a indústria de

carne, preparando as empresas para um futuro com regras e leis mais rígidas. É

papel também das grandes empresas do setor, comunicar e esclarecer a

importância das escolhas de consumo para o equilíbrio das relações entre o homem

e os animais.

O impacto de mercado de um esquema de rotulagem está diretamente relacionado

ao nível de conhecimento sobre questões ambientais e sociais. Para que o

consumidor se disponha a comprar um produto que eventualmente custe mais caro,

ele precisa entender o que aquele símbolo/certificação oferece de diferente em

relação aos demais produtos, reconhecer a importância e a transparência dos

terceiros envolvidos no processo de certificação e crer na lisura de todo o sistema.

O selo, portanto, aparece como uma boa alternativa. A idéia de unir a garantia de

uma prática ética e sustentável com a questão da saúde do indivíduo deve ser

cuidadosamente considerada pelas empresas e órgão reguladores. Apelos

17

Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=R4YX_iVWIe0

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promocionais não podem ser confundidos com os padrões efetivamente praticados.

Afinal, o consumidor precisa acreditar em características que não estão visíveis

quando ele tem acesso ao produto.

É crescente a disposição dos consumidores para agir e contribuir positivamente em

assuntos relacionados não só a bem-estar animal, mas também em outras questões

sócio-ambientais. Algumas empresas estão identificando estas mudanças e

buscando formas de ajudar os consumidores a cumprir este papel. A possibilidade

de certificação de produtos para empresas produtoras de carne, através de um selo

de bem-estar animal, pode ser uma oportunidade de mercado para empresas que

busquem acompanhar estas mudanças de comportamento dos consumidores e que

estejam atentas a novas dinâmicas sociais.

É importante, por fim, que se realizem mais pesquisas sobre o tema, buscando

respostas mais precisas e conclusivas com relação ao tamanho e às características

deste mercado, aprofundando a compreensão do tema com outras metodologias de

pesquisa, como experimentos no ponto-de-venda, por exemplo. Um campo fértil de

investigação envolve a utilização de novas tecnologias de comunicação, com o uso

de etiquetas inteligentes, que dão acesso a informações como certificações,

indicadores de sustentabilidade e detalhes do processo produtivo dos produtos

(informações que podem ser positivas ou negativas para as marcas). Desde

aplicativos para telefones celulares (como o Good Guide), até displays no ponto-de-

venda que informem, através de recursos áudio-visuais, detalhes dos processos

produtivos, indicadores de sustentabilidade e padrões éticos de produção; inúmeras

são as possibilidades que a tecnologia oferece, facilitando o processo de

comunicação de empresas com seus consumidores. Outras questões propícias

para mais investigações seriam o comportamento de outros stakeholders desta

indústria; outros tipos de VBLs, envolvendo outros temas, bem como outras

categorias de produtos.

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ANEXOS

ANEXO A - ROTEIRO PARA ENTREVISTA EM PROFUNDIDADE

Hábitos alimentares

Na sua vida, você se recorda de alguma mudança na sua alimentação? Por quê?

Fale um pouco sobre o que você gosta de comer no seu dia-a-dia?

Como você então caracteriza os seus hábitos alimentares?

E da sua família?

Quais são as preferências de comida da família nos momentos de celebração?

Compra dos alimentos

Quem é que faz as compras de comida em sua casa?

Descreva como é isso? (Quantas vezes por semana, onde faz as compras, por

que escolhe estes lugares) – me explica isso melhor. Por quê? (preço, qualidade,

marca, procedência, garantias)

Você se lembra de alguma situação em que o rótulo de um alimento foi

importante na sua decisão (comprar ou não comprar? Como?)

Você costuma ler os rótulos ao comprar comida? Tem algum tipo de alimento

que você costuma ler mais? Que informações você busca? Que tipo de

informação você acha que falta nos rótulos? E as pessoas na sua família, são

como você?

Você se lembra de exemplos de selo ou certificação em alimentos? Eles já lhe

foram úteis alguma vez? Descreva.

Aspectos do comportamento ético e consumo de carne

Qual o tipo de carne preferida na alimentação da sua família?

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Você acha que nos últimos tempos o seu consumo de carne está aumentando ou

diminuindo?

Quantas vezes você consome carne por semana?

Como é o processo de compra de carne (o que mais influencia a decisão: preço,

qualidade, marca, procedência...)

O que você pensa dos produtores de carne em geral?

O que você acha sobre as informações que constam nos rótulos sobre a origem

e a forma que foi feita a carne?

Você costuma pensar na origem da carne ao comprar ou consumir?

Você se lembra de alguma situação em que você pensou nos animais vivos

antes de comprar a carne? E antes de comer?

Imagine que você está em um supermercado e tem duas opções de carne: uma

delas é a convencional, com informações nutricionais exigidas por lei; a outra,

além dessas informações, tem um selo que garante o bem-estar do animal na

criação e no transporte, o que você faria?

E se ela custar mais caro? E se for muito mais caro?(10 %, 30%, 50%)

Você já teve alguma informação sobre a origem e como as empresas (frigoríficos

e criadores) criam os animais e processam a carne? Já ouviu falar a respeito?

Se não, gostaria de ter?

Você acha que as empresas deveriam informar melhor sobre isso? (condições

em que os animais são criados (muito ou pouco)?

Como você gostaria de ser informado? (na própria embalagem do produto, ou

nos meios de comunicação?)

No caso da embalagem, como você imagina que seria este rótulo? E o selo

(figura - sistema de score com cores, estrelas ou uma imagem; texto)

Numa escala de um a dez, onde dez é muito importante, o quanto este tipo de

selo seria importante na sua decisão de compra e consumo de carne?

O que você acha de um selo para as carnes embaladas, denominado “garantia

de bons tratos ao animal”?

Você mudaria o local de compra de alimentos para comprar produtos com

garantia de bons tratos aos animais?

Você acha que os produtores que tiverem custos adicionais por cuidarem do

bem-estar dos animais, deveriam ser recompensados por isso?

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VÍDEO

O que você viu no vídeo?

Numa escala de um a dez, onde dez é muito importante, o quanto este tipo de

selo seria importante na sua decisão de compra e consumo de carne?

E se ela custar mais caro? (10 %, 30%, 50%)

Como deveria ser este selo, rótulo? E de outras formas, como você gostaria de

ser informado?

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ANEXO B – QUESTIONÁRIO FASE QUANTITATIVA

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ANEXO C – DESCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS

No presente capítulo são apresentadas as descrições das entrevistas de cada um

dos entrevistados, de acordo com as quatro categorias de análise apresentadas no

capítulo de metodologia.

4.1 ENTREVISTADO 1 – Amanda, 27 anos, é jornalista e reside no bairro de

Copacabana. Nascida no estado do Rio Grande do Sul, está no Rio de Janeiro

desde 2006. Mora com o marido e uma filha de dois anos. Ela foi a única

entrevistada a não ter assistido o vídeo, porém, foi em função da sua entrevista, que

percebeu-se a necessidade do material.

a. Hábitos de compra de carne e alimentos

Amanda não gosta de ir às compras e nem de cozinhar. Como ela e o marido

trabalham fora e a filha vai para a creche, não se preocupa muito com as refeições

em casa pois eles almoçam em restaurantes, e a filha na creche. Em casa, à noite,

preferem fazer refeições do tipo lanche ou jantam algum coisa deixada pela diarista.

Nos finais de semana a família também almoça fora de casa. Seu marido consome

muito mais carne do que ela.

O casal vai às compras de alimentos juntos, inclusive com a filha, uma vez por

semana, e a diarista faz uma compra no Hortifrutti. Só compram em locais que

confiam em função da qualidade do que oferecem. Amanda prefere condimentos

naturais e a diarista costuma utilizar os prontos (caldo de carne). A diarista tem certa

autonomia nas compras inclusive na escolha do tipo de carne. Ela lembra, porém, de

alguns tipos de conflitos gerados por essa autonomia como por exemplo os

temperos, que prefere os naturais, enquanto a diarista compra os industrializados.

Qualidade para ela é sabor, que está relacionado ao tempo correto de

amadurecimento das frutas e verduras, por exemplo, e ela procura se informar com

os funcionários dos PDVs a respeito da origem dos alimentos frescos. Por isso,

Amanda não se importa em pagar um pouco mais caro pelos alimentos. Ela também

tem algumas marcas das quais não abre mão e, por elas, paga também um pouco

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mais caro. Em uma época de sua vida, com cerca de 14 ou 15 anos, ela diz ter feito

algumas experimentações e optou por determinadas marcas e, desde então, procura

não mudar. Ela só experimenta as novidades daqueles alimentos que já está

acostumada a consumir e dificilmente aceita amostras grátis nos PDVs.

b. Comportamento de compra de carne

A entrevistada procura comprar carne apenas em grandes redes e acredita que as

mesmas agem de acordo com a lei e respeitam questões sanitárias corretamente.

Ela e o marido só compram carne quando sabem que vão cozinhar algum prato com

carne, ou seja, não compram todas as vezes que vão ao mercado e preferem carne

fresca. A única carne que mantém no congelador é peito de frango. O preço,

portanto, não é o principal fator de decisão.

Amanda diz preferir carnes procedentes de alguns lugares (que segundo ela são

mais planos). Quando o animal faz mais esforço, segundo ela, a carne fica mais

dura ou macia, o sabor fique mais forte ou mais suave. Diz não gostar da carne da

Argentina e nem de Minas Gerais e prefere as do Rio Grande do Sul e do Uruguai.

Ela diz que experimentou diversas carnes de diversas origens, e aquelas que não

gosta, ela não volta a comprar. Afirma, também, não comprar no mercado Zona Sul

porque as carnes são de Minas Gerais. A falta de carne da procedência preferida é

uma das razões porque ela hoje come menos carne.

A entrevistada diz que o lugar onde compra a carne é o lugar mais caro e prefere

fazer a compra em mercados com menor circulação de pessoas, como o Pão de

Açúcar, e comprar produtos que não são frescos em mercados mais populares, com

grande circulação de pessoas, como o Mundial.

c. Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento

envolvido e selos de certificação.

Amanda diz não tomar suas decisões de compra em função de informações

presentes nos rótulos, mas sim, em função da marca. Quando questionada com o

exemplo do selo de orgânico, ela afirma que não tem esta preocupação, não dá

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muita importância a isto. Como ela está sempre com pressa quando vai às compras,

não dá muito atenção aos detalhes e busca os produtos e marcas que já conhece.

Em situações em que ela está fazendo dietas, ela presta atenção à quantidade de

calorias nos rótulos, e depois de ter a filha, presta atenção à adição de adoçantes e

data de validade, especialmente alimentos refrigerados.

Ela não se lembra de selos de certificação em rótulos de alimentos, mas ao comprar

carne, acredita que o selo SIF é suficiente para garantir a qualidade da origem da

carne.

A família prefere carnes vermelhas, porém, o consumo de carne da família em casa

vem diminuindo. Ela diz se esforçar para comer carne, por conta de uma deficiência

de ferro na alimentação. Ela já assistiu a um vídeo sobre os fornecedores de carne

de frango da KFC, disse ter se impressionado, mas mesmo assim, não mudou seus

hábitos. Ela acha que os rótulos das carnes apresentam as informações necessárias

para a sua decisão, mas admite que só presta atenção à data de validade e ao

cheiro da carne. A origem, para ela, significa então, de qual a região geográfica a

carne vem, e não, se o processo de criação envolveu algum tipo de crueldade

(preocupação com o gosto e a textura da carne, visando a satisfação pessoal, e não

alguma preocupação com a vida do animal). Ao pensar em carne, Amanda se refere

normalmente à carne bovina.

Amanda afirma que se tivesse uma opção de carne com o selo de BEA, ela

compraria, mas só continuaria comprando se ela aprovasse a qualidade da mesma.

Ela já fez esta escolha com relação aos ovos de galinha. Nem todas as vezes ela

compra os caipiras (que seriam maiores e vindos do interior, mais saborosos e com

a gema mais colorida), mas na maioria das vezes, ela prefere este ao branco,

mesmo este sendo muito mais barato.

Segundo Amanda, mesmo a carne certificada sendo mais cara, ela optaria por ela, e

o preço não seria tão importante, desde que ela possa pagar. Se a carne for igual

em termos de qualidade (sabor e textura) mas garantir o BEA, ela compraria a

certificada sempre que possível, em ocasiões especiais. Se esta carne certificada

custasse o dobro, ela compraria em metade das vezes a não certificada, e metade, a

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certificada. Ela tem dificuldade em afirmar a importância de 1 a 10, do selo, já que

ela não conhece um selo deste tipo e o que ele realmente estaria garantindo.

Mesmo assim, acha que se fosse despertada para o problema, e conhecesse o

critério de certificação, daria uma grande importância ao selo.

Ao pensar a respeito do selo, a entrevistada questiona a respeito do que seria “tratar

bem o animal” e afirma que, segundo o que ela conhece dos métodos de criação

dos animais de produção, vai contra ao que algumas pessoas (ativistas) afirmam.

Ela vem de uma família que tinha fazendas e animais, e os criava sem o

envolvimento de crueldade.

Com relação ao local de compra, Amanda mudaria o mercado em que faz suas

compras, com o passar do tempo, para ter acesso ao produto certificado. Iria em

uma primeira vez para conferir, mas tentaria outras alternativas em um primeiro

momento. A recompensa dos produtores certificados, em sua opinião, deveria ser

isenção fiscal.

4.2 ENTREVISTADO 2 – Poliana, 34 anos, é Relações Públicas e reside no bairro

de Copacabana. Nascida no Rio de Janeiro, mora com uma amiga e não possui

filhos.

a. Comportamento de compra de alimentos

Poliana aponta o período em que começou a trabalhar, quando tinha 19 anos, como

um momento de mudanças na alimentação, quando passou a consumir mais frutas e

verduras e alimentos mais saudáveis. Mas não é “tão rigorosa” caracterizando seus

hábitos como “saudáveis, mas com pequenos prazeres”, sem excessos. Ela faz as

compras de alimentos semanalmente junto com a amiga que divide apartamento,

sendo que algumas compras são compartilhadas (leite, queijo, manteiga, arroz) e

outros produtos, aqueles que cada uma tem a sua preferência, cada uma compra o

seu.

A entrevistada costuma fazer as compras de frutas e verduras no Hortifrutti. Para

refeição, compram massa integral, não compram carne, só eventualmente um peito

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de frango, para deixar no congelador. Mas como comem muito fora de casa,

preferem lanchar em casa, onde dificilmente cozinha. Para produtos que não são

frescos, preferem o mercado Mundial, para frios, pães e biscoitos, o Pão de Açúcar.

Os rótulos são sempre verificados, principalmente para verificar a quantidade de sal

e se é “light”(frios, biscoito de polvilho).

b. Comportamento de compra de carne

Poliana prefere comer carne vermelha e peixe, mas acaba comendo mais frango.

Ela afirma ser difícil comprar carne para fazer em casa, mas procura comer carne

vermelha regularmente por ter tido problemas de anemia. Ela diz preferir o corte

especial do mercado Zona Sul (Corte D‟oro) e sempre verifica se não tem gordura,

se está bem vermelha, qual o corte (filé mignon ou alcatra) para decidir a compra. O

preço, portanto, não é tão importante. Nunca compra carne no Mundial, mas sempre

no Pão de Açúcar ou no Zona Sul.

c. Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento

envolvido e selos de certificação.

Poliana não tem conhecimento nenhum sobre o tema, mas disse que gostaria de ter

e acha que as empresas poderiam informar melhor sobre isso, na embalagem do

produto. Entretanto, reconhece que a embalagem não pode ser muito elaborada,

“cheia de frescura”. Um pequeno folhetinho colocado sobre o corte de carne, abaixo

do filme plástico, seria suficiente.

Ela demonstra um certo desconforto ao falar sobre a imagem do “bicho morto” e

acha que a imagem no rótulo deveria ser “algo positivo”.

Quando questionada a respeito de selos de certificação, Poliana cita a carne de

frango. Diz se lembrar de uma marca que não tem hormônio, e “se dá ao luxo de

comprá-lo”, já que ele custa três vezes mais caro. “Porque compro pouco, quando

compro faço questão”.

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A entrevistada não sabe dizer o quanto seria motivada a comprar e pagar mais caro

por uma carne certificada, se o apelo do selo fosse apenas o fato do animal ter sido

bem tratado. Para ela seria importante que este tratamento diferenciado tivesse

conseqüências positivas para a sua saúde. E por isso, estaria disposta a pagar até

50% mais caro, ou até mais.

Um selo de certificação teria uma importância de 7 ou 8 (de 1 a 10) para ela, e com

relação ao nome, “garantia de bons tratos ao animal” não seria suficiente. Além

disso, ela acha que seria “perfeito”se o selo garantisse também “mais saúde pra

você”.

d. Mudanças na intenção de compra e consumo de carne após o vídeo

Poliana aceita assistir o vídeo editado com imagens do documentário, mas desde o

início, demonstra um grande desconforto e até uma certa revolta: “Olha isso!” Logo

após o vídeo, ao começar a falar a respeito do que tinha acabado de assistir, ela se

emociona e começa a chorar. A sua postura, antes mais ereta, torna-se mais

retraída e seu tom de voz também fica mais baixo. “É horrível, muito pior do que eu

imaginava (...) nossa, estou chocada (...) é coisificar a vida”. Ela reconhece que a

necessidade de produzir em grande escala faz com que os processos tenham que

ser otimizados, mas o que ela viu foi “mais que isso (...) é a crueldade, a ganância

(...) isso é bizarro”.

A entrevistada defende a idéia de que deve haver um meio termo, um limite para

que as empresas consigam ter bons lucros e produzam em grandes quantidades,

mas sem chegarem à extrema crueldade, que ela exemplifica com “o corte dos bicos

das aves, (...) a separação do bezerro da sua mãe . “As pessoas não querem mais

isso (...) não combina mais com a nossa era (...) acho que até as classes mais

baixas não querem isso.”

A entrevistada muda de 7 ou 8, para 10 ou “11, 12” a importância que um selo

destes teria na sua decisão de compra. E diz que pagaria “fácil”, 80, 90 ou até 100%

a mais pelo produto certificado. Ao final da conversa ela desabafa e quer continuar

conversando, explicando seu sentimento de revolta.

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4.3 ENTREVISTADO 3 – Raul, 33 anos, é Contador e reside no bairro de

Laranjeiras. Nascido no Rio de Janeiro, mora com um amigo e não possui filhos.

a. Comportamento de compra de alimentos

Raul inicia a entrevista afirmando que prefere carnes brancas e dificilmente come

carne vermelha. Para ele, um prato ideal é composto por muita salada, carne branca

e pouco carboidrato. Aos 17 anos ele conta que passou por uma primeira dieta e,

desde então, busca manter uma alimentação mais “equilibrada”.

Ele cozinha e gosta de cozinhar. Vai ao mercado toda semana e é o responsável

pelas compras de alimentos, normalmente no supermercado Princesa, no bairro das

Laranjeiras. Pão árabe, pasta de soja, peito de frango, frutas e verduras, iogurte são

os principais alimentos. Raul escolhe os produtos / alimentos em função do preço e

da qualidade e está disposto a pagar um pouco mais por aqueles que são

“melhores”. Mesmo assim, procura os produtos em oferta.

b. Comportamento de compra de carne

Raul afirma que seu consumo de carne está estável nos últimos tempos, em torno

de cinco vezes por semana. Ele normalmente compra frango quando vai ao

mercado. Ao ser questionado sobre o que influencia sua decisão de compra, Raul

demonstra não se preocupar muito, não ter um grande envolvimento com o produto.

Cita a compra de frango: “O frango, por exemplo, não tem mistério, vejo se o preço

está bom, vejo se o congelado está mais barato”. Quando questionado sobre a

importância que dá à qualidade, procedência e marca, ele diz não se importar com

nada disso, porém, logo em seguida, demonstra uma certa preocupação: “fiquei até

com medo agora (...) nunca parou pra pensar na procedência? Não”

c. Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento

envolvido e selos de certificação.

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Raul nunca pensou sobre os produtores de carne e atribui isto ao fato de nunca ter

sido provocado a pensar a respeito. “Escuto às vezes aquelas histórias tristes, que

você mata o boizinho, o boi sofre pra morrer e isso influencia a carne...”. Raul

demora um pouco para responder se pensa no animal vivo antes de comprar ou

comer carne, mas diz que já pensou nisso antes de comer “talvez (...) sei lá, o

franguinho, coitado (...) mas nada que eu tenha gasto mais de 10 segundo pra ficar

pensando (risadas) pois é né, mas tem molho? (risadas)”. Ele acha que estas

informações não chegam ao consumidor por que os produtores “não devem ter

interesse nisso (...) isso só gera culpa nas pessoas que estão comendo (risos) as

pessoas não querem escutar, não sei, talvez eu não gostaria de saber (...) sei lá (...)

é paradoxo isso, é razão e emoção. Razão quer ser informado e emoção, não”.

Raul diz não se importar com selos e/ou garantias nos produtos, mas sim com a

marca. Ele não lê os rótulos dos alimentos, nem a validade. Diz que às vezes o faz,

mas é difícil e não se lembra de nenhum selo de certificação. Ele não se lembra dos

rótulos das carnes.

Quando questionado sobre as duas alternativas de carne (com selo e sem selo), o

entrevistado afirma ser difícil responder, visto que nunca foi provocado com

informação suficiente, pra saber se o animal foi “devidamente maltratado (...) talvez

por isso não me sensibilize tanto ver um selo assim, sabe, o que é maltrato? (...) não

sei.” Ele compara a situação com o orgânico para trazer a questão do preço para a

conversa, e reforça “eu realmente não sei... talvez, se tivesse mais informação...”

mas afirma que não pagaria o dobro por um selo que fale que “o franguinho não

chorou”. Pagaria 10% se fosse sensibilizado o suficiente para entender a diferença,

mas 30% não, “a não ser que fosse muito sensibilizado, é uma questão de

consciência, conhecimento, tem que me convencer”.

O entrevistado afirma que a embalagem seria a melhor forma de comunicar sobre a

procedência da carne, mas de forma positiva, destacando um padrão, e não “este

frango morreu em uma câmara de gás, deixou família...”. Poderia ter um desenho

para ajudar a pessoa que está comprando, algo que remetesse ao natural. De 1 a

10, um selo desses teria uma importância de 3 ou 4 para ele.

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d. Mudanças na intenção de compra e consumo de carne após o vídeo

Raul tem um tom de voz mais baixo após ver o vídeo. “É muito difícil uma pessoa

ver um vídeo desses e não mudar nada”. A recompensa por parte do consumidor, se

o produtor “está tendo esta boa prática e comunicando da maneira correta, a

recompensa já vem na própria percepção que o consumidor vai ter da marca dele,

na fidelização, na escolha, aumentando consequentemente a receita para ele”. Por

parte do governo, “talvez um subsídio para incentivar”.

“Depois de ver o vídeo, desanima muito (...) você continuar a ser co-autor ou

participar do processo (...) dá vontade de abandonar de vez (o consumo de carne)

(...) a gente no mercado só estica o braço e pega, não imagina o que está por trás

(...) o que é a realidade pra gente? A realidade é a caixa do leite (...) que a gente

acha que alguém, com todo o cuidado, tirou da vaca, jogou no baldinho...”.

A importância do selo para ele passa a ser 9 ou 10 e a disposição a pagar mais

muda para 30%. Quando questionado sobre uma diferença de 50%, ele responde

“talvez, porque tem que ver o que é efetivamente custo de processo, e o que os

caras começam a querer ganhar de valor agregado em cima disso, em cima da boa

fé da galera”. Ele também diz que mudaria o local de compra para ter acesso ao

produto certificado.

4.4 ENTREVISTADO 4 – Daniele, 26 anos, é Relações Públicas e reside no bairro

de Laranjeiras. Nascida em São Paulo, mora com o namorado e não possui filhos.

a. Comportamento de compra de alimentos

Daniele diz sempre comer algum tipo de carne nas refeições e prefere sempre o que

for mais fácil de preparar. Na maioria das vezes que faz as compras de alimentos,

ela vai acompanhada do namorado, que mora com ela, e o faz, geralmente à noite,

quando tem menos movimento no supermercado. Ela prefere, para as compras de

alimento frescos, o Hortifrutti, porque as frutas e verduras no Sendas “são sujos (...)

no Sendas é uma bagunça, nada é selecionado, parece que as coisas são podres”.

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Nem sempre cozinham em casa, às vezes, compram pratos pré preparados (como

steak de frango). Seu namorado gosta mais de cozinhar do que ela, então, de vez

em quando, eles cozinham em casa. Ao ir às compras, ela diz que o que a influencia

depende do produto. Em alguns casos escolhe pelo preço, em outros, pela

qualidade. “Amaciante eu não compro o mais barato, mas molho de tomate, sim (...)

na maioria das vezes o mais importante é o preço”.

O rótulo não influencia na sua escolha de compra, mas ela demonstra não ter muita

certeza. Diz que, em um primeiro momento pode até influenciar, “mas se for muito

caro”, não compra. Ela não costuma ler “a parte de trás do rótulo”, praticamente

nunca, mas presta atenção ao visual e à data de validade e acha que o rótulo e as

informações contidas nele, não são decisivas na sua escolha de compra. Daniele se

lembra apenas do selo ABRIC, de café, só, mas complementa: “não que isso faça

diferença na hora de comprar”.

b. Comportamento de compra de carne

A carne preferida dela é frango, come pouca carne vermelha, por ser “menos

saudável”. Como come fora na hora do almoço, acaba comendo carne vermelha e,

por isso, prefere comprar frango para ter em casa, “para compensar”. No mercado,

“sempre tem peito de frango congelado, mas é difícil encontrar carne congelada”,

por isso, é mais fácil manter em casa. A entrevistada afirma que seu consumo de

carne vem se mantendo estável nos últimos tempos, em torno de seis vezes por

semana. Ela compra carne no supermercado “porque no Hortifrutti é muito caro” e

procura sempre uma oferta para escolher o produto, mas observa a aparência. Para

a carne, a marca não influencia na escolha, “sempre são marcas conhecidas que

vendem” e ela não compra carne a granel, só a que já vem embalada.

c. Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento

envolvido e selos de certificação.

Daniele diz não ter nenhuma opinião sobre os produtores de carne: “Meu Deus,

acho que eu não tenho nenhum conhecimento sobre os produtores de carne”, e

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nunca parou pra pensar “de forma nenhuma”. Ela afirma que na cidade onde mora

(Rio de Janeiro), nunca teve nenhum tipo de informação, mas na cidade onde

nasceu e seus pais moram, em uma cidade pequena do interior de São Paulo, eles

compram em um açougue “conhecido”, mas também nunca esteve no local para

conhecer melhor os processos. Quando questionada se gostaria de ter mais

informações, ela responde que não, porque acha que não daria atenção.

Dependendo da forma como esta informação chegasse até ela, ela não iria parar

para dar atenção ao assunto. Se alguém conversasse com ela, talvez sim. Ela

considera que não se importa o suficiente com o assunto.

A entrevistada também nunca parou pra pensar nos rótulos das carnes, mas

demonstra certa surpresa com a pergunta: “nunca parei pra pensar (risos) mas

agora você falando... realmente, não, não olho em rótulo. Não vejo de onde é a

procedência, eu só confio (...) confio... confio e não penso no assunto (risos)”.

Daniele diz que procura não pensar na origem da carne quando está consumindo e

afirma que “se soubesse, não comeria”. A preocupação, porém, é claramente

relacionada ao risco que a origem poderia representar à sua própria saúde, e não,

ao tratamento dado ao animal.

Daniele admite que um selo que garanta o bem-estar do animal não chamaria a sua

atenção, provavelmente, e não influenciaria a sua compra. Ela diz que olharia “qual

está mais bonita (limpinha, boa aparência)” e o preço das duas e dificilmente leria o

que está escrito no selo.

d. Mudanças na intenção de compra e consumo de carne após o vídeo

Ela resume o que viu no vídeo como “crueldade contra os animais... como o cara

falou, é uma máquina... ai, muito ruim (risos)”. Ela não imaginava que o ambiente de

uma fazenda-fábrica era daquela forma, especialmente a parte das aves. No

entanto, admite que “por mais que seja uma crueldade, uma sacanagem com os

animais”, isso não vai influenciar a sua decisão de compra. Ela complementa: “não

sei se isso é ruim, se é feio (risos), mas para a produção em larga escala, não sei se

seria possível fazer de outra forma (...) se a empresa faz assim é porque dá lucro”.

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Daniele finaliza seus comentários a respeito do vídeo afirmando que o que viu, “não

parece ser uma criação normal de animais... parece que é tudo muito doloroso pro

animal”. Com relação à necessidade de as empresas produtoras informarem aos

consumidores sobre as práticas utilizadas, ela considera que elas não deveriam

fazê-lo. “Não vejo uma empresa me passando este tipo de informação (...) não é

uma coisa bonita de se ver (....) se você uma coisa mais bonita de se ver, seria legal

a empresa mostrar (...) assim como eu não sei como uma alface fica numa estufa

(...) porque não seria interessante, agradável”.

A entrevistada não mudou seu comportamento em relação à sensibilidade de preço

ao produto em função de saber que ele teria uma garantia de bons tratos ao animal.

“Isso não seria importante... de 0 a 10... 5.” Porém, ela afirma que “agora, eu acho

que eu sabendo - pensando mais nas aves, que é o que eu compro – sabendo como

é o tratamento que se dá aos animais, eu acho que agora eu prestaria atenção, se

tivesse um comunicado que chamasse muito a minha atenção. E completa, dizendo

que se tivesse visto mais imagens, com o restante do processo, envolvendo abate,

acha que um selo ou um comunicado chamaria mais atenção ainda. Mesmo assim,

ela acha que isso não influenciaria a sua decisão de compra, ela não pagaria mais

caro e nem mudaria o local de compra de carne.

Daniele não entende como o produtor poderia ser recompensado por ter um

tratamento diferenciado aos animais, mas acha interessante a idéia de isenção

fiscal, embora não ter muita certeza disso.

4.5 ENTREVISTADO 5 – Marcos, 31 anos, é Designer e reside no bairro do Leme.

Nascido no Rio de Janeiro, mora com seus dois irmãos.

a. Comportamento de compra de alimentos

Marcos já tentou ser vegetariano por questões de saúde. Ele diz não ter muita rotina

na alimentação e gostar de comer de tudo. Gosta de cozinhar a sua própria comida,

mas acha que come “muita porcaria” e é facilmente levado a comer “mais do que

devia”. Como mora com seus dois irmãos, eles mantém uma rotina de controle, por

parte de cada um, daquilo que compram e consomem. O entrevistado valoriza ter a

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família reunida e gosta de preparar “uma pequena cerimônia para juntar os três na

mesa”. A preferência de alimento dos três é por carnes ou massas.

Quando vai ao mercado – Zona Sul - cerca de uma vez por semana, leva uma

listinha com aquilo que precisa, e eventualmente vai à feira, comprar frutas. Marcos

consome carne cerca de três vezes por semana, sendo que sua preferência é pela

carne vermelha.

O rótulo do alimento é importante na decisão de compra para o entrevistado.

Quando começa a falar sobre rótulo, ele fala primeiramente a respeito de marca. Há

seis anos, quando começou a fazer suas compras em mercados, ele escolhia o

produto que iria comprar em função do preço, sempre o mais barato. Entretanto,

hoje ele diz que na maioria das vezes opta por uma marca líder, aquela que “vem à

cabeça”. Quando incentivado a pensar sobre outros elementos do rótulo, Marcos

destaca a parte estética, por ser designer, mas costuma também ler informações de

“ingredientes, procedência, o que tem lá dentro”, principalmente quando é um

produto novo. Ele diz se lembrar de selos de certificação, mas afirma que eles não

influenciaram sua decisão de compra.

b. Comportamento de compra de carne

Marcos “adora” carne e conta que a experiência como vegetariano foi muito dolorida.

Ao escolher a carne que vai comprar, ele dá preferência a cortes “limpos, sem

gordura e já fatiados” em quantidade suficiente para uma refeição. O preço, segundo

ele, não influencia, a não ser pelo fato de que ele compra menos filé do que lagarto.

O entrevistado não se lembra de informações ou selos de garantias em embalagens

de carnes, e diz nunca ter parado para observar as informações que constam no

rótulo. Ele demonstra confiar no mercado – Zona Sul – já que a carne não tem

marca. Ele associa as marcas mais a carnes congeladas, do que às embalagens de

carne que compra, em pedaços resfriados, com a etiqueta de peso e informações

básicas do varejista.

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c. Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento

envolvido e selos de certificação.

Marcos considera que está “ciente da situação” e diz já ter lido “muita coisa” a

respeito dos problemas e das conseqüências da produção de carne. Cita

documentários do PETA e instituições a favor do vegetarianismo. Diz entender os

argumentos para que se diminua o consumo de carne, mas não leva isso em conta

na hora da compra. Acha “horrível a forma como os bichos são tratados, uma pena o

abate, como é feito, a quantidade de terra que se perde para se ter gado, mas

depois de três ou quatro dias sem comer carne eu começo a ter coceira”.

O entrevistado reconhece que quando vai a churrascos, pensa no animal vivo antes

de consumir, especialmente quando come coração de galinha, mas sempre lidou

com isso de uma maneira “lúdica e bem humorada”, e não deixa de comer por causa

disso. Marcos conta que fazia piadas ou usava algum tipo de sarcasmo sobre os

animais que estava prestes a comer, mas que isso nunca o impediu de comer.

Quando questionado sobre o motivo pelo qual fazia estas piadas, ele comenta que,

como come demais, e quando está com os amigos, “sempre rola um comentário:

cara, você precisa mesmo comer isso tudo? E eu sempre lidei com isso com bom

humor... eu gosto muito de comer carne”. Ao ser provocado se este seria um

comportamento dele por causa dos amigos, ele afirma que sim, e que quando

sozinho, ele não se comporta da mesma forma.

Marcos salienta, porém, que o que mais o faz sentir “ofendido” é a “extrema

quantidade de hormônios” que os animais recebem (para crescimento mais rápido),

do que os maus tratos que recebem. Não acredita, portanto, que um melhor manejo

afete o “resultado do gosto, da aparência, da textura da carne”, que são os atributos

mais importantes para a sua decisão de compra.

Ele considera que as empresas deveriam “resolver a produção de uma forma mais

humana” e a informação que a sociedade recebesse, poderia ser acessada através

de um site da própria produtora, que mostrasse um passo a passo, ou também

através de um selo de garantia. Na opinião do entrevistado, “em um mundo ideal,

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todos os produtores deveriam ter este selo”, demonstrando um certo desconforto em

ter que optar por produtos com e sem selo, em função da diferença de preço.

Ao ser incentivado a pensar sobre duas alternativas de carne, uma com o selo e

outra sem, Marcos questiona, primeiramente, a respeito do preço, se seria o mesmo

para os dois produtos. Ele estaria disposto a optar pela carne certificada até uma

diferença que fosse menor de 50%. Ele não acha que a procedência “normal” da

carne (sem o selo) a torna pior, no que diz respeito a questões nutricionais, do que a

certificada, mas ele acha “sacanagem com o animal” e prefere que ele seja bem

tratado, se isso não representar uma grande diferença no preço.

A respeito de um “selo de garantia de bons tratos”, o entrevistado diz que acha

interessante, mas admite que ficaria um pouco “cético” e questiona sobre qual seria

“a prova disso”.

d. Mudanças na intenção de compra e consumo de carne após o vídeo

Marcos, após ver o vídeo, afirma que o material não apresenta muitas coisas novas

para ele. “É realmente triste, são cenas fortes, mas eu me pergunto: como poderia

fazer uma solução que não envolvesse isso, mas pudesse atender toda a demanda

de consumo que a gente tem”. Na sua opinião, a produção teria que ser muito menor

e ele, não estaria disposto a comer menos carne. É horrível, os bichos estão lá

sofrendo, morrendo por minha causa... mas eu quero a minha carne no final... é um

pouco pesado de falar isso, mas é isso”. E aprofunda a reflexão: “acho que nós

(seres humanos) somos o problema, e não os bichos. Somos muitos, mais de 6

bilhões de pessoas no planeta (...) eles estão só sofrendo a conseqüência de um

problema nosso (superpopulação)”. Ele acredita que a carne é um nutriente

essencial para as pessoas.

A importância dada por Marcos ao selo, de um a dez, é cinco ( e diz que é a mesma,

antes e depois do vídeo, visto que ele já tinha tido acesso a informações sobre a

pecuária industrial anteriormente). A diferença de preço que ele estaria disposto a

pagar por uma carne certficada seria no máximo de 50% acima do preço de

referencia.

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4.6 ENTREVISTADO 6 – Alice, 36 anos, é administradora e reside no bairro da

Urca. Nascida no Rio de Janeiro, mora com o marido e não tem filhos.

a. Comportamento de compra de alimentos

Alice considera que seus hábitos alimentares são saudáveis, um “meio-termo”, no

dia-a-dia procura comer alimentos mais leves, come carne três vezes por semana e

não come carne vermelha de noite. Ela almoça fora de casa durante a semana e,

como o seu marido gosta de cozinhar, algumas vezes por semana eles cozinham

em casa. Ana é a responsável pelas compras de alimento da casa, sempre no

mercado Zona Sul, próximo de sua casa, e eventualmente vai ao Hortifrutti de

Botafogo, quando precisa de verduras especiais.

A entrevistada diz prestar atenção aos rótulos de doces e “guloseimas”, categoria

que frequentemente lança novas embalagens, e os produtos importados, por serem

“caprichadas”, o que remete a uma cozinha “mais refinada”. O que chama a sua

atenção é o visual dos rótulos, e não as informações escritas. Quando começou a se

alimentar de forma mais saudável, influenciada pela família do marido, ela

reconhece que passou a prestar um pouco mais de atenção aos rótulos,

principalmente quando são “produtos industrializados”, como suco de laranja pronto

para beber. Quando estimulada a falar sobre selos e garantias, ela cita o selo ABRIC

de café, que é o único que se lembra. Ana admite “não ser muito cuidadosa” e não

verificar nem a data de validade dos alimentos, segundo ela, por falta de hábito e

preguiça. Como não gosta de ir ao mercado e cumpre a tarefa após o trabalho, com

pressa, tenta fazê-lo com o máximo de agilidade.

b. Comportamento de compra de carne

A carne preferida pelo casal é a de peixe, porém, a entrevistada diz que seu

consumo de carne (vermelha e frango) vem aumentando em função dos hábitos do

marido, que acha que quando não come carne “não está bem alimentado”. Por

achar que “comem muito mais carne do que precisam”, Ana demonstra que tenta

evitar o consumo de carne, sempre que possível.

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No momento de escolher a carne que vai comprar, ela busca a carne (ou filé mignon

ou alcatra) que está “mais macia”, e que tem o melhor preço, e afirma que “sabendo

que é do Zona Sul, a embalagem não faz diferença”, e diz confiar no “padrão de

qualidade que eles tem”.

c. Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento

envolvido e selos de certificação.

Quando questionada sobre o que pensa sobre os produtores de carne, Ana logo

responde “ah, eu não penso, eu nunca penso... nunca passou pela minha cabeça

pensar no cara que tem a vaquinha”. Ela justifica que é uma realidade muito distante

da dela e acha que talvez “no sul” isso seja algo “mais próximo”. O único produto

que ela diz ter esta preocupação com a origem é o ovo, que prefere a versão

“caipira”, e as vezes busca também informações em verduras e legumes, para saber

se tem agrotóxicos. “A idéia é um dia só comer ovo caipira, mas como a gente está

começando a vida juntos, eu não estou querendo também fazer tudo perfeito,

quando é muito mais caro eu pego o branco mesmo, mas quando tem uma opção

próxima, só um pouquinho mais cara, eu compro o mais saudável”.

A entrevistada afirma que não pensa na origem da carne ao comprar ou consumir,

mas quando consome peixe, sim, e um pouco menos, ao consumir frango. Ela diz

não se importar se a carne do frango for “um pouco mais durinha”, porque sabe que

o frango caipira é mais saudável porque não tem hormônio. Ana comenta sobre a

marca Korin, de carne de frango, que é uma opção sem agrotóxico, mas lamenta a

diferença de preço: “um frango que você compra por R$ 5,00, a mesma quantidade

do Korin é R$ 15, R$ 18,00, assim, um absurdo. Aí eu não compro.”

Ana diz nunca ter recebido informações sobre a origem e a produção de carne e diz

ter curiosidade de conhecer o processo por um “interesse artístico”, porque gosta de

pintar “coisas viscerais”. Mas ela acha que se tivesse essas informações, isso a

ajudaria a parar de comer carne. Ela diz, também, nunca ter lido as informações no

rótulo da embalagem e ri ao responder a questão. “Só vejo o preço e o nome do que

é (risos) porque eu nem sei, comecei a ter que cuidar da minha comida

recentemente, há dois anos”. Ela concorda que um selo de garantia de bons tratos

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ao animal seria “uma boa idéia” porque as informações na embalagem podem ser

manipuladas, mas um selo, de um terceiro, transmite mais segurança para quem

consome. Ana afirma que pagaria até 30% a mais por uma carne com este selo,

mas não mais do que isso: “não vou aceitar muito abuso... sem hormônio ser o triplo

do preço”.

Quando questionada a respeito da importância que o selo teria na sua decisão de

compra, ela diz que para cada tipo de carne, o peso seria diferente: para o peixe, o

peso do selo seria 7; para o frango, 7 ou 6; e “carne vermelha”, 2, porque ela diz não

ter “esse medo, essa preocupação” ao comprar a carne bovina. Basta estar “macia e

vermelhinha”, o que ela admite, é uma preocupação relacionada à carne (e à sua

saúde ao consumir), e não ao animal vivo. Quando a entrevistada, então, é

lembrada de que o selo garante um tratamento diferenciado para o animal, em vida,

a sua opinião muda: “aí eu daria importância muito maior. É porque a gente, eu pelo

menos, não escuto muita informação sobre maus tratos com animais, no boi, por

exemplo (...) já parece ser um bicho mais forte (...) agora, se eu souber que existe

essa possibilidade de ele ser maltratado e que ele vai sofrer com aquilo, com certeza

vou dar um peso 7 ou 8”.

Com relação ao nome do selo (“Garantia de bons tratos ao animal”), ela diz ser

muito vago e acredita que seria necessário ter mais informação, para “não ser uma

forçação de marketing (...) tem que explicar o que é “bons tratos”. Ana também acha

que poderia mudar seu local de compra, ao menos eventualmente, para comprar

produtos certificados.

d. Mudanças na intenção de compra e consumo de carne após o vídeo

Ana demonstra bastante surpresa e desconforto ao ver o vídeo e faz muitas

perguntas. Ela admite que um selo de BEA passaria a ter uma importância de 10 em

uma escala de 1 a 10 e que, se a diferença de preço fosse grande, ela estaria

disposta a consumir menos carne. As imagens que mais a chocaram foram as que

retratam o cotidiano dos frangos e, por isso, ela acha que durante um bom tempo,

não comeria mais frango. Ana também acha que o ser humano come muito mais

carne do que precisa: “99,9% dos homens comem dez vezes mais carne do que

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precisam. Eu não gostaria de ser vegetariana, mas acho que se eu comesse uma ou

duas vezes por semana, estaria bom”. A entrevistada estaria disposta a pagar o

dobro pela carne certificada, mesmo que isso implicasse uma redução de consumo

pela metade.

4.7 ENTREVISTADO 7 – Karina, 32 anos, é administradora e reside no bairro de

Laranjeiras. Nascida no estado da Bahia, está no Rio de Janeiro desde 2006. Mora

com o marido e não possui filhos.

a. Comportamento de compra de alimentos

Karina prefere as carnes brancas às vermelhas e tenta tomar alguns cuidados em

relação à alimentação em função do alto nível de colesterol que ela tem. A sua

família come “com qualidade” com refrigerantes apenas nos fins-de-semana, por

exemplo. Ela é a responsável pelas compras de alimentos, que costuma acontecer

de 15 em 15 dias e divide as compras em dois tipos: frutas e verduras são no

Hortifrutti, e as demais, como “leite, queijo, presunto, pão”, compra no supermercado

(Prezunic, Zona Sul ou Sendas). A entrevistada admite que geralmente compra “os

mesmos” produtos, sempre que vai ao mercado.

A data de validade é algo que Karina diz sempre observar nos rótulos, mas ela

“confessa que não conhece bem as carnes”, mas gosta quando o rótulo apresenta

dicas de preparo, para qual tipo de prato aquela determinada carne é indicada. Ela

não se lembra de nenhum selo de garantia em alimentos, apenas em produtos de

limpeza, e acha interessante. Ela considera ser positivo por saber que o fabricante

demonstra uma preocupação extra com a qualidade do produto, “com o ambiente,

com o social, e tudo o que está por trás” e “não só em vender”. Segundo Karina, a

“maioria ( dos produtores) não se preocupa com isso porque isso encarece o

produto, então „vamos vender do jeito que tá‟”.

b. Comportamento de compra de carne

Com relação à escolha da carne, procura observar a embalagem (se está

amassada), a cor da carne, e a aparência do mercado (se é amplo, limpo, bem

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arrumado, ela tem “mais confiança”). Ela diz estar aprendendo a cozinhar e admite

que gosta, tanto de escolher e comprar os produtos, como de cozinhar e acha que

não faria compras pela internet.

Karina considera que seu consumo de carne vem diminuindo, visto que em casa, de

noite, eles costumam lanchar ou nos finais de semana, buscam alternativas mais

simples, como massas, que não exigem muita “habilidade na cozinha”. Mesmo

assim, ela e seu marido consomem carne cerca de cinco vezes por semana.

c. Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento

envolvido e selos de certificação.

Karina assume que não conhece o processo de produção das carnes e diz que

“curiosamente” gostaria de entender o processo “até para confiar mais”, e decidir

pela compra ou não. A sua mãe a orienta a não comprar muito frango, por causa do

excesso de hormônios utilizados na criação dos animais. Entretanto, ela acha que se

pensar no animal vivo antes de comer carne, ela não come: “Não. Eu procuro não

pensar. Não gosto. Não gosto. Se eu pensar no animal vivo, com certeza a refeição

não vai ser mais a mesma. Não mesmo. Se eu pensar eu desisto”.

Ela diz já ter visto documentários a respeito da criação de animais de produção e

admite que, se o visse novamente, deixaria de comer carne por duas semanas, e

depois, esqueceria e voltaria a comer.

Ao ser questionada sobre um selo de garantia de BEA, a entrevistada responde

demonstrando uma certa desconfiança: “depende, se este selo é de um órgão

fiscalizado, supervisionado (cita a ANVISA), sei lá (...) que todo mundo conheça, que

seja um processo aberto, eu compraria a opção que possui o selo”. Ela relaciona o

selo, imediatamente à qualidade do produto: “se tivesse um órgão fiscalizador que

desse o selo de todo o processo, que fiscalizasse do início até o final e garantisse ao

consumidor „olha, é de qualidade; conheça o lugar onde o animal cresce; conheça o

abatedouro; conheça o processo de limpeza; conheça o processo de embalagem

pra chegar até aqui‟, eu compraria.

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A diferença de preço que Karina estaria disposta a pagar a mais seria de 30%

certamente, e de fosse 50%, “pararia para pensar” e o selo teria uma importância de

8, em uma escala de 1 a 10, para ela. Quando questionada a respeito do possível

dever das empresas em informar aos consumidores sobre o processo produtivo,

Karina explica que, na sua opinião, se eles o fizessem, eles “poderiam garantir a

confiança, mas perderiam clientela”, porque o processo “é muito nojento”. E

complementa: “Ao mesmo tempo que eu quero informação a mais porque eu quero

qualidade no produto, eu também não quero saber como o processo todo funciona.

Eu não sei qual seria a minha reação em saber do passo-a-passo. Mas sei lá,

alguma informação a mais pra garantir um pouco mais de confiança (...). A

entrevistada também levanta a questão da morte do animal, e como os

consumidores lidariam com este paradoxo: „você vai cuidar do animal, mas depois

vai matar para o consumo. Eu acho que se o povo divulgar isso, o marketing deveria

trabalhar essa idéia de bons tratos, entendeu. Você trata bem pra depois você

matar? (...) imagine os ativistas, o que eles iriam falar”.

d. Mudanças na intenção de compra e consumo de carne após o vídeo

A parte das aves é o que mais chama atenção da entrevistada, que diz não ter

gostado do vídeo (não se sentiu confortável com as imagens). Ela revê a

importância que teria para ela um selo de BEA, que passa a ter, em uma escala de 1

a 10, uma importância de 10.

Karina também revê a diferença de preço que estaria disposta a pagar pela carne

certificada, para 50% acima, além de estar disposta a mudar o local de compra de

alimentos, para encontrar este tipo de produto. Com relação a uma possível

recompensa para os produtores, porém, ela afirma ser uma obrigação dos

produtores, zelarem pelos bons tratos dos animais: “Eu acho que o próprio mercado,

quando um produtor começar a fazer os outros também acompanham. Alguns

outros, dependendo da classe que você quer atingir, irão acompanhar por ser uma

prática de mercado e não para ser recompensados. Acho que é obrigação”.

4.8 ENTREVISTADO 8 – Flavia, 29 anos, é jornalista e reside no bairro da Gávea.

Nascida no Rio de Janeiro, mora sozinha e não possui filhos.

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a. Comportamento de compra de alimentos

Flavia tem uma alimentação “balanceada” e diz comer de tudo. Come pouca carne

vermelha e proteínas em geral. Procura ter uma alimentação saudável,

especialmente durante a semana. Ela é a responsável pelas compras de alimento da

sua casa, uma vez por semana, no mercado Zona Sul, e sempre em quantidades

muito pequenas, visto que mora sozinha. Também não cozinha em casa, local em

que prefere fazer “lanches”, com pão integral, queijo minas e frutas.

A entrevistada afirma que o rótulo dos alimentos não são importantes na sua

decisão de compra, mas imagina que eles cumprem um papel: “ deve ter um

inconsciente grande, mas, assim, lembrar de alguma situação que eu tenha decidido

por causa do rótulo (...) quando você não conhece a marca (...) eu fui pela aparência

mais clean (capuccino), acho que escolhi pelo rótulo”. Porém, Flavia diz que

costuma verificar as informações nutricionais, relacionadas a quantidade de calorias,

açúcar, etc. Com relação a selos e garantias, ela não consegue se lembrar, mas

“sabe que existe”, mas não “a marcou”. Ela considera que os alimentos orgânicos

são muito caros.

b. Comportamento de compra de carne

O seu consumo de carne, que preferencialmente é carne branca, vem diminuindo.

Ela ficou sem comer carne vermelha durante um tempo, e quando voltou, passou a

comer eventualmente, em quantidades pequenas. Flavia também não costuma

comprar carne no mercado, apenas “de vez em quando”, compra filé de frango

congelado “para ter em casa” e grelhar quando precisar. Por isso, ao fazer as

compras, ela se dirige diretamente à seção de congelados, e escolhe, normalmente

em função da marca, citando Sadia como a sua preferida. Ao ser questionada com a

importância da procedência, ela diz que “por ser congelado”, ela não se importa com

a procedência. Ela também dá preferência às marcas que consumia na casa da

mãe, e admite: “até deveria me preocupar mais (...) não sou muito de pensar de

onde vem (...) porque eu compro no Zona Sul, eu parto do princípio que lá as coisas

são muito melhores (...) não sei se é porque é um supermercado mais caro...”.

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c.Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento envolvido

e selos de certificação.

Quando questionada sobre o que pensa sobre os produtores de carne, Flavia

responde: “é uma indústria meio mal vista (...) a forma como é tratado o gado... eu

nunca procurei a fundo sobre esse assunto, eu não como muita carne (...) mas eu

não sei se ela é tão controlada”. Ela cita a quantidade de hormônios dos frangos e

diz que come pouco frango. Assume que não tem conhecimento sobre a origem da

carne que consome em restaurantes e que não repara nas informações que

constam nos rótulos dos alimentos. Flavia também não costuma pensar no animal

vivo ao comer carne. Ela afirma ser uma pessoa “muito ligada à questão do meio-

ambiente” e continua: “assim, se eu for pensar em como um gado é morto e como

ele é criado para morrer, em como ele é alimentado para esse fim e que isso vem

para a nossa alimentação, eu não vou comer. Outro dia meu pai fez um porco(...) e

ele botou o porco inteiro (na mesa). Eu não consegui comer, porque tinha aquele

animal „vivo‟ ali, na mesa, com „fuço e tudo‟, aí eu não consegui comer, por exemplo.

Aí eu vi de fato aquele animal morto, que tinham matado. Mas talvez porque talvez

venha sempre em filezinho e agente não consegue visualizar muito aquilo dentro de

um boi”.

A entrevistada diz ter assistido a um documentário nos Estados Unidos, que

descreve como “chocante”: “acabava de ver, você não queria comer carne nunca

mais na sua vida”. Mesmo assim, Flavia não gostaria de ter mais informações a

respeito, já que come pouca carne.

Entre as opções de carne, com e sem selo, ela afirma que compraria a opção com

selo, mas justifica a questão do preço: “depende do quanto mais caro ela for, se for

o dobro do preço, eu não sei se eu compraria. Conscientemente eu compraria, mas

uma vez que sai do meu bolso ... se for um pouquinho mais caro, eu compraria. Ela

explica que, para pagar mais caro, cerca de 50%, ela teria que entender o selo, o

que é, quem é que certifica. Dependendo deste selo, ela não tem certeza se

confiaria.

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Para Flavia, a importância que um selo como este teria na sua decisão, em uma

escala de 1 a 10, seria 7. Entretanto, ela não tem certeza se mudaria o local de

compra: “o local de compra teria que ser conveniente (...) se eu demorasse meia

hora para chegar, não mudaria”.

d. Mudanças na intenção de compra e consumo de carne após o vídeo

Após ver o vídeo a entrevistada afirma ter vontade de parar de comer carne

totalmente: “Porque enquanto você não vê, aquilo ali não tá tão próximo de você vê.

Então você come e tal. Mas depois que você vê, que aquilo fica martelando na sua

cabeça (...)o que acontece hoje em dia, está industrializado esse processo de matar

os animais. Porque desde sempre, os homens caçaram para comer; desde sempre

se matam animais para comer e eu não sei quais seriam as outras possibilidades

(...) se comessem só legumes e verduras, algumas vitaminas ficariam faltando.”

Flavia também considera que a carne de uma animal que não tenha sofrido “tanto”

pode ser melhor do que aquela “muito industrializada: “deve ter uma diferença de

você colocar para dentro um animal que foi criado de forma diferenciada”.

Ela afirma que estaria disposta a pagar “bem mais caro” pelo produto certificado. E

ao retomar a questão da importância que o selo teria na sua decisão, Flavia afirma

que mudaria para 10: “Acho até que 10. As pessoas vendo isso e vendo de fato

como acontece.... talvez eu pague bem mais caro, desde que eu confie no selo”. E,

segundo ela, imagens seriam muito mais efetivas do que texto, para comunicar os

benefícios do selo.

4.9 ENTREVISTADO 9 – Juliana, 33 anos, é administradora e reside no bairro do

Catete. Nascida no Rio de Janeiro, é separada e mora com os dois filhos.

a. Comportamento de compra de alimentos

Juliana gosta de comer de tudo, de forma balanceada. Ela demonstra uma

preocupação com a sua alimentação e com a dos filhos, a quem não permite o

consumo de doces e comidas em excesso. Juliana cozinha apenas em ocasiões

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especiais e ela conta com o auxílio de uma empregada para cozinhar os alimentos

da família. Massa e churrasco são as preferências da família.

A entrevistada é a responsável pelas compras de alimento da casa, cerca de uma

vez por semana, no Mundial (da Lapa) e justifica que escolhe este local, por ser

mais barato e, “impressionante, é muito organizadinho”. Ela conta que conversa com

a sua empregada para verificar o que está faltando, faz uma lista e então vai ao

mercado. Eventualmente ela compra alguma novidade que a chama atenção, mas

normalmente, ela busca os mesmos produtos.

Ao escolher os alimentos, preza pela qualidade e explica: “Se tem orgânico, eu

compro orgânico. A primeira coisa que eu penso não é o preço, é uma coisa

secundária. Primeiro eu vejo a questão da qualidade e tal, se aquilo é de uma marca

que eu já conheci, confio, que eu já comprei, deu certo (...)”. Os orgânicos são

preferidos em função de que os não-orgânicos, “por receberem mais agrotóxicos,

fazem mal para o corpo”.

Juliana diz não se importar se o rótulo é feio ou bonito, mas sim, com as

informações nutricionais, e reconhece que o rótulo é importante na sua decisão de

compra. Ela não confia 100%, mas gosta dos produtos que apresentam uma boa

quantidade de informação sobre o produto, e não, aqueles com muitos apelos

promocionais. Ela demonstra desconfiar de alguns selos, e presta atenção nas

“letras pequenininhas” e afirma que lê muito sobre alimentação.

b. Comportamento de compra de carne

Ela prefere peixe e frango e come pouca carne vermelha, e diz “não ser contra o

consumo de carne”. Quando vai ao mercado, prefere as carnes frescas (e não

congelada) e, quando disponível, gosta de frango caipira. Ela escolhe também

aquelas que são mais fáceis de prepara, que “já vem sem pele, em filé”. Com

relação à preferência pelo frango caipira, a entrevistada explica que ele é mais

saboroso e ele “sofreu menos intervenções, é mais natural”. O que mais a influencia,

portanto, é o valor nutricional. Em segundo lugar, a facilidade para preparar. Em

terceiro lugar, o preço.

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Quando pensa sobre o rótulo das carnes, ela justifica que compra “na bandeja, a

granel”, então não lembra tanto do rótulo.

c. Conhecimento sobre o processo de criação de animais, sofrimento

envolvido e selos de certificação.

Juliana explica que já leu “que é mais saudável consumir um frango que não foi

engordado artificialmente (...) mas sei lá, acho que é uma questão ecológica, me

sinto com minha consciência mais tranqüila, não sei (...)Só deu imaginar, por

exemplo, o chester, eu fico imaginando. Eu até me sinto mal em comer, porque é um

processo tão artificial que foi feito aquilo”. Mas ao final da explicação, ela reconhece

que não tem informação suficiente, “só acha”, “informação rasa”. Ela diz que hoje o

frango e o ovo caipira é “bem popularizado” e não vê dificuldades em encontrar. A

marca pra ela não importa na hora da compra: “frango é frango (risos)”.

A entrevistada admite que nunca parou para pensar sobre os produtores de carne,

mas diz que já pensou muito no animal vivo antes de consumir. Conta, inclusive, de

uma experiência que teve em uma fazenda, teve contato com animais como frango e

boi, e depois disso, ficou cerca de um ano sem comer frango, e um “bom tempo sem

comer carne”. Ao ver o peixe inteiro, também não se sente bem, acha “pesado”. Ao

ser questionada se gostaria de ter mais informações sobre o processo produtivo da

carne, Juliana declara: “Eu acho que eu prefiro saber a informação nutricional do boi,

da carne do boi, do que saber como ele é criado. Não me interessa muito isso. Eu

prefiro desvincular do ser vivo, sabe? Porque, sei lá. Não me faz bem. Eu não

gosto”.

Quando estimulada a pensar em duas alternativas, a certificada e a convencional,

Juliana expõe: “Olha, vou ser bem sincera, assim, se a diferença no preço não for

muito grande. Eu não sei, porque o bem estar do animal, você mata o animal, não

sei (...)Tudo bem, vai ter uma morte mais tranqüila, mas você está abatendo o

animal de qualquer jeito. Eu não sei se o animal sofre mais ou a carne fica melhor,

se piora, não faço a menor idéia. É mas se a diferença do preço não for muito

grande, eu juro pra você que isso aí vai ser igual o sabão que vai ter “cristais de não

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sei o que”. Eu não sei se isso é um atributo tão importante, porque você mata o

animal, entendeu? Isso não vai me fazer me sentir melhor, mas você sempre acha

legal um selo de qualidade (...)Eu acho esse negócio do bem estar do animal maior

hipocrisia, sinceramente, tipo assim. Você mata o animal de qualquer forma”.

Juliana estaria disposta a pagar uma diferença de 10% por um produto certificado e

em uma escala de 1 a 10, a importância que o selo teria para ela seria 5: “Não é

uma coisa que me chame tanta atenção, sinceramente”. Ela diz não aprovar a opção

de nome “garantia de bons tratos ao animal”: “Tudo que se refere ao animal vivo eu

acho esquisito”. E gosta da opção “garantia de que o animal não sofreu crueldade”:

“Eu vou me sentir menos culpada. Eu acho que essas coisas me fazem lembrar que

eu estou matando um animal”. Entretanto, finaliza assumindo: “não gostaria de ver

nada disso, pra mim é melhor não falar nada”.

d. Mudanças na intenção de compra e consumo de carne após o vídeo

Juliana demonstra bastante desconforto ao assistir o vídeo. Ela admite que o

conhecimento que tinha não era suficiente para ter a real dimensão de como os

animais de produção são tratados. “Não sei se a gente não quer saber ou se agente

ignora; se no fundo sabe e não presta atenção. Eu acho que o pessoal não divulga

muito de propósito, é claro, todo mundo ia ficar chocado e não ia mais comer (...) Eu

não quero ser participante disso”.

A entrevistada é incentivada a pensar na possibilidade de um método diferente de

criação, menos cruel, e então, demonstra uma preocupação com relação à

possibilidade / viabilidade de um manejo mais humano, e se questiona, então, se o

ser humano precisa desses nutrientes para viver.

O que mais chamou a sua atenção foi a maneira como “eles” tratam uma vida,

“como se fosse uma fruta, uma fruta estragada”. Ela se preocupa em como seria

feito de forma diferente, se haveria espaço e recursos para produzir carne para

tantas pessoas. E conclui: “todo mundo sabe que produção em massa é produção

em massa, mas quando você vê o negócio assim, você fica muito impactada”.

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Juliana diz que a importância que daria ao produto com selo seria 9 (de 1 a 10) e

pagaria “o quanto fosse” por ele: “Depois que eu vi esse vídeo, eu pago o que for.

Eu não vou contribuir para esse troço”. Porém, se o produto custasse

“absurdamente mais caro” (100%) ela pararia de comer, mas ficaria bem mais

sensível ao preço mais caro. E conclui: “dá pra ganhar dinheiro de outro jeito. Não

vou anulara ganhar dinheiro, mas de outro jeito, mas uma coisa mais normal, né. Eu

acho que o mercado tem um poder muito grande”.