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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO e CIÊNCIAS CONTÁBEIS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS CONTABILIDADE FORENSE NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL: Aplicação da prova pericial contábil nos processos criminais de lavagem de capitais. Reinaldo Hiroshi dos Santos Cuiabá-MT 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO e CIÊNCIAS CONTÁBEIS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS

CONTABILIDADE FORENSE NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL:

Aplicação da prova pericial contábil nos processos criminais de lavagem de

capitais.

Reinaldo Hiroshi dos Santos

Cuiabá-MT

2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO e CIÊNCIAS CONTÁBEIS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS

CONTABILIDADE FORENSE NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL:

Aplicação da prova pericial contábil nos processos criminais de lavagem de capitais.

Monografia apresentada à UFMT/Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Departamento de Ciências Contábeis, para obtenção do título de Bacharel em Ciências Contábeis.

Professor Orientador: Jonas da Costa Cruz

Cuiabá-MT

Março/2019

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Reinaldo Hiroshi dos Santos

CONTABILIDADE FORENSE NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL:

Aplicação da prova pericial contábil nos processos criminais de lavagem de

capitais.

Monografia defendida e aprovada em ___/___/_____ pela banca

examinadora constituída pelos professores:

__________________________________

Professor Mestre Jonas da Costa Cruz

Presidente

__________________________________

Professor Mestre Adão Ferreira da Silva

Membro

__________________________________

Professora Doutora Lucia Fernanda de Carvalho

Membro

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CFC – Conselho Federal de Contabilidade

COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras

CPP – Código de Processo Penal

IPED – Indexador e Processador de Evidências Digitais

NBC – Normas Brasileiras de Contabilidade

NCPC – Novo Código de Processo Civil

SIMBA – Sistema de Investigação de Movimentação Bancária

SPED – Sistema Público de Escrituração Digital

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 6

2. REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................................ 9

2.1. PERÍCIA CONTÁBIL ................................................................................................................ 9

2.1.1. PREVISÕES LEGAIS SOBRE PERÍCIA NAS NORMAS DE CONTABILIDADE BRASILEIRA, NO

NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL .................................. 12

2.2. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO ..................................................................................... 19

2.2.1. MEIOS DE PROVA NO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS ................................................. 21

2.3. PERÍCIA CONTÁBIL EM PROCESSOS DE CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS .......................... 22

3. METODOLOGIA ...................................................................................................................... 25

4. CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 26

4. REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 27

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1. INTRODUÇÃO

A aplicação da contabilidade forense em processos de crime de lavagem de

capitais é um importante meio de investigação e de produção de provas processuais,

sendo utilizado diariamente em processos de grande relevância, como por exemplo,

nas investigações de crimes do “Mensalão” e da “Operação Lava Jato”.

Tendo em vista que o enfoque da contabilidade aplicada à investigação e à

produção de provas em processos penais é pouco abordada pela doutrina contábil,

faz-se necessário um estudo aprofundado desta área da contabilidade, buscando

responder: Qual é o papel da contabilidade na apuração dos crimes de lavagem de

capitais?

Este trabalho tem por objetivo geral demonstrar o papel da contabilidade

forense na produção de provas, e na comprovação do crime de lavagem de capitais.

Os objetivos específicos são:

a) Analisar a legislação processual civil e penal afeta ao tema;

b) Verificar possíveis pontos em comuns e diferenças na perícia

regulamentada pelo código de processo penal, pelo código de processo civil

e pelas normas brasileiras de contabilidade.

c) Analisar as peculiaridades das perícias contábeis em processo penal de

crime de lavagem de capitais.

Quanto à legislação alusiva ao tema, faz-se necessário analisar a Lei Federal

n.º 9.613/1998, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos

e valores, bem como dispõe sobre a prevenção de utilização do sistema financeiro

para a prática de crimes de lavagem de capitais. Esta lei, popularmente referida como

lei de combate à lavagem de dinheiro ou lei de combate à lavagem de capitais, nasceu

da necessidade do Estado em combater o poder econômico de criminosos e de

organizações criminosas, proibindo que os rendimentos financeiros oriundos da

prática de delitos fossem inseridos na economia como capital de origem lícita ou

utilizados para financiar a prática de novos delitos.

Quanto à lógica de funcionamento das organizações criminosas, Ribeiro

chama atenção para o seguinte fato (2009, p.60):

Dentro da terminologia organização criminosa está contida uma ideia de empreendimento. E na realidade é mesmo um empreendimento, só que criminoso. Sendo um empreendimento, possuem características assemelhadas, mas não uniformes. Por exemplo, tem uma hierarquia, uma organização mínima, visa o lucro para sua sobrevivência, atua em uma determinada área geográfica e possui variadas ‘atividades

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econômicas’, pois, quando o Estado resolve enfrentá-la num braço de atuação econômica, diminuindo seu lucro, logo há um reforço de ‘capital’ naquela atividade em que o Estado ainda não está enfrentando ou está de forma mais fraca e desorganizada.

Assim, observa-se que organizações criminosas em geral atuam como

verdadeiros empreendimentos, com objetivos criminosos, visando lucro. Dentro desta

organização são aplicadas técnicas de contabilidade, de administração e de

economia, para garantir que a organização “prosperará”, gerando lucros financeiros

aos seus “acionistas e colaboradores”.

E continua Ribeiro (2009, p.70):

Uma característica comum entre a criminalidade organizada denominada violenta e a de colarinho branco é a busca incessante pelo lucro, sopesando-se táticas que levem a baixos custos operacionais, perdas mínimas, lucratividade máxima e parcerias temporárias entre os integrantes do mundo criminoso. De acordo com essa concepção é um empreendimento criminoso, com riscos e retornos.

Entretanto, para usufruir dos “lucros financeiros” dos crimes cometidos, a

organização criminosa necessita dissimular o origem desses valores, conforme

conclui Ribeiro (2009, p. 73):

Mas todos os estudiosos são uníssonos: todo empreendimento sobrevive dos lucros auferidos com a sua atividade econômica. Portanto, com as organizações criminosas não poderia ser diferente. Entretanto, há nelas outro fator especial desses lucros: a ilegalidade na sua obtenção. E o que fazer para que se possa utilizar desses recursos econômicos sem que o Estado desconfie da sua origem e com isso possa confiscar esses recursos? A forma inteligente encontrada pelas organizações criminosas foi a de dar um caráter legal aos recursos auferidos de forma ilegal, ao que aqui no Brasil denominou-se de ‘lavagem de capitais’, processo esse que se utiliza de uma verdadeira engenharia financeira possuindo dois objetivos muito claros: apagar o rastro deixado na origem dos recursos e promover o rendimento do capital ilegal. Nesse sentido é que muitos autores afirmam que nem sempre uma organização criminosa se utiliza da lavagem de capitais, mas sempre que há um processo de lavagem há também a presença de uma organização criminosa dando suporte.

Desta forma, observa-se como a lavagem de capitais é importante para a

existência e funcionamento de organizações criminosas, e também é possível

perceber como a repressão ao crime de lavagem de capital é uma forma eficaz de

combater essas organizações criminosas.

No entanto, a aplicação da lei penal procede de um processo judicial criminal,

que tem por fim identificar se o fato questionado é um crime, quem o praticou e se

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esse fato é culpável. Para atingir essas finalidades o processo penal utiliza-se de

provas produzidas judicialmente.

No caso do crime de lavagem de capitais, o que se busca coibir é a ocultação,

dissimulação ou utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal,

conforme previsão do artigo 1º da Lei Federal n.º 9.613/1998 (BRASIL, 1998):

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

Assim, para a produção de prova pericial em crime de lavagem de capitais,

necessário se faz analisar variações patrimoniais, movimentações financeiras,

transações comerciais e outras formas de transferências de valores e de patrimônio

para verificar a origem desses recursos. Ou seja, é indispensável a realização de

perícia que utilize conhecimentos contábeis para a sua realização.

Desta forma, o trabalho a ser desenvolvido busca analisar os aspectos legais

e técnicos das perícias contábeis utilizadas na investigação e na produção de provas

nos processos penais de combate ao crime de lavagem de capitais.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO

Segundo Callegari e Weber (2017, p. 3):

O delito de lavagem de dinheiro ataca frontalmente o sistema econômico-financeiro de um país, afetando a estrutura negocial ao introduzir bens ilicitamente adquiridos e quebrar a regra da livre e justa concorrência. Observa-se que os criminosos têm ao seu alcance meios de análise do mercado, inserindo sua atividade de lavagem nos negócios que dispensam maior atenção das autoridades estatais, ou, ainda, naqueles que, de tão privados ou tamanha sua atualidade, ainda nem foram objeto de análise do Estado.

Desta forma, percebe-se que o crime de lavagem de dinheiro é um problema

de difícil combate pelo Estado e que causa grande prejuízo ao sistema econômico-

financeiro de um país, pois possibilita que os ganhos financeiros oriundos de

atividades ilícitas sejam aproveitados pelos criminosos e inseridos na economia do

país, desiquilibrando a livre concorrência do mercado. Para resolver este problema de

forma mais eficaz e inibir que criminosos usufruam o dinheiro adquirido de forma ilegal,

os países passaram a punir o delito de lavagem de capitais, atacando a criminalidade

no seu ponto mais delicado: os seus ganhos ilícitos (CALLEGARI; WEBER, 2017,

p.03).

Nesse sentido, Callegari e Weber (2017, p. 04) afirmam que foi necessário

implementar um aparato estatal de fiscalização de atividades suspeitas e de combate

ao delito de lavagem de capitais, impossibilitando que os criminosos pudessem

usufruir dos ganhos econômicos da prática criminosa e, consequentemente, fechando

a fonte de financiamento de organizações criminosas.

No entanto, para a devida punição estatal aos crimes de lavagem de capitais,

é imprescindível ao processo penal a comprovação da origem ilícita do dinheiro, ou

seja, o nexo entre os valores suspeitos e os delitos anteriores. Sendo assim, a

realização de perícia contábil é ferramenta necessária para desvendar e comprovar

diversos casos de crimes de lavagem de capitais.

2.1. Perícia contábil

A palavra perícia, segundo Sá: “advém do Latim: Peritia, significa

conhecimento (adquirido pela experiência), bem como experiência” (2005, p.14).

Logo, pode-se inferir que a perícia é uma opinião – conhecimento, obtido por meio um

exame – uma experiência, de um fato concreto.

Segundo Moura, nomeia-se perícia (2007, p.05):

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A perícia designa a diligência realizada ou executada por peritos, a fim de que se apurem, esclareçam ou se evidenciem certos fatos. Significa, portanto, a pesquisa, o exame, a verificação acerca da verdade ou da realidade de certos fatos, por pessoas que tenham reconhecida habilidade ou experiência na matéria de que se trata.

Conforme Magalhães et al, perícia é (2006, p.12):

A perícia, pela óptica mais ampla, pode ser entendida como qualquer trabalho de natureza específica, cujo rigor na execução seja profundo. Dessa maneira, pode haver perícia em qualquer área científica ou até em determinadas situações empíricas. Por outro lado, a natureza do processo é que a classificará, podendo ser de origem judicial, extrajudicial, administrativa ou operacional. Quanto à natureza dos fatos que a ensejam, pode ser classificada como criminal, contábil, médica, trabalhista etc.

E Magalhães completa que perícia é um trabalho especializado, cujo objetivo

é obter prova ou opinião para orientar uma autoridade na decisão de um fato, ou

desfazer um conflito de interesses de pessoas (2006, p.12).

A função da perícia, segundo Ornelas, “é a de transformar os fatos relativos à

lide, de natureza técnica ou científica, em verdade formal, em certeza jurídica” (2003,

p.26), servindo, desta forma, como ferramentas para uma autoridade justificar sua

decisão.

Para Alberto (2002, p.18):

[…] a perícia tem por finalidade, por objetivo – para atender aquele que dela se utiliza, o usuário do trabalho pericial, judicial ou extrajudicial –, transmitir uma opinião abalizada sobre o estado verdadeiro do objeto (a matéria), sobre o qual foi instada a se manifestar. Esta opinião, por outro lado, deve estar estruturada sobre conhecimentos científicos ou técnicos orientados pela independência, de modo a suprir a ausência de conhecimentos especiais do usuário, com a isenção e não-animosidade que a independência propicia.

Nucci defende que prova pericial, em se tratando de processo penal, é (2014,

p.347):

Perícia é o exame de algo ou de alguém realizado por técnicos ou especialistas em determinados assuntos, podendo fazer afirmações ou extrair conclusões pertinentes ao processo penal. Trata-se de um meio de prova. Quando ocorre uma infração penal que deixa vestígios materiais, deve a autoridade policial, tão logo tenha conhecimento da sua prática, determinar a realização do exame de corpo de delito (art. 6.º, VII, CPP), que é essencialmente prova pericial. Não sendo feito, por qualquer razão, nessa fase, pode ser ordenado pelo juiz (art. 156, II, CPP).

Assim, pode-se entender pelos excertos acima colhidos que perícia, em

processo judicial, é uma opinião de um especialista sobre um assunto técnico em

discussão no processo, e que servirá de embasamento para a decisão do juiz.

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Isto posto, quando o juiz necessita de opinião técnica sobre questões

patrimoniais, como ocorre em casos de crimes de lavagem de capital, é necessário a

realização de uma perícia contábil, pois o patrimônio é objeto de estudo da

contabilidade.

Neste sentido, Franco e Marra ensinam (2001, p.25):

Contabilidade é a ciência – ou, segundo alguns, a técnica – destinada a estudar e controlar o patrimônio das entidades, do ponto de vista econômico e financeiro, observando seus aspectos quantitativo e qualitativo e as variações por ele sofridas, com o objetivo de fornecer informações sobre o estado patrimonial e suas variações em determinado período. O objeto da Contabilidade é, pois, o patrimônio administrável, à disposição das entidades econômico-administrativas, sobre o qual ela fornece as informações necessárias à avaliação da riqueza patrimonial e dos resultados produzidos por sua gestão.

Uma vez definido que o objeto da contabilidade é o patrimônio, podemos,

logicamente, inferir que a perícia será de natureza contábil quando versar sobre

elementos do patrimônio de qualquer entidade, seja ela física ou jurídica, formal ou

não, estatal ou privada (ALBERTO, 2002, p.46).

Sendo assim, Alberto conceitua perícia contábil como: “um instrumento

técnico-científico de constatação, prova ou demonstração, quanto à veracidade de

situações, coisas ou fatos oriundos das relações, efeitos e haveres que fluem do

patrimônio de quaisquer entidades” (2002, p.48).

Já Lopes de Sá define perícia contábil como (2004, p.14):

Perícia contábil é a verificação de fatos ligados ao patrimônio individualizado visando oferecer opinião, mediante questão proposta. Para tal opinião realizam-se exames, vistorias, indagações, investigações, avaliações, arbitramentos, em suma todo e qualquer procedimento necessário à opinião. Se desejamos saber se uma pessoa teve em sua conta bancária somas de dinheiro que ultrapassaram a sua renda ou que não possuem origem comprovada e sadia, só uma perícia específica da conta vai permitir-nos a opinião.

Conceito semelhante é apresentado pela NBC T 13, aprovada pelo CFC, que

define perícia contábil como: “A perícia contábil é o conjunto de procedimentos

técnicos que tem por objetivo a emissão de laudo sobre questões contábeis, mediante

exame, vistoria, investigação, arbitramento, avaliação ou certificação” (CFC, 1992).

Consequentemente, conclui-se que a produção de provas periciais que

envolvam questões patrimoniais e rendimentos financeiros, em processos de crime

de lavagem de capitais, necessita a realização de perícia contábil.

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Uma vez definido o conceito de perícia contábil, é importante analisar os

preceitos normativos que a regulam, contrapondo as semelhanças e divergências nos

ritos e procedimentos adotados nos processos cíveis e penais.

2.1.1. Previsões legais sobre perícia nas Normas de Contabilidade Brasileira, no

Novo Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal

O Código Civil, lei n.º 10.406/2002, prevê como meios de prova de um fato

jurídico (BRASIL, 2002):

Art. 212 – Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: I – confissão; II – documento; III – testemunha; IV – presunção; V – perícia.

Já o Novo Código de Processo Civil (NCPC), lei 13.105/2015, prevê que são

meios de provas admitidos em processos (BRASIL, 2015):

Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

Ou seja, o NCPC admite todos os meios legais e morais de produção de

prova, mesmo que não previstos em lei.

Por outro lado, o Código de Processo Penal (CPP), lei 3.689/1941, afirma que

(BRASIL, 1941):

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Desta forma, todas as provas juntadas aos autos do processo penal devem

passar pelo crivo contraditório, ou seja, pela análise e manifestação das partes, para

então serem admitidas como provas. Salvo contrário, serão considerados como

elementos de informação, e a decisão do juiz não poderá ser embasada

exclusivamente neles.

Cumpre ressaltar que, em se tratando de matéria penal, a confissão tem valor

relativo, conforme ensina Rangel (2014, p.462):

No processo penal, os fatos, controvertidos ou não, necessitam ser provados, face aos princípios da verdade processual e do devido processo legal, pois, mesmo que o réu confesse todos os fatos

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narrados na denúncia, sua confissão não tem valor absoluto, devendo ser confrontada com os demais elementos de prova dos autos.

Nesse sentido dispõe o CPP (BRASIL, 1941):

Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

Quanto a prova pericial, Lopes de Sá afirma que a perícia é uma prova, e

como tal, deve se alimentar-se essencialmente de evidências que sejam efetivas,

inequívocas e formalmente sustentáveis (2004, p.233).

Lopes de Sá acrescenta (2004, p.236):

O profissional de Contabilidade que se preocupa com a ética, todavia, só aceita como comprovado o que deveras é inequívoco. Suposições, alternativas, hipóteses, indícios, sinalizações não são elementos suficientes para a comprovação de fatos derivados de transformações patrimoniais; no máximo, são subsídios para que se encontre a

realidade.

Desta forma, a manifestação do perito deve ser objetiva e sustentada pelas

evidências juntadas ao processo, não sendo admitido que a manifestação do perito

se embase em presunções ou opiniões pessoais.

As principais Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC) que regulamentam

a atividade do perito contador são: NBC TP 01 e NBC PP 01.

A NBC TP 01 conceitua perícia contábil como (CFC, 2015):

2. A perícia contábil constitui o conjunto de procedimentos técnico-científicos destinados a levar à instância decisória elementos de prova necessários a subsidiar a justa solução do litígio ou constatação de fato, mediante laudo pericial contábil e/ou parecer técnico-contábil, em conformidade com as normas jurídicas e profissionais e com a legislação específica no que for pertinente.

O NCPC prevê em que consiste a prova pericial e quando deverá ser

indeferida sua realização, conforme dispositivo abaixo (BRASIL, 2015):

Art. 464 – A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

§1º O juiz indeferirá a perícia quando: I – a prova do fato não depender de conhecimento especial técnico; II – for desnecessária em vista de outras provas produzidas; III – a verificação for impraticável.

De outra forma, o CPP regulamenta que deverá ser realizado exame de corpo

de delito nos casos de crimes que deixam vestígios, e estabelece que o exame pericial

será dispensável quando for desnecessário ao esclarecimento da verdade, salvo o

exame de corpo de delito, conforme compreensão dos seguintes dispositivos

(BRASIL, 1941):

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Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não for necessária ao esclarecimento da verdade.

Corpo de delito, segundo Távora e Alencar (2012, p. 407):

É o conjunto de vestígios materiais deixados pela infração penal, seus elementos sensíveis, a própria materialidade, em suma, aquilo que pode ser examinado através dos sentidos. […] Já o exame de corpo de delito é a perícia que tem por objeto o próprio corpo de delito. Se a infração deixa vestígios, impõe-se a realização do exame de corpo de delito […] não sendo possível a realização do exame, podemos nos valer da prova testemunha para atestar a materialidade delitiva.

Doutra forma, Nucci afirma que corpo de delito é a verificação da existência

do crime, realizado por peritos, de forma direta nos vestígios materiais, ou de forma

indireta, utilizando-se de outras evidências quando os vestígios desaparecerem (2014,

p.344). Portanto, na visão do processo penal, deverá ser realizado exames periciais

sempre que a infração deixar vestígios (exame de corpo de delito), ou quando for

necessária para o esclarecimento da verdade.

Quanto à nomeação do perito no NCPC (BRASIL, 2015):

Art. 156. O juiz será assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico. § 1º Os peritos serão nomeados entre os profissionais legalmente habilitados e os órgãos técnicos ou científicos devidamente inscritos em cadastro mantido pelo tribunal ao qual o juiz está vinculado. § 2º Para formação do cadastro, os tribunais devem realizar consulta pública, por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou em jornais de grande circulação, além de consulta direta a universidades, a conselhos de classe, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Ordem dos Advogados do Brasil, para a indicação de profissionais ou de órgãos técnicos interessados.

Segundo Neves (2014, p. 539) o ordenamento brasileiro adotou o sistema de

escolha do perito pelo juiz, não tendo as partes influência nessa escolha, detendo o

juiz liberdade para decidir quem funcionará como perito da demanda judicial.

Para Didier Jr et al:

A perícia não pode ser realizada por uma pessoa qualquer. Existem requisitos a serem preenchidos para que seja escolhida como perito. Deve ser uma pessoa física ou jurídica. Além disso: a) deve ser um profissional técnico – não necessariamente culto e letrado (ex.: perito-mecânico, em uma causa de acidente de veículo); b) pessoa de confiança do juiz, dotado de idoneidade moral – afinal, o juiz decide com base no laudo pericial, e o jurisdicionado tem o direito fundamental a um julgamento justo, o que só será possível se o laudo for idôneo.

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Entretanto, no processo penal, o CPP dispõe que as perícias deverão ser

realizadas por peritos oficiais, e entende-se como peritos oficiais, servidores públicos

de órgão de perícia do Estado, destinado exclusivamente a produzir perícias,

conforme pode ser observado no seu artigo 159 (BRASIL, 1941):

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. § 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

No entanto, o §1º, do art. 159, do CPP ressalva que na hipótese de falta de

perito oficial, o juiz poderá nomear duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de

curso superior preferencialmente na área objeto da perícia, para desempenhar o papel

de peritos.

Nesse sentido, Távora e Alencar explanam (2012, p; 402):

As perícias, como regra, são realizadas por um perito oficial, isto é, pessoa que integra os quadros do próprio Estado, e portador de diploma de curso superior, sendo-lhes assegurada autonomia técnica, científica e funcional […] Na perícia oficial, a investidura do expert é dada por lei, e independe da nomeação pela autoridade policial ou judiciária, sendo o exame requisitado ao diretor da repartição […] Na ausência de perito oficial, a autoridade pode valer-se dos peritos-não-oficiais ou juramentados, é dizer, pessoas idôneas, portadoras de curso superior, leia-se, terceiro grau completo e preferencialmente na área específica, com habilitação técnica relacionada à natureza do exame.

Quanto à necessidade de formação e habilitação do contador para a

realização de laudo pericial contábil, o NBC TP 01 dispõe (CFC, 2015):

47. O Decreto-Lei n.º 9.295/46, na alínea “c” do Art. 25, determina que o laudo pericial contábil e o parecer técnico-contábil somente sejam elaborados por contador ou pessoa jurídica, se a lei assim permitir, que estejam devidamente registrados e habilitados em Conselho Regional de Contabilidade. A habilitação é comprovada mediante Certidão de Regularidade Profissional emitida pelos Conselhos Regionais de Contabilidade.

A NBC PP 01 também prevê a inscrição no Conselho Regional de

Contabilidade para a atuação do contador na condição de perito (CFC, 2015):

2. Perito é o Contador regularmente registrado em Conselho Regional de Contabilidade, que exerce a atividade pericial de forma pessoal, devendo ser profundo conhecedor, por suas qualidades e experiências, da matéria periciada.

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Quanto à habilitação exigida para a atuação profissional como perito contador,

a Resolução do CFC n.º 1.502/2016 criou o Cadastro Nacional de Peritos Contábeis

e estabeleceu a realização de exame específico para a habilitação como perito,

conforme disposições abaixo (CFC, 2016):

Art. 1° Criar o Cadastro Nacional de Peritos Contábeis (CNPC) do Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Art. 2º Os contadores que exercem atividades de perícia contábil terão até 31 de dezembro de 2017 para se cadastrarem no Cadastro Nacional de Peritos Contábeis (CNPC) do CFC, por meio dos portais dos Conselhos Regionais de Contabilidade (CRCs) e no portal do CFC, inserindo todas as informações requeridas. Art. 6º A partir de 1º de janeiro de 2018, o ingresso no CNPC estará condicionado à aprovação em exame específico, regulamentado pelo CFC. Parágrafo único. O contador aprovado no Exame será inscrito, de forma automática, no CNPC do CFC.

Não obstante a previsão expressa no NBC TP 01 e no Decreto-Lei n.º

9.295/46, quanto à necessidade de inscrição no órgão de classe e a habilitação para

a realização de perícia contábil, no âmbito dos processos penais, a jurisprudência dos

tribunais tem adotado o entendimento que para peritos oficiais, servidores públicos

dos órgãos de perícia do Estado, não há necessidade de inscrição e habilitação em

conselho de classe. A título de exemplo, vejamos abaixo um acórdão do Superior

Tribunal de Justiça (STJ, 2013):

STJ. HABEAS CORPUS Nº 226.276 - RJ (2011/0283416-7). EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. PECULATO. LAUDO PERICIAL CONTÁBIL QUE EMBASOU A DENÚNCIA, FIRMADO POR TRÊS PERITOS OFICIAIS. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE DOIS DESTES NO RESPECTIVO CONSELHO PROFISSIONAL. AUSÊNCIA DESSA EXIGÊNCIA NA LEI PROCESSUAL PENAL E NA LEI DA CARREIRA. NULIDADE INEXISTENTE. PRECEDENTES. CRIMES COMETIDOS NO ÂMBITO DE AUTARQUIA FEDERAL. ART. 109, INCISO IV, DA CF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTELIGÊNCIA DA ADIN N.º 1.717-6/DF. REUNIÃO DE AÇÕES PENAIS. RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. REEXAME DE PROVA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. O Código de Processo Penal não impõe ao perito oficial a obrigatoriedade de inscrição no respectivo Conselho Profissional para a realização de seu ofício. É de se notar, inclusive, que, na ausência de peritos oficiais, o § 1.º do art. 159 até permite que o exame seja realizado "por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, escolhidas, de preferência, entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame", flexibilidade legal que denota claramente a impropriedade da exigência restritiva, qual seja, a de inscrição no Conselho de Classe.

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2. No mesmo diapasão, o Decreto-Lei n.º 2.320/87 e o Decreto n.º 5.116/04 – que tratam especificamente do ingresso na categoria funcional de Perito Criminal Federal do Quadro Permanente do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça – também não exigem que o candidato aprovado esteja inscrito no respectivo Conselho Regional de Contabilidade [...]

Assim, a falta de inscrição no respectivo conselho profissional não invalida a

atuação do perito oficial nos processos criminais. Esse também é o entendimento do

Supremo Tribunal Federal (STF, 2010):

STF. HABEAS CORPUS 95.595 RIO DE JANEIRO. EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. PERITO FEDERAL CRIMINAL. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO NA ENTIDADE DE CLASSE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. LIBERDADE DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO [ART. 5º, INCISO XIII, DA CB/88]. PERITO OFICIAL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 361/STF. 1. Inexistindo previsão legal quanto à obrigatoriedade do registro do perito no órgão de classe, não cabe a exigência desse registro para a investidura no cargo de perito da Polícia Federal, tampouco para o exercício da função de perito oficial [...]

A respeito da perícia oficial, a NBC TP 01 prevê que as perícias oficiais são

executadas por órgãos do Estado (CFC, 2015):

5. A perícia judicial é exercida sob a tutela do Poder Judiciário. A perícia extrajudicial é exercida no âmbito arbitral, estatal ou voluntária. A perícia arbitral é exercida sob o controle da lei de arbitragem. Perícias oficial e estatal são executadas sob o controle de órgãos de Estado […]

O dispositivo do NBC TP 01 acima retratado se harmoniza com o

entendimento do STJ e STF supra mencionados, pois transfere aos órgãos do Estado

a execução e controle dos trabalhos elaborados pelos peritos oficiais, inclusive quanto

à apuração de desvios profissionais.

Quanto aos elementos do laudo pericial, o NCPC prevê (BRASIL, 2015):

Art. 473. O laudo pericial deverá conter: I - a exposição do objeto da perícia; II - a análise técnica ou científica realizada pelo perito; III - a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou; IV - resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público. § 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões. § 2º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia. § 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo

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testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.

De outra forma, o CPP dispõe de forma sucinta que (BRASIL, 1941):

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.

Já a NBC TP 01 vai além das previsões do NCPC e do CPP, e afirma que o

laudo deve possuir, no mínimo:

65. O laudo deve conter, no mínimo, os seguintes itens:

(a) identificação do processo e das partes; (b) síntese do objeto da perícia; (c) resumo dos autos; (d) metodologia adotada para os trabalhos periciais e esclarecimentos; (e) relato das diligências realizadas; (f) transcrição dos quesitos e suas respectivas respostas para o laudo pericial contábil; (g) transcrição dos quesitos e suas respectivas respostas para o parecer técnico-contábil, onde houver divergência das respostas formuladas pelo perito do juízo; (h) conclusão; (i) termo de encerramento, constando a relação de anexos e apêndices; (j) assinatura do perito: deve constar sua categoria profissional de contador, seu número de registro em Conselho Regional de Contabilidade, comprovado mediante Certidão de Regularidade Profissional (CRP) e sua função: se laudo, perito do juízo e se parecer, perito-assistente da parte. É permitida a utilização da certificação digital, em consonância com a legislação vigente e as normas estabelecidas pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras - ICP-Brasil; (k) para elaboração de parecer, aplicam-se o disposto nas alíneas acima, no que couber.

Porém, novamente é necessário ressaltar que a exigência prevista no item “j”

acima, que prevê a exigência de registro profissional de contador no Conselho

Regional de Contabilidade, não se aplica nos casos de perícia oficial.

Quanto à atuação dos assistentes técnicos, o NCPC prevê (BRASIL, 2015):

Art. 465. § 1º Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito: I - arguir o impedimento ou a suspeição do perito, se for o caso; II - indicar assistente técnico; III - apresentar quesitos. Art. 466. § 2º O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que

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realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.

Por outro lado, o CPP prevê (BRASIL, 1941):

Art. 159. §3º Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico. § 4º O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos

oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão.

Ou seja, os assistentes técnicos, no processo penal, começam a atuar

somente após a sua admissão pelo juiz e depois de elaborado o laudo pericial. Sendo

que no processo civil os assistentes técnicos acompanham os peritos em suas

diligências.

Após a análise desses dispositivos legais e normativos aplicados à perícia

contábil, verificaremos as particularidades das investigações e dos exames periciais

contábeis utilizados nos processos penais de crimes de lavagem de dinheiro.

2.2. Crime de lavagem de dinheiro

A lei de combate à lavagem de dinheiro prevê como crime (BRASIL, 1998):

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. § 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. § 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) apresenta em sua

cartilha sobre lavagem de dinheiro a seguinte definição (COAF, 2015, p.01) :

Lavagem de dinheiro é o processo pelo qual o criminoso transforma recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com uma origem aparentemente legal. Essa prática geralmente envolve múltiplas transações, usadas para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem comprometer os criminosos. A dissimulação é, portanto, a base para toda operação de lavagem que envolva dinheiro proveniente de um crime antecedente.

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Assim, observa-se que a principal finalidade na prática do crime de lavagem

de dinheiro é possibilitar que o criminoso possa utilizar recursos financeiros oriundos

da prática de crimes.

O COAF descreve o processo utilizado pelos criminosos para lavar dinheiro

da seguinte forma (COAF, 2015, p.04):

Para disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos, a lavagem de dinheiro realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer: primeiro, o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação direta deles com o crime; segundo, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; e terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois de ter sido suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado "limpo”.

Ou seja, o crime de lavagem de dinheiro é dividido em três etapas: colocação,

ocultação e integração. O COAF define essas etapas como (COAF, 2015, p.04):

1. Colocação – a primeira etapa do processo é a colocação do dinheiro no sistema econômico. Objetivando ocultar sua origem, o criminoso procura movimentar o dinheiro em países com regras mais permissivas e naqueles que possuem um sistema financeiro liberal. A colocação se efetua por meio de depósitos, compra de instrumentos negociáveis ou compra de bens. Para dificultar a identificação da procedência do dinheiro, os criminosos aplicam técnicas sofisticadas e cada vez mais dinâmicas, tais como o fracionamento dos valores que transitam pelo sistema financeiro e a utilização de estabelecimentos comerciais que usualmente trabalham com dinheiro em espécie. 2. Ocultação – a segunda etapa do processo consiste em dificultar o rastreamento contábil dos recursos ilícitos. O objetivo é quebrar a cadeia de evidências ante a possibilidade da realização de investigações sobre a origem do dinheiro. Os criminosos buscam movimentá-lo de forma eletrônica, transferindo os ativos para contas anônimas – preferencialmente, em países amparados por lei de sigilo bancário – ou realizando depósitos em contas “fantasmas”. 3. Integração – nesta última etapa, os ativos são incorporados formalmente ao sistema econômico. As organizações criminosas buscam investir em empreendimentos que facilitem suas atividades – podendo tais sociedades prestarem serviços entre si. Uma vez formada a cadeia, torna-se cada vez mais fácil legitimar o dinheiro ilegal.

Buscando enfrentar a praticar do crime de lavagem de dinheiro, o Estado

procurou meios para facilitar a identificação dos valores oriundos de atividades ilícitas,

aprimorando o combate à utilização de ganhos econômicos resultantes de práticas

criminosas, com objetivo de combater o braço econômico-financeiro de organizações

criminosas.

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Assim, mesmo que o delito que originou os recursos econômicos “lavados”

não seja investigado e punido, o Estado tem condições de punir pessoas que se

aproveitam do produto econômico de crimes, pretendendo desta forma inibir a prática

de novos delitos.

Além disso, a lei de lavagem de capitais também criou o Conselho de Controle

de Atividades Financeiras (COAF), órgão que atualmente está vinculado ao Ministério

da Justiça, com as seguintes finalidades (BRASIL, 1998):

Art. 14. Fica criado, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades. Art. 15. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito.

Com isso, o Estado buscou criar mecanismos para implementação de

políticas nacionais voltadas para o combate à lavagem de dinheiro, evitando que

setores da economia continuem sendo utilizados em operações ilícitas (COAF, 2015,

p.2).

2.2.1. Meios de prova no crime de lavagem de capitais

Por se tratar de crimes que deixam lastro financeiro, os meios de prova no

crime de lavagem de capitais utilizam-se de análise de documentos, oitiva de

testemunhas, perícias em contratos e transações suspeitas de simulação, perícia para

avaliar variação patrimonial sem lastro, e outras formas de comprovar que

determinada quantia não possui origem lícita.

Neste sentido, os peritos da Polícia Federal ROSA e LIMA (2018, p. 8)

afirmam que as perícias em delitos de cunho econômico se dão em diversos

documentos que fazem parte do dia-a-dia dos contadores, asseveram que:

Diferentemente dos crimes de homicídio e de furto, por exemplo, em que o corpo de delito inscreve-se em uma cena de crime melhor delimitada, nos crimes de cunho essencialmente econômico, os vestígios estão dispersos em estruturas financeiras, econômicas e administrativas; materializados em extratos bancários, cheques, ordens bancárias, relatórios de aplicações financeiras, declarações de impostos de renda, processos licitatórios, contratos, notas fiscais, livros contábeis e diversos outros documentos que representem as transações financeiras e as relações econômicas. Assim, a análise

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pericial desse conjunto probatório serve para apontar se existem ou não elementos caracterizadores de crime financeiro.

Como visto, dada a relação do delito de lavagem de capitais com os delitos

anteriores, é importante a realização de uma perícia contábil para criar um nexo de

ligação entre os valores lavados e o crime anterior, e, desta forma, produzir prova para

condenar os infratores no processo penal.

2.3. Perícia contábil em processos de crime de lavagem de capitais

A perícia contábil nos crimes de lavagem de capitais é realizada através de

procedimentos de verificação de transações financeiras, verificação de possíveis

transações simuladas, verificação de evolução patrimonial, verificação de

rendimentos, identificação de contabilidade fraudulenta ou paralela, etc (ROSA e

LIMA, 2018, p.08).

Por outro lado, a NBC T 13 prevê que: “os procedimentos de perícia contábil

visam fundamentar o laudo e abrangem, segundo a natureza e complexidade da

matéria, o exame, vistoria, indagação, investigação, arbitramento, avaliação e

certificação” (CFC, 1992).

Neste ponto, vale observar a explanação de ROSA e LIMA (2018, p.08) sobre

um dos exames mais utilizados pela perícia contábil para combate aos delitos de

lavagem de dinheiro:

No combate ao crime de lavagem de dinheiro, um dos mais importantes exames periciais na evidenciação dessas técnicas de lavagem é o rastreamento de recursos. Trata-se de procedimento utilizado pelo expert com propósito de identificar a origem e o destino de fundos movimentados, a fim de desenhar o caminho do dinheiro e alcançar, na gênese, a conexão com o crime antecedente. Esse exame permite, ainda, estabelecer relacionamentos entre pessoas e bens, de modo a revelar a estrutura da organização criminosa. Vale destacar que o rastreamento de recursos é um dos poucos meios que permite o avanço investigativo na hierarquia do crime, uma vez que os líderes das organizações costumam ficar “ocultos”, valendo-se de operadores para praticar os atos criminosos por eles determinados.

Portanto, o exame de rastreamento de recursos é uma importante ferramenta

para investigar e provar o crime de lavagem de capitais. Rastreando o caminho que o

dinheiro faz é possível identificar toda a cadeia de pessoas envolvida na organização

criminosa.

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Para a realização dos exames periciais contábeis, os experts contam com

recursos como software especializados, planilhas, análise documentais, informações

bancárias e fiscais, relatórios do COAF, etc.

O perito da Polícia Federal PINTO (2016, p.16) apresenta algumas

ferramentas utilizadas na realização de perícias contábeis pela Policia Federal, nos

âmbito das investigações da Operação Lava-Jato, são os softwares SIMBA, SPED e

IPED:

SIMBA: Sistema de Investigação de Movimentação Bancária foi a ferramenta desenvolvida para facilitar a análise da movimentação bancária do investigado. Antes do desenvolvimento desse sistema, quando os bancos, por ordem judicial, apresentavam os extratos das contas bancárias, por força da quebra de sigilo bancário de uma pessoa física ou jurídica, enviavam pesadas caixas contendo listas numéricas com débitos e créditos que o perito ficava meses somando, com grande possibilidade de errar alguma digitação de algarismos, além de perder muito tempo no exame. Em seguida, a informação bancária evoluiu para arquivos digitais gravados em mídia ótica (CD ou DVD), que eram sumarizados pelos peritos. O inconveniente residia no fato de cada banco enviar os extratos do investigado em formatos eletrônicos diversos: pdf, txt, xls ou mesmo jpg. O perito tinha que transportar esses diversos formatos eletrônicos para planilhas, muitas vezes digitando dados não lidos ou ainda utilizando-se de leitura OCR em documentos impressos, posteriormente digitando as leituras mal identificadas. A perícia criminal federal evoluiu para o SIMBA, que representa uma congregação de todas informações financeiras alimentadas pelo banco e dispostas para o perito avaliar, com muito mais rapidez e precisão, utilizando filtros e convertendo instantaneamente os dados bancários informados. SPED Contábil: Sistema Público de Escrituração Digital, que foi desenvolvido pela Secretaria da Receita Federal (SRF), reúne a escrituração contábil empresarial e dispensa a utilização de livros contábeis em papel, passando-os para livros digitais. Desta forma, quando a ordem judicial determina a quebra de sigilo fiscal de uma pessoa física ou jurídica, a SRF informa os dados disponíveis digitalmente. Os arquivos digitais utilizados no SPED Contábil estão no formato txt. A SRF utiliza, na interpretação desses arquivos, o programa desenvolvido na própria Secretaria, chamado de CONTAGIO. Tal programa seria de grande valia para a perícia criminal, mas ainda não foi disponibilizado para uso a Polícia Federal. Os dados de formato “.txt” do SPED, foram, então, no âmbito da perícia criminal federal, lidos pelo programa Microsoft Acces. Assim, após a utilização dos dados fiscais extraídos do SPED Contábil, foi possível avaliar toda a contabilidade das construtoras e demais empresas investigadas na Operação Lava Jato, viabilizando identificar o registro de pagamentos suspeitos para pessoas e empresas investigadas na Operação. Além do fornecimento dos dados contábeis registrados no SPED Contábil, a SRF também disponibiliza os dados fiscais declarados na Declaração de Imposto de Renda do investigado bem como dossiê fiscal que informa gastos efetuados em cartões de crédito. A análise da evolução patrimonial do investigado

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em conjunto com a observação de suas entradas e saídas (origens e destinos) financeiras em contas bancárias possibilita ao perito determinar se o investigado gastou mais do que tinha disponível para gastar, o que, em tese, configuraria omissão de receitas nas declarações do investigado. Assim, foi possível, por exemplo, conforme descrito no Laudo 1742/2015-SETEC/SR/DPF/PR, comprovar que o réu José Dirceu, ex-Chefe da Casa Civil, apresentou, em determinados anos, evolução patrimonial superior à sua disponibilidade financeira. IPED: Outra ferramenta importante na análise pericial contábil-financeira é o IPED, Indexador e Processador de Evidências Digitais. Trata-se de um sistema informatizado de indexação e processamento das evidências contidas em mídias digitais, que torna possível a identificação de arquivos eletrônicos definidos por argumentos (palavras-chave) de pesquisa em grandes volumes de dados apreendidos. O IPED é o indexador desenvolvido pela perícia federal e possibilita a identificação de termos procurados nos diversos arquivos disponibilizados para a análise do perito. Os laudos contábeis-financeiros do âmbito da Operação Lava-Jato são emitidos após exame de grande volume de dados, chegando a centenas de terabytes. O IPED faz a leitura de todos os arquivos disponibilizados, como, por exemplo, os contidos nos HDs apreendidos durante as operações que contém, dentre outras informações, os e-mails trocados pelos políticos investigados, empresários, doleiros e as muitas outras pessoas físicas e jurídicas envolvidas nesse grande esquema de corrupção. Foi a utilização do IPED que tornou possível a identificação dos pagamentos à empresa LILS Palestras e Eventos Ltda, nome até então desconhecido pela investigação e desvendado, pela primeira vez, no Laudo 1047/2015-SETEC/SR/DPF/PR, que identificou repasses da Construtora Camargo Correa para a empresa de palestras.

Assim, é possível verificar que com o avanço da digitalização das informações

contábeis e financeiras, está possibilitando aos órgãos de investigação e controle do

Estado obter mais informações contábeis e melhorando a capacidade de cruzar

informações, facilitando o rastreamento dos recursos financeiros. Essa evolução

permite ao Estado atuar de forma mais eficaz no combate ao crime organizado e

lavagem de dinheiro.

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3. METODOLOGIA

A metodologia de trabalho consistiu em análise de documento, sendo

realizado pesquisas bibliográficas em livros de direito e de contabilidade, na legislação

concernente ao tema, em normas contábeis referentes à perícia contábil, em artigos

científicos, revistas e demais periódicos, bem como pesquisas em sites de internet.

Após, foram colhidos arquivos pertinentes ao desenvolvimento do tema.

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4. CONCLUSÃO

O crime de lavagem de capitais pode provocar enormes prejuízos ao ambiente

econômico de um país, pois através dele é inserido na economia formal valores

oriundos de atividades criminosas, prejudicando assim a livre concorrência do

mercado.

Dessa forma, é necessário que o Estado reprima a prática do crime de

lavagem de dinheiro, evitando que organizações criminosas possam usufruir dos

benefícios econômicos de suas atividades ilícitas e, por consequência,

desestimulando a prática de novos delitos.

Para tanto, a contabilidade desenvolve papel essencial na investigação e

apuração de crimes de lavagem de capitais, pois nesses tipos de delitos o que se

busca constatar é a ocultação, dissimulação ou utilização de bens, direitos ou valores

oriundos da prática de infrações penais. Sendo assim, é necessário a avaliação

patrimonial dos suspeitos e o rastreamento de suas origens. E, como se sabe, o

patrimônio é o objeto de estudo da ciência contábil.

Portanto, para a produção de provas em processos criminais de lavagem de

capitais, é necessário a realização de perícias contábeis para determinar a origem

ilícita de bens e valores, possibilitando que se rastreie a origem de recursos

econômicos suspeitos e a identificação de possíveis participantes no crime de

lavagem de capitais.

O rastreamento de recursos é um dos principais exames periciais num

processo de lavagem de dinheiro, pois através dele é possível seguir o caminho que

o dinheiro percorreu dentro de uma organização criminosa, possibilitando a

identificação de seus membros e o conhecimento de sua hierarquia interna.

Por fim, tendo em vista a enorme engenhosidade utilizada pelas organizações

criminosas na lavagem de capitais, constantemente modificando suas operações

econômicas e adotando novas formas de fraudes e simulações, é necessário que o

Estado invista constantemente em modernização dos órgãos de controle e de perícia,

para que consiga combater eficientemente o crime de lavagem de capitais.

E mais, é essencial que o Estado invista em novas tecnologias e no

compartilhamento de banco de dados para facilitar o cruzamento de informações e o

rastreamento de recursos suspeitos.

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4. REFERÊNCIAS

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