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mar 2008 | itaucultural.org.br 8 ITAÚ CULTURAL Infância multicultural

Continuum 08 - Infância multicultural

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Nesta edição, a revista Continuum Itaú Cultural enfoca a relação entre infância, arte e cultura. Uma relação que, há tempos, não situa as crianças como meras receptoras, mas também como verdadeiras produtoras de conteúdo cultural e artístico. Sob o título Infância Multicultural, esta edição mostra o que é produzido pelas crianças, além de revelar a visão infantil sobre a arte.

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Page 1: Continuum 08 - Infância multicultural

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ITAÚ CULTURAL

Infância multicultural

Page 2: Continuum 08 - Infância multicultural

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sumário

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ITAÚ CULTURAL

Mentes que brilhamProjetos capitaneados por artistas ensinam arte e cultura para crianças

Arteiros encontram artistasEm visita a exposições, crianças vêem a arte de hoje e de ontem

Aqui quem manda é a criançaIntegrantes da Fundação Casa Grande, do Ceará, entrevistam seu mestre, Alemberg Quindins

Os usos do encantamentoEm artigo, a escritora infantil Angela-Lago fala dos contos de fadas

Muito mais que a hora do contoNo Sul do Brasil, arte e cultura para crianças

A arte na escola: um longo caminhoA educação artística como início da preparação dos futuros criadores

Grande rede, pequenos produtoresCrianças que produzem cultura na web

Continuum onlineConteúdo exclusivo da revista na internet

Área livreCrianças do Instituto Acaia mostram sua arte

Protagonistas da arte e da cultura

Hoje em dia, além de ter acesso a uma gama de ações, projetos, sites e programações criados exclusivamente para elas, as crianças deixaram de ser apenas receptoras de cultura e se tornaram, em alguns casos, produtoras de conteúdo cultural e artístico. Têm blogs, onde escrevem sobre os assuntos próprios à sua idade, fazem jornais, programas de TV e desenhos animados e aventuram-se na pintura (como no caso da pintora mirim americana Marla Olmstead, que se iniciou nas artes aos � anos de idade).

Iniciativas Brasil afora mostram o crescimento de uma nova forma de pedagogia, marcada pelo protagonismo infantil e pelo caráter multicultural. No sul do Ceará, por exemplo, cerca de 70 crianças vivem uma experiência de educação em comunicação, na Fundação Casa Grande – são produtores, repórteres, pauteiros, cinegrafistas, ilustradores que assumem com responsabilidade demandas como a de realizar a entrevista deste mês da Continuum Itaú

Cultural, com o músico Alemberg Quindins, criador da ONG. Outras ações, retratadas na reportagem que abre a revista, mostram como artistas visuais, músicos e coreógrafos estendem seu papel ao se dedicar a ensinar às crianças sua arte. É o caso dos artistas do Instituto Acaia, de São Paulo, que abriga o grupo Xilo Ceasa, de aprendizes na gravura. Alguns dos trabalhos criados pelas crianças do grupo ilustram a seção Área Livre.

A visita de um grupo infantil a quatro exposições em cartaz em São Paulo, tema de

mais uma reportagem da edição, mostra que, à parte o lado lúdico, as crianças têm uma visão bem peculiar da arte, com interpretações por vezes conceituais sobre as obras

que viram.

Reportagens exclusivas sobre o tema Infância Multicultural serão publicadas na versão virtual da revista, em nosso site, durante todo o

mês. Acesse e participe.

8 mar �008

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Tiragem 10 mil – distribuição gratuita Sugestões e críticas devem ser encaminhadas ao Núcleo de Comunicação e Relacionamento [email protected]. Jornalista responsável Ana de Fátima Sousa MTb 13.554

Continuum Itaú Cultural Projeto Gráfico Jader Rosa Redação André Seiti, Érica Teruel Guerra, Marco Aurélio Fiochi, Thiago Rosenberg Colaboraram nesta edição Alexandre Inagaki, Angela-Lago, Augusto Paim, Cia de Foto, Crianças da Fundação Casa Grande, Grupo Xilo Ceasa, Luiz Fukushiro, Mariana Sgarioni, Micheliny Verunschk, Patrícia Patrício Agradecimentos Escola Pra Gente Pequena, Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, Galeria Vermelho, Instituto Acaia, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Paço das Artes, Pinacoteca do Estado de São Paulo

capa imagem: Cia de Foto

ISSN �98�-8084 Matrícula 55.08� (dezembro de �007)

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ITAÚ CULTURAL

Mentes que brilhamProjetos capitaneados por artistas ensinam arte e cultura para crianças

Arteiros encontram artistasEm visita a exposições, crianças vêem a arte de hoje e de ontem

Aqui quem manda é a criançaIntegrantes da Fundação Casa Grande, do Ceará, entrevistam seu mestre, Alemberg Quindins

Os usos do encantamentoEm artigo, a escritora infantil Angela-Lago fala dos contos de fadas

Muito mais que a hora do contoNo Sul do Brasil, arte e cultura para crianças

A arte na escola: um longo caminhoA educação artística como início da preparação dos futuros criadores

Grande rede, pequenos produtoresCrianças que produzem cultura na web

Continuum onlineConteúdo exclusivo da revista na internet

Área livreCrianças do Instituto Acaia mostram sua arte

Protagonistas da arte e da cultura

Hoje em dia, além de ter acesso a uma gama de ações, projetos, sites e programações criados exclusivamente para elas, as crianças deixaram de ser apenas receptoras de cultura e se tornaram, em alguns casos, produtoras de conteúdo cultural e artístico. Têm blogs, onde escrevem sobre os assuntos próprios à sua idade, fazem jornais, programas de TV e desenhos animados e aventuram-se na pintura (como no caso da pintora mirim americana Marla Olmstead, que se iniciou nas artes aos � anos de idade).

Iniciativas Brasil afora mostram o crescimento de uma nova forma de pedagogia, marcada pelo protagonismo infantil e pelo caráter multicultural. No sul do Ceará, por exemplo, cerca de 70 crianças vivem uma experiência de educação em comunicação, na Fundação Casa Grande – são produtores, repórteres, pauteiros, cinegrafistas, ilustradores que assumem com responsabilidade demandas como a de realizar a entrevista deste mês da Continuum Itaú

Cultural, com o músico Alemberg Quindins, criador da ONG. Outras ações, retratadas na reportagem que abre a revista, mostram como artistas visuais, músicos e coreógrafos estendem seu papel ao se dedicar a ensinar às crianças sua arte. É o caso dos artistas do Instituto Acaia, de São Paulo, que abriga o grupo Xilo Ceasa, de aprendizes na gravura. Alguns dos trabalhos criados pelas crianças do grupo ilustram a seção Área Livre.

A visita de um grupo infantil a quatro exposições em cartaz em São Paulo, tema de

mais uma reportagem da edição, mostra que, à parte o lado lúdico, as crianças têm uma visão bem peculiar da arte, com interpretações por vezes conceituais sobre as obras

que viram.

Reportagens exclusivas sobre o tema Infância Multicultural serão publicadas na versão virtual da revista, em nosso site, durante todo o

mês. Acesse e participe.

8 mar �008

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Tiragem 10 mil – distribuição gratuita Sugestões e críticas devem ser encaminhadas ao Núcleo de Comunicação e Relacionamento [email protected]. Jornalista responsável Ana de Fátima Sousa MTb 13.554

Continuum Itaú Cultural Projeto Gráfico Jader Rosa Redação André Seiti, Érica Teruel Guerra, Marco Aurélio Fiochi, Thiago Rosenberg Colaboraram nesta edição Alexandre Inagaki, Angela-Lago, Augusto Paim, Cia de Foto, Crianças da Fundação Casa Grande, Grupo Xilo Ceasa, Luiz Fukushiro, Mariana Sgarioni, Micheliny Verunschk, Patrícia Patrício Agradecimentos Escola Pra Gente Pequena, Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, Galeria Vermelho, Instituto Acaia, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, Paço das Artes, Pinacoteca do Estado de São Paulo

capa imagem: Cia de Foto

ISSN �98�-8084 Matrícula 55.08� (dezembro de �007)

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Mentes que brilhamO trabalho de artistas brasileiros que dedicam boa parte de seu tempo a ensinar crianças

Por Mariana Sgarioni

“Tia, você acha que dá para a gente viver de cavocar madeira?”, perguntou um menino à artista plástica Elisa Bracher, que o ensinava a manipular uma matriz durante uma aula de xilogravura. Emocionada, Elisa parou um minuto para pensar. Sim, há mais de �0 anos ela vive justamente de “cavocar madeira” – suas esculturas com esse material já lhe renderam prêmios e mostras dentro e fora do Brasil. No caso do pequeno aprendiz, a pergunta faz ainda mais sentido: ele, como a maioria das crianças da favela onde mora, nasceu e cresceu mexendo justamente em madeira, seja ajudando os pais a construir barracos, seja fazendo seus próprios brinquedos. Foi então que Elisa percebeu que o trabalho que vem desenvolvendo com as crianças da favela ao lado de seu ateliê, em São Paulo, estava surtindo efeito. “Quero que eles construam não somente peças para fora e sim construam para dentro. Ou seja: que eles se estruturem internamente”, diz.

Assim como Elisa, artistas de todo o Brasil dedicam boa parte de seu tempo a ensinar sua arte às futuras gerações. Desenvolver a cidadania, elevar a auto-estima, levar a arte ao domínio público, ensinar uma nova profissão, combater a criminalidade, promover a inclusão social: são vários os motivos que fazem esses artistas deixarem por alguns momentos sua criação de lado para pensar no bem comum – ou melhor, especialmente no bem de pequenos talentos. “Apenas obras não erradicam a pobreza”, afirmou o músico Carlinhos Brown, ao inaugurar, em �994, a Fundação Pracatum, no bairro do Candeal, em Salvador, que conta, entre outras coisas, com aulas de música para crianças ministradas por ele mesmo.

Arte para todos

Mãe de dois filhos, Elisa Bracher conta que algo chamava sua atenção quando levava seus pequenos de manhã bem cedo para brincar num parque em São Paulo. Conforme as horas passavam, ela percebia que, sutilmente, as crianças de baixa renda que ali estavam eram “convidadas a se retirar” para que o local ficasse liberado para outras crianças mais abastadas. “Isso me incomodava demais. Era como se o ambiente não fosse acolhedor para todos. Da mesma maneira eu enxergo a arte, que abrange tão pouca gente, e os ambientes de arte, tão distantes”, diz. Essa indignação e a vontade de colocar a arte no domínio público fizeram com que, em �997, ela convidasse sete crianças que brincavam ao lado de seu ateliê para participar de oficinas em madeira. O local fica próximo ao Ceagesp, entreposto de alimentos em São Paulo, região que conta com duas favelas e um complexo habitacional Cingapura. Segundo Elisa, nas duas favelas não há sistema de esgoto nem luz elétrica regular. No Cingapura, as relações sociais são desestruturadas e o tráfico domina as áreas livres.

reportagem

A arte no cotidiano das crianças do Instituto Acaia, São Paulo | imagens: Cia de Foto

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Mentes que brilhamO trabalho de artistas brasileiros que dedicam boa parte de seu tempo a ensinar crianças

Por Mariana Sgarioni

“Tia, você acha que dá para a gente viver de cavocar madeira?”, perguntou um menino à artista plástica Elisa Bracher, que o ensinava a manipular uma matriz durante uma aula de xilogravura. Emocionada, Elisa parou um minuto para pensar. Sim, há mais de �0 anos ela vive justamente de “cavocar madeira” – suas esculturas com esse material já lhe renderam prêmios e mostras dentro e fora do Brasil. No caso do pequeno aprendiz, a pergunta faz ainda mais sentido: ele, como a maioria das crianças da favela onde mora, nasceu e cresceu mexendo justamente em madeira, seja ajudando os pais a construir barracos, seja fazendo seus próprios brinquedos. Foi então que Elisa percebeu que o trabalho que vem desenvolvendo com as crianças da favela ao lado de seu ateliê, em São Paulo, estava surtindo efeito. “Quero que eles construam não somente peças para fora e sim construam para dentro. Ou seja: que eles se estruturem internamente”, diz.

Assim como Elisa, artistas de todo o Brasil dedicam boa parte de seu tempo a ensinar sua arte às futuras gerações. Desenvolver a cidadania, elevar a auto-estima, levar a arte ao domínio público, ensinar uma nova profissão, combater a criminalidade, promover a inclusão social: são vários os motivos que fazem esses artistas deixarem por alguns momentos sua criação de lado para pensar no bem comum – ou melhor, especialmente no bem de pequenos talentos. “Apenas obras não erradicam a pobreza”, afirmou o músico Carlinhos Brown, ao inaugurar, em �994, a Fundação Pracatum, no bairro do Candeal, em Salvador, que conta, entre outras coisas, com aulas de música para crianças ministradas por ele mesmo.

Arte para todos

Mãe de dois filhos, Elisa Bracher conta que algo chamava sua atenção quando levava seus pequenos de manhã bem cedo para brincar num parque em São Paulo. Conforme as horas passavam, ela percebia que, sutilmente, as crianças de baixa renda que ali estavam eram “convidadas a se retirar” para que o local ficasse liberado para outras crianças mais abastadas. “Isso me incomodava demais. Era como se o ambiente não fosse acolhedor para todos. Da mesma maneira eu enxergo a arte, que abrange tão pouca gente, e os ambientes de arte, tão distantes”, diz. Essa indignação e a vontade de colocar a arte no domínio público fizeram com que, em �997, ela convidasse sete crianças que brincavam ao lado de seu ateliê para participar de oficinas em madeira. O local fica próximo ao Ceagesp, entreposto de alimentos em São Paulo, região que conta com duas favelas e um complexo habitacional Cingapura. Segundo Elisa, nas duas favelas não há sistema de esgoto nem luz elétrica regular. No Cingapura, as relações sociais são desestruturadas e o tráfico domina as áreas livres.

reportagem

A arte no cotidiano das crianças do Instituto Acaia, São Paulo | imagens: Cia de Foto

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A coisa deu tão certo que, dois anos depois, já havia 40 crianças aprendendo arte em madeira. Amigos e profissionais de outras áreas, como medicina, psicologia e culinária, foram se juntando para formar o que hoje é o Instituto Acaia, ONG que abriga um ateliê e um centro de estudos, ambos orientados para cuidar da educação. O Acaia recebe, no período da manhã, 80 crianças entre 7 e �� anos; à tarde, ��0 adolescentes entre �� e �8 anos incompletos; e, à noite, 60 adultos acompanhados de seus filhos pequenos (abaixo de 7 anos). Ali, já não é somente a arte em marcenaria que conta: a turma participa de aulas de vários segmentos, como música e vídeo, além de ter orientações por meio de conversas e encaminhamentos psicológicos e jurídicos. “Meu trabalho como artista não mudou muito depois do Acaia. O que mudou foi minha relação com o mundo. Descobri que a arte que eu fazia não estava sozinha, ela estava acompanhada por todos. Ela estava inserida num contexto maior”, avalia Elisa.

Com a mesma intenção de espalhar sua arte ao domínio de todos, o fotógrafo Miguel Chikaoka idealizou o Projeto Fotoativa, em �984, em Belém, Pará. Em suas oficinas, ele ensina crianças (e também adultos) a construir câmeras fotográficas utilizando folhas de papel-cartão. Com algumas dobras e um furinho, eis que uma caixa escura produz uma imagem. “No final do processo, todos ficam maravilhados, é um momento mágico. É um encantamento do que se pode fazer com as próprias mãos”, conta ele, ao descrever que o processo de confecção da câmera é trabalhado vagarosamente, com todos os passos em questão. Já que vamos usar as mãos, vamos pensar no significado dessas mãos – e assim por diante. Em foco, está sempre o objeto de trabalho de Chikaoka, que é a luz. “Mostro fios representando os raios de luz. Minha

proposta é educar com a luz, educar para a luz.” O Projeto Fotoativa, em parceria

com a Prefeitura de Belém, chegou a ensinar �00 crianças em pouco

mais de um mês no fim do ano passado.

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O coreógrafo e educador Ivaldo Bertazzo, de São Paulo, também se incomoda com a idéia de que aprender a lidar com o corpo e o mo-vimento seja privilégio apenas de alguns. “Qualquer um pode aprender a dançar, desde que se envolva e se dedique a isso”, afirma. Em �000, instalou-se no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e por três anos tocou um projeto de experimentação motora com 70 adolescentes e jovens moradores do local. Tudo deu tão certo que resultou nos espetáculos Mãe Gentil (�000), Folias Guanabaras (�00�) e Dança das Marés (�00�). Desde �004, Bertazzo dedica-se ao Projeto Dança Comunidade/Sesc, em São Paulo, onde já estreou o espetáculo Samwaad – Rua do Encontro, em �004, com 54 jovens, e, em �005, Milágrimas, com 4� integrantes. “O movimento nos ajuda a racionalizar. A ca-pacidade do ser humano de pensar vem de centenas de anos de experimentação motora”, explica. “Redescobrir a motricidade e organizar os movimentos organiza também o cérebro e a percepção do mundo.”

Caminho inverso

Alguns artistas que nasceram e cresceram em comunidades carentes hoje percorrem o caminho inverso, tentando passar sua arte aos pequenos que ainda vivem em dificul-dades, nas mesmas circunstâncias que acon-teceram em sua própria infância. É o caso do músico Maurício Alves, percussionista do grupo pernambucano Mestre Ambrósio. Ele cresceu em Casa Amarela, bairro situado na zona noroeste do Recife, conhecido tanto por sua riqueza e diversidade cultural como pela carência de recursos de seus habitan-tes. Desde muito cedo, mesmo em condi-ções precárias, Maurício teve acesso a ritmos que se faziam nas ruas, como coco, mara-catu, ciranda. Sem ter aulas formais, ele foi aprendendo um batuque aqui, um suingue acolá. Até o dia em que entrou num projeto da prefeitura e aprendeu a tocar berimbau e atabaques. Lá mesmo, um professor apos-tou em seu talento e o inscreveu em aulas profissionalizantes de música erudita. Ao chegar a São Paulo, há cinco anos, Maurício ajudou a formar o Projeto Charanga, que em conjunto com a Associação Comunitária Despertar ministra aulas de percussão a jo-vens carentes do Jardim Villas Bôas, na zona sul da cidade. “Quero profissionalizar esses meninos, que eles saiam de lá com um ofí-cio. Me entristeço muito quando perco um aluno; é como se perdesse uma batalha. Cada um deles, para mim, é uma batalha”, descreve, emocionado ao lembrar que sua turma acaba de gravar o primeiro CD. “Eles são bons, muitos já tocaram comigo.”

O baiano Carlinhos Brown também já le-vou vários meninos do bairro do Candeal, Salvador, seus alunos, para tocar não só com ele, mas também com artistas como Marisa Monte e Gilberto Gil. Brown cresceu na pobreza do Candeal e fez questão de ajudar a levantar o bairro com as próprias mãos, começando, justamente, pelas crian-ças. Sem estrutura nenhuma, há �7 anos, ele ensinava meninos pobres do seu bairro a tocar percussão no meio da rua. Hoje, a Pracatum Ação Social tornou-se uma re-ferência: o prédio inaugurado em março de �999 possui capacidade para atender �00 adolescentes. São nove salas de aula individuais e coletivas, biblioteca, estúdio

de gravação, sala de informática, oito ba-nheiros femininos e masculinos, dois escri-tórios e cozinha. Para auxiliar na formação, promovem-se atividades extracurriculares, apresentações e intercâmbios. Mais do que ensinar música, a “revolução com elegância”, que Brown costuma dizer que aconteceu no Candeal, foi uma revitalização total do bairro, com urbanização, novas moradias, ampliação das redes de esgotamento sani-tário, abastecimento de água e eletricidade. E Brown atribui tudo isso ao amor ao lugar onde se nasce. “Meu bairro hoje é alegria. As ruas sempre limpas. O Candeal não tem episódios de vandalismo. Seria importante que o Brasil se contagiasse desse amor pelo patrimônio. Que o Brasil se organize, que or-ganize a sua rua.” Que assim seja.

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A coisa deu tão certo que, dois anos depois, já havia 40 crianças aprendendo arte em madeira. Amigos e profissionais de outras áreas, como medicina, psicologia e culinária, foram se juntando para formar o que hoje é o Instituto Acaia, ONG que abriga um ateliê e um centro de estudos, ambos orientados para cuidar da educação. O Acaia recebe, no período da manhã, 80 crianças entre 7 e �� anos; à tarde, ��0 adolescentes entre �� e �8 anos incompletos; e, à noite, 60 adultos acompanhados de seus filhos pequenos (abaixo de 7 anos). Ali, já não é somente a arte em marcenaria que conta: a turma participa de aulas de vários segmentos, como música e vídeo, além de ter orientações por meio de conversas e encaminhamentos psicológicos e jurídicos. “Meu trabalho como artista não mudou muito depois do Acaia. O que mudou foi minha relação com o mundo. Descobri que a arte que eu fazia não estava sozinha, ela estava acompanhada por todos. Ela estava inserida num contexto maior”, avalia Elisa.

Com a mesma intenção de espalhar sua arte ao domínio de todos, o fotógrafo Miguel Chikaoka idealizou o Projeto Fotoativa, em �984, em Belém, Pará. Em suas oficinas, ele ensina crianças (e também adultos) a construir câmeras fotográficas utilizando folhas de papel-cartão. Com algumas dobras e um furinho, eis que uma caixa escura produz uma imagem. “No final do processo, todos ficam maravilhados, é um momento mágico. É um encantamento do que se pode fazer com as próprias mãos”, conta ele, ao descrever que o processo de confecção da câmera é trabalhado vagarosamente, com todos os passos em questão. Já que vamos usar as mãos, vamos pensar no significado dessas mãos – e assim por diante. Em foco, está sempre o objeto de trabalho de Chikaoka, que é a luz. “Mostro fios representando os raios de luz. Minha

proposta é educar com a luz, educar para a luz.” O Projeto Fotoativa, em parceria

com a Prefeitura de Belém, chegou a ensinar �00 crianças em pouco

mais de um mês no fim do ano passado.

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O coreógrafo e educador Ivaldo Bertazzo, de São Paulo, também se incomoda com a idéia de que aprender a lidar com o corpo e o mo-vimento seja privilégio apenas de alguns. “Qualquer um pode aprender a dançar, desde que se envolva e se dedique a isso”, afirma. Em �000, instalou-se no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, e por três anos tocou um projeto de experimentação motora com 70 adolescentes e jovens moradores do local. Tudo deu tão certo que resultou nos espetáculos Mãe Gentil (�000), Folias Guanabaras (�00�) e Dança das Marés (�00�). Desde �004, Bertazzo dedica-se ao Projeto Dança Comunidade/Sesc, em São Paulo, onde já estreou o espetáculo Samwaad – Rua do Encontro, em �004, com 54 jovens, e, em �005, Milágrimas, com 4� integrantes. “O movimento nos ajuda a racionalizar. A ca-pacidade do ser humano de pensar vem de centenas de anos de experimentação motora”, explica. “Redescobrir a motricidade e organizar os movimentos organiza também o cérebro e a percepção do mundo.”

Caminho inverso

Alguns artistas que nasceram e cresceram em comunidades carentes hoje percorrem o caminho inverso, tentando passar sua arte aos pequenos que ainda vivem em dificul-dades, nas mesmas circunstâncias que acon-teceram em sua própria infância. É o caso do músico Maurício Alves, percussionista do grupo pernambucano Mestre Ambrósio. Ele cresceu em Casa Amarela, bairro situado na zona noroeste do Recife, conhecido tanto por sua riqueza e diversidade cultural como pela carência de recursos de seus habitan-tes. Desde muito cedo, mesmo em condi-ções precárias, Maurício teve acesso a ritmos que se faziam nas ruas, como coco, mara-catu, ciranda. Sem ter aulas formais, ele foi aprendendo um batuque aqui, um suingue acolá. Até o dia em que entrou num projeto da prefeitura e aprendeu a tocar berimbau e atabaques. Lá mesmo, um professor apos-tou em seu talento e o inscreveu em aulas profissionalizantes de música erudita. Ao chegar a São Paulo, há cinco anos, Maurício ajudou a formar o Projeto Charanga, que em conjunto com a Associação Comunitária Despertar ministra aulas de percussão a jo-vens carentes do Jardim Villas Bôas, na zona sul da cidade. “Quero profissionalizar esses meninos, que eles saiam de lá com um ofí-cio. Me entristeço muito quando perco um aluno; é como se perdesse uma batalha. Cada um deles, para mim, é uma batalha”, descreve, emocionado ao lembrar que sua turma acaba de gravar o primeiro CD. “Eles são bons, muitos já tocaram comigo.”

O baiano Carlinhos Brown também já le-vou vários meninos do bairro do Candeal, Salvador, seus alunos, para tocar não só com ele, mas também com artistas como Marisa Monte e Gilberto Gil. Brown cresceu na pobreza do Candeal e fez questão de ajudar a levantar o bairro com as próprias mãos, começando, justamente, pelas crian-ças. Sem estrutura nenhuma, há �7 anos, ele ensinava meninos pobres do seu bairro a tocar percussão no meio da rua. Hoje, a Pracatum Ação Social tornou-se uma re-ferência: o prédio inaugurado em março de �999 possui capacidade para atender �00 adolescentes. São nove salas de aula individuais e coletivas, biblioteca, estúdio

de gravação, sala de informática, oito ba-nheiros femininos e masculinos, dois escri-tórios e cozinha. Para auxiliar na formação, promovem-se atividades extracurriculares, apresentações e intercâmbios. Mais do que ensinar música, a “revolução com elegância”, que Brown costuma dizer que aconteceu no Candeal, foi uma revitalização total do bairro, com urbanização, novas moradias, ampliação das redes de esgotamento sani-tário, abastecimento de água e eletricidade. E Brown atribui tudo isso ao amor ao lugar onde se nasce. “Meu bairro hoje é alegria. As ruas sempre limpas. O Candeal não tem episódios de vandalismo. Seria importante que o Brasil se contagiasse desse amor pelo patrimônio. Que o Brasil se organize, que or-ganize a sua rua.” Que assim seja.

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Arteiros encontram artistasComo as crianças vêem e interpretam a arte

reportagem

Por Patrícia Patrício e Luiz Fukushiro

“O que é Tarsila?” “Isto é real?” Interrogações como essas permearam a visita de um grupo infantil, formado por seis alunos, entre 5 e 7 anos, da escola Pra Gente Pequena, em São Paulo, a exposições em cartaz na cidade. Do menu cultural, explorado em três dias, constaram Tarsila, na Pinacoteca do Estado; BrasilDesFocos [O Olho de Fora] e as individuais de Débora Bolsoni e Maria Nepomuceno, no Paço das Artes; o acervo permanente do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP); e Looks Conceptual ou Como Confundi um Carl André com uma Pilha de Tijolos, na Galeria Vermelho. No encontro com as obras, as surpresas, agrados e desagrados dos pequenos.

Reinações com Tarsila

Manhã de quinta-feira, 7 de fevereiro. A educadora Cecília Bedê, da Pinacoteca do Estado, esclarece a dúvida: “Tarsila é uma artista que viajou muito...”. E Rafaella Perrone, uma das crianças do grupo, fica de olho num traço similar ao Pão de Açúcar: “Ela foi ao Rio de Janeiro? Eu já”. Rua de Paris (�9�4) desperta uma conversa filosófica entre as pequenas Chiara Donangelo (“Não

parece real, não estou entendendo”) e Cecília Sales (“Achei real, e estou entendendo, acho que é uma favela...”). São Paulo (Gazo), outra obra da artista, de �9�4, mostra uma cena familiar. “É São Paulo porque está escrito carro!”, solta Chiara, sem pensar direito no que leu. Ian Hatty, colega de primeiro ano da menina, corrige: “Está escrito gazo”, e Chiara: “Ora, carro em outras línguas é diferente!”. A educadora indica, “hoje São Paulo é um pouco diferente”, e Rafaella quer saber: “Eles estão trabalhando numa fábrica? Eu já vi uma chaminé bem grossa que solta um monte de fumaça...”.

As proporções de O Vendedor de Frutas (�9�5) causam espanto a Chiara: “Ele tem um cabeção... e no mar como ele pode vender? Só se for para os peixes”. Ian emenda: “Assim, ele vai se molhar”. Cecília completa: “Parece que ele passou batom”. Sayuri Kobayashi, muito tímida, finalmente fala: “O abacaxi está maior...”, e todos riem. O ponto alto da visita está por chegar: “Olha ali o peito dela!”, Chiara mostra A Negra (�9��). “Tem o pé igual ao do meu pai, ele é um gigante”, continua Rafaella. “Ela não tem orelha?”, quer saber Ian. “Ela é careca”, observa Sayuri. “É carioca”, conclui Rafaella, depois de arriscar que A Negra nasceu na Europa ou no Brasil. Ela já pula para o Abaporu (�9�8): “barrigão, joelhão, pezão, bundão...”, ao que Ian vem: “E o chulé?”, enquanto Sayuri quer saber: “O que é abaporu?”. Seu amigo responde assim: “Ele come todo mundo, braaaagh!”.

Cecília Bedê convida as crianças a imitar a postura do Abaporu e de A Negra como em Antropofagia (�9�9). “Eles estão se comen-do?”, Ian quer saber de Chiara, que responde: “Eles podem se comer porque ela está forte;

e ele, magrinho...”. É perto do meio-dia, hora de almoço para as crianças, que reclamam de cansaço, fome e vontade de ir ao banhei-ro. No entanto, tudo passa quando vêem O Sono (�9�8): “São pessoinhas?”, perguntam. E Rafaella, fã de dinossauros, responde: “Não, são ossos! Osso de dinossauro”. Ian vê na pintura espelhos, e Chiara, buscando sem-pre algo concreto, diz: “O coqueiro é real”.

Parque de diversões diferente

No Paço das Artes, localizado na entrada da Cidade Universitária, no Butantã, a pri-meira atração da sexta-feira, 8 de fevereiro, quando as crianças chegam à individual de Débora Bolsoni, é o vídeo Do Papel, do Em-brulho (�007). Elas ficam hipnotizadas pela repetição do ato de embrulhar e atônitas ao descobrir o som: uma vinheta ao fim do trabalho. O cenário utilizado para a perfor-mance Epitáfio para Isopor (�007) desperta a atenção: “Parece um queijo branco”. As seis crianças formam então um mutirão para le-vantar o bloco de isopor que integra a obra. “Ele é pesado!”, desiste Rafaella. Em outro ambiente do Paço, na mostra de Maria Ne-pomuceno, a obra Expansão (�00�-�007), confeccionada com cordas entrelaçadas, espalha-se na sala. As crianças saltam para não tropeçar. “Olha um sapato!”, diz um dos meninos, ao que ou-tro questiona: “Quem colo-cou ele aqui?”.

Obras de Tarsila do Amaral instigam a curiosidade infantil | imagem: Cia de Foto

No Paço das Artes, a fotografia ao alcance das mãos | imagem: Cia de Foto

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Arteiros encontram artistasComo as crianças vêem e interpretam a arte

reportagem

Por Patrícia Patrício e Luiz Fukushiro

“O que é Tarsila?” “Isto é real?” Interrogações como essas permearam a visita de um grupo infantil, formado por seis alunos, entre 5 e 7 anos, da escola Pra Gente Pequena, em São Paulo, a exposições em cartaz na cidade. Do menu cultural, explorado em três dias, constaram Tarsila, na Pinacoteca do Estado; BrasilDesFocos [O Olho de Fora] e as individuais de Débora Bolsoni e Maria Nepomuceno, no Paço das Artes; o acervo permanente do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP); e Looks Conceptual ou Como Confundi um Carl André com uma Pilha de Tijolos, na Galeria Vermelho. No encontro com as obras, as surpresas, agrados e desagrados dos pequenos.

Reinações com Tarsila

Manhã de quinta-feira, 7 de fevereiro. A educadora Cecília Bedê, da Pinacoteca do Estado, esclarece a dúvida: “Tarsila é uma artista que viajou muito...”. E Rafaella Perrone, uma das crianças do grupo, fica de olho num traço similar ao Pão de Açúcar: “Ela foi ao Rio de Janeiro? Eu já”. Rua de Paris (�9�4) desperta uma conversa filosófica entre as pequenas Chiara Donangelo (“Não

parece real, não estou entendendo”) e Cecília Sales (“Achei real, e estou entendendo, acho que é uma favela...”). São Paulo (Gazo), outra obra da artista, de �9�4, mostra uma cena familiar. “É São Paulo porque está escrito carro!”, solta Chiara, sem pensar direito no que leu. Ian Hatty, colega de primeiro ano da menina, corrige: “Está escrito gazo”, e Chiara: “Ora, carro em outras línguas é diferente!”. A educadora indica, “hoje São Paulo é um pouco diferente”, e Rafaella quer saber: “Eles estão trabalhando numa fábrica? Eu já vi uma chaminé bem grossa que solta um monte de fumaça...”.

As proporções de O Vendedor de Frutas (�9�5) causam espanto a Chiara: “Ele tem um cabeção... e no mar como ele pode vender? Só se for para os peixes”. Ian emenda: “Assim, ele vai se molhar”. Cecília completa: “Parece que ele passou batom”. Sayuri Kobayashi, muito tímida, finalmente fala: “O abacaxi está maior...”, e todos riem. O ponto alto da visita está por chegar: “Olha ali o peito dela!”, Chiara mostra A Negra (�9��). “Tem o pé igual ao do meu pai, ele é um gigante”, continua Rafaella. “Ela não tem orelha?”, quer saber Ian. “Ela é careca”, observa Sayuri. “É carioca”, conclui Rafaella, depois de arriscar que A Negra nasceu na Europa ou no Brasil. Ela já pula para o Abaporu (�9�8): “barrigão, joelhão, pezão, bundão...”, ao que Ian vem: “E o chulé?”, enquanto Sayuri quer saber: “O que é abaporu?”. Seu amigo responde assim: “Ele come todo mundo, braaaagh!”.

Cecília Bedê convida as crianças a imitar a postura do Abaporu e de A Negra como em Antropofagia (�9�9). “Eles estão se comen-do?”, Ian quer saber de Chiara, que responde: “Eles podem se comer porque ela está forte;

e ele, magrinho...”. É perto do meio-dia, hora de almoço para as crianças, que reclamam de cansaço, fome e vontade de ir ao banhei-ro. No entanto, tudo passa quando vêem O Sono (�9�8): “São pessoinhas?”, perguntam. E Rafaella, fã de dinossauros, responde: “Não, são ossos! Osso de dinossauro”. Ian vê na pintura espelhos, e Chiara, buscando sem-pre algo concreto, diz: “O coqueiro é real”.

Parque de diversões diferente

No Paço das Artes, localizado na entrada da Cidade Universitária, no Butantã, a pri-meira atração da sexta-feira, 8 de fevereiro, quando as crianças chegam à individual de Débora Bolsoni, é o vídeo Do Papel, do Em-brulho (�007). Elas ficam hipnotizadas pela repetição do ato de embrulhar e atônitas ao descobrir o som: uma vinheta ao fim do trabalho. O cenário utilizado para a perfor-mance Epitáfio para Isopor (�007) desperta a atenção: “Parece um queijo branco”. As seis crianças formam então um mutirão para le-vantar o bloco de isopor que integra a obra. “Ele é pesado!”, desiste Rafaella. Em outro ambiente do Paço, na mostra de Maria Ne-pomuceno, a obra Expansão (�00�-�007), confeccionada com cordas entrelaçadas, espalha-se na sala. As crianças saltam para não tropeçar. “Olha um sapato!”, diz um dos meninos, ao que ou-tro questiona: “Quem colo-cou ele aqui?”.

Obras de Tarsila do Amaral instigam a curiosidade infantil | imagem: Cia de Foto

No Paço das Artes, a fotografia ao alcance das mãos | imagem: Cia de Foto

Page 10: Continuum 08 - Infância multicultural

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O educador do Paço Daniel Argento come-ça a monitoria da exposição BrasilDesFocos pela fotografia de um rio em �60 graus, do americano Clifford Ross. “É São Paulo?”, per-gunta Ian, que não lera o nome da obra na etiqueta: Pantanal (�007). Dão mais cartaz à série Vida, Esforço, Carinho, Prazer e Tempo (�007), do inglês Adam Fuss, com caveiras sobrepostas por reluzentes palavras. “São ossos de pessoas que morreram?”, pergun-ta Ian. “São”, responde o educador. Um pe-queno silêncio, quebrado por Chiara: “Olha, time”. Daniel acerta a pronúncia: “Não, é time, quer dizer tempo em inglês”. Sayuri pergunta se o artista teve de cortar uma das caveiras para tirar a foto. O educador explica que a escolha do fotógrafo não interfere no objeto retratado – e mostra na prática, com uma câmera digital.

A turma quer ver a instalação Tropicalounge (�005), do argentino Sergio Vega, com al-mofadas em forma de vitórias-régias (“Onde o sapo pula”), fotos de espaços urbanos e da natureza brasileira. O passeio continua nas fotos do mexicano Damián Ortega, que simbolizam os três estados físicos da maté-ria por meio da distribuição de tijolos. Rafa-ella diz que “parece o isopor”, aquele do tra-balho de Débora Bolsoni, enquanto Cecília se empolga e garante que “ia escalar, pular e quebrar tudo”. Na obra Matéria em Repouso II (�004) – tijolos colocados em terrenos e ao lado de casas –, o educador pergunta: “Qual vocês preferem?”. Alguns elegem os tijolos organizados nos estados da matéria: “Não tem casa, é mais bonito, está juntinho”. Outros, os tijolos distribuídos: “Fica colori-do”. A discussão cessa e todos voltam para Tropicalounge (�005): “Aqui não é o lugar do sapo?”, “Podia ter sapo de verdade aqui”. A imaginação se solta: “Ou um sapo vestido de onça-pintada”. Deitadas nas vitórias-ré-gias, as crianças discutem a extinção da arara-azul, retratada em uma das paredes, e falam do desmatamento da Amazônia. De-pois de duas horas, deixam o Paço, para os pequenos um novo parque de diversões

com obras que não ficam emolduradas e distantes na parede. “Ah, queria morar

aqui...” suspira Cecília, com um “eu também” de Rebecca Sinzato.

O encanto do estranhamento

Ainda na Cidade Universitária, a tarde do dia 8 muda tema e forma de expressão. No Mu-seu de Arqueologia e Etnologia, Chiara quer saber: “É um museu de quadros?”, e a educa-dora Carla Gilbertoni: “Não, aqui tem peças que os homens fizeram há muito tempo”. O que leva Sayuri a perguntar: “Do tempo dos dinossauros?”. “Não, porque os homens não viveram com os dinossauros. Mas é de muito tempo, antes de os portugueses chegarem ao Brasil.” Trata-se da pré-história brasileira, dos objetos que os indígenas haviam criado para caçar, pescar e facilitar o cotidiano. O grupo pergunta para que serve cada peça.

Surge uma dúvida entre as crianças quando vêem algumas ilustrações: “Eles andavam pelados?”. Descobrem a cultura do próprio país, ainda distante de ser o que eles conhe-cem hoje. A tumba repleta de ossos faz su-cesso entre eles. Surpreendem-se ao saber que uma caveira igual à aquela está escon-dida sob nossa pele e cabelo. Na represen-tação de uma oca moderna, não entendem a proximidade com os indígenas: “Índio usa Colgate?”; “Eles têm televisão?”. A nudez, ao mesmo tempo, incomoda e provoca curio-sidade. “Olha, o bumbum do índio!” Após tanta novidade, a frase se repete: “Eu queria ser índio”.

O cansaço aparece nos rostos, mas a se-ção africana incita a curiosidade. Querem saber como nossos ancestrais se divertiam com os brinquedos expostos. Peças gregas, egípcias e mesopotâmicas soam ainda mais distantes deles, que não estudaram história antiga. Agradecem e abraçam a educadora Carla, como se ela mesma tivesse buscado em cada lugar os objetos ali expostos.

Arte para tocar, interagir... brincar!

Última parada do circuito cultural: ma-nhã de sábado, 9 de fevereiro, na Galeria Vermelho, zona oeste de São Paulo. A ante-véspera com Tarsila fica distante na memó-ria do grupo: arte para eles, agora, é tudo o que abraça, soa, se move e se apalpa – nem querem mais quadros na parede. Pois qual não é a surpresa ao verem uma pilha de tijolos em que se lê, por relação numérica, o título da exposição Looks Conceptual. “Isto é arte?” E a interrogação se repete quando Chiara vê a instalação Sala-Banheiro-Serviço (�008), em que Rômmulo Conceição agrega numa só peça pia, tábua de passar, escada... Sayuri comenta: “Essa tábua de passar tem lá em casa!”. Gostam de apalpar, contidamente, as bandeiras de paetê de Maurício Ianês. Mas o ponto alto da festa acontece com o pingüim na esfera inflável de Goldin+Senneby: Objects of Virtual Desire (�008). Querem mais rolar a bola de um lado para outro do que sa-ber que esse objeto foi criado no site de relacionamentos Second Life. “Arte é brin-quedo”, festeja Ian. Brinquedo não só para divertir, mas para pensar e crescer.

Conheça mais sobre a vida e a obra de Tarsila do Amaral na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais: www.itaucultural.org.br/enciclopédias.

Em meio à obra Expansão: contato com o repertório contemporâneo | imagem: Cia de Foto

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O educador do Paço Daniel Argento come-ça a monitoria da exposição BrasilDesFocos pela fotografia de um rio em �60 graus, do americano Clifford Ross. “É São Paulo?”, per-gunta Ian, que não lera o nome da obra na etiqueta: Pantanal (�007). Dão mais cartaz à série Vida, Esforço, Carinho, Prazer e Tempo (�007), do inglês Adam Fuss, com caveiras sobrepostas por reluzentes palavras. “São ossos de pessoas que morreram?”, pergun-ta Ian. “São”, responde o educador. Um pe-queno silêncio, quebrado por Chiara: “Olha, time”. Daniel acerta a pronúncia: “Não, é time, quer dizer tempo em inglês”. Sayuri pergunta se o artista teve de cortar uma das caveiras para tirar a foto. O educador explica que a escolha do fotógrafo não interfere no objeto retratado – e mostra na prática, com uma câmera digital.

A turma quer ver a instalação Tropicalounge (�005), do argentino Sergio Vega, com al-mofadas em forma de vitórias-régias (“Onde o sapo pula”), fotos de espaços urbanos e da natureza brasileira. O passeio continua nas fotos do mexicano Damián Ortega, que simbolizam os três estados físicos da maté-ria por meio da distribuição de tijolos. Rafa-ella diz que “parece o isopor”, aquele do tra-balho de Débora Bolsoni, enquanto Cecília se empolga e garante que “ia escalar, pular e quebrar tudo”. Na obra Matéria em Repouso II (�004) – tijolos colocados em terrenos e ao lado de casas –, o educador pergunta: “Qual vocês preferem?”. Alguns elegem os tijolos organizados nos estados da matéria: “Não tem casa, é mais bonito, está juntinho”. Outros, os tijolos distribuídos: “Fica colori-do”. A discussão cessa e todos voltam para Tropicalounge (�005): “Aqui não é o lugar do sapo?”, “Podia ter sapo de verdade aqui”. A imaginação se solta: “Ou um sapo vestido de onça-pintada”. Deitadas nas vitórias-ré-gias, as crianças discutem a extinção da arara-azul, retratada em uma das paredes, e falam do desmatamento da Amazônia. De-pois de duas horas, deixam o Paço, para os pequenos um novo parque de diversões

com obras que não ficam emolduradas e distantes na parede. “Ah, queria morar

aqui...” suspira Cecília, com um “eu também” de Rebecca Sinzato.

O encanto do estranhamento

Ainda na Cidade Universitária, a tarde do dia 8 muda tema e forma de expressão. No Mu-seu de Arqueologia e Etnologia, Chiara quer saber: “É um museu de quadros?”, e a educa-dora Carla Gilbertoni: “Não, aqui tem peças que os homens fizeram há muito tempo”. O que leva Sayuri a perguntar: “Do tempo dos dinossauros?”. “Não, porque os homens não viveram com os dinossauros. Mas é de muito tempo, antes de os portugueses chegarem ao Brasil.” Trata-se da pré-história brasileira, dos objetos que os indígenas haviam criado para caçar, pescar e facilitar o cotidiano. O grupo pergunta para que serve cada peça.

Surge uma dúvida entre as crianças quando vêem algumas ilustrações: “Eles andavam pelados?”. Descobrem a cultura do próprio país, ainda distante de ser o que eles conhe-cem hoje. A tumba repleta de ossos faz su-cesso entre eles. Surpreendem-se ao saber que uma caveira igual à aquela está escon-dida sob nossa pele e cabelo. Na represen-tação de uma oca moderna, não entendem a proximidade com os indígenas: “Índio usa Colgate?”; “Eles têm televisão?”. A nudez, ao mesmo tempo, incomoda e provoca curio-sidade. “Olha, o bumbum do índio!” Após tanta novidade, a frase se repete: “Eu queria ser índio”.

O cansaço aparece nos rostos, mas a se-ção africana incita a curiosidade. Querem saber como nossos ancestrais se divertiam com os brinquedos expostos. Peças gregas, egípcias e mesopotâmicas soam ainda mais distantes deles, que não estudaram história antiga. Agradecem e abraçam a educadora Carla, como se ela mesma tivesse buscado em cada lugar os objetos ali expostos.

Arte para tocar, interagir... brincar!

Última parada do circuito cultural: ma-nhã de sábado, 9 de fevereiro, na Galeria Vermelho, zona oeste de São Paulo. A ante-véspera com Tarsila fica distante na memó-ria do grupo: arte para eles, agora, é tudo o que abraça, soa, se move e se apalpa – nem querem mais quadros na parede. Pois qual não é a surpresa ao verem uma pilha de tijolos em que se lê, por relação numérica, o título da exposição Looks Conceptual. “Isto é arte?” E a interrogação se repete quando Chiara vê a instalação Sala-Banheiro-Serviço (�008), em que Rômmulo Conceição agrega numa só peça pia, tábua de passar, escada... Sayuri comenta: “Essa tábua de passar tem lá em casa!”. Gostam de apalpar, contidamente, as bandeiras de paetê de Maurício Ianês. Mas o ponto alto da festa acontece com o pingüim na esfera inflável de Goldin+Senneby: Objects of Virtual Desire (�008). Querem mais rolar a bola de um lado para outro do que sa-ber que esse objeto foi criado no site de relacionamentos Second Life. “Arte é brin-quedo”, festeja Ian. Brinquedo não só para divertir, mas para pensar e crescer.

Conheça mais sobre a vida e a obra de Tarsila do Amaral na Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais: www.itaucultural.org.br/enciclopédias.

Em meio à obra Expansão: contato com o repertório contemporâneo | imagem: Cia de Foto

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Aqui quem manda é a criança

entrevista

Desde que criou o Memorial do Homem Kariri, museu situado em Nova Olinda, pequena cidade ao sul do Ceará, o músico Alemberg Quindins descobriu a força mobilizadora das crianças. “[Elas] praticamente invadiram a casa [...]”, conta o músico, que em �99� ampliou a atuação do memorial criando a ONG Fundação Casa Grande. De lá para cá, ele coordena uma impactante experiência de protagonismo infantil e gestão cultural, reconhecida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) e modelo para outras instituições Brasil afora. Entre os projetos da ONG estão os laboratórios em que as crianças aprendem a produzir programas de TV e rádio e impressos, como jornais e quadrinhos. Esta entrevista, realizada pelos minirrepórteres da Casa Grande, mostra como se dá a atuação das crianças e seu domínio das ferramentas da comunicação.

Peter Burke | imagem: cortesia Jorge Zahar Editor

Meninos se divertem e aprendem com instrumentos musicais | imagem: Cristina Espírito Santo

irmãos. Todos usufruem a fundação e têm a consciência de que esse patrimônio deve ser deixado de herança para os futuros participantes. Na verdade, estamos fazendo uma casa para crianças que ainda nem nasceram. A Casa Grande não quer substituir o papel da família, não quer tomar a função da escola, mas oferecer um complemento a elas. Quando uma família reconhece seu papel, ela facilita o trabalho da escola, a convivência na rua e também a velocidade das ações da ONG. Nossa missão é fazer com que a criança tenha acesso à cultura e ao lazer.

Como é o dia-a-dia na fundação?

A Casa Grande tem dois níveis de atendi-mento. O primeiro é o de formação de mo-nitoria. Setenta crianças e adolescentes, em média, são formados para ser monitores, e eles aprendem esse ofício na prática. Há ainda outros meninos, em média �00, que freqüentam a Casa Grande para auxiliar os monitores. Outro nível é o de atendimento geral, que, em �007, mobilizou �5 mil pes-soas. O público que freqüenta a Casa Gran-de é que aquece o protagonismo infanto-juvenil, porque quanto mais visitantes mais atendimento, mais material produzido. As crianças se mobilizam porque é uma oportunidade de aprendizado, é um ato de construir amizades. Elas têm feito contato com gente do mundo inteiro. As pessoas vêm aqui abertas para receber e abertas para ensinar, se colocam à disposição doando discos e livros e realizando oficinas para os meninos.

Pelas Crianças da Fundação Casa Grande

Como criou a fundação e qual a intenção do projeto?

Quando a gente criou a fundação a idéia era instalar um centro cultural na região, com a intenção de resgatar a memória local. Seria um centro cultural em que a juventude pu-desse produzir arte. Mas o que aconteceu foi que as crianças de Nova Olinda praticamen-te invadiram a casa e começaram a observar como as pessoas eram atendidas; elas nos surpreenderam passando, então, a atendê-las e a organizar o local. Então vimos a força que tinham e optamos pelo seguinte: a fun-dação seria um centro cultural cujo prisma é o da criança. Quem ajudou a formar a filo-sofia da Casa Grande foram elas próprias. O espírito da escola de comunicação da fun-dação está próximo do que dizia a poetisa Cora Coralina: a gente “ensina o que aprende e aprende ensinando”.

Quem são os meninos da Casa Grande?

Os integrantes da fundação são meninos da comunidade de Nova Olinda que a gente chama de “meninos de ponta de rua”. Eles vivem na parte mais simples da cidade. Mas todos estão matriculados na escola, todos têm sua casa. Não há limite de idade, nem para o ingresso nem para a saída das crianças da fundação. Alguns meninos que chegam aqui são de colo, trazidos por seus

Alemberg Quindins | imagem: João Paulo Maropo/Fundação Casa Grande

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Aqui quem manda é a criança

entrevista

Desde que criou o Memorial do Homem Kariri, museu situado em Nova Olinda, pequena cidade ao sul do Ceará, o músico Alemberg Quindins descobriu a força mobilizadora das crianças. “[Elas] praticamente invadiram a casa [...]”, conta o músico, que em �99� ampliou a atuação do memorial criando a ONG Fundação Casa Grande. De lá para cá, ele coordena uma impactante experiência de protagonismo infantil e gestão cultural, reconhecida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) e modelo para outras instituições Brasil afora. Entre os projetos da ONG estão os laboratórios em que as crianças aprendem a produzir programas de TV e rádio e impressos, como jornais e quadrinhos. Esta entrevista, realizada pelos minirrepórteres da Casa Grande, mostra como se dá a atuação das crianças e seu domínio das ferramentas da comunicação.

Peter Burke | imagem: cortesia Jorge Zahar Editor

Meninos se divertem e aprendem com instrumentos musicais | imagem: Cristina Espírito Santo

irmãos. Todos usufruem a fundação e têm a consciência de que esse patrimônio deve ser deixado de herança para os futuros participantes. Na verdade, estamos fazendo uma casa para crianças que ainda nem nasceram. A Casa Grande não quer substituir o papel da família, não quer tomar a função da escola, mas oferecer um complemento a elas. Quando uma família reconhece seu papel, ela facilita o trabalho da escola, a convivência na rua e também a velocidade das ações da ONG. Nossa missão é fazer com que a criança tenha acesso à cultura e ao lazer.

Como é o dia-a-dia na fundação?

A Casa Grande tem dois níveis de atendi-mento. O primeiro é o de formação de mo-nitoria. Setenta crianças e adolescentes, em média, são formados para ser monitores, e eles aprendem esse ofício na prática. Há ainda outros meninos, em média �00, que freqüentam a Casa Grande para auxiliar os monitores. Outro nível é o de atendimento geral, que, em �007, mobilizou �5 mil pes-soas. O público que freqüenta a Casa Gran-de é que aquece o protagonismo infanto-juvenil, porque quanto mais visitantes mais atendimento, mais material produzido. As crianças se mobilizam porque é uma oportunidade de aprendizado, é um ato de construir amizades. Elas têm feito contato com gente do mundo inteiro. As pessoas vêm aqui abertas para receber e abertas para ensinar, se colocam à disposição doando discos e livros e realizando oficinas para os meninos.

Pelas Crianças da Fundação Casa Grande

Como criou a fundação e qual a intenção do projeto?

Quando a gente criou a fundação a idéia era instalar um centro cultural na região, com a intenção de resgatar a memória local. Seria um centro cultural em que a juventude pu-desse produzir arte. Mas o que aconteceu foi que as crianças de Nova Olinda praticamen-te invadiram a casa e começaram a observar como as pessoas eram atendidas; elas nos surpreenderam passando, então, a atendê-las e a organizar o local. Então vimos a força que tinham e optamos pelo seguinte: a fun-dação seria um centro cultural cujo prisma é o da criança. Quem ajudou a formar a filo-sofia da Casa Grande foram elas próprias. O espírito da escola de comunicação da fun-dação está próximo do que dizia a poetisa Cora Coralina: a gente “ensina o que aprende e aprende ensinando”.

Quem são os meninos da Casa Grande?

Os integrantes da fundação são meninos da comunidade de Nova Olinda que a gente chama de “meninos de ponta de rua”. Eles vivem na parte mais simples da cidade. Mas todos estão matriculados na escola, todos têm sua casa. Não há limite de idade, nem para o ingresso nem para a saída das crianças da fundação. Alguns meninos que chegam aqui são de colo, trazidos por seus

Alemberg Quindins | imagem: João Paulo Maropo/Fundação Casa Grande

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Que produtos são desenvolvidos pelas crianças? Eles são distribuídos à comunidade?

A própria instituição já é uma produção para a comunidade. Por exemplo, os habitantes têm acesso ao museu. Nele, as crianças produzem informações sobre a história da região. Na TV Casa Grande, laboratório de vídeo da fundação, produzimos um material chamado 100 Canal – curtas de aproximadamente cinco minutos, que mostram o nosso olhar sobre a cidade, seus habitantes, suas festas populares, entre outros temas. Esse material é exibido nas sessões de cinema aos domingos. Nesses dias, há uma sessão de manhã para as crianças e à noite há uma programação para todos. Os meninos têm uma semana para produzir cada 100 Canal. Eles vão às ruas, captam imagens e depoimentos, editam e exibem o material. Então, desde a infância a criança produz informação, não é apenas receptora. A Casa Grande tem mandado quatro matérias por mês para a TV Futura, mostrando a diversidade da região do Cariri e também de outros locais. Três jovens estão envolvidos nessa produção. Isso faz com que eles aprendam a se relacionar com uma TV profissional. A trilha sonora dos programas também é feita pelos meninos.

Como funciona a escola de comunicação?

As crianças têm acesso ao laboratório de música, ao laboratório de vídeo e ao laboratório de quadrinhos, para aprender de tudo um pouco, de acordo com sua escolha. No laboratório de quadrinhos, elas podem, por exemplo, fazer uma revista. Dessa experiência, já percebem que quadrinhos têm uma ligação com animação para TV, e podem ampliar o que estão aprendendo, dando movimento a eles. Daí elas têm a possibilidade de aprender música e sonorizar essa imagem em movimento. Os laboratórios da Casa Grande se interligam, o que torna as crianças multifuncionais, justamente para que possam conhecer a diversidade do mundo, ter acesso à comunicação de cada área, saber como comunicar um instrumento, como comunicar uma imagem de vídeo, como comunicar cada coisa. Para isso, elas passam por todos os meios de comunicação, para ter mais recursos e uma visão mais profunda.

Quais são os futuros projetos da fundação?

Estamos criando dois tipos de laborató-rio: o de conteúdo, cujo objetivo é fazer as crianças ter acesso a uma boa informação, integra a gibiteca, a devedeteca, a bibliote-ca de referência e outra de literatura infantil. Já o laboratório de informática é para que as crianças tenham acesso às novas tecno-logias. O site da Casa Grande [www.funda-caocasagrande.org.br], por exemplo, é feito pelos próprios meninos e abriga seus blogs. E haverá também os laboratórios de produ-ção nos quais as crianças vão criar materiais de acordo com seu próprio olhar. Elas te-rão oportunidade de ver os avanços do

cinema, dos quadrinhos e das demais formas artísticas. Com base nesse

conhecimento, terão condição de opinar, demonstrar sua visão.

A fundação é modelo para outros projetos em todo o mundo...

Sim, a Casa Grande hoje é uma referência. A rede de crianças e adolescentes em comuni-cação de países de língua portuguesa, que o Unicef iniciou em Angola e Moçambique, foi inspirada na fundação. Hoje, só em Mo-çambique são �� programas de rádio, de criança para criança, e já há um programa de televisão numa rede a cabo, que passa em vários países da África, produzido por esses meninos. Em Angola são sete províncias que fazem programas de rádio de criança para criança. E isso começou aqui. O Unicef do Brasil teve a iniciativa vendo os meninos da Casa Grande fazendo rádio. Há uma criança que freqüentou a Casa Grande e hoje está no mercado de trabalho, como produtor cul-tural. Mas é uma criança que não sente difi-culdade em ser um produtor cultural porque desde os 9 anos ela brinca disso. Existe uma conexão sem trauma entre o brinquedo da infância e o início da profissionalização.

A Casa Grande e suas crianças | imagem: João Paulo Maropo/Fundação Casa Grande

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Que produtos são desenvolvidos pelas crianças? Eles são distribuídos à comunidade?

A própria instituição já é uma produção para a comunidade. Por exemplo, os habitantes têm acesso ao museu. Nele, as crianças produzem informações sobre a história da região. Na TV Casa Grande, laboratório de vídeo da fundação, produzimos um material chamado 100 Canal – curtas de aproximadamente cinco minutos, que mostram o nosso olhar sobre a cidade, seus habitantes, suas festas populares, entre outros temas. Esse material é exibido nas sessões de cinema aos domingos. Nesses dias, há uma sessão de manhã para as crianças e à noite há uma programação para todos. Os meninos têm uma semana para produzir cada 100 Canal. Eles vão às ruas, captam imagens e depoimentos, editam e exibem o material. Então, desde a infância a criança produz informação, não é apenas receptora. A Casa Grande tem mandado quatro matérias por mês para a TV Futura, mostrando a diversidade da região do Cariri e também de outros locais. Três jovens estão envolvidos nessa produção. Isso faz com que eles aprendam a se relacionar com uma TV profissional. A trilha sonora dos programas também é feita pelos meninos.

Como funciona a escola de comunicação?

As crianças têm acesso ao laboratório de música, ao laboratório de vídeo e ao laboratório de quadrinhos, para aprender de tudo um pouco, de acordo com sua escolha. No laboratório de quadrinhos, elas podem, por exemplo, fazer uma revista. Dessa experiência, já percebem que quadrinhos têm uma ligação com animação para TV, e podem ampliar o que estão aprendendo, dando movimento a eles. Daí elas têm a possibilidade de aprender música e sonorizar essa imagem em movimento. Os laboratórios da Casa Grande se interligam, o que torna as crianças multifuncionais, justamente para que possam conhecer a diversidade do mundo, ter acesso à comunicação de cada área, saber como comunicar um instrumento, como comunicar uma imagem de vídeo, como comunicar cada coisa. Para isso, elas passam por todos os meios de comunicação, para ter mais recursos e uma visão mais profunda.

Quais são os futuros projetos da fundação?

Estamos criando dois tipos de laborató-rio: o de conteúdo, cujo objetivo é fazer as crianças ter acesso a uma boa informação, integra a gibiteca, a devedeteca, a bibliote-ca de referência e outra de literatura infantil. Já o laboratório de informática é para que as crianças tenham acesso às novas tecno-logias. O site da Casa Grande [www.funda-caocasagrande.org.br], por exemplo, é feito pelos próprios meninos e abriga seus blogs. E haverá também os laboratórios de produ-ção nos quais as crianças vão criar materiais de acordo com seu próprio olhar. Elas te-rão oportunidade de ver os avanços do

cinema, dos quadrinhos e das demais formas artísticas. Com base nesse

conhecimento, terão condição de opinar, demonstrar sua visão.

A fundação é modelo para outros projetos em todo o mundo...

Sim, a Casa Grande hoje é uma referência. A rede de crianças e adolescentes em comuni-cação de países de língua portuguesa, que o Unicef iniciou em Angola e Moçambique, foi inspirada na fundação. Hoje, só em Mo-çambique são �� programas de rádio, de criança para criança, e já há um programa de televisão numa rede a cabo, que passa em vários países da África, produzido por esses meninos. Em Angola são sete províncias que fazem programas de rádio de criança para criança. E isso começou aqui. O Unicef do Brasil teve a iniciativa vendo os meninos da Casa Grande fazendo rádio. Há uma criança que freqüentou a Casa Grande e hoje está no mercado de trabalho, como produtor cul-tural. Mas é uma criança que não sente difi-culdade em ser um produtor cultural porque desde os 9 anos ela brinca disso. Existe uma conexão sem trauma entre o brinquedo da infância e o início da profissionalização.

A Casa Grande e suas crianças | imagem: João Paulo Maropo/Fundação Casa Grande

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Os usos do encantamentoAo fazer paralelo entre psicanálise e contos de fadas, escritora analisa por que histórias são importantes para crianças

artigo

Por Angela-Lago

A Branca de Neve invade a casa dos anõezinhos e se apodera dela. Não dá para indicar os con-tos de fadas como um manual de boas maneiras para crianças, esbraveja Maria Tatar, professora de línguas e literatura germânica na Universidade de Harvard, em um de seus vários livros sobre infanticídios, mutilações, canibalismo e outras formas de violência contidas nessas narrativas populares. Afinal, até os mais famosos heróis, como João Pé de Feijão, roubam e matam. Mas João Pé de Feijão mata simbolicamente, dizem outros especialistas. E, além disso, mata um gigante. Aqui, gigantes, bruxas e madrastas representam a fração do mal no mundo do bem. Ou os poderosos, no mundo dos desprovidos. Ou nós, os adultos, no mundo das crianças. Não importa. De alguma forma, todos, crianças e adultos, ricos e pobres, nos regozijamos quando o tolo se revela sábio, o fraco no final é o forte e o campesino se casa com a princesa. E Maria Tatar que nos perdoe, mas nem sequer nos lembramos de praticar a compaixão ante os terríveis castigos e torturas infligidos a bruxas, madrastas e gigantes.

É claro que Freud explica. Na verdade, Freud descobre que os contos de fadas lhe são especialmente úteis para provar suas teorias. Em �9��, ele e seu colaborador, David Oppenheim, escrevem o ensaio Sonhos no Folclore (Imago, edição eletrônica), no qual provam que são os contos de fadas que explicam Freud, ou pelo menos o reafirmam.

Em Interpretação dos Sonhos (Imago, �00�), Freud já demonstrara que contos de fadas se assemelham aos sonhos e expressam conflitos, ansiedades e desejos recalcados. Analisando um de seus pacientes, o Homem-Lobo, elucida o simbolismo da fantasia do paciente recorrendo ao próprio lobo mau, de Chapeuzinho Vermelho.

Também Otto Rank, Ernest Jones e tantos outros psicanalistas escrevem sobre esses contos. Jung os considera compostos de símbolos universais e intemporais a que chama de arquétipos e que representam um caminho para a transformação e o crescimento.

Nessa linha, surgem diversos trabalhos, como o de Rudolf Steiner, que sugere aos antroposofis-tas tomar os contos de fadas como uma fonte de inspiração para o crescimento espiritual.

Mas é o controvertido Bruno Bettelheim que, em �976, escreve o mais conhecido texto psicanalítico sobre os contos de fadas: The Uses of Enchantment: the Meaning and Importance of Fairy Tales, em português A Psicanálise dos Contos de Fadas (Paz e Terra, �007), tradução que deixa muito a desejar. Já a tradução alemã, que não li, pelo menos resume com exatidão a idéia fundamental do livro com o título Kinder Brauchen Märchen: “crianças precisam de contos de fadas”. É isso. Crianças precisam muito e de muitos contos de fadas. Estou certa disso, pela minha própria experiência de leitora.

Entre os diversos autores que coletaram histórias tradicionais, Bettelheim escolhe os irmãos Grimm. É também a minha escolha. Não farei parte do grupo que polemiza sobre as interpretações do psicanalista. Seu trabalho me encanta ao demonstrar como esses contos podem ajudar as crianças a superar as dificuldades próprias do seu desenvolvimento e integrar sadiamente suas personalidades. Além disso, alguns dos contos que ele analisa são os mesmos que encantaram minha infância, sobretudo o da Rainha Abelha.

Para mim, a leitura de Bettelheim foi muito enriquecedora e vou sugeri-la aqui, apesar de este artigo tratar dos contos de Grimm e não da análise do primeiro. Farei apenas um rápido elogio ao estilo econômico, ágil e claro dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, que, em meados de �800, praticaram todas as propostas de Ítalo Calvino para este milênio: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade.

“Nossa intenção ao coletar estas histórias era exatidão e verdade.

Não adicionamos nada nosso, não embelezamos nenhum

incidente ou aspecto”,

dizem os acadêmicos alemães, que, dessa forma, capturaram a borboleta viva. A pérola tecida no tempo chega a nós com seu brilho intacto. No entanto, eu, que afirmo isso, recentemente reescrevi João Felizardo, um dos contos de Grimm. Como? Para quê?, perguntaram-me surpresos os que sabiam da minha admiração pelos Grimm. Por isso mesmo, respondi. O encantamento nos leva a escrever. A literatura talvez seja um hipertexto.

Angela-Lago é escritora e ilustradora de livros infantis. Publicou, entre outros, Muito Capeta (Cia. das Letras, �004) e João Felizardo – o Rei dos Negócios (Cosac Naify, �007).

ilustração: Angela-Lago

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Os usos do encantamentoAo fazer paralelo entre psicanálise e contos de fadas, escritora analisa por que histórias são importantes para crianças

artigo

Por Angela-Lago

A Branca de Neve invade a casa dos anõezinhos e se apodera dela. Não dá para indicar os con-tos de fadas como um manual de boas maneiras para crianças, esbraveja Maria Tatar, professora de línguas e literatura germânica na Universidade de Harvard, em um de seus vários livros sobre infanticídios, mutilações, canibalismo e outras formas de violência contidas nessas narrativas populares. Afinal, até os mais famosos heróis, como João Pé de Feijão, roubam e matam. Mas João Pé de Feijão mata simbolicamente, dizem outros especialistas. E, além disso, mata um gigante. Aqui, gigantes, bruxas e madrastas representam a fração do mal no mundo do bem. Ou os poderosos, no mundo dos desprovidos. Ou nós, os adultos, no mundo das crianças. Não importa. De alguma forma, todos, crianças e adultos, ricos e pobres, nos regozijamos quando o tolo se revela sábio, o fraco no final é o forte e o campesino se casa com a princesa. E Maria Tatar que nos perdoe, mas nem sequer nos lembramos de praticar a compaixão ante os terríveis castigos e torturas infligidos a bruxas, madrastas e gigantes.

É claro que Freud explica. Na verdade, Freud descobre que os contos de fadas lhe são especialmente úteis para provar suas teorias. Em �9��, ele e seu colaborador, David Oppenheim, escrevem o ensaio Sonhos no Folclore (Imago, edição eletrônica), no qual provam que são os contos de fadas que explicam Freud, ou pelo menos o reafirmam.

Em Interpretação dos Sonhos (Imago, �00�), Freud já demonstrara que contos de fadas se assemelham aos sonhos e expressam conflitos, ansiedades e desejos recalcados. Analisando um de seus pacientes, o Homem-Lobo, elucida o simbolismo da fantasia do paciente recorrendo ao próprio lobo mau, de Chapeuzinho Vermelho.

Também Otto Rank, Ernest Jones e tantos outros psicanalistas escrevem sobre esses contos. Jung os considera compostos de símbolos universais e intemporais a que chama de arquétipos e que representam um caminho para a transformação e o crescimento.

Nessa linha, surgem diversos trabalhos, como o de Rudolf Steiner, que sugere aos antroposofis-tas tomar os contos de fadas como uma fonte de inspiração para o crescimento espiritual.

Mas é o controvertido Bruno Bettelheim que, em �976, escreve o mais conhecido texto psicanalítico sobre os contos de fadas: The Uses of Enchantment: the Meaning and Importance of Fairy Tales, em português A Psicanálise dos Contos de Fadas (Paz e Terra, �007), tradução que deixa muito a desejar. Já a tradução alemã, que não li, pelo menos resume com exatidão a idéia fundamental do livro com o título Kinder Brauchen Märchen: “crianças precisam de contos de fadas”. É isso. Crianças precisam muito e de muitos contos de fadas. Estou certa disso, pela minha própria experiência de leitora.

Entre os diversos autores que coletaram histórias tradicionais, Bettelheim escolhe os irmãos Grimm. É também a minha escolha. Não farei parte do grupo que polemiza sobre as interpretações do psicanalista. Seu trabalho me encanta ao demonstrar como esses contos podem ajudar as crianças a superar as dificuldades próprias do seu desenvolvimento e integrar sadiamente suas personalidades. Além disso, alguns dos contos que ele analisa são os mesmos que encantaram minha infância, sobretudo o da Rainha Abelha.

Para mim, a leitura de Bettelheim foi muito enriquecedora e vou sugeri-la aqui, apesar de este artigo tratar dos contos de Grimm e não da análise do primeiro. Farei apenas um rápido elogio ao estilo econômico, ágil e claro dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, que, em meados de �800, praticaram todas as propostas de Ítalo Calvino para este milênio: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade.

“Nossa intenção ao coletar estas histórias era exatidão e verdade.

Não adicionamos nada nosso, não embelezamos nenhum

incidente ou aspecto”,

dizem os acadêmicos alemães, que, dessa forma, capturaram a borboleta viva. A pérola tecida no tempo chega a nós com seu brilho intacto. No entanto, eu, que afirmo isso, recentemente reescrevi João Felizardo, um dos contos de Grimm. Como? Para quê?, perguntaram-me surpresos os que sabiam da minha admiração pelos Grimm. Por isso mesmo, respondi. O encantamento nos leva a escrever. A literatura talvez seja um hipertexto.

Angela-Lago é escritora e ilustradora de livros infantis. Publicou, entre outros, Muito Capeta (Cia. das Letras, �004) e João Felizardo – o Rei dos Negócios (Cosac Naify, �007).

ilustração: Angela-Lago

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Muito mais que a hora do contoNo Sul do Brasil, projetos de música, literatura e circo dão vez e voz às crianças

reportagem

Por Augusto Paim

Ser criança no Rio Grande do Sul é definitivamente mais interessante atualmente. Pelo menos no quesito artístico. Há um tempo, a ligação que havia com arte em algumas escolas da capital, Porto Alegre, se resumia à nada atrativa hora do conto, que por pouco não se confundia com a hora de ninar. Também havia aulas de flauta doce em que só se fazia imitar os gestos do professor e maestro. Ele tapava o último furo com o mindinho, o aluno tapava o penúltimo com o dedão. Dificilmente daria para chamar de música essa fusão de sons desconexos. Quem é criança em �008 – mesmo longe da capital – tem bem mais opções de se tornar um adulto mais realizado artisticamente.

Que pandorga é esta?

Em Santa Maria, no centro do estado, um grupo musical chamado Pandorga da Lua incentiva crianças a cantar, dançar e conhe-cer um pouco da cultura musical gaúcha. O grupo é formado por Ricardo Freire, músico; Ângela Gomes, professora de educação es-pecial, psicopedagoga e cantora; e Edu Pa-checo, mestre em educação e músico; entre outros componentes.

O Pandorga nasceu em �00�, quando Ri-cardo musicou �4 poemas para crianças do poeta e escritor Jaime Vaz Brasil. Mais tarde, a artista plástica Paula Mastroberti entrou em cena e criou ilustrações.

Ricardo Freire, no entanto, não estava satis-feito e quis experimentar a ligação que o projeto poderia ter com a educação. Nasce-ram, em �005, as oficinas do Pandorga da Lua. Em �007, agora beneficiados pela Lei de Incentivo à Cultura municipal, Ricardo e o grupo saíram com uma Kombi por dis-tritos próximos a Santa Maria. Interagiram com crianças em ginásios, quadras de es-porte, pátios de escolas (tendo duas árvores como palco), auditórios, feiras, festivais...

Experiência multimeios

Em Passo Fundo, a �95 quilômetros de Santa Maria, mais ao norte do estado, um encontro literário movimenta, aproximada-mente, �6 mil crianças e adolescentes, além de professores e escritores do Brasil e do exterior: é a Jornada Nacional de Literatu-ra. O evento surgiu em �98� e desde então vem se consagrando como uma grande ce-lebração em torno do livro e da leitura.

Ser criança em Passo Fundo, porém, não é legal apenas durante aquela semana de agosto, ano sim, ano não, em que ocorre a Jornada e a Jornadinha (esta só para os pequenos). Nesse meio tempo, funciona permanentemente na Universidade

de Passo Fundo (UPF) o Centro de Referência de Literatura e Multimeios,

apelidado de Mundo da Leitura [www.mundodaleitura.upf.br].

O projeto é comandado pela doutora em

letras Tânia Rösing, que também coordena a Jornada. A idéia é criar um clima constante de incentivo à leitura nas escolas passo-fundenses, de modo a potencializar os efeitos da Jornada.

O grande diferencial é a palavra multimeios. No Mundo da Leitura, as crianças aprendem a “ler” teatro, música, filmes e a trabalhar com a oralidade. Trata-se de uma formação mais ampla, não focada apenas na literatura, e ligada às novas gerações de leitores que crescem neste início de século e milênio. Como constata Tânia: “As crianças de hoje não têm aquele apego que nós temos ao livro. Elas não se preocupam com o cheiro, o formato ou a cor do monitor, quando vão ler no computador”.

Na corda bamba

A mesma distância que separa Passo Fundo de Santa Maria separa Santa Maria de Pe-lotas, mas no sentido contrário. No sul do estado, as crianças andam sempre na corda bamba. De vez em quando, fazem também acrobacias, coreografias e palhaçadas. São integrantes da Oficina Permanente de Téc-nicas Circenses (OPTC) [www.optc.com.br], mais conhecida por Tholl, nome do atual es-petáculo, que deu fama nacional ao grupo de circo. Mais de um terço da trupe é com-posta de crianças.

Para elas, entrar para a equipe do Tholl não é fácil. É preciso ter certa aptidão e participar das oficinas de caça-talentos que ocorrem duas vezes por ano, quando se acompanha o grupo por três dias. Na última oficina, foram escolhidas quase �0 crianças.

Diego Aver, coordenador do elenco principal, diz que nem todas conseguem continuar. Ele cita um exemplo de exceção: o menino Lorenzo Soares, de �� anos. Ele morava com a família na capital mas, como foi selecionado, decidiram se mudar para ele realizar, em Pelotas, o sonho de ser artista de circo.

A atriz Denise Copetti e o músico Sérgio Rosa no espetáculo Pandorga da Lua | imagem: arquivo Ricardo Freire

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Muito mais que a hora do contoNo Sul do Brasil, projetos de música, literatura e circo dão vez e voz às crianças

reportagem

Por Augusto Paim

Ser criança no Rio Grande do Sul é definitivamente mais interessante atualmente. Pelo menos no quesito artístico. Há um tempo, a ligação que havia com arte em algumas escolas da capital, Porto Alegre, se resumia à nada atrativa hora do conto, que por pouco não se confundia com a hora de ninar. Também havia aulas de flauta doce em que só se fazia imitar os gestos do professor e maestro. Ele tapava o último furo com o mindinho, o aluno tapava o penúltimo com o dedão. Dificilmente daria para chamar de música essa fusão de sons desconexos. Quem é criança em �008 – mesmo longe da capital – tem bem mais opções de se tornar um adulto mais realizado artisticamente.

Que pandorga é esta?

Em Santa Maria, no centro do estado, um grupo musical chamado Pandorga da Lua incentiva crianças a cantar, dançar e conhe-cer um pouco da cultura musical gaúcha. O grupo é formado por Ricardo Freire, músico; Ângela Gomes, professora de educação es-pecial, psicopedagoga e cantora; e Edu Pa-checo, mestre em educação e músico; entre outros componentes.

O Pandorga nasceu em �00�, quando Ri-cardo musicou �4 poemas para crianças do poeta e escritor Jaime Vaz Brasil. Mais tarde, a artista plástica Paula Mastroberti entrou em cena e criou ilustrações.

Ricardo Freire, no entanto, não estava satis-feito e quis experimentar a ligação que o projeto poderia ter com a educação. Nasce-ram, em �005, as oficinas do Pandorga da Lua. Em �007, agora beneficiados pela Lei de Incentivo à Cultura municipal, Ricardo e o grupo saíram com uma Kombi por dis-tritos próximos a Santa Maria. Interagiram com crianças em ginásios, quadras de es-porte, pátios de escolas (tendo duas árvores como palco), auditórios, feiras, festivais...

Experiência multimeios

Em Passo Fundo, a �95 quilômetros de Santa Maria, mais ao norte do estado, um encontro literário movimenta, aproximada-mente, �6 mil crianças e adolescentes, além de professores e escritores do Brasil e do exterior: é a Jornada Nacional de Literatu-ra. O evento surgiu em �98� e desde então vem se consagrando como uma grande ce-lebração em torno do livro e da leitura.

Ser criança em Passo Fundo, porém, não é legal apenas durante aquela semana de agosto, ano sim, ano não, em que ocorre a Jornada e a Jornadinha (esta só para os pequenos). Nesse meio tempo, funciona permanentemente na Universidade

de Passo Fundo (UPF) o Centro de Referência de Literatura e Multimeios,

apelidado de Mundo da Leitura [www.mundodaleitura.upf.br].

O projeto é comandado pela doutora em

letras Tânia Rösing, que também coordena a Jornada. A idéia é criar um clima constante de incentivo à leitura nas escolas passo-fundenses, de modo a potencializar os efeitos da Jornada.

O grande diferencial é a palavra multimeios. No Mundo da Leitura, as crianças aprendem a “ler” teatro, música, filmes e a trabalhar com a oralidade. Trata-se de uma formação mais ampla, não focada apenas na literatura, e ligada às novas gerações de leitores que crescem neste início de século e milênio. Como constata Tânia: “As crianças de hoje não têm aquele apego que nós temos ao livro. Elas não se preocupam com o cheiro, o formato ou a cor do monitor, quando vão ler no computador”.

Na corda bamba

A mesma distância que separa Passo Fundo de Santa Maria separa Santa Maria de Pe-lotas, mas no sentido contrário. No sul do estado, as crianças andam sempre na corda bamba. De vez em quando, fazem também acrobacias, coreografias e palhaçadas. São integrantes da Oficina Permanente de Téc-nicas Circenses (OPTC) [www.optc.com.br], mais conhecida por Tholl, nome do atual es-petáculo, que deu fama nacional ao grupo de circo. Mais de um terço da trupe é com-posta de crianças.

Para elas, entrar para a equipe do Tholl não é fácil. É preciso ter certa aptidão e participar das oficinas de caça-talentos que ocorrem duas vezes por ano, quando se acompanha o grupo por três dias. Na última oficina, foram escolhidas quase �0 crianças.

Diego Aver, coordenador do elenco principal, diz que nem todas conseguem continuar. Ele cita um exemplo de exceção: o menino Lorenzo Soares, de �� anos. Ele morava com a família na capital mas, como foi selecionado, decidiram se mudar para ele realizar, em Pelotas, o sonho de ser artista de circo.

A atriz Denise Copetti e o músico Sérgio Rosa no espetáculo Pandorga da Lua | imagem: arquivo Ricardo Freire

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A arte na escola: um longo caminhoQuem são os professores de arte e em que cenário desenvolvem sua atividade

reportagem

Por Micheliny Verunschk

Por incrível que pareça, o ensino de artes no Brasil é herança da ditadura militar. Em �97�, após um acordo entre as autoridades brasileiras e norte-americanas, que ficou conhecido como acordo MEC-Usaid, a disciplina foi obrigatoriamente agregada ao currículo escolar. Com um início pouco atento às necessidades nacionais, passando, nos anos da redemocratização, por um debate intenso sobre a construção de uma educação voltada para a realidade brasileira, o ensino de artes vive hoje um período bastante significativo, com um boom de cursos de graduação e pós-graduação, além de experiências interessantes nas escolas de nível fundamental e médio que prometem a junção de arte, interdisciplinaridade e multiculturalismo. No entanto, os caminhos que levam à valorização da arte no universo escolar ainda guardam muitos desafios.

De acordo com o professor Sebastião Pedrosa, coordenador da licenciatura em educação artística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do pólo UFPE do projeto Arte na Escola, o desafio começa já no primeiro ano de faculdade. Segundo Pedrosa, os alunos que chegam da escola secundária apresentam uma formação artística fragmentada. Em geral, os alunos da escola pública possuem uma bagagem que costuma ser mais significativa do que a daqueles que saíram da escola privada. Nesta, a formação em artes se limita aos primeiros anos escolares, salvo algumas exceções. “De um modo geral, os alunos vão estabelecer contato com a técnica, a experimentação e a história da arte pela primeira vez apenas na universidade”, conta.

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A arte na escola: um longo caminhoQuem são os professores de arte e em que cenário desenvolvem sua atividade

reportagem

Por Micheliny Verunschk

Por incrível que pareça, o ensino de artes no Brasil é herança da ditadura militar. Em �97�, após um acordo entre as autoridades brasileiras e norte-americanas, que ficou conhecido como acordo MEC-Usaid, a disciplina foi obrigatoriamente agregada ao currículo escolar. Com um início pouco atento às necessidades nacionais, passando, nos anos da redemocratização, por um debate intenso sobre a construção de uma educação voltada para a realidade brasileira, o ensino de artes vive hoje um período bastante significativo, com um boom de cursos de graduação e pós-graduação, além de experiências interessantes nas escolas de nível fundamental e médio que prometem a junção de arte, interdisciplinaridade e multiculturalismo. No entanto, os caminhos que levam à valorização da arte no universo escolar ainda guardam muitos desafios.

De acordo com o professor Sebastião Pedrosa, coordenador da licenciatura em educação artística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do pólo UFPE do projeto Arte na Escola, o desafio começa já no primeiro ano de faculdade. Segundo Pedrosa, os alunos que chegam da escola secundária apresentam uma formação artística fragmentada. Em geral, os alunos da escola pública possuem uma bagagem que costuma ser mais significativa do que a daqueles que saíram da escola privada. Nesta, a formação em artes se limita aos primeiros anos escolares, salvo algumas exceções. “De um modo geral, os alunos vão estabelecer contato com a técnica, a experimentação e a história da arte pela primeira vez apenas na universidade”, conta.

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Expectativas e exigências

Embora o cenário pareça crítico, não há mo-tivos para desânimo. “Dificuldades, poucos períodos, sala imprópria, nenhum material podem ser o mote para projetos muito in-teressantes”, ressalta Paola Zordan. Especial-mente quando a arte é articulada com os interesses mais urgentes da população. Em Pernambuco, por exemplo, o Centro de Cul-tura Luís Freire, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado, realiza uma experi-ência pioneira com o povo xucuru, comuni-dade indígena localizada no município de Pesqueira. Na comunidade, os professores de artes são os próprios artistas do povo, num trabalho que alia o fortalecimento da identidade local à valorização da cultura ma-terial e simbólica, conforme relata a antro-póloga Caroline Leal. Outra experiência, essa com pólos espalhados em todo o Brasil, é o projeto Arte na Escola, que leva cursos de educação continuada a professores leigos das redes municipais e estaduais, interiori-zando e democratizando o acesso à arte.

O comprometimento com o trabalho e a visão crítica e política do professor de artes são fatores responsáveis pela crescente va-lorização da disciplina junto a quem mais interessa, seu público-alvo, a comunidade escolar. A busca pessoal pela qualificação e pela excelência dos cursos em sua articula-ção com o mundo real está gerando respos-tas positivas na sociedade. Se o ensino brasi-leiro é, de uma maneira geral, deficitário, por outro lado a expectativa e a exigência de que ele seja de qualidade parecem crescen-tes. Quando se trata da educação em artes, o próprio interesse pelos seus temas, tanto na academia quanto na sociedade, vem au-mentado nos últimos anos num processo contínuo de alimentação criativa, o que leva a crer que, apostando nesse caminho, o Bra-sil vai longe.

Os cursos de graduação têm uma média de quatro anos de duração. O professor recém-formado nem sempre está apto a enfrentar o cotidiano de uma escola. Embora as licenciaturas em artes procurem se estruturar de modo a responder às demandas do dia-a-dia escolar e às exigências do Ministério da Educação, a distância entre a teoria e a prática é, às vezes, avassaladora. Hoje, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino da arte orientam para o domínio das quatro linguagens: música, dança, artes visuais e teatro. No entanto, como habilitar para tanto em tão pouco tempo?

Segundo a pesquisadora Paola Zordan, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o ensino de artes está em processo de valorização. Com um currículo que ainda se concentra nos interesses do bacharelado, a formação do professor acaba se tornando deficitária e a conexão com a realidade es-colar é aquém do que seria desejável. Em geral, os cursos de especialização e pós-graduação acabam por preencher as lacu-nas da formação inicial. Em contrapartida, a procura por esses cursos se intensifica. Nes-te ano, por exemplo, a UFRGS oferece uma especialização lato sensu em pedagogia da arte. Está também em fase de implantação um mestrado interinstitucional em artes plásticas que agrega a UFPE, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Para Hânia Pilan, professora de teoria do design na Universidade Bandeirante (Uni-ban), São Paulo, e de artes na rede públi-ca do estado, o professor que deseja uma formação melhor conta apenas com seus próprios recursos. “Ninguém se forma nas quatro linguagens, cabe ao professor correr atrás do prejuízo”, diz. Outro aspecto que Hânia ressalta é a impossibilidade real que a maioria dos professores tem de investir na própria formação: “Um bom livro custa caro. Ao mesmo tempo não podemos trabalhar sem imagens, e o Estado nem sempre su-

pre essas necessidades. Recentemente, as bolsas que eram oferecidas para

cursos de mestrado foram cortadas. Como lidar com essas incons-

tâncias?”, questiona.

Crianças experimentam a arte nas escolas multiculturais | imagens: Cia de Foto

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Expectativas e exigências

Embora o cenário pareça crítico, não há mo-tivos para desânimo. “Dificuldades, poucos períodos, sala imprópria, nenhum material podem ser o mote para projetos muito in-teressantes”, ressalta Paola Zordan. Especial-mente quando a arte é articulada com os interesses mais urgentes da população. Em Pernambuco, por exemplo, o Centro de Cul-tura Luís Freire, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado, realiza uma experi-ência pioneira com o povo xucuru, comuni-dade indígena localizada no município de Pesqueira. Na comunidade, os professores de artes são os próprios artistas do povo, num trabalho que alia o fortalecimento da identidade local à valorização da cultura ma-terial e simbólica, conforme relata a antro-póloga Caroline Leal. Outra experiência, essa com pólos espalhados em todo o Brasil, é o projeto Arte na Escola, que leva cursos de educação continuada a professores leigos das redes municipais e estaduais, interiori-zando e democratizando o acesso à arte.

O comprometimento com o trabalho e a visão crítica e política do professor de artes são fatores responsáveis pela crescente va-lorização da disciplina junto a quem mais interessa, seu público-alvo, a comunidade escolar. A busca pessoal pela qualificação e pela excelência dos cursos em sua articula-ção com o mundo real está gerando respos-tas positivas na sociedade. Se o ensino brasi-leiro é, de uma maneira geral, deficitário, por outro lado a expectativa e a exigência de que ele seja de qualidade parecem crescen-tes. Quando se trata da educação em artes, o próprio interesse pelos seus temas, tanto na academia quanto na sociedade, vem au-mentado nos últimos anos num processo contínuo de alimentação criativa, o que leva a crer que, apostando nesse caminho, o Bra-sil vai longe.

Os cursos de graduação têm uma média de quatro anos de duração. O professor recém-formado nem sempre está apto a enfrentar o cotidiano de uma escola. Embora as licenciaturas em artes procurem se estruturar de modo a responder às demandas do dia-a-dia escolar e às exigências do Ministério da Educação, a distância entre a teoria e a prática é, às vezes, avassaladora. Hoje, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino da arte orientam para o domínio das quatro linguagens: música, dança, artes visuais e teatro. No entanto, como habilitar para tanto em tão pouco tempo?

Segundo a pesquisadora Paola Zordan, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o ensino de artes está em processo de valorização. Com um currículo que ainda se concentra nos interesses do bacharelado, a formação do professor acaba se tornando deficitária e a conexão com a realidade es-colar é aquém do que seria desejável. Em geral, os cursos de especialização e pós-graduação acabam por preencher as lacu-nas da formação inicial. Em contrapartida, a procura por esses cursos se intensifica. Nes-te ano, por exemplo, a UFRGS oferece uma especialização lato sensu em pedagogia da arte. Está também em fase de implantação um mestrado interinstitucional em artes plásticas que agrega a UFPE, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Para Hânia Pilan, professora de teoria do design na Universidade Bandeirante (Uni-ban), São Paulo, e de artes na rede públi-ca do estado, o professor que deseja uma formação melhor conta apenas com seus próprios recursos. “Ninguém se forma nas quatro linguagens, cabe ao professor correr atrás do prejuízo”, diz. Outro aspecto que Hânia ressalta é a impossibilidade real que a maioria dos professores tem de investir na própria formação: “Um bom livro custa caro. Ao mesmo tempo não podemos trabalhar sem imagens, e o Estado nem sempre su-

pre essas necessidades. Recentemente, as bolsas que eram oferecidas para

cursos de mestrado foram cortadas. Como lidar com essas incons-

tâncias?”, questiona.

Crianças experimentam a arte nas escolas multiculturais | imagens: Cia de Foto

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Grande rede, pequenos produtoresAs crianças se aventuram na internet, para produzir e receber cultura

reportagem

Por Alexandre Inagaki

As crianças de hoje em dia aparentam chegar ao mundo prontas para mexer no computador, configurar softwares, navegar pela internet, ligar seu Wii ou Playstation no aparelho de TV. É como se tivessem passado os nove meses no útero materno lendo um F.A.Q., enquanto seus pais e avós ainda titubeiam diante das possibilidades tecnológicas quase infinitas. Vide o caso da publicitária Cristina Lages, ao narrar as peripécias de sua neta Valentina, que aos 8 anos de idade lhe confidenciou ter criado perfis em redes sociais voltadas para crianças (como a Barbie Girls – www.barbiegirls.com – que acumulou 4 milhões de cadastros em seus três primeiros meses no ar) e ter vontade de criar um podcast para compartilhar com o mundo que gostou muito de High School Musical 2, musical juvenil produzido pela Disney, e que ainda não sabe se vai ser veterinária ou escritora quando crescer.

Não se iluda, pois, aquele que julgar que escrever para um site infantil requer uma linguagem muito diferenciada daquela que é costumeiramente utilizada para o público adulto. Que o diga José Roberto Torero, jornalista, roteirista, cineasta e criador do Blog do Lelê (blogdolele.blog.uol.com.br), cujos posts são assinados por Leocádio, seu “sobrinho fictício” de 8 anos. Autor de livros premiados como O Chalaça (Objetiva, �999) e Pequenos Amores (Objetiva, �00�), Torero afirma que não há nenhuma grande diferença em escrever para adultos ou para crianças. “Nos dois casos você tem de bolar uma boa história, com alma. E nos dois casos há de se cuidar do ritmo das frases, da música do texto”. Ele ressalta: “Não se deve tentar ser menos inteligente para atingir as crianças. Mesmo porque a gente nunca é tanto quanto pensa que é”.

Lelê, personagem originalmente criado para a cobertura que o jornal Folha de S.Paulo realizou para a Copa de �006, fez tanto sucesso que acabou por inspirar a criação do blog e a publicação de um livro, As Primeiras Histórias de Lelê (Panda Books, �007). Autor habituado ao suporte físico de livros e jornais, Torero acabou por sucumbir à maior interação propiciada pela internet e em especial ao Blog do Lelê, que tem �00 mil visitas por mês e média de 70 comentários por post, deixados por crianças de todas as idades. Relata o escritor: “O blog é bem mais interativo e me sinto muito mais próximo do leitor ‘internético’ do que do leitor ‘livral’. O leitor de blog considera o escritor um igual, não um extraterrestre, um ser invisível que escreve livros”.

imagem: Cia de Foto

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Grande rede, pequenos produtoresAs crianças se aventuram na internet, para produzir e receber cultura

reportagem

Por Alexandre Inagaki

As crianças de hoje em dia aparentam chegar ao mundo prontas para mexer no computador, configurar softwares, navegar pela internet, ligar seu Wii ou Playstation no aparelho de TV. É como se tivessem passado os nove meses no útero materno lendo um F.A.Q., enquanto seus pais e avós ainda titubeiam diante das possibilidades tecnológicas quase infinitas. Vide o caso da publicitária Cristina Lages, ao narrar as peripécias de sua neta Valentina, que aos 8 anos de idade lhe confidenciou ter criado perfis em redes sociais voltadas para crianças (como a Barbie Girls – www.barbiegirls.com – que acumulou 4 milhões de cadastros em seus três primeiros meses no ar) e ter vontade de criar um podcast para compartilhar com o mundo que gostou muito de High School Musical 2, musical juvenil produzido pela Disney, e que ainda não sabe se vai ser veterinária ou escritora quando crescer.

Não se iluda, pois, aquele que julgar que escrever para um site infantil requer uma linguagem muito diferenciada daquela que é costumeiramente utilizada para o público adulto. Que o diga José Roberto Torero, jornalista, roteirista, cineasta e criador do Blog do Lelê (blogdolele.blog.uol.com.br), cujos posts são assinados por Leocádio, seu “sobrinho fictício” de 8 anos. Autor de livros premiados como O Chalaça (Objetiva, �999) e Pequenos Amores (Objetiva, �00�), Torero afirma que não há nenhuma grande diferença em escrever para adultos ou para crianças. “Nos dois casos você tem de bolar uma boa história, com alma. E nos dois casos há de se cuidar do ritmo das frases, da música do texto”. Ele ressalta: “Não se deve tentar ser menos inteligente para atingir as crianças. Mesmo porque a gente nunca é tanto quanto pensa que é”.

Lelê, personagem originalmente criado para a cobertura que o jornal Folha de S.Paulo realizou para a Copa de �006, fez tanto sucesso que acabou por inspirar a criação do blog e a publicação de um livro, As Primeiras Histórias de Lelê (Panda Books, �007). Autor habituado ao suporte físico de livros e jornais, Torero acabou por sucumbir à maior interação propiciada pela internet e em especial ao Blog do Lelê, que tem �00 mil visitas por mês e média de 70 comentários por post, deixados por crianças de todas as idades. Relata o escritor: “O blog é bem mais interativo e me sinto muito mais próximo do leitor ‘internético’ do que do leitor ‘livral’. O leitor de blog considera o escritor um igual, não um extraterrestre, um ser invisível que escreve livros”.

imagem: Cia de Foto

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O jornalista Gustavo de Lucca, responsável pelo iG Crianças, canal dedicado ao público infantil de um dos maiores portais brasileiros, é outro que descobriu recentemente a experiência de desenvolver sites para um público tão exigente e qualificado quanto qualquer outro. Criado em julho de �007, o iG Crianças possui média diária de �0 mil visitas, em sua maior parte de internautas de � a �� anos. A fim de atrair esse público, o canal apresenta conteúdos diversos: vídeos e animações em flash do Cartoon Network, jogos de computador e até um universo virtual, o Pixcodelics (www.pixcodelics.com.br), que permite que crianças criem avatares ao melhor estilo Second Life. Gustavo, no entanto, confessa que se deleita mesmo é com o Blog do Editor (igcrianca.blig.ig.com.br), espaço no qual, semanalmente, dá dicas de leituras e publica charadas, tiras em quadrinhos e “contos malucos” voltados para o que o jornalista define como “sem dúvida o público mais divertido de lidar”.

Outra página maciçamente visitada por crianças, e em especial por meninas, é o Dolls (www.dolls.com.br). No ar desde junho de �00�, é um site no qual as internautas do século XXI passam horas em frente do com-putador criando roupas e acessórios para bonecas virtuais feitas de pixels, que poste-riormente são copiadas e coladas em blogs e fotologs. O site permite inúmeras possibi-lidades de customização e reúne uma co-munidade ativa de usuários: atrai cerca de �00 mil visitas semanais e sua comunidade no Orkut tem mais de �4 mil membros. Sua criadora, a webdesigner Lia Camargo, que possui também um blog pessoal (www.justlia.com.br) e criou o site quando ainda cursava a faculdade de produção editorial, conta que freqüentemente é reconhecida na rua por alguma internauta. Essa proje-ção também a ajudou a conseguir seu emprego atual, designer da revista Ca-pricho, não por acaso voltada para o público infanto-juvenil.

O importante é divertir

A internet para crianças, no entanto, não é apenas sinônimo de entretenimento. Cada vez mais professores e educadores atentam para as possibilidades peda-gógicas da web. A Campus Party, maior evento mundial que reúne profissionais e aficionados por internet, comunicação e novas tecnologias, promovido anu-almente desde �997, teve sua primeira edição brasileira sediada no prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera, São Paulo, em fevereiro deste ano. Uma das áreas da Cparty �008 reuniu mil profes-sores das redes municipais e estaduais de ensino, que assistiram a workshops ministrados por nomes como o da edu-cadora Bárbara Dieu, que desde �997 utiliza as plataformas de publicação na web e projetos online de colaboração educacional para lecionar inglês a seus alunos. Em sua apresentação, Bárbara destacou as possibilidades do uso de blogs na educação, definindo-os como “poderosas plataformas de publicação que documentam o processo de apren-dizagem, permitem criar um portfólio pessoal e estabelecem presença e iden-tidade online”. Ela lembra ainda que blo-gs permitem que os alunos interajam fora da sala de aula, compartilhando informações e promovendo a produção de conteúdos pessoais próprios, como textos, podcasts e vídeos.

Outro bom exemplo da exploração das possibilidades virtuais na educação foi a participação de �00 alunos de escolas pú-blicas de São Paulo, com idades entre �0 a �4 anos, que durante a Cparty realizaram, sob a orientação de professores, entrevistas disponibilizadas em blogandonasondasdo-radio.blogspot.com. Mais uma iniciativa que merece destaque é a da professora Suzana Gutierrez, criadora da Edublogosfera (edu-blogosfera.blogspot.com), um diretório que busca reunir links de blogs de escolas, projetos pedagógicos, alunos e educadores, fomentando diálogos e estimulando o que o filósofo Pierre Lévy bem definiu como “in-teligência coletiva”.

A professora Edilaine Soares de Souza, que trabalha como coordenadora pedagógica de uma escola de educação infantil, relata como aproveita as navegações virtuais em suas atividades: “Sempre utilizo a internet para elaborar e desenvolver projetos peda-gógicos, pois há diversos sites com ótimas idéias e conteúdos, como The Scientific Electronic Library Online [www.scielo.br], Nova Escola [revistaescola.abril.com.br] e a página do Ministério da Educação [por-tal.mec.gov.br]”. Com base na convivência diária com seus alunos, Edilaine descreve o modo como as crianças representam a rede virtual: “Elas gostam muito de brincar de ‘fazer de conta’ que estão em frente do computador utilizando a internet e usan-do palavras e diálogos muito engraçados, pois buscam nessas brincadeiras entender por que nós, adultos, passamos tanto tem-po fazendo isso. Então, quando elas brin-cam, utilizam frases como esta: ‘Digita .com.br que você salva tudo!’“.

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O jornalista Gustavo de Lucca, responsável pelo iG Crianças, canal dedicado ao público infantil de um dos maiores portais brasileiros, é outro que descobriu recentemente a experiência de desenvolver sites para um público tão exigente e qualificado quanto qualquer outro. Criado em julho de �007, o iG Crianças possui média diária de �0 mil visitas, em sua maior parte de internautas de � a �� anos. A fim de atrair esse público, o canal apresenta conteúdos diversos: vídeos e animações em flash do Cartoon Network, jogos de computador e até um universo virtual, o Pixcodelics (www.pixcodelics.com.br), que permite que crianças criem avatares ao melhor estilo Second Life. Gustavo, no entanto, confessa que se deleita mesmo é com o Blog do Editor (igcrianca.blig.ig.com.br), espaço no qual, semanalmente, dá dicas de leituras e publica charadas, tiras em quadrinhos e “contos malucos” voltados para o que o jornalista define como “sem dúvida o público mais divertido de lidar”.

Outra página maciçamente visitada por crianças, e em especial por meninas, é o Dolls (www.dolls.com.br). No ar desde junho de �00�, é um site no qual as internautas do século XXI passam horas em frente do com-putador criando roupas e acessórios para bonecas virtuais feitas de pixels, que poste-riormente são copiadas e coladas em blogs e fotologs. O site permite inúmeras possibi-lidades de customização e reúne uma co-munidade ativa de usuários: atrai cerca de �00 mil visitas semanais e sua comunidade no Orkut tem mais de �4 mil membros. Sua criadora, a webdesigner Lia Camargo, que possui também um blog pessoal (www.justlia.com.br) e criou o site quando ainda cursava a faculdade de produção editorial, conta que freqüentemente é reconhecida na rua por alguma internauta. Essa proje-ção também a ajudou a conseguir seu emprego atual, designer da revista Ca-pricho, não por acaso voltada para o público infanto-juvenil.

O importante é divertir

A internet para crianças, no entanto, não é apenas sinônimo de entretenimento. Cada vez mais professores e educadores atentam para as possibilidades peda-gógicas da web. A Campus Party, maior evento mundial que reúne profissionais e aficionados por internet, comunicação e novas tecnologias, promovido anu-almente desde �997, teve sua primeira edição brasileira sediada no prédio da Bienal, no Parque do Ibirapuera, São Paulo, em fevereiro deste ano. Uma das áreas da Cparty �008 reuniu mil profes-sores das redes municipais e estaduais de ensino, que assistiram a workshops ministrados por nomes como o da edu-cadora Bárbara Dieu, que desde �997 utiliza as plataformas de publicação na web e projetos online de colaboração educacional para lecionar inglês a seus alunos. Em sua apresentação, Bárbara destacou as possibilidades do uso de blogs na educação, definindo-os como “poderosas plataformas de publicação que documentam o processo de apren-dizagem, permitem criar um portfólio pessoal e estabelecem presença e iden-tidade online”. Ela lembra ainda que blo-gs permitem que os alunos interajam fora da sala de aula, compartilhando informações e promovendo a produção de conteúdos pessoais próprios, como textos, podcasts e vídeos.

Outro bom exemplo da exploração das possibilidades virtuais na educação foi a participação de �00 alunos de escolas pú-blicas de São Paulo, com idades entre �0 a �4 anos, que durante a Cparty realizaram, sob a orientação de professores, entrevistas disponibilizadas em blogandonasondasdo-radio.blogspot.com. Mais uma iniciativa que merece destaque é a da professora Suzana Gutierrez, criadora da Edublogosfera (edu-blogosfera.blogspot.com), um diretório que busca reunir links de blogs de escolas, projetos pedagógicos, alunos e educadores, fomentando diálogos e estimulando o que o filósofo Pierre Lévy bem definiu como “in-teligência coletiva”.

A professora Edilaine Soares de Souza, que trabalha como coordenadora pedagógica de uma escola de educação infantil, relata como aproveita as navegações virtuais em suas atividades: “Sempre utilizo a internet para elaborar e desenvolver projetos peda-gógicos, pois há diversos sites com ótimas idéias e conteúdos, como The Scientific Electronic Library Online [www.scielo.br], Nova Escola [revistaescola.abril.com.br] e a página do Ministério da Educação [por-tal.mec.gov.br]”. Com base na convivência diária com seus alunos, Edilaine descreve o modo como as crianças representam a rede virtual: “Elas gostam muito de brincar de ‘fazer de conta’ que estão em frente do computador utilizando a internet e usan-do palavras e diálogos muito engraçados, pois buscam nessas brincadeiras entender por que nós, adultos, passamos tanto tem-po fazendo isso. Então, quando elas brin-cam, utilizam frases como esta: ‘Digita .com.br que você salva tudo!’“.

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“Os currículos de arte estão engessados num modelo do século XIX. A arte na universidade está anos-luz atrás da arte do mundo real.”

Ana Mae Barbosa

O fato é que crianças se sentem à vontade com a internet porque ela é tão plena de possibilidades quanto sua imaginação per-mitir. E o suposto embate entre diversão e educação converge para uma união entre os dois propósitos. Perguntado se haveria algum propósito pedagógico na criação dos posts do Blog do Lelê, José Roberto Torero responde: “Minha preocupação é divertir os leitores. Às vezes, há histórias sobre os incas, a infância de dom Pedro II e outras coisas que poderiam ser consideradas didáticas, mas isso é secundário. O fato é que aprender também é divertido”.

Precaução não é proibição

Uma preocupação constante dos pais é o risco de ver seus filhos acessando sites ina-dequados para sua idade ou conversando com estranhos. A psiquiatra e pediatra mi-neira Maria Dolabela de Magalhães acredita que o aspecto mais preocupante é a inva-são de privacidade. “Pessoas mais carentes e despreparadas, e principalmente crianças sem malícia, ficam muito expostas. E a expo-sição pode levá-las, se não estão estrutura-das psicologicamente, a sofrer humilhações e outras invasões de privacidade”, opina. Isso pode dificultar ainda mais, segundo Maria, que trabalha com crianças há mais de �0 anos, o desenvolvimento da auto-estima e da socialização.

Maria, que também é mãe de dois meninos, ressalta que a internet não deve ser encarada como uma vilã que expõe crianças aos riscos e males do mundo, do mesmo modo que ninguém se torna violento só porque assiste a filmes sanguinolentos. E destaca a importância dos pais como mediadores das informações recebidas pelas crianças: “O mundo de hoje está todo informatizado. Precisamos preparar nossos filhos para uma realidade muito diferente daquela que conhecemos há alguns anos. Mas

não por meio da proibição do acesso à internet, e sim pela educação. Com

muito amor, conversas, tentativas de entendimento e transmissão

de experiências”.

ONLINE

Leia, em www.itaucultural.org.br/revista, entrevista com a professora Ana Mae Barbosa. Primeira brasileira com doutorado em arte-educação, pela Universidade de Boston, e ex-presidente do International Society of Education through Art (InSea), Ana Mae analisa o ensino de artes e fala dos limites dessa disciplina no Brasil.

Confira também, na versão online da revista, reportagens exclusivas e todas as edições anteriores da publicação. Você ainda pode contribuir, enviando matérias de acordo

com o tema do mês, por meio do canal leitor-autor. Para isso, basta se cadastrar.

Ana Mae Barbosa | imagem: Cia de Foto

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“Os currículos de arte estão engessados num modelo do século XIX. A arte na universidade está anos-luz atrás da arte do mundo real.”

Ana Mae Barbosa

O fato é que crianças se sentem à vontade com a internet porque ela é tão plena de possibilidades quanto sua imaginação per-mitir. E o suposto embate entre diversão e educação converge para uma união entre os dois propósitos. Perguntado se haveria algum propósito pedagógico na criação dos posts do Blog do Lelê, José Roberto Torero responde: “Minha preocupação é divertir os leitores. Às vezes, há histórias sobre os incas, a infância de dom Pedro II e outras coisas que poderiam ser consideradas didáticas, mas isso é secundário. O fato é que aprender também é divertido”.

Precaução não é proibição

Uma preocupação constante dos pais é o risco de ver seus filhos acessando sites ina-dequados para sua idade ou conversando com estranhos. A psiquiatra e pediatra mi-neira Maria Dolabela de Magalhães acredita que o aspecto mais preocupante é a inva-são de privacidade. “Pessoas mais carentes e despreparadas, e principalmente crianças sem malícia, ficam muito expostas. E a expo-sição pode levá-las, se não estão estrutura-das psicologicamente, a sofrer humilhações e outras invasões de privacidade”, opina. Isso pode dificultar ainda mais, segundo Maria, que trabalha com crianças há mais de �0 anos, o desenvolvimento da auto-estima e da socialização.

Maria, que também é mãe de dois meninos, ressalta que a internet não deve ser encarada como uma vilã que expõe crianças aos riscos e males do mundo, do mesmo modo que ninguém se torna violento só porque assiste a filmes sanguinolentos. E destaca a importância dos pais como mediadores das informações recebidas pelas crianças: “O mundo de hoje está todo informatizado. Precisamos preparar nossos filhos para uma realidade muito diferente daquela que conhecemos há alguns anos. Mas

não por meio da proibição do acesso à internet, e sim pela educação. Com

muito amor, conversas, tentativas de entendimento e transmissão

de experiências”.

ONLINE

Leia, em www.itaucultural.org.br/revista, entrevista com a professora Ana Mae Barbosa. Primeira brasileira com doutorado em arte-educação, pela Universidade de Boston, e ex-presidente do International Society of Education through Art (InSea), Ana Mae analisa o ensino de artes e fala dos limites dessa disciplina no Brasil.

Confira também, na versão online da revista, reportagens exclusivas e todas as edições anteriores da publicação. Você ainda pode contribuir, enviando matérias de acordo

com o tema do mês, por meio do canal leitor-autor. Para isso, basta se cadastrar.

Ana Mae Barbosa | imagem: Cia de Foto

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área livre

Xilogravuras das crianças do grupo Xilo Ceasa, do Instituto Acaia, São Paulo | digitalização: Itaú Cultural

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Xilogravuras das crianças do grupo Xilo Ceasa, do Instituto Acaia, São Paulo | digitalização: Itaú Cultural

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.��itaú cultural avenida paulista �49 são paulo sp [estação brigadeiro do metrô] fone �� ��68 �700 [email protected] www.itaucultural.org.br