Contos de Mouros en Trasosmontes

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Alexandre José Parafita CorreiaMouros Míticos em Trás-os-Montes– contributos para um estudo dos mouros no imaginário rural a partir de textos da literatura popular de tradição oralVolume II(corpus narrativo)Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro12ÍNDICE DO CORPUS NARRATIVONota Prévia ..................................................................................................................1 – [Os cavaleiros das esporas douradas] 2 – [O Castelo da Marruça] 3 – [A Font

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Alexandre Jos Parafita Correia

Mouros Mticos em Trs-os-Montes contributos para um estudo dos mouros no imaginrio rural a partir de textos da literatura popular de tradio oral

Volume II(corpus narrativo)

Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro1

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NDICE DO CORPUS NARRATIVONota Prvia ..................................................................................................................1 [Os cavaleiros das esporas douradas] 2 [O Castelo da Marrua] 3 [A Fonte dos Vilarelhos] 4 [A Fraga da Tecedeira] 5 [O segredo da moura] 6 [A moura das Casas Brancas]

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Concelho de Alfndega da F ..................................................................................... 12

Concelho de Alij .......................................................................................................... 157 [A moura encantada de Sanfins do Douro] 8 [Os figos da princesa moura] 9 A moura do monte do Piolho 10 Lenda da Anta da Ch 11 Lenda da Pala Moura

Concelho de Boticas ...................................................................................................... 1812 [Os mouros do castro de Sapios] 13 Lenda da moura a cantar 14 Lenda do Cobrio 15 [A moura, as palhas e o ouro] 16 [A moura a catar os piolhos] 17 [O Cto dos Corvos] 18 Ponte da cerca do castro 19 Tenda das lameiras do castro

Concelho de Bragana .................................................................................................. 2220 [Ladeira do Pingo] 21 [A moura, metade homem e metade cabra] 22 [O tesouro do castro de Caravela] 23 [A fonte do Castro de Baal] 24 A moura encantada no fundo de um poo 25 O castelo de Rebordos 26 [O Cabeo da Velha] 27 [O Picadeiro dos Mouros] 28 [O Vale da Moura] 29 Lenda de S. Pedro de Sarracenos 30 A Fonte da Moura de S. Julio 31 Lenda de Santa Colombina de Gimonde 32 A lenda do Conde de Aries 33 Lenda dos Sete Infantes de Lara 34 A fraga do cavaleiro 35 Lenda da Fundao de Bragana 36 O cabeo de S. Bartolomeu

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37 A Fontela de Candegrelo 38 O bruxo e a moura 39 A Cortadura dos Mouros 40 Lenda da moura do Reboledo 41 Lenda do Castelo de Pinela

Concelho de Carrazeda de Ansies ........................................................................... 3742 [Lenda do penedo das letras] 43 O Castelejo 44 [Figueira Redonda] 45 Dlmen de Vilarinho de Castanheira 46 [O Vale da Osseira] 47 Lenda da Fonte da Moura de Seixo de Ansies 48 A menina encantada 49 Lenda da Fraga de Selim

Concelho de Chaves ...................................................................................................... 4250 A Cerca dos Mouros de Vila Verde da Raia 51 [A vila de Chaves e os mouros] 52 Lenda do cavalo branco montado por Santiago de Compostela 53 Lenda do bezerro de ouro 54 Lenda da grande cobra a guardar o encanto 55 A mina da Bolideira 56 O guerreiro e a princesa moura 57 O monstro do castelo de Monforte 58 O cavaleiro e a princesa 59 Os lagares da moura 60 A moura da Ilha dos Lagartos 61 A moura do stio das Colmeias 62 Lenda do Calhau da Moura 63 Os figos da Fonte de Vale de Asnos 64 A parteira e a moura 65 Lenda do Forte de S. Neutel

Concelho de Freixo de Espada Cinta .................................................................... 5466 Freixo de Espada Cinta 67 Fonte da Moira

Concelho de Macedo de Cavaleiros ........................................................................... 5568 [Nossa Senhora das Flores] 69 [Cordo de oiro nas Gumbrias] 70 [A galinha com pintainhos de oiro] 71 [Espada nele! Espada nele!] 72 [A Senhora do Blsamo na Mo] 73 A Pedra Baloiante 74 O tesouro do monte do Castelujo 75 A moura e o moleiro de Nozelos 76 Lenda do Cabeo dos Mouros 77 Lenda de Lates 78 Lenda da Pia dos Mouros

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79 O moleiro, a moura e a cabra 80 O Vale dos Namorados 81 O tesouro da serra de Bornes 82 O mouros do Monte de Morais 83 O Z-da-moura

Concelho de Meso Frio .............................................................................................. 6784 [O Castelo dos Mouros em Fontelas] 85 Os mouros e o convento do Varatojo

Concelho de Miranda do Douro ................................................................................. 6886 [O cristo, o mouro e a Senhora do Nazo] 87 O poo sem fundo 88 A Fonte do Pingo 89 O cabreiro e a moura 90 S. Bartolomeu e os mouros

Concelho de Mirandela ................................................................................................ 7391 Baslia 92 [Santa Comba e o rei Orelho] 93 A lenda de Dona Chama 94 A sineta dos mouros 95 A cisterna da Torre de Dona Chama 96 [Mil ais] 97 [O tesouro, a moura e o diabo] 98 Lenda de Mirandela 99 A maldio da serra dos Passos 100 O Monte da Moura 101 O tesouro dos mouros da Freixeda 102 O caador e a moura 103 Lenda do buraco da Muradelha 104 O lavrador e a cobra 105 Lenda da Fonte de Vide 106 A fraga da mula 107 Lenda do Regodeiro 108 A grade de ouro 109 A velha e o carvo 110 A chave de ouro 111 A pocinha do Vale de Amieiro

Concelho de Mogadouro .............................................................................................. 89112 [O Castelo de Boua de Aires] 113 Capela de Santa Cruz 114 Os forninhos de Alvagueira 115 [A moura do castelo de Bemposta] 116 [O castelo dos mouros de Vilarinho dos Galegos] 117 [O castelo do Mau Vizinho] 118 Vilarinho dos Galegos 119 A lenda da fraga do Poio 120 A lenda de Vale da Madre

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121 A Fonte do Ouro 122 Lenda do Poo do Dourado 123 O caminho da moura encantada

Concelho de Mondim de Basto ................................................................................... 97124 Lenda do Alto dos Palhaos 125 O pequeno pastor e a moura 126 A bacia de ouro 127 O Monte Farinha e a Senhora da Graa 128 Os mouros e a ferramenta

Concelho de Montalegre .............................................................................................. 101129 [A tenda da moura] 130 O Crrego da Paixo 131 [O cinto do mouro] 132 [As mouras dos Rameseiros] 133 [Crastelos ou Casas dos Mouros] 134 [A marra dos mouros] 135 [A fora dos mouros] 136 [Fonte da Moura] 137 [Altar da Moura] 138 [Castro de Travassos] 139 [Lenda do Mosteiro de Pites das Jnias] 140 [O castelo de Montalegre] 141 - Lenda da Serra da Mourela 142 Foge Mouro 143 A Cova dos Maus 144 As mouras da Portela do Antigo 145 Lenda de Parafita 146 A navalha de ouro 147 O mouro e a menina da Cidade de Mel

Concelho de Mura ....................................................................................................... 114148 O poo da moira 149 O rochedo da moira 150 A moura de Sobreda 151 O cavalo de ouro

Concelho de Peso da Rgua.......................................................................................... 116152 [A mina de peste e oiro] 153 A Mina de Dona Mirra 154 Os figos de Dona Mirra 155 Lenda do Frago de S. Leonardo 156 A bola de Dona Mirra 157 Os lagartos de Dona Mirra 158 A moura e a giestas 159 O cavalo de trs pernas 160 Lenda de Moura Morta 161 Lenda da Moura Encantada do Fonto

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Concelho de Ribeira de Pena ...................................................................................... 122162 O tesouro de Lamelas

Concelho de Sabrosa ..................................................................................................... 123163 [Os mouros do castelo de S. Domingos] 164 [O Cho dos Mouros em Donelo] 165 Lenda de Provezende 166 O castelo dos mouros 167 Em busca dos cordes de ouro 168 O buraco onde urinavam os mouros 169 A noiva encantada 170 A lenda da Pala da Moura

Concelho de Santa Marta de Penaguio .................................................................. 128171 [Lenda de Penaguio] 172 Entre S. Pedro e Urval 173 A fraga da Moura (Alvaes do Corgo)

Concelho de Torre de Moncorvo ............................................................................... 131174 A lenda da Cabea do Mouro 175 [Santo Apolinrio e os mouros] 176 [O buraco dos mouros debaixo da capela] 177 [A matana dos mouros] 178 A Lenda da Fraga Amarela 179 A moura encantada de Adeganha 180 [Chelindro da Presa] 181 Lenda do Bezerro de Ouro 182 Lenda da Fraga da Pindura 183 A fonte da Chuzaria 184 A lenda da Fonte de Carvalho 185 Lenda da Ferrada 186 A moura e o bezerro de ouro

Concelho de Valpaos ................................................................................................... 141187 [O Vale da Batalha] 188 Pia dos Mouros 189 A mina da moura 190 A Fonte da Moura 191 A fonte fria 192 A tesoura da moura 193 A fraga da urze 194 A parteira das mouras 195 Lenda do Monte das Fragas 196 O rio seco 197 A lmpada de ouro 198 A moura e o torgueiro 199 Lenda da Fonte da Urze 200 A Fada d'El Rei 201 O bezerro de ouro de Lebuo 202 As pias dos mouros de Argeriz

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Concelho de Vila Flor ................................................................................................... 151203 [O cntaro cheio de novelos de ouro] 204 [Na fonte do Lameiro de Cima] 205 [As mouras de Freixiel] 206 Lenda da Fonte da Crica da Vaca 207 [Mil Almas e Covas] 208 Lenda da Fonte das Bestas 209 A moura das Fragas do Rugido 210 Lenda da Fonte do Lameiro 211 A menina e o cordo de ouro 212 Lenda do Penedo Redondo 213 Lenda de Vale Frechoso 214 O choro da moura em Santa Comba da Vilaria 215 Lenda da Fraga do Pinhal 216 Lenda da Fonte d'El Rei 217 A Fraga da Moura de Seixo de Manhoses

Concelho de Vila Pouca de Aguiar ............................................................................ 161218 Os trs potes 219 A casa dos mouros de Cidadelha 220 Lenda dos pintainhos de ouro 221 Lenda da fraga do gestal 222 A lenda da fraga das campainhas

Concelho de Vila Real .................................................................................................. 164223 O castelo de S. Tom 224 Lenda de S. Tom do Castelo 225 [As talhas do mouro] 226 Gruta com feitio de Mesquita 227 A moira e o carvoeiro 228 A moura da Ponte da Aradeira 229 O Vale da Bela Luz 230 Lenda do Poo de Panias 231 Lenda da moura branquinha 232 A moura, o pssaro e a cobra 234 [O cristo, o mouro e a Senhora de Guadalupe]

Concelho de Vimioso .................................................................................................... 173235 [O mouro e a boieira] 236 [Lenda do cordo de oiro] 237 Lenda da Serra do M 238 Lenda do Castelo de Algoso 239 Lenda da Fonte de S. Joo 240 O lagar de ouro de Algoso 241 O pente e o cabelo da moura 242 Lenda do Penedo da Abrunheira 243 O bruxo do castelo de Algoso

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Concelho de Vinhais ..................................................................................................... 178244 A tomada de Souane aos mouros 245 O choro da moura [de Souane] 246 [A moura encantada e o lenhador] 247 [A moura e a pastora] 248 [A moura no rio Mente] 250 [A lenda de Igreja de S. Facundo] 251 [O mouro e a igreja de S. Facundo] 252 [O Serro de Penhas Juntas] 253 [A Fraga do Pingadeiro] 254 [Santa Comba de Ousilho] 255 A moura e o cavaleiro cristo 256 A fraga onde Nossa Senhora descansou 257 A Fraga dos Mouros de Espinhoso 258 Lenda do Canho 259 Lenda da Torca de Balmeo 260 As mulheres do linho e as mouras 261 Lenda das Fragas do Carvalhal 262 A fraga da Moura de Sobreir de Cima 263 O tesouro da Cerca

ndice Remissivo das Fontes do Corpus ................................................................... 191

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Nota PrviaEste volume rene um corpus de 263 textos narrativos (lendas e mitos) sobre os mouros no imaginrio rural de Trs-os-Montes. No houve a preocupao de reunir todas as narraes de mouros da Regio, o que seria impensvel, dada a infinidade de microtopnimos associados a explicaes lendrias mais ou menos mutiladas, no esquecendo tambm que, frequentemente, um simples registo lendrio se projecta ou fragmenta em muitas outras verses. Houve sim a preocupao de reunir um vasto conjunto de narraes sobre mouros com um vnculo local e geogrfico claro, mas tambm fivel e to representativo quanto possvel da memria oral transmontana. A compilao e a fixao textual respeitam aos 26 concelhos dos distritos de Bragana e Vila Real), elencados por ordem alfabtica, e implicou um trabalho longo e persistente de pesquisa, quer junto de fontes secundrias (informao colhida em colectneas de literatura oral tradicional, monografias, enciclopdias e outras publicaes identificadas na Bibliografia), quer junto de fontes primrias (em especial manuscritos pessoais e informaes e relatos orais).11

No processo de recolha e compilao dos textos orais, contmos com a generosa ajuda de muitos professores e educadoras de infncia fixados em diversos concelhos da Regio transmontana, tendo alguns mediado os contactos com as fontes primrias. Assim, para alm do reconhecimento e homenagem que nos merecem todas as pessoas adiante identificadas como informantes, de elementar justia aqui exprimir tambm a nossa gratido aos seguintes professores e educadoras: Adlia Pires Soutelinhos (Montalegre), Albertina Amlia Fernandes (Vimioso), Alcina Maria Saldanha (Macedo de Cavaleiros), Antnio Carlos Correia da Silva (Sabrosa), Antnio Nascimento Moreiras (Mogadouro), Aurora dos Santos Almeida (Bragana), Carminda Aurora Morais (Vila Flor), Cremilde de Ftima Pinheiro (Torre de Dona Chama, Mirandela), Dircea Lzaro Morais (Macedo de Cavaleiros), Ester Ftima Rodrigues (Bragana), Gorete Fernandes (Vila Flor), Isabel Quintas Carvalho (Carlo, Alij), Isaura N. Fernandes Parafita (Vila Real), Jacinta Inocncia D. Fernandes (Mirandela), Judite Elvira Baltasar (Vinhais), Maria Amlia M. Cabeleira (Torre de Moncorvo), Maria Beatriz Silva Correia (Vila Flor), Maria da Conceio Pereira da Lama (Montalegre), Maria da Graa D. Rodrigues (Torre de Moncorvo), Maria da Graa M. Sebastio (Mogadouro), Maria da Graa Gomes (Lebuo, Valpaos), Maria da Graa Ferreira Garcia (Mirandela), Maria de Ftima Carneiro Teixeira (Macedo de Cavaleiros), Maria de Ftima Fernandes Alves (Montalegre), Maria de Ftima Cancela (T. Moncorvo), Maria do Amparo Gomes (T. Moncorvo), Maria Fernanda Cardoso Dias (Alij), Maria Georgina Cordeiro Queijo (Macedo de Cavaleiros), Maria Isabel Alves Domingues (Chaves), Maria Isabel Barja (Chaves), Maria Lucinda Freixinho Peixoto (T. Moncorvo), Maria Raquel Coelho Alves (Mirandela), Maria Vitria Andrade Lzaro (T. Moncorvo), Maria Zita Moura Regente (Macedo de Cavaleiros), Narcisa Lcia Branco (Vila Flor), Neuza da Conceio Estevinho (Bragana), Olema Natrcia Gonalves (Vilar de Peregrinos, Vinhais), Olmpia Morais (Macedo de Cavaleiros), Rosa Maria Fernandes Martins (Valpaos), Suzana Isabel Quintas de Carvalho (Vinhais).

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Cumpre-nos aqui ressalvar que, na pesquisa realizada em fontes primrias, procurmos afastar as lendas de contedo claramente romanceado (lendas de autor), onde se torna difcil (ou arriscado) potenciar os assuntos e motivos que emanaram das fontes orais originais, distinguindo-os dos impulsos erudito-literrios dos seus autores.2 A ideia foi reunir um corpus fivel e representativo no quadro de uma exegese do universo antropolgico tradicional. Por isso, importou, acima de tudo, uma busca dos contedos da memria que melhor se aproximem do seu fundo essencial, permanente, que provm da lonjura dos tempos.

Procurmos apresentar todos os textos narrativos sob o ttulo que as respectivas fontes indicavam. Nos casos (de publicaes) em que tal indicao no existia, optmos por propor um ttulo, colocando-o entre parntesis rectos.

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Concelho de Alfndega da F

1 [Os cavaleiros das esporas douradas]Tendo os mouros uma fortaleza no monte do Carrascal, prximo da vila de Chacim, saram de Alfndega da F 25 cavaleiros de esporas douradas, que ajudando os de Chacim e de Castro Vicente, desbarataram os mouros, obrando tais actos de bravura que obtiveram para a sua terra, que se chamava somente Alfndega, o sobrenome que tem3. Diz-se que o alcaide mouro do Carrascal, ufano com o seu castelo, impunha aos cristos circunvizinhos os tributos que queria, exigindo at tributo de donzelas para o seu harm. Pedindo esse tributo aos cristos de Castro Vicente, estes pediram socorro aos desta vila [Alfndega da F], que, tomando as armas, atacaram o castelo com grande intrepidez, tomando-o, matando o alcaide e livrando o pas deste malvado4.Fonte: LEAL, Pinho Portugal Antigo e Moderno, vol. 2, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873, p. 114.

2 [O Castelo da Marrua]No stio chamado Marrua, tambm dito Castelo de Marrua [em Parada, concelho de Alfndega da F], h restos de fortificaes, muros, fossos, etc., que dizem ser dos mouros. Perto fica a Fraga do Crato, metida em espesso carrascal, interessante por apresentar a forma de capela e por o povo lhe ligar a lenda de tesouros encantados. No Castelo da Marrua aproveitaram os rochedos para defesa, completando a parte onde faltavam por muros. quase inacessvel, a no ser por um lado, no qual reforaram o sistema defensivo por outro muro um pouco afastado do recinto e por uma larga faixa de pedras de mais de metro, enterradas com a ponta aguada para cima.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, p. 149.

Pinho Leal refere que ainda em 1650 se conservavam na casa da Cmara de Alfndega da F diversas armas com que o povo se defendia dos rabes e os atacava. E acrescenta terem sido, entretanto, convertidas em instrumentos agrrios (1873: 114). 4 Esta verso, publicada por Pinho Leal, reproduz, com a respectiva actualizao ortogrfica, o contedo j antes publicado pelo Padre Luiz Cardoso, no Diccionario Geographico, em 1747, em artigo dedicado a Alfndega da F (apud Alves, 1934a: 106).

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3 [A Fonte dos Vilarelhos]Na fonte dos Vilarelhos, termo de Alfndega da F, vive uma linda moura em guarda de valiosssimo tesouro. Um homem a quem apareceu soube-lhe falar e ela prontificou-se a dar-lhe seis vintns dirios, tanto disse bastar-lhe para seu governo sem necessidade de trabalhar, se l fosse todos os dias ao dar da meia noite. Na verdade, o homem no era peco, e todos os dias, hora aprazada, encontrava junto fonte, debaixo de uma pedra, a luzente moeda de prata. Os vizinhos admiravam-se, porque, sendo pobre, vivia tripa-forra sem trabalhar. Os antigos camaradas de geira chamavam-no ao passar junto da sua porta para o servio, mas ele dizia sempre que no ia. Por ltimo, aborrecido com a impertinncia da chamada, retorquiu escarnecedor e soberbo: Que no ia trabalhar, Nem de trabalhar precisaria, Enquanto a Fonte de Vilarelhos Lhe desse seis vintns por dia.

Na noite seguinte voltou fonte, mas a moeda no estava e nunca mais a viu.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, p. 451.

4 [A Fraga da Tecedeira]H lenda da moura encantada e de tesouros encantados em Agrobom [concelho de Alfndega da F], no stio chamado Fontanhas, onde aparece a moura a tecer em tear de oiro na manh de So Joo, e por isso chamam ao stio Fraga da Tecedeira e ainda Mourim. O tesouro consta de um lagar de oiro. Diz a lenda que para o desencantar j l foi um padre com o povo fazer esconjuros e rezas. Apareceu o diabo escarnanchado na ponta do peso do lagar, declarando como que violentado e com a horrenda cara de quem : O tesouro aqui est. Onde queredes que vo-lo apresente? Tudo fugiu aterrado e o diabo desapareceu com o lagar, sem mais haver notcia dele.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, p. 490

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5 [O segredo da moura]Na cortinha da Ermanda, no termo de Sendim da Ribeira [concelho de Alfndega da F], h uma moura encantada que apareceu a um rapaz, prometendo-lhe imensas riquezas. Para isso devia o rapaz de meter as suas calas no meio de um rochedo que se abria por artes mgicas e se fechava seguidamente, e tambm de atirar com um ovo cabea de uma cobra que sairia rapidamente contra ele. O rapaz devia guardar segredo, nada revelando de quanto lhe disse a moura, mas no teve pacincia. Jubiloso como estava com a riqueza prometida pela moura, declarou tudo. Ah, ladro, que deste cabo da tua fortuna! disse-lhe o pai quando soube das inconfidncias do filho. E, na verdade, o fragueiro no se abriu e nunca mais viu a moura.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, p. 491

6 [A moura das Casas Brancas]H uma moura encantada a tecer em tear de oiro nas Casas Brancas, termo de Vale de Pereiro [concelho de Alfndega da F]. Estas casas, muitssimo pretas, por sinal, so os alicerces de uma aldeia mourisca. Percebem-se ali os restos de algumas casas, que no puderam ser acabadas por causa da expulso dos mouros. Ali ficou uma moura encantada em horrorosa serpente, e se algum mortal tiver coragem e tempo de dizer certas palavras sacramentais, a cobra desaparecer para dar lugar a uma moura.Fonte: VILARES, Joo Baptista (apud ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, pp. 491-492).

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Concelho de Alij

7 [A moura encantada de Sanfins do Douro]Ao tempo das longas e sangrentas batalhas que os rabes e os cristos desenvolveram para o domnio do Algarve, foi uma bela princesa sarracena raptada e trazida [para Sanfins do Douro, concelho de Alij] por um jovem guerreiro cristo. E longe da sua terra e dos seus carpiu a princesa as mgoas da solido e as angstias da interminvel esperana do regresso ao lar. Inmeras foram as tentativas que os moiros fizeram para a libertar, baldadas, todas elas, pela vigilncia constante a que estava sujeita. Um dia, porm, o antigo apaixonado da infeliz moira, dando como senha de reconhecimento algo que no existia na zona do desterro os figos do Algarve resolveu, com risco da prpria vida, libertar a sua amada. Em m hora o fez, j que foi descoberto e morto pelos escudeiros do raptor. A aventura romntica do califa, longe de terminar em bem, serviu ainda para maior recluso da princesa que, desiludida, se fechou nos aposentos e, desfeita em lgrimas, se finou aos poucos. Desde ento, porque morrera de amor, ficou encantada espera de algum, desditoso nos amores, que fosse capaz de obter o seu desencantamento. por isso que, nas raras manhs estivais de nevoeiro, ao subir o monte da Senhora da Piedade, se algum apaixonado encontrar uma velha manta cheia de figos, deve apanh-los. Se qualquer deles se transformar em libra de oiro, a jovem moirinha recuperar a liberdade. S quem possuir um esprito puro o conseguir. E como a ningum aconteceu algum figo se transformar em oiro, a linda princesa aguarda um novo e intrpido cavaleiro que a liberte do encantamento e a devolva s terras quentes do seu querido Algarve.Fonte: GRCIO, Joaquim Monografia de Sanfins do Douro, Alij, Cmara Municipal de Alij, 1990, p.53.

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8 [Os figos da princesa moura]Conta-se que no tempo em que os mouros habitavam esta regio, a filha de um rei mouro foi encantada por uma bruxa m que a tornou invisvel por muito tempo. At que um dia um homem, quando vinha de trabalhar no campo, que ficava num lugar chamado Ribeirinhos e costumava atravessar por um atalho que fica por trs da Senhora da Piedade [Sanfins do Douro], reparou numa rocha que estava cheia de figos. Por momentos ficou confuso, porque no era tempo de figos. Passada a confuso, resolveu pegar num punhado deles, meteu-os ao bolso e foi para casa. Mas o espanto dele ainda foi maior quando chegou a casa e quis mostrar os figos mulher. Ao meter a mo ao bolso, em vez de figos apareceram libras em ouro. O homem correu at rocha para apanhar mais libras, mas quando l chegou j no havia mais nada. E de repente ouviu uma voz que lhe disse: Tivesse-los levado. Agora j no h mais. Ele ento vira-se, e v uma menina muito bonita com lgrimas nos olhos.Fonte: Jornal Notcias da Pequenada, Escola do 1 Ciclo de Sanfins do Douro, Alij, Maro de 1998.

9 A moura do monte do PiolhoReza uma lenda antiga que, numa gruta escondida no denso pinhal do monte do Piolho, concelho de Alij, encontra-se uma princesa moura encantada, que guarda um valioso tesouro e aparece em todas as noites de S. Joo, logo aps a meia noite. Diz-se que vista sob a forma de serpente tenebrosa, e que ali aguarda desde sempre que um homem de coragem a v resgatar ao encanto a que est sujeita. O homem que conseguir voltar as costas ao medo e, numa dessas noites, esperar pela chegada da serpente e a beijar quebrar-lhe- o encanto, casar com ela e ficar com todo o seu tesouro, que composto por muito ouro e muitas jias. Um dia um homem das redondezas, cansado de viver pobre e desejoso de casar com a princesa, encheu-se de coragem e disse para os seus vizinhos: Quem l vai sou eu, e haveis de ver se trago ou no trago essa tal moira! Todos lhe disseram para no ir, pois isso era perigoso. Se nunca ningum tinha conseguido ver a princesa moura, porque havia, logo ele, de o conseguir? O homem fez orelhas moucas aos conselhos que lhe deram, e l foi numa dessas noites de S. Joo. Primeiro levou algum tempo a procurar a gruta, e, quando a descobriu, esperou que chegasse a meia noite. Nessa altura, apareceu-lhe a serpente

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que lhe subiu pelo corpo acima at ao rosto. Porm, o homem no chegou a beij-la. Apanhou tamanho susto, que fugiu dali a sete ps, ficando mudo para o resto da vida. No conseguiu, por isso, contar a ningum o que quer que fosse sobre a princesa, ou sobre o tesouro. Diz-se ainda que outros o tentaram tambm ao longo dos tempos, mas que, ou morreram de susto, ou ficaram cegos ao depararem com a serpente, e, por isso, o mistrio l continua.Fonte: PARAFITA, Alexandre O Maravilhoso Popular Lendas. Contos. Mitos., Lisboa, Pltano Editora, 2000, p. 165.

10 Lenda da Anta da ChEm tempos muito antigos existiu no lugar da Ch, concelho de Alij, um povo de mouros que, segundo a tradio popular, deixou o seu vestgio numa anta ou dlmen, sendo denominado aquele stio como "Fonte Coberta". Conta-se que uma jovem moura casou por amor contra a vontade do seu pai, um rei mouro. E por isso pagou caro a sua desobedincia, sendo obrigada a trabalhar para sustento da sua famlia e a construir, sozinha, a sua casa. Foi ela que carregou as pedras da anta cabea, e ao colo levava o seu filho ainda beb. Diz-se que, em noites de luar, ainda h quem oua os ais da jovem moura a carregar enormes pedras.Fonte: Inf.: Maria Fernanda M. Cardoso Dias, 51 anos; rec.: Alij, 2001

11 Lenda da Pala MouraNa manh de S. Joo dizem que as mouras aparecem com todos os seus tesouros em frente da Pala Moura, em Carlo, concelho de Alij, estendendo-se ao sol, para ver se cativam algum da aldeia que as v libertar do encanto em que se encontram.Fonte: Inf.: Manuel Carvalho, 70 anos; rec.: Carlo, Alij, 1999

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Concelho de Boticas

12 [Os mouros do castro de Sapios]O castro de Sapios, chamado tambm Casas dos Mouros, fica cerca de 400 metros adiante de Sapios [concelho de Boticas]. Corre na tradio que os mouros daquele castro apedrejavam os cristos quando por ali passavam a caminho da igreja romnica de S. Pedro, que fica na margem direita do rio Terva, e a uns 500 metros da base do castro.Fonte: COUTO, Artur Monteiro do Patrimnio Histrico de uma Aldeia Transmontana Sapios, Boticas, C. Municipal de Boticas, 1998, p. 17.

13 Lenda da moura a cantarA Sr Delfina da Rua disse que a sua amiga Isabel Roseira, que j morreu h muitos anos, ia um dia com as ovelhas e, no stio da Pedreira, junto do monte do castro de Nogueira [em Bobadela, concelho de Boticas], viu uma moura, toda vestida de branco, a cantar em cima dum penedo. Cantava to bem e to lindamente que era um encanto ouvi-la. Quando a Isabel se aproximou, para a ver mais de perto e melhor a ouvir cantar, a moura deixou de cantar e desapareceu.Fonte: MIRANDA JNIOR, Avelino; SANTOS, Joaquim Norberto; SANTOS JNIOR, Joaquim R. Castros do Concelho de Boticas - II Campanhas de 1984 e 1985, Boticas, Cmara M. de Boticas, 1986, p. 17.

14 Lenda do CobrioUm rapaz que meia noite vinha da Quint, ao passar junto do monte do castro de Nogueira, ouviu a voz de uma moura que lhe disse: Vou aparecer-te na forma dum cobrio muito grande. Vou subir por ti acima at aos ombros e vou dar-te um beijo, mas no tenhas medo: ganhars o tesouro. Tens de me fazer sangue e no falars em Deus. Espera um pedao.

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O rapaz, cobioso de haver mo o tesouro prometido pelo falar de moura, parou e aguardou que aparecesse o cobrio. Quando apareceu o cobrio, era um cobro to grande e fazia tanto barulho que o rapaz tomado de espanto e apavorado com o tamanho do bicho, no se conteve e, aflito, disse: Ai, Jesus! Naquele mesmo instante o cobrio desapareceu e, com ele, l se foi o tesouro, que continua encantado no castro de Nogueira.Fonte: MIRANDA JNIOR, Avelino; SANTOS, Joaquim Norberto; SANTOS JNIOR, Joaquim R. Castros do Concelho de Boticas - II Campanhas de 1984 e 1985, Boticas, Cmara Municipal de Boticas, 1986, pp. 17-18.

15 [A moura, as palhas e o ouro]A uma rapariguinha que levou as vacas a pastar ao Cto dos Mouros [em Vilarinho Seco, concelho de Boticas] apareceu-lhe um moura. Chegou-se fala com um pucarinho na mo e pediu-lhe se lho enchia de leite. A rapariguinha pousou uma cestinha onde tinha trazido a merenda e prontamente mugiu uma vaca e encheu o pcaro de leite. A moura, em paga do leite, encheu-lhe de palha a cestinha da merenda, recomendando que s abrisse a cesta em casa, e que muito teria que lhe agradecer. A rapariguinha, cheia de curiosidade, na primeira volta do caminho, mal deixou de ver a moura, abriu a cesta e, desejosa de ver o que poderia estar por baixo da palha, foi atirando fora a palha aos punhados. Como nada viu, fez mau juzo da moura. Quando chegou a casa contou tudo o que passara com a moura e mostrou a cesta onde tinham ficado algumas palhas. Espanto da me e da filha: as palhas tinhamse transformado em ouro5.Fonte: MIRANDA JNIOR, Avelino; SANTOS, Joaquim Norberto; SANTOS JNIOR, Joaquim R. Castros do Concelho de Boticas - II Campanhas de 1984 e 1985, Boticas, Cmara Municipal de Boticas, 1986, pp. 53-54.

Narrativas idnticas so referenciadas a propsito dos vizinhos castros de Nogueira, em Bobadela, e dos Corvos, em Ardos, no mesmo concelho, variando apenas alguns dos motivos: em vez das vacas, ovelhas; em vez das palhas, pedaos de carvo (Miranda Jnior, et al., 1986: 18-19 e 74). Alis, este gnero de relatos, com idntica variao de motivos, comum a outras zonas da Regio.

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16 [A moura a catar os piolhos]Conta-se que um dia, um cristo viu de longe uma moura a catar os piolhos na cabea do pai [na zona do castro dos Corvos, em Ardos]. Uns cristos de instintos maldosos, sem no entanto a lenda explicar a razo daquela maldade, foram-se aproximando cautelosamente, rastejando por entre o mato. A pobre da mourinha, ao ver o mato a abalar, mal teve tempo de dizer ao pai "a urze venteja", pois imediatamente foram mortos o pai e a filha.Fonte: MIRANDA JNIOR, Avelino; SANTOS, Joaquim Norberto; SANTOS JNIOR, Joaquim R Castros do Concelho de Boticas - II Campanhas de 1984 e 1985, Boticas, Cmara Municipal de Boticas, 1986, pp. 74-75.

17 [O Cto dos Corvos]Outra lenda (...) foi-nos dita pelo Sr. Antnio Afonso Fernandes, de 73 anos, e residente na aldeia de Alturas de Barroso. Esta da guerra com os mouros do Castro de S. Romo. Os do Castro dos Corvos "puseram luzes nos cornos das cabras" e com o luminoso rebanho avanaram de noite sobre o Castro de S. Romo, que fica na base da encosta a sul e perto da Barragem de Pises. Claro que os do Castro de S. Romo fugiram apavorados. O mesmo Sr. Antnio Afonso Fernandes informou que trs homens da aldeia das Alturas foram ao Cto dos Corvos com o livro de S. Cipriano. Em dada altura da leitura "apareceu o encanto em forma de boi" que os fez prontamente fugir, aterrados.Fonte: MIRANDA JNIOR, Avelino; SANTOS, Joaquim Norberto; SANTOS JNIOR, Joaquim R Castros do Concelho de Boticas - II Campanhas de 1984 e 1985, Boticas, Cmara Municipal de Boticas, 1986, p. 75.

18 Ponte da cerca do castroEm tempos muito antigos, os mouros pretenderam fazer uma ponte de pedra da cerca do castro [de Carvalhelhos, concelho de Boticas] para a encosta ou ladeira do Corial, onde h os "fornecos dos mouros" e as mamoas. tradio que neles os mouros coziam o po.

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Pois bem: tal ponte nunca se pde fazer, pela razo simples de que a gente de Carvalhelhos ia l de dia e deitava abaixo tudo o que os mouros tinham construdo de noite. A pertincia destruidora da gente de Carvalhelhos manteve-se firme e os mouros tiveram de desistir do intento.Fonte: SANTOS JNIOR, J.R. O Castro de Carvalhelhos, Porto, Instituto de Antropologia da Universidade do Porto, 1957, p. 51.

19 Tenda das lameiras do castroConta-se que, em tempos muito antigos, nas lameiras da base do castro [de Carvalhelhos, concelho de Boticas], andava uma rapariga a pastar o gado quando viu uma tenda muito bonita com muitos objectos de ouro. Brincos, anis, cordes e arrecadas eram em tal quantidade que metia espanto. Nessa tenda, espcie de lojinha, estava uma velhinha que pediu rapariga uma panela de leite. Se lha trouxesse, em paga lhe daria toda aquela riqueza. Deslumbrada, a rapariga no teve perna manca e foi a casa buscar uma panela de leite que a velhinha teria bebido com boa sede e grande aprazimento. Em paga encheu a panela de qualquer coisa que a rapariga no pde ver o que era. Ao entregar-lha disse-lhe que at casa no visse o que a panela tinha. A meio do caminho, porm, a curiosidade levou a rapariga a destampar a panela. Foi enorme o seu desapontamento ao ver singelssimos carves, que foi deitando fora. Em casa desabafou com a me. A velhinha prometera-lhe a riqueza toda e, no fim de contas, dera-lhe apenas carves que ela arremessara indignada. A me podia certificar-se: ainda restavam dois ou trs no fundo da panela. A me foi ver a panela e verificou, espantada, que os bocados do carvo de sobejo se haviam transformado noutras tantas magnficas libras em ouro. Me e filha apressaram-se a percorrer o caminho em busca do carvo que a filha levianamente arremessara. Nada encontraram. Dos carves, da tenda e da velhinha, nem o menor vestgio. A minha informadora rematou: "A rapariga depois bem se arrepelava derretida em lgrimas, mas j de nada lhe valia". A curiosidade, atributo bem feminino, fizera com que ela perdesse tanta riqueza.Fonte: SANTOS JNIOR, J.R. O Castro de Carvalhelhos, Porto, Instituto de Antropologia da Universidade do Porto, 1957, p. 52.

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Concelho de Bragana

20 [Ladeira do Pingo]Na ladeira do Pingo, no termo de Espinhosela [concelho de Bragana], h um tesouro encantado [de que a moura guarda], que s pode ser desencantado, isto descoberto, pelas cabras a arranhar a terra.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, p. 492.

21 [A moura, metade homem e metade cabra]No vale de Sio, termo de Parada de Infanes [concelho de Bragana], saiu uma moura encantada, metade homem e metade cabra, a um tal Antnio Alves, dizendo-lhe: Anda c, Antnio Alves, que levars para ti, filhos, netos e tetranetos. Mas o homem assustou-se, fugiu e o encanto sumiu-se.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, 493.

22 [O tesouro do castro de Caravela]No termo de Caravela, concelho de Bragana, para a parte do poente, nas vizinhanas de uma pequena ribeira, acham-se vestgios de uma fortaleza, que segundo a tradio do tempo dos mouros. o castro de Caravela (...). Diz a lenda que neste castro h um grande tesouro, constitudo por um tear de oiro enterrado no ponto onde bate primeiro o sol na manh de So Joo. Mas como o cabeo onde est o castro banhado todo ao mesmo tempo, seria preciso revolver tudo e ningum se atreve a tanto.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, pp. 142-143.

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23 [A fonte do Castro de Baal]O stio do termo de Baal, concelho de Bragana, chamado Castro, fica no extremo norte do mesmo, um quilmetro do povoado, a despenhar-se para o rio Pepim, que lhe corre aos ps a duzentos metros de profundidade, talhado quase a prumo. (...) Cem metros abaixo fica a Fonte do Castro, de boa gua, que rega uma pequena horta, na qual, segundo a lenda, est uma moura encantada, por algum j vista nas manhs de S. Joo a pentear-se com pentes de ouro ou pressentida nas mesmas manhs, antes do sol-nado, a tecer em tear de ouro.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, Porto, vol. IX, 1934, pp. 122-123

24 A moura encantada no fundo de um pooUma vez trs amigos souberam que estava uma moura encantada no fundo de um poo [em Rio de Onor, concelho de Bragana] e resolveram ir desencant-la. O primeiro desceu num cesto, mas a certa altura era tal a escurido que ele tocou a campainha e os outros puxaram-no c para fora. O segundo foi mais fundo, mas eram tantos os mosquitos que ele tambm tocou e foi iado. O terceiro disse que se tocasse era para o descerem ainda mais. Quando ia a meio viu-se muito aflito, mas por mais que tocasse, os outros iam-no sempre descendo. Por fim, chegou ao fundo e encontrou uma linda moura encantada, que lhe disse: homem, tu que fizeste? Tu ests perdido! O diabo quem me guarda, e ele vem a j e mata-te! Olha, ele vai desafiar-te para um duelo e mostrar-te espadas muito lindas e uma feia. As lindas so de vidro e tu deves pegar na outra. Assim sucedeu. O diabo apareceu e, cheio de fria, desafiou o homem para um duelo. O homem pegou na espada ferrugenta que era a de ferro, enquanto que o diabo teve de ficar com a de vidro. Vai o homem e zs, cortou uma orelha ao diabo, que deu um berro e deitou a fugir. A moura ficou toda contente e disse: Bem, j estamos livres dele, agora somos livres! Mas o homem no sabia o que havia de fazer. Ento a moura disse: Tu tens a a orelha dele e desde que a mordas tens tudo quanto queiras.

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O homem mordeu a ponta da orelha e logo lhe apareceu o diabo a perguntar o que que ele queria. Ele disse que queria que os tirasse dali para fora. Logo baixaram o cesto os companheiros e a moura subiu. Mas mal esta chegou l acima, estes ficaram com ela e deixaram o companheiro sozinho no fundo do poo6.Fonte: DIAS, Jorge Rio de Onor Comunitarismo Agro-Pastoril, Lisboa, Ed. Presena, s/d, p.172.

25 O castelo de RebordosVerso A:

Diz a tradio que este castelo [situado no concelho de Bragana] fora manso de um rgulo mouro, a quem as povoaes pagavam de tributo certo nmero de donzelas; e aponta-se, em confirmao, para o lameiro da vela acesa, que fica perto, ao lado, porque foi nele que uma serva colocou, altas horas da noute, uma vela acesa, sinal da traio para com seu amo e de aviso, para avanar, aos inimigos que queriam dar morte, como deram, ao exactor de to negro tributo. (...) Notvel que, para perpetuar o facto, no se haja erguido sobre essas runas uma capela ou ermida dedicada Virgem, por interveno da qual os guerreiros ressuscitavam para continuarem a luta em defesa da virgindade ofendida.Verso B:

Dois quilmetros a noroeste de Rebordos [concelho de Bragana], caminhando para o santurio da Senhora da Serra, sito no cume da Serra da Nogueira, distante quilmetro e meio, fica o local chamado Castelo de Rebordos, constitudo por enormes fragueiros, apenas acessvel pela nascente sul. Apresentando os outros dois lados uma rampa a pique de mais de quatrocentos metros. (...) Vivia neste castelo um potentado mouro, a quem as povoaes limtrofes pagavam o tributo de certo nmero de donzelas para o seu harm; mas uma delas, certa noite, quando ele dormia, deu sinal, segundo combinara, colocando uma vela acesa no prado, ainda hoje, por isso, chamado da Vela Acesa, e o rgulo foi atacado, morto, o castelo destrudo e as donzelas libertas.Verso C (O rei mouro e a pipa dos pregos):

Num morro prximo de Rebordos, concelho de Bragana, h um castro arruinado conhecido como o castelo dos mouros, onde, h muitos e muitos anos, viveu um rei mouro que subjugava pela fora toda a populao das redondezas. Quanto s moas, antes de serem possudas por qualquer homem, eram obrigadas a frequentar o seu harm e satisfazer os seus prazeres.Jorge Dias acrescenta ao texto a indicao de que a histria devia ter continuao, mas [os informantes, no indicados] no sabiam mais.6

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Um dia, uma jovem crist, irm do famoso Conde de Aries, tendo-se recusado a seguir este destino, foi raptada pelo rei mouro e levada para o castelo. A, o tirano tentou faz-la ceder aos seus desejos, e, como ela continuasse a recus-lo, o rei mandou buscar uma pipa e cravejou-a de pregos de fora para dentro, a fim de meter a moa l dentro e p-la a rolar pela encosta do morro abaixo. O Conde de Aries, ao saber do rapto, conseguiu chegar ao alto do morro, no momento em que o rei se preparava para lanar a pipa no despenhadeiro. Travou uma luta com o tirano, venceu-o, e, por castigo, meteu-o a ele dentro da pipa, mandando-a pela encosta abaixo. E assim o povo se libertou, de vez, do jugo dos mouros.Verso D (O Prado da Vela Acesa)

Perto da aldeia de Rebordos, no concelho de Bragana, existia um castelo onde vivia um rei mouro muito poderoso, que obrigava as povoaes vizinhas a pagarem, como tributo, um certo nmero de donzelas para o seu harm. Uma das donzelas, que era muito corajosa, no aceitou ser sujeita a tal infmia, e combinou um estratagema com o povo para matarem o rei mouro. Assim, pela calada da noite, enquanto ele dormia, a donzela saiu do castelo e foi acender uma vela no lugar que tinham combinado, que era um lameiro prximo. E ao sinal da vela acesa, o povo armado deslocou-se ao castelo a fim de matar o rei. Depois de morto o rei, o castelo foi destrudo e as donzelas foram libertadas. E o lugar onde foi colocada a vela ainda hoje designado como o "Prado da Vela Acesa", havendo quem o conhea tambm como o "Lameiro da Talvela".Fonte verso A : LOPO, Albino Pereira "O castelo de Rebodos", in O Arquelogo Portugus, vol. 3, n.s 5 e 6, Lisboa, 1897, pp. 116117. Fonte verso B: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, Porto, vol. x, 1934, pp. 8-9. Fonte verso C: Inf.: Virglio do Vale, 59 anos; rec.: Vila Boa, Vinhais, em 2000. Fonte verso D: Inf.: Maria Jos Santos Salgueiro, 35 anos; rec.: Bragana, 2000.

26 [O Cabeo da Velha]Na base poente do Cabeo da Velha [em Labiados, concelho de Bragana], junto margem do rio Contense, stio chamado Rachas, fica a Pala dos Mouros, tambm dita Pena Veladeira, sob a qual h uma gruta, a pala no dizer do povo, que pode acobertar um rebanho de quarenta ovelhas (...) Pelos anos de 1860 foram desencantar a riqueza do Cabeo da Velha uns quantos sonhadores de tesouros, naturais de Baal e Sacoias, acompanhados de um padre e de uma bruxa (...). Ainda conheci o padre, a bruxa (tia Martinha, de Sacoias) e os homens o tio Vicente e o tio Nicolau, aquele de Sacoias e este empregado na mquina de destilao de vinhos de Baal.

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O padre era natural de Baal, onde faleceu em 1892, e muitas vezes me contou o caso. Ele lia, lia no Livro de S. Cipriano, o autntico, um cdice antigo, manuscrito, se bem me recordo, pois os modernos, impressos, nada valem, dizia ele, e exorcismava sem cessar ( tambm condio indispensvel), metido dentro de um pentalfa inscrito num crculo que traou no terreno, do qual no podia sair, sob pena de ficar tudo sem efeito; a bruxa, dentro de um signo Salomo, fazia conjuros e deitava as varinhas do condo e os homens cavavam, cavavam, sem parar e calados. Tudo corria admiravelmente, indicando que o tesouro estava prestes a sair. Neste comenos surge na escavao um sapo enorme, colossal (era o diabo, guarda do tesouro), a abrir e fechar a boca, num gesto de os papar a todos. Os homens aterram-se, o padre recua um pouco, saindo do crculo, a bruxa faz o mesmo e de repente a trincheira esboroa-se, apanhando o Nicolau pelas pernas; o tesouro, uma enorme bola de oiro, maior que a roda de um carro, reginga pela ladeira abaixo, at se esfrangalhar no rio, sentindo-se nitidamente o tilintar do oiro nos fraguedos e lajes das margens, e um medonho tufo arrasta os sonhadores, por cima de carrascos e fraguedos, a muitos metros de distncia, deixando-os assaz maltratados e sem poderem regressar a casa no mesmo dia ou s muito tarde. A bruxa, porm, foi vista logo em Sacoias, s e escorreita, com a cantarinha debaixo do brao a ir buscar gua fonte. sempre assim! O tesouro l est, dizem os da carolice; falta, porm, a coragem precisa para o desencantar.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, Porto, vol. IX, 1934, pp. 631-632

27 [O Picadeiro dos Mouros]Um pouco abaixo da Pena Veladeira [em Labiados, concelho de Bragana], no stio chamado Vale de Madeiro, no cume de um cabeo, h uma esplanada a que chamam Picadeiro dos Mouros, pois segundo a lenda, era ali que iam exercitar os cavalos. Um outro tesouro encantado est logo ali ao p no stio chamado Penados. Na Pena Veladeira haviam gravado um corvo, que muita gente diz ter visto, e, segundo a mesma [lenda], o corvo estava voltado na direco do tesouro e a olhar para ele, mas os galegos destruram-no ao arrancar a panela de dinheiro que l estava.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, Porto, vol. IX, 1934, pp. 632-633

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28 [O Vale da Moura]H no termo desta povoao [Pinela, concelho de Bragana] um cabeo que apresenta restos de fortificaes, compostos de muros, fossos, etc. Chama-lhe Castelo de Avelina (...) Encerra grandes tesouros guardados por uma moura encantada. (...) O povo tem m f com as trovoadas vindas do Vale da Moura, stio perto do Castelo de Avelina, porque diz ele so pavorosas em granizo e pedra destruidora das searas. Deste castelo partia uma galeria subterrnea por onde os mouros iam levar os cavalos a beber a um regato distante. Tambm lhe aplicam a lenda do tributo das donzelas.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, Porto, vol. IX, 1934, pp. 149-150.

29 Lenda de S. Pedro de SarracenosDiz a tradio popular que o actual termo de S. Pedro, no concelho de Bragana, foi, noutros tempos, habitado pelos sarracenos, ou mouros. E que, quando veio a reconquista, os cristos investiram contra eles para os expulsarem. A batalha deu-se em "Oliveiras do Bispo", um stio que ainda hoje tem esse nome. Conta-se que, durante a luta, os cristos tinham com eles a imagem de S. Pedro, que era o seu padroeiro. E que, de repente, tanto os mouros como os cristos ficaram imobilizados e depuseram as armas. No chegou a haver vencedores, nem vencidos. Tanto os cristos como os mouros encararam isso como um milagre de S. Pedro. E que era vontade deste santo no continuarem a batalha. Passaram por isso a viver em paz e coabitar a mesma terra, que passou a chamar-se S. Pedro de Sarracenos.Fonte: Inf.: Antnio Joo, de 81 anos; rec.: S. Pedro de Sarracenos, Bragana, 2001.

30 A Fonte da Moura de S. JulioNa aldeia de S. Julio, concelho de Bragana, havia uma fonte conhecida como a "Fonte da Moura" e tambm lhe chamavam "Fonte de Cima da Trembla", pois situava-se no cimo de uma lameira com esse nome.

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Dizem as pessoas de idade que meia noite era costume ouvir-se ali tecer um tear. E que numa madrugada de S. Joo, uma mulher foi fonte e entrou-lhe a ponta de um cordo para o cntaro. Ela pegou nele e comeou a dobar at fazer um novelo grande, to grande que j no lhe cabia nas mos. E como s com muita dificuldade conseguia dobar mais, resolveu partir o cordo. Nesse mesmo instante o novelo desapareceu-lhe das mos, e ouviu uma voz que disse: Marota, que me encantaste para toda a minha vida! E o tear ento nunca mais se ouviu. Dizem que a voz era de uma moura encantada. Se a mulher no tem partido o cordo, a moura teria aparecido na figura de serpente e no fazia mal a ningum. Bastaria que a mulher lhe tivesse deitado um pouco de saliva na cabea para ela ficar desencantada e em figura de uma jovem muito bonita. E traria com ela toda a sua riqueza.Fonte: Inf.: Raquel de Lassalete Vaz Rodrigues, 52 anos; rec.: Bragana, 2000.

31 Lenda de Santa Colombina de GimondeH muito, muito tempo, havia uma jovem chamada Colombina, que era filha de um rei mouro, e que foi pedida em casamento por um cavaleiro rico. O pai ficou muito satisfeito e no hesitou em conceder-lhe a mo da jovem. Porm, Colombina ficou aflita, porque, sem o pai saber, estava prometida a Jesus Cristo. Assim, no podia aceitar o casamento acordado por seu pai, e no podia tambm dizer-lhe as razes do impedimento. Resolveu por isso fugir. Andou muito tempo fugida, correndo sem destino, at que chegou a uma terra chamada Gimonde (situada no concelho de Bragana). E em sua perseguio vinha o noivo. Atormentada e j sem foras, a jovem pediu ajuda a uma fraga que encontrou junto aldeia: Abre-te fraga, que sers a minha morada! E o milagre deu-se. A fraga abriu-se, Colombina escondeu-se dentro, e ali passou a viver. Mais tarde apareceu a uma mulher que ia a passar, pedindo-lhe para construrem, naquele local, uma capela. O pedido foi aceite e o povo construiu a capela, que hoje l existe. E Santa Colombina continua a ser ali muito venerada pelo povo, especialmente pela mocidade.Fonte: Inf.: Raquel de Lassalete Vaz Rodrigues, 52 anos; rec.: Bragana, 2000.

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32 A lenda do Conde de AriesNum castelo que havia alm naquele cabeo, entre Bragana e o Castro de Avels, vivia o Conde de Aries. Naquele tempo s havia ali o castelo e pouco mais. E aqui, em Castro de Avels, havia um convento de monges. O Conde de Aries vivia no castelo com a sua me, e tinham l tambm uma moa Alcina era como se chamava com quem ele andava para casar. Nessa altura, na Serra da Nogueira havia outro castelo e tambm outro conde. Chamava-se Conde Redemiro. Mas era uma pessoa diferente. Era mau. To mau que at exigia umas sete ou oito donzelas todos os anos para o castelo dele, para as ter l ao seu dispor. E tinha muitos cimes pela moa do Conde de Aries. Bem lha queria roubar, mas no podia. Ora, certa ocasio o Conde de Aries foi para uma batalha. E quando regressou ao castelo j no encontrou a noiva. A me tinha-a deixado raptar numa noite, quando vieram uns, a mando do Conde da Serra da Nogueira, e varreram com ela. E para onde? Para o castelo do Conde Redemiro. O Conde de Aries ficou to aborrecido com a sua me que lhe soltou os lees. E como ela era uma velha, sem foras, j se est a ver o que lhe aconteceu. Desfizeram-na. Mais tarde ele arrependeu-se. E foi ento pedir aos monges do mosteiro do Castro de Avels que lhe dissessem que castigo deveria receber por ter deixado que a me fosse devorada pelos lees. E o que lhe disseram eles? Que criasse uma cobra que depois o devorasse tambm a ele, tal como deixou devorar a me. Ele assim fez. Criou uma cobra e sepultou-se com ela num tmulo que ainda hoje existe. E ali foi devorado. Quando o Conde estava j no tmulo, travou-se uma batalha entre cristos e mouros na Serra da Nogueira, onde os cristos mataram o Conde Redemiro, com a ajuda de uma criada que ele l tinha, e ganharam a batalha. E logo libertaram a moa, a Alcina. Ela fugiu ento para o castelo de c. S que quando chegou j o conde estava sufocado. Mas ainda travaram palavras, at que ele morreu. E com o desgosto, a moa morreu junto dele. Dizem tambm que os ais dela eram to grandes, que se ouviam nas terras ao redor. E uma dessas terras ficou at com o nome "Grandais", por causa dos grandes ais que se ouviam. O tmulo do conde est no mosteiro de Castro de Avels, onde viveram durante muito tempo os monges beneditinos7.Fonte: Inf.: Lcia Gonalves, de 75 anos; rec.: Castro de Avels, Bragana, 2001.

No muro do adro deste mosteiro esto igualmente representados em pedra os lees que devoraram a idosa. Um deles est sem cabea, o que, na tradio popular, tambm justificado: foi o conde quem lha cortou aps se arrepender do que aconteceu sua me.

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33 Lenda dos Sete Infantes de LaraH muitos e muitos anos, houve na aldeia de Parada [de Infanes], concelho de Bragana, uma mulher, chamada Dona Sancha, que teve sete filhos de um s ventre. E viu-se to envergonhada com isso8 que combinou com a criada para que lhe fosse afogar seis, tendo escolhido um para criar. Quando a criada ia com os meninos metidos numa canastrinha a caminho do rio, encontrou o patro, o famoso Conde Gonalves, que andava caa. Ao v-la, perguntou-lhe: Que levas nessa canastrinha? E a criada respondeu: Levo cezinhos de uma cadela que pariu l em casa. A senhora apenas quis um e mandou afogar estes. Diz-lhe ento o Gonalves: Pois no quero que os afogues. Volta para casa com eles e diz senhora que fui eu que mandei. A criada alterou-se contra o patro, e no lhe queria obedecer. Dizia que eram ordens da patroa. E essas que valiam. Ento o conde, mais arreliado ainda, tira-lhe a canastrinha das mos e v l os meninos. E diz-lhe: Valha-me Deus, mulher, que isto parte do meu corao! E assim o conde salvou os filhos. Mandou ento a criada embora, dizendo-lhe que guardasse segredo junto da patroa. Que ele faria igual. A seguir foi espalhar os seis irmos pelas aldeias das redondezas9, para que lhos criassem. Quando atingiram a idade de sete anos, resolveu junt-los novamente e apresent-los me. Vestiu-os todos de igual e meteu-os numa sala, juntamente com o que ela tinha. Depois chamou a mulher e disse: Vai visitar o teu filho. E v se o reconheces entre os demais. Mal a mulher olhou para eles, caiu redonda no cho, desmaiada. Quando acordou pediu perdo ao marido e aos filhos e passaram a viver unidos e felizes. Os anos correram e, num certo dia, o Conde Gonalves, a mulher e os sete infantes, foram convidados pelo Rei Blasques10, para o casamento de uma filha. Como eram famlia, l foram ento ao casamento. E quando estavam na festa, um dos sete infantes, que era o mais brincalho, atirou uma pulha noiva. Ela no gostou e foiHavia outrora a crena de que uma mulher s poderia gerar um filho de cada vez. De contrrio, estaria a denunciar uma relao havida com mais do que um homem. Assinale-se a semelhana deste relato, na sua fase inicial, com a lenda de Maria Mantela, narrada na tradio oral da zona de Chaves. 9 Segundo a tradio, foram criados nas aldeias de Vila Boa, Pinela, Palhe, Carocedo, Paredes e Grij 10 Comparada esta lenda com verses que correm em Espanha, este nome, aqui transcrito tal como pronunciado na tradio oral popular transmontana, corresponde a Velsquez, de Rui Velsquez. Da mesma forma, que Gonalves corresponde a Gonzalo Gustios, o famoso conde de Lara.8

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queixar-se ao rei, pedindo-lhe vingana. E o rei para se vingar resolve esperar por melhor ocasio. Dali a dias, mandou o Conde Gonalves com uma embaixada ao rei mouro. Fez uma carta, fechou-a, e disse ao conde que fosse lev-la a Crdova, ao rei mouro. E que esperasse pela resposta. O conde assim fez. Levou a carta, s que no sabia o que ela dizia. Por isso no lhe passava pela cabea que a carta o denunciava como traidor. E que pedia ao rei mouro que castigasse o mensageiro com a morte. O rei mouro, ao ler a carta. mandou logo encerrar o Conde Gonalves nas masmorras, esperando mand-lo matar na hora prpria. Entretanto, o tempo passou, e, como o conde nunca mais regressava a sua casa, os sete irmos, desconfiando que tivessem feito mal a seu pai, foram l para o resgatar. E travaram uma batalha, sozinhos, contra quinze mil mouros. Uma batalha que no puderam vencer. Acabaram todos eles mortos e degolados. Depois o rei mouro mandou pr as sete cabeas numa bandeja e deu ordens para que as levassem s masmorras, ao pai dos infantes. A vida do Conde Gonalves, depois disto, foi terrvel no cativeiro do rei mouro. Valeu-lhe uma filha deste que, sabendo do sucedido, teve pena do prisioneiro e afeioou-se a ele. s escondidas do rei, a jovem protegeu-o como pde. E um dia disse-lhe: Se negares a tua religio e professares a minha, posso salvar-te. Ao que o conde lhe respondeu: Antes sofrer mil mortes! A princesa moura, ao aperceber-se da fora tamanha que tinha a f do prisioneiro, dispondo-se a dar por ela a sua prpria vida, ainda se afeioou mais a ele. Passou a ser mais que sua protectora. Enamoraram-se. E com isto arranjaram um filho, ao qual puseram o nome Mudarra. Quando ele cresceu e soube a verdade sobre o seu pai e sobre a morte dos seus irmos, resolve vingar-se, matando o Rei Blasques e outros que com ele colaboraram. Depois, procurou nas masmorras o Conde Gonalves. Como no o conhecia, perguntou a um homem velho e cego que encontrou: H aqui um tal Gonalves? O velho respondeu: Eu lhe darei razo dele. Fale-me aqui ao ouvido, e diga-me o senhor quem . Tornou-lhe ento Modarra: Sou filho duma moura, mas por Gonalves fui gerado! O velho conde, comovido, abraou-se ao jovem e disse: Sou esse que procuras! Modarra tirou o pai da priso e levou-o para a sua casa em Parada. E ali passou a viver com ele, sob as leis do cristianismo. A casa ainda l existe. E a aldeia conhecida como Parada de Infanes, em memria dos sete infantes.1111

Este relato, tal como aqui se apresenta, , segundo a nossa informante, apenas o resumo de um auto muito antigo e muito extenso ouvido em criana. Refira-se que a mesma lenda igualmente conhecida em Espanha, em verses que no s contrariam as preocupaes toponomsticas das verses

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Fonte: Inf.: Neuza da Conceio Estevinho, 50 anos; rec.: Bragana, 2001.

34 A fraga do cavaleiroH em Freixedelo, no concelho de Bragana, uma fraga a que o povo chama a "Fraga do Cavaleiro". Diz-se que, h muitos e muitos anos, se ouvia ali, nos dias 1, 2 e 3 de Maio, um tear a trabalhar e que aparecia uma menina muito bonita. E que esta menina, depois de aparecer na forma de gente, transformava-se em serpente. Por isso nem todas as pessoas tinham coragem de ir l. E conta-se que uma vez um cavaleiro famoso no disse nada a ningum e foi l nos trs dias. Ao terceiro dia, viu ento a menina, e a ela se dirigiu. Ela disse-lhe que se ia transformar numa serpente e que, se ele no tivesse medo, ficava muito rico. Mas o cavaleiro, quando a viu transformar-se, teve medo. Dizem que por ter medo lhe dobrou o encanto e, por isso, desde a nunca mais ningum a voltou a ver nem ouviu bater o tear.Fonte: Inf.: Maria Jos Santos Salgueiro, 35 anos; rec.: Bragana, 2000.

35 Lenda da Fundao de BraganaVerso A:

Bragana, ao tempo circunscrita ao cabeo onde hoje chamam vila, foi abandonada no perodo da invaso dos Mouros. Conquistada a terra aos usurpadores muitos anos depois, os cristos voltaram sua Bragana. Os pastores apascentavam os seus rebanhos num espesso sardoal (o mesmo que carrascal) que se estendia pela plancie situada imediatamente a N. do dito cabeo. Aconteceu que um certo dia os pastores foram encontrar a imagem de Nossa Senhora pousada num sardo (ou seja num carrasco). Com toda a devoo a tomaram em suas mos e levaram-na para o seu povoado onde a recolheram na sua capela. Verificaram, porm, que a imagem voltara para o antigo lugar. Muito admirados com o acontecido, novamente a conduziram para a Capelinha do povo. E mais vezes se repetiu o caso, ao mesmo tempo que se repetiam os milagres que a Senhora fazia a todos aqueles que a Ela recorriam nas suas aflies. Em consequncia de tudo isto,transmontanas, como diferem tambm na relao parental entre personagens importantes. Por exemplo, na verso espanhola que consta na Crnica Geral de Espanha de 1344, estudada por Lindley Cintra, o heri Mudarra no neto do rei Almanor mas seu sobrinho (apud Pinto-Correia, 2002: 1999). De notar tambm que, naquele pas , essencialmente, atravs do romanceiro que este clebre relato transmitido. Sobre ele se debruaram, entre outros, Menendez Pidal (1991).

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deliberaram erigir uma Capela no stio do sardo e ali ficou a imagem de Nossa senhora para sempre, e os habitantes mudaram-se para junto dela, e assim se deu princpio cidade de Bragana.Verso B (Lenda da Senhora do Sardo):

H muitos e muitos anos, quando se construiu a igreja de Santa Maria, em Bragana, a cidadela era frequentemente invadida por mouros. Ento o povo, como tinha grande devoo por Nossa Senhora, resolveu escond-la no tronco de um sardo, num sardoal que havia logo por trs do castelo, pois os inimigos podiam roub-la e destru-la. Entretanto o tempo foi passando, as pessoas foram morrendo e Nossa Senhora ali ficou escondida. At que, num certo dia, andava um pastor a guardar o seu rebanho, quando, ao escurecer, viu duas luzinhas que brilhavam ao longe. Ficou muito assustado e foi chamar outra gente para verem o que seria tal coisa. Foram ento na direco das luzinhas e descobriram Nossa Senhora no tronco do sardo. Diz o povo que as luzinhas eram os seus olhos. Fez-se ento uma grande procisso para levar a imagem para a igreja de Santa Maria, dentro das muralhas do castelo. Por esta razo, a igreja de Santa Maria ainda hoje chamada pelas pessoas mais idosos Igreja de Nossa Senhora do Sardo.Fonte verso A: NETO, Joaquim Maria O leste do territrio Bracarense, Torres Vedras, s/ed., 1975, pp. 187-188. Fonte verso B: Inf.: Maria Emlia Alves, 46 anos; rec.: Bragana, 2000.

36 O cabeo de S. BartolomeuDizia-se antigamente que havia no cabeo de S. Bartolomeu, em Bragana, uma mata com grandes fragas, e a maior delas estava rachada de um lado ao outro. Dizia-se que essa fraga, meia noite, costumava abrir-se e sair de l uma luz e uma cobra a falar. Quem quer entrar? Quem quer entrar? Era isto que lhe ouviam dizer. O povo dizia que a cobra era uma moura encantada, mas todos tinham medo de l ir. Um dia foi l um homem, a quem chamavam "Maluquinho", e que dizia que no tinha medo a nada. Dizia que se a cobra lhe falasse, ento era mesmo uma mulher e ficava com ela. Outros homens seguiramno de longe. Dizem ento que viram a fraga a abrir-se e a engolir o "Maluquinho". Nunca mais ningum deu f dele. Houve quem acreditasse que, ao entrar l, quebrou o encanto, ficou rico e nunca mais voltou.Fonte: Inf.: Maria do Carmo Lopes, 39 anos; rec.: Bragana, 2000.

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37 A Fontela de CandegreloConta-se em Grij, concelho de Bragana, que um homem, que ambicionava ser muito rico, sonhou numa noite que havia um tesouro na Fontela de Candegrelo e que estava l um figuro12 a guard-lo. E no sonho tambm lhe foi dito que o tesouro seria seu se fosse de sua casa at fontela sempre a ler, na ida e volta, o livro de S. Cipriano, e que bastaria dizer ao figuro onde queria que ele lhe levasse o tesouro. O homem assim fez. Chegou l, aparece-lhe ento o figuro que lhe diz: Onde queres que te leve o tesouro? Leva-o minha quinta. O figuro pegou no tesouro e seguiu-o na direco da quinta. E o homem l continuava sempre a ler o livro de S. Cipriano. Acontece que, antes de chegar quinta, o homem emocionou-se de tal modo por sentir a grande riqueza que sonhara j ali to perto, que acabou por se enganar na leitura do livro. E ao enganar-se, diz-se que se abriu um grande buraco na terra onde entrou ele, o figuro e o tesouro. Nunca mais o voltaram a ver.Fonte: Inf.: Ana Maria Amaral Faria, 36 anos; rec.: Bragana, 2000.

38 O bruxo e a mouraNo cabeo de S. Bartolomeu, em Bragana, deu-se uma grande batalha com os mouros, quando estes iam a abandonar estas terras a caminho do norte de frica. Conta-se que ia ento um rei mouro com a sua comitiva e que levava grandes tesouros. E com ele ia tambm a sua filha, uma jovem muito bela. Quando os mouros avistaram os inimigos, o rei escondeu os tesouros em local que s ele conhecia, e preparou-se para a luta. S que os inimigos eram muitos, pelo que os mouros acabaram por ser derrotados e muitos deles mortos. O rei foi um dos que morreu, mas antes confessou a sua filha onde escondera os tesouros. Quando os inimigos capturaram a jovem e os mouros que sobreviveram, o chefe dos vencedores dirigiu-se princesa dizendo: Sers livre se nos disseres onde esto os tesouros. E a jovem respondeu-lhe: Podes fazer de mim o que quiseres, mas o segredo de meu pai no o ters.12

O figuro representa, neste comunidade, uma das referncias do maravilhoso popular, cuja simbologia harmoniza com o mouro mtico.

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Se assim , ficars aqui prisioneira para sempre sentenciou o chefe. Palavras tais no era ditas, ouve-se ento um grito medonho, que a todos assustou, dizendo: Prisioneira?! Nunca! Era um bruxo que saiu de entre os mouros cativos, e lanou sobre a princesa uma tal bruxaria que ela se transformou de repente numa asquerosa serpente. E perante os olhos espantados de todos, a serpente escapou-se por entre as fragas e desapareceu. Tanto o bruxo como os mouros foram encerrados nas masmorras, onde apodreceram. Quanto princesa diz-se que ainda por l anda, encantada.Fonte: Inf.: Ana Maria Amaral Faria, 36 anos; rec.: Bragana, 2000.

39 A Cortadura dos MourosNo termo de Gimonde, no concelho de Bragana, h do lado direito do rio Sabor um cabeo com o nome de Monte Guieiro e que faz uma grande cova que conhecida como Cortadura dos Mouros. Diz-se que foram os mouros que a fizeram. Segundo a lenda, os mouros, quando estavam subjugados pelos cristos, depois da reconquista, apostaram que, em apenas uma noite, faziam passar por ali o rio Sabor. Se o conseguissem, os cristos no os expulsariam. Tentar, bem tentaram, mas no chegaram ao fim. Diz o povo que se tm mais uma hora ganhavam a aposta. Como no ganharam, tiveram de ir embora. E o corte l ficou, chamando-se por isso mesmo Cortadura dos Mouros.Fonte: Inf.: Francisca Teresa Fernandes Moreno, 47 anos; rec.: Bragana, 2000.

40 Lenda da moura do ReboledoPerto da aldeia de Santa Comba de Rossas, concelho de Bragana, existe um altinho denominado Reboledo, coroado por um amontoado de rochas. Conta a lenda que havia l um encanto que costumava aparecer a um rapaz que era pastor. E que esse encanto tinha a forma de uma velha muito feia que lhe comia a merenda. Um dia o rapaz, farto de ficar com forme, pensou: "Hoje no me comes a merenda, pois vou pr Picoto!" E assim fez. S que tambm ali a velha lhe apareceu. Desta vez, porm, ela trazia s costas um grande cesto repleto de boa comida e ofereceu-lho. O moo no quis saber de mais nada. Atirou-se ao farnel com quantas barrigas tinha. Ento a velha contou-lhe:

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Sou uma donzela e estou encantada no Reboledo. Vem at l, ao stio onde est uma cruz, faz um sino saimo e mete-te l. Ho de aparecer-te muitos bichos. A cobra sou eu. Se lhe deres um beijo quebras-me o encanto e ficars rico. O rapaz disse-lhe logo que sim. Mas ao chegar a hora e ao ver tantos bichos... ah pernas! E nunca mais l voltou com o gado.Fonte: Inf.: Maria Antnia Machado Ferro, 77 anos; rec.: Santa Comba de Rossas, Bragana, 2001.

41 Lenda do Castelo de PinelaA meio caminho entre Rossas e Pinela, no concelho de Bragana, h um monto de rochas que a tradio baptizou com o nome de Castelo de Pinela. Diz o povo que nesse castelo viveram os mouros e que, ao sentirem-se vencidos pelas hostes da cristandade, enterraram valiosos tesouros nos subterrneos do castelo, ali ficando guarda de belas mouras encantadas. Estas mouras, reza a tradio, costumam fazer-se ouvir, ao meia dia e meia noite de S. Joo, soltando tristes ais e repicando sinos. Conta-se que numa ocasio uns rapazes de Rossas resolveram ir, na noite de S. Joo, em busca desses tesouros. Acontece que, ao chegarem l, foram assaltados por uma horda de bichos muito feios e apareceram-lhes umas damas a fumar charuto. Ento elas ofereceram charutos aos rapazes e, consoante eles pegavam neles, eram atirados pelo ar para muito longe com pernas e braos partidos. Nunca mais tiveram vontade de l ir. Nem eles nem ningum.Fonte: Inf.: Maria ngela Almeida, 72 anos; rec.: Santa Comba de Rossas, Bragana, 2001.

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Concelho de Carrazeda de Ansies

42 [Lenda do penedo das letras]Entre o Cacho da Rapa e a Pesqueira do Marulho, [no concelho de Carrazeda de Ansies] est um grande penedo, prximo da corrente do rio, mas onde no chegam as guas dele. (....) Ao fundo do penedo, da parte que olha para o Douro, existe um portal que parece obra da natureza e d entrada para uma grande sala, com assentos em redor, e no meio uma grande mesa, tudo em pedra. Nesta sala h uma porta, que provavelmente conduz a outras interiores, que ningum tem querido examinar. Consta que o padre Domingos Mendes, na manh de S. Joo, no ano de 1678, com sobrepeliz e estola, pretendeu penetrar nestas concavidades, em busca de tesouros encantados, mas que, entrando na segunda sala, sentiu um cheiro to pestilente, e teve tal medo, que fugiu tremendo, e ficou mentecapto o resto dos seus dias, que foram poucos. Tambm se diz que pouco depois de sair deste antro, lhe caram todos os dentes. (...) A esta penha ainda o povo chama o penedo das letras.13Fonte: LEAL, Pinho Portugal Antigo e Moderno, vol. 8, Lisboa, Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1878, pp. 49-50

43 O CastelejoVerso A:

No lugar do Pombal [concelho de Carrazeda de Ansies], sobranceiro estrada que vai para S. Loureno, do lado direito, existe um Castelejo que no mais que um amontado de penedos que a Natureza ali colocou. H quem diga que deriva de um castelo ou de um castro que em tempos remotos ali existiu. Contam que no dito castelo est uma moura encantada com o seu tear de ouro. A lenda diz tambm que na noite de S. Joo, da meia noite at antes do sol nascer, ouviam bater o tear, a ponto de uma pessoa, ingnua e ao mesmo tempo ambiciosa, num certo dia de S. Joo, dentro do raio de um sino saimo, foi rezar, implorar e pedir um pouco desse ouro. S que, lenda ou no, contam que essa pessoa foi to maltratada13

assim designado pelo povo por nele existirem inscries, hoje j imperceptveis

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por foras estranhas e invisveis, que tremeu sezes e nunca mais se atreveu a ir cobiar a tal suposta riqueza.2 verso (A moura do Castelejo):

Na aldeia de Pombal de Ansies, concelho de Carrazeda de Ansies, num monte sobranceiro ao rio Tua, e junto s guas termais de S. Loureno, h um conjunto de fragas muito bem alinhadas a que o povo chama Castelejo. O povo diz tambm que em noites de lua cheia ali se ouve o bater de um tear e, s vezes, o choro triste de uma moura encantada. H quem tenha conhecido na aldeia um pastor que, ao passar ali numa certa noite, viu a moura a pentear os seus longos e belos cabelos. Cheio de curiosidade, e porque lhe parecia uma mulher muito bonita, aproximou-se para meter conversa com ela. S que nessa altura pde v-la melhor, e descobriu que ela apenas era mulher da cintura para cima. Da para baixo era uma cobra. O pastor arrepiou-se todo e deu ento trs passos atrs, pronto para fugir. Mas ela chamou-o, dizendo: No tenhas medo da minha triste sina. Estou neste estado, mas sou uma mulher bela. E se tens dvidas, vem c na noite de S. Joo, e ver-me-s, tal como sou, a banhar-me nestas guas. Diz-se que o pastor l foi nessa noite, e que a viu a tomar banho nas guas de S. Loureno. E que era to bela como nenhuma outra mulher. Tambm se diz que, durante muito tempo, era costume as moas da aldeia, nas noites de S. Joo, irem banhar-se nessas guas, na crena de que ficariam belas e sedutoras.Fonte verso A: TEIXEIRA, Flora "O Castelejo", in O Pombal, Carrazeda de Ansies, Associao Rec. e Cultural de Pombal de Ansies, Setembro de 1997. Fonte B: Inf.: Maria da Conceio Flix Fonseca, 43 anos; rec.: Zedes, Carrazeda de Ansies, 2000.

44 [Figueira Redonda]No stio da Figueira Redonda, termo de Mgo de Malta, concelho de Carrazeda de Ansies, h um bloco enorme de granito, forma esferide, de muitos milhares de toneladas de peso, que, diz a lenda, foi trazido cabea por uma mulher fiando na roca (outros dizem pelo diabo) do stio de Cabreira, num percurso de trs quilmetros, por uma ngreme ladeira acima, cheia de ravinas e despenhadeiros, eriadas de fragas, onde com dificuldade se anda a p. Contguo a este, h outro de configurao discidea achatada, que, no dizer da lenda, era a rodela onde assentava o bloco maior que a mulher trazia cabea.Fonte: ALVES, Francisco M. Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bragana, vol. IX, Porto, 1934, p. 454.

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45 Dlmen de Vilarinho de CastanheiraEm Vilarinho de Castanheira, concelho de Carrazeda de Ansies, h um dlmen chamado Cova da Moira. Diz a lenda que na noite de S. Joo vem a moira danar dentro dele. Quantas voltas a moira d, tantas d a tampa do dlmen, a qual se v mexer, acompanhando o movimento da moira, que dana por baixo.Fonte: VASCONCELOS, J. L. Dlmen de Vilarinho de Castanheira, in O Arquelogo Portugus, vol. XXIV, 1919 e 1920, p. 237.

46 [O Vale da Osseira][O castelo de Carrazeda da Ansies] esteve em poder dos moiros, os quais foram investidos e atacados, sendo expulsos e perseguidos at a um vale prximo, ao ocidente de Vilarinho da Castanheira, onde foram batidos e trucidados. Pelo avultado nmero de moiros que ali se enterraram ficou a chamar-se Vale da Osseira.Fonte: LEAL, Silva Os Pelourinhos de Traz-os-Montes Freixo de Espada Cinta, in Ilustrao Transmontana, Porto, 1910, p. 171.

47 Lenda da Fonte da Moura de Seixo de AnsiesNo lugar da Fonte da Moura, em Seixo de Ansies, concelho de Carrazeda de Ansies, h um grande tesouro guardado por uma moura encantada que os mouros abandonaram quando foram expulsos de Portugal. Diz-se que nas manhs de S. Joo ela vem estender ao sol uma barrela de ouro que tece num tear tambm de ouro, cujo som s perceptvel pelo bater dos canais. De sete em sete anos a moura aparece a alguns mortais a quem promete imensas riquezas se lhe quebrarem o encanto. Mas, apesar de as cobiarem, ningum se atreve na aventura. que a moura surge sempre meia noite transformada em serpente ou leo, e tenta beijar quem l vai. Nessa altura tudo foge com medo, e assim se renova, por mais sete anos, o encantamento da pobre moura.

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De quando em quando, a moura aparece na mesma fonte transformada num cordo de ouro muito comprido que entra para a boca da pessoa que ali vai beber. S que esta ao tentar dobr-lo para o guardar, apercebe-se que ele nunca mais acaba e, achando-se j com riqueza bastante, resolve cort-lo. Nesse momento desaparece tudo, ficando nas mos da pessoa apenas uns mseros carves. Tambm se diz que o tesouro est enterrado numa grande panela de barro, e que sua volta esto outras panelas com peste, que matariam meio mundo se algum as abrisse. E assim, ningum se atreve a ir l desenterr-lo, com receio de no dar com a panela certa. Razo porque a moura l continua eternamente espera.Fonte: Inf.: Maria Arminda Teixeira Rodrigues, 43 anos; rec.:Carrazeda de Ansies, 1999.

48 A menina encantadaDizem que no stio da Costa, termo de Mogo de Malta, do concelho de Carrazeda de Ansies, costume ouvir-se meia noite uma menina a chorar. uma menina encantada. E para se lhe tirar o encanto preciso ir l, meia noite, e ler o livro de S. Cipriano. E quem o ler no se pode enganar, nem ter medo. Caso contrrio, a pessoa que se aventure ficar tolhida. Ainda no houve at data quem tivesse coragem para l ir. Mas bem gostariam, porque a pessoa que fizesse como manda a lenda ficaria muito rica.Fonte: Inf.: Maria Jos Teixeira Almeida, 45 anos; rec.: Vila Flor, 1999.

49 Lenda da Fraga de SelimHavia antigamente um padre que paroquiava as aldeias de Mogo e Zedes, no concelho de Carrazeda de Ansies, e costumava ir a p de uma aldeia para a outra sempre que tinha de ir rezar missa. Num certo domingo, em dia de Inverno, quando ia para rezar uma das missas, passou num stio onde h uma fraga chamada Selim, e onde os antigos dizem que h uma moura encantada, e a encontrou um tendal de figos a secar. Muito espantado, disse: Credo! Um tendal de figos?! Ora, a admirao do padre era porque, sendo Inverno, no podia haver figos a secar. E pensou ento:

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Pecado sei que , mas vou meter trs ao bolso. Meteu-os ao bolso e seguiu caminho. Quando acabou a missa apeteceu-lhe um figo e meteu a mo ao bolso para o tirar. E qual no foi o seu espanto ao ver que em vez dos figos, o que tinha no bolso eram trs libras de ouro. Sem dizer nada a ningum, foi rapidamente ao lugar onde tinha encontrado os figos a secar para tirar mais, mas quando l chegou j no achou nada. E ao meter a mo ao bolso, para assegurar-se de que, pelo menos, teria as trs libras de ouro, apenas achou trs carves.Fonte: Inf.: Maria Jos Teixeira Almeida, 45 anos; rec.: Vila Flor, 1999.

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Concelho de Chaves

50 A Cerca dos Mouros de Vila Verde da RaiaA Cerca dos Mouros uma espcie de fortaleza que existe perto da povoao de Vila Verde da Raia [concelho de Chaves], formada por pedras lousas, colocadas a esmo, duma forma tosca, que mais parece obra da natureza do que trabalho dos homens. O seu permetro tem uma superfcie de cerca de cem metros quadrados. Desconhece-se a verdadeira histria da sua origem. Mas o povo no tem dvidas: uma obra feita pelos mouros que ali se refugiaram e por l se deixaram ficar. Para melhor se defenderem, construram essa fortaleza. E, para poderem resistir aos cercos prolongados, cavaram minas subterrneas, atravs das quais podiam entrar e sair sem serem descobertos, procura de gua e de alimentos. Quando as guerras terminaram, entregaram-se tarefa de derreter o oiro, que possuam em grande quantidade. Com ele, construram teares que trabalham, dia e noite, no fabrico de vesturio, tambm de oiro. Outrora, quem passava por l perto, de dia ou de noite, podia ouvir distintamente o tim-tim dos martelos nas bigornas e o truque-truque das lanadeiras nos teares. Agora, j nada disso se ouve, mas os mouros l continuam a manipular o seu oiro, embora de uma maneira silenciosa.Fonte: FERREIRA, Joaquim Alves Literatura Popular de Trsos-Montes e Alto Douro, V Volume Lendas e Contos Infantis, Vila Real, edio do autor, 1999, pp. 51-52.

51 [A vila de Chaves e os mouros]A vila de Chaves (...) foi destruda duas vezes pelos mouros que no deixaram pedra sobre pedra, somente a ponte da Madalena que sempre ficou intacta e foi obra dos romanos como consta dos seus antigos padres. No ano de 1160, reinando em Portugal Dom Afonso Henriques, foi restaurada e tirada do poder dos mouros por dois cavaleiros portugueses, esforados soldados e irmos chamados Rui Lopes e Garcia Lopes, ficando senhores desta praa, renovaram os muros at que a fecharam com

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chaves, de que tomou seu nome, porque antigamente se chamava guas Clidas, por causa das caldas que tem muito quentes. 14Fonte: PEREIRA, Pe. Joo Barroso Livro de antigas memrias da freguesia de Salto, lugar da Seara e outras partes vizinhas (livro manuscrito), Curros - Valpaos, 1730 pp. 128-129.

52 Lenda do cavalo branco montado por Santiago de CompostelaConta-se que foi Santiago de Compostela, montado num cavalo branco muito corredor, que escorraou os mouros do castelo do Mau Vizinho [situado na freguesia de Cimo de Vila da Castanheira, concelho de Chaves]; e que um mouro daquele castelo berrara a Santiago que no fugisse tanto. Ao ouvir tal remoque, o santo deu um forte puxo ao freio; o cavalo, empinado, foi bater com as patas dianteiras a meia ladeira da rampa que d subida para o alto do picoto. Ali ficaram marcadas as patas do grande cavalo, que se pode considerar, alm de grande corredor, tambm um grande saltador, pois as marcas das patas esto, pelo menos, 6 a 7 metros acima da base do rochedo.15Fonte: SANTOS JNIOR, J. R.; et al. O Santurio do Castelo do Mau Vizinho, Separata da Revista de Guimares, vol. 99, Guimares, 1991, p. 42.

53 Lenda do bezerro de ouroVerso A:

corrente no povo, no s na aldeia de Cimo de Vila [da Castanheira, concelho de Chaves], mas tambm de outras aldeias roda do Castelo do Mau Vizinho, a crena de l existir um encanto, que , nada mais nada menos, um bezerro de ouro macio.14

Esta apenas uma das verses a mais antiga que encontrmos da lenda dos irmos Rui e Garcia Lopes, apresentando uma hiptese, bastante discutvel, sobre a toponomstica da actual cidade de Chaves. Poderamos apresentar outras verses entretanto publicadas, contudo, por serem excessivamente romanceadas, optmos por omiti-las neste trabalho. 15 O castelo do Mau Vizinho situa-se no topo de uma escarpa, onde se ergue como cabea de vbora (...), pontiaguda, ameaadora, quase inacessvel, a desafiar os ares (Eira, 1973: 346). Segundo o povo diz Antnio da Eira este castelo patrimnio do Pecado; e aqui Pecado sinnimo de Diabo, portanto o castelo do Mau Vizinho castelo do Diabo (1973: 348). de admitir que a profunda impresso causada por esta singular disposio mesolgica esteja na origem da multiplicidade de lendas que o povo preservou, as quais assumem, ao mesmo tempo, justificaes etiolgicas para algumas das marcas mais exuberantes que o homem primitivo ou a natureza ali deixaram.

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Conta-se que um ambicioso portugus, ansioso por deitar as unhas ao bezerro de ouro, contratou um galego para ir com ele quebrar o encanto, com a condio expressa de no se falar em Deus. Com o livro de S. Cipriano fizeram as rezas obrigatrias. A dada altura surgiu o bezerro, to alentado que o galego no conteve o seu espanto admirativo e disse: Jesus...! Foi o bastante para que o bezerro rebentasse em carves.Verso B:

Um portugus cobioso do tesouro encantado em forma de bezerro de ouro combinou com um padre, armado de estola, e munidos de uma panela com unguento humano, irem quebrar o encanto. L foram com o indispensvel e famoso livro de S. Cipriano. Feita a leitura do texto apropriado ao caso, surgiu o bezerro guiado pelo inimigo. A atarantao foi to grande, tanto do padre leitor como do adjunto portugus cobioso, que se entornou a panela e o unguento foi escaldar o padre em vez de escaldar o inimigo. A um valha-me Deus o bezerro e o diabo que o guiava desapareceram num pice.Fonte verses A e B: SANTOS JNIOR, J. R. et al. O Santurio do Castelo do Mau Vizinho, Separata da Revista de Guimares, vol. 99, Guimares, 1991, p. 40.

54 Lenda da grande cobra a guardar o encantoA Sr Josefa Gigante, cujo pai foi tamanqueiro em Orjais [aldeia prxima de Cimo de Vila da Castanheira, concelho de Chaves], diz que os seus avs e os velhos de Orjais contavam ter visto muitas vezes uma grande cobra de enorme cabea sair do rio Mouce que circunda o picoto do Mau Vizinho. Viram-na subir e passear pelo castelo do Mau Vizinho. Mas quando algum subia ao castelo ela prontamente se afastava. Num pincho, atirava-se do alto e vinha enfiar-se na ola do rio que h acima da praseira, paredo que atravessa o rio para ele represar. A tal cobra era a guarda do encanto. Quando aparecer algum que, em vez de escorraar a cobra ou fugir dela assustado, tiver a coragem de ficar quedo e de ser deixar beijar pela cobra, esta transformar-se-, acto contnuo, em pessoa humana. Deste modo se quebra o encanto e o corajoso receber o tesouro que o far muito rico.Fonte: SANTOS JNIOR, J. R. et al. O Santurio do Castelo do Mau Vizinho, Separata da Revista de Guimares, vol. 99, Guimares, 1991, p. 41.

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55 A mina da BolideiraConta-se que um dia andava um homem caa com o seu co na zona da Bolideira [concelho de Chaves]. A dada altura o co viu um coelho e correu atrs dele. S que o coelho meteu-se num buraco entre duas fragas e o co entrou l tambm. E atrs do co entrou o caador. Era uma mina. O homem andou, andou, e, de repente, viu que estava no meio dum prado, onde havia um belo lago e tambm um altar de ouro guardado por uma serpente. Ao aproximar-se do altar, logo a serpente lhe disse: No passes da, seno morres! O caador ficou de tal modo assustado que nem um passo mais avanou. Tratou mas foi de voltar para trs, e muito ligeiro. E ao chegar sua aldeia fez constar o que lhe tinha acontecido naquela mina. Isto tornou-se por isso conhecido em toda a parte, acabando por chegar tambm aos ouvidos de um prncipe que costumava andar por ali a caar. Como era muito destemido, entrou sem medo pela mina adentro e l foi dar, tambm ele, ao mesmo prado onde havia um lago e um altar de ouro guardado pela serpente. Esta, quando viu que ele se preparava para avanar, disse-lhe: No passes da, seno morres! Mas o prncipe no se assustou, e, olhando bem para os olhos da serpente, respondeu-lhe: serpente que te arrastas Dia e noite nesse pranto, Levanta-te desse cho, Desfaa-se o teu encanto!

E medida que ia dizendo estas palavras, a serpente ia-se transformando numa bela menina, pois mais no era que uma moura que tinha sido encantada por uma fada m. Diz-se que o prncipe e a moura casaram e passaram a viver ali, onde, em certas noites, ainda se ouvem cantigas e risos de alegria.Fonte: Inf.: Maria da Graa Oliveira Gomes, 54 anos; rec.: Lebuo, Valpaos, em 1999;

56 O guerreiro e a princesa mouraConta-se que, h muitos e muitos anos, quando nas terras do norte se travou uma grande batalha entre cristos e mouros, um jovem guerreiro cristo raptou uma linda princesa moura e fugiu com ela para o castelo de Monforte [no concelho de Chaves]. E o pai da jovem, ao ver em que mos ela ia, lanou-lhes uma maldio tal,

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que, quando chegaram ao castelo, o que o guerreiro levava consigo j no era a princesa moura mas sim uma enorme serpente. Ora o guerreiro, sem saber o que fazer com ela, resolveu fech-la numa torre do castelo. Passou ento a ouvir-se ali durante a noite uma voz de menina a gemer e a chorar. E o guerreiro, que se tinha apaixonado por ela, ao ouvir aquele choro, subia sempre torre na esperana de a encontrar na figura da princesa que trouxera. Mas enganava-se. O que l encontrava era a serpente e nada mais. O jovem cristo no sabia como trat-la. Passou por isso a viver numa grande tristeza. At que, certa noite, em que o choro da serpente o atormentou demais, foi l visit-la e, condodo da sua dor, disse-lhe estas palavras enquanto a afagava e a beijava: Trouxe-te linda princesa Para contigo casar, Agora se olho pra ti S me apetece chorar! Quem me dera ter poder Pra te quebrar o encanto, E poder olhar pra ti Pra te enxugar o teu pranto!

E eis que, acabadas estas palavras, a serpente aparece transformada na bonita menina que era antes. O guerreiro quebrara-lhe o encanto. E depois casaram.Fonte: Inf.: Maria da Graa Oliveira Gomes, 54 anos; rec.: Lebuo, Valpaos, em 1999.

57 O monstro do castelo de MonforteConta o povo que o castelo de Monforte [no concelho de Chaves] foi em tempos propriedade dos mouros, e que l dentro vivia uma jovem chamada Baslia, na companhia de seu pai e de muitos criados. A alturas tantas comearam a chegar ao castelo notcias de um jovem guerreiro, chamado D. Telmo, que era cristo e combatia os mouros para ajudar os da sua raa. Como os feitos deste guerreiro eram to hericos, a jovem Baslia apaixonou-se por ele, mesmo no o conhecendo. E apesar de saber que era grande inimigo de seu pai cada dia se sentia mais apaixonada ele. O pai, ao saber desta paixo, pensou que o melhor era cas-la com um dos mouros ricos da regio. Mas a jovem recusou o casamento e fechou-se nos seus aposentos, onde nunca mais quis ver ningum. O pai, revoltado com a atitude da filha, e para evitar que alguma vez se viesse a unir a esse tal D. Telmo, resolveu encant-la, transformando-a num bicho horrendo. Passou ento a falar-se nas redondezas de um monstro que em certas noites se

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arrastava no castelo. Diz o povo que, em noites de lua cheia, h quem tenha ouvido suspiros de amores perdidos vindos de l de dentro e que so os suspiros da jovem Baslia.Fonte: Inf.: Maria da Graa Oliveira Gomes, 54 anos; rec.: Lebuo, Valpaos, em 1999;

58 O cavaleiro e a princesaConta-se que um cavaleiro cristo se apaixonou por uma princesa moura, e o pai da jovem, querendo contrariar esse amor, fechou-a a sete chaves no Castelo de Monforte. O cavaleiro passou assim a ir, vezes sem conta, rondar o castelo, na esperana de a ver. S que ela era guardada por um gigante, que no a deixava sequer olhar para fora do castelo. Um dia, o cavaleiro encheu-se de coragem e entrou pelo castelo dentro de espada na mo e matou quantos mouros encontrou pela frente. Ao chegar junto da princesa deu de frente com o gigante, atravessando-lhe o corao com a espada. E o sangue que jorrou transformou-se numa enorme passadeira que lhes mostrou o caminho para a fuga. Conseguiram assim fugir, e foram viver num castelo cristo, onde casaram. Diz o povo que o rei mouro, com o desgosto, nunca mais saiu do seu castelo. E a gente de guas Frias [concelho de Chaves], quando o vento sopra de feio, costuma ouvir a voz triste de um homem a cantar assim: Minha filha, meu amor, Com olhos cor de luar, Quem te arrebatou de mim, Onde foste tu parar?Fonte: Inf.: Maria da Graa Oliveira Gomes, 54 anos; rec.: Lebuo, Valpaos, em 1999;

59 Os lagares da mouraVerso A:

Na serra da Pastoria, no concelho de Chaves, existe um lugar chamado Muro, onde os antigos dizem que h uma mina que vai dar ao castro da Curalha, e que esto l enterrados dois lagares16, um de ouro e outro de peste. Quem l for procur-los, se16

de referir que a serra da Pastoria, nos anos de 1979 e 1980, foi alvo de escavaes arqueolgicas, tendo sido encontradas, no lugar do Muro, duas pias de granito e algumas moedas [informao prestada pela professora do 1 Ciclo do Ensino Bsico Maria Isabel da Silva Barjas].

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encontrar o de ouro fica muito rico, mas se encontrar o de peste espalhar a misria e a infelicidade pelas redondezas. Conta-se que, h muitos e muitos anos, viveu naquela serra uma moura que ia pela mina fora para se encontrar, s escondidas, com o seu amante, um rapaz cristo que vivia no castro da Curalha. Acontece que, numa ocasio, houve gente que entrou n