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    UNIVERSIDADE GAMA FILHO

    MÁRCIO DE CARVALHO BITENCOURT1 

    CONTRADIÇÕES DA MODERNIDADE

    Trabalho de Conclusão de Curso submetido à

    Faculdade de Educação da Universidade Gama

    Filho como requisito do Curso de Pós-graduação

    Lato Sensuem Filosofia. 

    Orientador: Mestre Emerson Ferreira da Rocha*

    RIO DE JANEIRO2013

    1 Aluno de pós-graduação lato sensu em Filosofia. Bacharel em Filosofia pela UNISUL

    * Coordenador Pedagógico e Mestre orientador

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    RESUMO

    Este artigo explanará pontos relevantes da história do pensamento e fatos que são

    marcas da Modernidade com o propósito de se entender aquilo que veio a se chamar Pós-

    modernidade, Alta Modernidade, ou qualquer outro termo que indique uma ruptura ou

    negação do projeto que caracteriza o Iluminismo. Este Sendo o principal movimento

    filosófico que enfeixa e representa todo o sistema de ideias da Modernidade. Verificar-se-

    á que o ideário que  põe a Razão - único  critério para atingir a verdade segundo os

    iluministas - como valor superlativo será contestado e refutado por conta de sua pretensãoem abarcar friamente toda a dimensão de vida do Homem. Outrossim, a Ciência será

    analisada no cenário do mundo vivido, para que se possa avaliar se é o caso suas

    conjecturas. Essa estratégia objetiva demonstrar que o mundo contemporâneo se tornou

    um campo de insegurança por conta de concepções errôneas na instrumentalização da

    Ciência e da Tecnologia. Entretanto esquadrinhará algumas proposituras que oferecem

     possibilidades de solução a situações-limite da humanidade. O ápice pretendido por este

    trabalho é a consideração Pós-moderna que, como veremos, abriga as contradições denosso tempo e representa o resultado das descontinuidades das grandes narrativas que

    embasaram a euforia iluminista. E, por haver diversidades no interior da Pós-

    modernidade, encontraremos vozes de esperanças e sugestões de superação. Enfim, por

     pesquisa bibliográfica em autores como Anthony Giddens, Edgar Morin e Hobsbawm 

    entre outros, será construída a narrativa que fundamenta as preocupações e alterações de

    saída das condições funestas contemporâneas. Necessária uma importante observação: ao

    longo do texto optou-se por grafar alguns vocábulos em maiúscula, com o escopo de

    trazer um realce expletivo, enfatizando seu conceito por sua importância para os objetivos

    deste trabalho. Exemplo disso é a palavra Homem, esta a principal no texto!

    Palavras-chave: Modernidade. Pós-modernidade. Iluminismo. Ciência. Homem. 

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    ABSTRACT

    This article will explain relevant points of the history of ideas and facts that are hallmarks of

    modernity in order to understand what came to be called Postmodernity, High Modernity, orany other term indicating a disruption or denial of design featuring the Enlightenment. This

     being the main philosophical movement that embrace and represents the whole system ofideas of modernity. Check will be the ideology that puts Reason - only criterion to reach thetruth according to the Enlightenment - as superlative value will be challenged and refuted

     because of her desire to coolly encompass every dimension of human life. Moreover, sciencewill be analyzed in the backdrop of the lived world, so you can evaluate if it is the case theirconjectures. This strategy aims to demonstrate that the contemporary world has become afield of insecurity due to misconceptions in the instrumentalization of Science and

    Technology. However will scan some propositions that offer possible solutions to limitsituations of humanity. The apex required for this work is the consideration Postmodern, aswe shall see, is home to the contradictions of our time and is the result of discontinuities ofgrand narratives that supported the euphoria Enlightenment. And because there is diversitywithin the Postmodernism, find voices of hopes and suggestions to overcome. Anyway, forliterature by authors such as Anthony Giddens, Edgar Morin and Hobsbawm among others,will be constructed narrative that underlies the concerns and changes the output ofcontemporary dire conditions. Required an important observation: throughout the text wechose to spell some words in uppercase, with the aim of bringing an enhancement expletive,his concept by emphasizing its importance to the objectives of this work. One example is theword man, in this the main text!

    Keywords: Modernity. Postmodernity. Enlightenment. Science. Man 

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    1. INTRODUÇÃO

    Perplexidade, anomia, 'des-integração'   do saber, fraca identidade social,

    descontinuidade histórica, situação-limite que subjuga o sujeito, culto do “eu” como forma

    de escapismo, condição de risco sistêmico, conceitos entre outros  que caracterizam em

    alguma medida nossa contemporaneidade. Como chegamos até aqui e quais são algumas

    das conjunturas que fundamentam a contemporaneidade? O presente trabalho irá buscar

    algumas marcas que possam dar certa configuração ao mosaico pluriforme da nominal

    Pós-modernidade, embora, como veremos, não são unânimes as tentativas de defini-la ouconcordância de que ultrapassamos a Modernidade.

    Aquelas condições substantivas descritas anteriormente alteraram o Homem em

    suas várias dimensões: ética, ontológica, política e espiritual. Esses aspectos por si sós já

    explicam a importância de se buscar as características do ‘espírito de seu tempo’ 

    ( Zeitgeist ).

    Encontra-se implícito na Pós-modernidade o conjunto dos valores e princípios da

    Modernidade, pois que aquela implica posterioridade a alguma coisa. Por isso é na

    segunda que devemos buscar o sentido e base da primeira, para assim percorrermos seu

    trajeto. Conquanto tentar fundamentar bases para a Pós-modernidade é considerar que ela

    traz alguma racionalidade, o que é um paradoxo, haja vista que a Pós-modernidade

    envolve forças divergentes. A compreensão da visão de mundo da Modernidade será

    fundamental para chegarmos às características paradoxais do Homem pós-moderno, bem

    como as marcas distintivas dos riscos de seu tempo. Para isso a diligente pesquisa

     bibliográfica nos fornecerá historicamente o caminho que a filosofia, o pensamento e as

     práticas políticas e sociais fizeram, sabendo-se que no espaço desse trabalho não é

     possível abordar todos os fatos relevantes que o descreve. Certamente muitos eventos

    importantes poderiam ser trazidos para dentro desse escopo. Todavia a leitura

    hermenêutica gadameriana  se faz necessária complementarmente, no que já fica aqui

     previamente o agradecimento.

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    2. DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE

    A Modernidade tem forte substrato no Humanismo  –   começaremos em nossa

    análise usando o princípio da Navalha de Ockham, para não imergirmos a regressão ao

    infinito às premissas -, que filosoficamente tomava o Homem como valor supremo no

    cosmos. Mesmo essa atitude irá se alterar ao longo do tempo, em conformidade com todas

    as transformações que o pensamento ocidental experimentará com a autonomia que

    empreenderá. O humanista vê o Homem em sua própria humanidade, com possibilidades e

    limitações que somente sua racionalidade irá definir autonomamente. Vai também inspiraro Renascimento quando, retomando a cultura greco-romana de valorização das

    humanidades, as criações do espírito humano, empreende toda sua racionalidade na busca

    de conhecer e encontrar os fundamentos de si mesmo e da Natureza  –   através do logos.

    Começa aqui o distanciamento das fundamentações teológicas, embora haja um forte

    retorno ao gnosticismo e hermetismo, uma visão mística da Natureza.

    Rompendo com a rigidez do sistema medieval feudalista, onde o Homem estava

    aprisionado a um mundo teológico e tutelado por hierarquias e tradições, os humanistaslibertam o pensamento e a racionalidade, conquistando a liberdade individual que tanto

    interessava a nascente burguesia que revolucionaria a Economia e a Política. Também, os

    homens de ciência e filosoficamente prenhe do neoplatonismo  realizarão mudanças

    radicais nos paradigmas das ciências.

    Essa efervescência resultou experimentos em todas as áreas do conhecimento.

    Lançou os homens ao mar, trazendo novos caminhos e continentes para seus negócios

    mercantilistas. Revelou as controvérsias do alemão Martinho Lutero, o que resultou na

    quebra da hegemonia secular da Igreja Católica. Revolucionou a cosmovisão e um

    universo novo com o polonês Nicolau Copérnico, deslocando a Terra do centro do cosmos

    e abalando as bases ontológica, epistemológica e moral do Homem daí por diante.

    Possibilitará que o historiador e diplomata florentino Nicolau Maquiavel fundamente a

    Política Moderna, desvinculando-a da ética, que então era tutelada pela Teologia,

    influenciando o pensamento político-filosófico a partir de suas teses, embora não seja

    sistemático como outros pensadores políticos que virão após ele. Com Maquiavel anatureza do Homem passa a ser ponto focal na fundamentação da formação da sociedade

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    civil e política. Para ele o Homem é de natureza má e egoísta. A natureza do homem

    também será aspecto principal nas teorias políticas dos principais filósofos, tais como

    Hobbes, Rousseau e Locke.

    Esses três fatos fundantes da Modernidade - O Renascimento, A Reforma e a

    Política Moderna - se desdobrarão em outras revoluções de grande importância na história

    filosófica, política e da identidade do homem moderno.

    Aspecto importante do início da Idade Moderna é o mercantilismo, efetivo não só

    na construção da classe econômica que viria ser hegemônica, mas também opera no

    fortalecimento e formação das nações modernas. Contribui para o acúmulo do capital que

    será a principal força do desenvolvimento material e político do mundo ocidental. Por

    fomentar a formação de Estados-nações, o capital terá uma relação estreita e promíscua

    com os poderes políticos que se formarão na esteira da política moderna. Por conseguinte,

    a nascente burguesia, além de mercados, ambiciona a conquista do poder político, o que

    viria se consolidar com o Liberalismo e as revoluções liberais a partir do século XVIII.

     No pensamento político duas concepções ontológicas do homem serão bases para

    sistemas distintos das teorias políticas que influenciarão a Europa e a América do Norte.

    Uma que o compreende como de natureza boa, porém a fundação da sociedade o corrompe –   tese de Jean-Jacques Rousseau e John Locke, guardadas as especificidades de cada

    sistema; outra que o concebe como má  –  ponto de vista de Maquiavel, já mecionado, e de

    Thomas Hobbes. Fora do pensamento político essas duas teses também serão de interesse

    filosófico para caracterização do Homem nas discussões ontológicas e éticas.

    Sintomaticamente, Lutero afirma um dos pilares mais caros da modernidade: o

    indivíduo, enquanto sujeito principal na interpretação dos textos sagrados e interlocutor

    direto com Deus, sem mais a necessidade da mediação dependente. Assim, temos comosíntese um Homem diverso,  agora focado em si pelo aspecto metafísico e não mais o

    centro do universo, resultante da Revolução Científica iniciada por Copérnico e

    impulsionada por cientistas como Galileu Galilei, Johannes Kepler, Francis Bacon e Isaac

     Newton.

    René Descartes é um prócer importante nessa plêiade de renovadores pela sua

    contribuição na epistemologia em que o sujeito pensante é a base para o conhecimento, a

     partir do cogito. Atribui-se a Descartes o Racionalismo da Idade Moderna que disputaráos fundamentos epistemológicos com o Empirismo aberto por John Locke, David Hume

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    entre outros. O Idealismo e o Materialismo orbitarão em torno desses fundamentos. O

    Indivíduo moderno também se encontra cônscio de direitos políticos e aspiração de

    liberdade de empreendimentos que atendam seus anseios, agora elevado a sujeito e objeto

    de suas ocupações políticas, científicas e filosóficas.

    Esses prolegômenos são oportunos, pois darão as influências para os ideais do

    Iluminismo, que por sua vez também inspirará a Revolução Francesa, marcando uma

    mudança de eixo em toda cultura ocidental.

    O Iluminismo pode ser resumido na expresão de Immanuel Kant: “Sapere aude!

    (Ousa saber!) Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é, portanto, a

    divisa do Esclarecimento”. Porém, vai mais do que a simples ideia de ‘esclarecimento’ ,

    abarca a pretensão de domínio da Natureza e do homem! O império da Razão! É, assim,

    um desdobramento da Revolução Científica e das transformações pretendidas pela classe

    que lutava contra o Antigo Regime e a dominação absolutista, a burguesia. Dois

    iluministas irão sustentar teoricamente a ideologia dessa classe: John Locke, no

     pensamento político, defende o direito natural ( jusnaturalismo) à vida, à liberdade e à

     propriedade; Adam Smith, principal economista do liberalismo econômico clássico,

     propondo uma economia livre do monopólio mercantilista e do Estado, sustentando a lei

    de mercado.

    Essa ideologia, vencedora na emblemática Revolução Francesa, comporá todo o

    arcabouço teórico do Liberalismo e da Ciência empírica como detentora da verdade. Aqui

    se coloca uma pertinente digressão. O filósofo idealista do século XVIII, Georg Wilhelm

    Friedrich Hegel, ao pensar a História, afirmava que nela haveria uma Razão ontológica,

    um  Espírito Absoluto, em que o Espírito Subjetivo - o indivíduo - operava com o objetivo

    de realizar, através do tempo e da História, o ideal do Espírito Absoluto, a perfeição

    materializada no Estado. Não será escopo deste trabalho analisar o conceito de espírito em

    Hegel.

    Para Hegel,indivíduos, povos, épocas são apenas estágios intermediários nogrande processo histórico universal. Mas necessários! Indivíduos e povos entramna história e, quando sua missão está finalizada, passam adiante o cetro dahistória universal. Mas durante o período em que aparecem e atuam eles  sãoaquilo que corresponde à razão histórico-universal naquele momento. (STÖRIG,2008, p.404).

     Nas palavras de Hegel:

     No seu conjunto, a vida do Estado é, decerto, uma totalidade perfeita: o príncipe,o governo, os tribunais, o exército, a organizaçãoda socieade civil, a

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    sociabilidade, etc; tudo isso faz do Estado um organismo completo, acabado, perfeito. (HEGEL, 1985, p.165).

    Dessa forma o Estado burguês-liberal seria a realização desse ideal, consagrado

    nas legendas da Revolução Francesa. Porém, essa compreensão de mundo não é unânime,

    ainda assim está paradoxalmente consequente com a dialética hegeliana, onde forças

    contrárias se embatem na sociedade tal qual na natureza. Exemplo disso será o marxismo,

    que interpretará a História como movimento da luta de classes que vem embutida  por toda

    a história, essa sim é motor das transformações, embora nem todos os agentes tenham a

    consciência de seu protagonismo. Um aspecto importante é levantado agora pelo

    entendimento filosófico marxista. Contrariando Hegel, diz não haver um Espírito

    Absoluto que conduza a sociedade a um lugar ideal, antes, para Marx, a História é

    conduzida pelo aspecto da produção material de vida do homem, por isso Materialismo

    Histórico. O acontecimento do marxismo mudou radicalmente as estruturas do mundo

    ‘organizado’ de então,  que se pensava estar caminhado a sociedade ocidental. As

     promessas da Revolução Industrial, reificadas na ideologia burguesa deixam de ser voz

    uníssona de alienação com o advento do marximo. Essa oposição à hegemonia burguesa é

    expressa no Manifesto Comunista:

    O objetivo imediato dos comuistas é o mesmo de todos os demais partidos

     proletários: formação do proletariado em classe, derrubada da dominação burguesa, conquista do poder político pelo proletariad. (MARX & ENGELS,2003, p. 47).

    Esse embate terá desdobramentos de amplo espectro. O maior deles será a

     bipolaridade acirrada do pós-guerra da segunda metade do século XX.

    Outros acontecimentos no século XIX, mormente a partir da segunda metade,

    dará o enredo para o século XX. Ambos caracterizados por profundas contradições, indo

    da euforia ao pessimismo. Emblemático são os dois movimentos que disputam o estar nomundo do Homem: O Romantismo e o Realismo! O primeiro inssurgirá contra o ideário

    iluminista e o racionalismo, e ressurgirá  como um dos traços polifônicos da Pós-

    modernidade tais como o escapismo e um exceso de subjetivismo, área de fuga para as

    desilusões sociais. O segundo, diversificado em abordagens, terá uma linha filosófica,

    além da oposição ao Romantismo, com uma perspectiva oposta ao Idealismo.

    Uma doutrina que infuenciará vigorosamente o pensamento ocidental é o

    Positivismo, um representante do estado de ânimo otimista. Esse otimismo estava

    ancorado na Ciência e reforçado pela Revolução Industrial, acreditando-se que ela haveria

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    de conduzir o aperfeiçoamento do conhecimento continuamente e que resultaria em

    tecnologias capazes de levar a humanidade a uma Civilização de Ouro, realizando dessa

    forma a profecia de Francis Bacon:

    Desse modo, é de se esperar que há ainda recônditas, no seio da natureza, muitascoisas de grande utilidade, que não guardam nehuma espéciede relação ou

     paralelismo com as já conhecidas, mas que estão fora das rotas da imaginação[essa imaginação alimentava, e ainda insufla grandes arrebatamentos noshomens!]. Até agora não foram descobertas [embora no século XIX grandesconquistas e descobertas já havia em todas as áreas da ciência]. Mas não hádúvida de que no transcurso do tempo e no decorrer dos séculos virão à luz.(BACON, 2000, p.83).

    Auguste Comte e seus entusiastas eram tão esperançosos na Ciência que o

    Positivismo foi elevado à categoria de Religião! Essa visão epistemológica das ciências,

    que se opõe ao Idealismo, será retomada pelo Círculo de Viena a partir da segunda décadado século seguinte, porém em outro contexto. Agora como Filosofia da Ciência, com viés

    na oposição acirrada à Metafísica. Esta, racionalista, demonstra que ainda tinha algum

    fôlego, principamente por conta dos desencantamentos originados ou reforçados pela

    Grande Guerra de 1914.

    Fermentavam também, simultaneamente ao entusiasmo científico, ao capitalismo

    industrial, outros sentimentos antagônicos  àquela visão do Homem e do mundo.  Ideias

    libertárias em relação ao Capitalismo e ao Estado liberal burguês, dentre elas a Anarquia

    (Bakunin e Proudhon, herdeiros singulares de Rousseau?) e o Socialismo (Marx e Engels).

    Outra voz dissonante será a de Nietzsche, porém cantando o Niilismo, e brandirá seu

    martelo iconoclasta contra toda a cultura ocidental, desde seus fundamentos. Essas forças,

    reforçando, agitavam a Europa liberal, ameaçando a hegemonia burguesa e sua ideologia

    ética.

    Friedrich Nietzsche subverte as bases aparentemente tranquilas do Homem

    herdeiro do Iluminismo, suas esperanças de que a Ciência, a Razão, sua ética protestante

    (e mesmo a Católica, pois ambas se serviam da mesma fonte de revelação) e que

    construiriam uma civilização gloriosa. Considerado maldito por uns e profeta por outros

    não economizou ácidas críticas ao  status quo  que pairava no século XIX.

    Iconoclasticamente vai dizer que todo o conjunto de valores dominantes da civilização,

    desde Sócrates e Platão, passando pelo cristianismo são ilusões a serem desprezadas por

    aqueles que pretendem se libertar da condição de rebanho e tomarem em suas mãos uma

    verdadeira identidade, a dionisíaca ligada à Natureza  e a Terra como única e autêntica

    realidade, ‘a filosofia da vida’ .

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    O Pensameto de Nietzsche irá influenciar toda a filosofia do século XX. O

     pensador não poupou nenhum valor cultuado pela civilização, cuja  hegemonia estaria,

    segundo ele, formando homens pusilânimes, destituídos de algum lugar digno no futuro.

    Ele, ao privilegar os instintos  como grande força de criatividade no Homem, superior à

    razão, antecipa as descobertas de Sigmund Freud, em que este localizava no Id (instinto,

     pulsão) o inconsciente que responderia por forças criativas quase sempre recalcadas pelo

    Ego, este refém das exigências sociais e causa de angústias e desajustes. A Vontade seria

    a fertilidade semelhante ao Id. Temos assim uma comparação das neuroses freudianas às

    angústias niilistas, em face à decadência da civilização observada na psicologia

    nietzcsheana. Ouçamos Nietzsche:

    Oniilismo como estado psicológico [...] No fundo, o que aconteceu? Osentimento de desvaloração  foi alcançado quando se compreendeu que o carátertotal da existência não pode ser interpretado nem com o conceito de “fim”, nemcom o de “unidade”, nem com o de verdade. Com isso não se chega a nada e nãose obtém coisa alguma; falta a unidade que tudo abarca na multiplicidade doacontecer: o caráter da existêcia não é “verdadeiro”, é  falso... não se tem, pura esimplemente, nenhuma razão mais para iludir-secom um mundo verdadeiro...

    Em resumo: extirpamos  de nós as categorias “fim”, “unidade”, “ser”, com asquais incutimos um valor no mundo  –   e então o mundo aparece como  semvalor ...(NIETZCHE, 2008, p. 32). 

    Suas antecipações da condição do Homem pós-industrial serão percebidas no

    Existencialismo de vários autores, tais como Martin Heidegger e Jean-Paul Sartre.

    Ouvindo Nietzsche podemos entender sua antevisão desdobrando-se nos existencialistas

    herdeiros das Grandes Guerras Mundial:

    Meus amigos, foi duro quando éramos jovens: sofremos com a juventude comouma doença grave. É isso que faz a época em que fomos lançados, - a época deuma grande decadência, que vai sempre se agravando, e de um esfacelamento,que, com todos os seus fracos e também com os seus melhores fortes, trabalhacontra o espírito da juventude. O esfacelamento e, portanto, a incerteza são

     próprios desta época: nada se firma sobre pés seguros e sobre uma dura crençaem si: vive-se para amanhã pois o depois de amanhã é duvidoso. Tudo é liso e

     perigoso sobre a nossa estrada, e nela o gelo, que ainda nos sustenta, tornou -semuito fino: sentimos todos o respirar quente e inquietante do vento orvalhado  –  

     para onde  ainda estamos indo, em breve ninguém mais poderá  ir! (NIETZCHE,2008, p. 57).

    Desta forma, entramos no século XX com os perigos e as esperanças gestados 

    no(s) século(s) anterior(es). O individualismo egocentrado, ideologias políticas

    antagônicas, desprezo pelo passado e tradições, deificação da Ciência, outra mudança no

     paradigma cosmogônico pela virada na física com Max Planck (Teoria Quântica) e Albert

    Einstein (Relatividade Especial e Geral), etc. O Manifesto Futurismo, aclamado por

    Filippo Tommaso Marinett, é simbólico em suas expressões quando proclama: “- Nós

    estamos no promontório extremo dos séculos!... Por que haveríamos de olhar para trás, se

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    queremos arrombar as misteriosas portas do Impossível? O Tempo e o Espaço morreram

    ontem. Nós já estamos vivendo no absoluto, pois já criamos a eterna velocidade

    onipresente”. Euforia e assombro são as sensações mais vívidas!

    É por claro que a somatória desses impactos subverteu mais uma vez, tal qual

    Kepler, Galilei e Newton fizeram, a concepção ontológica não só do universo, mas do

     próprio Homem. Esse novo espanto repercutiu como se todos fossem órfãos de um

    Universo anônimo, cujo princípio teleológico aristotélico perdera todo o sentido. Somam-

    se a isso as tensões políticas e choques culturais e o estertor de um novo tempo incógnito.

    Metafísicos e  empiristas embatem-se por autoria do espírito do século XX. Contudo, o

     pluralismo é a marca que mais representa o conjunto de filosofias e escolas de pensamento

    que buscam os fundamentos epistemológicos, ontológicos e éticos dessa fase da

    Modernidade. Influenciados ainda por Hegel, Kant, Marx, Comte e Kierkegaard, só para

    citar alguns, os pensadores da Fenomenologia, do Pragmatismo, do Neopositivismo, do

    Estruturalismo, da Psicologia, da Hermenêutica, da Linguística, enquanto discursos de

    horizontes de mundo, procuram dar sentido à vida tal qual ela se mostra com suas

    contradições e aquilo por revelar-se às investigações e buscas humanas.

    Enfim, analogamente à fragmentação do átomo, à mudança do conceito da

    natureza do tempo, sua fluidez e relatividade, à nova representação do tempo como

    símbolo de frenesi que subtrai a percepção de fruição da vida, o estereótipo mecanicista-

    descarteano da Natureza e do Homem como máquinas manipuláveis, surge o Homem

    como resultado ontológico dessas revoluções, um indivíduo subjetivamente amorfo e de

    referências pulverizadas. Ética e sentido de valor estão esvaziados de suas bases sólidas,

     pois seu ethos já não mais existe linear e gnosiologicamente consistente como ontem.

    A principal marca característica é a corroboração do espírito cientificista. Esse

    credo será dominante em toda a humanidade civilizada por todo o século XX, embora se

    constate enfrentamentos quanto sua validade universal e abrangência de seu alcance e

    método. O surgimento do Positivismo Lógico, doutrina filosófica do Círculo de Viena,

    com pretensão de unificar uma linguagem para as ciências empíricas, alegará ser a ciência

    o único conhecimento possível por ser o método científico o único verificável, válido.

    Assim, as questões da metafísica constituem-se, para os membros do Círculo, como não

    válidas, por não serem verificáveis. Essa posição prejudica todo o discurso de dimensão

    espiritualista, teológica e ética, sendo as questões subjetivas consideradas apenas assuntos

    da Psicologia. Cabe lembrar que a Filosofia, enquanto trabalho de pensar e dar sustentação

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    à condição humana considera seu aspecto ‘espiritual’ e não abandonou a Metafísica, pois

    respeita seu lugar e busca legítima para o sentido humano. Não esquecer que com o

    surgimento do conceito de ‘inconsciente’ introduzido por Freud fica aberta a possibilidade

    do imponderável na estrutura do  ser . Alguns importantes autores (Hartmann, Whitehead)

    trabalharam o tema ‘Metafísica’consistentemente. Comenta Störig:

    Certamente, em contraposição ao Neopositivismo, eles não reduzem aexperiência à experiência exterior, sensível. Além dela, eles conhecem aexperiência intelectual. [...] Essa metafísica dirige a sua aspiração para aapreensão do ente em geral. O peso não reside nos meros fenômenos, a partir deuma abstração de tudo que pode residir por detrás deles (como no

     Neopositivismo); não reside sobre o devir, o fluxo apenas visível da vida (comona filosofia da vida); não sobre a essência, as essencialidades (como nafenomenologia). Ela é Ontológica ,  filosofia do ser . Na medida em que aspira a

    apreender imediatamente esse ser, ela se encontra na direção conjunta de umgrande movimento realista no pensamento, um movimento que se encaminha para o concreto. (STÖRIG, 2008, p. 501, grifo e maiúscula nosso).

    Oportuno também notar que outro movimento, de cunho sociológico e filosófico,

    a Escola de Frankfurt, fora também uma importante experiência de contraponto nas

    ‘verdades’ científicas e empíricas. Foi uma voz díspar que anunciou a falácia que a

    ideologia burguesa e o stalinismo, este como cientificismo de Estado, forjaram

    apoteoticamente sobre a Ciência, sua serviçal instrumental de exploração do Homem e

     Natureza e, tanto quanto o Iluminismo, também a serviço ideológico de hegemonia. O que

    realmente aquelas ideologias produziram foi um desencantamento do mundo. Vejamos nas

     palavras de Adorno e Horkheimer:

     Nada mais importa. Sem a menor consideração consigo mesmo, oesclarecimento eliminou com seu cautério o último resto de sua própriaautoconsciência. Só o pensamento que se faz violento a si mesmo ésuficientemente duro para destruir a si mesmo. Diante do atual triunfo damentalidade factual, até mesmo o credo nominalista de Bacon seria suspeito demetafísica e incorreria no veredicto de vacuidade que proferiu contra aescolástica. Poder e conhecimento são sinônimos. Para Bacon, como paraLutero, o estéril prazer que o conhecimento proporciona não passa de uma

    espécie de lascívia (o conhecimento só seria legítimo se proporcionasse o bem-estar da humanidade). O que importa não é aquela satisfação que, para o homem,se chama “verdade”, mas a “operation”, o procedimento eficaz. Pois não é nos“discursos plausíveis, capazes de proporcionar deleite, de inspirar respeito ou deimpressionar de uma maneira qualquer, nem em quaisquer argumentosverossímeis, mas em obrar e trabalhar e na descoberta de particularidades antesdesconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida”, que reside “o verdadeiroobjetivo e função da ciência”. (ADORNO & HORKHEIMER, 2006, p. 18).

    Importante notar que as massas encontravam-se, como sempre parecem estar em

    ignorância e atraso com relação aos avanços científicos e culturais. Essa condição

    favorece o  status quo, e se constitui como forças de manobra para projetos de poder eantagonismos políticos. Isso de fato se materializou em vários momentos do breve século

    XX (Hobsbawm), caracterizado, também, por  mudanças e quebra de hegemonias políticas.

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    Por exemplo, a Guerra de 1914 coloca fim na ilusória paz e segurança universal

     pretendida pelo projeto iluminista de confiança na Razão e universalização da Ciência

    como parâmetro da ‘verdade’. Também expõe o lado sombrio da Tecnologia como arma

    de guerra de eficiente destruição em massa. Bem como a Ciência, por consequência, pois

    o uso tecnológico das armas de guerra é fruto do desenvolvimento científico aplicado. A

    Mecânica, o conhecimento da Física, os artefatos de comunicação, os produtos químicos

    são todos utilizados na máquina de guerra. Para muitos críticos é a derrota da

    Modernidade!

    A Revolução Russa contribuiu para golpear contundentemente a hegemonia do

     principal pilar da Modernidade, o Capitalismo, e também, por extensão, o Liberalismo

    associado (não tocando, embora, na sacra veneração da ciência e, para muitos cientistas

    econômicos, nem mesmo o Capitalismo fora descartado, antes se tornou dirigista e de

    estado, deixando de ser apenas burguês!). Esses conflitos, se em si mesmo afiguraram

    como uma tragédia de desilusão, de esperanças na confiança da marcha da humanidade

     para um mundo mais fraterno, racional e justo, reservava ainda algo maior. Foram ensaios 

     para a Segunda Guerra Mundial! Esta seria a inequívoca demonstração das desilusões do

     projeto do Iluminismo e racionalidade humanista dos séculos anteriores. O irracionalismo

    resultante transformaria toda uma geração de pensadores, e mesmo a sociedade como se

    conhecera no princípio do século. Um aspecto do Niilismo assumiria sua característica

    mais nietzschiana: forte aprofundamento do espírito decadente e perda dos valores

    tradicionais e sacralizados. Seria também matéria ‘nobre’ para o Existencialismo.  

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial, de seus escombros emerge com maior

    força a famigerada anomia, que vem acompanhando a humanidade moderna desde suas

     primeiras desilusões, mormente pós 1914! Houve muitos avanços na direção da

     pacificação e afirmação do projeto iluminista como solução de saída da condição de

    ignorância, pois os políticos pacifistas e filósofos filantrópicos nunca deixaram (e, quiçá,

     jamais deixarão) de militar suas sensatezes. Mais, como percebemos dos desdobramentos

    históricos, a Razão, base forte do Iluminismo, estava instrumentalizada pelo poder às

    mãos da burguesia capitalista de mercado, porém, mesmo ideologizada pela cultura

    dominante, fora, pelos fatores beligerantes, desiludida; também sua racionalidade

    científica mostrou a face execrável da medalha quando faz da guerra uma indústria de

    grandes lucros financeiros e cruel hecatombe. A partir daí jamais a humanidade

    experimentou, sequer ilusoriamente, fundamentada esperança de paz e lugar aprazível no

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    futuro. Para muitos autores começa aqui a Pós-modernidade, condição sem face e

    desfigurada das otimistas marcas da Modernidade. Consoante às palavras de Eric

    Hobsbawm:

    A Segunda guerra Mundial mal terminara quando a humanidade mergulhou noque se pode encarar, razoavelmente, como uma Terceira Guerra Mundial,embora uma guerra muito peculiar. Pois como observou o grande filósofoThomas Hobbes, “a guerra consiste não só na batalha, ou no ato de lutar: masnum período de tempo em que a vontade de disputar pela batalha ésuficientemente conhecida” (Hobbes, capítulo 13). A Guerra Fria entre EUA eURSS, que dominou o cenário internacional a segunda metade do Breve SéculoXX, foi sem dúvida um desses períodos. Gerações inteiras se criaram à sombrade batalhas nucleares globais que, acreditava-se firmemente, podiam estourar aqualquer momento e devastar a humanidade. Na verdade, mesmo os que nãoacreditavam que qualquer um dos lados pretendia atacar o outro achavam difícilnão ser pessimistas, pois a Lei de Murphy é uma das mais poderosas

    generalizações sobre as questões humanas (“Se algo pode dar errado, mais cedoou mais tarde vai dar”). À medida que o tempo passava, mais e mais coisas

     podiam dar errado, política e tecnologicamente, um confronto nuclear permanente baseado na suposição de que só o medo da “destruiçãomútuainevitável” (adequadamente expresso na sigla MAD, das iniciais daexpressão em inglês - mutually assured destruction) impediria um lado ou outrode dar o sempre pronto final para o planejado suicídio da civilização . Nãoaconteceu, mas por cerca de quarenta anos pareceu uma possibilidade diária.(HOBSBAWM, 2013, p. 224, grifo nosso).

    A passagem da Modernidade para o que é conhecido como Pós-modernidade não

    é claramente definida, nem unanimemente aceita como ocorrida. Porém, para o escopo das

    reflexões feitas aqui consideraremos que, de certa maneira, há um mal-estar hodierno,

    fruto do colapso dos ideais da Modernidade, que nomearemos de Pós-modernidade.

    O pós-guerra da segunda metade do século XX foi marcado pelos sentimentos de

    angústia e alienação; vazio ontológico, solidão e medo, incerteza, conflitos psicológicos,

     percepção da fragilidade da Razão, eis algumas características da condição humana

    herdadas da prática política e ideológica anteriores. Soma-se a isso a “morte de Deus”,

    denunciada por Nietzsche, e a agonia se instala no ‘espírito’ do Homem por constatar a

    ausência de um propósito da ‘providência’ que desse significado e objetivo à vida

    humana.

    Embora o Existencialismo como corrente filosófica viesse sendo desenvolvido há

    algumas décadas (pode-se remontar suas bases pelo menos desde Kierkegaard (1813-

    1855)), ele encontra terreno fértil no Homem em crise pós-guerras, porque nessas

    condições o Homem volta-se para si e abre a angustiante pergunta do sentido de sua

    existência em relação ao Nada que se lhe avizinhou. Encaixa-se na perspectiva de que se

    não há uma providência supra-humana, está nas mãos da humanidade seu destino

     planetário, qualquer possibilidade do devir . Coaduna com a proposição existencialista de

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    que o Homem é um ser lançado no mundo, dono de seu destino (mesmo que não possa

    escolher todos seus eventos!) e responsável pelas consequências de suas ações e reações

    ao mundo. Jean-Paul Sartre é o pensador representativo do Existencialismo, por conta de

    seu sucesso literário (fez incursões também no teatro) e talvez por ser um dos inspiradores

    da insurreição iniciada pelo movimento estudantil francês (Maio de 68) e que foi emblema

    da contracultura, com consequências em todo mundo ocidental, por seu antagonismo ao

     status quo, afirmação em favor da liberação sexual, entre outras bandeiras políticas e

    libertárias. Uma importante identificação com a Irracionalidade Pós-moderna é o conceito

    existencialista de que a razão não alcança toda a pujança da vida e não dá conta de

    explicar sua natureza telúrica, porque o absurdo é um componente importante no ‘mundo

    da vida’ . Outro signo da insatisfação com o  status quo  foi o Movimento Hippie (surgidonos EUA), com suas cores mais voltadas para um estilo de vida despojado como tática de

     protesto. Destaca-se seu engajamento para as questões ecológicas que viria a ser uma

    fortíssima bandeira política internacional a partir dos anos 90, década importante no

    contexto do pensamento das perdas valorativas modernas. Nessa, o mundo assistiu a

    queda do Muro de Berlim (1989), dissolução da União Soviética (1991) e o consequente

    fim da Guerra Fria, Guerra do Golfo (1990), crise econômica da Argentina (década de 90),

    crise econômica do México, que contaminou grande parte do mundo capitalista (1994), popularização da Internet, entre outros eventos de impacto mundial. Tudo isso fez crescer

    o vazio (Lipovtsky) existencial e o abandono das grandes narrativas (Lyotard) que davam

    ‘coerência’, fluxo histórico, e algum senso de futuro.

    O Homem imerge solipsisticamente nele mesmo. Experimenta uma existência vã

    e superficial em relação ao mundo, descolando dele qualquer responsabilidade pelos

    destinos de sua espécie. Perdendo as referências, anestesia seus sentimentos profundos

    como reposta de autodefesa e exibe apenas as superficialidades em seu contato com omundo e seus semelhantes. Certamente esses sintomas são de ordem genérica, pois tem

    simultaneidade com indivíduos que optam pelo engajamento e compromisso proativo com

    a vida. Tais pessoas possuem a resiliência de responder de maneira refratária às pressões

    de estresse, talvez por possuírem um forte cabedal de valores.

    O Existencialismo traz grande contribuição para se pensar a psique e ontologia do

    Homem que experiência agonisticamente seu ser e modo de ser, em um mundo cujas bases  

    foram movidas e a perplexidade arrancou-lhe o encantamento deixando em seu lugar uma

    única certeza, de que nada é estável, que a história da civilização é eivada pela dominação

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    de interesses espúrios e instabilidades políticas e a vida é um acidente indefinível em si

    mesma, cujo projeto não é dado, é uma obra a ser montada por cada personagem que é

    desafiado constantemente. Que a sociedade é um teatro de conflitos perigosos e de

    sujeitos solitários. Vai dizer Sartre que o Homem ao perguntar-se por si - muito mais

    ainda na condição Pós-moderna de sensação de falta de identidade - lhe assoma o que ele

    também não é, o Nada (o Homem é para a morte) , e que veio a ser ao ser ‘jogado no  

    mundo’. Essa autoconsciência põe-no de frente à liberdade absoluta, causando angústia e

    sensação de desamparo, levando-o a um vício moral: a ‘má fé’, por pusilanimidade ou

    inépcia dos condicionamentos ideológicos de moralismo divergentes. Estaria aí alguma

     base explicativa para o processo de alienação consentida?

    Com êsse [sic] abandono, essa metamorfose em coisa, livramo-nos da exigênciade decisão: deixamos que o outro escolha por nós enquanto guardamos,intacto, o segrêdo [sic] de nossa liberdade  (medo de assumi-la, por seus riscosou covardia do enfrentamento das pulsões contidas pelas barreiras sociais?).Trata-se, sem dúvida, de uma escamoteação e Sartre a trata com a primeiraestrutura da má fé. A segunda pode ser descrita como o mecanismo com que um

     para-si (o sujeito enquanto ele mesmo, pura existência) finge ser apenas um ser- para-outro (quando na experiência social, síntese do para -si com o em-si, ao se perceber em face do outro; mecanismo de ajuste social), representando o papelque os outros designaram para êle [sic] da maneira mais perfeita possível. Êle[sic] trata de ver-se, através deles [sic], um em-si. (MACIEL, 1975, p.77, grifo e

     parêntesis nosso).

    Por óbvio que uma compreensão do Existencialismo demandaria um volume de

     ponderações e estudos que não caberiam  no espaço deste trabalho, e nem estariam  em

    completa conformidade com a temática proposta aqui. O que se pretende é trazer mais luz

    à questão da reflexão da situação-limite na condição de pós-modernidade do sujeito pela

    ótica existencialista, na sistematização sartreana, que, diga-se de passagem, lutou pela

    resistência contra o Nazismo. O Homem sempre será (em oposição ao estar) sujeito que

    traz em si a imanência da liberdade. Mas essa liberdade, segundo Sartre, é de escolha, não

    uma determinação do que escolher. Podemos então pensar que, se a Liberdade, o Bem, aVida como valor maior, são imperativos de pulsões inatas (aqui não é feito um juízo de

    valores sobre cada categoria citada), então estaremos imersos em sofrimento existencial

    nas condições adversas de carências desses bens valorizados e empreenderemos (ou não)

    as pelejas necessárias às suas  consecuções. Discorre o filósofo sobre a condição do ser

    livre:

    É necessário, além disso, sublinhar com clareza, contra o senso comum, que af órmula “ser livre” não significa “obter o que se quis”, mas sim “determinar -se

     por si mesmo a querer (no sentido lato de escolher) ”. Em outros termos, o êxitonão importa em absoluto à liberdade. A discussão que opõe o senso comum aosfilósofos provém de um mal-entendido: o conceito empírico e popular de

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    “liberdade”, produto de circunstâncias históricas, políticas e morais, equivale à“faculdade de obter os fins escolhidos”. O conceito técnico e filosófico deliberdade, o único que consideramos aqui, significa somente: autonomia deescolha. É preciso observar, contudo, que a escolha, sendo idêntica ao fazer,

     pressupõe um começo de realização, de modo a distinguir do sonho e do desejo.

    (SARTRE, 1997, p.595).Pelas palavras de Sartre é possível também perguntar: se ‘a escolha é idêntica ao

    fazer’, não será por isso que a indústria cultural  massifica um padrão de comportamento e

    ideologiza valores que atendam ao modo capitalista de vida: ostentação e idolatria ao

    consumismo de produtos reificados, que mimetizam ilusoriamente em evanescentes

    mercadorias anseios nobres do espírito?

    Hoje, a indústria cultural assumiu a herança civilizatória da democracia de pioneiros e empresários, que tampouco desenvolveram uma fineza de sentido

     para os desvios espirituais. Todos são livres para dançar e para se divertir, domesmo modo que, desde a neutralização histórica da religião, são livres paraentrar em qualquer uma das inúmeras seitas. Mas a liberdade de escolha daideologia, que reflete sempre a coerção econômica, revela-se em todos os setorescomo liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa . (ADORNO &HORKHEIMER, 2006, p. 138, grifo nosso).

    Mil artefatos são oferecidos, porém o que opera é uma ilusão orquestrada, antes

    do que uma plenitude de realização de ideais; o que se tem é um empanturramento de

    ‘coisas’ que embriagam e narcotizam as sensibilidades da consciência e dos valores

    críticos. O mundo do consumo parece ter substituído o sentido autêntico de fruição da

    vida em sua dimensão pura de relacionamento com a natureza e criatividade subjetiva.

    Essa condição Pós-moderna, como vimos, é sintoma do esgotamento da

    Modernidade, por múltiplos vieses. O que talvez pudesse ser seguro em afirmar, em

    contraste com a Modernidade, é que nessa condição de desengano pós-moderno não há

    nenhum projeto otimista que anteveja futuro, pelo contrário, o que se tem é a

    atemporalidade veloz e indefinida. Uma urgência de tudo hoje. Que talvez amanhã tenha

    diluído o que se deixou escapar. Que alguma crise econômica ou política transforme a paisagem, e a insegurança desse estranhamento já não permita fruir. Desencantamento e

    contradição são diáfano pano de fundo por todo o cenário cotidiano.

    Genericamente podemos constatar duas condições no temperamento do Homem

    atual: indiferença anômica e angústia reativa de negação. Reação às metanarrativas, estas

     já ilegítimas pelo desvelamento do espúrio jogo dominante de classe? Anomia que é

    marcada pela falha factual de todas as éticas, ética como base para atingir a felicidade pela

    virtude, ética enquanto moral revelada e dogmática (no sentido positivo, neste contexto),ética enquanto dever de imperativos racionais. Não porque a Ética seja destituída de valor

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    ou eficácia, porém porque código e moral se mostraram incongruentes nas cenas onde

     poderia ser esperança em favor da vida e da paz, da justiça e equilíbrio de interesses.

    O naufrágio da ética na Alta Modernidade (termo preferido por Giddens),

    universalizado pela globalização, está vinculado inextricavelmente à racionalidade de base

    do sistema tecnocrático, que vem atendendo à lógica fria e mecanicista dos interesses

    economicistas, e do controle político pela regulação moral de uma ética perfeitamente

    cabresteada pelos aparatos normativos das Leis e modelagem do mundo, incansavelmente

    difundida pela indústria cultural da publicidade. Daí que, corolariamente, com o embuste

    desse sistema, precipita-se todos os ‘valores  superiores’  de redenção conexos a ele. A

    ambição, o hobbesianismo elevado à escala internacional; a pressão sobre o meio

    ambiente causada pela lógica do crescimento ilimitado e predatório, porém não apenas

    sobre o ambiente, mas também sobre o homem em forma de expropriação de seu trabalho

    (mais valia); a comprovação de que a Ciência ‘normal’ e sua executora, a Tecnologia, tem

    com a Natureza, em seus aspectos físicos e biológicos, uma relação meramente

    instrumental, em que excluem a ética e a moral de seus laboratórios, servindo apenas ao

    senhor “capital e lucro”;  todos esses desalentos levaram ao niilismo moral, sobretudo da

     juventude.

    É com essa conclusão niilista que se sai de fato da modernidade, segundo Nietzsche. Pois a noção de verdade não mais subsiste e o fundamento não maisfunciona, dado que não há fundamento algum para crer no fundamento, isto é,no fato de que o pensamento deva “fundar”: não se sairá da modernidademediante uma superação crítica, que seria um passo ainda de todo interno à

     própria modernidade. Fica claro assim que se deva buscar um caminho diferente.É esse momento que se pode chamar de nascimento da pós-modernidade emfilosofia. [...] cujas consequências ainda não acabamos de medir. (VATTIMO,2007, p.173).

    Temos então duas ‘condições suficientes’coexistindo contemporaneamente.

    Modernidade alta ou “tardia” como nomeia Giddens  e Pós-modernidade (ou pós-

    industrial), na feição de Lyotard. Uma em curso, ainda mantida pelo Liberalismo  –   ou

    neoliberalismo, e com seus altos riscos “produz diferença, exclusão e marginalização. [...],

    (onde) as instituições modernas ao mesmo tempo criam mecanismos de supressão, e não

    de realização, do eu.” (GIDDENS, 2002, p. 13). Outra   “considera-se “pós-moderna” a

    incredulidade em relação aos metarrelatos. [...] (onde) Existem muitos jogos de linguagem

    diferentes [...]” (LYOTARD, 2011, p. xvi). Os riscos que existem (segundo Giddens) já

    foram abordados conceitualmente seus lugares. Os metarrelatos, de que fala Lyotard, são 

    todos os discursos ideológicos, descritivos e normativos, que legitimaram ou 

    antagonizaram o sistema capitalista-liberal iluminista. Porém, como aponta Lyotard, há

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    muitos ‘jogos de linguagem diferentes’, multívocos. Dentre essas ‘linguagens’ há algumas

    de esperança que creem que ‘o ser humano pode mais’, como afirmava Paulo Freire.

    Anthony Giddens entende que a alta modernidade ou modernidade tardia (o que

    seria pós-Modernidade para alguns) tem elementos da Modernidade que são forças

    endógenas a serem trabalhadas enquanto esperança de saída dos riscos à saúde e

    segurança do ‘eu’, e, por consequência, de toda a sociedade. O autor sugere duas agendas

     políticas que poderão subverter as condições que subtraem a qualidade de vida e geram

    grandes riscos na modernidade tardia, que ele nomeia de Política Emancipatória e outra de

    Política-vida:

    Defino a política emancipatória como uma visão genérica interessada, acima de

    tudo, em libertar os indivíduos e grupos das limitações que afetam

    negativamente suas oportunidades de vida. Ela evolve dois elementos principais:

    o esforço por romper as algemas do passado, permitindo assim uma atitude

    transformadora em relação ao futuro; e o objetivo de superar a dominação

    ilegítima de alguns indivíduos e grupos por outros. O primeiro desses objetivos

    facilita o ímpeto dinâmico positivo da modernidade. A ruptura com as práticas

    fixas do passado permite que os homens aumentem o controle social sobre as

    circunstâncias de suas vidas. É claro que surgiram grandes diferenças

    filosóficas sobre como alcançar esse objetivo . Alguns supunham que oimpulso emancipador era dirigido por condições causais que, na vida social,

    operam de maneira muito semelhante ao da causação física. Para outros  –  e esta

     posição é certamente a mais válida  –   a relação é uma relação reflexiva. Os

    homens são capazes de, reflexivamente, “usar a história para fazer história”.

    (GIDDENS, 2002, p. 194, grifo nosso).

    A dificuldade imediata que obviamente aparece é o fato de que para a

    materialização desse projeto ‘de libertação dos indivíduos e grupos’   sejam necessárias

    condições anteriores de difícil ultrapassagem para indivíduos profundamente colonizados pela cultura dominante. Exemplo dessas condições anteriores que necessitam serem

    ultrapassadas é a tomada de consciência de que se abrigam valores que urge despojá-los.

    A indústria cultural trabalha incansavelmente para manter as massas reguladas para uso

    mercadológico, tanto político quanto comercial. O mero denuncismo dos desequilíbrios e

    corrupção das instituições e agentes do sistema não é suficiente para esse despertar, para

    essa tomada de consciência. Antes, tais denúncias parecem narcotizar a razão crítica,

    tornando o absurdo tanto corriqueiro como natural e inescapável. Uma via de sólida possibilidade poderá ser uma educação geral e política dentro do sistema educacional.

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    Mas há problemas também, pois se sabe que o sistema educativo reflete a educação

    dominante. Edgar Morin propõe essa via, como veremos mais à frente.

    A política-vida seria o momento resultante da política emancipatória. Nela já se

    considera sujeitos atuantes e deliberantes politicamente, porém o que inova na questão da

    afirmação política é a ação não tradicional dentro das ideologias tradicionais. Assim,

    novas sensibilidades nas questões éticas, perguntando com profundidade e consequência

    qual o melhor modo de vida que promova a segurança planetária, por exemplo, “Em

    outras palavras as questões recalcadas, relacionadas não só à natureza mas também aos

     parâmetros morais da existência enquanto tal”   Giddens (2002, p.206). Ele sugere outras

    questões afirmativas na política-vida de emancipação: questões ambientais que estão

    ligadas à existência; princípios éticos ligados à engenharia genética e à discussão dos

    limites à inovação científico/tecnológica; direitos dos animais... Essas questões, ele

    admite, sofrem de limitação política. O Estado-nação, seu poder de governança nos

    assuntos de impacto coletivo e seu aparato burocrático são instâncias a serem

    ‘conquistadas’ e mesmo ultrapassadas,  pois ainda que se consigam avanços da ‘política-

    vida’ dentro das estruturas jurídicas de um Estado, restam os demais Estados com

    autonomia e práticas de riscos globais.

    Outra proposta que oferece uma via de saída para os conflitos em nível social e

    internacional, e que considera a ideologia por detrás dos impasses de risco nessas

    relações, é a chamada Ação Comunicativa de Jürgen Habermas. Esse pensador militante,

    filósofo de expressão internacional, é egresso da  filosofia social crítica, base teórica da

    Escola de Frankfurt. Essa origem fundamenta o pensamento de Habermas, levando-o a

    fazer a crítica social dentro dos pilares da Modernidade, mormente o projeto do

    Iluminismo. Vai criticar a razão instrumental iluminista considerando que ela é o apanágio

     para o encobrimento de ralações de dominação, por exemplo, a rigidez da ciência normal ,

    de que fala Thomas Kuhn, frente às novas descobertas de outros paradigmas que detectam

    anomalias nas ‘verdades’ da ciência normal. Também, no universo político, a razão

    instrumental é manipulada para justificação, por exemplo, da guerra, quando encoberta ou

    distorce as verdadeiras motivações de agressão e fatores concorrentes nos conflitos.

    Habermas busca fundamentos na filosofia da linguagem em Wittgenstein (estuda

    o pensamento e fala na representação do mundo e motivações intencionais da fala, entre

    outros estudos), a Hermenêutica de Gadamer (linguagem como forma básica da

    experiência humana), a filosofia analítica de Kant (juízo sintético a priori), porém

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    criticando e adaptando todas elas. Assim, ao tomar a perspectiva crítica da Razão

    entenderá que ela está no centro das relações sociais, na esfera da comunicação e da ética.

    Por se ocupar com a crítica da sociedade, distinguirá na sociedade três esferas, a do

    Estado, a doméstica e a pública. Esta é fruto da modernidade, do homem iluminista que se

    ocupava com os assuntos da coletividade de maneira política e corporativa. Então

    compreende que a Razão crítica comunicativa pode ser emancipadora se usar a

    comunicação como espaço para consenso. O agir comunicativo, que traz potencialmente o

    entendimento, é exercido no mundo da vida naturalmente, difere da ação estratégica

    manifesta na razão instrumental do poder político, pois esta objetiva a dominação

    enquanto aquela emancipa. O que significa o agir comunicativo? Störig responde:

    A sociedade só pode subsistir, se os agentes particulares (“atores”) coorde naremo seu agir, e isso exige acordo, comunicação. É preciso que seja possível (essa éa convicção de Habermas que, medida a partir da requisição por uma éticametafísica ou “categoricamente”  fundamentada, parece modesta) desenvolver a

     partir daí uma teor ia que permita “reconciliar consigo mesma a modernidadedecomposta”, mais concretamente: “Encontrar formas de convivência, em que aautonomia e a dependência entrem realmente em uma relação satisfatória!” Umameta grandiosa! (STÖRIG, 2008, p. 549).

    Remo Bodei discorre sobre Habermas e ação comunicativa:

    Habermas manifesta uma sólida confiança na difusão dos processos evolutivosde aprendizagem de normas universais, seja de natureza intelectual, seja moral.[...] As energias entaladas e comprimidas por uma “modernidade” reduzida amera razão instrumental deveriam ser, portanto, novamente ativadas pela açãocomunicativa, a única capaz de gerar acordos racionalmente partilháveis. [...]deve-se tender para um Aufklärung que seja também moral, para umesclarecimento não simplesmente cognitivo, mas prático. Como na educação doindivíduo, também na das sociedades humanas podem-se percorrer sucessivosestágios de desenvolvimento. [...] A ação comunicativa desenvolve também umafunção terapêutica ao reconstruir incessantemente o mundo comum, salvandodos desastres provocados pelo crescimento hipertrófico da razão instrumental.(BODEI, 2000, p. 246, 247 e 248).

    Como visto, as propostas de saída da condição de iminente colapso do que

    conhecemos hoje como civilização (não está afastada a possibilidade de ‘guerra nuclear’ eos desastres ecológicos resultantes das práticas econômicas predatórias) passa pelo sujeito

    racional, atuante e proativo. Considerando que o Homem age em conformidade com seu

    horizonte de conhecimento, interesses e motivações ideológicas, a educação é a via para

    que se possa ir em direção diferente da rota de desastre social e ambiental, em que o

    mundo pós-moderno já se encontra, com seus equívocos estruturais recebidos da

    Modernidade. Porém, o conhecimento que a educação promissora deve oferecer necessita

    ter a dimensão dos desafios que a humanidade urge solucionar. Morin (2011) alerta quetodo conhecimento envolve erro e ilusão (o Homem não é onisciente). Por isso o

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    conhecimento que pretenda dar esperança de algum lugar no futuro à humanidade

    necessariamente tem de ser pertinente e complexo. E  para essa lucidez Edgar Morin

    alerta:

    É necessário introduzir e desenvolver na educação o estudo das característicascerebrais, mentais, culturais dos conhecimentos humanos, de seus processos emodalidades, das disposições tanto psíquicas quanto culturais que o conduzemao erro ou à ilusão. (MORIN, 2011, p. 15).

    De fato, não é tarefa de enfrentamento fácil educar as pessoas no estágio atual de

    multiplicidade cultural, política e espiritual conflitantes. Pesa sobremaneira que na

    sociedade atual da informação já existe um sistema de educação secular, normalizando as

    sensibilidades e concepção de mundo dos indivíduos. É um sistema forjado para atender

    as demandas do mercado em toda sua extensão  –   padronizar hábitos de comportamentodesde a tenra idade, formar força de trabalho eficiente, etc. O resultado é inequívoco:

    O poder imperativo e proibitivo dos paradigmas, das crenças oficiais reinantes edas verdades estabelecidas determina os estereótipos cognitivos, as ideiasrecebidas sem exame, as crenças estúpidas não contestadas, os absurdostriunfantes, a rejeição de evidências em nome da evidência, e faz reinar, em toda

     parte, os conformismos cognit ivos e intelectuais. (MORIN, 2011, p. 26).

    A educação pertinente terá que desenvolver a ‘inteligência geral’, pois os desafios

    são múltiplos. Estão envolvidos vários aspectos do ‘mundo da vida’ tais como o

    econômico, o político, o sociológico, o psicológico o afetivo e o mitológico, todosapontados por Morin como fatores para que possamos ultrapassar os obstáculos à

    compreensão planetária multicultural e poliantrópica!

    Conseguir atingir um nível de desenvolvimento técnico-científico sustentável e

    que coloque o Homem como fulcro de todo fazer político-econômico, embora pareça

    utópico, é possibilidade considerando que somos seres aperfeiçoáveis, que possuímos um

    acervo cultural de onde possamos prospectar o futuro em que a coerência seja diferente do

     perde-ganha, transformando-se numa realidade em que todos ganham,   com redução de

    riscos ou ameaças à vida. A Democracia e a Ética são duas obras da inteligência a serem

    tomadas na sua universalidade humana que ultrapasse o nível histórico e local.

    Considerados em seu aspecto ontológico tornam-se fundamentos sólidos de convergência

    e harmonia humanas. Já trazemos em nós um valor de fundo ético vigoroso que pode

    garantir nossas aspirações:

    A sabedoria, então, deve ser, entre todas as formas de conhecimento, a mais

     perfeita. Daí se segue que o homem sábio não apenas terá o conhecimento doque decorre dos primeiros princípios, como também terá uma concepçãoverdadeira a respeito desses próprios princípios. Portanto, a sabedoria deve seruma combinação da razão intuitiva com o conhecimento científico  –  uma ciência

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    das coisas mais elevadas, isto é, a excelência que lhe é própria.(ARISTÓTELES, 2009, p.134).

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    3. CONCLUSÃO

    Constatamos da aventura humana que ao sair do seu lugar cósmico e lançar seu

    ‘eu’  dentro de caravelas e lunetas descobriu que essa aventura envolvia perplexidades,

     paradoxos, perigos, conflitos, mas também esperanças. A Modernidade convivendo com a

    Pós-modernidade necessariamente não se excluem restando apenas uma ou outra. Podem

    dialeticamente encontrar uma síntese que privilegie a esperança e transforme as incertezas

    e riscos em oportunidades de fundar outra lógica de civilização. O caminho feito até a

    contemporaneidade foi marcado por avanços e retrocessos em todas as áreas da atividade

    humana. Mas ainda não é possível de fato, concluir até aqui, se há um saldo positivo ou

    negativo da evolução da civilização por suas conquistas e equívocos, por conta das

    fragilidades e sutilizas que o devir  reserva.

    Certamente há diligentes homens forcejando para que a humanidade possa se

     beneficiar de sua grande evolução científica, filosófica e espiritual (a dimensão espiritual

    do Homem lhe permite a transcendência ecumênica!)  capazes de quebrar a ignorância

    segregacionista e ameaçadora da alegria de uma existência autêntica e consonante aosaspectos superiores humanos. Esses aspectos são a solidariedade, o sentimento de

     pertencimento à mesma  natureza ontológica do homo sapiens moderno, as virtudes

    superiores da ética e justiça, a vontade consciente de produzir, trabalhando a Natureza

    responsavelmente, o mundo humano sempre mais aprazível, tornando o planeta Terra lar e

     ponto de partida para perscrutar o Universo que está nos interrogar permanentemente!

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