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Higina Maria Almeida Orvalho da Silva Castelo Contrato de mediação ESTUDO DAS PRESTAÇÕES PRINCIPAIS Dissertação de Doutoramento em Direito Privado Apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa Orientador: Professor Doutor Rui Pinto Duarte Setembro de 2013

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  • Higina Maria Almeida Orvalho da Silva Castelo

    Contrato de mediao ESTUDO DAS PRESTAES PRINCIPAIS

    Dissertao de Doutoramento em Direito Privado

    Apresentada Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

    Orientador: Professor Doutor Rui Pinto Duarte

    Setembro de 2013

  • NDICE

    Nota prvia.......................................................................................................................... 9

    Siglas e abreviaturas ......................................................................................................... 11

    Introduo ......................................................................................................................... 15

    PARTE I Delimitao e contextualizao do tema.......................................................... 19

    1. Mediao e intermediao ........................................................................................... 19

    2. Atividades de intermediao na lei portuguesa e modelos contratuais que as

    suportam ..................................................................................................................................... 23

    2.1 Mediao de seguros .............................................................................................. 23

    2.1.1 Mediao de seguros na legislao portuguesa .............................................. 23

    2.1.2 Modelos contratuais que suportam as atividades de mediao de seguros ... 29

    2.1.3 Contributos da jurisprudncia ......................................................................... 34

    2.2 Mediao imobiliria .............................................................................................. 38

    2.3 Intermediao financeira ........................................................................................ 40

    2.4 Mediao monetria ............................................................................................... 44

    2.5 Mediao de crdito ............................................................................................... 45

    2.6 Agncias privadas de colocao de trabalhadores ................................................. 48

    2.7 Intermediao por transitrios ............................................................................... 50

    2.8 Intermediao das agncias de viagens .................................................................. 52

    2.9 Mediao dos jogos sociais do Estado .................................................................... 55

    2.10 Mediao processual ............................................................................................ 57

    2.11 Concluso intercalar ............................................................................................. 61

    3. Manifestaes histricas at conformao atual do contrato de mediao ............. 62

    3.1 No Corpus Iuris Civilis .............................................................................................. 62

    3.2 Nas Ordenaes do Reino ....................................................................................... 64

    3.3 Nos Cdigos de Oitocentos ..................................................................................... 67

    3.3.1 O Cdigo Comercial de 1833 ............................................................................ 67

    3.3.2 O Cdigo Comercial de 1888 ............................................................................ 69

    3.3.3 Declnio e transformao do corretor ............................................................. 71

    3.4 O despontar do contrato de mediao como tipo social ....................................... 72

    PARTE II Compreenso do contrato com incidncia nas prestaes principais ............ 81

  • 4

    4. O instituto nalguns direitos estrangeiros ...................................................................... 81

    4.1 Justificao e objetivo ............................................................................................. 81

    4.2 Alemanha ................................................................................................................ 84

    4.2.1 Aspetos gerais de enquadramento e configurao do tipo ............................. 84

    4.2.2 A atividade contratual do mediador ................................................................ 89

    4.2.3 A contrapartida ................................................................................................ 92

    4.2.3.1 Autor do pagamento ........................................................................................................ 92 4.2.3.2 Pressuposto do seu nascimento celebrao de um contrato eficaz ............................. 94 4.2.3.3 Nexo causal .................................................................................................................... 100

    4.2.4 Relao entre as atribuies das partes ........................................................ 100

    4.3 Sua ...................................................................................................................... 102

    4.3.1 Aspetos gerais de enquadramento e configurao do tipo ........................... 102

    4.3.2 A atividade contratual do mediador .............................................................. 108

    4.3.3 A contrapartida .............................................................................................. 111

    4.3.3.1 Sujeito obrigado ao pagamento ..................................................................................... 111 4.3.3.2 Evento de que depende o nascimento do direito remunerao................................. 113 4.3.3.3 A exigncia de um nexo psicolgico ............................................................................... 118 4.4 Itlia ...................................................................................................................... 121

    4.4.1 Aspetos gerais de enquadramento e configurao um tipo legal .............. 121

    4.4.2 A atividade contratual do mediador .............................................................. 136

    4.4.3 A contrapartida .............................................................................................. 142

    4.4.3.1 A quem incumbe a remunerao ................................................................................... 142 4.4.3.2 Evento de que depende o nascimento do direito remunerao................................. 144 4.4.3.3 Exigncia de um nexo entre a atividade de mediao e a ocorrncia de que depende o direito remunerao ............................................................................................................... 148 4.5 Frana .................................................................................................................... 150

    4.5.1 Aspetos gerais de enquadramento e configurao ....................................... 150

    4.5.1.1 Tipicidade social do contrato de mediao geral ........................................................... 150 4.5.1.2 Alguns casos de courtiers e os contratos que suportam as suas atividades .................. 153

    Courtier de mercadorias ........................................................................................................ 153 Courtier ajuramentado ou inscrito ........................................................................................ 154 Courtier intrprete e condutor de navios .............................................................................. 154 Courtier de transporte por terra e gua ................................................................................ 155 Courtier em vinhos e espirituosos ......................................................................................... 155 Corretor de seguros ............................................................................................................... 156 Mediador imobilirio ............................................................................................................. 157 4.5.2 A prestao do mediador ............................................................................... 159

    4.5.3 A contrapartida .............................................................................................. 162

    4.5.3.1 Sujeito obrigado ao pagamento ..................................................................................... 162 4.5.3.2 Evento de que depende o direito remunerao ......................................................... 163 4.5.3.3 Exigncia de uma interveno essencial ou determinante ............................................ 166 4.6 Espanha ................................................................................................................. 167

  • 5

    4.6.1 Aspetos gerais de enquadramento e configurao ....................................... 167

    4.6.1.1 Tipicidade social do contrato de mediao .................................................................... 167 4.6.1.2 A atividade do Agente de Propriedade Imobiliria ........................................................ 170

    4.6.2 A atividade contratual do mediador .............................................................. 174

    4.6.2.1 Natureza tendencialmente obrigatria .......................................................................... 174 4.6.2.2 Contedo da prestao .................................................................................................. 177

    4.6.3 A contrapartida .............................................................................................. 180

    4.6.3.1 Sujeito obrigado ao pagamento ..................................................................................... 180 4.6.3.2 A celebrao do contrato visado como condio necessria ao nascimento do direito remunerao .............................................................................................................................. 181 4.6.3.3 Nexo entre a atividade contratual do mediador e o evento de que depende o direito remunerao .............................................................................................................................. 185 4.7 Inglaterra ............................................................................................................... 187

    4.7.1 Aspetos gerais de enquadramento e configurao ....................................... 187

    4.7.1.1 Enquadramento e apreciao dos casos equivalentes ao contrato de mediao ......... 187 4.7.1.2 Algumas atividades de mediao reguladas no statute law .......................................... 194

    4.7.2 A atividade contratual do mediador .............................................................. 196

    4.7.3 A contrapartida .............................................................................................. 198

    4.7.3.1 O sujeito devedor ........................................................................................................... 198 4.7.3.2 Evento de que depende o nascimento do direito remunerao................................. 199 4.7.3.3 A atividade mediadora como causa efetiva da celebrao do contrato desejado ........ 201

    5. O contrato de mediao na ordem jurdica portuguesa ............................................. 203

    5.1 Ideias gerais .......................................................................................................... 203

    5.2 A atividade contratual do mediador ..................................................................... 205

    5.2.1 Uma viso compreensiva e algumas opes terminolgicas......................... 205

    5.2.2 A atribuio do mediador .............................................................................. 215

    5.2.2.1 Obrigao, nus ou faculdade? ...................................................................................... 215 5.2.2.2 Relao entre a prestao do mediador, o interesse contratual do cliente e a finalidade do contrato de mediao ........................................................................................................... 221

    5.2.2.2.1 Interesse contratual do cliente e finalidade do contrato de mediao ................. 222 5.2.2.2.2 Prestao do mediador e interesse contratual do cliente ..................................... 225 5.2.2.2.3 Irrelevncia prescritiva do modo mediato ou imediato como a prestao do mediador satisfaz o interesse contratual do cliente ............................................................. 231 5.2.2.2.4 Sntese intercalar .................................................................................................... 238

    5.3 A contrapartida ..................................................................................................... 240

    5.3.1 Sujeito e contedo ......................................................................................... 240

    O devedor da remunerao .................................................................................................. 241 O quantum ............................................................................................................................ 244 5.3.2 A remunerao na dependncia da celebrao do contrato visado condio

    ou lea? ............................................................................................................................. 245

    5.3.2.1 Perspetivando o problema com a condio como ponto de partida ............................. 250 Da globalidade ....................................................................................................................... 251 Da acessoriedade .................................................................................................................. 255 Da exterioridade .................................................................................................................... 258

    5.3.2.2 Perspetivando o problema com enfoque no contrato aleatrio ................................... 260

  • 6

    5.3.2.3 Concluso intercalar ....................................................................................................... 268 5.3.3 O nexo causal entre a atividade de mediao e o contrato a final celebrado

    ........................................................................................................................................... 270

    5.3.3.1 Nexo causal com a atuao do mediador ...................................................................... 270 5.3.3.2 Equivalncia ao contrato desejado ................................................................................ 273 5.4 Que relao entre as prestaes das partes? ....................................................... 274

    5.5 O contrato com clusula de exclusividade remisso ......................................... 284

    6. Ensaio comparativo ..................................................................................................... 286

    6.1 Aspetos gerais de enquadramento e configurao .............................................. 286

    6.2 As atribuies das partes ...................................................................................... 288

    6.3 Especificidades da remunerao .......................................................................... 288

    6.3.1 O devedor ...................................................................................................... 288

    6.3.2 A compensao das despesas efetuadas ....................................................... 289

    6.3.3 A remunerao na dependncia de um evento no prestacional ................. 289

    6.3.4 O nexo causal entre a atividade do mediador e aquele evento no

    prestacional ....................................................................................................................... 290

    6.5 Notas conclusivas .................................................................................................. 291

    7. Delimitao de figuras afins ........................................................................................ 292

    7.1 Mandato, comisso, representao ..................................................................... 293

    7.2 Agncia .................................................................................................................. 307

    7.3 Prestao de servio ............................................................................................. 317

    7.3.1 O contrato de mediao como modalidade do contrato de prestao de

    servio discusso ............................................................................................................ 317

    7.3.2 A obrigao de proporcionar certo resultado do trabalho ............................ 321

    7.3.3 Delimitao entre o contrato de mediao e o tipo social mais habitual de

    contrato de prestao de servio ...................................................................................... 330

    PARTE III Uma utilizao paradigmtica do instituto ................................................... 333

    8. O contrato de mediao imobiliria no ordenamento portugus .............................. 333

    8.1 Nascimento e evoluo de um tipo legal .............................................................. 333

    8.1.1 Decreto-Lei n. 43.767, de 30 de junho de 1961 ........................................... 333

    8.1.2 Decreto-Lei n. 285/92, de 19 de dezembro ................................................. 335

    8.1.3 Decreto-Lei n. 77/99, de 16 de maro ......................................................... 337

    8.1.4 Decreto-Lei n. 211/2004, de 20 de agosto ................................................... 338

    8.1.5 Lei n. 15/2013, de 8 de fevereiro ................................................................. 340

    8.2 O mediador ........................................................................................................... 341

    8.2.1 Empresarialidade e comercialidade ............................................................... 341

  • 7

    8.2.2 O significado da empresa no contrato ........................................................... 345

    8.2.3 O contrato celebrado por empresa no licenciada ....................................... 348

    8.3 A atividade contratual do mediador faculdade ou obrigao? ......................... 355

    8.3.1 Panorama anterior ao RJAMI ......................................................................... 355

    8.3.2 No mbito do RJAMI ...................................................................................... 361

    8.4 A remunerao ...................................................................................................... 367

    8.4.1 Sujeito e contedo ......................................................................................... 367

    8.4.2 Dependncia da concluso e perfeio do negcio visado ........................... 369

    8.4.3 Necessidade de um nexo ............................................................................... 371

    8.5 Normas imperativas sobre formao e contedo ................................................ 372

    8.5.1 Forma escrita ................................................................................................. 372

    8.5.2 Formao do contrato com recurso a clusulas contratuais gerais .............. 375

    8.5.3 Menes obrigatrias no escrito contratual .................................................. 378

    8.5.4 Prazo .............................................................................................................. 379

    8.6 A exclusividade instituio de uma subespcie ................................................. 381

    8.6.1 Formao e contedo do contrato de mediao exclusivo art. 16, n. 2, g)

    ........................................................................................................................................... 381

    8.6.2 Nascimento do direito remunerao o caso especial do art. 19, n. 2 .... 386

    Exclusividade e irrevogabilidade ........................................................................................... 388 8.6.3 O incumprimento, por parte do cliente, da clusula de exclusividade ......... 390

    8.7 Concluso intercalar ............................................................................................. 392

    Concluses ...................................................................................................................... 395

    Resumo ........................................................................................................................... 399

    Abstract ........................................................................................................................... 400

    Rsum ........................................................................................................................... 401

    Kurzbeschreibung ........................................................................................................... 402

    Bibliografia citada ........................................................................................................... 403

    Jurisprudncia citada ...................................................................................................... 433

    Declarao de compromisso antiplgio .......................................................................... 440

  • NOTA PRVIA

    Redigi o texto, incluindo os excertos de obras escritas e publicadas de acordo com

    grafias portuguesas anteriores, em conformidade com o Acordo Ortogrfico da Lngua

    Portuguesa (1990).

    As tradues de trechos de textos estrangeiros citados so da minha autoria, salvo

    indicao em contrrio. Tendencialmente, usei a lngua portuguesa no texto principal e

    mantive os idiomas originais nas notas.

    Nas citaes dos autores, mantive as nfases e as pontuaes originais, com a

    seguinte exceo: nas efetuadas em nota de rodap, suprimi os pargrafos. A introduo

    de novos itlicos est expressamente assinalada.

    Nas notas de rodap, as referncias bibliogrficas esto ordenadas pela ordem

    alfabtica do ltimo apelido dos autores, ou do penltimo no caso de autores espanhis,

    exceto quando outro critrio se mostre relevante; e contm o nome do autor e o ttulo,

    por vezes abreviados, e, quando necessrio, o volume e/ou a edio (na lista

    bibliogrfica encontram-se todos os elementos necessrios cabal identificao das

    obras).

    As expresses indicativas de atualidade e vigncia reportam-se ao final de julho

    de 2013, momento at ao qual foram atualizados os diplomas legislativos e foram tidas

    em considerao doutrina e jurisprudncia.

  • SIGLAS E ABREVIATURAS

    AAFDL Associao Acadmica da Faculdade de Direito de Lisboa

    AC Law Reports, Appeal Cases, House of Lords (desde 1890)

    All ER The All England Law Reports Annotated of cases decided

    in The House of Lords, The Privy Council, All Divisions of

    the Supreme Court and Courts of Special Jurisdiction

    AP Audiencia Provincial (tribunal espanhol de 2. instncia)

    ATF Acrdo do Tribunal Federal (suo)

    BGB Brgerliches Gesetzbuch

    BGH Bundesgerichtshof (supremo tribunal alemo)

    BMJ Boletim do Ministrio da Justia

    BOE Boletn Oficial del Estado

    BOMJ Boletim Oficial do Ministrio da Justia

    CB (NS) Common Bench Reports New Series (1856-65)

    CC Cdigo Civil

    CCom Cdigo Comercial

    Ch. Law Reports, Chancery Division (desde 1890)

    CJ Colectnea de Jurisprudncia

    CJASTJ Colectnea de Jurisprudncia, Acrdos do Supremo

    Tribunal de Justia

    CLY Current Law Yearbook

    CPC Cdigo do Processo Civil

    CVM Cdigo dos Valores Mobilirios (aprovado pelo DL

    486/99, de 13 de novembro, com mais de uma vintena de

    alteraes, sendo consideradas as ocorridas at ao DL

    18/2013, de 6 de fevereiro)

  • 12

    DL Decreto-Lei

    EG Estates Gazette

    ERPL European Review of Private Law

    FDUL Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

    GSEJ Gabinete do Secretrio de Estado da Justia

    HGB Handelsgesetzbuch

    IR Irish Reports

    ISP Instituto de Seguros de Portugal

    JCP Jurisclasseur Priodique

    JORF Journal Officiel de la Rpublique Franaise

    JR Jurisprudncia das Relaes

    JT Journal des Tribunaux

    KB Law Reports, Kings Bench Division (1900-1952)

    LCCG DL 446/85, de 25 de outubro, com as alteraes

    introduzidas pelos DL 220/95, de 31 de agosto, DL 249/99,

    de 7 de julho, e 323/2001, de 17 de dezembro

    LJCh. Law Journal Reports, New Series, Chancery Division

    LR Law Reports

    LT Law Times Reports (1859-1947)

    MaBV Verordenung ber die Pflichten der Makler,

    Darlehensvermittler, Bautrger und Baubetreuer

    MLR The Modern Law Review

    Nw. U. L. Rev. Northwestern University Law Review

    OLG Oberlandesgericht (tribunal alemo de 2. instncia)

    OIT Organizao Internacional do Trabalho

    Port. Portaria

    QB Queens Bench Reports (1841-1852); Law Reports,

    Queens Bench Division (1891-1901 e 1952 at

  • 13

    atualidade)

    RCA Regime do Contrato de Agncia (DL 178/86, de 3 de julho,

    alterado pelo DL 118/93, de 13 de abril)

    RCDI Revista Crtica de Derecho Inmobiliario

    RCEJ Revista de Cincias Empresariais e Jurdicas

    RDC Rivista di Diritto Civile

    RDComm Rivista del Diritto Commerciale e del Diritto Generale

    delle Obbligazioni

    RDE Revista de Direito e Economia

    RDM Revista de Derecho Mercantil

    RDN Revista de Derecho Notarial

    RDP Revista de Derecho Patrimonial

    RFDUL Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

    RGD Revista General de Derecho

    RGICSF Regime geral das instituies de crdito e sociedades

    financeiras (aprovado pelo DL 298/92, de 31 de dezembro,

    e objeto de vrias alteraes, at produzida pelo DL

    18/2013, de 6 de fevereiro)

    RGLJ Revista General de Legislacin y Jurisprudencia

    RJ Revista de Justia

    RJAMI Regime jurdico da atividade de mediao imobiliria

    (aprovado pela Lei 15/2013, de 8 de fevereiro)

    RJAMS Regime jurdico da atividade de mediao de seguros ou de

    resseguros (DL 144/2006, de 31 de julho, com ulteriores

    alteraes)

    RJCS Regime jurdico do contrato de seguro (DL 72/2008, de 16

    de abril)

    RLJ Revista de Legislao e de Jurisprudncia

    ROA Revista da Ordem dos Advogados

    RSISP Revista Semestral do Instituto de Seguros de Portugal

    RT Revista dos Tribunais

  • 14

    RTDC Revue Trimestrielle de Droit Civil

    SGB III Sozialgesetzbuch, Drittes Buch

    STJ Supremo Tribunal de Justia

    TLR The Times Law Reports (1884-1950)

    TRC Tribunal da Relao de Coimbra

    TRE Tribunal da Relao de vora

    TRG Tribunal da Relao de Guimares

    TRL Tribunal da Relao de Lisboa

    TRP Tribunal da Relao do Porto

    v. [nas citaes de decises inglesas] versus, pronunciando-se

    and ou against

    Va. L. Rev. Virginia Law Review

    Wis. L. Rev. Wisconsin Law Review

    WLR The Weekly Law Reports

    WoVermRG Gesetz zur Regelung der Wohnungsvermittlung

    YLJ Yale Law Journal

  • 15

    INTRODUO

    Esta dissertao consiste num estudo jurdico de um modelo contratual nascido da

    prtica negocial em sociedade, designado, nas ltimas dcadas, por contrato de

    mediao, e ao qual corresponde um conjunto de caractersticas diferente dos conjuntos

    que caracterizam os demais contratos nominados e utilizados no comrcio.

    Se disser que se trata de um contrato pelo qual uma pessoa incumbe outra de lhe

    conseguir interessado para ser sua contraparte num outro contrato que pretende celebrar,

    prometendo-lhe remunerao, facilmente vem ideia o contrato de mediao. Esta

    noo, alis, no substancialmente diferente de outras gizadas, ou comummente

    utilizadas, pela doutrina e pelos tribunais. Seguem alguns exemplos.

    Supe, na sua essncia, a incumbncia a uma pessoa de conseguir interessado

    para certo negcio, a aproximao feita pelo mediador entre o terceiro e o

    comitente e a concluso do negcio entre este e o terceiro em consequncia da

    atividade do intermedirio. Acrdo do STJ de 17/03/1967, BMJ 165, p. 333.

    Um contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para

    certo negcio e a aproximar esse interessado da outra parte. VAZ SERRA, Anotao ao Acrdo do STJ de 7 de Maro de

    1967, 1968, p. 343.

    Contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover, de modo imparcial, a

    aproximao de duas ou mais pessoas, com vista celebrao de certo negcio,

    mediante retribuio. LACERDA BARATA, Contrato de mediao, 2002, p. 192.

    Contrato pelo qual uma das partes (o mediador) se obriga, mediante

    remunerao, a promover negociaes ou a indicar a contraparte para a

    formao de um contrato que a outra parte no contrato de mediao (o cliente)

    pretende celebrar. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Contratos, II, 2007, p. 203.

    Contrato inominado, nos termos do qual uma das partes fica obrigada a procurar

    um interessado para certo negcio e a p-lo em contacto com a sua contraparte,

    podendo intervir ou no na fase de concluso do negcio. ANA PRATA, Dicionrio jurdico, 2008, p. 380.

    Contrato pelo qual uma parte o mediador se vincula para com a outra o

    comitente ou solicitante a, de modo independente e mediante retribuio,

    preparar e estabelecer uma relao de negociao entre este ltimo e terceiros

    os solicitados com vista eventual concluso definitiva de negcio jurdico.

  • 16

    JOS ENGRCIA ANTUNES, Direito dos contratos comerciais,

    2009, p. 458.

    Caracteriza-se pela intermediao entre o comprador e o vendedor, ou entre as

    partes num outro negcio que no a compra e venda, em que o intermedirio o

    mediador aproxima as partes no negcio, pe-nas em presena, por vezes at

    intervm na negociao para o promover, mas no participa no negcio. PAIS DE VASCONCELOS, Direito Comercial, I, 2011, p. 197.

    A mediao costuma ser definida como um contrato pelo qual uma das partes se

    obriga a promover a aproximao de duas ou mais pessoas, com vista

    concluso de determinado negcio entre elas, mediante remunerao. MARIA DE FTIMA RIBEIRO, O contrato de mediao e o

    direito do mediador remunerao, 2013, p. 78.

    Por si s, nenhum destes enunciados suficiente para caracterizar o contrato de

    mediao como tipo distinto de todos os demais, pois nenhum deles permite

    fundamentar a sua autonomia face a contratos afins, nomeadamente perante o de

    agncia ou o de simples prestao de servio.

    Colocando como hiptese a bondade dessa autonomia, delimito o objeto da

    dissertao como um contrato pelo qual uma pessoa se obriga a pagar a outra uma

    remunerao se estoutra lhe conseguir interessado para certo contrato e se a primeira

    vier a celebrar o desejado contrato como consequncia da atividade da segunda. O

    enfoque ser posto nas atribuies principais das partes, quer se trate de prestaes

    principais, quer de outros comportamentos contratuais no obrigatrios mas sem os

    quais no nasce o direito prestao principal da contraparte. De fora, sem prejuzo de

    consideraes marginais, ficam os deveres laterais no mbito da relao entre as partes,

    bem como as relaes entre qualquer delas e os terceiros potenciais interessados ou os

    efetivamente angariados.

    Proponho-me comprovar duas proposies. Primeiro e principalmente, que a

    expresso contrato de mediao utilizada para referir um modelo contratual ao qual as

    pessoas recorrem com frequncia no comrcio do nosso e de outros ordenamentos

    contemporneos, dotado das seguintes notas: possibilidade de o contrato no incluir

    uma vinculao do mediador a uma obrigao em sentido estrito; nascimento do direito

    remunerao na dependncia de um evento que no controlvel pelo mediador e que

    est dependente das vontades do cliente e de um terceiro; nexo causal entre a atividade

    de mediao e o evento de que depende o nascimento do direito remunerao.

    Segundo, que a introduo neste modelo de uma clusula de exclusividade altera a

    estrutura contratual nos trs referidos aspetos.

  • 17

    Para a demonstrao destas ainda hipotticas asseres confluem as trs partes da

    dissertao, nas quais momentos essencialmente descritivos, como os atinentes

    evoluo histrica e dogmtica do instituto em pases prximos, alternam com outros

    eminentemente analticos, como os que concernem dissecao das atribuies das

    partes no direito portugus, sntese comparativa e ao confronto com institutos afins.

    Na primeira parte procedo delimitao do contrato de mediao no campo mais

    vasto da intermediao e intento a descoberta do seu surgimento no fio da histria.

    Sabendo que expresso amide atribuda uma mais lata aceo, inclusive por

    influncia legislativa, fao a contextualizao do contrato de mediao entre os

    contratos com funo de intermediao e percorro as principais atividades de

    intermediao reguladas em Portugal (captulo 2). Em seguida, procuro, com recurso a

    fontes histricas (principalmente compilaes de preceitos jurdicos e, na histria mais

    prxima, cdigos e decises dos tribunais) os antecedentes do instituto e o momento em

    que emerge a sua atual configurao (captulo 3).

    Na segunda parte, com o objeto devidamente circunscrito, desenvolvo um estudo

    de direito comparado, analisando o instituto funcionalmente equivalente em seis

    ordenamentos, com os quais o nosso mantm francas afinidades e relaes jurdicas no

    plano do direito positivo e/ou do trfego comercial (captulo 4). A anlise que fao do

    contrato no nosso ordenamento necessariamente mais aprofundada (captulo 5). No

    entanto, a investigao paritria est garantida pelo estudo, nos vrios sistemas, do

    mesmo conjunto de questes, baseado em fontes originrias, lidas luz das doutrinas

    locais e dos parmetros interpretativos de cada lugar. Termino com uma sntese

    comparativa (captulo 6).

    Ainda na segunda parte, efetuo o confronto do contrato de mediao com

    contratos cuja proximidade tem, pontual mas justificadamente, conduzido a dvidas na

    soluo jurdica de casos sociais (captulo 7).

    A terceira parte dedicada ao contrato de mediao imobiliria, como espcie

    mais frequente e paradigmtica do contrato objeto da dissertao, alm de nica que no

    ordenamento portugus dotada de um regime legal (captulo 8).

    Finalizarei com as concluses gerais que validam as hipteses inicialmente

    colocadas.

  • PARTE I DELIMITAO E CONTEXTUALIZAO DO TEMA

    1. Mediao e intermediao

    Mesmo cingindo-nos ao domnio dos contratos, o termo mediao anda associado

    a vrias realidades que, por vezes, extravasam o modelo contratual objeto desta

    dissertao. Deparamo-nos ocasionalmente com a utilizao da expresso contrato de

    mediao num sentido lasso, de contrato que desempenha uma funo de

    intermediao, que aproxima pessoas com necessidades complementares,

    nomeadamente de oferta e de procura de bens ou servios, independentemente de todas

    as demais caractersticas de que se revista. Este sentido frouxo, esbatido, e tambm

    abrangente, propiciado pela existncia de diplomas legais que regulam atividades que

    designam por mediao ou intermediao e que se desenvolvem atravs de diferentes

    modelos contratuais, aos quais correspondem regimes jurdicos diferenciados

    (desenvolvimento no captulo 2). No curso da Histria, a corretagem foi uma atividade

    mercantil que podia ter na sua base contratos em que o corretor se limitava

    aproximao de partes num futuro contrato no qual no intervinha, mas tambm

    contratos de comisso e outras prestaes de servios (desenvolvimento no captulo 3).

    Tendo em considerao a diversidade de modelos contratuais que esto na base de

    atividades legislativamente designadas por mediao ou intermediao, o ttulo

    contrato de mediao poderia adaptar-se a um estudo abrangente de vrios modelos

    contratuais acoplados em torno de uma funo de intermediao, de aproximao de

    partes com vista a outro contrato, mas sem mais requisitos individualizadores (sendo

    indiferente, nomeadamente, se o contrato visado celebrado com ou sem interveno do

    intermedirio, se este vai ou no intervir como representante do cliente, se a relao

    entre intermedirio e cliente tem carter ocasional ou estvel, se a remunerao vai ou

    no depender de uma ocorrncia a que alheia a vontade do mediador e que depende,

    pelo menos em parte, da vontade do seu cliente, etc.).

    No esse o caso do presente estudo.

    Para o conjunto dos contratos em que uma das partes desenvolve uma atividade

    com vista celebrao de um contrato em que no parte ou em que apenas o ser por

    conta alheia, reservo a expresso contratos de intermediao.

  • 20

    Esta expresso de uso frequente no registo jurdico seja em instrumentos

    internacionais, europeus ou nacionais, seja em decises dos tribunais, seja em textos da

    doutrina , ainda que, em alguns casos, de modo indireto ou implcito, sendo a

    referncia direta ou explcita efetuada atividade de intermediao ou ao agente

    intermedirio. Nem sempre a expresso contratos de intermediao utilizada com a

    mesma amplitude ou com o mesmo sentido, mas sempre o seu significado passa por

    uma maior abrangncia relativamente ao contrato de mediao e, concomitantemente,

    pela incluso deste.

    Lembro texto de JANURIO GOMES segundo o qual so intermedirios todas as

    entidades, singulares ou coletivas que se interpem no percurso do bem, entre a sada do

    produto e a sua aquisio para consumo direto1. No mesmo texto, conclui que entre

    essas entidades podemos encontrar, nomeadamente, os representantes, os

    concessionrios, os comissrios, os agentes e subagentes, os mediadores, os

    distribuidores, os mandatrios, etc.2.

    Estamos aqui perante um conceito muito amplo, no qual o intermedirio pode ser

    um auxiliar da contratao sem interveno no contrato visado, mas pode ser tambm

    um contraente por conta de outrem (com ou sem poderes representativos), ou mesmo,

    ainda, algum que contrata por sua prpria conta, inserido num circuito de distribuio.

    Neste sentido, qualquer sujeito da cadeia de distribuio de bens ou servios um

    intermedirio. Apenas o produtor e o consumidor so afastados do conceito.

    Ora, a qualificao como contratos de intermediao dos contratos prprios das

    atividades dos intermedirios, neste sentido amplo, desprovida de interesse jurdico,

    pois nenhuma regra comum caracteriza especificamente os contratos desse conjunto. Ou

    seja, se sob a designao contratos de intermediao incluirmos o contrato de

    mediao, o mandato, a comisso, a agncia, a franquia, a concesso, o fornecimento, a

    simples compra e venda, etc., no logramos encontrar uma regra simultaneamente

    comum e exclusiva de todos estes contratos.

    Partindo desta constatao, NICOLAS DISSAUX prope, em tese de doutoramento

    dirigida ao tema, a restrio da qualificao de intermedirio pessoa que desenvolve a

    atividade de intermedirio em vista de um contrato a concluir, podendo intervir na sua

    1 JANURIO GOMES, Da qualidade de comerciante do agente comercial, p. 18.

    2 JANURIO GOMES, Da qualidade de comerciante do agente comercial, p. 19.

  • 21

    celebrao por conta do cliente, defendendo que aos contratos do conjunto assim

    definido corresponde um regime prprio3.

    Esta delimitao parece-me profcua at porque vai ao encontro de concees

    implcitas em vrios textos, nomeadamente, no da Conveno sobre a Lei Aplicvel aos

    Contratos de Mediao e Representao, concluda em Haia, a 14 de maro de 1978,

    aprovada no nosso pas pelo Decreto 101/79, de 18 de setembro, e vigente desde 1992.

    Como afirmado no seu art. 1., a Conveno determina a lei aplicvel s relaes de

    carter internacional que se estabelecem quando uma pessoa, o intermedirio, tem o

    poder de agir, age ou pretende agir junto de um terceiro, por conta de outrem, o

    representado, sendo, no entanto, extensiva atividade do intermedirio que consista

    em receber e em comunicar propostas ou em efetuar negociaes por conta de outras

    pessoas, e aplica-se quer o intermedirio atue em nome prprio ou em nome do

    representado quer a sua atividade seja habitual ou ocasional. Intermedirio para efeitos

    da Conveno , portanto, algum que age por conta de outrem junto de um terceiro,

    tenha ou no poderes de representao, quer a sua atividade se limite fase pr-

    contratual, quer inclua a celebrao do contrato, e quer, ainda, se trate de atividade

    habitual ou ocasional. Incluem-se, assim, representantes, mandatrios sem

    representao, comissrios, mediadores, gestores de negcios; ficam de fora sujeitos

    3 NICOLAS DISSAUX, La qualification dintermdiaire dans les relations contractuelles. Partindo

    da ambiguidade e polissemia da palavra intermedirio, mas constatando simultaneamente o seu

    frequente uso no discurso jurdico, o Autor prope-se averiguar se a qualificao como intermedirio

    constitui uma categoria jurdica, ou seja, se suscetvel de fundar um regime especfico. Encontra trs

    acees para o termo. Num sentido econmico, intermedirio qualquer sujeito que se interpe entre

    outros dois, numa etapa da circulao do bem ou servio. Num sentido jurdico, intermedirio quem se

    interpe tendo em vista a concluso de um contrato, ou num contrato j celebrado (neste ltimo caso, o

    cedente ou o subcontratante). A hiptese de trabalho do Autor (pp. 19-27) a de que seuls les

    intermdiaires dont lactivit porte sur un contrat conclure le contrat principal sont donc

    susceptibles de constituer une vritable catgorie juridique (p. 26). Exclui que os demais sentidos

    comportem um regime especfico (pp. 27-90), observa a consagrao legislativa e jurisprudencial do

    conceito (pp. 91 a 168), desvela traos inerentes proposta qualificao como intermedirio (pp. 169-

    326) e consequncias (um regime jurdico prprio) dessa qualificao (pp. 327-587). A maior

    originalidade da tese est na simultnea considerao do intermedirio como parte, no processo de

    concluso do contrato, e como terceiro, face aos efeitos contratuais (pp. 169-326). Claro que, para tanto,

    tem de renovar os conceitos de parte e de terceiro, restringindo o primeiro ao agente que participa no

    processo de concluso de um contrato (mesmo que os efeitos do contrato no se produzam na sua esfera

    jurdica e que no suporte os custos e benefcios desse contrato). Uma abordagem resumida do problema

    pode ler-se no artigo do mesmo Autor, La notion dintermdiaire dans les relations contractuelles, pp.

    119-32.

  • 22

    que agem por conta prpria como concessionrios, franquiados e outros distribuidores

    , e que, de acordo com outras concees, tambm so considerados intermedirios4.

    Para o desenvolvimento do trabalho que me proponho no se torna necessrio

    tomar posio sobre se a designao contratos de intermediao tem um alcance

    meramente descritivo ou se, mais que isso, tem tambm uma funo normativa, dela

    decorrendo um regime prprio dos contratos que abarca.

    Independentemente da sua natureza e, mesmo, da sua amplitude (tendo presentes

    as alternativas que tm sido consideradas), sempre a designao serve para dar nome a

    um conjunto de contratos entre os quais se encontra o contrato de mediao, a par de

    mandatos, comisses e agncias.

    4 Sobre o mbito de aplicao da Conveno, MARIA HELENA BRITO, O contrato de concesso

    comercial, pp. 122-3 e 125-6, e, da mesma Autora, A representao nos contratos internacionais, p.

    391-7.

  • 23

    2. Atividades de intermediao na lei portuguesa e modelos

    contratuais que as suportam

    Apesar de no existir uma definio legal que contemple o contrato de mediao,

    em geral, nem um regime jurdico que o vise, certo que vigoram vrios diplomas que

    regulam diferentes atividades que designam por mediao e por intermediao.

    Importa perceber se esses diplomas preveem e regulam os contratos que suportam

    as respetivas atividades, ou se, pelo contrrio, se limitam a regular aspetos dessas

    atividades alheios aos contratos que as legitimam. Na primeira hiptese, impe-se

    determinar se estamos em presena tipos j consagrados, se perante novos tipos

    contratuais, e, em qualquer dos casos, que tipos. Na segunda, interessa ainda assim

    tentar perceber com base em que modelos contratuais legalmente atpicos se

    desenvolvem as atividades.

    Desta maneira, pretendo identificar tipos legais de contratos de mediao e

    atividades reguladas que se desenvolvam normalmente com base em contratos de

    mediao, legalmente atpicos.

    Essa identificao permitir delimitar o universo dos contratos de mediao dos

    universos de outros contratos de diferentes caractersticas, ainda que a prtica ou a lei

    tambm tenham dado s atividades respetivas a designao de actividade de mediao.

    2.1 Mediao de seguros

    2.1.1 Mediao de seguros na legislao portuguesa

    Em Portugal, designa-se por mediao de seguros o conjunto das atividades de

    preparao, celebrao ou execuo de um contrato de seguro, levadas a cabo por via de

    distribuio indireta, ou seja, por pessoas que no se qualificam como seguradoras. A

    expresso foi legalmente consagrada em 1979, pelo primeiro diploma que regulou a

    atividade, e manteve-se desde ento5. Na doutrina h quem a restrinja atividade

    exercida por pessoa com a qualidade de mediador de seguros, designando por

    intermediao de seguros a atividade de mediao de seguros em geral, quer seja

    5 V. art. 1., n.s 1 e 2, do DL 145/79, de 23 de maio; art. 1., n.s 1 e 2, do DL 336/85, de 21 de

    agosto, que sucedeu ao anteriormente referido; art. 2. do diploma seguinte o DL 388/91, de 10 de

    outubro; finalmente, art. 5., c), do vigente DL 144/2006, de 31 de julho. Descrio da evoluo

    legislativa pode ler-se em MENEZES CORDEIRO, Direito dos seguros, pp. 398-401.

  • 24

    exercida no mbito do diploma regulador da atividade, quer fora dele6. Em pases que

    nos so prximos, o mediador de seguros corresponde ao nosso corretor de seguros,

    utilizando-se a expresso intermedirio de seguros para abarcar as vrias categorias de

    profissionais do ramo7.

    De momento, interessa-nos perceber se na regulao da atividade de mediao de

    seguros se descortina algum tipo legal de contrato e, na positiva, se ele se assemelha ao

    tipo social identificado como contrato de mediao.

    Em regra, o legislador faz acompanhar os regimes contratuais de definies nas

    quais descreve as caractersticas de cada tipo com o objetivo de facilitar a identificao

    dos casos concretos a que se aplicar o conjunto de regras que compem a disciplina

    tpica8. No diploma que regula a atividade de mediao de seguros, porm, no foi

    usada tal tcnica. O DL 144/2006, de 31 de julho (alterado pelo DL 359/2007, de 2 de

    novembro, e pela Lei 46/2011, de 24 de junho), de ora em diante RJAMS, e nisso no

    diverge dos que o precederam, trata a mediao de seguros do ponto de vista da

    atividade desenvolvida e no a partir dos seus suportes contratuais. No se vislumbram

    no diploma quaisquer definies que encerrem as caractersticas dos tipos

    correspondentes aos eventuais regimes contratuais que ali se possam encontrar.

    A falta de definies pelas quais o legislador costuma redefinir9 as caractersticas

    dos tipos que entende regular tende a dificultar, quer a tarefa casustica de fazer

    6 Assim PAULA RIBEIRO ALVES, Intermediao de seguros, pp. 33-7; SHEILA CAMOESAS,

    Mediao de seguros, pp. 22-3; LUS POAS, Aspectos da mediao de seguros, pp. 120-1. 7 A verso portuguesa da Diretiva 2002/92/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de

    dezembro, relativa mediao de seguros, usa os termos mediao e mediador, com duas nicas

    excees, em que surge a palavra intermedirio: no considerando 11 como claro sinnimo de mediador; e

    no final do art. 1. com referncia a pessoas que exercem a atividade fora do domnio de aplicao da

    diretiva. Na verso francesa so usados os termos intermdiation e intermediaire. A palavra courtier (que,

    em geral, se traduz por mediador) utilizada apenas quatro vezes, todas nos considerandos, por

    contraposio ao agente de seguros, para designar o corretor de seguros. Semelhante a situao na

    verso italiana: so usados os termos intermediazione e intermediario. A palavra mediator utilizada

    apenas aquelas quatro vezes para referir os corretores de seguros. Na verso espanhola, embora se refira

    mediacin, j o agente da atividade sempre referido por intermediario. O corredor, traduzido por

    mediador, apenas utilizado no j referido local, para designar os corretores de seguros. Na verso alem

    so usados os termos Vermittlung e Vermittler para o conjunto da atividade ou dos mediadores de

    seguros. A palavra Versicherungsmakler utilizada apenas para o corretor de seguros. Os agentes de

    seguros so Versicherungsagenten, terminologia adotada tambm na lei austraca, usando para estes a lei

    alem o termo Versicherungsvertreter. Tendo a pensar que a opo da verso portuguesa da diretiva pela

    palavra mediador em vez de intermedirio vem ao encontro de uma tradio que se quis manter, mas que

    no ajuda ao esclarecimento das funes dos mediadores de seguros e dos instrumentos contratuais que as

    suportam. 8 Sobre o sentido e o valor das definies legais, RUI PINTO DUARTE, Tipicidade e atipicidade dos

    contratos, pp. 71-9; PAIS DE VASCONCELOS, Contratos atpicos, pp. 168-79. 9 A expresso redefinio (ou definio explicativa) foi usada por ANDREA BELVEDERE, Il

    problema delle definizioni nel codice civile, para transmitir a ideia de que o legislador no cria a definio

  • 25

    corresponder uma ocorrncia contratual concreta ao seu modelo regulativo tpico, quer a

    tarefa de identificao genrica de um tipo contratual legal num dado quadro legislativo.

    Tal falta no , porm, impeditiva do reconhecimento de tipos legais, pois estes so,

    antes do mais, conjuntos de normas destinadas a serem aplicadas a dados contratos

    cujas caractersticas podem estar previstas de vrias formas10

    . Nomeadamente, podem

    estar descritas sem designao e/ou disseminadas por diferentes disposies legais.

    Eventualmente, se o contrato regulado corresponder a uma prtica social muito

    consolidada e genericamente reconhecida por um dado nome, poder bastar a indicao

    deste.

    Entremos no diploma. A mediao de seguros definida como qualquer

    atividade que consista em apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar outro

    ato preparatrio da sua celebrao, em celebrar o contrato de seguro, ou em apoiar a

    gesto e execuo desse contrato (art. 5., c), do RJAMS, ao qual pertencem todas as

    disposies indicadas em 2.1.1 e 2.1.2 sem indicao de outra provenincia)11

    . Esta

    noo no fica completa sem a delimitao negativa inserta no art. 3., n. 1, a), que

    exclui as atividades assimilveis a mediao de seguros quando exercidas pela prpria

    empresa de seguros (ou seu trabalhador subordinado), no que aos seus prprios produtos

    respeita.

    Na transcrita definio legal, esto presentes trs espcies de atividades distintas

    que, curiosamente, correspondem a trs fases sucessivas da linha temporal dos

    contratos: negociao, celebrao e execuo.

    Mediador de seguros, por seu turno, qualquer pessoa singular ou coletiva que

    inicie ou exera, mediante remunerao, a atividade de mediao de seguros (art. 5.,

    e)). Distinguem-se trs categorias de mediadores: mediadores de seguros ligados,

    agentes de seguros e corretores de seguros (art. 8., a), b) e c), respetivamente).

    legal ex nihilo, no determina um significado prescindindo dos significados j em uso, antes a compe a

    partir do significado lexical da palavra definida (ou de um deles), para a tornar menos vaga ou ambgua,

    com o fim de delimitar os casos a que se aplicam determinadas estatuies (pp. 67-71). 10

    Sobre os modos de previso legal dos contratos, RUI PINTO DUARTE, Tipicidade, pp. 66-71.

    Tambm PAIS DE VASCONCELOS, Contratos atpicos, maxime pp. 90-1. 11

    O que for dito para a mediao de seguros vale mutatis mutandis para a mediao de resseguros

    tendo em considerao: a) as noes paralelas de mediao de seguros e de mediador de seguros, por um

    lado, e de mediao de resseguros e de mediador de resseguros, por outro (confrontem-se as alneas c) e

    e) com alneas d) e f) do mesmo art. 5.); b) o facto de, artigo a artigo, as referncias ao mediador de

    seguros serem normalmente acompanhadas de referncias ao mediador de resseguros; c) as remisses dos

    artigos 21 e 36.

  • 26

    Qualquer deles pode dedicar-se a qualquer das espcies de atividades de mediao de

    seguros e estas podem surgir cumuladas ou isoladas numa relao contratual.

    Nos arts. 28 a 34 so elencados direitos e deveres do mediador de seguros, sem

    excluir qualquer das categorias de mediadores. Entre eles destaco, por terem relevncia

    para perceber a relao contratual que o mediador estabelece com a seguradora: o

    direito de receber atempadamente das empresas de seguros as remuneraes respeitantes

    aos contratos da sua carteira cujos prmios no esteja autorizado a cobrar (art. 28, c)), e

    o direito de descontar, aquando da prestao de contas, as remuneraes relativas aos

    prmios cuja cobrana tenha, com autorizao, efetuado (art. 28, d)); o dever de celebrar

    contratos em nome da empresa de seguros quando esta lhe tenha conferido os poderes

    necessrios (art. 29, a)); o dever de prestar contas empresa de seguros nos termos legal

    e contratualmente estabelecidos (art. 30, c)).

    Os mediadores de seguros ligados exercem a atividade sob responsabilidade de

    uma ou mais empresas de seguros e no podem receber prmios ou somas destinados

    aos tomadores de seguros, segurados ou beneficirios. Dividem-se em duas

    subcategorias: i) os que agem apenas em nome e por conta de uma empresa de seguros

    ou, com autorizao desta, de vrias empresas de seguros; ii) os que exercem a

    mediao de seguros em complemento da sua atividade profissional, quando o seguro

    acessrio do bem ou servio fornecido no mbito da atividade principal.

    Na primeira subcategoria inscrevem-se, entre outros, os angariadores de seguros

    do revogado DL 388/91, de 10 de outubro, os quais foram oficiosamente integrados na

    categoria do mediador de seguros ligado art. 101, n. 5, do RJAMS12

    . O angariador

    era um trabalhador vinculado a uma seguradora ou a um corretor por contrato de

    trabalho ou j reformado (maxime, arts. 30, n. 1, 31, n.s 1 e 3, e 35, n.s 1 e 4, do DL

    388/91), embora a atividade de angariao fosse exercida no mbito de um contrato

    paralelo ou acessrio ao seu contrato de trabalho, quando ainda vigente (isto resultava

    dos arts. 34 e 35 do DL 388/91). O mediador ligado previsto na subalnea i) da alnea a)

    do art. 8. do RJAMS no necessariamente um trabalhador dependente: o atual

    diploma no o explicita e os mediadores, sem exceo, podem ser pessoas coletivas. A

    ser trabalhador dependente (de uma seguradora), a atividade de mediador de seguros

    12

    VICENTE MENDES GODINHO, Balano da implementao do novo regime jurdico da mediao

    de seguros, p. 48.

  • 27

    ligado far-se- igualmente ao abrigo de um contrato diferente do contrato de trabalho

    (art. 3., n. 1, a), a contrario sensu).

    A segunda subcategoria serviu para integrar entidades que anteriormente

    intermediavam a comercializao de seguros fora das categorias de mediadores de

    seguros, como bancos, sociedades financeiras e CTT, e que, por imposio da Diretiva

    2002/92/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de dezembro, que o DL

    144/2006 transps, passaram a estar sob a alada do quadro legal da mediao de

    seguros13

    . Tambm nestes casos, e embora a subalnea ii) no o expresse, o mediador

    age em nome e por conta da empresa de seguros14

    .

    Os agentes de seguros exercem a atividade em nome e por conta de uma ou mais

    empresas de seguros, ou de outro mediador de seguros, nos termos dos contratos que

    celebrem com essas entidades.

    O acesso categoria de mediador de seguros ligado e o acesso categoria de

    agente de seguros passam pela celebrao de um contrato escrito com a seguradora, no

    qual, no caso do mediador de seguros ligado, a empresa de seguros assume

    responsabilidade pela atividade do mediador; a cessao dos contratos celebrados entre

    a empresa de seguros, por um lado, e o mediador ligado ou o agente de seguros, por

    outro, pode dar lugar a indemnizao de clientela, verificados que estejam determinados

    requisitos semelhantes aos exigidos no regime geral do contrato de agncia (art. 45)15

    ;

    os demais contedos mnimos desses contratos so definidos em norma regulamentar do

    Instituto de Seguros de Portugal (arts. 15 e 17)16

    . A norma regulamentar vigente, em

    13

    Com a regulamentao da mediao de seguros operada pelo DL 144/2006, como decorrncia

    da diretiva e do correspondente imperativo de profissionalizao e de garantia de condies idnticas

    generalidade dos operadores, toda e qualquer atividade que consista em apresentar ou propor um contrato

    de seguro ou de resseguro, praticar outro ato preparatrio da sua celebrao, celebrar esses contratos ou

    apoiar a sua gesto e execuo, independentemente do canal de distribuio incluindo os operadores de

    banca-seguros , passa a estar sujeita s condies de acesso e de exerccio estabelecidas neste decreto-

    lei prembulo do DL 144/2006. Podemos dizer que, dada a vocao hegemnica do atual regime,

    pretendida na diretiva por ele transposta, a possibilidade de mediao de seguros lcita fora da alada do

    diploma est limitada s situaes residuais previstas no art. 3.. 14

    Neste sentido, JOS VASQUES, Novo regime jurdico da mediao de seguros, p. 26. 15

    Cfr.art. 33 do regime jurdico do contrato de agncia (DL 178/86, de 3 de julho, atualizado pelo

    DL 118/93, de 13 de abril). 16

    A definio daqueles contedos mnimos consta dos arts. 4. e 8. da Norma n. 17/2006-R, de

    29/12, alterada pelas Normas n.s 19/2007-R, de 31 de dezembro, 17/2008-R, de 23 de dezembro, e

    23/2010-R, de 16 de dezembro:

    Artigo 4.

    Contedo mnimo do contrato de mediador de seguros ligado

    1 - O contedo mnimo do contrato previsto no n. 1 do artigo 15. do Decreto-Lei n. 144/2006, de

    31 de julho, o seguinte:

    a) Identificao das partes;

  • 28

    explicitao do art. 29 do RJAMS, estabelece que estes contratos devem referenciar a

    outorga, ou no, de poderes para celebrar contratos de seguro em nome da empresa de

    seguros; devem clausular o perodo de vigncia e o mbito territorial do contrato; e, no

    caso do agente de seguros, devem tambm referir a outorga, ou no, de poderes de

    cobrana e/ou de regularizao de sinistros e o modo de prestao de contas.

    Finalmente, os corretores de seguros. Exercem a atividade de forma independente

    face s empresas de seguros, baseando-a numa anlise imparcial de um nmero

    suficiente de contratos de seguro disponveis no mercado que lhes permita aconselhar o

    cliente. O diploma nada dispe sobre os contratos com base nos quais o corretor de

    seguros desenvolve a atividade.

    b) Ramos e modalidades, ou produtos a intermediar pelo mediador no mbito do contrato;

    c) Autorizao, ou no, para o mediador exercer a atividade em nome e por conta de outras

    empresas de seguros;

    d) Referncia outorga, ou no, de poderes para celebrar contratos de seguro em nome da empresa

    de seguros;

    e) Montante, forma de clculo e de atualizao da remunerao;

    f) Regras relativas indemnizao de clientela;

    g) Perodo de vigncia e mbito territorial do contrato.

    2 - Em caso de mudana de categoria do mediador que no determine a impossibilidade de prestar

    assistncia aos contratos, se as partes pretenderem que os contratos de seguro integrantes da respetiva

    carteira passem a diretos, esse facto deve estar previsto no contrato.

    3 - Quaisquer alteraes posteriores ao contrato acordadas pelas partes so vlidas desde que

    consignadas por escrito.

    Artigo 8.

    Contedo mnimo do contrato de agente de seguros

    1 - O contedo mnimo do contrato previsto na alnea a) do n. 1 do artigo 17. do Decreto-Lei n.

    144/2006, de 31 de julho, o seguinte:

    a) Identificao das partes;

    b) Ramos e modalidades ou produtos, a intermediar pelo agente de seguros no mbito do contrato;

    c) Delimitao dos termos do exerccio, incluindo, designadamente, a existncia ou no de

    vnculos de exclusividade;

    d) Possibilidade, ou no, do agente de seguros colaborar com outros mediadores de seguros;

    e) Referncia outorga, ou no, de poderes para celebrar contratos de seguro em nome da empresa

    de seguros;

    f) Referncia outorga, ou no, de poderes de cobrana e/ou de regularizao de sinistros e modo

    de prestao de contas;

    g) Montante, forma de clculo e de atualizao da remunerao;

    h) Regras relativas indemnizao de clientela;

    i) Perodo de vigncia e mbito territorial do contrato.

    2 - Em caso de mudana de categoria do mediador que no determine a impossibilidade de prestar

    assistncia aos contratos, se as partes pretenderem que os contratos de seguro integrantes da respetiva

    carteira passem a diretos, esse facto deve estar previsto no contrato.

    3 - Quaisquer alteraes posteriores ao contrato acordadas pelas partes so vlidas, desde que

    consignadas por escrito.

  • 29

    2.1.2 Modelos contratuais que suportam as atividades de mediao de

    seguros

    Tendo percorrido as normas que respeitam s relaes entre os vrios mediadores

    e as seguradoras, as comuns e as prprias de cada uma das categorias de mediadores,

    vejamos se elas so suficientes para caracterizar os, ou algum dos, contratos que esto

    na gnese dessas relaes. Como sabido, as caractersticas individualizadoras, ou

    ndices do tipo, que permitem que um contrato concreto se inscreva num tipo contratual

    e no noutro, variam. As enumeraes genricas dos aspetos que devem estar descritos

    para que o tipo esteja suficientemente identificado so apenas indicativas, sendo certos

    aspetos mais importantes nuns tipos que noutros, estando uns presentes na identificao

    de uns tipos e outros na identificao de outros17

    . No caso que ora nos detm, as regras

    referentes aos contratos a celebrar entre agentes de seguros e mediadores de seguros

    ligados, por um lado, e seguradoras, por outro, so bastante pormenorizadas sobre as

    seguintes caractersticas: a qualidade das partes (de um dos lados destes contratos esto

    pessoas com especiais qualidades, administrativamente reconhecidas, de empresa de

    seguros, como decorre da conjugao dos arts. 15 e 17 do RJAMS com as condies e

    os procedimentos impostos pelo DL 94-B/98, de 17 de abril, sobre o regime de acesso e

    de exerccio da atividade seguradora); a funo socioeconmica do contrato (facilitar a

    celebrao e/ou a gesto de contratos de seguro, presente nas normas que descrevem as

    atividades dos mediadores); o objeto mediato (atividade mediadora prevista no art. 5.,

    c), do RJAMS); a remunerao do mediador (arts. 5., e), e 28, c) e d), do RJAMS); a

    execuo continuada (j usual nos contratos dos agentes de seguros e dos anteriores

    angariadores, e agora expressa nos arts. 4., n. 1, g), e 8., n. 1, i), da Norma do ISP n.

    17/2006-R).

    Os aspetos enunciados parecem suficientes para caracterizar os contratos

    utilizveis pelos agentes de seguros e pelos mediadores de seguros ligados, nas suas

    relaes com as seguradoras.

    Os efeitos que o legislador instituiu como tpicos destes contratos e que constam

    principalmente, dos artigos 8., 28 a 30, 44 e 45 do RJAMS embora nem todos os

    itens destes artigos respeitem a efeitos contratuais afiguram-se tambm

    suficientemente completos para serem olhados como regimes jurdicos prprios. Entre

    17

    Sobre as qualidades ou caractersticas individualizadoras dos tipos, RUI PINTO DUARTE,

    Tipicidade, maxime pp. 66-71; M. DEL CARMEN GETE-ALONSO Y CALERA, Estudios sobre el contrato,

    pp. 64-74; e PAIS DE VASCONCELOS, Contratos atpicos, pp. 113-60.

  • 30

    eles destaco o regime da cessao do contrato, muito semelhante ao regime de cessao

    especfico do contrato de agncia, o qual se justifica por caractersticas prprias deste

    tipo contratual, nomeadamente pela intensidade da relao duradoura e pela repercusso

    positiva da atividade do agente na clientela do principal. Nomeadamente, lembro que a

    cessao dos contratos celebrados entre a empresa de seguros, por um lado, e o

    mediador ligado ou o agente de seguros, por outro, pode dar lugar a indemnizao de

    clientela, verificados que estejam determinados requisitos semelhantes aos exigidos no

    regime geral do contrato de agncia18

    . De recordar, ainda, o regime de responsabilidade

    da seguradora pelos atos do mediador (neste caso, de qualquer das trs categorias) que,

    sem poderes de representao conferidos por escrito, age com aparncia de os ter ,

    regime que se encontra expresso no art. 30 do DL 72/2008, de 16 de abril (RJCS), e que

    idntico ao regime previsto nos artigos 22 e 23 do RCA19

    .

    O conjunto destas facetas (caracterizao e regime)20

    permite concluir pela

    tipicidade daqueles contratos. Os tipos em anlise (que servem as relaes entre agentes

    de seguros e seguradoras, e entre mediadores de seguros ligados e seguradoras) tm

    caractersticas muito parecidas. Fundamentalmente, apenas o grau de vinculao

    seguradora num caso mais forte pela maior responsabilidade daquela pela atuao do

    mediador , os distingue.

    18

    Compare-se o art. 33, n. 1, RCA, com o art. 45, n. 2, do RJAMS. Note-se que, apesar de os

    requisitos da atribuio de indemnizao de clientela serem semelhantes, o clculo desta muito mais

    favorvel ao agente de seguros e ao mediador de seguros ligado que ao agente do regime geral. Enquanto

    o art. 34 do RCA estabelece um teto para a indemnizao equivalente a uma indemnizao anual,

    calculada a partir da mdia anual das remuneraes recebidas pelo agente durante os ltimos cinco anos;

    o art. 45, n. 4, do RJAMS estabelece que a indemnizao ser, no mnimo, equivalente ao dobro da

    remunerao mdia anual do mediador nos ltimos cinco anos. Ou seja, no RJAMS, a indemnizao de

    clientela , no mnimo, correspondente ao dobro da indemnizao mxima permitida no regime geral. 19

    O art. 30 do RJCS estabelece que o contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em

    nome do segurador, celebre sem poderes especficos para o efeito ineficaz em relao a este, se no for

    por ele ratificado, sem prejuzo do disposto no n. 3 (n. 1); considerando-se ratificado se o segurador,

    logo que tenha conhecimento da sua celebrao e do contedo do mesmo, no manifestar ao tomador do

    seguro de boa f, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a respetiva oposio (n. 2).

    Estes dois nmeros repetem, grosso modo, o estatudo para a representao sem poderes no contrato de

    agncia (art. 22 do RCA, aprovado pelo DL 178/86, alterado pelo DL 118/93). O n. 3 do art. 30 do RJCS

    estabelece a eficcia do contrato de seguro celebrado pelo mediador em nome do segurador, mas sem

    poderes para tanto, se tiverem existido razes ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as

    circunstncias do caso, que justifiquem a confiana do tomador do seguro de boa f na legitimidade do

    mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribudo para fundar a confiana do

    tomador do seguro. Trata-se de disciplina idntica consagrada para o contrato de agncia, no art. 23 do

    RCA. Lembro que, antes da vigncia do RJCS, alguns autores defendiam a aplicao desta norma do

    contrato de agncia aos contratos de mediao de seguros (v. notas n.s 21 e 24), no sendo essa, porm, a

    prtica judiciria (v. 2.1.3). 20

    M. DEL CARMEN GETE-ALONSO Y CALERA, Estudios sobre el contrato, p. 44, designa-as por

    tipicidade de configurao e tipicidade de regulao.

  • 31

    Duas caractersticas daqueles tipos afastam-nos do contrato de mediao: o

    mediador ligado e o agente de seguros exercem atividade em nome e por conta da

    seguradora, podendo at celebrar contratos em nome dela se autorizados a tal; as

    relaes que mantm com a seguradora destinam-se a prolongar-se no tempo.

    Representao (jurdica) e estabilidade duas notas que tipicamente no constam do

    contrato de mediao.

    Vrios autores pronunciaram-se no sentido de estarmos em presena de contratos

    de agncia21

    ou de, pelo menos, no estarmos perante contratos de mediao22

    . Tambm

    me parece que a aproximao ao tpico contrato de agncia evidente23

    , pelo que tendo

    a dizer que os contratos que se estabelecem entre agentes de seguros ou mediadores

    ligados, de um lado, e seguradoras, do outro, so subtipos daquele contrato.

    21

    No sentido de os agentes de seguros e os mediadores ligados atuarem ao abrigo de contratos de

    agncia, MOITINHO DE ALMEIDA, O mediador na concluso e execuo do contrato de seguro, pp. 24-5

    e 29. Tambm LUS POAS, Aspectos da mediao de seguros, pp. 182-3: os traos tpicos do contrato

    de agncia promoo da celebrao de contratos, por conta de outrem, de modo autnomo e estvel, e

    mediante retribuio permitem a identificao da natureza jurdica do contrato de mediao de seguros,

    nas categorias mediador de seguros ligado e agente de seguros, com o contrato de agncia. Acresce que,

    como no contrato de agncia, estas duas categorias de mediao de seguros beneficiam igualmente do

    direito a uma indemnizao de clientela em caso de cessao do contrato, para alm de que normalmente

    as mesmas operam contratualmente pela atribuio de uma rea territorial definida. Na mesma linha,

    ainda que escrevendo apenas sobre o DL 388/91, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito dos seguros, p. 55:

    Sendo o mediador agente de seguros, alm do regime constante dos citados preceitos do Decreto-Lei n.

    388/91, aplicar-se- igualmente o regime jurdico do contrato de agncia (Decreto-Lei n. 178/86, de 3 de

    julho); mesmo no caso de se tratar de um corretor de seguros, as normas do Decreto-Lei n. 388/91

    devero ser completadas pelas do regime da agncia. Concretamente, importa atender ao facto de o

    mediador ter a representao (com ou sem poderes) da seguradora ou a aparncia de representao (arts.

    22. e 23. do Decreto-Lei n. 178/86) para efeitos de vinculao da seguradora por atos daquele. 22

    Assim, COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, I, p. 143, nota 117 entre os

    mediadores de seguros, somente o corretor de seguros merece a qualificao de mediador em sentido

    prprio. O mediador de seguros ligado e o agente de seguros vinculam-se a uma ou mais empresas

    seguradoras (v. os arts. 8., a) e b), 15.-18. do DL 144/2006); o mediador de seguros ligado pode,

    inclusive, ser trabalhador de empresa seguradora (arts. 14., 1, a), 32., 1, g)). Tambm a afastar a

    simples reconduo mediao, CARLOS LACERDA BARATA, Contrato de mediao, p. 218. Embora o

    faa ao abrigo da legislao anterior, mantm-se os pressupostos com base nos quais conclui: inegvel

    que no se trata de mediao pura e simples. Quer o agente, quer o angariador, quer o corretor de

    seguros, no se limitam a de modo imparcial aproximar contraentes, com vista celebrao de certo

    contrato de seguro. Acrescem outras prestaes. Em alguns casos, s por si, no incompatveis com a

    mediao; noutros, frontalmente inconciliveis com esta. Segundo o mesmo Autor, a aferio da

    natureza jurdica do contrato de mediao de seguros dever fazer-se na considerao isolada de cada

    uma das categorias, pois trata-se de uma figura hbrida com traos de mediao (apresentao e

    preparao de contratos), agncia com representao (celebrao de contratos) e prestao de servio

    (assistncia, regularizao de sinistros, consultadoria) p. 217. 23

    Nos termos do art. 1., n. 1, DL 178/86, de 3 de julho (atualizado pelo DL 118/93, de 13 de

    abril), agncia o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a

    celebrao de contratos, de modo autnomo e estvel e mediante retribuio, podendo ser-lhe atribuda

    certa zona ou determinado crculo de clientes. Podem, nos termos do n. 1 do art. 2., ser conferidos ao

    agente poderes para celebrar contratos em nome do principal.

  • 32

    No que respeita ao corretor de seguros, o diploma no impe uma relao

    contratual com as seguradoras nem contm regras que permitam tipificar as relaes

    contratuais do corretor, seja com as seguradoras, seja com os potenciais tomadores.

    Embora o corretor tenha como clientes bvios os tomadores dos seguros, a ocorrncia

    de uma relao contratual com as seguradoras no pode ser liminarmente afastada tendo

    presentes, nomeadamente, as possibilidades de autorizao de cobrana de prmios e de

    celebrao de contratos em nome da empresa de seguros, previstas nos arts. 28, d), e 29,

    a), do RJAMS24

    . Nestes casos, a relao de mandato ou dele se aproxima.

    Os contratos que regem as relaes entre corretores de seguros e tomadores, ou

    candidatos a tomador, tm sido entendidos como contratos de prestao de servio25

    ou

    como contratos de mediao26

    .

    Creio que mesmo os contratos entre os corretores e os tomadores ou potenciais

    tomadores tm caractersticas e produzem efeitos que os afastam do contrato de

    mediao na sua configurao mais frequente: o servio prestado pelo corretor ao

    cliente abrange, normalmente, a assistncia no decurso da vigncia do contrato de

    seguro; e a remunerao do corretor de seguros paga pela empresa seguradora e no

    pelo cliente.

    Para alm das supra indicadas anlises, alguns autores defendem a tipicidade do

    que designam por contrato de mediao de seguros, abrangente das vrias modalidades

    de atividades desenvolvidas por mediadores de seguros. Enrazam a ideia na definio

    legal das atividades de mediao de seguros e nas regras comuns que se lhes aplicam. J

    sobre o contedo atribudo ao designado tipo, sobre se a sua tipicidade legal ou

    meramente social, sobre se um tipo autnomo ou um subtipo do contrato de mediao

    geral, no existem consensos.

    24

    Neste sentido, MOITINHO DE ALMEIDA, O mediador, pp. 31 e 54 casos existem em que

    dispe de mandato desta para a prtica de certos atos (concesso de cobertura provisria, recebimento de

    prmios) (p. 54). Segundo o mesmo Autor, aplicar-se-o, ento, as normas sobre o contrato de agncia

    no que respeita responsabilidade da seguradora, mesmo que o mandato seja aparente: Com efeito, o

    disposto no art. 23. do DL n. 178/86 deve considerar-se como refletindo um princpio geral, aplicvel

    noutras situaes e, designadamente, para determinar se, em determinadas circunstncias, o corretor pode

    ser considerado como representante da seguradora (pp. 54-5). Tambm JOS VASQUES, Novo regime

    jurdico da mediao de seguros, pp. 64 e 68, lembra que os corretores podem atuar, quer por conta dos

    clientes-potenciais tomadores, quer por conta das empresas de seguros. A mesma ideia em PEDRO

    ROMANO MARTINEZ, Direito dos seguros, p. 55. 25

    MOITINHO DE ALMEIDA, O mediador, p. 30. 26

    COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, I, p. 143, nota 117; LUS POAS, Aspectos

    da mediao de seguros, pp. 179, 194 e 234.

  • 33

    JOS VASQUES define o contrato de mediao de seguros como aquele atravs

    do qual o mediador se obriga a, nos termos acordados com a empresa de seguros,

    apresentar ou propor um contrato de seguro ou praticar outro ato preparatrio da sua

    celebrao, em celebrar o contrato de seguro, ou em apoiar a gesto e execuo desse

    contrato, em especial em caso de sinistro, em nome e por conta da empresa de seguros

    ou de forma independente, mediante remunerao27

    . De acordo com esta definio,

    um dos sujeitos do contrato sempre uma empresa de seguros, nunca o tomador; o

    eventual contrato entre corretor e tomador no cabe na categoria. Segundo o mesmo

    Autor, o contrato em questo apresenta-se como legalmente tpico na medida em que a

    sua caracterizao pode ser, com relativa facilidade, retirada da lei28

    , sendo, no

    entanto, um subtipo do contrato de mediao geral29

    .

    SHEILA CAMOESAS tambm autonomiza o contrato de mediao de seguros,

    conferindo-lhe uma noo prxima da anteriormente referida, que apenas contempla a

    possibilidade de ter como sujeitos um mediador de seguros e uma empresa de seguros:

    negcio jurdico celebrado entre um mediador e uma empresa de seguros, atravs do

    qual o primeiro, sendo remunerado para o efeito, se obriga a promover a celebrao de

    contratos de seguro, a prestar-lhes assistncia durante a sua execuo ou mesmo a

    celebr-los, quando para tal estiver autorizado, podendo agir, ou no, em nome e por

    conta da empresa de seguros30

    . Perceciona-o tambm como modalidade da mediao

    geral31

    . Porm, ao contrrio de JOS VASQUES, entende-o como legalmente atpico,

    dotado de mera tipicidade social32

    .

    Em LUS POAS as vrias possibilidades de contratos suporte de atividades de

    mediao de seguros so tratadas como subtipos de um mesmo tipo. Identifica sob a

    designao contrato de mediao de seguros um tipo contratual, que tanto ser o

    celebrado entre o mediador de seguros ligado ou o agente de seguros, por um lado, e a

    seguradora, por outro, como o celebrado entre o corretor de seguros e o potencial

    27

    JOS VASQUES, Novo regime jurdico da mediao de seguros, p. 58. 28

    JOS VASQUES, Novo regime jurdico da mediao de seguros, p. 66. 29

    JOS VASQUES, Novo regime jurdico da mediao de seguros, p. 72. 30

    SHEILA CAMOESAS, Mediao de seguros, p. 55. 31

    SHEILA CAMOESAS, Mediao de seguros, p. 53: A mediao de seguros uma modalidade

    especial da mediao pura ou em sentido prprio, por conseguinte, a prpria noo de contrato de

    mediao de seguros encontra filiao na definio de contrato de mediao. Em idntico sentido,

    PAULA RIBEIRO ALVES, Intermediao de seguros, p. 75. 32

    SHEILA CAMOESAS, Mediao de seguros, p. 67: entendemos ser de admitir uma tipicidade do

    ponto de vista social, j que comum a referncia a um contrato de mediao de seguros que se identifica

    na relao contratual que se estabelece entre o mediador e a seguradora por fora da mediao, sem no

    entanto o legislador ter consagrado o tipo contratual.

  • 34

    tomador do seguro33

    . Para o mesmo Autor, o diploma contm em si os aspetos

    fundamentais da disciplina do negcio em causa (), permitindo identificar um tipo

    legal contratual de mediao de seguros34

    . Reconhece, mais adiante, que tal tipo tem

    subtipos que dificilmente permitem configur-lo de forma coerente como uma figura

    unitria comum35

    , concluindo, a final, que o contrato de mediao de seguros

    apresenta uma natureza jurdica plural atendendo autntica clivagem de caractersticas

    e regime que se verifica entre as categorias de mediador de seguros ligado e agente de

    seguros, por um lado, e de corretor de seguros, por outro36

    . Apesar da homonmia da

    designao, entende que o contrato de mediao de seguros no recondutvel ao

    contrato de mediao geral37

    .

    Julgo que nenhuma das definies enunciadas corresponde a um tipo contratual,

    quer nos refiramos ao tipo como modelo regulativo construdo pelo legislador para um

    dado tipo social, quer nos refiramos a este ltimo. Em qualquer delas cabem vrios

    modelos de contratos suscetveis de suportar as atividades dos mediadores das

    diferentes categorias, modelos esses que carecem de diferentes regimes. Ou seja,

    aquelas definies sustm um grupo de contratos que tm de comum entre eles a

    natureza de uma das partes (um mediador de seguros) e o objeto da sua atividade

    (tendente preparao, celebrao ou execuo de um contrato de seguro), pelo que

    melhor correspondem a uma classe ou categoria de contratos que a um tipo contratual38

    .

    2.1.3 Contributos da jurisprudncia

    Esta anlise dos contratos de mediao de seguros na vertente das suas possveis

    relaes com o contrato de mediao geral no dispensa uma passagem pela

    33

    LUS POAS, Aspectos da mediao de seguros, pp. 145-6. 34

    LUS POAS, Aspectos da mediao de seguros, p. 164. 35

    LUS POAS, Aspectos da mediao de seguros, p. 194. 36

    LUS POAS, Aspectos da mediao de seguros, p. 234. 37

    LUS POAS, Aspectos da mediao de seguros, p. 179: no podemos reconduzir o contrato

    de mediao de seguros, no seu conjunto, a um verdadeiro contrato de mediao, j que, das categorias de

    mediao de seguros, apenas a de corretor se identifica, nos seus elementos essenciais, como um contrato

    de mediao. 38

    CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, em Texto, p. 566, chegou, a respeito do contrato de seguro, a

    uma concluso paralela: O contrato de seguro no portanto um tipo negocial simples, constitudo por

    uma combinao constante de elementos, mas uma categoria to geral como, por exemplo, a de operao

    bancria. Abrange mais do que um tipo, tendo todos em comum a natureza de uma das partes (empresa

    seguradora) e o modo de clculo da prestao da outra (o prmio a pagar pelo segurado). Sobre as

    distines entre qualificao e classificao, tipo e categoria, vide CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA,

    Texto, pp. 407-16, mais abreviadamente do mesmo Autor, Contratos, II, pp. 25-6, e PAIS DE

    VASCONCELOS, Contratos atpicos, pp. 161-4.

  • 35

    jurisprudncia. Tal passagem parte de acrdos que aplicaram o velho regime,

    introduzido pelo DL 388/91, pois os poucos acrdos que apreciaram casos a que foi

    aplicado o RJAMS (DL 144/2006) no se debruaram sobre matria relevante para o

    nosso tema.

    Na maioria dos globalmente escassos casos judiciais sobre mediao de seguros,

    discutiu-se a responsabilidade da empresa seguradora pelos atos do mediador. A

    soluo desta questo tem a montante a determinao do regime aplicvel ao contrato

    de mediao de seguros em causa nos autos. Esta, por seu turno, est dependente da

    qualificao do contrato num tipo legal, ou, caso tal no seja vivel, do estabelecimento

    de analogias entre o caso concreto e os casos para que foram pensadas as estatuies

    normativas de tipos contratuais no diretamente referidos ao caso.

    Com o material existente, condicionado pelo tempo dos factos, podemos dizer que

    a jurisprudncia (nos casos em que o mediador carece de poderes de representao

    conferidos por escrito) tem seguido sobretudo duas linhas de argumentao que, no

    entanto, conduzem a uma idntica soluo de desresponsabilizao da seguradora

    relativamente aos atos dos mediadores de seguros: ora tem encarado os contratos

    celebrados entre empresas de seguros e mediadores como contratos de mediao; ora

    tem-se limitado a aplicar as regras disponveis nos diplomas sobre as atividades

    seguradora e de mediao de seguros, sem discutir o nome do contrato. Num caso e no

    outro, recusa, quer a reconduo a tipos pr-existentes, quer a aplicao analgica de

    certas normas, nomeadamente das contidas no art. 23 do RCA sobre a representao

    aparente no mbito do contrato de agncia39

    , e no art. 500 do CC sobre a

    responsabilidade do comitente.

    Vejamos alguns acrdos paradigmticos.

    - No Acrdo do STJ de 13/05/2003, proc. 03A1048, um contrato com um agente

    de seguros foi reconduzido a um contrato de mediao, afastando-se

    expressamente a sua qualificao como agncia: a atividade fundamental do

    mediador de seguros a de conseguir interessado para certo seguro, que raramente

    conclui ele prprio: mero intermedirio. O contrato de mediao no se

    confunde com o contrato de agncia, desde logo por isto: o agente atua por conta

    do principal, representa-o, o mediador age com independncia, imparcialidade, no

    interesse de ambos, sem representar nenhum.

    39

    Notando tambm a resposta negativa da jurisprudncia questo da aplicabilidade das regras

    sobre representao aparente, contidas no RCA, aos agentes de seguros, MENEZES CORDEIRO, Direito dos

    seguros, p. 411 e nota 765.

  • 36

    - No Acrdo do STJ de 28/03/2006, proc. 228/06-6 (no publicado, registado

    com o n. 193 no livro n. 1105 da 6. Seco), afirma-se que o mediador de

    seguros, no exerccio de tal atividade, no age como representante, agente ou

    auxiliar da respetiva entidade seguradora, no decorrendo, portanto, desse

    exerccio, a assuno de qualquer responsabilidade por parte daquela ltima

    vide arts. 4., n. 1, e 7. do DL n. 388/91, de 10/10. A fundamentao deste

    acrdo, a de facto e a de direito, no nos permite perceber em que categoria

    atuava o mediador dos autos.

    - O Acrdo do STJ de 19/06/2007, proc. 1449/07-1 (no publicado, registado

    com o n. 78 no livro n. 1235 da 1. Seco), redundou tambm na absolvio da

    seguradora. Vale a pena recordar os factos mais relevantes: um mediador de

    seguros colaborava com a seguradora r, numa regio geogrfica determinada,

    disponibilizando-lhe esta impressos