Contribuições de Sartre Para Psicologia Clínica

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  • Interao em Psicologia, 2006, 10(1), p. 101-112 101

    Novas perspectivas para a psicologia clnicaa partir das contribuies de J. P. Sartre1

    Daniela Ribeiro SchneiderUniversidade Federal de Santa Catarina

    RESUMOO campo da psicologia clnica vem, historicamente, enfrentando dilemas epistemolgicos no seumago, tais como, a multiplicidade de tendncias que a fundamentam, que acarretam na indefinio deseu objeto, alm da j questionada herana da perspectiva liberal e do modelo mdico, entre outrosaspectos, que acabam por questionar sua dimenso prtica. Sartre foi um autor que discutiu aspectosfundantes da disciplina psicolgica, bem como de seu domnio clnico, propondo concepesinovadoras. Suas obras tm muito a oferecer para o enfrentamento e superao de tais dilemas. Oprojeto fundamental do trabalho intelectual de Sartre foi reformular tal disciplina, realizando essepropsito no conjunto de suas obras psicolgicas, filosficas, literrias e em seus empreendimentosbiogrficos. Criador de uma metodologia especfica de investigao da realidade humana, explicitadaem sua psicanlise existencial, Sartre fornece as bases para uma psicologia clnica existencialista.Utilizando o recurso de elaborar biografias de escritores conhecidos, Sartre demonstrou ser possvelatingir o conhecimento objetivo do ser do sujeito estudado, primeiro passo necessrio para umainterveno cientfica. A tarefa da psicoterapia sartriana , pois, colocar o projeto de ser da pessoa emsuas prprias mos, na medida em que isso o viabilizar como sujeito de sua vida e de sua histria.Palavras-chave: psicologia clnica; Jean-Paul Sartre; psicologia existencialista.

    ABSTRACTClinical psychology from a point of view of J. P. Sartres contributions

    Traditionally, clinical psychology has faced epistemological dilemmas in its core, such as themultiplicity of tendencies that structure it, which leads to an undefinition of its object. Among otheraspects, the legacy it received from the liberal perspective and the medical model are also problematicand they have already been put in question. This affects its practical dimensions. Sartre was an authorwho discussed aspects of the basis upon which psychology was built, as well as clinical facets andproposed some innovative concepts. His work has much to offer to overcome such dilemmas. Thefundamental project in Sartres intellectual work was reformulating psychology in his set ofpsychological, philosophical, literary works and in his biographical enterprises. Sartre was the creatorof a new psychological theory as of a specific methodology to investigate the human reality. Both ofthem were explained in his existential psychoanalysis where Sartre gives the basis for an existentialclinical psychology. The duty of the sartrean psychotherapy is to put the being project of theindividual into his own hands, turning him into the manager of his own life and his own history.Keywords: clinical psychology; Jean-Paul Sartre; Existential Psychology.

    I O campo da psicologia clnica

    No imaginrio popular a clnica a rea predomi-nante e identitria da psicologia. Esse imaginrioencontra seu suporte no fato do psiclogo clnico ser,efetivamente, o modelo hegemnico de profissionalda psicologia, conforme atestam uma dezena de pes-quisas realizadas a partir do incio dcada de 1980, noBrasil, entre elas as do Conselho Federal de Psicolo-

    gia (1988; 1992; 1994). No incio da dcada de 90surgiram, na profisso, vrias reas emergentes (psi-cologia hospitalar, jurdica, dos esportes, sade pbli-ca etc.), geradas em funo das demandas do mercadode trabalho, de mudanas nas relaes sociais, bemcomo nas concepes tericas, o que levou a umacerta modificao na j consolidada concentrao dospsiclogos na rea clnica. Portanto, a clnica a rea

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    mais conhecida e, como conseqncia, a mais estereo-tipada no campo da psicologia.

    H muita discusso sobre as razes desse predom-nio. Entre elas, no podemos deixar de considerar, agrande influncia da psiquiatria e, portanto, do mo-delo mdico, na constituio dessa disciplina, o queajudou a definir os contornos da prtica clnica e aconsolidar o prestgio herdado do poder mdico. Almdisso, a tarefa de realizar a adaptao dos indivduosdesajustados, funo para a qual a clnica psicolgicafoi inicialmente concebida, conforme atesta vrios deseus historiadores (Mensh, 1971), serviu necessida-de premente da sociedade de manter seu status quo.

    Essas reflexes iniciais nos levam a indagar acercadas dificuldades e impasses em torno da delimitaoda funo clnica em psicologia. A partir da dcada de80, frente a todas essas indefinies, alm da consta-tao de sua dimenso ideolgica, bem como de seupredomnio hegemnico, muitos psiclogos e pesqui-sadores brasileiros comearam a questionar aspectosbasilares da rea clnica (Conselho Federal de Psico-logia, 1988; 1992; 1994; Campos, 1992):

    a) o fato de a psicologia clnica seguir e propalarum modelo de profisso liberal, pautada peladmarche mdica, voltada para o atendimentode uma camada privilegiada da populao crtica de ordem poltico-ideolgica;

    b) a sua concepo de homem ser individualista,ahistrica e associal, advinda de uma heranada psiquiatria clnica, de perspectiva mais orga-nicista e de uma psicologia subjetivista, sus-tentada em uma filosofia idealista e mentalista,alm de sua relao com a concepo liberal desociedade crtica de cunho mais terico eepistemolgico, bem como ideolgico;

    c) a concepo de sade mental que a sustenta serpensada em termos de normal/anormal, heranado modelo emprico, classificatrio, que traba-lha na direo de enquadramento dos compor-tamentos desviantes crtica de cunho episte-molgico e ideolgico;

    d) a sua funo de ajustamento dos indivduoscom comportamento desadaptado sociedade,cumprindo um papel social de manuteno dostatus quo, herana da medicina higienista dosculo XVIII e da psiquiatria clssica crticade cunho ideolgico e poltico;

    Essas crticas, fundamentais para se pensar o fazerdo psiclogo, acabaram por se tornar um questiona-mento de todo o modelo clnico e de sua prtica mais

    conhecida, a psicoterapia. Esses questionamentosadquiriram, de forma geral, uma nfase mais poltico-ideolgica, cuja soluo deveria passar pela conscien-tizao da funo social do psiclogo, atravs de umaluta poltica na interioridade da categoria, na formaodo psiclogo e na sociedade. Importantes conquistasforam feitas nesse campo. No entanto, no rumo dessesquestionamentos, muitas vezes se deixou de lado oaspecto terico e epistemolgico das crticas, funda-mentais por apontarem lacunas centrais na constitui-o da cincia psicolgica, posicionando-se, muitasvezes, aprioristicamente, pela negao da clnica ouda psicoterapia e no pela superao dos impassesdessa importante rea de atuao do psiclogo.

    Dessa forma, o presente artigo visa trazer novascontribuies para o campo da psicologia clnica, queenfrentem seus problemas de (in)definio, seus dile-mas tericos e epistemolgicos. Nessa direo, a psi-cologia consolidada por Jean-Paul Sartre, que se ins-taura em um horizonte epistemolgico, terico e ideo-lgico diferente do da psicologia emprica, da psiquia-tria e da psicanlise freudiana, por assumir uma pers-pectiva histrica, dialtica, no mentalista e no sub-jetivista, tem muito a oferecer para a superao dosimpasses enfrentados pela psicologia clnica.

    II Jean-Paul Sartre um intelectual de sua pocaO grande desafio de Jean-Paul Sartre (1905-1980)

    foi responder a alguns problemas que estavam pro-postos aos cientistas, filsofos e pensadores de suapoca (Bertolino,1995): os dilemas trazidos pelo idea-lismo e racionalismo, por um lado, e pelo materialis-mo e positivismo, por outro, concretizados em ques-tes como a problemtica do conhecimento, a discus-so acerca da objetividade nas cincias; a necessidadede reviso da filosofia, trazida pelo marxismo, quepostulava um conhecimento que remetesse realidadescio-histrica, pois bastava de contemplar o mundo,cabia, agora, transform-lo! (Marx & Engels, 1987).O contexto cultural estava a exigir, pois, a produode um conhecimento que partisse e voltasse ao homemconcreto. Era o que reclamava Politzer (1965; 1998)com a perspectiva de uma psicologia concreta, era oque perseguia Vygotski (1996) na discusso e crticaao mtodo da psicologia, l pelos anos 1920 e 1930.Era tambm o que postulava a fenomenologia, nofinal do sculo XIX e incio do sculo XX, pautando-se em seu princpio da volta s coisas mesmas. Sartreinseriu-se no mago mesmo das indagaes presentesno contexto da evoluo do pensamento daquele mo-

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    mento, problematizando suas questes elementares epropondo solues que visavam superar impassesgerados, tanto no campo filosfico e epistemolgico,quanto no psicolgico. Decorre da sua importnciacomo um dos intelectuais mais relevantes do sculoXX.

    Em funo desse contexto, Sartre foi desenvolven-do seu interesse pela disciplina psicolgica. Desde oincio de seu trabalho intelectual pretendeu criar umapsicologia que se opusesse quelas compreenses dohumano que lhe pareciam, de um lado, abstratas edespregadas da realidade e, de outro, mecanicistas ecausalistas. Descreve Simone:

    O que interessava antes de tudo eram as pessoas. psicologia analtica e empoeirada que ensinavam naSorbonne, ele desejava opor uma compreenso con-creta, logo sinttica, dos indivduos. Essa noo eletinha encontrado em Jaspers, cujo tratado de psico-patologia, escrito em 1913, fora traduzido em 1927;sendo que corrigira as provas do texto francs comNizan. (Beauvoir, 1960, p. 52)

    Beauvoir descreve aqui como foi sendo gestado ointeresse do filsofo pela fenomenologia, a qual pos-sibilitou que, pouco a pouco, ele adentrasse no questio-namento e elaborao acerca da disciplina psicolgica,pois era ela o meio de faz-lo aproximar-se de seuobjetivo maior: teorizar sobre o homem concreto, comseus suores e suas dores e seu campo de possibili-dades de ser (Sartre, 1960).

    Os bigrafos de Sartre fazem questo de salientar aimportncia da psicologia em seu projeto intelectual.

    A filosofia seria, de qualquer maneira, uma prope-dutica para a psicologia e para sua criao roma-nesca. Nas revises da prova de PsicopatologiaGeral de Jaspers, nas visitas s apresentaes decasos dos doentes do Hospital Sainte-Anne, onde elepassava seus domingos de manh, em companhia deNizan, Aron e Lagache, em seu diploma de estudossuperiores, quando sustentou, com orientao deHenri Delacroix, sua tese sobre A imagem na vidapsicolgica: papel e natureza, Sartre decifrava, so-bretudo, o campo da psicologia. (Cohen-Solal, 1986,p. 140)

    Dessa forma, os especialistas na obra sartriana dei-xam claro a proposio do filsofo em questionar essecampo disciplinar e propor uma nova psicologia, debase fenomenolgica.

    Sendo assim, o existencialista comeou suas incur-ses tericas formulando proposies no campo da

    psicologia, conforme podemos verificar em seus pri-meiros escritos: A Imaginao (Sartre, 1936), ATranscendncia do Ego (Sartre, 1937), Esboo deuma Teoria das Emoes (Sartre, 1939), O Imagin-rio (Sartre, 1940). Voltou-se, porm, filosofia pelanecessidade tcnica de melhor fundamentar seus estu-dos da psicologia (Bertolino, 1995). O conjunto de suaobra filosfica e psicolgica ser descrita com maio-res detalhes logo adiante, possibilitando compreendersua trajetria terica.

    Esse intelectual, mais conhecido pelo seu perfil defilsofo, foi, portanto, um pesquisador sistemtico dapsicologia, sendo que sua obra tcnica inscreve-se,boa parte dela, nesse campo. No entanto, essa pers-pectiva pouco conhecida ou discutida, ou ainda, suaobra traduzida como tendo, principalmente, um cu-nho filosfico, o que verdadeiro, mas no sua totalabrangncia. Poder-se-ia quase afirmar que a filosofiasartriana foi o meio, o fio condutor de boa parte desuas elaboraes psicolgicas, como podemos verifi-car na citao de Cohen-Solal logo acima. Entre osprprios psiclogos, a psicologia de Sartre, em seuconjunto, desconhecida e pouco valorizada; estudamnele certas temticas, como a noo de projeto, deliberdade, etc, entendidas mais como contribuiesfilosficas de Sartre rea. Poucos, porm, compre-endem sua relevncia na problematizao da discipli-na psicolgica. Essa relevncia encontra-se na exposi-o de uma psicologia em moldes totalmente diversosdos at ento existentes, ao propor a superao de umasrie de dificuldades e impasses presentes no magodas formulaes da psicologia emprica e da psican-lise freudiana, conforme detalharemos oportunamentenestas reflexes.

    Sendo assim, o projeto fundamental do trabalhotcnico de Sartre foi reformular a psicologia, confor-me j foi demonstrado pelas dissertaes de Bertolino(1979) e Moutinho (1995), tese que procuraremosdefender e discutir aqui nesse artigo.

    III Os caminhos tericos de Sartre

    Seu interesse pela elucidao da situao do ho-mem em sua realidade concreta, que advinha de suacrtica filosofia e psicologia idealista, coloca Sartrenos trilhos da fenomenologia. Seu primeiro contatocom essa filosofia ocorreu com a traduo do tratadode psicopatologia fenomenolgica de Jaspers, na qualencontrou, entre outras, a noo de compreenso, emoposio de explicao causal, tpica do positivismo,que tanto criticava; depois, veio a descoberta dos auto-

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    res que sero seus principais interlocutores Husserl eHeidegger. O filsofo solicitou uma bolsa para estudarfenomenologia em Berlim, passando l o ano de 1933,quando teve oportunidade de pesquisar essa filosofiaem suas fontes originais.

    O primeiro texto que Sartre produziu, esboandosuas reflexes crticas sobre as contribuies filosfi-cas da fenomenologia, escrito em 1934 e publicadosomente em 1939, o conhecido Uma idia funda-mental da fenomenologia de Husserl: A intencionali-dade (Sartre, 1968), no qual explora a idia-chave queguiar sua filosofia e psicologia, a intencionalidade,que postula que toda conscincia sempre conscin-cia de alguma coisa, ou seja, a conscincia semprerelao a uma exterioridade. Essa noo o funda-mento para questionar o mito da interioridade ou,como ele designa nesse texto, a velha filosofia ali-mentar, recolocando essa disciplina em novas bases.A fenomenologia lhe fornece os meios de pr fim idia de representao e constituir assim uma novapsicologia, o que ele procurar fazer nos anos subse-qentes uma psicologia da imagem, da emoo,mesmo mais tarde uma psicanlise existencial(Moutinho, 1995, p. 163).

    Aos poucos, Sartre ir construindo sua crtica aHusserl, principalmente ao idealismo pressuposto emtoda a sua proposta fenomenolgica, at o momentoem que precipitar sua ruptura com as idias do refe-rido filsofo. Sartre, a partir de 1939, passa a centrarseus estudos principalmente na obra de Heidegger.Vai incorporando, um aps outro, conceitos comoser-no-mundo, mundaneidade, nada, tempora-lidade, mas sempre de forma crtica. De qualquermaneira, a fenomenologia que Sartre foi aprender naAlemanha ser decisiva na constituio de sua obra(Coorebyter, 2000).

    A tese de concluso de sua ps-graduao emBerlim foi seu primeiro escrito sobre a psicologiafenomenolgica, sob a denominao de A Transcen-dncia do Ego (1937/ 19942). Nele descreve a ontolo-gia do eu e os processos de constituio da personali-dade, quando defende que um dos grandes impassespresentes na filosofia e na psicologia, at ento vi-gentes, o fato de no diferenciarem a conscincia doego. Sartre estabelecer uma distino essencial entreessas duas dimenses do homem, demonstrando que oego, ao contrrio do que se afirmava, no imanente conscincia, ou seja, no seu habitante, mas sim,transcendente, objeto do mundo. Pretendia superar,com isso, o solipsismo (a concepo de um sujeitosustentado em si mesmo, o mundo sendo desdobra-

    mento da perspectiva pessoal de cada um), bem com achamada iluso substancialista (a conscincia consi-derada como uma substncia em si), conceitos semprepresentes nas filosofias idealistas.

    A partir de ento o caminho torna-se irreversvel.As posies defendidas em A Transcendncia do Egose aprofundaro no restante de seus estudos. Suasobras, destacadamente as de cunho filosfico e psico-lgico, constituem-se em um conjunto articulado deconcepes ontolgicas, antropolgicas, psicolgicase metodolgicas.

    Somente em 1938 ser publicado seu romance ANusea (1938/2000), que j vinha redigindo desde1933-4. Romance centrado na noo de contingncia,ou seja, do confronto do sujeito com a gratuidade daexistncia, narra a histria de Roquentin, que sofre deuma metamorfose insinuante e horrvel de todas assensaes (Sartre, 2000), passando por um verdadei-ro processo teraputico, no sentido da alterao do seumodo de se lanar no mundo e da redefinio de seuprojeto de ser, na medida em que havia tido impassespsicolgicos justamente por experimentar esse projetoinviabilizado. Sartre, nessa obra, insere uma srie dereflexes filosficas, ainda que em linguagem liter-ria. Um dos fatos que o levou a escrever A Transcen-dncia do Ego, foi a tentativa de elucidao tcnica desua expresso literria em A Nusea (Contat &Rybalka,1970) .

    Em 1936, ainda sob forte influncia da fenomeno-logia de Husserl, dedica-se a estudar as questes liga-das imagem mental, escrevendo uma obra cujaintroduo tem o ttulo de A Imaginao (1936/1987),onde faz uma reviso das principais teorias existentessobre a psicologia da imaginao. Poucos anos maistarde publicado o restante dessas reflexes, sob ottulo de O Imaginrio: psicologia fenomenolgica daimaginao (1940/1996), onde Sartre descreve suaprpria compreenso dos fenmenos do imaginrio.Partindo da noo de intencionalidade, concebe aimaginao como uma das formas da conscincia serelacionar com o mundo, nesse caso com um objetoausente ou inexistente. Portanto, a conscincia imagi-nante no algo que se d dentro do sujeito, mas nasua relao com o mundo. O imaginrio permite aosujeito transcender a situao dada em direo ao queainda no , ao futuro. Possibilita, tambm, a retoma-da daquilo que j foi, o passado. Dessa forma, o ima-ginrio fundamental na definio do ser do homem,j que o coloca frente ao seu projeto de ser e a suahistria.

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    Vemos aqui os caminhos tericos trilhados porSartre que desembocam, nos anos de 1937/8, no seutratado sobre La Psych, cuja pretenso era elucidar arealidade humana a partir da existncia concreta dosujeito, elaborando uma nova psicologia. No entanto,segundo Bertolino (1995) teve de se rever a meiocaminho, devido aos obstculos de ordem tcnica.Seria necessrio resolver, primeiramente, questes deordem ontolgica (teoria do ser da realidade) e antro-polgica (teoria do ser do homem), para depois resol-ver as questes do psicolgico. Sartre nos explica, emseu Esboo de uma Teoria das Emoes (1939/1975),que foi o fragmento publicado das 400 pginas que jhavia escrito do referido tratado:

    Por outro lado, a psicologia, encarada como cinciade certos fatos humanos, no poderia ser um come-o, porque os fatos psquicos com que nos depara-mos nunca so os primeiros. So sim, na sua estru-tura essencial, reaes do homem contra o mundo;pressupe, portanto, o homem e o mundo e no po-dem assumir o seu verdadeiro sentido se, primeira-mente, essas duas noes no forem elucidadas. Sedesejarmos fundar uma psicologia, teremos de irbem mais alto do que o psquico, mais alto do que asituao do homem no mundo; teremos de ir at origem do homem, do mundo e do psquico. (Sartre,1939, p. 18)

    Portanto, Sartre defronta-se com uma questo tc-nica fundamental. Constata que no conseguiria fun-dar uma psicologia, como era sua pretenso, explici-tada claramente na citao acima, se no revisse asbases filosficas dessa cincia, se no lhe constitusseoutra ontologia, que viabilizasse a compreenso darealidade, do homem, em uma outra perspectiva, jque a filosofia que tinha a seu dispor no contexto desua poca no lhe fornecia os subsdios necessriospara tal empreendimento.

    Passa a escrever, ento, seu conhecido O Ser e o Na-da: ensaio de ontologia fenomenolgica (1943/1997),no qual realiza a necessria reviso da filosofia, con-cretizando-se na proposio de uma nova ontologiafenomenolgica. Nesse livro dialoga com autorescomo Husserl e Heidegger, apoiando-se em muitas desuas noes, ao mesmo tempo em que os critica pro-fundamente.

    Nesse ensaio de ontologia, Sartre aprofunda a no-o de conscincia adquirida em Husserl, concebidapelo existencialista como a dimenso transfenomnicado sujeito, o absoluto de subjetividade; absoluto to-mado pelo existencialista no sentido filosfico, do ser

    que ilimitado, incondicional, incontestvel. Portanto,Sartre considera a subjetividade, aqui compreendidapela noo de conscincia, enquanto uma dimensoindescartvel da realidade, da ser um absoluto emtermos ontolgicos. No entanto, esse absoluto desubjetividade no substancial, ou seja, no se sus-tenta em si mesmo, na medida em que a conscincia sempre conscincia de alguma coisa (princpio daintencionalidade), necessitando, assim, das coisas paraser. Constitui, portanto, a regio ontolgica que Sartredesigna de para-si, na medida em que pura relao,puro movimento para a exterioridade, no se susten-tando em-si mesma. A conscincia o que ela no-,na medida em que seu ser ser relao a algo. Ela assim, o nada, o no-ser que se acrescenta ao ser. Eisque o outro absoluto, o de objetividade, , ento, tam-bm indescartvel para a constituio da realidade. Aobjetividade, compreendida pelas coisas, no dependeda conscincia para existir, posto que os objetos, anatureza, os corpos, a materialidade existem em-si,independente do que se percebe, pensa, imagina ouconstata sobre eles. Porm, o ser que em-si no temalteridade, na medida em que no estabelece relaopor si mesmo, necessitando da conscincia para serorganizado, sistematizado, nomeado, significado. Por-tanto, as duas regies ontolgicas que compem arealidade: o ser e o nada, as coisas e a conscincia, ouainda, o em-si e o para-si, so dois absolutos, pormrelativos um ao outro. Relativos porque, o primeiro(em-si) existe independente do segundo (conscincia),mas s se organiza, s ganha sentido, pela presenadeste. O segundo (para-si) para existir depende darelao estabelecida com aquele (com as coisas), ape-sar de ser distinto dele.

    Sartre define, portanto, sua ontologia a partir dadialtica entre o ser e o nada ou entre a objetividade eda subjetividade, superando as ontologias idealistas ouespiritualistas (nas quais as coisas ou a objetividadeso absorvidas pelo sujeito, conscincia, idia ou esp-rito) e as ontologias materialistas (nas quais o sujeitoou a subjetividade so absorvidos pela matria, objetoou ambiente).

    Como decorrncia dos caminhos que vinha trilhan-do anteriormente, seu livro de ontologia O Ser e oNada perpassado por discusses de ordem psicol-gica. Vrios temas fundamentais como o homem en-quanto ser-no-mundo, a temporalidade psquica, asrelaes com o corpo, o projeto de ser, a liberdadehumana, etc, so ali desenvolvidos. No captulo inti-tulado Psicanlise Existencial, descreve uma propostametodolgica para a psicologia, de forma a elucidar,

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    de forma rigorosamente objetiva, a escolha subjetivapela qual cada pessoa se faz pessoa (Sartre, 1943,p. 662).

    Em funo de sua inteno de construir uma novapsicologia, no s em termos tericos, mas tambmmetodolgicos viabilizando um instrumental terico-prtico que possibilitasse a compreenso objetiva davida de um homem, como podemos verificar no cap-tulo psicanlise existencial, Sartre parte para a reali-zao de empreendimentos biogrficos. Dedicar-se- aescrever biografias de escritores conhecidos e, atravsda anlise de suas obras e dos dados de suas histrias,elabora a compreenso antropolgica e psicolgicados personagens escolhidos. Seus livros Baudelaire(1947) e Saint Genet:Autor e mrtir (1952/2002) soseus primeiros ensaios para viabilizar sua psicologiaconcreta. Compreender o destino eleito por esses doisescritores, a partir do embate com as contingnciasque os cercavam e de como essa escolha fundamentalse expressava em suas obras, foi um dos seus objeti-vos centrais.

    A influncia fundamental em seu pensamento deautores como Hegel e Marx, aliada ao enfrentamentodas questes sociais e culturais por Sartre nos anos 40e 50, bem como a necessidade interna de aprofundaraspectos de sua teoria que ainda estavam por ser me-lhor elucidados, levaram-no a se debruar sobre tem-ticas como a prxis individual e coletiva, a histria, adialtica, os grupos organizados, as instituies. Taisreflexes resultaram na elaborao de um dos seuslivros mais conhecidos, a Crtica da Razo Dialtica(1960/2002a). Na introduo a essa grande obra, cha-mada de Questo de Mtodo, o existencialista volta aaprofundar as possibilidades metodolgicas do conhe-cimento concreto da realidade humana. Debate com omarxismo, apontando que este deve rever suas basesantropolgicas, sob pena de perder o homem, desu-manizar-se, ao reduzir-se a anlises progressivas, ge-rais, que implicam um descaso com o singular e asubjetividade, aspecto central da realidade social.

    No incio dos anos 1970, Sartre realiza, por fim, otrabalho que j vinha planejando desde a poca emque escrevera sua proposta de uma psicanlise exis-tencial, a monumental biografia sobre Flaubert, commais de trs mil pginas, intitulada de O Idiota daFamlia: Gustave Flaubert, de 1821 a 1857 (1971)3,em que realiza uma sntese de todas as reflexes teri-co-metodolgicas que elaborou no conjunto de suaobra. Nela busca unificar as contribuies da psican-lise, no sentido da busca de esclarecimento do ser deum sujeito individual, reportando-se sua histria,

    sua infncia, com as da anlise marxista, no sentido deuma lgica dialtica empregada na compreenso docontexto antropolgico e sociolgico da constituiodesse escritor.

    Tem-se a o caminho terico percorrido por essepensador. Como podemos verificar pelo conjunto desua obra tcnica, Sartre construiu uma teoria e umametodologia que colocam a psicologia sobre novasbases. Tal realizao se deveu rigorosidade dos seusestudos e sua perspiccia em compreender que asmudanas deveriam comear por rever os fundamen-tos ontolgicos e antropolgicos dessa cincia.

    IV Sntese das principais asseres da filosofia epsicologia sartriana4

    Ao acompanhar a evoluo do pensamento sartria-no, pode-se constatar que esse estudioso props umanova ontologia, que questiona os fundamentos metaf-sicos do pensamento ocidental e fornece as bases parao direito cidadania da cincia (Bertolino, 1995), nosseguintes termos: 1) ao estabelecer que a realidade seestrutura em termos de duas regies ontolgicas oser e o nada, ou as coisas e a conscincia, ou o em-si eo para-si compreendidas como dois absolutos relati-vos, quer dizer, como dois aspectos distintos e inelu-tveis da realidade, porm relativos um ao outro. Emoutras palavras, a realidade resultante da relaodialtica entre a subjetividade e a objetividade, comovimos acima; 2) ao distinguir conscincia (aspectoindescartvel da realidade humana, estrutura essencialde sua ontologia, que possibilita ao homem estabele-cer relaes) de conhecimento (no mais um saber apriori, mas um aspecto segundo, resultante da produ-o do homem), rompendo com a primazia do conhe-cimento tpicas do idealismo e racionalismo, viabili-zando, assim, o homem enquanto sujeito do conheci-mento.

    Essa ontologia fenomenolgica foi o eixo nortea-dor das profundas alteraes que props antropolo-gia que, segundo ele, deve ser estrutural e histrica,pretendendo, com isso, resgatar o sujeito concreto noseio do marxismo (Sartre, 1960), fundamentando acompreenso de que o homem aquele que faz e feito pela histria. A antropologia deve ser a sntesedialtica da relao entre indivduo e sociedade, su-jeito e materialidade.

    As concepes da fenomenologia de Husserl eHeidegger, do existencialismo de Kierkegaard e dadialtica de Hegel e Marx, que o influenciaram so-

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    bremaneira, retrabalhadas e superadas por sua prpriaontologia e antropologia, forneceram o substrato ne-cessrio para Sartre construir uma nova psicologia,que estabelece, definitivamente, um corte epistemol-gico, metodolgico e terico com a psicologia empri-ca e seus impasses, bem como com a psicanlise freu-diana e sua lgica pautada no determinismo psquico5.

    Nesse horizonte, Sartre elaborou:1) uma nova ontologia do eu, ao concluir que o

    ego (dimenso do sujeito) no um habitanteda conscincia (dimenso da subjetividade), comosustentam muitas psicologias empricas e a psi-canlise, que caem na iluso substancialista,mas sim um ser do mundo, objetivo, transcen-dente; o que permite que a personalidade possaser inteiramente conhecida;

    2) uma nova teoria do imaginrio, conscinciairredutvel e autnoma, considerada por ele umadas formas essenciais do homem se relacionarcom a realidade, na medida em que o permitetranscender a situao dada em direo ao novo,ao diferente, ao futuro;

    3) uma nova teoria das emoes, compreendidascomo a experimentao psicofsica da pessoafrente a situaes significativas, que expressamsuas afetaes e escolhas de ser;

    4) uma nova teoria dos processos de socializao econstituio dos grupos, fundamentada na dia-ltica da realidade humana, destacando o papelessencial do indivduo na organizao social,bem como o dos grupos e da cultura para aestruturao psicossocial dos sujeitos. EmSartre, o sujeito concreto tem um papel funda-mental, mas sempre mediado pelo contexto efe-tivo onde est inserido (poca histrica, classesocial, estrutura familiar). Fundamenta, assim omtodo progressivo regressivo, que pressupeque a investigao da realidade leve em contaas situaes singulares inscritas no contextouniversal e, ao mesmo tempo, considera as situa-es universais em seu impacto nas individuali-dades e grupos.

    Construiu, enfim, nesse conjunto de teorias, umanova proposta de inteligibilidade da dimenso psico-lgica do indivduo, fundamentando concepesimportantes, tais como: o homem como um ser-no-mundo; o homem enquanto um ser temporal, histri-co; a dialtica da relao eu/outro, indivduo/socie-dade, subjetividade/objetividade; o homem comoprojeto e desejo de ser, como alienao e liberdade

    enfim, aspectos que desembocam em sua acepo dapersonalidade como resultante de um processo deconstruo, onde a existncia precede a essncia, oque coloca o homem como sujeito de seu ser.

    Esses pressupostos forneceram para Sartre a possi-bilidade de delinear importantes contribuies para ocampo da psicopatologia. Sustentado em Jaspers(1979) e servindo de subsdio aos antipsiquiatras, oexistencialista vai compreender a psicopatologia apartir do ncleo da vida e da histria concreta do su-jeito. Ela uma perturbao, sempre psicofsica, queacontece em funo do movimento do sujeito nomundo, resultante de sua histria de relaes. Dessaforma, ao contrrio da psicopatologia psiquitrica quepretendem entender o homem a partir da doena,dando uma nfase s determinaes genticas, Sartrecompreende a doena a partir do homem, o patolgi-co a partir de seu existir concreto no mundo. A elabo-rao de biografias de escritores conhecidos foi orecurso utilizado pelo existencialista para demonstrarconcretamente a viabilidade terico-prtica de suasconcepes. Essas so, portanto, as bases para que sepossa viabilizar uma psicologia clnica em perspectivasartriana.

    V Sartre e o caminho metodolgico em direo a umapsicologia clnica cientfica

    Sartre explicita claramente seu mtodo para ainvestigao da realidade psquica, no captulo de OSer e o Nada intitulado Psicanlise Existencial,complementando-o em seu Questo de Mtodo, des-crevendo-o nos termos que explicitaremos abaixo.

    O objetivo da psicanlise sartriana decifrar onexo existente entre os diversos comportamentos,gestos, emoes, estados, aes, pensamentos do su-jeito concreto, ao extrair o significado de cada umdestes aspectos em direo a um fim. Isto quer dizerque a psicanlise existencial deve decifrar o projeto deser de cada indivduo estudado, pois ele que define oque so e para onde se encaminham os diferentes mo-vimentos de uma pessoa no mundo.

    O ponto de partida da investigao deve ser osaspectos concretos da vida de um sujeito, ou seja, osfenmenos de sua vida de relaes, de homem emsituao. Aqui se delineia o mtodo sartriano: por umlado, ele comparativo, ou seja, estabelece ligaesentre os diversos aspectos que presidem a vida de umsujeito, procurando atingir o projeto original que dsentido ao conjunto; , nesse sentido, um mtodocompreensivo ou sinttico, j que pretende chegar

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    intuio do psquico, atingida por dentro, como diriaJaspers (1979). Por outro, ele deve ser progressivo eregressivo, como Sartre (1960) trabalha no Questo deMtodo, ou seja, deve situar os aspectos antropolgi-cos (poca, cultura, nvel social, etc.), que definem oscontornos de ser de um sujeito concreto, reenviando-os ao mesmo tempo, sua rede sociolgica, bemcomo sua subjetividade, a fim de se compreender aapropriao peculiar desses aspectos mais universais.A expresso da pessoa em gestos, atos, palavras,obras, devem ter, assim, sua dimenso subjetiva eobjetiva. O sujeito um singular/universal, pois aomesmo tempo em que idiossincrtico, ele resul-tante de seu tempo, de sua cultura e, portanto, umaponte para compreend-los.

    A concepo de homem que subjaz na teoria sartria-na histrica e dialtica, segundo a qual o sujeito spode ser compreendido levando-se em conta sua his-tria individual, tanto quanto a de sua conjuntura fa-miliar e a de seu contexto social e cultural, tendocomo fundo de sustentao a noo que ele se faz e feito no/por esse conjunto de fatores. Toda a psicolo-gia existencialista construda por Sartre pauta-se nessaantropologia, servindo de embasamento terico para aconcretizao de sua psicanlise existencial.

    Sartre, com a clareza do potencial clnico de suapsicanlise, afirma que sua psicanlise ainda noencontrou o seu Freud (Sartre, 1943, p. 663), assina-lando que o que faltava a ela era ser posta em prtica.

    A estratgia por ele utilizada, a partir de seus deli-neamentos terico-metodolgicos, em vistas viabili-zao de sua psicanlise existencial, foi o da elabora-o de biografias, buscando uma compreenso rigorosado ser dos seus biografados, ao esclarecer o processode suas personalizaes, em suas dimenses objetivase subjetivas, chegando ao projeto e ao desejo de ser,que so o combustvel dos fenmenos psicolgicos eda histria de vida de cada sujeito, como fez com Ge-net e Flaubert. Essas biografias trazem, com isso, umagrande contribuio ao entendimento dos caminhos deuma psicologia clnica sartriana.

    Para Sartre (1939) a tarefa da cincia, esclareceras condies de possibilidade de certos fenmenos deordem geral, ou seja, investigar os fatores que so osdeterminantes para a ocorrncia de um dado fenme-no estudado. Primeiramente deve-se, no entanto,investigar as variveis que o delimitam e que interfe-rem para que ele se desenvolva da forma como devaser. Depois disso que se deve investigar suas deter-minantes.

    A tarefa da cincia psicolgica deve ser, portanto,investigar as condies de possibilidades de certosfenmenos de ordem psicolgica ocorrerem, conside-rando-os em suas essncias especficas, suas variveisconstitutivas, seus significados (Sartre, 1939). Sendoassim, a psicologia clnica, cujo objeto a personali-dade e a psicopatologia do paciente, para ser cientfi-ca, em sua teoria, em seu mtodo e em seus procedi-mentos, deve investigar quais as condies de possi-bilidade para um sujeito chegar a ser quem ele , ouseja, como chegou a constituir-se determinada perso-nalidade, sustentada em um projeto de ser especfico,esclarecendo como foi que se complicou psicologica-mente. Dever, assim, poder especificar, em sua hist-ria, os contextos antropolgicos (cultural, material) esociolgicos (rede de relaes e de mediaes de ser)que forneceram as condies de sua personalizao epsicopatologizao.

    No entanto, no processo cientfico deve-se semprecomear pelo momento atual do fenmeno para de-pois esclarec-los em sua gnese. O primeiro mo-mento metodolgico necessrio , assim, a demarca-o do fenmeno, quer dizer, no caso da clnica, adefinio clara da sintomatologia e do quadro psico-patolgico do paciente, ou seja, a elaborao do psi-codiagnstico. Ele que definir os rumos da inter-veno.

    O segundo momento o da elaborao da proble-mtica ou do equacionamento do teorema em tornodas complicaes do paciente. Realiza-se essa elabo-rao investigando as variveis fundamentais naconstituio dos impasses psicolgicos do paciente,compreendidos no horizonte da personalidade do pa-ciente, ou seja, a partir de sua dinmica psicolgica,da forma como ele se sabe sendo tal sujeito especfico,em seu sistema de certezas de ser (Bertolino, 2004;Sartre, 1952). Aqui fundamental a inteligibilidade deSartre acerca da personalidade, considerada semprecomo um fenmeno resultante da dialtica entre obje-tividade e subjetividade. Portanto, as condies depossibilidade de algum se constituir sujeito estodadas em suas relaes concretas, inseridas em umasituao mais prxima, de sua rede de mediaes, aquidefinidas como contexto sociolgico e, em uma maisabrangente, dadas pela cultura a que pertence, suaclasse social, sua condio material, os sistemas deracionalidades que o influenciam, aqui definido comocontexto antropolgico (Bertolino, 2004; Sartre,1952). Essas circunstncias so apropriadas ativa-mente pelo sujeito concreto, ainda que de forma alie-nada, levando-o a experimentar-se psicofisicamente

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    determinado a ser esta ou aquela pessoa. Portanto, oesclarecimento desses contextos fundamental nacompreenso da problemtica do paciente.

    Eis o horizonte metodolgico de uma psicologiaclnica que pretenda seguir as acepes sartrianas.

    VI A psicologia clnica em Sartre

    O existencialista demonstra em suas biografiascomo trabalhar com o fenmeno psicolgico em seusdiferentes componentes e nveis sociais, culturais,psicolgicos dos quais emerge o sujeito concreto,em carne e osso, com o seu desejo de ser, com os con-flitos que lhe so decorrentes, s voltas com sua elei-o original. Realiza, portanto, o que poderamoschamar metaforicamente de uma radiografia psicol-gica do sujeito, na medida em que deixa translcidasas razes de sua problemtica psicolgica, a localiza-o das contradies de seu ser, definidas a partir doresgate de seu projeto de ser, originado de seu movi-mento no conjunto de suas relaes, ou seja, de seumovimento no mundo.

    Essa pormenorizada compreenso psicolgicapermite, no caso de um paciente de psicoterapia, queseja realizado um planejamento do processo psicote-raputico, possibilitando definir quais so os aspectosessenciais a serem trabalhados em uma intervenoclnica: as principais variveis que constituram seusimpasses psicolgicos, as relaes fundamentais deserem trabalhadas, a ordem das intervenes, os pro-cedimentos necessrios a serem adotados. Com isso,possibilita uma interveno com vistas a superar osimpasses de ser do paciente, a mudar sua personalida-de, se assim se fizesse necessrio.

    Portanto, a partir da metodologia compreensivaestabelecida nas biografias, Sartre fornece condiespara um delineamento daquilo que seria a primeiraetapa fundamental de um processo psicoteraputicocientfico: a da elaborao da compreenso psicotera-putica, sem a qual o rigor do processo torna-se ques-tionvel, j que ela que permite que o terapeuta ob-tenha clareza e segurana de como e onde intervir paraalterar o fenmeno, ou ainda, obtenha clareza de ondeintervir para fornecer ao paciente condies de redi-mensionar sua vida e seu projeto de ser, ao tomar asua histria e o seu ser em suas mos, j que esse oprincipal objetivo de cura em um processo psicotera-putico na perspectiva sartriana: possibilitar as mu-danas que se fazem necessrias, para que o pacientepossa assumir a responsabilidade de seu ser e se tornarsujeito de sua histria.

    E qual a tarefa da psicoterapia? Justamente a decolocar o ser da pessoa em suas prprias mos, namedida em que isso a viabilizar como sujeito. Qual-quer processo psicoteraputico s vai encontrar solu-o se possibilitar ao paciente converter-se em sujeitode sua prpria histria, de seu ser, para, assim, adqui-rir condies de se tornar um sujeito social ntegro,ciente de tambm ser sujeito da histria social, de serum cidado. Esse deve ser o caminho da clnica: via-bilizar o homem enquanto sujeito.

    A cura em uma psicologia clnica de perspectivasartriana s possvel pela condio de o pacientesuperar a situao em que est submetido e poderfazer alguma coisa daquilo que os outros fizeram dele.Curar transcender os problemas e colocar a resolu-o da questo ontolgica do paciente dentro de novosparmetros, em que seu projeto e desejo de ser sejamviabilizados. A cura, em uma perspectiva sartriana,nunca poderia ser, portanto, uma conformao ao queo paciente , um assumir a sua condio, uma aceita-o de si mesmo, um auto-conhecimento, uma adapta-o s circunstncias sociais, como pregam muitasoutras psicoterapias. No! A psicoterapia existencia-lista sartriana s faz sentido se possibilitar ao pacienteo seu estatuto de sujeito, ou seja, enquanto sujeito quetem de se escolher em situaes concretas, com clare-za de seu compromisso ontolgico com os outros,com a sociedade. Dessa forma, tem como meta supe-rar a alienao do sujeito.

    Portanto, atravs de seus estudos biogrficos, Sartredeixou muito claro todos os elementos essenciais paraa realizao de uma interveno psicoteraputica,apesar de ele mesmo no a ter realizado, por no serum clnico e no ter ido para um consultrio atender.Sua psicanlise existencial fornece uma teoria e umametodologia fundamentais para se pensar a psicologiaclnica em novos moldes. S preciso coloc-la emprtica, como afirma o prprio Sartre.

    J foram realizadas algumas tentativas, ao nvelmundial, de praticar a psicologia sartriana. A maisconhecida foi a realizada por Laing e Cooper, psiquia-tras ingleses, que criaram comunidades teraputicas nadcada de setenta (Cooper, 1982), utilizando-se doreferencial sartriano. O prprio Sartre elaborou o pre-fcio do livro da dupla de pesquisadores, intituladoRazo e Violncia (Laing & Cooper, 1982), onde de-clara que o que mais o encantou no livro foi a cons-tante preocupao de realizar um approach existencialdos doentes mentais. Afirma, tambm, sua convicode que os esforos desses profissionais contribuiropara tornar a psiquiatria, finalmente, humana. No en-

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    tanto, essa tentativa inglesa no foi fiel ao prpriopensamento sartriano, na medida em que se fundiucom outras metodologias e psicologias com ela incom-patveis (como a psicanlise kleiniana, por exemplo),utilizando-se do referencial sartriano como contribui-es pontuais. Assim, apesar de assinalarem o poten-cial clnico da psicologia existencialista, elas no seconstituram na sistematizao do conjunto de suateoria e metodologia.

    O aproveitamento do conjunto da obra sartriana nadireo da consolidao de uma nova perspectiva paraa psicologia e seus desdobramentos concretos para arealizao de uma clnica vem sendo praticada, hodier-namente, por alguns profissionais de que temos notcias:h um grupo de psiclogos, filsofos e outros profis-sionais e pesquisadores em Florianpolis, Santa Cata-rina, reunidos em torno do NUCA6, que h mais devinte anos vem se dedicando a estudar a obra de Sartre,e que est pondo em prtica uma metodologia psicote-raputica totalmente sustentada na filosofia e psicolo-gia sartriana. Nos Estados Unidos, h uma psicloga,Betty Cannon, que tambm realiza uma clnica sartriananos moldes acima mencionados, conforme aparece emseu livro Sartre et la Psychanalyse (Cannon, 1993).

    VII guisa de uma concluso

    Sartre participou ativamente do contexto da evolu-o do pensamento de seu tempo, tendo srias preo-cupaes com o papel das cincias na organizao dasociedade onde estava inserido. Para que esse papelfosse efetivamente transformador, como julgava ne-cessrio, propunha que a filosofia, a antropologia e apsicologia fossem questionadas em seus fundamentos,j que elas fornecem o horizonte de inteligibilidadehumana do sistema social vigente. Sua crtica maiscontundente prendia-se ao fato de que esses conheci-mentos transformam a realidade em uma mera abstra-o, em uma entidade metafsica, muito distante darealidade concreta dos indivduos. Sob o horizontedessas crticas, o francs partiu para refazer tais co-nhecimentos.

    Seu projeto terico inicial foi elaborar uma novapsicologia. A meio caminho, porm, compreendeuque s conseguiria propor uma nova perspectiva paraessa cincia se revisse seus fundamentos ontolgicos eantropolgicos, pois os impasses da psicologia tinhamali sua ncora. Partiu para a elaborao de uma novaontologia e, mais tarde, de uma nova antropologia.Mas, no fundo de suas obras, a temtica da psicologiacontinuava presente e em constante elaborao. Seus

    empreendimentos biogrficos foram exerccios prti-cos de sua psicologia em formulao.

    Em sua trajetria terica Sartre viabilizou: a) umaproposta metodolgica concreta para a rea em estudo a psicanlise existencial a partir de crticas epis-temolgicas psicologia emprica e psicanlise; b)um conjunto de reflexes no campo da psicopatologia,apontando para a superao da psicopatologia psiqui-trica ou psicanaltica e seus impasses de fundo biolo-gicista e/ou subjetivista; c) um novo arcabouo tericopara a psicologia; d) exerccios de elaborao dacompreenso psicolgica, etapa fundamental dequalquer processo psicoteraputico, como podemosver em suas biografias de Jean Genet e Flaubert. Todosesses empreendimentos demonstram que a obra deSartre insere-se, tambm, no campo da psicologiaclnica, com importantes contribuies para a supera-o dos impasses da rea:

    no que tange sua dimenso epistemolgica, aopropor uma novo estatuto de cientificidade paraa psicologia;

    no que tange sua dimenso terica, ao forne-cer uma concepo ontolgica, antropolgica epsicolgica que colocam o homem como serhistrico-social, compreendendo a personalidadee as complicaes psicolgicas como processosde construo do seu ser individual na relaocom o contexto antropolgico e sociolgico,portanto, com sua faceta objetiva e subjetiva,tendo o homem como sujeito de seu ser;

    no que tange dimenso metodolgica, ao esbo-ar um novo mtodo, a psicanlise existencial,que viabiliza a investigao clnica e interven-o prtica a partir das duas dimenses acimaelencadas;

    a partir do equacionamento das questes epis-temolgicas, tericas e metodolgicas, adquire-se condies de realizar a problematizao dasquestes ideolgicas e polticas dentro de umnovo patamar, decorrentes de uma propostaefetiva de um novo fazer do psiclogo.

    Dessa forma, Sartre construiu um novo arcabouoterico-metodolgico para a psicologia, que coloca arelao do homem com a sociedade em outras bases,fornecendo elementos terico-epistemolgicos para anecessria superao dos processos de alienao, soli-do e enlouquecimento tpicos da cultura contempor-nea.

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    Os conhecimentos psicolgicos e filosficos pro-postos por Sartre fornecem as condies necessriaspara a viabilizao de um momento ps-psiquitrico,que supere os impasse gerados pela dialtica entre atese psiquiatrizante e sua anttese antipsiquiatrizanteou antimanicomial, conforme nos afirma Bertolino(Leone, 2000).

    Consideramos como absolutamente necessria eenriquecedora uma reflexo sobre o pensamento sar-triano para a realidade contempornea, por constituir-se em uma das mais inovadoras compreenses dehomem e de sociedade contempornea e, portanto, emuma reviravolta para as cincias hodiernas, principal-mente em suas elaboraes para a psicologia e, maisespecificamente, para a psicologia clnica.

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    Recebido: 14/11/2005Revisado: 20/03/2006

    Aceito: 09/05/2006

    Notas:1 Artigo extrado da tese de doutorado da autora: Novas Perspectivas para a Psicologia Clnica: Um estudo a partir da obra Saint Genet:Comdien et martyr de Jean-Paul Sartre. Programa de Ps-Graduao em Psicologia Clnica da PUC/SP, 2002.

    2 As referncias s obras de Sartre viro seguidas de duas datas. A primeira a de sua publicao no original francs; a segunda de suatraduo para o portugus, mais especificamente a da edio que a autora dispe. Nas referncias bibliogrficas, com a finalidade desubsidiar os leitores interessados na obra sartriana, sero referenciados de forma independente o livro no seu original francs e sua tra-duo para o portugus.

    3 Livro ainda sem edio para o portugus.

    4 Neste artigo, infelizmente, no temos condies, em termos do seu objetivo e do espao disponvel, de descrever a filosofia e psicolo-gia sartrianas em seus detalhes, apesar de sua importncia para melhor compreenso do tema proposto. Dessa forma, realizamos aquisua sntese e indicamos a tese da autora (Schneider, 2002) para os interessados em conhecer mais profundamente esses outros aspectos.

    5 Em seus livros escritos nos anos 1930, principalmente no Esboo de uma Teoria das Emoes, O Imaginrio e O Ser e o Nada (ops.cits.), Sartre tece uma srie de crticas psicologia emprica (que abarcaria a psicologia estruturalista do final do sculo XIX e incio dosculo XX, assim como sua herdeira, a psicologia behaviorista), bem como psicanlise, que ele tambm chama de emprica. Essascrticas vo desde aspectos propriamente epistemolgicos, onde discute a problemtica do empirismo, que faz com que a psicologiaenquanto se pretenda como cincia, no faa mais do que uma juno de fatos heterogneos, dos quais a maior parte no tem ligaoentre si (Sartre, 1939, p. 12), passando por aspectos propriamente tericos, como o questionamento filosfico aos pressupostos dametapsicologia psicanaltica, com seus conceitos de inconsciente, censura, pulso etc. Diz Sartre (1943, p. 98) sem dvida, se rejeita-mos a linguagem e a mitologia coisificante da psicanlise, veremos que a censura, para agir com discernimento, deve saber o que re-prime. (...) Seria possvel conceber um saber ignorante de si?. Essas entre outras crticas, levam-no, inclusive a questionar a metodo-logia interpretativa da psicanlise, quando discute que a simblica universal utilizada pelos psicanalistas realiza generalizaes quedesconsideram a idiossincrasia de cada caso clnico, por estar sustentada em uma noo determinista (Sartre, 1943). Essas entre outrascrticas demonstram o corte epistemolgico e terico pretendido por Sartre em relao ao que ele designa de psicologia e psicanliseempricas. Verificar esses argumentos na tese da autora (Schneider, 2002).

    6 Ncleo Castor estudos e atividades em existencialismo site: www.nuca.org.br. Neste site h relatos de vrios casos clnicos traba-lhos na perspectiva da psicologia clnica sartriana, que ajudam a elucidar em termos prticos a discusso terica aqui realizada.

    Sobre a autora:Daniela Ribeiro Schneider: Professora do Departamento de Psicologia da UFSC, Psicloga, Doutora em Psicologia Clnica, Mestre emEducao, Especialista em Psicologia Clnica, com Formao em Psicologia Existencialista pelo NUCA (Ncleo Castor Estudos eAtividades em Existencialismo www.nuca.org.br).Endereo para correspondncia: Rua Padre Loureno R. de Andrade, 650 Santo Antnio de Lisboa 88050-400 Florianpolis/SCEndereo eletrnico: [email protected].