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Cool Japan: Estudo comparativo das políticas culturais do Brasil e do Japão para a promoção de cidades criativas Pilar Luz Rodrigues 1 O presente artigo analisa o projeto "Cool Japan", uma iniciativa japonesa para reforma cultural, em um estudo comparativo com as recentes iniciativas governamentais no Brasil para a promoção da cultura e da criatividade, com foco em cidades criativas. "Cool Japan" e "Cool Tokyo" foram criados com o objetivo principal de projetar uma imagem "cool" do Japão e suas cidades no exterior, através da promoção de empresas criativas e expressão cultural, uma ação que, para muitos pesquisadores de relações internacionais é conhecido como "softpower". Para realizar este projeto com sucesso, o Japão trabalhou "bottom up", juntando representantes do governo, das universidades, empresários e artistas. Um país que já foi conhecido mundialmente pela sua produção em massa e indústrias de tecnologia agora se transformou em um ambiente criativo, não só através do desenvolvimento de novas indústrias inovadoras, na televisão, vídeo games e na moda, por exemplo, mas na rotulagem de sua criatividade como "cool" internacionalmente para promover o desenvolvimento das cidades que foram esquecidos pelos turistas, para promover novos empreendedores criativos e uma comunidade artística, bem como para mudar a imagem de seu mercado tradicional. Finalmente, este trabalho sugere o "Cool Japan" como um modelo para o Brasil. Palavras-chaves: Cool Japan. Cool Tokyo. Cidades Criativas. Políticas Culturais. Softpower. 1 Bacharel em Relações Internacionais e Pós-Graduanda em Gestão Cultural. Programa de pós-graduação em Gestão Cultural. Centro Universitário SENAC São Paulo. Tel: +55 (19) 9364- 1414. E-mail: [email protected]

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Cool Japan: Estudo comparativo das políticas culturais do Brasil e do

Japão para a promoção de cidades criativas

Pilar Luz Rodrigues1

O presente artigo analisa o projeto "Cool Japan", uma iniciativa japonesa para reforma

cultural, em um estudo comparativo com as recentes iniciativas governamentais no Brasil para

a promoção da cultura e da criatividade, com foco em cidades criativas. "Cool Japan" e "Cool

Tokyo" foram criados com o objetivo principal de projetar uma imagem "cool" do Japão e

suas cidades no exterior, através da promoção de empresas criativas e expressão cultural, uma

ação que, para muitos pesquisadores de relações internacionais é conhecido como

"softpower". Para realizar este projeto com sucesso, o Japão trabalhou "bottom up", juntando

representantes do governo, das universidades, empresários e artistas. Um país que já foi

conhecido mundialmente pela sua produção em massa e indústrias de tecnologia agora se

transformou em um ambiente criativo, não só através do desenvolvimento de novas indústrias

inovadoras, na televisão, vídeo games e na moda, por exemplo, mas na rotulagem de sua

criatividade como "cool" internacionalmente para promover o desenvolvimento das cidades

que foram esquecidos pelos turistas, para promover novos empreendedores criativos e uma

comunidade artística, bem como para mudar a imagem de seu mercado tradicional.

Finalmente, este trabalho sugere o "Cool Japan" como um modelo para o Brasil.

Palavras-chaves: Cool Japan. Cool Tokyo. Cidades Criativas. Políticas Culturais. Softpower.

1Bacharel em Relações Internacionais e Pós-Graduanda em Gestão Cultural.

Programa de pós-graduação em Gestão Cultural. Centro Universitário SENAC São Paulo. Tel: +55 (19) 9364-1414. E-mail: [email protected]

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Cool Japan: A comparative study of the cultural policies in Brazil and

Japan for the promotion of creative cities

Pilar Luz Rodrigues2

The present article analyzes the “Cool Japan” project, a Japanese initiative for cultural

reform, in a comparative study with recent governmental initiatives in Brazil for the

promotion of culture and creativity, with a focus on creative cities. “Cool Japan” and “Cool

Tokyo” were created with the main objective of projecting a “cool” image of Japan and its

cities abroad through the promotion of creative businesses and cultural expression, an action

that to many international relations researchers is known as “softpower”. To pursue this

project successfully, Japan worked “bottom up”, bringing together government officials, the

academy, entrepreneurs and artists. A country that was once known worldwide for its mass

production and technology industries has now transformed itself into a creative environment,

not only developing new innovative industries, in television, video games and fashion, for

instance, but labeling its creativity as “cool” internationally to promote the development of

cities that were once forgotten by tourists, to promote new creative entrepreneurs and an

artistic community, as well as to change the image of its traditional market. Finally, the paper

envisions “Cool Japan” as a model for Brazil.

Key-words: Cool Japan. Cool Tokyo. Creative Cities. Cultural Policies. Softpower.

2 BA in International Relations and currently a graduate student in Cultural Management.

Graduate program in Cultural Management. Centro Universitário SENAC São Paulo. Tel: +55 (19) 9364-1414. E-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

A cultura tem recebido especial atenção nas agendas nacional e internacional nos

últimos anos, não só por questões de preservação, mas também por questões relativas à

promoção, à formulação de políticas culturais, à cultura para o desenvolvimento, ao comércio,

e à ações frente à globalização. Após mudanças em nível global, com o fim da Guerra Fria, o

mundo se viu frente a uma rápida transformação em termos políticos, de tecnologia, de troca

de informações, de comércio, entre outros fatores. Esse processo, que se intensificou após os

anos 80, deu origem ao mundo globalizado em que vivemos hoje. Até mesmo sem sairmos de

casa, podemos adquirir produtos vindos de diversos lugares e trocar informações com uma

incrível rapidez. O mundo se vê cada vez mais como um só, ou uma cultura só,

compartilhando das mesmas experiências e se assemelhando em aspectos que, até 40 anos

atrás, não imaginaríamos possível.

Ao mesmo tempo em que a globalização nos trouxe tantas possibilidades, introduziu

consequências que vêm provocando debates entre pesquisadores que questionam se este é um

fenômeno positivo ou negativo. Apesar de muitos apoiarem a ideia da globalização, algumas

consequências de seu apogeu têm provocado implicações, principalmente no que se refere à

cultura. O mundo diverso, com culturas, hábitos, línguas, etnias, crenças, e expressões

diferentes vêm se tornando cada vez mais um só, expressado por pesquisadores como “cultura

em massa”. Como Cesnik e Beltrami colocam:

O grande vilão do processo da globalização da cultura é o risco da homogeneidade,

da perda do referencial local nas respostas aos problemas de cada sociedade, que se

reflete nas manifestações culturais. A homogeneidade situa-se na esfera da

racionalidade hegemônica em que pouca saída existe para a variedade, criatividade e

espontaneidade. (2005, p. 41)

A homogeneidade e a transformação da cultura em uma cultura em massa têm

proporcionado à abertura de uma nova preocupação mundial. O que cada país possuía como

diferencial, como aspectos da língua, tradições, e expressões artísticas, tem se mesclado com

outras culturas, gerando uma crise de identidade nacional. A riqueza de cada país, nação ou

região reside em sua diversidade cultural e a perda ou enfraquecimento dessa pode prejudicar

o país em seu desenvolvimento social, político e econômico. Em contraposição, algumas

regiões no mundo utilizaram a globalização cultural em seu favor, como observado nas

indústrias culturais e criativas. A cultura, a diversidade e a globalização são temas

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contemporâneos ainda em discussão, colocando como desafio a formulação apropriada de

políticas para a sua promoção e seu incentivo no âmbito do desenvolvimento sustentável.

Surgem novas formas de atuação, como soluções para problemas causados pela

globalização. Uma das soluções no âmbito das relações internacionais, criada pelo americano

Joseph Nye, é a promoção do “softpower”, ou poder brando. O poder brando surge como um

novo modelo de atuação para a busca de poder internacional, através da imagem e da cultura.

Neste artigo, emprega-se como exemplo e referência um caso específico do Japão na

formulação de políticas culturais e na busca não somente de poder, mas de uma solução para

problemas de desenvolvimento social e econômico. Trata-se do inovador modelo de plano

cultural de Estado, com o nome “Cool Japan”, que desde 2002 tem sido foco governamental

para a promoção de cultura e criatividade, através do empreendedorismo cultural.

2 CULTURA E DESENVOLVIMENTO

Pesquisadores postulam que a globalização quebrou as “fronteiras” que distanciavam

os países e as culturas, e que, de certa forma, as preservavam contra o desenvolvimento de

uma cultura em massa. Como Cesnik e Beltrami colocam:

As formas clássicas de interferência cultural eram o colonialismo, a guerra e a

emigração. Hoje em dia a globalização cumpre esse papel, pois, independentemente

das mobilizações das pessoas, de grupos sociais de diversas procedências culturais,

religiões ou étnicas, o contato com outras culturas também é facilitado pela

expansão das indústrias culturais, pelo avanço das formas do comércio internacional

no qual a cultura encontrou seu espaço, pela integração de temas culturais no mundo

(...) e pela simplicidade de trânsito do indivíduo. (2005, p.5)

De acordo com Cesnik e Beltrami a cultura está interligada com a sociedade, em que

uma não pode existir sem a outra. Os autores assim comentam o assunto:

Sociedade pode ser entendida como um sistema de inter-relações que vincula os

indivíduos, as quais estão presentes pelo fato de que seus membros se organizam

segundo relações sociais estruturadas, que se baseiam em uma cultura. Portanto a

cultura é o elemento primordial que dá unidade a uma sociedade e se cria com base

em relações que fazem sentido nesse contexto. (...) Não pode haver cultura sem

sociedade e nem tampouco sociedade sem cultura. (...) A cultura define a sociedade

pela capacidade que ela desenvolve de criar elementos que permitem à própria

sociedade se reconhecer. (2005, p. 3)

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A cultura, por ser um fator plural, possui diferentes conceitos em diversos campos de

estudo. Isso, por vezes, dificulta o processo de formulação de políticas culturais. Além de

fator primordial para a construção da sociedade, a cultura, em tempos contemporâneos,

apresenta-se como uma simbologia. O que tem se tornado mais característico sobre a cultura,

nos tempos modernos, é o fato de ela expressar um valor simbólico, gerador do sentimento de

identidade cultural, regional e até nacional. Precisa-se antes de tudo olhar para cada uma de

nossas histórias e culturas, e entendê-las, para que se possa trabalhar de maneira mais propícia

a solução de novos problemas.

De certo modo, a cultura e sociedade se associam a um determinado lugar ou região,

onde se constroem referências (BELTRAMI, p.58). A globalização, quebrando fronteiras

simbólicas e de contato com outras culturas surge, como um facilitador para a fragilidade da

diversidade cultural mundial. Novos problemas advindos no final da década de 80 levaram a

comunidade internacional a se reorganizar para o desenvolvimento sustentável. Promover a

cultura e a diversidade vai além da preservação da história, do incentivo a novas expressões

culturais e do apoio para o fortalecimento das existentes. Significa, sobretudo, crescer e gerar

novas ideias e valores.

Sobre a diversidade cultural, François de Bernard nos mostra que esta só pode existir

na luta das formas culturais, não só contra a sua própria natureza, ou biodiversidade, como

contra outras formas culturais.

O diverso cultural só se torna o que ele é na prova desta dupla luta incessante com o

biodiverso e com ele mesmo (com o outro e múltiplo das culturas). O “intercultural”

lembra, por seu conceito, que as culturas só advêm por seu conflito com as

condições e as formas naturais, mas também apenas por e em seus encontros com

outras culturas. O “inter” de intercultural pode designar um encontro pacífico ou

guerreiro, mas certamente um encontro que produz diversus. (BERNARD, p. 76)

O desenvolvimento, por sua vez, também ganha novas dimensões a partir da

globalização. O mundo, antes dividido pela bipolaridade, se centralizava na busca do poder,

através do fortalecimento militar e do desenvolvimento econômico. Com as mudanças globais

a questão do desenvolvimento ganha novas feições como a sustentabilidade, a preservação

ambiental, o desenvolvimento social, o desenvolvimento tecnológico, a integração regional, e

o desenvolvimento cultural e criativo. A posse física de matérias e recursos deixa de ser o

fator primordial para se obter poder e o valor e a geração do simbólico ganha maior relevância

como “arma” para a propagação de desenvolvimento e poder.

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Em contraposição, Bernard nos alerta para uma problemática de formulações de

políticas e trabalhos no intuito da preservação e promoção da diversidade cultural para o

desenvolvimento, indicando que a diversidade cultural ainda permanece estática demais. De

acordo com o autor:

Tudo se passa como se se tratasse, sobretudo de normatizar antes para poder em

seguida “administrar melhor” uma diversidade cultural que nos esforçaríamos em

esquecer que não é apenas produtora de arte e beleza, mas também se encontra na

origem de muitos conflitos humanos. (...) A diversidade cultural deve deixar de ser

estatuto habitual de “questão” para ser entendida como uma “resposta”.

(BERNARD, p. 77)

3 GLOBALIZAÇÃO E SOFTPOWER

Estudos da história das Relações Internacionais Contemporâneas nos mostram que,

apesar do termo globalização já existir há alguns anos, o fenômeno foi impulsionado e

“apressado”, de certa forma, pelos eventos marcados na década de 80 e 90 (CERVO, 2008, p.

323). Descrito por Almeida como a fase de “grande transformação”, este período representa

um momento de transição entre a fase clássica da Guerra Fria e a formação da nova ordem

internacional (2008, p.253), tendo como palco principal a disputa ideológica entre as duas

superpotências, Estados Unidos e União Soviética, desde o final da Segunda Guerra Mundial.

O fim do comunismo e o desaparecimento da União Soviética geraram um impacto

nas relações internacionais, deixando o mundo marcado com uma sensação de conclusão. No

dizer de Fukuyama, tratava-se do fim da história (1992). O conflito indireto entre os Estados

Unidos e a União Soviética, de 1945 a 1991, afetou não somente os envolvidos, mas toda a

composição internacional, atingindo seu auge com o programa armamentista americano

denominado “Guerra nas Estrelas”, nos anos 80. O advento da corrida armamentista e

tecnológica, que caracterizou as disputas entre as duas potências ao longo dessas duas

décadas, levou os dois países a buscarem, em curto espaço de tempo, avanços para o

desenvolvimento de setores ligados à tecnologia aeroespacial, nuclear e de informação.

Com o rápido desenvolvimento de tecnologias, principalmente de informação,

provocado pela corrida entre as duas potências, e com as mudanças no comércio

internacional, acelerou-se o fenômeno da globalização. Um termo ainda em construção e com

várias definições, a globalização é definida por Jackson e Sorensen como “um processo de

difusão e intensificação das relações culturais, sociais e econômicas através das fronteiras

7

internacionais” (2007, p. 289), que engloba diversas áreas como economia, política,

tecnologia, entre outras. É motivada por vários fatores, porém principalmente pelo impulso

do desenvolvimento tecnológico e pela competição econômica entre as empresas (JACKSON,

SORENSEN, 2007, p. 290). Já para Albuquerque, em seu livro sobre as relações

internacionais contemporâneas, a globalização pode ser resumida nas seguintes palavras:

A chamada globalização resulta da transnacionalização numa era de mobilidade

“instantânea” de conhecimentos, pessoas e capital e consiste na desterritorialização

de processos que, desde sua formação, o Estado-nacional conseguia domar,

submetendo-os à sua autoridade territorial. (2007, p. 107)

Existem diversas abordagens e teorias relativas à globalização, e grandes debates sobre

as consequências geradas por este fenômeno. Para muitos, a globalização é uma característica

positiva do novo sistema mundial, que gera maiores possibilidades para avanços econômicos

(JACKSON, SORENSEN, 2007, p. 291). Muitos dos economistas são otimistas em relação a

este fenômeno, a exemplo do americano Milton Friedman que celebra a possibilidade de “se

produzir um produto em qualquer local, utilizando recursos derivados de qualquer parte, por

uma empresa localizada em qualquer lugar e que será vendido em um outro lugar”(1993).

Por outro lado, a globalização econômica incentivou a formação de novos movimentos

sociais em diversas partes do mundo, voltados para resistir ao fenômeno e seus efeitos

adversos. Tais movimentos, chamados por Manuel Castells de “identidade de resistência”,

foram concebidos e gerados, segundo Jackson e Sorensen “por aqueles atores em posições,

condições desvalorizadas e/ou estigmatizados pela lógica da dominação” (2007, p. 298).

Apesar de seus aspectos positivos, a globalização apresentou novos desafios e

problemas para os atores internacionais. Por exemplo, a homogeneização cultural, ou “cultura

em massa”, passou a colocar a cultura como prioridade na agenda internacional, uma vez que

com a rápida transferência de informações, com o impulso da interdependência, a cultura

estava se tornando cada vez mais uma só. Nas palavras de Cervo:

O que se assemelhava a uma unificação do mundo por obra dos modernos meios de

comunicação, da abertura e globalização de mercados e do avanço das instituições

democráticas não impediu o refluxo das políticas de segurança para dentro dos

Estados [...]. O novo mundo tornava-se mais incerto, mais complexo e não menos

perigoso. (2008, p.319)

Surge, também, o softpower, como um instrumento alternativo de influência

internacional (NYE, 2008, p. 95). O termo softpower, tem a ver com a teoria de Joseph Nye

que o contrapõe ao chamado hardpower tanto utilizado nos Estados Unidos. A partir de

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estudos sobre as ações políticas dos Estados Unidos, Nye identificou que, em sua maior parte,

o país utilizava-se do “poder duro”, ou seja, do uso da força para obter os resultados que

desejava. Nye, notou que o país utilizava principalmente o que ele chamava de “cenouras”, ou

seja, pagamentos, e “paus”, a ameaça do uso da força, porém que o poder possuia uma outra

maneira de ser conquistado e que deveria ser explorado. Se o poder é justamente a “habilidade

de influenciar o comportamento dos outros para se conquistar o resultado que deseja”

(NYE,2004, p.1), o softpower poderia ser empregado com o mesmo fim do hardpower.. Para

Nye, os recursos que geram o softpower advêm, principalmente, da cultura do país. Nas

palavras de Nye:

O softpower de um país reside, sobretudo, em três recursos: sua cultura (em lugares

onde é atraente para outros), seus valores políticos (quando o país demonstra

fidelidade a eles em casa e no exterior) e suas políticas externas (quando são

enxergadas como legítimas e como detentoras de autoridade moral) (NYE, 2008, p.

97).

Nessa perspectiva, não cabe dúvida quanto ao potencial da Economia Criativa e da

cultura como fontes de softpower para os mais diversos países, sejam eles grandes ou

pequenos, desenvolvidos ou em desenvolvimento.

4 COOL JAPAN

Muito tem se ouvido falar nos últimos anos sobre indústrias culturais e economia

criativa como formas alternativas para combater o processo de cultura em massa que

acompanhou o fenômeno da globalização. Influências desse novo movimento vieram da

Austrália, um dos primeiros países a formular políticas culturais como prioridade de Estado, e

da Inglaterra que tem investido em grande escala nas áreas cultural e criativa como

instrumentos para o desenvolvimento em momentos de crise. Por conta disso, muitos dos

conceitos e influências que países em desenvolvimento empregam relativas à política cultural

são oriundas desses países. É interessante observar que outros países e regiões têm adotado

essa nova forma de atuação, e que podem também ter bastante relevância para usarmos como

exemplo e reflexão na discussão de políticas culturais e desenvolvimento.

Após nove anos de planejamento e debates, voltados para a solução de problemas em

momentos de crise através da criatividade, o Japão anunciou uma proposta com este objetivo,

implantando a nova política de Estado, no dia 12 de maio de 2011, denominada “Cool Japan”

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(JAPAN, 2011, pg.1). Em conjunto com este novo plano, foi criado também o “Cool Tokyo”,

no dia 04 de novembro do mesmo ano, no intuito de divulgar a cidade como cidade criativa.

Este novo projeto do Japão, com base em inspirações advindas do governo de Blair, na

Inglaterra em 97, visava reconstruir, a longo prazo, a imagem que o mundo tinha do país,

tornando-o mais “descolado”, mais ligado à cultura jovem e pop (YOSHIMOTO, p.1).

Esta ideia primeiramente surgiu após a publicação de um artigo pelo jornalista

americano Douglas McGray sobre o que seria o “Japan´s Gross National Cool”. McGray

escreveu sobre o potencial do Japão como uma superpotência cultural, deixando de ser aquele

país que conhecíamos pelas indústrias e por uma população estritamente tradicional, para ser

um país com música pop, eletrônicos, arquitetura, moda, animação e gastronomia

(MCGRAY, p.1). De acordo com o jornalista, o Japão vinha superando de forma

surpreendente as crises políticas e econômicas, para se tornar um referencial em arte e cultura,

diferentemente do que se promovia há alguns anos.

McGray, em sua pesquisa, fala da influência estrangeira na arte e cultura japonesa

contemporânea, mas aponta também que, no mundo globalizado, em que vivemos hoje,

dificilmente as novas ideias não serão influenciadas pelo estrangeiro, e isso podemos observar

inclusive nas produções americanas. O quão realmente os produtos americanos são de fato

americanos? O autor coloca alguns exemplos de empreendedorismo cultural de destaque no

Japão, conhecidos internacionalmente, como a famosa gatinha Hello Kitty da Sanrio, Sony,

Nintendo, Pokemon, mangá e animé. Aponta também para alguns exemplos de aspectos

culturais, e até tradicionais do país que têm destaque internacional, como o sumo (MCGRAY,

p.6). A gastronomia japonesa passou a ser conhecida internacionalmente, com a abertura de

inúmeros restaurantes no mundo, divulgando de forma surpreendente a cultura gastronômica

do país, a exemplo da utilização de hashis, que até pouco tempo apenas uma minoria fora da

Ásia sabia utilizar. O Japão também tem sido palco de destaque no mundo da moda, com a

participação de estilistas em eventos internacionais do setor, caso de Comme des Garçons,

Kenzo, Yoji Yamamoto e Issey Miyake, e com o surgimento de fashion weeks dentro do

próprio país, propiciando um ambiente favorável para o crescimento de estilistas e da

criatividade japonesa na indústria da moda.

O jornalista americano também comentou sobre o que levou a essa mudança de visão

cultural no Japão, e colocou como destaque o surgimento de jovens empreendedores.

Perversamente, a recessão pode ter impulsionado o “cool” nacional do Japão,

desacreditando a rígida hierarquia social do Japão e incentivando jovens

empresários. Pode também ter afrouxado a garra que a carreira em grandes negócios

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tanto tinha na força de trabalho do Japão, que agora enfrentam estigmas sociais para

a experimentação com a arte, música, ou qualquer número de empreendimentos

semelhantes, de característica mais arriscada. "Há uma nova criatividade aqui,

porque há menos dinheiro".” (MCGRAY, p.7)

McGray ainda explicou que o próprio consumidor japonês mudou nos últimos anos, e

que houve uma alteração social no país provocado pela situação econômica. Como o autor

coloca:

Uma geração caracterizada pelo declínio de natalidade tem preenchido Tóquio com

famílias de filhos únicos. Na escassez, há poder. Não o poder político, ainda não de

qualquer forma, mas o poder do consumidor, e muito. (...) As crianças sentem que

são raros (...) e assim tendem a ser mimados. (2001, p. 8)

O jornalista fez referência, no final de sua pesquisa, à teoria do softpower, afirmando

que não há como medir “cool” nacional, por ser uma forma de poder brando. Mencionando

Nye em seu texto, McGray se posiciona favorável e otimista em relação à construção e

consolidação de um poder brando no Japão, através da formação de uma identidade nacional

caracterizada pelo “descolado” e acredita que o Japão tem um potencial incomensurável para

se tornar uma superpotência.

O “Cool Japan”, conhecido também como “Japan´s Gross National Cool” (GNC), “J-

cool” e “Japan Brand”, surgiu como uma reação a crises econômicas e mudanças sociais no

país. A antropóloga Anne Allison, faz uma análise da história do Japão e da evolução dos

jovens para explicar, e até criticar, esta nova política de Estado. Allison explicou que o Japão

já há muito tempo necessitava e reconhecia a necessidade de mudar a imagem que o mundo

tinha do país, muito prejudicado por fatores históricos. O envolvimento em guerras e a forma

de atuação de governos passados deixaram uma imagem negativa do Japão, “etiquetando” o

país como um ambiente não amigável, agressivo e como uma região puramente industrial.

Além disso, o Japão há muitas décadas tinha problemas com seus vizinhos asiáticos, o que

dificultava o diálogo e o trabalho em conjunto por razões políticas, econômicas ou

estratégicas. O governo japonês, dessa forma, começou a perceber que trabalhando a sua

imagem poderia mudar progressivamente a imagem que historicamente o mundo tinha do

país, gerando condições favoráveis não só para o turismo, o empreendedorismo, o comércio e

a indústria, mas para as negociações e participações políticas internacionais. Tratou-se aqui de

uma construção de uma imagem simbólica e de um poder de persuasão, através da divulgação

de qualidades interessantes.

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O Poder global está mudando hoje, tornando-se descentrado e recentralizado por

novos produtores culturais como o Japão. Softpower é a promessa do J-cool aos

olhos de muitos no Japão. (...) A esperança – e a premissa - é que, com a circulação

de produtos japoneses no globo, como o Pokémon, eles o fazem inspirando desejos

em consumidores globais para algo japonês. (ALLISON, p.93)

É importante ressaltar que este novo plano não foi somente uma iniciativa do governo

japonês, mas foi principalmente resultado espontâneo da reação de setores japoneses à

situação econômica e política do país, e à globalização. Com o surgimento de crises, o modelo

social se transformou, mudando o que antes era mundialmente conhecido pelas indústrias e

pela ética rígida de trabalho que Allison descreve como “Japan Inc.” (2009, p.93). Com a

dificuldade econômica, passou a cair o índice de natalidade no país, o que gerou uma

mudança social, levando muitas famílias a terem filhos únicos, e assim a alterar a estrutura

familiar, diminuindo a quantidade de famílias com irmãos e tios. Essa nova geração de jovens

filhos únicos cresceram em um ambiente em que a concorrência para uma vaga de trabalho

era alta. Estes foram criados para terem a melhor educação desde cedo, mas não

necessariamente conseguiam um espaço no mercado de trabalho. Em grande parte, existem

jovens altamente qualificados desempregados ou em subempregos (ALLISON, p. 97). Estes

jovens sem emprego começaram a passar mais tempo consumindo e participando de

atividades culturais. Passaram também a usar a criatividade para criar novas pequenas

empresas. Dessa forma, os jovens japoneses formaram uma espécie de ciclo, em que há um

maior consumo de produtos culturais e criativos, e em que novas empresas criativas são

criadas para suprir a demanda dos jovens. Destacado por Barral:

Os otakus são os primeiros a testar as novidades, constituem as bases das pesquisas

e povoam os escritórios de estudos. Encontram-se na Sega, na Nintendo, na Sony,

nas revistas especializadas, nas empresas de novas tecnologias, nas lojas de discos,

nas estações de rádio e nas televisões. Nenhum campo lhes escapa, e os novos

produtos, as novas tendências, devem-se a sua erudição sem limite e a sua

curiosidade insaciável. Graças a eles, o Japão não é apenas um exportador de

produtos de alto valor agregado, mas um exportador “cultural”. (2000, p. 13-14)

O “cool” do Japão em grande parte deriva da infeliz consequência de uma

reestruturação social no país, que, ao mesmo tempo, surge como uma nova possibilidade para

a renovação da forma de atuação governamental e econômica voltada para o

desenvolvimento. O Estado passou, então, a trabalhar de forma “bottom up” (de baixo para

cima), juntando agências governamentais, universidades, empresas e produtores culturais para

o desenvolvimento e a formação do Cool Japan e do fomento da cultura para a geração de

uma imagem cada vez mais positiva.

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5 COOL TOKYO E AS CIDADES CRIATIVAS NO JAPÃO

O “Cool Japan”, política de indústria criativa, também conhecida como “Projeto Cool

Japan”, foi estabelecido em 2011 pelo Ministério de Economia, Comércio e Indústria do

Japão (METI). O projeto, hoje administrado pela Divisão de Indústrias Criativas do

Departamento de Comércio e Política de Informação do Ministério, é fruto da percepção do

governo japonês quanto às mudanças na estrutura de sua sociedade, à oportunidade de

crescimento através de pequenas e médias empresas, e também à existência de jovens

empreendedores criativos. Busca melhorar a sua imagem perante outros países (JAPAN,

2012, p.1). A estratégia, organizada por um grupo de especialistas dos setores públicos e

privados, se baseia na união de trabalho entre a academia, indústrias, e setores do governo

para a realização de trabalhos e pesquisas em conjunto, no intuito de promover a “marca do

Japão” e o crescimento do país através da cultura e criatividade.

Como parte desta iniciativa, e também como resultado do Creative Tokyo Forum

2011, organizado pelo METI, surge a proposta da política cultural “Creative Tokyo”, no

âmbito da cidade criativa. Esta política, que ganhou até sua marca própria, tem como slogan

“Caminhando em direção a um Tóquio Criativo – Transformando Tóquio em um hub

criativo”. Como colocado em declaração oficial:

Agora é o momento em que o Japão deve construir uma nova sociedade através da

combinação de poderes de suas indústrias, economia e da cultura. Com uma

compreensão clara da situação atual do nosso país em mente, nós apoiamos e

promovemos o desenvolvimento e diversidade das nossas indústrias criativas.

Esperamos, finalmente, transformar Tóquio no centro criativo mais importante da

Ásia. Além disso, gostaríamos de propor usar o poder da criatividade para dinamizar

o Japão, com o último objetivo de melhorar a imagem do nosso país. Portanto, os

serviços competentes do governo, autoridades locais e líderes do setor privado,

todos colaborarão para intensificar o intercâmbio entre pessoas e informações, e para

reformar as questões institucionais (JAPAN, 2011, p.1).

A comissão do Creative Tokyo coloca como prioridades as seguintes ações:

1. Com o apoio dos distritos de Tóquio, a criatividade japonesa será transmitida tanto

em nível internacional quanto nacional. Com isso, vamos procurar trazer recursos

humanos talentosos, informações e recursos relevantes de todo o mundo. Também

pretendemos estabelecer Tóquio como um hub criativo exemplar;

2. Pretendemos promover o reforço em cooperação entre as empresas e levá-los para

além da classificação de 'indústrias', criando empresas que estão relacionadas com a

13

cultura japonesa e estilo de vida. Com isso, vamos aumentar o consumo interno do

Japão e apoiar as operações no exterior das nossas empresas nacionais;

3. Vamos convidar personalidades mundiais criativas ao Japão. Procuraremos trabalhar

juntos e criar oportunidades para que jovens talentos possam aperfeiçoar-se e

prosperar em uma variedade de culturas. Através destes esforços, vamos procurar

nutrir recursos humanos e corporações de forma que será eficaz internacionalmente;

4. Em cooperação com as cidades criativas nacionais e internacionais, que terá como

objetivo assegurar as oportunidades de negócio global por meio do intercâmbio de

recursos humanos e informação relevante e, por meio da operação de projetos

conjuntos;

5. Com o apoio dos distritos de Tóquio, iremos desenvolver ambientes livres de

quaisquer restrições desnecessárias, para que possamos acolher novos valores e

facilitar atividades criativas. Com isso, esperamos construir um novo futuro para o

Japão (JAPAN, 2011, p.1).

Creative Tokyo tem três principais objetivos, entre os quais, primeiramente,

demonstrar seu potencial frente a outras grandes cidades culturais, como Nova Iorque, Paris e

Milão. Além disso, visa apresentar um Japão mais “descolado” para o mundo, melhorando

sua imagem em termos de arte, cultura, estilo de vida, hospitalidade, tecnologia, tradições,

entre outros. Por último, o país objetiva, com essa nova política, quebrar certas barreiras em

relação a negócios internacionais promovendo uma maior colaboração entre o Japão e outros

países (Anexo A).

O Japão, dessa forma, se vê perante uma oportunidade de crescimento, principalmente,

através da ascensão de uma “classe criativa”. Richard Florida, um dos pesquisadores mais

conhecidos no assunto, nos diz que “o desenvolvimento econômico está diretamente ligado à

presença da classe criativa”, e com isso “ao escolher sua localização residencial, os

trabalhadores “criativos” privilegiam as qualidades de um espaço urbano que valorizem e

favoreçam a criatividade, quais sejam: uma grande tolerância e uma atmosfera cool,

descontraída e boêmia”(VIVANT, 2012, p. 10). Ainda sobre cidades criativas, a pesquisadora

Elsa Vivant nos afirma:

Os membros dessa classe escolhem um lugar para morar em função das

características “criativas” dele. Sua presença e concentração em dado território

atraem e permitem o desenvolvimento de empresas de alto valor agregado. Então,

isso significa que para atrair e permitir o desenvolvimento das empresas ditas

criativas é preciso produzir um cenário de vida que satisfaça os gostos e as

necessidades dos trabalhadores criativos (2012, p. 12).

Com o boom do Cool Japan e Cool Tokyo, e com o Japão se movimentando para

transformar-se em um país cada vez mais receptivo ao criativo, crescem as iniciativas para a

expansão da ideia em outras regiões do país. Outras cidades do Japão, como Kanazawa,

Osaka e Yokohama também iniciaram projetos, no intuito da promoção do “cool”, mas

também, e principalmente, visando a revitalização de cidades que de certa forma ficaram

14

“paradas no tempo” e não se modernizaram, e cidades que começaram a ficar cada vez mais

esquecidas pelos turistas, além de buscar a inclusão social (SASAKI, 2010, p.1). Para

Masayuki Sasaki, pesquisador em cidades criativas no Japão:

Na Ásia, e principalmente no Japão, as cidades - com sua longa história de

desenvolvimentismo burocrático no centro de políticas urbanas e regionais - têm

sofrido assim como a globalização neoliberal tem transformado indústrias e

ameaçado sistemas de segurança social. Crises ambientais, de emprego e habitação

também se tornaram mais agudas nesta época de neoliberalismo. Ao mesmo tempo,

as empresas e as famílias que foram fundamentais para a superação em crises sociais

no passado já não são mais funcionais. Nestes tempos de crise e recessão, parece que

o momento para a reconstrução social fundamental, desde sua raiz, chegou (2010,

p.1).

6 BRASIL: SITUAÇÃO E POSSIBILIDADES

No mesmo ano em que o Japão consolidou sua política cultural e oficialmente iniciou

os trabalhos com suas indústrias criativas, o Brasil lança o seu Plano da Secretaria de

Economia Criativa, iniciativa do Ministério da Cultura, mapeando estratégias e trabalhos a

serem realizados entre os anos de 2011 a 2014. Com o impulso da valorização do simbólico e

do empreendedorismo criativo no Brasil, principalmente com iniciativas no governo Lula e

durante a permanência de Gilberto Gil, no Ministério da Cultura, o papel e a importância das

indústrias criativas começaram a ser discutidas no país. O estabelecimento do Plano Nacional

de Cultura (PNC), em 2010, serviu de ponto de partida para o desenvolvimento do

departamento do Ministério que viria a trabalhar com as indústrias criativas, a Secretaria de

Economia Criativa. O PNC, no entanto, carecia de políticas públicas específicas para a

cultura, e foi essa a atribuição e a demanda que levou ao surgimento da Secretaria de

Economia Criativa (BRASIL, 2011, p.38).

A Secretaria de Economia Criativa, diretamente associada à Estratégia 4 do PNC, isto

é, “ampliar a participação da cultura no desenvolvimento socioeconômico sustentável”, tem

quatro principais objetivos, sendo eles; “1. Capacitação e assistência ao trabalhador da cultura

(e criativo), 2. Estímulo ao desenvolvimento da Economia da Cultura (e criativa), 3. Turismo

cultural e 4. Regulação econômica” (BRASIL, 2011, p.39).

Além da estrutura proposta no plano, a Secretaria vem realizando alguns trabalhos

regionais, através das secretarias de estados de cultura, e levantando diversas informações

relativas às indústrias criativas, seja em nível nacional, seja regional. Novas propostas têm

sido alocadas, como a discussão do Vale Cultura, e também diversos encontros e debates têm

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ocorrido desde a implantação do plano da SEC entre a Secretaria e setores do governo,

consultores de economia criativa, parques tecnológicos, e instituições como as ligadas ao

Sistema S.

No entanto, pouco tem sido posto em prática em relação à formulação de uma

identidade criativa do Brasil, sobretudo como preparação aos grandes eventos que serão

realizados no país, seja regional ou nacionalmente. Apesar da promoção do

empreendedorismo fazer parte da agenda do Estado, desde o governo de Lula, a cultura e

criatividade não têm sido utilizadas como uma alternativa do Estado para a solução de

problemas, mesmo que a longo prazo.

Na maioria das vezes, países em desenvolvimento, como o Brasil, têm iniciado

trabalhos em Economia Criativa e cidades criativas, se espelhando em influências de países

como a Austrália e Inglaterra. É interessante, no entanto, observar que hoje existem novos

exemplos de trabalhos sendo realizados na área de cultura, por outros países, como o Japão,

que podem ajudar e servir de reflexão para o aprimoramento de políticas e atuações para a

nossa realidade.

A iniciativa do Japão figura-se relevante, não somente por causa da colaboração entre

o governo e a sociedade, mas do trabalho em conjunto. Desta forma, a composição do Cool

Japan, ou Cool Tokyo, não é formada apenas por agentes do governo, mas sim um misto de

personalidades do governo, professores e pesquisadores acadêmicos, grandes e pequenos

empresários, artistas e instituições, para a promoção da criatividade e da modelagem de uma

identidade japonesa atrativa. O projeto japonês é uma forma de atuação bottom up, em que a

demanda e propagação da criatividade e identidade do país surgiu primeiramente através

sociedade para depois se tornar formalmente uma política de Estado. Neste sentido, cabe a

reflexão e análise entre o que nos últimos anos tem sido concretizado pelo Japão, em relação a

incentivo cultural e o crescimento de cidades criativas e o que o Brasil tem realizado.

7 CONCLUSÃO

A cultura e a globalização constituem dois fenômenos complexos e plurais da

atualidade, necessários em discussões sobre o desenvolvimento. A cultura passa a ganhar

maior atenção na agenda internacional, por se tornar uma preocupação mundial em termos de

preservação, por ser um instrumento fundamental para a formação da identidade das nações e,

por ser ferramenta para o crescimento do poder simbólico. A globalização, por sua vez, se

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dispersa tão rapidamente, transformando diversas áreas e gerando progresso em um mundo

cada vez mais unificado, interligado e conectado. Mas se o mundo globalizado facilita nosso

cotidiano, também traz consigo consequências prejudiciais, principalmente à diversidade entre

as culturas e à identidade nacional.

Faz-se necessário repensar novos conceitos e políticas para a solução de problemas

contemporâneos, como as provocadas pela globalização. O desafio imposto é o da

reorganização, de uma nova percepção para a promoção e o trabalho com a cultura e

criatividade no mundo interligado em que vivemos hoje.

A partir desta realidade, vê-se que governos podem empregar a cultura para

incrementar uma atuação internacional de forma alternativa, ou seja, podem formular uma

política externa, que tenha como foco a identidade e a cultura nacional. Podem, ao mesmo

tempo, tornar esses elementos veículos para o desenvolvimento, inclusive o desenvolvimento

econômico.

Entre as possibilidades para a promoção da cultura e do desenvolvimento sustentável,

encontra-se a formulação de políticas para o incentivo à economia criativa. A teoria de

relações internacionais criada pelo pesquisador Joseph Nye, denominada “softpower”, surge

como um referencial para se compreender a promoção cultural como política de Estado.

Muito ligado ao intangível e ao simbólico, o “poder brando”, é o desenvolvimento da imagem

de um país através de produtos e ações atrativas, o que auxiliar a nação em termos de

estratégias políticas, econômicas e culturais. A diversidade cultural, a criatividade e o

entretenimento passam a se tornar instrumentos para a consolidação de uma imagem

diferenciada e do estabelecimento de poder frente ao mundo.

A política de estado do Japão, focado em arte e cultura, serve como um exemplo de

poder brando e ação política para a promoção da diversidade cultural e da economia criativa

voltada para o desenvolvimento. O modelo utilizado pelo país e a história de seu surgimento

podem servir como fonte de reflexão e influência na formulação de uma atuação nacional e

internacional.

O Brasil é um país rico e diverso em alternativas culturais. Falta, no entanto, o

direcionamento deste fator para a geração de um bem simbólico nacional, capaz de atrair

outros países e divulgar o Brasil como uma capital cultural. Falta. Em especial, movimentar

cidades brasileiras que tenham vocação turística, que tenham patrimônio e capital cultural, ou

que buscam o crescimento no empreendedorismo, para torná-las ambientes criativos, atrativos

e geradores de conhecimento. Porque não estabelecer e promover cidades brasileiras como

17

grandes ambientes criativos, assim como Nova Iorque, Paris e Tóquio? Porque não divulgar o

Brasil como uma marca e símbolo do cool?

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19

ANEXO A - Objetivos do Projeto Cool Tokyo

Fonte: The creative Tokyo proposal.

20

ANEXO B - Projetos de expansão do Cool Japan e Cool Tokyo em outros países, já

em andamento

Fonte: The creative Tokyo proposal.

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ANEXO C - Exemplos de projetos de expansão futuros

Fonte: The creative Tokyo proposal.