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1 IX ENCONTRO DA ABCP Área Temática Estado e políticas públicas Cooperação e coordenação na implementação de políticas públicas: as relações intergovernamentais na regionalização da assistência à saúde Telma Maria Gonçalves Menicucci – Universidade Federal de Minas Gerais Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

Cooperação e coordenação na implementação de …...institucionais voltadas para a regulação das relações federativas são de âmbito nacional e uniformes e têm potencialidade

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IX ENCONTRO DA ABCP

Área Temática Estado e políticas públicas

Cooperação e coordenação na implementação de políticas públicas: as relações intergovernamentais na regionalização da assistência à saúde

Telma Maria Gonçalves Menicucci – Universidade Federal de Minas Gerais

Brasília, DF

04 a 07 de agosto de 2014

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Cooperação e coordenação na implementação de políticas públicas: as relações intergovernamentais na regionalização da assistência à saúde

Telma Maria Gonçalves Menicucci – Universidade Federal de Minas Gerais

Resumo do trabalho:

A gestão de políticas sociais em contexto federativo coloca a necessidade de combinar a autonomia dos entes federados e a cooperação entre eles. O setorsaúde no Brasil tem desenvolvido uma institucionalidade complexa para lidar com essas questões particularmente, a experiência de construção de sistemas regionalizados que envolvem articulação e cooperação entre as instâncias governamentais. O artigo apresenta os resultados de uma pesquisa em profundidade em uma amostra de estados cujo objetivo foi analisar o grau de regionalização, a partir da construção de um índice de regionalização, e identificar possíveis fatores explicativos das diferenças entre estados e regiões de saúde considerando que os fatores institucionais (regras e instrumentos definidos nacionalmente) são constantes, e testando hipóteses para interpretar as diferenças que consideram duas ordens de fatores: fatores políticos e gerenciais vinculados à atuação dos atores relevantes, e fatores estruturais que afetam a capacidade de atendimento. Os resultados apontam grande variação entre estados e regiões e o grau de regionalização é ainda frágil de modo geral. Se as normas nacionais impactam a ação dos níveis regionais, elas são retraduzidas nas unidades federadas.

Palavras-chave: política de saúde; federalismo; coordenação; cooperação; regionalização

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Introdução1

A implementação de políticas sociais, na sua maioria, demanda a integração de

ações dos diversos níveis de governo, o que remete ao problema teórico clássico sobre a

possibilidade de ação coletiva ou de cooperação entre entes autônomos. Em contextos

federativos, a cooperação remete a outras questões analíticas como a coordenação

federativa, a definição de arenas federativas para construção de acordos entre os entes

federados e sobre as condições em que seja possível a cooperação.

O setor de saúde no Brasil tem desenvolvido uma institucionalidade complexa para

lidar com essas questões no processo dinâmico de implementação da política,

particularmente, a experiência de construção de sistemas regionalizados que envolvem

articulação e cooperação entre as instâncias governamentais. Isso se justifica pela própria

natureza da atenção à saúde que demanda a gestão de uma rede de serviços diversificada

e distribuída em diferentes níveis de complexidade, em geral territorialmente dispersa e

atuando em escalas variadas em função do grau de complexidade e da demanda, o que

configura a chamada hierarquização da atenção. A gestão da rede serviços em um contexto

federativo, associado à descentralização para os níveis regionais e locais de governo,

coloca a necessidade de combinar a autonomia dos entes federados e a cooperação entre

eles de forma a garantir os preceitos constitucionais de universalidade e integralidade da

atenção, compatibilizando a localização territorial das pessoas com a da rede assistencial

sob a responsabilidade de gestores diversos. Nessa perspectiva, a regionalização da rede

de serviços objetiva garantir o acesso do cidadão ao sistema de saúde e orientar os

investimentos, tendo em vista as desigualdades regionais, de forma a otimizar os recursos e

obter economias de escala e de escopo dos serviços.

Este artigo apresenta os resultados de um estudo que se insere em uma agenda de

pesquisa sobre a política de saúde no Brasil, com ênfase nas relações federativas, tomando

como objeto o processo de regionalização em curso. Tendo em vista que as regras

institucionais voltadas para a regulação das relações federativas são de âmbito nacional e

uniformes e têm potencialidade para promover relações cooperativas, elas não são capazes

de explicar as variações constatadas entre as unidades da federação, as quais poderiam ser

explicadas por fatores contextuais. Partindo dessa constatação, o objetivo da pesquisa foi

analisar o grau de regionalização da assistência à saúde no país e identificar possíveis

fatores explicativos das diferenças entre estados e regiões de saúde, a partir das seguintes

hipóteses – que consideram, além do desenho institucional, fatores de nível estadual ou

local que afetam o processo de regionalização, o qual se traduz na obtenção da cooperação

entre os entes federados e que pressupõe uma coordenação eficaz: 1 A pesquisa foi realizada com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG).

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1. O arranjo institucional da regionalização favorece a cooperação ao especificar as

atribuições de cada nível de governo; definir as relações intergovernamentais; e criar

instrumentos de gestão capazes de garantir a coordenação por parte do nível estadual de

governo e constituir arenas federativas para pactuação.

2. A regionalização depende da atuação do nível estadual de governo no sentido de

assumir o papel de coordenador, tanto executando as ações definidas no arcabouço

institucional/legal quanto definindo incentivos ao comportamento cooperativo dos

municípios.

3. Fatores locais de natureza estrutural como a disponibilidade de recursos financeiros e

humanos, e a capacidade de produção de serviços, também podem afetar a construção dos

pactos e a constituição de redes regionalizadas.

Para testar essas hipóteses, buscou-se avaliar o processo de regionalização em

uma amostra de estados da federação a partir de uma pesquisa em profundidade. Em

primeiro lugar, foi analisado o “grau” de regionalização e, em segundo lugar, esse resultado

foi associado a fatores contextuais com vistas a construir uma interpretação plausível para

possíveis diferenças entre os estados da federação, considerando que os fatores

institucionais (regras e instrumentos definidos nacionalmente) são constantes. Para isso

foram feitas visitas aos estados e realizadas entrevistas com pessoas integrantes dos

governos estaduais e municipais, além de observação direta de reuniões dos colegiados

gestores. Para a construção de um índice de regionalização e análise dos fatores estruturais

foram utilizadas as bases de dados disponibilizadas pelo DATASUS/Ministério da Saúde.

O artigo está estruturado da seguinte forma: na primeira seção é feita uma

discussão da implementação de políticas públicas em contexto federativo e que fundamenta

os argumentos que nortearam a investigação. Na segunda, é sintetizada a análise do

arranjo institucional proposto para a regionalização, o que permite delimitar o objeto

empírico da pesquisa e, ao mesmo tempo, a justifica do ponto de vista teórico. Na terceira

seção é analisado o processo de regionalização nos estados pesquisados a partir da

construção de uma medida desse processo que se constitui na variável dependente para a

qual se pretendeu produzir uma explicação. Na quarta seção são analisados os fatores que

interveem no processo, de acordo com as hipóteses que foram elaboradas, ou seja, as

variáveis independentes. A sexta é ultima seção apresenta algumas conclusões.

1. Federalismo e ação coletiva: cooperação e coordenação nas políticas públicas

O modelo de gestão do SUS é um modelo complexo, que “só se concretiza através

do estabelecimento de relações interinstitucionais, interníveis de governo e interserviços”

(Viana, et. alii. 2002:). Ou seja, são muitos os atores envolvidos e a cooperação entre eles é

fundamental para o sucesso do SUS, no qual existe permanente tensão entre

descentralização e autonomia, de um lado, e união e dependência, de outro, e coloca-se de

5

forma explícita o problema da ação coletiva2. O problema teórico clássico é explicar por que

os indivíduos cooperam. E transpondo para as relações intergovernamentais: por que

municípios cooperam?

A literatura destaca que o problema da ação coletiva aparece quando o interesse

privado impede a obtenção do bem coletivo ou na situação em que exista impossibilidade de

se obter individualmente um bem privado. Desde Hobbes, foram destacadas as dificuldades

relativas à ação coletiva; para ele, os indivíduos somente agem baseados no interesse

próprio e que, assim sendo, somente a coerção resolveria o dilema da ação coletiva, (apud

Reis,1997:12). Esse somente seria resolvido através de "um acordo cooperativo cujo

cumprimento é obrigado por uma força externa" – o Leviatã, ou seja, uma terceira parte

(exógena e autônoma) pune eficazmente as defecções (apud Przeworski,1994:41).

Na mesma direção, os argumentos clássicos de Olson (1971, 1982) defendem que

a ação coletiva não se realiza, a menos que haja coerção, ou "incentivos seletivos”,

entendidos como ganhos ou benefícios individuais derivados da participação na ação

coletiva, partindo do pressuposto de que os indivíduos são egoisticamente motivados e

racionais. Quanto maior o grupo, menor será o incentivo individual para buscar o interesse

coletivo e se o bem público estiver disponível para todos, sem que o indivíduo precise

cooperar, ele opta por não cooperar e agir como um free- rider. 3

Deriva daí o paradoxo da racionalidade, dado que a ação individual racional pode

produzir resultados sub-ótimos para a coletividade (Barry,1982) ou às vezes “a racionalidade

individual conduz ao desastre coletivo” (Elster,1989a). Mas mesmo que os indivíduos sejam

todos solidários, as dificuldades para a realização do interesse comum persistem, posto que

derivam do problema da coordenação, que por sua vez resulta da irrelevância da ação de

qualquer indivíduo isolado para a realização do bem comum (Reis,1984:127).

A teoria dos jogos e sua aplicação mais conhecida ao estudo dos fenômenos

políticos, a public choice, foi mais longe na pretensão de construir uma teoria geral da ação

coletiva, reconhecendo o caráter dinâmico e estratégico da cooperação4. Um dos jogos

mais conhecidos e úteis na análise do problema da ação coletiva é o dilema do prisioneiro.

Muito difundido, cabe apenas lembrar que esse dilema mostra como a racionalidade

2 Nos termos de Elster (1990), a conduta cooperativa envolve uma ação coletiva, entendida como a escolha por todos ou pela maioria dos indivíduos da linha de ação que, quando escolhida por todos ou pela maioria, conduz ao resultado coletivamente melhor. 3 As críticas a esses argumentos são conhecidas, mesmo entre aqueles que assumem os pressupostos da escolha racional, entre elas a de que a relação entre o tamanho do grupo e a redução do benefício individual refere-se somente aos bens que podem sofrer colapso ou rivalidade; não existe verdadeira conexão entre o tamanho do grupo e o fato de que seja latente ou privilegiado, e o que importa é a existência de um subgrupo interessado em promover o bem coletivo, o que é mais provável de ocorrer quanto maior for o grupo (Aguiar, 1990). 4 De acordo com Elster (1989a:43) a teoria dos jogos permite compreender três tipos de interdependências que atravessam a vida em sociedade: a) o ganho de cada um depende dos ganhos de todos; b) o ganho de cada um depende das escolhas de todos; c) a escolha de cada um depende das escolhas de todos, através da antecipação do cálculo estratégico.

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individual pode conduzir à irracionalidade coletiva ou a um resultado coletivo não desejado,

fruto da não cooperação entre os atores5. Entretanto, outras análises sugerem que em

situações em que o jogo se repete ou quando os indivíduos têm a possibilidade

suficientemente grande de se encontrar, é possível a cooperação. Para Taylor (1987)

quando se joga repetidamente, a participação de um depende do que façam os demais. Os

membros de um grupo podem aprender a colaborar, desde que todos cooperem, ou seja,

em situação em que se siga uma estratégia condicionalmente cooperativa, baseada na

reciprocidade (Axelrod, 1984). A cooperação recíproca pode ser coletivamente estável, pois

é capaz de defender o grupo de estratégias menos cooperativas. Em oposição aos

argumentos de Olson, a cooperação é vista como dependendo mais das relações

estratégicas entre os membros de um grupo do que da análise de custos e benefícios feita

por indivíduos isolados, não existindo ainda uma relação direta entre o tamanho do grupo e

o sucesso da coordenação.

Outros autores consideram a cooperação possível mesmo na ausência da coerção

e dos incentivos seletivos. Mesmo partindo do mesmo pressuposto de que os indivíduos

atuam racionalmente e definem seu comportamento através de um cálculo estratégico,

consideram que esse é profundamente afetado pelas expectativas acerca do

comportamento alheio (Hall & Taylor,1996:945)6. E para perceber como a cooperação é ou

não produzida é necessário compreender os seguintes aspectos no processo de interação

estratégica entre os atores: o contexto da ação; as identidades sociais dos atores que

interagem; o processo de formação e transformação das preferências, interesses e

objetivos desses atores, no curso de sua interação; e a informação disponível no curso das

interações.

No âmbito de estruturas federativas, a questão da ação coletiva ganha relevância e

remete à discussão das condições que propiciam a cooperação entre os entes federados e

minimizem a competição, e ao problema da “coordenação intergovernamental, isto é, das

formas de integração, compartilhamento e decisão conjunta” (Abrucio, 2005:41).

Uma das formas de entender o federalismo é pensá-lo como um processo de

distribuição e de redistribuição da autoridade e que remete a um contrato, que por sua vez

envolve cooperação e reciprocidade entre os entes federados (Rodden, 2005:17). Constitui-

5 Esse dilema explicita o conflito entre os interesses particulares e o interesse comum para o caso da conduta racionalmente orientada e o jogo mostra como em decorrência de os prisioneiros orientarem as decisões por motivos egoísticos, o resultado é fruto de uma irracionalidade em termos de objetivos comuns; e ainda que se chegasse a um acordo para cooperar, não estaria assegurado o cumprimento do acordo a menos que ele fosse assegurado por um tipo de coação ou de incentivo externo. Só haveria cooperação entre os prisioneiros com a coerção imposta por um agente externo (Reis,1984). 6 Autores como Reis, Elster e Przeworski, compartilham a ideia de que os indivíduos são racionalmente orientados, mas consideram que seus fins podem ser tanto consensuais quanto divergentes; e tanto altruístas quanto egoístas. Nessa perspectiva, o comportamento orientado por normas também é um comportamento racional (Reis,1988:30) e o cálculo racional de interesses não exclui a solidariedade.

7

se como uma forma de organização política baseada na divisão de autoridade entre

diferentes níveis de governo de tal modo que cada instância possua competências sobre as

quais cabe a ela a decisão final (Riker, 1975). E “apesar de um certo grau de centralização

caracterizar as formas existentes de federação, todas possuem mecanismos que impedem

sua transformação em estado unitário” (Almeida, 2005:32) e certo grau de autonomia

regional continua preservado. Em um arranjo federalista, portanto, deve haver incentivos

para a cooperação para se solucionar os problemas de ação coletiva.

Da coexistência, num mesmo território, de distintos níveis de governo decorre o

compartilhamento da autoridade política, que impõe, por sua vez, o desafio de conciliar a

autonomia das esferas de governo com a necessária interdependência entre elas (Abrúcio,

2005). O federalismo deve, portanto, dar corpo à fórmula clássica “autogoverno mais

governo compartilhado” (self rule plus shared rule), enunciada por Elazar (1987). Nessa

perspectiva, para Abrúcio (2005:43), um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e

regulada por um pacto, entre governos que compartilham a soberania e são ao mesmo

tempo autônomos e interdependentes.

O sucesso desse pacto federativo requer a cooperação entre os diversos atores

envolvidos, o que, por sua vez, implica uma coordenação eficiente entre as diferentes

instâncias governamentais, enfrentando o problema da coordenação das ações de níveis de

governo autônomo. Mecanismos de parceria aprovados pelos entes federativos, como

regras legais que obriguem os atores a compartilhar decisões e tarefas, respeito mútuo e a

negociação no plano intergovernamental, são essenciais para o equilíbrio das formas de

cooperação e competição. O governo federal pode ter um papel coordenador e/ou indutor da

cooperação, embora sua atuação coordenadora não possa ferir a autonomia e os direitos

dos governos subnacionais (Abrúcio, 2005, p.46).

À luz do argumento neoinstitucionalista de que as instituições regulam o cálculo e a

interação dos atores, argumenta-se que é por meio de dado desenho institucional é que se

torna possível compatibilizar autonomia e interdependência dos entes federativos. Esse

desenho, no entanto, não é constituído apenas pelos dispositivos constitucionais, mas inclui

um conjunto maior de regras e instrumentos que moldam as relações entre as esferas de

governo em cada política particular (Arretche, 2004). A coordenação pode ser favorecida na

implementação de políticas públicas, segundo Arretche (2004), na medida em que o

executivo federal dispuser de recursos institucionais capazes de interferir nas escolhas dos

representantes das esferas subnacionais e, assim, reduzir “os problemas de comando

inerentes à ação coletiva (Souza, 2004:24). A coordenação pressupõe, portanto, alguma

centralização de decisões, mas que devem ser, assim como ações cooperativas,

negociadas e aprovados pelos entes federativos (Abrúcio, 2005; Souza, 2002).

8

No modelo federativo tripartite brasileiro, a gestão das políticas públicas torna-se

mais complexa na medida em que é preciso conjugar a interdependência e autonomia de

três entes. Há certo consenso de que a coordenação federativa, por sua vez, precisa ser

exercida tanto pela União quanto pela esfera estadual em relação aos municípios. Ainda que

a esfera estadual seja aquela com atribuições menos definidas na Constituição Federal,

cabe a ela um papel central nas políticas sociais particularmente quando se considera a

heterogeneidade dos municípios em termos de capacidade técnica, administrativa e

financeira. Nessas condições, a assunção de políticas públicas pela esfera municipal pode

contribuir para o aprofundamento das desigualdades que caracterizam o país (Abrúcio,

1999).

2 O arranjo institucional do SUS e a proposta de regionalização

O SUS foi criado como um pacto federativo assentado em uma concepção de

cooperação entre as três esferas de governo. Para favorecer as relações cooperativas,

através da criação de incentivos adequados à transferência de responsabilidades e do

combate às relações competitivas e predatórias entre União, estados e municípios, foram

criados mecanismos como os instrumentos de regulação do sistema e que envolveram

diretamente a organização dos atores e a interação entre os mesmos. Nesse arranjo

cooperativo, o governo federal ocupa posição central, pois detém o controle do processo

decisório, define o formato da cooperação e a destinação dos recursos transferidos;

enquanto que os municípios são os executores e gestores dessa política definida pelo

governo federal. Mas existem problemas e desequilíbrios na prática desse arranjo, levando

ao que se denominou como “municipalismo autárquico”, no qual ao invés de uma visão

cooperativa, os municípios concorrem entre si pelo dinheiro público de outros níveis de

governo, lutam predatoriamente por investimentos privados e, muitas vezes, repassam

custos a outros entes (Abrucio, 2005:48-49). Outro problema é a indefinição até

recentemente do papel das unidades estaduais, dado que na implantação das políticas de

saúde, as relações intergovernamentais que se estabeleceram são muito mais frequentes

entre a União e os municípios, com participação limitada dos governos estaduais (Souza,

2005:116).

Embora desde a Constituição esteja prevista a criação de uma “rede regionalizada

e hierarquizada” de ações e serviços (artigo 198) para enfrentar o fato de que muitas das

questões de saúde não podem ser resolvidas no âmbito municipal, a regionalização tem-se

mostrado de difícil concretização. O aparato institucional do SUS montado na década de 90

foi bem sucedido no sentido de viabilizar a descentralização, mas não conseguiu efetivar a

regionalização7. Ao contrário, as regras da descentralização, particularmente as relativas à

transferência de recursos, atuaram no sentido de dificultá-la ao supervalorizar o papel do 7 A esse respeito ver, entre outros: Fortes (2008); Levcovitz et al. (2001); Médici (1996); Mendes (1998).

9

Município ao lado de uma subvalorização do papel dos Estados como instâncias de

organização do processo de gestão, financiamento, fiscalização e controle.

A partir de 2001, normatizações e ações voltadas para a organização regionalizada

do setor saúde têm como um de seus objetivos corrigirem as distorções do municipalismo

autárquico, com vistas a substituir a atitude de competição pela cooperação intermunicipal e

com as Secretarias Estaduais de Saúde, a quem cabe o planejamento e coordenação do

processo (Norma Operacional da Assistência à Saúde - NOAS 2001e 2002). Para ordenar o

processo de regionalização foram estabelecidos regras e instrumentos, como:

• Plano Diretor de Regionalização (PDR): deve ser elaborado pelas secretarias estaduais,

como instrumento de ordenamento do processo a partir da organização dos territórios

estaduais em regiões e microrregiões; estruturação de redes hierarquizadas de serviços;

estabelecimento de fluxos de referência e contra-referência intermunicipais, objetivando

garantir a integralidade da assistência e o acesso da população aos serviços e ações de

saúde em qualquer nível de atenção, de acordo com suas necessidades e o mais

próximo possível de sua residência - diretamente ou mediante o estabelecimento de

compromissos entre gestores. (BRASIL, 2001).

• Programação Pactuada Integrada (PPI): um instrumento de planejamento físico-

orçamentário dos serviços de saúde no âmbito estadual, consubstanciando-se em um

pacto solidário entre os gestores e que busca consolidar o papel do nível estadual de

governo na coordenação da política estadual, promovendo a integração dos sistemas

municipais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2001).

• Plano Diretor de Investimento (PDI): um componente do PDR para definir os

investimentos necessários a partir das necessidades identificadas.

Embora esses instrumentos tenham dado início a um esforço de integração

federativa, eles foram pouco eficazes no sentido de articular as redes regionais, romper com

a fragmentação, decorrente do processo de municipalização e de construir um verdadeiro

sistema de saúde, levando à sua reformulação, em 2006, por meio do Pacto Pela Saúde (PT

Nº 399/GM/2006), constituído de três componentes: Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do

SUS e Pacto pela Gestão do SUS8. O Pacto pela Gestão traz alterações nas regras com

vistas a reforçar a estratégia da regionalização ao buscar estabelecer mais claramente as

responsabilidades de cada ente federado de forma a diminuir as competências

concorrentes, contribuindo para o fortalecimento da denominada “gestão compartilhada e

solidária do SUS”. O Pacto radicaliza a descentralização de atribuições do Ministério da

Saúde para os estados e para os municípios e aprofunda a territorialização da saúde. 8 O Pacto pela Vida é o compromisso entre os gestores do SUS em torno de prioridades que apresentam impacto sobre a situação de saúde da população; o Pacto em defesa do SUS envolve ações concretas e articuladas pelas três instâncias federativas no sentido de reforçar o SUS como política de Estado e sua concretização passa por um movimento de repolitização da saúde com uma estratégia de mobilização social e tem o financiamento público da saúde como um dos pontos centrais.

10

A denominação da norma expressa o ponto nodal da questão federativa,

particularmente no caso da assistência à saúde: a necessidade de pactuação entre os entes

federados. Como mecanismos de Gestão Regional e para criar arenas de pactuação

institucionalizadas, com vistas a resolver os problemas da ação coletiva, institui os

colegiados de gestão regional formados pelos gestores municipais de saúde do conjunto de

municípios e por representantes do gestor estadual. Esses colegiados são entendidos como

espaços permanentes de pactuação, co-gestão solidária e cooperativa, e de decisão,

devendo suas decisões serem sempre consensuais. Define ainda a formalização dos

acordos intergovernamentais em um Termo de Compromisso de Gestão.

O Pacto reitera o PDR, o PDI e a PPI como os principais instrumentos de

planejamento da regionalização. No que concerne ao financiamento, os repasses federais

permanecem sendo efetivados mediante adesão ao programa, preservando o caráter

indutor das transferências e o poder regulatório do Ministério da Saúde (LIMA e QUEIROZ,

2012:238).

O Decreto presidencial 7.508 de 28/06/2011, norma hierarquicamente superior às

regulamentações anteriores que eram sob a forma de portarias ministeriais, consolida

processos em curso no movimento de implantação do SUS e tem como foco principal as

relações federativas ao buscar assegurar o compromisso dos entes federados com a

assistência à saúde integral e de qualidade. Esse decreto explicita conceitos como a

regionalização, a integralidade, as redes de serviço e sua forma organizativa, que pressupõe

uma gestão compartilhada entre os entes federados. Com vistas à tornar os compromissos

entre os gestores mais efetivos, o Decreto torna claras as responsabilidades sanitárias dos

entes federados sobre a oferta e organização das ações e serviços, por meio de um contrato

jurídico (Contrato Organizativo da Ação Pública - COAP) que visa organizar de maneira

compartilhada ações, funções e serviços de saúde. Enquanto um acordo multilateral, em

princípio, obriga os entes signatários ao seu cumprimento sob pena de as cláusulas penais

serem executadas e, desta forma, acredita-se que garanta maior segurança jurídica aos

acordos federativos9.

É possível dizer que o arranjo desenhado para a regionalização favorece a

cooperação, ou a ação coletiva, na medida em que são especificadas, ainda que com

lacunas, as atribuições de cada nível de governo, estabelecendo-se certa hierarquização

entre eles. Na medida em que essa definição é feita nacionalmente, pode-se pensar que há

certo cerceamento da autonomia dos entes subnacionais de governo, mas como o governo

federal dispõe de recursos institucionais significativos, particularmente o poder normativo e a

posse da maior parte dos recursos para o financiamento do SUS, isso lhe permite, ainda

que em tese, atuar como indutor da cooperação e de maior igualdade. Incentivos seletivos 9 O COAP é assinado por região de saúde, firmado com todos os prefeitos e secretários municipais de Saúde, do governador e secretários estaduais de Saúde e pelo ministro da Saúde (Portal da saúde, acesso em 22/01/2014).

11

também são concedidos, sob a forma de recursos condicionados à realização de

determinadas ações, que interferem nas escolhas dos municípios e induzem à cooperação

ao mesmo tempo em que favorecem a homogeneização das políticas no território nacional.

Ao se delegar ao governo estadual responsabilidades claras na configuração do sistema de

saúde estadual, as regras institucionais estabelecem uma terceira parte na relação entre

municípios, possibilitando o exercício da coordenação. A definição de instrumentos

como o PDR, que define o espaço territorial da cooperação, e a PPI, que em tese formaliza

o pacto entre os gestores, também cria condições favoráveis para o acordo caso

efetivamente seja elaborada de forma conjunta. Os pactos posteriores buscam o mesmo

objetivo e recentemente, o Contrato Organizativo da Ação Pública é uma tentativa de criar

mecanismos de enforcement para o cumprimento dos acordos entre entes federados.

A criação de “arenas federativas” - instâncias de pactuação de âmbito micro e

macro regional, com a participação de todos os municípios - pode ser um mecanismo para

forçar os atores a compartilhar decisões e tarefas e favorecer uma conduta baseada na

negociação. Decorre daí, um potencial para a geração de um equilíbrio entre cooperação e

competição entre os municípios. Além disso, a criação dessas instâncias, ao propiciar um

jogo que se repete regularmente, permitindo que os gestores municipais se encontrem de

forma frequente e programada, possibilita aumentar a informação disponível para os

participantes e permite-lhes agir estrategicamente, favorecendo a cooperação. Nesse caso,

o arranjo proposto tem potencial fazer com que a cooperação possa se tornar estável.

Outra característica do desenho institucional de regionalização é a atribuição da

responsabilidade da regulação das referências intermunicipais aos gestores municipais.

Essa regulação se articula com as centrais de regulação – municipais e estaduais - que

controlam o acesso dos usuários aos prestadores de serviço. Esse acesso, em tese, deve

obedecer aos pactos formalizados entre gestores e que se traduzem na distribuição de

recursos entre os municípios a partir dos compromissos assumidos quanto à prestação da

assistência à saúde.

Enfim, o arranjo institucional desenhado para a regionalização define mecanismos

que visam favorecer a cooperação ao especificar as atribuições de cada nível de governo;

definir as relações intergovernamentais; criar instrumentos de gestão capazes de garantir a

coordenação por parte do nível estadual de governo e constituir arenas federativas para

pactuação, com efeitos também de redução da assimetria informacional entre os atores;

embora seja menos capaz de impor alguma forma de coerção no caso de deserção, ou seja,

ausência de cooperação ou não cumprimentos dos pactos. Do ponto de vista teórico, a

proposta de construção de um sistema regionalizado no âmbito da saúde permite testar

algumas hipóteses relativas à possibilidade e condições para implantação de políticas

sociais homogêneas em contexto federativo, o que demanda a construção de arranjos

12

cooperativos e de formas de coordenação. Mesmo sendo clara, no caso da assistência à

saúde, que a cooperação favorece a todos os municípios integrantes de uma região e

também ao estado - enquanto responsável pelo sistema de saúde estadual - pois permite a

otimização de recursos, a utilização solidária dos recursos dispersos entre municípios e a

garantia de rentabilidade para os municípios com capacidade de atendimento, a ação

cooperativa não ocorre de forma espontânea. Mas depende da construção de arranjos

institucionais adequados, de coordenação e, em alguma medida, da coerção, de uma

terceira parte.

3. O processo de regionalização em amostra de estados

3.1 A metodologia de construção do índice de regionalização (IR)

Se o desenho institucional parece favorecer a cooperação (hipótese 1), as

evidências são de que os resultados da regionalização não são positivos nem uniformes, o

que balizou a construção das outras hipóteses que orientaram a pesquisa. Para testa-las,

buscou-se avaliar o processo de regionalização em uma amostra de estados da federação,

estratificada por região e que incluiu: Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Bahia, São

Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul10.

Para comparar os estados foi construída uma medida da regionalização: o Índice de

Regionalização (IR) que, em alguma medida, expressa o fluxo dos usuários. Dado que a

regionalização implica a definição de espaços territoriais com responsabilidades sanitárias

diversas, em princípio, o fluxo dos usuários deve se dar nesses espaços sanitários a partir

do PDR e dos pactos estabelecidos entre municípios, levando em conta a capacidade de

atendimento dos municípios. Esse fluxo expressa, assim, o grau de cooperação entre os

municípios de um dado espaço sanitário para a resolução dos problemas de saúde dos seus

cidadãos, tendo como meta a integralidade da assistência.

Para a construção do IR, partiu-se do argumento de que a consolidação do

processo de regionalização pressupõe que as pessoas tenham acesso à atenção básica à

saúde no município de residência; que o cuidado secundário (assistência de média

complexidade) seja realizado no âmbito das regiões intermediárias (comumente

denominadas “microrregiões”); e o cuidado terciário nas regiões mais amplas (comumente

10 O critério que balizou a escolha dos estados foi a sua situação em relação à implantação da PPI, partindo-se do pressuposto de que a PPI expressava o pacto entre os municípios, intermediado pelo estado, e refletia de alguma forma o trâmite dos cidadãos na rede de serviços distribuída espacialmente uma vez que na PPI se definiriam os locais ou os espaços territoriais acordados para a realização dos procedimentos de saúde. O maior grau de regionalização seria obtido quando os procedimentos de média complexidade fossem pactuados para ser realizados no espaço de microrregiões e os procedimentos de alta complexidade no espaço macrorregional. A partir daí, a escolha dos estados considerou os casos em que, em um extremo a PPI parecia consolidada a partir dos dados disponíveis inicialmente (MG, SP, BA) e, em outro, os estados em que a PPI não era feita (MA, RS). Entretanto, a pesquisa mostrou que a PPI de fato não funcionava desta forma. Outro fator prático de escolha foi a disposição em participar da pesquisa, o que inviabilizou a inclusão na amostra algum estado da Região Centro-Oeste.

13

denominadas macrorregiões ou regiões)11. Nessa situação ideal, o IR, que pode variar de

zero a 1, assumiria o valor máximo e foi concebido como sendo a média aritmética simples

de três outros: índice de atenção primária (IAP), índice de média complexidade (IMC) e

Índice de alta complexidade (IAC) - IR = (IAP + IMC + IAC) / 3. Para cada um dos três

componentes do IR foram definidos os indicadores descritos a seguir.

Atenção Básica (AB): Para comparação da cobertura e resultados da atenção básica

prestada pelos municípios, foram utilizados indicadores do Pacto da Saúde, relativos a

2010, que se incluem na prioridade VI do Pacto ( Fortalecimento da Atenção Básica). Do

total de 8 (oito) indicadores, foram excluídos dois deles em função da ausência de

informações para grande parte dos municípios12.

IMC e IAC: Para esses foram construídos dois indicadores similares que buscam aferir a

proporção de procedimentos hospitalares que foram realizados pelos cidadãos na própria

microrregião de residência, no caso dos procedimentos hospitalares de média

complexidade; e a proporção realizada na macrorregião de residência, no caso da alta

complexidade. A escolha pelos procedimentos hospitalares se justifica, considerando que o

tipo de informação disponível e confiável só permite identificar a origem do paciente no caso

de procedimentos hospitalares (Sistema de Internações Hospitalares/DATASUS). Do

conjunto de procedimentos realizados, foram descartados aqueles que poderiam distorcer a

informação (casos crônicos ou de internação de longa permanência, grupos de

procedimentos raros), sendo considerados para a construção do indicador apenas os

procedimentos clínicos e cirúrgicos, excluídos também os partos13. Outro critério de seleção

foi a modalidade de financiamento, sendo considerada apenas a opção de financiamento

regular de Média e Alta Complexidade (MAC)14. Os atendimentos foram associados por

município de origem e por município de atendimento e os municípios foram associados às

suas respectivas regiões de saúde15. Com a seleção e regionalização dos dados, espera-se

que as internações (AIHS) consideradas reflitam o fluxo de atendimento e a resolutividade

das regiões de saúde em relação à média e à alta complexidade da assistência à saúde

prestada pelo SUS, a partir da identificação da proporção de procedimentos que foram

realizados na região de residência em relação ao total de procedimentos realizados16.

11 O Decreto 7.508 de 28/06/2011 que entre outras coisas, normatiza as relações federativas no SUS, define apenas a região. 12 São eles: % famílias com perfil saúde beneficiárias do Programa Bolsa Família acompanhadas pela atenção básica e Média da ação coletiva de escovação dental supervisionada.

13 Os partos foram excluídos em função do grande volume (16,5% dos procedimentos) que poderia sugerir alta resolutividade de regiões com menor capacidade instalada. 14 ) Com essas seleções, o total de procedimentos realizados sofreu uma redução de 20,71%. 15 As regiões mais amplas forma identificadas a partir dos PDRs, e as regiões intermediárias a partir das Comissões Intergestores Regionais. 16 Cabe ressaltar que não é possível dizer o que não foi realizado, ou seja, qual é a demanda reprimida, o que de acordo com os entrevistados na pesquisa é bastante significativo.

14

O quadro seguinte resume os indicadores utilizados para o cálculo do IR e seus

componentes.

QUADRO 1 – Indicadores utilizados para construção do índice de regionalização Nível de atenção Indicadores Atenção Básica Proporção da população cadastrada pela Estratégia Saúde da Família

Proporção de nascidos vivos de mães com 7 ou mais consultas de pré-natal Taxa de Internações por diabetes mellitus e suas complicações Taxa de Internações por acidente vascular cerebral (AVC) Percentual de crianças menores de cinco anos com baixo peso para idade Cobertura populacional estimada das equipes de Saúde Bucal da Estratégia Saúde da Família

Média complexidade

Proporção de procedimentos de Média Complexidade de munícipes de um dado CIR realizado no próprio CIR.

Alta Complexidade

Proporção de procedimentos de Alta Complexidade de municípios de uma dada Região de Saúde realizado na própria Região de Saúde.

Os indicadores foram padronizados de modo a permitir comparação a partir da

construção de índices com valores que variam entre 0 e 117. Os valores do IAB foram

calculados a partir da média aritmética dos seis indicadores utilizados para aferir a atenção

básica. No caso de IMC e IAC os valores foram ponderados pelo número de procedimentos

realizados, visando corrigir distorções decorrentes das diferenças populacionais entre os

municípios e, consequentemente de suas necessidades de atendimentos de saúde18.

Os dados disponíveis são fornecidos para municípios e estados. Como o interesse

da pesquisa eram as regiões com vistas a aferir a cooperação entre entes no processo de

construção regionalizada da atenção à saúde, os índices foram construídos para regiões e

estados.

3.2 O estado da regionalização: resultados no IR e seus componentes

Os estados pesquisados apresentam diferenças quanto ao número de regiões

sanitárias que compõem os seus respectivos PDR19 e grande variação quanto ao índice de

regionalização, além de variações intrarregionais. A tabela seguinte sintetiza essas

diferenças a partir do IR médio das regiões de saúde que compõem os estados

pesquisados, bem como do IR calculado para esses estados20.

17 Para o cálculo do IR e seus componentes (IAB, IMC e IAC), utilizaram-se as fórmulas padrão: 1) Polaridade quanto maior melhor: índice = 1- (valor máximo – valor observado para o indicador) / (valor máximo - valor

mínimo); 2) Polaridade quanto menor melhor: índice = (valor máximo – valor observado para o indicador) /

(valor máximo - valor mínimo.) 18 MC= % de procedimentos de MC realizados na região * total de procedimentos/1000 habitantes

AC= % de procedimentos de AC realizados na região * total de procedimentos por 100.000 habitantes 19 Em 2010, o número de regiões era: Pará (8); Maranhão (7). Rio Grande do Norte (1); Bahia (9); Minas Gerais (13).São Paulo (17) e rio Grande do Sul (7). 20 Deve-se lembrar de que a base de dados é municipal, sendo que os dados para as regiões de saúde foram produzidos a partir da média dos municípios no caso dos indicadores da atenção básica, e foram calculados para o conjunto dos municípios da região no caso da atenção de média e alta complexidade. O índice das regiões foi calculado tomando como parâmetros todas as regiões da amostra de estados. A tabela apresenta apenas o valor médio das regiões de cada estado.

15

TABELA 1 - Índice de Regionalização (IR) das regiões de saúde e de amostra de estados e seus componentes. Brasil, 2010.

UF Região de saúde IAB IMC IAC IR Amplitude 0,228 1,000 0,181 0,309

Pará Média das regiões 0,374 0,499 0,037 0,303 Valor estadual 0,321 1,000 0,000 0,440

Amplitude 0,186 0,306 0,250 0,128

Maranhão Média das regiões 0,493 0,339 0,041 0,291 Valor estadual 0,396 0,562 0,063 0,341

Rio Grande do Norte Estadual 0,870 0,000 0,714 0,528

Amplitude 0,227 0,682 0,409 0,171

Bahia Média das regiões 0,522 0,400 0,067 0,329 Valor estadual 0,435 0,667 0,158 0,420 Amplitude 0,160 0,580 0,539 0,303

Minas Gerais Média das regiões 0,658 0,286 0,250 0,398 Valor estadual 0,551 0,448 0,487 0,495

Amplitude 0,201 0,759 0,452 0,425

São Paulo Média das regiões 0,638 0,392 0,372 0,468 Valor estadual 0,611 0,460 0,624 0,565

Amplitude 0,206 0,150 0,720 0,345

Rio Grande do Sul Média das regiões 0,643 0,467 0,525 0,545 Valor estadual 0,354 0,943 1,000 0,766

Fonte: Ministério da Saúde: pacto da Saúde e Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)

Observa-se que nenhum estado obteve um índice alto de regionalização (superior a

0,8) e apenas três obtiveram valores médios (entre 0,5 e 0,8) sendo que MG fica no limite

superior de um valor baixo (0,495). O melhor resultado foi registrado no Rio Grande do Sul,

puxado pelos valores do IMC e IAC, dado que o desempenho na Atenção Básica foi

bastante baixo. Esses dados mostram que a população não faz grandes deslocamentos

para ter acesso à atenção hospitalar, seja de média ou de alta complexidade.

No outro extremo está o estado do Maranhão, com o IR mais baixo da amostra

(0,341). Embora esse valor seja pressionado pelo componente IAC (apenas 0,063), há certa

regularidade entre os componentes situando o estado entre os valores mais baixos. Tanto

no caso da Bahia quanto do Pará, o índice baixo do IR é puxado para baixo principalmente

pelo IAC, expressando o fato de que grande parte da demanda por atendimento hospitalar

da maior complexidade é atendida na capital desses estados. Já o atendimento hospitalar

de média complexidade é bem (Pará) ou medianamente bem (Bahia) resolvido nos espaços

regionais adequados.

O caso do RN é curioso, uma vez que apresenta um IMC igual a zero, mas o IAC

assume um valor médio-alto (0,714) o que deve se explicar pelo fato de o estado ser a única

“macrorregião” de saúde, ou seja, os dados são estaduais e tendem a ser mais altos. De

fato, a maioria dos procedimentos hospitalares são realizados na própria capital do estado,

conforme depoimentos colhidos na pesquisa. RN é também o estado que apresenta o maior

valor para o IAB da amostra (0,870) - o único com índice alto.

Chama a atenção o fato de 4 dos 7 estados pesquisados apresentarem um IAB

baixo e dois com valores médios, apesar dos esforços do SUS no sentido de ampliar e

16

qualificar a atenção básica com vistas a aumentar sua resolutividade e funcionar como a

porta de entrada do sistema.

Comparando as regiões de saúde de cada Unidade da Federação, observam-se

grandes diferenciações entre elas, avaliada pela amplitude e pela diferença entre o IR médio

das regiões e o valor estadual do IR (Tabela 1). Nenhuma região tem IR alto e apenas 12

das 63 regiões tem IR médio - cinco delas no RS, 6 em SP e uma em MG.

Pará e Bahia são os estados que apresentam maior variação entre as regiões no

IAB e, excetuando o RN que não apresenta divisões em microrregiões, Minas Gerais

apresenta a menor dispersão relativa entre suas regiões de saúde, embora também

bastante significativa – variação entre 0,567 e 0,727. Em relação ao IMC, a maior

diferenciação entre as regiões ocorre, de forma decrescente, no Pará, SP, Bahia e MG. No

caso do IAC, os estados que apresentam maiores desigualdades entre suas regiões são,

em ordem decrescente: São Paulo, RS, Pará e MG – o que de alguma forma desqualifica os

melhores resultados dos dois primeiros em relação ao índice global do estado.

Em relação à atenção básica, o desempenho médio das regiões é superior ao do

estado considerado no seu conjunto, o que reflete o maior envolvimento dos municípios

menores com a ESF. Situação inversa ocorre no IMC e IAC, onde os índices dos estados

são sempre superiores aos índices médios de suas regiões, apontando para a concentração

desse tipo de atenção nos grandes centros, exigindo deslocamentos de grande parte da

população para ter acesso à atenção hospitalar, tanto de média quanto de alta

complexidade.

4 O contexto regional: a atuação do nível estadual de governo, fatores políticos

e estruturais

Na tentativa de identificar possíveis fatores que afetam o processo de

regionalização, foram considerados, além do desenho institucional analisado na seção dois,

duas ordens de fatores: em primeiro lugar, fatores políticos e gerenciais vinculados à

atuação dos atores relevantes envolvidos no processo, particularmente dos gestores

estaduais; e em segundo, fatores estruturais que afetam a capacidade de atendimento de

municípios e regiões de saúde.

4.1 O processo de regionalização nos estados: o papel do governo estadual

Considerando que a efetivação de relações cooperativas entre municípios em um

espaço territorial específico é afetada pela atuação do governo estadual a quem cabe o

papel de coordenação, buscou-se comparar os estados pesquisados a partir de suas

diferentes ações, tanto as previstas (coordenação da elaboração do PDR; implementação

da PPI; implantação e efetividade de Centrais de Regulação para regular o acesso e o fluxo

dos usuários dos serviços de saúde aos diferentes níveis de atenção distribuídos pelos

17

territórios de saúde; implantação e coordenação dos colegiados regionais como espaço para

troca de informações e de experiências, favorecendo, dessa forma, a cooperação entre os

gestores) quanto outras que demonstram a intenção de induzir o processo de regionalização

(incentivo à regionalização por meio de programas de apoio à consolidação de uma rede de

serviços no estado, realização de investimentos e ou incentivos financeiros).

Essas informações foram buscadas a partir de entrevistas semi-estruturadas

realizadas com gestores e técnicos do nível estadual e nível municipal de governo com

vistas a captar a sua percepção sobre o processo de regionalização e a construção dos

pactos, as dificuldades para a cooperação, o funcionamento dos fóruns regionais, o

estabelecimento de relações de confiança, a percepção sobre identidades locais e regionais

e as disputas políticas21.

A partir de uma análise qualitativa da percepção e dos relatos dos entrevistados, foi

elaborado o quadro abaixo que sintetiza a atuação dos estados em relação ao processo de

regionalização.

QUADRO 2

Indicador PA MA RN BA MG SP RS

1. Processo de regionalização Recente Recente Pós NOAS

Recente, de forma sistemática

Pioneira/ em descenso

Peculiar/ voltada para redes

Precoce/ paralisado/ retomado

2. PDR Atualizado Em atualização

Sofreu revisão Revisado Precoce e revisado

Não atualizado

Em processo de reformulação

3. PPI Recente

Para definição de tetos/ em reelaboração

Atualizada/ flexível/ discutida

Recente Precoce, atualizada e dinâmica

Antiga/ não atualizada Recente

4. PDI Sim Não Não Não Não Não Não

5. Incentivos à regionalização Não Não Não Não

Sim, no início do processo

Não Sim/ recentes

6. Regulação/ centrais de regulação

Frágil

Em organização; central de leitos estadual independente da central da capital

Apenas para procedimentos ambulatoriais

Frágil Forte Em implantação

Início de estruturação

7. Participação nos colegiados regionais

Forte, mas recente Frágil Efetiva Efetiva Efetiva Moderada Efetiva

Os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte iniciaram o

processo de regionalização logo após a publicação da NOAS/2001 – MG até um pouco

antes. Se esse estado se manteve atuante na coordenação da política de saúde do estado,

o processo retrocedeu no RS, só sendo retomado muito recentemente. No Pará, Maranhão

e Bahia apenas recentemente os governos estaduais assumiram a coordenação do

processo de articulação dos municípios e de construção da regionalização. Embora em São

21 Foram realizadas entrevistas com 16 pessoas integrantes do governo estadual e cerca de 20 dos governos municipais. Foi feita observação direta de algumas reuniões dos colegiados regionais.

18

Paulo o processo tenha se iniciado a algum tempo, apenas de forma recente tem sido dado

prioridade à regionalização, mas de forma peculiar, apostando no fortalecimento das

administrações regionais (estaduais) e pensando no território mais como o espaço de

construção de redes assistenciais. A forma própria de atuar desse estado se reflete na

pouca importância atribuída aos instrumentos formais da regionalização, como o PDR e a

PPI – peças formais sem importância e não atualizadas no estado, embora antigas.

À exceção de MG e do RN, que ainda consideram a PPI um instrumento importante

e referência para a regulação e fluxo dos usuários, nos demais estados ela serve para

diversas finalidades como definição dos tetos financeiros e contratação de prestadores, mas

guarda pouca correspondência com o fluxo real dos usuários ou com pactuações

municipais. Em que pese as resistências e entraves políticos para o fluxo de usuários entre

os municípios, mais do que falta de disposição para cooperar o problema parece estar na

insuficiente capacidade de prestação de serviços em função da baixa capacidade instalada

e outras deficiências. Os valores da tabela de procedimentos do SUS é também um grande

entrave na medida em que o município prestador não se dispõe a complementar valores

para usuários referenciados, fazendo-o apenas para seus munícipes. Outro problema

recorrente é a falta de correspondência entre as metas físicas previstas na PPI e as metas

financeiras, sendo que as segundas são exauridas antes de se atender às primeiras.

Chama atenção a fragilidade dos processos regulatórios de modo geral, sem o que

não se efetiva a regionalização da assistência. Esforços no sentido de estruturar processos

regulatórios, que inclui centrais de leitos e outras, são verificados, mas resistências e

dificuldades são grandes; além disso, há falta de articulação entre centrais de leitos

estaduais e municipais nos casos em que o estado tem a gestão de redes hospitalares (SP,

MA, principalmente). Pressões políticas e decisões judiciais também afetam o processo

regulatório e de organização da demanda.

Há uma visão otimista quanto ao funcionamento dos colegiados regionais que

parecem estar funcionando melhor depois da criação das CIR. Fica evidente que essas

comissões são esferas importantes para o processo de pactuação, de aproximação do nível

estadual de governo em relação aos municípios, de redução da assimetria informacional e,

principalmente, de construção de identidades regionais, na maioria das vezes inexistentes –

mas que quando existem favorecem a cooperação.

Na tabela seguinte pontua-se a atuação dos estados em relação à regionalização,

tendo como referência o Quadro 2. De forma comparativa, foram atribuídas notas aos

estados em cada uma das obrigações elencadas que podem ser zero, 0,5 ou 1 em cada

dimensão, podendo assumir o valor total de zero a 7 (sete).

19

TABELA 2. Desempenho das UFs em relação à regionalização. Brasil, 2012

UF Dimensões relativas ao papel do Estado na regionalização (Quadro 2)

1 2 3 4 5 6 7 Pontuação Total PA 0 1 1 1 0 0 1 3,0 MA 0 1 1 0 0 0 0 1,0 RN 1 1 1 0 0 0 1 4,0 BA 0 1 1 0 0 0 1 2,5 MG 1 1 1 0 1 1 1 5,5 SP 1 1 1 0 0 0 1 2,0 RS 1 1 1 0 1 0 1 3,0

Fonte: Quadro 2. Elaboração própria.

Embora não se verifique uma relação direta entre os valores alcançados no IR e o

desempenho dos estados quanto à implantação das diretrizes e instrumentos previstos nas

normas da regionalização, os resultados sugerem que o desempenho estadual tem efeitos

sobre o grau de regionalização – embora não se possa dizer que seja determinante

podendo ser afetado por outros fatores estruturais, como será visto na seção seguinte. Se

por um lado nenhum estado atingiu o desempenho ideal (pontuação igual ou próxima de

sete) como coordenador do processo de regionalização, também congruentemente, nenhum

estado teve IR alto. O estado com melhor pontuação foi MG que em termos relativos parece

ter desempenhado melhor seu papel de coordenação e indução no processo de

regionalização desde o início das orientações nacionais, em 2001, mantendo o

envolvimento, mesmo que fragilizado nos últimos anos – mas que não se reflete diretamente

no IR de apenas 0,495. Se o RS tem o mais alto IR, embora considerado médio, isso não

parece estar relacionado com a atuação do governo estadual, uma vez que no RS o

processo de regionalização iniciado precocemente foi, entretanto, interrompido e só

retomado recentemente, embora com bastante vigor – o que se expressa na pontuação de

apenas 3 no desempenho estadual na gestão da regionalização. E no caso de SP, a

regionalização segue uma orientação própria, bastante distante das regras nacionais,

embora tenha um IR médio. No caso do MA os dados são fortemente congruentes, pois é o

estado com pior IR e pior desempenho estadual; e são relativamente congruentes no caso

da Bahia: IR entre os mais baixos e desempenho estadual baixo, embora esforços recentes

estejam ocorrendo a partir de um legado bastante negativo. E a pontuação do RN, superada

apenas por MG, aponta para o esforço do estado em alavancar a regionalização, o que se

reflete de alguma maneira no valor do seu IR, superado apenas por RS e SP.

4.2 Possíveis fatores estruturais que afetam a regionalização

Além da atuação do governo estadual, outras variáveis, de caráter mais estrutural,

foram consideradas como capazes de afetar o processo de cooperação entre municípios e

dificultar ou mesmo impedir a realização dos atendimentos de saúde na própria região de

residência. O suposto é que diferenças em relação aos recursos disponíveis afetem o grau

de implementação da regionalização cooperativa e gerem limitações estruturais à

20

concretização de pactos. Essas variáveis foram agrupadas em 3 grupos: variáveis que

expressam a capacidade financeira dos municípios e os seus gastos com saúde; variáveis

relacionadas à disponibilidade de recursos humanos no setor saúde; e capacidade

instalada, medida pelo número de leitos disponíveis ao SUS. Todos os valores foram

também padronizados em índices para facilitar a comparação entre os estados

pesquisados22. O quadro abaixo lista os indicadores utilizados para cada grupo:

QUADRO 3 - Indicadores dos fatores estruturais que podem afetar a regionalização Indicadores financeiros Recursos humanos Capacidade instalada

1.PIB/100 mil hab, 2009 1.Média mensal de médicos/ 1000 hab, 2010

1. Média mensal de leitos/1000habitantes phabitanteshabitantes, de leitos disponíveis ao SUS, 2010

2.% de recursos de transferências governamentais em relação à Receita Total

2.Média mensal de enfermeiros/ 1000 hab,2010

3.Percentual de recursos próprios aplicados em saúde (EC29)

3.Média mensal de demais profissionais de nível superior / 1000 hab, 2010

4.Despesa Total da Saúde, por habitante 4.Média mensal de profissionais

administrativos por 1000 hab, 2010 5.Despesa com recursos próprios

para a saúde, por habitante Fonte: Dados da pesquisa.

Indicadores financeiros

Há diferenças importantes entre esses indicadores. Alguns se referem à

capacidade financeira do estado (1 e 2); outros se referem ao gasto realizado em saúde (4 e

5); e outro (3) afere, de alguma maneira, o comprometimento do estado com a saúde ao

expressar o percentual de sua receita alocada na saúde, observando a EC29.

A Tabela 3 visualiza os valores assumidos pelos estados, bem como o valor médio

de suas respectivas regiões de saúde. Um Índice financeiro sintético foi calculado a partir da

média aritmética dos cinco indicadores financeiros utilizados. Tabela 3 Índice de Recursos Financeiros e seus componentes por regiões de saúde e estados. Brasil, 2010.

UF Região

PIB por 100 mil

hab (2009)

% de recursos de transferências

governamentais em relação à Receita

Total

% de recursos próprios

aplicados em saúde

(EC29).

Despesa Total da

Saúde, por habitante

Despesa com

recursos próprios para a

saúde, por habitante

Índice de recursos

financeiros (IF)

PA Amplitude 0,124 0,208 0,517 0,414 0,258 0,262 Índice médio das regiões 0,054 0,114 0,276 0,136 0,087 0,133 Índice do estado 0,080 0,378 0,634 0,196 0,085 0,275

MA Amplitude 0,301 0,220 0,682 0,157 0,169 0,152 Índice médio das regiões 0,097 0,103 0,590 0,252 0,131 0,234 Índice do estado 0,000 0,000 0,576 0,000 0,000 0,115

RN Estadual 0,227 0,023 1,000 0,613 0,531 0,479

22 Os procedimentos foram os mesmso adotados para cálculo do IR: montagem da base de dados municipais com identificação das regiões a que pertencem; cálculo da média dos valores obtidos pelos municípios que compõem as regiões; cálculo dos índices das regiões tendo como parâmetro todas as regiões dos estados que compuseram a mostra; cálculo dos índices para o conjunto do estado a partir de dados estaduais disponíveis no DATASUS.

21

BA Amplitude 0,099 0,168 0,251 0,224 0,205 0,106 Índice médio das regiões 0,086 0,118 0,194 0,201 0,165 0,153 Valor estadual 0,156 0,526 0,790 0,282 0,121 0,375

MG Amplitude 0,411 0,165 0,492 0,453 0,646 0,360 Índice médio das regiões 0,253 0,310 0,428 0,499 0,513 0,401 Índice do estado 0,405 0,770 0,742 0,507 0,457 0,576

SP Amplitude 0,573 0,775 0,620 0,584 0,488 0,343 Índice médio das regiões 0,269 0,430 0,614 0,663 0,754 0,546 Índice do estado 1,000 1,000 0,654 1,000 1,000 0,931

RS Amplitude 0,848 0,165 0,269 0,451 0,434 0,333 Índice médio das regiões 0,515 0,391 0,091 0,544 0,604 0,429 Índice do estado 0,678 0,974 0,000 0,767 0,067 0,497

Fonte: Ministério da Saúde - SIOPS - Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde.

Os resultados mostram que o esforço para financiamento dos serviços de saúde

pelos estados não está relacionado necessariamente à sua capacidade financeira. Os

melhores resultados nos indicadores 1 e 2 nem sempre se traduzem em maior gasto relativo

em saúde, chamando atenção o RS com baixíssimo índice de despesa com recursos

próprios (perde apenas para o MA) e menor percentual de recursos próprios aplicados na

saúde, apesar de ter alta capacidade financeira (apenas 7,62% em 2010). Entretanto,

quando se analisa a despesa total da saúde por habitante, na qual são computados os

recursos próprios e os de transferências, o RS apresenta um índice médio no indicador,

menor apenas que o de São Paulo, indicando maior transferência de recursos para esse

estado. Chama atenção a baixíssima despesa em saúde no Maranhão e no Pará, tanto a

total, que inclui as transferências da União, quanto a despesa com recursos próprios.

Situação oposta ao do RS é a do RN que, apesar da capacidade financeira

bastante baixa, tem a maior percentual de recursos próprios aplicados em saúde (15,28%

em 2010), denotando maior esforço estadual no financiamento da saúde e que se reflete

também em um melhor IR. Em que pese o baixo desempenho na coordenação do processo

de regionalização nos termos das normas nacionais, SP tem o mais alto investimento

absoluto com recursos próprios em saúde, o que é compreensível dada sua maior

capacidade de gasto; entretanto, em termos comparativos com os estados da amostra tem

uma posição média em relação ao percentual de recursos próprios aplicados em saúde.

A Figura 1 abaixo associa a média dos dois indicadores que medem a capacidade

financeira dos municípios do estado com o IR, e a figura 2 considera os cinco indicadores

financeiros que consideram tanto a capacidade financeira quanto o investimento em saúde

pelos estados. Nas duas relações, a distribuição dos estados se mantém, exceto no caso do

RS, expressando a inconsistência entre sua capacidade financeira (alta) e seu baixo

investimento em saúde.

Não é possível identificar um padrão nessa relação. Se em três estados (PA, MA

e BA) há uma relação positiva entre capacidade financeira e nível de regionalização (índices

baixos tanto na regionalização quanto na capacidade financeira), os demais estados têm

comportamento irregular: alta capacidade financeira e IR médio (SP e RS); baixa

capacidade financeira e IR médio (RN); média capacidade financeira e IR baixo (MG). Esses

22

resultados sugerem que embora haja uma tendência para que o avanço no processo de

regionalização esteja associado à capacidade financeira do estado, ela depende também da

atuação positiva do estado e não apenas dos recursos disponíveis. O caso do RN é

paradigmático nesse sentido.

FIGURA 1 – Relação entre o Índice de Regionalização e a Capacidade Financeira, em

amostra de estados. Brasil, 2010.

FIGURA 2 – Relação entre o Índice de Regionalização e Índice Financeiro, em amostra de

estados. Brasil, 2010.

Capacidade financeira (indicadores 1 e 2)

Índice de regionalização (IR) Índice

Financeiro (IF) Índice de regionalização (IR)

Alto Médio Baixo

Alto Médio Baixo

Alto SP;RS

Alto SP

Médio MG

Médio MG

Baixo RN PA; MA;

BA Baixo RN;RS PA; MA; BA

Fonte: Dados da pesquisa.

Como era de se esperar, há diferenças significativas entre as regiões de saúde,

tanto entre as regiões de um mesmo estado quanto entre estados (Tabela 3). As maiores

variações em relação ao PIB /100 mil habitantes, avaliada pela amplitude, são observadas

no Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, em ordem decrescente – justamente os

estados com maiores valores no conjunto. Chama atenção em São Paulo – estado com

maior capacidade financeira -, a grande variação entre as regiões quanto à dependência em

relação a recursos transferidos, medido pelo percentual de recursos de transferências

governamentais em relação à receita total do município.

Em relação ao esforço despendido pelos municípios para custeio da atenção à

saúde (Percentual de recursos próprios aplicados em saúde - EC29) há também grandes

variações intrarregiões, mais acentuadas no Maranhão e em São Paulo. Esses percentuais

variam de 18,16 a 27,94 % entre todas as regiões da amostra, o que significa que os

municípios estão cumprindo a mais a determinação constitucional, mas há variações entre

eles. Em termos relativos, os percentuais mais baixos são das regiões do Rio Grande do Sul

e com pequena variação entre elas, o que leva o estado a ter índice zero nesse indicador,

tanto quando se considera a média das suas regiões quanto no valor estadual.

Entretanto, como já verificado pelos dados anteriores, a despesa total com saúde,

que mede um valor absoluto e não o quanto o município gastou em relação à sua receita, é

significativamente mais alta em São Paulo (14 das suas 17 regiões com índice superior a

0,5), seguida pelo Rio Grande do Sul (4 regiões acima de 0,5 e 3 com valores inferiores).

Todas as regiões do Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Bahia têm índices de gasto em

saúde inferior a 0,5. Ou seja, em que pese o esforço de comprometimento de suas receitas

com saúde, o montante de recursos alocados, como também os transferidos, para a saúde

permanece baixo.

23

4.2.2 Disponibilidade de recursos humanos para saúde

Um segundo conjunto de indicadores estruturais hipotetizados como capaz de

afetar os resultados da regionalização foi a disponibilidade de recursos humanos para o

SUS de diferentes categorias, e ainda um indicador sintético do conjunto de profissionais. A

tabela 4 mostra os resultados para os estados e para a média de suas regiões de saúde.

TABELA 4 índice de recursos humanos de saúde por regiões de saúde e estados. Brasil, 2010

UF Regiões de saúde

Média mensal de médicos por 1000 hab

Média mensal de enfermeiros por 1000 hab

Média mensal de demais profissionais de nível superior por 1000 hab

Média mensal de auxiliares e técnicos de enfermagem por 1000 hab

Média mensal de profissionais administrativos por 1000 hab

Média mensal de profissionais totais por 1000 hab

Índice de Recursos Humanos (IRH)

Amplitude 0,437 0,522 0,425 0,327 0,256 0,348 0,359

PA Índice médio das regiões

0,123 0,250 0,171 0,186 0,215 0,183 0,188

Índice do Estado 0,117 0,000 0,000 0,001 0,230 0,000 0,058

Amplitude 0,198 0,429 0,274 0,378 0,743 0,308 0,350

MA Índice médio das regiões

0,096 0,401 0,283 0,155 0,333 0,341 0,268

Índice do Estado

0,000 0,536 0,202 0,000 0,918 0,415 0,345

RN Estadual 0,638 0,987 1,000 0,554 1,000 0,905 0,847

Amplitude 0,660 0,529 0,433 0,428 0,234 0,404 0,402

BA Índice médio das regiões

0,265 0,519 0,359 0,253 0,227 0,385 0,335

Índice do Estado 0,452 0,730 0,384 0,203 0,220 0,414 0,401

Amplitude 0,735 0,345 0,538 0,406 0,727 0,508 0,415

MG Índice médio das regiões

0,514 0,511 0,663 0,445 0,379 0,649 0,527

Índice do Estado 0,938 0,660 0,799 0,614 0,646 1,000 0,776

Amplitude 0,781 0,768 0,623 0,537 0,630 0,622 0,481

SP Índice médio das regiões

0,685 0,654 0,650 0,682 0,335 0,701 0,618

Índice do Estado 1,000 0,996 0,542 1,000 1,000 0,910 0,908

Amplitude 0,217 0,219 0,423 0,323 0,304 0,373 0,205

RS Índice médio das regiões

0,608 0,632 0,623 0,515 0,128 0,581 0,515

Índice do Estado 0,914 0,924 0,649 0,779 0,000 0,678 0,657

Fonte: Ministério da Saúde - Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil - CNES; dados da pesquisa.

A situação mais positiva em termos de disponibilidade de recursos humanos é a de

SP, seguida por RN e MG. PA, MA e BA apresentam os piores resultados também nesse

aspecto, e o RS fica em uma situação intermediária. As desigualdades intrarregionais e

entre os estados é significativa (Tabela 4), e novamente os índices do estado tendem a ser

melhores do que o da média de suas regiões de saúde apontando para a maior

disponibilidade de profissionais de saúde nos locais mais populosos.

A relação com o IR é apresentada na Figura 3 abaixo. A tendência é certa

associação entre a disponibilidade de recursos humanos e o grau de regionalização, embora

24

não perfeita. Nos três casos mais negativos os índices são baixos para todos os

indicadores; um índice médio de recursos humanos se relaciona com IR também médio em

dois estados (RN;RS); e nos outros dois casos um IRH alto ou médio não se traduz em IR

alto, embora a relação seja alto IRH/médio IR e médio IRH/baixo IR (MG) – ou seja, parece

haver uma relação.

FIGURA 3 – Relação entre o Índice de Regionalização e o Índice de Recursos Humanos. Brasil, 2010.

Índice de Recursos Humanos (IRH) Índice de regionalização (IR)

Alto Médio Baixo Alto SP Médio RN; RS MG Baixo PA;MA;BA Fonte: Dados da pesquisa.

4.2.3 Leitos por 1000 habitantes

Um indicador clássico para avaliar a capacidade de prestação de serviços é o

número de leitos/1000 habitantes, considerando-se apenas aqueles disponíveis ao SUS. A

Figura 4 mostra a posição relativa dos estados em relação a esse indicador, associado ao

IR.

FIGURA 4 – Relação entre o Índice de Regionalização (IR) e o Índice de Leitos SUS/1000 Habitantes. Brasil, 2010. Índice de leitos por

habitante

Índice de regionalização (IR)

Alto Médio Baixo

Alto RN; RS MA

Médio BA

Baixo SP PA; MG

Fonte: Dados da pesquisa

Não se observa um padrão claro na relação entre IR e disponibilidade de leitos

SUS. Apenas para 2 estados, situados nas posições extremas, essa relação é a esperada.

A situação de SP é bastante negativa, apresentando o segundo menor índice de leitos

hospitalares por habitante disponíveis ao SUS, superada panes pelo PA. Isso pode ser

explicado pela grande proporção de pessoas cobertas por planos de saúde no Estado

(43,29%) que torna os leitos hospitalares indisponíveis para o SUS. A mesma interpretação

pode ser dada para os casos do MA e RN, mas em sentido inverso: índice alto de leitos SUS

e baixa cobertura por plano de saúde. (Tabela 5), apesar de que essa relação não seja

observada no PA.

25

TABELA 5 Percentual de pessoas cobertas por pelo menos um plano de saúde em amostra de estados. Brasil, 2010 UF % Pará 10,05 Maranhão 5,69 Rio Grande do Norte 15,35 Bahia 9,90 Minas Gerais 24,15 São Paulo 43,29 Rio Grande do Sul 22,57 Fonte: Ministério da Saúde.

Os resultados são bastante negativos quando se considera os valores alcançados

pelas regiões de saúde dos estados (Tabela 6). Das 63 regiões de saúde dos sete estados

da amostra, apenas 3 tem índice alto em relação a recursos humanos disponíveis para o

SUS (2 em SP e uma no RN); três regiões apenas têm índice alto de leitos disponíveis ao

SUS23). Quase 60% das regiões (37 delas) têm índices baixos de recursos humanos;

proporção que atinge quase 75% quando se considera o número de leitos disponíveis aos

SUS (47 das 63 regiões).

TABELA 6 Distribuição das regiões de saúde das Unidades da Federação segundo a posição nos indicadores de Recursos Humanos e Leitos SUS/1000 habitantes. Brasil, 2010.

UF

Índice de Recursos Humanos disponíveis ao SUS

Índice de Leitos SUS/1000 hab. Total de

regiões Alto Médio Baixo Alto Médio Baixo

Pará 8 8 8 Maranhão 1 7 2 6 8 Rio Grande do Norte 1 1 1 Bahia 1 8 2 7 9 Minas Gerais 6 7 1 1 11 13 São Paulo 2 11 4 2 5 10 17 Rio Grande do Sul 4 3 3 4 7 Total 3 23 37 3 13 47 63 Fonte: Ministério da Saúde - Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil – CNES 4. Considerações finais

Esse artigo teve como objetivo analisar o grau de implementação da

“regionalização cooperativa” em uma amostra de sete estados e produzir uma interpretação

para as diferenças entre eles, a partir da identificação de fatores contextuais de natureza

regional e local. O quadro abaixo sintetiza os resultados:

23 Região Sudeste em Minas Gerais e Marília e São João da Boa Vista em São Paulo.

26

UF Índice de regionalização

Desempenho do Estado24

Índice financeiro

Índice de Recursos Humanos

Índice de leitos SUS

Pará Baixo Baixo Baixo Baixo Baixo

Maranhão Baixo Baixo Baixo Baixo Alto

Rio Grande do Norte Médio Médio Baixo Médio Alto

Bahia Baixo Baixo Baixo Baixo Médio

Minas Gerais Baixo Médio Médio Médio Baixo

São Paulo Médio Baixo Alto Alto Baixo

Rio Grande do Sul Médio Baixo Baixo Médio Alto

Os resultados apontaram grande variação entre os estados (e entre as suas regiões

de saúde) quanto ao índice de regionalização, que expressa o grau em que a população tem

acesso à atenção à saúde o mais perto de sua residência nos três níveis de complexidade.

Nenhum estado (e nenhuma região) da amostra apresentou um índice de regionalização

alto, e quatro deles apresentaram índices baixos. Isso significa que os espaços regionais

não conseguem suprir a demanda dos seus habitantes, pelo menos no caso da atenção

hospitalar que foi considerada no cálculo dos índices de média e alta complexidade. Na

maioria dos estados pesquisados, os atendimentos tendem ainda a se concentrar nas

respectivas capitais.

Esses resultados finais, contudo, expressam diferenças internas importantes em

relação aos componentes do índice de regionalização, como: o índice médio do RG se deve

à sua posição melhor em relação à média e alta complexidade embora apresente um baixo

índice na atenção básica, superior apenas ao do PA; a posição média do RN é resultado de

índices altos em atenção básica (o único estado com índice alto nessa dimensão) e alta

complexidade, embora apresente o pior resultado em relação à atenção de média

complexidade. Com exceção, em parte, do RN, os piores resultados tendem a ser dos

estados das regiões Norte e Nordeste. Apesar dos esforços do SUS para qualificar a

atenção básica e torná-la mais resolutiva, ela ainda não é adequada. Essa situação acaba

pressionando a rede de serviços de média e alta complexidade.

Embora desde o início dos anos 2000, induzidos pela NOAS/2001, tenha havido

iniciativas estaduais no sentido de implantação dos instrumentos da regionalização, na

maioria dos estados pesquisados apenas tardiamente o governo estadual assumiu de forma

mais sistemática a alavancagem do processo de regionalização. Alguns dos principais

instrumentos previstos não funcionam para orientação da regulação ou dos fluxos de

atendimento dentro do sistema de saúde.

Curioso é que ao mesmo tempo em que as normas nacionais impactam a ação dos

níveis regionais de governo – todos de alguma forma buscam operacionalizar as normas, 24 Baixo: até 3; médio: acima de 3 até e 6; alto: acima de 6.

27

mesmo que às vezes de forma um pouco formalista -, elas não são observadas de forma

uniforme. Em alguns casos, como em SP, observa-se uma tradução bastante peculiar do

sentido da regionalização e do papel do estado que fortalece suas próprias ações em

detrimento do papel de articulador dos entes municipais. Ou seja, se o arranjo desenhado

para a regionalização em princípio favorece a cooperação, ela não a garante em função de

sua tradução específica em cada estado.

Como nenhum estado teve alto índice de regionalização, nem alto desempenho da

gestão estadual, é possível considerar esse resultado como uma evidência de que a

regionalização depende da atuação do nível estadual de governo no sentido de assumir o

papel de coordenador do processo e ainda ao definir incentivos ao comportamento

cooperativo dos municípios. Mas é uma evidência fraca na medida em que na amostra não

se encontraram associações opostas para validar uma conclusão mais forte (mesmo não se

tratando de uma generalização em função do pequeno número de casos). Conjugações

diversas de fatores podem produzir resultados similares, em que a capacidade financeira

pode impactar assim como a capacidade instalada e a disponibilidade de recursos humanos.

O caso de RN exemplifica o caso em que a baixa capacidade financeira pode ser

compensada, em parte, pela atuação proativa do nível estadual de governo, expressa pelo

maior investimento relativo em saúde e por maior cobertura e resultados na atenção básica,

sendo favorecida pela disponibilidade de leitos SUS. Já o caso de Minas Gerais apresenta

outra combinação em que o desempenho relativamente melhor da gestão estadual na

coordenação do processo é afetado negativamente pela baixa capacidade instalada,

traduzindo-se em baixo índice de regionalização. Situação oposta é a do RS cujo melhor

resultado quanto à regionalização parece associado às condições para atendimento de

saúde e pelo gasto alto em saúde, em sua maior parte decorrente de transferências

federais.

Embora os resultados não tenham sido conclusivos, algumas tendências podem ser

identificadas em relação à influência de fatores locais de natureza estrutural:

• Na maioria dos casos, há relação entre a capacidade financeira do estado e o nível de

regionalização.

• Se o maior percentual de recursos próprios aplicados na saúde pelos estados e

municípios demonstra o comprometimento de suas receitas com a área da saúde, isso

não se reflete, contudo, em maior aporte em termos absolutos, dadas as diferenças de

arrecadação entre eles.

• Os resultados sugerem uma relação entre a disponibilidade de recursos humanos de

saúde e o grau de regionalização, verificada entre cinco dos sete estados pesquisados.

• A relação entre a disponibilidade de leitos SUS/1000 habitantes (indicador que tem

relação com a capacidade de prestação de serviços) e o grau de regionalização não

28

apontou para um padrão claro. O número de leitos disponíveis ao SUS parece estar

relacionado com a proporção de pessoas cobertas por planos de saúde no Estado: maior

cobertura por planos de saúde, menor disponibilidade de leitos SUS e vice-versa.

Em suma, a regionalização é ainda frágil e vários problemas são identificados pelos

gestores e técnicos pesquisados como fatores que afetam o processo. Entre eles,

sobressaem a falta de serviços disponíveis, seja por sua inexistência ou por sua

indisponibilidade para o SUS, principalmente em função da não aceitação da tabela SUS

pelos prestadores privados. Esse problema se associa ao problema mais estrutural que é o

sub-financiamento que gera a baixa oferta e o não acesso aos serviços de saúde, gerando

maior responsabilidade para o nível estadual de governo. Os municípios polos também têm

dificuldades para funcionar como tal em função de sua incapacidade de prestar os serviços.

Além disso, em função do imperativo de os municípios complementarem as tabelas no

pagamento dos prestadores de serviços, gera-se uma situação em que eles, agindo

racionalmente e em benefício de seus munícipes, não aceitam fazer essa complementação

para os procedimentos realizados por usuários referenciados de outros municípios, gerando

baixa oferta para esses últimos e tornando a cooperação bastante frágil. As disputas são

acirradas quando está em jogo a alocação de recursos próprios

A pesquisa apontou também a importância da regulação assistencial para a

concretização da regionalização, que é frágil na maioria dos casos. Na ausência de

processos regulatórios eficientes o que se tem não é uma demanda espontânea, mas uma

regulação anárquica a partir de ingerências políticas e decisões judiciais que acabam

definindo o fluxo de atendimentos. A regulação é ainda mais complicada quando o estado

detém a gestão da rede hospitalar, situação em que a regulação do ente municipal não

dialoga com a do ente estadual.

Do ponto de vista das relações federativas, a criação dos fóruns regionais parece

ter efeitos decisivos ao forçar a aproximação estado/municípios e município/município;

aumentar a informação e a transparência; implicar melhor os municípios, particularmente

aqueles com maior capacidade de prestação de serviços; ter efeitos educativos no exercício

do debate, da pactuação e, pelo menos de forma ainda incipiente, do planejamento. Se a

existência de identidades regionais prévias não foi relevante na territorialização da

assistência, os recortes regionais após o início da regionalização têm favorecido a

construção de identidades regionais que, quando existem, favorecem o processo e podem

contrabalançar as disputas político-partidárias que causam tensionamentos, tanto no nível

horizontal (entre municípios) quanto no vertical (estado/municípios). Nesse sentido, mesmo

que ainda incipiente, o processo de regionalização tem um efeito educativo e de

conscientização da necessidade de cooperação entre municípios e contribui para o

29

aprendizado do estado no sentido de assumir seu papel de coordenação, pactuação,

regulação e de negociação.

O processo constante de reformulação das diretrizes normativas do SUS indica

tanto um processo de aprimoramento quanto um imperativo a partir de avaliações dos

resultados obtidos. Ainda é cedo para avaliar o impacto das novas regras sobre a

assistência, além de fugir ao escopo deste trabalho. A regionalização ou a territorialização

da assistência à saúde continua sendo um desafio prático e analítico a suscitar novos

estudos de forma a identificar de forma mais precisa os fatores que determinam tanto o

sucesso quanto o fracasso das iniciativas.

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