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EXCELENTÍSSIMO/A SENHOR/A DOUTOR/A JUÍZ/A DE DIREITO DA ___ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, representada neste ato pelos Defensores Públicos infrafirmados, Coordenadores do NÚCLEO ESPECIALIZADO DE SITUAÇÃO CARCERÁRIA (NESC), vem à presença de V. Exa. propor, com fundamento no artigo 1º, IV c/c artigo 5º da Lei n. 7.347/1985, c/c artigo 5º, VI, "g" e VII, da Lei Complementar Estadual n. 988/2006 e artigo 134 da Constituição da República, Rua Líbero Badaró, nº 616 – 3º andar – Centro – São Paulo – SP – CEP 01008-000 Tel.: 3105.5799 r. 314/315/316/317

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EXCELENTÍSSIMO/A SENHOR/A DOUTOR/A JUÍZ/A DE DIREITO DA ___ VARA

DA FAZENDA PÚBLICA DA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO,

representada neste ato pelos Defensores Públicos infrafirmados, Coordenadores

do NÚCLEO ESPECIALIZADO DE SITUAÇÃO CARCERÁRIA (NESC), vem à

presença de V. Exa. propor, com fundamento no artigo 1º, IV c/c artigo 5º da Lei n.

7.347/1985, c/c artigo 5º, VI, "g" e VII, da Lei Complementar Estadual n. 988/2006

e artigo 134 da Constituição da República,

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

com pedido de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em face do ESTADO DE SÃO PAULO, pessoa jurídica de direito público interno,

com sede no Palácio dos Bandeirantes, situado na Avenida Morumbi, n. 4500,

Morumbi, São Paulo/SP, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

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1. DOS FATOS

É de notório conhecimento a grave crise de saúde pública

atualmente enfrentada em todo o mundo por conta da pandemia do novo

CORONAVÍRUS, especialmente preocupante no Brasil diante do aumento

exponencial de casos e do atual colapso do sistema de saúde em diversas cidades

do país1.

Conforme será melhor desenvolvido adiante, o sistema

prisional é um dos ambientes mais propícios para a propagação do vírus, quadro

esse extremamente agravado no Brasil por conta da superlotação e das

inaceitáveis condições de insalubridade existentes em diversos estabelecimentos

penitenciários.

Tal fato deveria ensejar uma preocupação especial com

esses locais, dado o potencial altíssimo de propagação do vírus em ambientes

como esse. Por um lado, as pessoas presas, grande parte pertencente ao grupo de

risco, ficam expostas a uma doença que pode causar sérias complicações

respiratórias, em um ambiente especialmente insalubre, na maioria esmagadora

das vezes sem nem mesmo equipe mínima de saúde ou possibilidade de pronto

atendimento na rede pública de saúde, na maior parte das vezes por falta de

escolta. Por outro, as unidades prisionais podem se tornar incubadoras do vírus,

além de contribuírem para a sobrecarga dos sistemas de saúde das regiões nas

quais se encontram.

No entanto, mesmo diante desse quadro, a Secretaria de

Administração Penitenciária vem tomando tímidas medidas preventivas,

claramente insuficientes diante da gravidade da situação, sendo a principal delas

voltada a restringir o direito de visita das pessoas presas.

1 Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/coronavirus-cinco-capitais-estao-proximas-do-colapso-do-sistema-de-saude-aponta-pesquisa-1-24390242. Acesso em 06/05/2020, às 17h40min.

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No dia 19 de março de 2020, a Secretaria expediu a

Resolução SAP-40, voltada a disciplinar as visitas nas unidades prisionais paulistas.

Conforme seu conteúdo, a partir do dia 21 de março estaria permitido o ingresso

de apenas um visitante por preso, além de não serem permitidos visitantes

menores de idade ou que se enquadrassem no grupo de risco da COVID-19. Por

fim, determinava a realização de procedimentos de triagem antes do ingresso dos

visitantes, para aferir a presença de sintomas relacionados à doença.

Após essa medida, alguns casos foram levados ao Poder

Judiciário a respeito do tema. Em um deles, um mandado de segurança impetrado

pelo Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo

(processo n. 1015074-20.2020.8.26.0053), teve liminar deferida pela juíza da 16ª

Vara da Fazenda Pública da Capital, proibindo visitas em todas as unidades

prisionais do Estado de São Paulo até o julgamento da demanda.

Posteriormente, a Secretaria de Administração Penitenciária

editou a Resolução SAP-60, de 24 de abril de 20202, anexa, suspendendo todas as

visitas nas unidades prisionais paulistas por trinta dias.

Nesse período, destaca-se que esse Núcleo Especializado de

Situação Carcerária enviou, no dia 6 de abril de 2020, ofício ao Secretário de

Estado da Secretaria de Administração Penitenciária, anexo, recomendando a

instalação de telefones públicos nas unidades prisionais e, enquanto tal medida

não fosse efetivada, a intermediação do contato das pessoas presas com seus

familiares através da equipe de serviço social de cada estabelecimento.

No dia 14 de abril de 2020, o Secretário da Administração

Penitenciária enviou resposta informando que "a instalação de telefones públicos

nas unidades prisionais é inviável, mormente no momento atual, em que todos os

recursos disponíveis são necessários para suprir a demanda por insumos destinados

2 Disponível em: http://www.sap.sp.gov.br/noticias/resolucao.html. Acesso em 06/05/2020, às 17h32min.

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ao combate e prevenção da disseminação do COVID-19 entre os custodiados e

servidores do sistema penitenciário", conforme documento anexo.

Mantem-se, assim, e sem perspectiva de solução, grave

situação de total incomunicabilidade das pessoas presas, facilitando o rompimento

de vínculos familiares, tão importantes para o adequado cumprimento da pena e

para se alcançar seus objetivos formais.

Diante desse fato, entendendo tais medidas como violadoras

de direitos fundamentais das pessoas presas e seus familiares, sem, contudo ter

garantida a proporcionalidade diante da necessária adoção de medidas de

contenção da pandemia no sistema prisional, a Defensoria Pública do Estado de

São Paulo, por intermédio do seu Núcleo Especializado de Situação Carcerária, vem

propor a presente ação civil pública.

Em síntese, o necessário.

2. DA LEGITIMIDADE DA POSTULANTE

A Defensoria Pública é instituição essencial à função

jurisdicional, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus,

dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal. Ela

representa o instrumento pelo qual o Estado Democrático de Direito promove a

ação afirmativa, ou discriminação positiva, visando à inclusão jurídica daqueles

econômica e juridicamente hipossuficientes.

Portanto, não se pode olvidar que a Defensoria Pública,

como instrumento de ação afirmativa, visa à concretização do princípio da

isonomia ou igualdade, na medida em que o Estado, por meio dela, trata

desigualmente os desiguais (necessitados), almejando a igualdade de condições.

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Nas palavras da professora e Ministra do Supremo Tribunal Federal CARMEN

LÚCIA ANTUNES ROCHA,

A definição jurídica objetiva e racional de desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como forma de promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante da sociedade. Por esta desigualação positiva promove a igualação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política e econômica no e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias.3

Em outras palavras, a Defensoria Pública é o instrumento

pelo qual se garante o acesso à Justiça aos necessitados, desprovidos de recursos

financeiros para custear os encargos do processo.

Entretanto, a Defensoria Pública não é apenas um órgão

patrocinador de causas judiciais. É muito mais! É a Instituição Democrática que

promove a inclusão social, cultural e jurídica das classes historicamente

marginalizadas, visando à concretização e a efetivação dos direitos humanos, no

âmbito nacional e internacional, à prevenção dos conflitos, em busca de uma

sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade,

com a erradicação da pobreza e da marginalização, em atendimento aos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 3º da

Constituição.

Nas palavras de MÁRCIO THOMAZ BASTOS,

As instituições sólidas são os instrumentos que as democracias têm para se realizar enquanto tais. E as democracias, para abandonarem o rótulo de

3 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação afirmativa – O conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de Direito Público, n º 15/85.

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democracias formais, se tornando verdadeiras democracias de massas, devem construir instituições que consigam garantir a todos, sem discriminações, os direitos previstos nas constituições democraticamente escritas. (...) Não mais podemos nos preocupar só com o Estado Julgador e com o Estado Acusador, em detrimento do Estado Defensor.4

Outrossim, a atuação da Defensoria Pública se torna ainda

mais relevante em um Estado como o Brasil, que possui uma Carta Magna de

caráter social, mas que carece de efetividade e concretude.

Em suma, a Defensoria Pública apresenta-se como a

instituição garantidora do acesso à Justiça, não apenas no âmbito jurídico, mas

também no social e cultural.

Entretanto, para que a instituição cumpra satisfatoriamente

seu papel, é preciso conquistar certos meios ou condições de atuação, dentre eles a

legitimidade ativa para a propositura de ações coletivas.

Assim, a Lei Complementar nº 988/06 do Estado de São

Paulo dispõe, em seu artigo 2°, que “a Defensoria Pública do Estado é instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, e tem por finalidade a tutela

jurídica integral e gratuita, individual e coletiva, judicial e extrajudicial, dos

necessitados, assim considerados na forma da lei”.

Prevê ainda a aludida lei, em seu artigo 5º, como atribuições

institucionais da Defensoria Pública do Estado de São Paulo,

Artigo 5º - São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre outras: (...)III - representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos jurisdicionais do Estado e

4 II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil promovido pelo Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento, 2006.

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em todas as instâncias, inclusive os Tribunais Superiores;VI - promover: (...)b) a tutela dos direitos humanos em qualquer grau de jurisdição, inclusive perante os sistemas global e regional de proteção dos Direitos Humanos; c) a tutela individual e coletiva dos interesses e direitos da criança e do adolescente, do idoso, das pessoas com necessidades especiais e das minorias submetidas a tratamento discriminatório; d) a tutela individual e coletiva dos interesses e direitos do consumidor necessitado; e) a tutela do meio ambiente, no âmbito de suas finalidades institucionais; (...)g) ação civil pública para tutela de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo; (g.n.)

Nesse processo de positivação legal, a Lei Federal nº

11.448/07 alterou a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e, em seu artigo 5º,

inciso II, passou a prever expressamente a legitimidade ativa da Defensoria

Pública.

No que toca especificamente à Defensoria Pública do estado

de São Paulo, importante destacar que, apesar de ter cerca de 1/5 da população do

país, o estado de São Paulo concentra cerca de 1/3 da população prisional, com

contingente de aproximadamente 225.000 pessoas presas5 em suas 176 unidades

prisionais e, consequentemente, é o estado com maior número de pessoas

processadas criminalmente, tanto que a Defensoria Pública de São Paulo é

responsável por 1/5 dos habeas corpus impetrados no STJ e STF6.

Neste contexto, a decisão aqui proferida atingirá de maneira

direta a vida de mais de 225.000 mil pessoas no estado, a esmagadora maioria

delas representadas judicialmente por essa instituição, haja a vista a

vulnerabilidade social e econômica da população processada criminalmente.

5 Dados oficiais de 8 de abril de 2.020 – http://www.sap.sp.gov.br/6 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-out-05/presuncao-culpa-stf-antecipar-50-mil-prisoes-ano. Acessado em: 06.04.2018, às 13h20min.

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Como se não bastasse, a lei de execuções penais elenca a

Defensoria Pública como órgão de execução, que tem como função, de acordo com

o art. 81-A, LEP, velar

“pela regular execução da pena e da medida de segurança, oficiando, no processo executivo e nos incidentes da execução, para a defesa dos necessitados em todos os graus e instâncias, de forma individual e coletiva.”

Outrossim, hodiernamente, o juízo de verificação da

pertinência temática há de ser o mais flexível e amplo possível, em contemplação

ao princípio constitucional do acesso à Justiça, mormente se considerarmos a

máxima efetividade dos direitos fundamentais.

Aliás, MAURO CAPPELLETI e BRYANT GARTH detectam três

ondas renovatórias da Era Instrumentalista do Direito Processual, no sentido de

assegurar o acesso à Justiça. A segunda onda, especificamente, representa a

consagração das formas coletivas de se promover a tutela jurisdicional. Conforme

tais autores, “o acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito

fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico e

igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”7.

É, portanto, incontestável a legitimidade ativa da Defensoria

Pública para pleitear a tutela jurisdicional coletiva ora apresentada.

3. O CAOS DO SISTEMA CARCERÁRIO, O COLAPSO A PARTIR DA PANDEMIA DO

COVID-19 E O ESTADO DE EXCEÇÃO INCONSTITUCIONAL DE

INCOMUNICABILIDADE DAS PESSOAS PRESAS – DO DIREITO À CONVIVÊNCIA

FAMILIAR

7 CAPPELLETI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988, p. 12.

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É certo que o mundo assiste atônito à maior pandemia em

gerações com o avanço do CORONAVÍRUS. Há um claro consenso entre especialistas e

autoridades governamentais dos diversos países já atingidos que se deve evitar a

aglomeração de pessoas, especialmente em locais fechados. Já se observou, também, que

os grupos de risco, aqueles que padecem com a maior incidência de casos graves e de

letalidade, são os idosos, portadores de doenças crônicas, portadores de doenças

respiratórias, de doenças renais, imunodeprimidos, pessoas com deficiência, pessoas com

doenças autoimunes, gestantes e lactantes e pessoas com cirrose hepática. Grupos esses

indicados pelo próprio TJ/SP como de risco, conforme artigo 4° do Provimento n.

2545/2020, do Conselho Superior da Magistratura, bem como no artigo 1º, I, da

Recomendação n. 62, de 17 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça.

No Brasil, a situação é mais grave. Isso porque há claro aumento

exponencial da doença, com o país figurando como um dos epicentros de sua

disseminação no mundo atualmente, conforme estudo divulgado pela Universidade John

Hopkins8.

Note-se que, até o dia 13/05/2020, já foram identificados

188.974 casos e 13.149 óbitos em decorrência da COVID-19, dos quais 51.097

casos e 4.118 óbitos são no estado de São Paulo9 e diversas medidas vem sendo

tomadas em vários âmbitos. Os números provavelmente já são muito maiores, já que as

autoridades de saúde têm reiteradamente afirmado que não há kits para testar todos as

pessoas que apresentem sintomas, gerando uma já flagrante subnotificação da doença.

Estudos recentes têm demonstrado a dimensão dessa

subnotificação. Pesquisadores ligados à UFMG, baseando no aumento de casos de

síndrome respiratória em comparação com anos anteriores, estimam 7,7 casos

reais para cada caso notificado10. Já pesquisadores ligados à USP, tendo como

8 Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/com-84-mil-casos-e-6-mil-mortes-brasil-vira-um-polo-global-da-covid-19/. Acesso em 06/05/2020, às 17h36min.9 Disponível em: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em 06/05/2020, às 17h39min.10 Disponível em: https://www.cedeplar.ufmg.br/noticias/1234-nota-tecnica-estimate-of-underreporting-of-covid-19-in-brazil-by-acute-respiratory-syndrome-hospitalization-reports.

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referência a letalidade do vírus na Coréia do Sul (país com alto número de testes

realizados), fizeram uma projeção estatística que aponta mais de 1,6 milhão de

infectados em 04.04.202011.

Reportagem veiculada recentemente aborda como a

subnotificação da COVID-19 é ainda mais gritante dentro do sistema prisional,

onde apenas 0,1% da população passou por exames.

Até 05.05.2020, apenas 755 pessoas presas haviam sido

submetidas a testes, em um universo de mais de 755 mil. Mesmo com tamanha

falta de dados a respeito da pandemia dentro das unidades prisionais, já podemos

vislumbrar seu efeito catastrófico: no Brasil, a letalidade do vírus entre as

pessoas presas já é cinco vezes maior do que entre o restante da população12.

A Portaria nº 188/2020 do Ministério da Saúde13, decretou

Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da

infecção humana pelo Coronavírus. O Governo do Estado de São Paulo publicou o Decreto

nº 64.862/202014, em que estabelece medidas temporárias e emergenciais de prevenção

do contágio pelo vírus. E na cidade de São Paulo, onde vive aproximadamente ¼ da

população deste Estado, foi publicado o Decreto Municipal nº 59.28315 para declarar a

situação de emergência do Município e estabelecer medidas de enfrentamento.

Considerando que a transmissão do vírus ocorre por meio de

contato pessoal ou com superfícies contaminadas, a partir de gotículas respiratórias da

Acesso em 06/05/2020, às 17h41min.11 Disponível em: https://ciis.fmrp.usp.br/covid19-subnotificacao/. Acesso em 06/05/2020, às 17h41min.12 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/letalidade-do-coronavirus-entre-presos-brasileiros-e-o-quintuplo-da-registrada-na-populacao-geral.shtml. Acesso em 06/05/2020, às 17h41min.13 Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388. Acesso em 06/05/2020, às 17h32min.14 Disponível em: http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/nav_v5/index.asp?c=4&e=20200314&p=1. Acesso em 06/05/2020, às 17h42min.15 Disponível em: http://diariooficial.imprensaoficial.com.br/nav_cidade/index.asp?c=1&e=20200317&p=1&clipID=648d3631c23fe44687e64edf95db8dca. Acesso em 06/05/2020, às 17h42min.

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saliva ou de secreções da tosse ou espirro, as principais medidas de prevenção, como dito

anteriormente, passam por evitar a aglomeração de pessoas e o contato físico, além

de higienização constante das mãos.

Nesse sentido, uma série de medidas excepcionais tem sido

recomendadas para conter a infecção, dentre as quais pode-se destacar: alterações e

restrições ao funcionamento de órgãos públicos, regime de teletrabalho,

suspensão/adiamento de eventos em que haja aglomeração de pessoas, além de

recomendação de uso de álcool em gel 70%, uso de papel toalha para limpeza das mãos e

superfícies e recomendação de distância entre pessoas de pelo menos dois metros.

Importante observar que uma pessoa que está presa tem seis

vezes mais chances de morrer do que uma pessoa em liberdade16 e 34 vezes mais

chance de contrair tuberculose17. A falta de dignidade e condições mínimas para o

cumprimento das penas nas unidades prisionais fica devidamente ilustrada com a

chocante constatação de que mesmo antes da pandemia “um preso morre a cada 19

horas em São Paulo”18.

Neste contexto, medidas também vêm sendo adotadas no mundo

todo para conter o avanço na população prisional e na sociedade como um todo, como por

exemplo nos Estados Unidos19, no Irã20 e no Bahrein21.

Não só em âmbito internacional, mas também internamente já há

medidas nesse sentido, como do TJ/MG pela portaria conjunta n. 19/PR-TJMG/2020.

16 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/05/poder-publico-e-incapaz-de-garantir-a-vida-daqueles-sob-sua-custodia.shtml . 17 Disponível em: https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/incidencia-de-tuberculose-em-presos-30-vezes-maior-do-que-na-populacao-geral-22540362. Acesso em 06/05/2020, às 17h45min.18 Disponível em: 19 Disponível em: https://www.nydailynews.com/coronavirus/ny-coronavirus-inmates-released-ohio-jail-over. Acesso em 06/05/2020 às 17h45min.20 Disponível em: https://istoe.com.br/aproximadamente-70-mil-prisioneiros-sao-soltos-no-ira-por-conta-do. Acesso em 06/05/2020 às 17h45min.21 Disponível em: https://aawsat.com/english/home/article/2177896/bahrain-royal-decree-pardons-901. Acesso em 06/05/2020 às 17h45min.

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Art. 3º Recomenda-se que todos os presos condenados em regime aberto e semiaberto devem seguir para prisão domiciliar, mediante condições a serem definidas pelo Juiz da execução.

A Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro/RJ adotou medida

liberando os presos que já haviam sido “beneficiados com visita periódica ao lar”, sem

necessidade de retorno. O Poder Judiciário do estado de Santa Catarina determinou a

liberação de 1.077 presos, antecipando-se a progressão do regime aberto para as pessoas

próximas de atingir o lapso, além daquelas que se enquadram no grupo de risco da doença,

como idosos e portadores de diabetes, câncer, HIV, etc.

O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, em acertadíssima

posição, adotou medidas liberatórias e humanitárias em relação aos adolescentes em

cumprimento de medida socioeducativa pelo Provimento n. 2546/2020 do CSM.

A par dessas medidas, não se pode descuidar do fato de que o

sistema prisional paulista (e brasileiro) e as pessoas lá merecem a proteção aos seus

direitos, em especial o direito à vida e à saúde, sendo de rigor a análise da situação de

determinados grupos para fazer cessar ou evitar a violação de seus direitos,

principalmente com a colocação em liberdade de parcela da população prisional.

Nos Estados Unidos, país que hoje é o epicentro da pandemia,

vemos os efeitos do vírus no sistema prisional. De acordo com análise da Legal Aid Society,

a taxa de infecção nas prisões da cidade de Nova York é de 14,51 por 1.000 pessoas.

Esse dado é sete vezes superior à taxa do restante da cidade, local onde a disseminação do

vírus atingiu o quadro mais alarmante do país, onde cerca de 2 a cada 1.000 pessoas estão

infectadas22.

Já no estado de Ohio, o sétimo mais populoso do país, o

sistema prisional chegou a responder por 20% de todos os casos de COVID-19

confirmados. Após uma política de realização massiva de exames em uma de suas

22 Disponível em: https://www.conversaafiada.com.br/politica/prisoes-de-nova-york-viram-epicentro-do-coronavirus-aprenderemos-a-licao. Acesso em 06/05/2020 às 17h45min.

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unidades prisionais, a Instituição Correcional de Marion, foi confirmado que 73%

das pessoas ali custodiadas estavam contaminadas23, demonstrando como o

sistema carcerário possui um grande potencial de se transformar em uma

verdadeira incubadora do vírus.

Na Colômbia, no Departamento de Meta, uma das regiões

mais castigadas pela violência das guerrilhas no passado, a prisão de Villavicencio

registrou, no dia 5 de maio, que 657 de seus pouco mais de 1.800 presos estavam

com coronavírus, ou seja, mais de um terço das pessoas já estava

contaminada24.

No Brasil, como se sabe, o sistema prisional está falido, a ponto de

o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido seu estado de coisas inconstitucional, na

ADPF 347, tamanho o vilipêndio à Carta Maior diante das mais diversas e reiteradas

violações aos direitos das pessoas que se encontram encarceradas pelo Estado.

O Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação n. 62, de

17 de março de 2020, que recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas

preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus no âmbito dos sistemas de

justiça penal e socioeducativo. Nada mais razoável e científico, tanto que a resolução foi

elogiada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos25, com recomendação de que

os demais países da região adotassem medida semelhante. Neste mesmo sentido, o

Subcomitê da ONU para Prevenção da Tortura, em 25 de março, recomendou a redução

das populações prisionais sempre que possível como prevenção à pandemia.

23 Disponível em: https://www.npr.org/sections/coronavirus-live-updates/2020/04/20/838943211/73-of-inmates-at-an-ohio-prison-test-positive-for-coronavirus. Acesso em 06/05/2020, às 17h46min.

24 https://noticias.r7.com/pernambuco/folha-de-pernambuco/colombia-analisa-conceder-liberdade-temporaria-a-presos-por-causa-da-covid-19-06052020

25 Disponível em: https://twitter.com/CIDH/status/1243192207814819842. Acesso em 06/05/2020, às 17h46min.

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A incolumidade física da pessoa presa é dever do Estado que o

encarcera. Nesse momento de gravíssima crise no sistema de saúde mundial, manter

alguém preso, ainda mais aqueles integrantes de grupos de risco, nas desumanas

penitenciárias brasileiras, é assinar antecipadamente o atestado de óbito de milhares de

pessoas, além de permitir a criação de focos incontroláveis da doença que fatalmente

alcançará os funcionários dos presídios e do sistema judiciário criminal e os familiares dos

presos.

Ocorre que, para a população carcerária do Estado de São Paulo,

ainda não foi adotada NENHUMA medida efetiva de saúde pública para a proteção da

saúde e vida das pessoas presas e dos agentes penitenciários que trabalham nas 176

unidades prisionais do estado. Por ora, a única medida adotada foi a suspensão de visitas,

restringindo-se mais direitos desse público vulnerável26.

Isso sem dizer que tal medida não tem condições de barrar

qualquer contágio, tendo em vista que as pessoas que trabalham nas unidades prisionais,

bem como o diuturno ingresso de novas pessoas presas e cumprimento de mandados

judiciais antes da sua total paralisação já são suficientes para o contato das pessoas presas

com os vírus27, sendo a única saída, com respeito à Constituição Federal, a diminuição da

população prisional.

26 Importante destacar que a SAP afirma estar tomando outras várias medidas para evitar a contaminação no interior das unidades. Entretanto, essas supostas medidas são refutadas por sindicato de agentes penitenciário de SP, o SIFUSPESP, inclusive com veiculação de notícia sobre o que chamam de “padrão Caiuá”, referência à unidade prisional em que se gravou vídeo com as supostas medidas (https://sifuspesp.org.br/noticias/7442-coronavirus-procedimento-mostrado-no-video-em-caiua-tem-que-ser-garantido-pela-sap-em-todas-as-unidades-defende-sifuspesp#deny)

27 Reportagem veiculada no dia 30/04/2020 apontava seis pessoas presas e três agentes penitenciários mortos por conta da COVID-19, que apurou que em duas das unidades onde ocorreram óbitos de presos, tais casos se deram ”48 dias depois que as visitas foram suspensas nos presídios do Estado. Em nenhum deles havia registro de funcionários contaminados, o que faz a SAP desconfiar de que algum agente assintomático transmitiu a doença para os detentos" . Disponível em: https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,mortes-por-covid-19-fazem-estado-de-sp-isolar-3-mil-em-penitenciarias,70003288199. Acesso em 06/05/2020, às 17h47min.

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Os dados mais recentes acerca da população prisional publicados

pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN/MJ), no INFOPEN/2017, trazem um

diagnóstico contundente desse problema.

Os dados alarmantes publicados demonstram que, segundo

levantamento do primeiro semestre de 2017, o Brasil atingiu a espantosa marca de

726.354 pessoas privadas de liberdade, que se amontoam nas 423.242 vagas

disponibilizadas. Havia, portanto, déficit de cerca de 303 mil vagas, acarretando

171,62% de ocupação no Sistema Penitenciário, 89.150 de déficit só no estado de

São Paulo28 (isso sem contar aqueles que estão presos em delegacias).

Essa superlotação retira qualquer possibilidade de garantir

condições mínimas para o cumprimento da pena de acordo com as previsões legais, o que

significa distribuição insuficiente (invariavelmente inexistente) de itens de higiene

básicos, insuficiência de atendimentos de saúde, falta de profissionais de saúde na

esmagadora maioria das unidades prisionais, falta de estrutura para fornecer água

aquecida para banho e baixíssima qualidade, quantidade e variedade da

alimentação servida, tudo a impossibilitar o efetivo combate e o tratamento de

enfermidades, levando a morte ou ao agravamento de situações absolutamente tratáveis

em situação de liberdade29, além de outras nefastas consequências.

Ora, se em situações de normalidade da saúde pública, em que se

enfrentam doenças já conhecidas, com baixo índice de contágio e com protocolos bem

estabelecidos de atuação a situação já se mostra aterradora, com um grande número de

mortes pela ausência de garantia do direito à saúde dentro das unidades prisionais, a

perspectiva diante da PANDEMIA DO CORONAVÍRUS é ainda mais preocupante.

Em que pese tal cenário, não fora deferido nenhum pedido

coletivo e de proporções efetivas para diminuição da população carcerária do estado de

28 Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf. Acesso em 06/05/2020, às 17h46min.29 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/14/massacre-silencioso-mortes-por-doencas-trataveis-superam-mortes-violentas-nas-prisoes-brasileiras.htm . Acesso em 06/05/2020, às 17h46min.

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São Paulo pelo Poder Judiciário nesse período, havendo decisões pontuais em situações

individuais, o que não minimiza o caos do sistema carcerário.

Desta forma, a situação que já era caótica no interior dos

estabelecimentos prisionais, com a superlotação, falta de atendimento médico, ausência de

kits de higiene, racionamento de água, insuficiência de vestuário etc., alastrou-se com a

ausência de direito ao trabalho, lazer, assistência jurídica e ausência de visitas.

Note-se que, se não bastasse o estado alarmante e degradante que

se encontram as pessoas presas, agora sequer podem ter contato com alguém do mundo

externo. Os direitos que eram poucos, tornaram-se nulos.

Nesse contexto, claro, é importante que medidas de prevenção

sejam tomadas, como aumento do atendimento de saúde, testes para população prisional e

para os agentes penitenciários, ininterrupção do fornecimento de água, entrega adequada

de kits de higiene, fornecimento de EPI’s para os agentes penitenciários.

Contudo, nenhuma dessas medidas foi tomada.

A única medida tomada efetiva pela Secretaria da Administração

Penitenciária diz respeito à suspensão do direito à visita. Em um primeiro momento, foi

tomada medida visando a diminuição do número de visitantes, a triagem das pessoas que

ingressam e a exclusão do grupo de risco, a partir da Resolução SAP-40, de 18 de março de

2020:

Artigo 1º - A partir de 21-03-2020, as visitas nas Unidades Prisionais do Estado de São Paulo serão autorizadas, permitindo- -se o ingresso de apenas 1 visitante por preso; Artigo 2º - Não será autorizada a entrada de visitante menor de idade, acima de 60 anos ou que se enquadre nos demais casos do grupo de risco definido pelos órgãos de saúde; Artigo 3º - Será realizada triagem antes do ingresso, oportunidade em que os visitantes com sintomas de enfermidades terão a entrada proibida; (g.n.)

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Posteriormente, foi editada a Resolução SAP-60, de 24 de

abril de 2020, suspendendo completamente as visitas em todas as unidades

prisionais do Estado de São Paulo pelo período de 30 dias .

Vê-se, portanto, que houve a suspensão do direito pela

Secretaria da Administração Penitenciária.

Sabe-se, no entanto, que, com novos ingressos de pessoas

presas, com a população flutuante de agentes penitenciários, profissionais de

saúde e administrativo, que ingressam e saem todos os dias do ambiente

carcerário, a população prisional não estará resguardada de qualquer contágio e,

por isso, o ideal, como se disse, seria o esvaziamento do ambiente carcerário.

Contudo, como isso não fora realizado pelo Poder Judiciário,

e sabendo-se que o risco é inevitável, medidas, claro, devem ser tomadas para

minimizar as possibilidades de infecção no interior dos estabelecimentos

prisionais, não só para os agentes penitenciários, mas também em relação às

pessoas presas. Contudo, sem pulverizar direitos.

Nesse interim, importante mencionar que é vedada a

incomunicabilidade do preso inclusive durante Estado de Defesa, nos termos

do artigo 136, §3º, IV, da Constituição Federal. Se em um momento

extremamente excepcional de suspensão de direitos fundamentais, motivado por

“grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de

grandes proporções na natureza”, nos termos do caput do referido artigo, não se

permite a incomunicabilidade da pessoa presa, não é aceitável que isso se dê no

presente momento quando ainda vivemos, ao menos formalmente, uma

normalidade democrática.

Põe-se em discussão, assim, a garantia de dois direitos

fundamentais, quais sejam, o direito à saúde e o direito à convivência familiar, que

nesse caso podem estar em colisão.

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A princípio, cabe destacar a importância do direito à

convivência familiar da pessoa presa. Tal direito decorre, em primeira instância, do

princípio da dignidade humana, elevada a princípio fundamental pelo artigo 1° da

Constituição Federal. Conforme ensina INGO WOLFGANG SARLET, “do princípio

da dignidade da pessoa podem e até mesmo devem ser deduzidas posições subjetivas

fundamentais e deveres, ainda que não expressamente positivados”30.

Da mesma forma, o encontramos na vedação às penas

cruéis, prevista no artigo 5°, XLVII, “e”, da Constituição Federal . A pena

privativa de liberdade é fundada na restrição à liberdade de ir e vir do condenado,

jamais podendo levar a uma impossibilidade de contar com o apoio (e mesmo de

garantir a manutenção) dos seus vínculos afetivos familiares, elemento que daria à

execução da pena elementos de crueldade incompatíveis com nossa ordem

constitucional.

Diante disso, a Lei de Execução Penal previu o direito de

visita como um dos direitos da pessoa presa, conforme consta em seu artigo

41, X. De certa forma, o legislador deu destaque a esse elemento apontando que a

pena tem como fim “proporcionar condições para a harmônica integração social do

condenado e do internado”, conforme artigo 1° da mesma lei. Ainda que sejam

possíveis diversas críticas à possibilidade de se alcançar tal objetivo em um

sistema prisional superlotado e insalubre como o brasileiro, é inegável que é

impossível pensar em qualquer possibilidade de “harmônica integração social” da

pessoa presa caso ela seja afastada de qualquer convívio com seus familiares.

Sendo assim, ROBERT ALEXY explica que colisão de direitos

fundamentais em sentido estrito acontece quando o exercício ou a realização do

direito fundamental de um titular possui decorrências negativas sobre direitos

fundamentais de outros titulares de direitos fundamentais. Já a colisão de direitos

30 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 280.

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fundamentais em sentido amplo ocorre quando existe uma colisão de direitos

individuais fundamentais e bens coletivos tutelados pela ordem constitucional31.

Havendo, portanto, essa colisão de direitos fundamentais,

não se pode, a partir da regra constitucional de ponderação de direitos, aniquilar

um direito, pois ambos guardam o mesmo status constitucional e não podem ver

esvaziado seu núcleo fundante32.

Isto é, é possível que um direito se sobreponha a outro

em um caso concreto, todavia, isso não pode significar o esvaziamento

completo e a própria essência do outro direito, sob pena de haver

desarmonia da proteção constitucional que dá guarida a todo e qualquer ser

humano.

Em sentido oposto, possibilitando-se o aniquilamento de um

direito fundamental frente a outro, seria possível a instalação de um governo ou

medidas autoritárias, contrárias, assim, ao espírito do Estado Democrático de

Direito.

Dito isso, BERNARDO GONÇALVES FERNANDES aduz sobre o

crescente uso do princípio da proporcionalidade para solucionar essa colisão:

Se acompanharmos as decisões mais recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a aplicação de direitos fundamentais (o que inclui os chamados “casos de colisões” entre direitos fundamentais), assim como a leitura que vem estabelecendo entre a relação dos interesses públicos com os privados, veremos que é cada vez mais crescente a utilização de um instrumental importado do direito constitucional alemão, que muitos denominam de ponderação de bens e interesses, com base na aplicação do “princípio da proporcionalidade.33

31 ALEXY, Robert. Teoria Dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2017, p. 607.32 Op. cit., p. 296.

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Para realizar tal juízo de proporcionalidade, ALEXY ensina

que é necessário verificar suas três máximas: a adequação, relacionada à

possibilidade de se alcançar o fim desejado através da medida que impõe a colisão

entre os dois princípios; a necessidade, relacionada à exigência de que, dentre dois

meios aproximadamente adequados, seja escolhido aquele que intervenha

negativamente sobre algum direito fundamental de modo menos intenso; e a

proporcionalidade em sentido estrito, relacionada à otimização dos princípios

colidentes para que seja garantida a máxima eficácia possível de ambos34.

Na situação concreta aqui em análise, compreendemos que a

restrição completa das visitas, ainda que pareça uma medida adequada ao objetivo

de evitar o ingresso do novo coronavírus nas unidades prisionais, não supera o

exame da necessidade.

Como demonstrado anteriormente, o fluxo dos servidores

que atuam nas unidades e a entrada de novas pessoas presas faz com que essa

medida não seja capaz de conter completamente a disseminação da pandemia

nesses locais. Somado a isso, temos o impacto extremamente negativo do

rompimento do convívio familiar da pessoa presa, ferindo o próprio fim da

pena voltado a “proporcionar condições para a harmônica integração social do

condenado”, previsto no artigo 1° da Lei de Execução Penal.

Sendo assim, entendemos ser possível a adoção de medidas

tão adequadas quanto a suspensão das visitas para a contenção da pandemia, mas

que restrinjam menos o direito fundamental à convivência familiar, direito esse

que é completamente esvaziado com a proibição das visitas nos moldes como

vem acontecendo atualmente.

Dessa forma, a Defensoria Pública entende que, aplicando-se

o juízo de proporcionalidade para resolver a questão posta em discussão, é

33 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 229.34 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 588-593.

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plenamente possível manter minimamente o direito à visita das pessoas

presas, ainda que de maneira mitigada, sem impedir a necessária contenção da

pandemia no sistema prisional – extremamente necessária para evitar a

catástrofe anunciada que vê-se atualmente diante da superlotação das unidades,

conforme abordado anteriormente.

Pelo que se expôs, entende-se necessário a manutenção

da convivência familiar e o direito à visitação.

Para que tal direito seja exercido de forma presencial, é

necessário estabelecer um plano de retorno de visitação paulatino e, então,

restringir, inicialmente, o número de visitantes, por exemplo, para uma visita

mensal por pessoa presa, difundindo-se as visitas ao longo dos dias da semana, a

fim de que não se tenha um intenso povoamento nas unidades e em local

reservado a essa finalidade, impedindo a entrada de visitas que componham o

grupo de risco definido pelos órgãos de saúde e realizando triagem dos ingressos

para aferir possíveis sintomas da COVID-19, bem como outras medidas de saúde

previstas nas normativas internacionais, inclusive com a entrega de equipamentos

de proteção também aos familiares que forem realizar as visitas.

Nessa linha, o Ministério Público federal do Pará expediu

recomendação ao governo estadual, a fim de que não houvesse a suspensão

absoluta das visitas, mantendo-as de forma restrita35.

Isso porque verificou-se que a simples suspensão de tal

direito gerou, e poderia agravar, situações de rebelião e fugas, comprometendo-se

outros direitos das pessoas presas e da sociedade em geral.

Portanto, é necessário avançarmos nas formas de contato

com o mundo exterior e dimensionar que existem várias maneiras de se dirimir

essa colisão de direitos fundamentais, utilizando-se de outros aparatos para a

35 Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/radar/mpf-no-para-pede-que-visitas-a-presos-nao-sejam-totalmente-suspensas/ . Acesso em 19/05/2020, às 10h51min.

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garantia da convivência familiar, ainda que não seja de maneira presencial, e que

essas formas de contato possam coexistir com a visita presencial ao final do

período de isolamento social, conforme passa-se a expor de forma pormenorizada.

4. OUTRAS FORMAS DE SE MANTER A CONVIVÊNCIA FAMILIAR NA SITUAÇÃO

DE PANDEMIA

Como dito acima, entende-se a necessidade de diminuição de

contato entre as pessoas atualmente, sendo, infelizmente, necessárias medidas

para se restringir (não suprimir) o direito à convivência familiar.

Importante, assim, verificarmos que há outras formas de se

garantir tal direito, ainda que não o seja de maneira plena e presencial.

Aliás, tais formas devem subsistir para além do período

pandêmico – em conjunto com a visita presencial-, a fim de se ampliar a

possibilidade de contato das pessoas presas com as pessoas de seu convívio

familiar e comunitário.

Isso porque, a partir dos anos 1990, um número cada vez

maior de penitenciárias passou a ser construído no estado de São Paulo, sendo a

maior parte delas no interior. Somente o processo de desativação da Casa de

Detenção do Carandiru, concluído em 2002, levou à construção de 21 novas

penitenciárias no interior paulista, criando um fluxo migratório contrário ao

comumente encontrado até então, que ia das pequenas para as grandes cidades.

Com esse fluxo migratório cada vez mais impositivo para o

oeste do estado, as pessoas presas acabam restando demasiadamente longe de

seus familiares, já que mais de 1/3 da população paulista vive na Capital e sua

Região Metropolitana, contrariando, inclusive, o direito à proximidade da pessoa

presa com sua família e amigos.

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No entanto, enquanto não se altera esse processo de

distanciamento, necessárias medidas para minimizar esses efeitos, sobretudo no

período que estamos vivenciando.

Assim, faz-se essencial, por exemplo, como ocorre em

diversos países, citando-se aqui o exemplo estadunidense, a utilização de

telefones públicos para contatos entre as pessoas presas e seus familiares.

Note-se que a Regra 58, 1, “a”, das Regras de Mandela, dispõe

que “os prisioneiros devem ter permissão, sob a supervisão necessária, de

comunicaremse periodicamente com seus familiares e amigos, periodicamente: por

correspondência e utilizando, onde houver, de telecomunicações, meios digitais,

eletrônicos e outros”.

Nunca é demais lembrar, pois corriqueiramente esquecido,

que a referida norma internacional foi expressamente acolhida pelo ordenamento

jurídico paulista, por força do art. 143, da Constituição estadual:

ARTIGO 143 - A legislação penitenciária estadual assegurará o respeito às regras mínimas da Organização das Nações Unidas para o tratamento de reclusos, a defesa técnica nas infrações disciplinares e definirá a composição e competência do Conselho Estadual de Política Penitenciária.

Quando a pessoa é presa, é tolhida apenas de seu direito à

liberdade, mantendo-se presentes os demais direitos e, para se evitar esse

isolamento social intramuros, essencial é a conquista dessa possibilidade de se

comunicar periodicamente com seus familiares por telefone.

Veja-se que, com a promulgação da Lei n. 13.964, de 24 de

dezembro de 2019, há o direito ao contato telefônico inclusive de quem

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cumpre regime disciplinar diferenciado, conforme artigo 52, §7º, da Lei de

Execução Penal.

Portanto, se quem está cumprindo pena em RDD, e não vem

tendo contato com familiares, possui esse direito, notório que a população

carcerária que cumpre pena em estabelecimentos prisionais padrões é

inegavelmente detentora de tal direito.

Em que pese isso, tal forma de comunicação não vem

ocorrendo hoje nas unidades prisionais paulistas.

Desta forma, necessária a instalação de telefones públicos

nas unidades prisionais, a fim de que se operacionalize esse direito e mitigue o

distanciamento social, sobretudo nessa época de pandemia.

Importante destacar que a Lei de Execução Penal, em seu

artigo 41, XV, determina ser direito da pessoa presa o contato com o mundo

exterior, exemplificando que tal contato seja feito “por meio de correspondência

escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e

os bons costumes”. Ao incluir a parte final do dispositivo, o legislador claramente

buscou demonstrar como tal contato poderia que se dar de formas distintas, desde

que fosse garantida a eficácia do seu núcleo, isto é, do contato com o mundo

exterior.

Sendo assim, não é aceitável que se interprete tal direito de

maneira restritiva, afirmando que os meios especificados no inciso (“escrita” e

“leitura”) já são suficientes para que o direito se concretize. Isto porque a inclusão

do elemento final (“outros meios de informação”) evidencia o caráter meramente

exemplificativo desse breve rol, servindo apenas para dar a maior amplitude

possível ao direito. Ademais, os próprios serviços dos correios estão ocorrendo

com atrasos e de modo insuficiente36. 36 https://www.correios.com.br/coronavirus/boletim/boletim-2-medidas-preventivas-para-combate-ao-novo-coronavirus

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Também, é necessário ter em mente o contexto de

promulgação da Lei de Execução Penal, em 1984. Nesse exato ano, o primeiro

aparelho de telefone celular era vendido nos Estados Unidos, custando 9 mil

dólares, tecnologia essa que só chegaria no Brasil em meados da década de 1990 37.

A internet, por sua vez, foi introduzida no Brasil apenas em 1991, começando a ser

comercializada para o grande público apenas na segunda metade da década38.

Como se vê, o legislador não era capaz de prever, na Lei de

Execução Penal, os avanços tecnológicos que permitiriam outras formas

telemáticas de comunicação que pudessem ser utilizadas para concretizar o direito

da pessoa preza ao contato com o mundo exterior. No entanto, ao incluir um breve

rol exemplificativo de meios para tanto, incluindo com um elemento aberto como

“outros meios de informação", deixou espaço para que a lei fosse interpretada de

acordo com as mudanças tecnológicas da área das comunicações, um dos âmbitos

mais sujeitos à rápida inovação tecnológica que existem.

Sendo assim, no atual contexto de supressão ao direito à

visita, restringindo sobremaneira tanto o direito ao contato com o mundo exterior

como o direito à convivência familiar, é salutar que sejam utilizadas novas formas

de comunicação possibilitadas pelo avanço tecnológico para suprir este

distanciamento social. Caso contrário, teremos um completamente e injustificável

esvaziamento de tais direitos. Podemos ver medidas análogas sendo tomadas em

diversos locais do mundo.

No Reino Unido, por exemplo, os efeitos da suspensão

temporária das visitas nos estabelecimentos prisionais estão sendo mitigados com

a adoção de medidas como a possibilidade de envio de mensagens de voz e de e-

mails às pessoas presas. Também foram disponibilizados às pessoas presas de

37 Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/celular/52381-ha-30-anos-era-lancado-o-primeiro-celular-do-mundo.htm. Acesso em 07/05/2020, às 10h10min.38 Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2011/02/18/prim%C3%B3rdios-da-rede_/. Acesso em 07/05/2020, às 10h10min.

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dezenas de unidades prisionais aparelhos móveis de telefone adaptados, capazes

de garantir acesso a um pequeno número de contatos pré-autorizados39.

No mesmo sentido, o Departamento de Serviços

Correcionais do estado da South Australia, na Austrália, também diante da

suspensão temporária das visitas, vem permitindo a realização de visitas virtuais

através da plataforma Zoom, tendo criado um procedimento que permitisse a

execução dessa medida de maneira segura40.

A Argentina, há mais de 1 mês, expediu normativa para se

garantir o contato entre as pessoas presas e seus familiares através de vídeo-

chamadas41.

Medidas análogas foram tomadas em diversos países, como

por exemplo Costa Rica42, Nova Zelândia43, e Chile44.

No restante do país, também podemos observar alguns

avanços.

Nestes termos, cita-se aqui a Portaria Conjunta SEAP/DPE n.

01, de 05 de março de 2020, do Estado do Maranhão, que estabeleceu a

possibilidade de visita virtual.

39 Disponível em: https://www.gov.uk/guidance/coronavirus-covid-19-and-prisons#prison-visits-in-england-and-wales. Acesso em 06/05/2020, às 18h50min.40 Disponível em: https://www.corrections.sa.gov.au/family-and-friends/supporting-a-prisoner/visiting-a-prisoner/coronavirus-visiting-restrictions/COVID-19-Video-visits. Acesso em 06/05/2020, às 18h57min.41 Disponível em: http://www.spf.gob.ar/www/apostilla/catcms/71/pub/1070/Protocolo-de-vinculacion-familiar-y-social-a-traves-del-sistema-de-videollamadas-EX-2020-22448646-APN-DGRCSPF . Acesso em 19/05/2020, às 10h58min. 42 Disponível em: https://coronaviruscostarica.com/suspendidas-las-visitas-en-carceles-de-todo-el-pais/. Acesso em 06/05/2020, às 18h57min.43 Disponível em: https://www.corrections.govt.nz/working_with_offenders/prison_sentences/staying_connected_with_friends_and_family/visits. Acesso em 06/05/2020, às 18h57min.44 Disponível em: https://www.tvu.cl/prensa/2020/04/06/suspenden-las-visitas-a-carceles-de-chile-por-crisis-sanitaria-de-covid-19.html. Acesso em 06/05/2020, às 18h57min.

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No Distrito Federal, como forma de minimizar os efeitos da

medida extrema adotada de suspensão das visitas, e levando em consideração a

maior vulnerabilidade dos idosos, a Vara de execuções Penais do Distrito Federal

flexibilizou a incomunicabilidade permitindo que cada um dos presos idosos possa

fazer uma ligação telefônica semanal para pai, mãe, companheiro(a) e/ou filho(a).

As unidades prisionais, também, passaram a permitir o

envio de cartas entre internos e familiares por meio de aplicativo de mensagens.

Cada presídio recebeu quatro celulares para essa operação45.

Além dos aplicativos de mensagens, a comunicação pode

acontecer por meio do site da Sesipe, no link do cadastro de visitantes46.

No Mato Grosso do Sul, a Portaria AGEPEN nº 43 de 27 de

abril de 2020 regulamentou a visita social virtual assistida através de

videoconferência.

Em Santa Catarina, as Portarias nº 254/GABS/SAP e nº

255/GABS/SAP, publicadas em 08/04/2020, instituem as visitas virtuais nas

unidades prisionais e socioeducativas catarinenses.

Cabe destacar que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro

aprovou, no dia 5 de maio de 202047, o Projeto de Lei n. 2.048/2020, que

determina, em seu artigo 1°, “a previsão de medidas alternativas compensatórias às

restrições de visitas, facilitando a utilização de outros meios de comunicação".

No Executivo Nacional, o Ministério da Justiça anunciou o

estudo para compra de 600 tablets para que as pessoas presas conversem com

seus familiares, a partir de sugestão do Departamento Penitenciário Nacional48.

45 https://is.gd/hbJcrs46 https://is.gd/owOwU947 Disponível em: https://www.osaogoncalo.com.br/politica/81859/alerj-aprova-projeto-que-obriga-seap-a-disponibilizar-formas-alternativas-de-contato-entre-presos-e-familiares. Acesso em 06/06/2020, às 20h41min.48 Disponível em: https://epoca.globo.com/guilherme-amado/ministerio-da-justica-compra-tablets-para-presos-verem-familiares-24367480. Acesso em 07/05/2020, às 19h33min.

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Em São Paulo, contudo, não se avança, não havendo uma

normativa estadual para se garantir a comunicação das pessoas nos

estabelecimentos prisionais com seus familiares nesse período de pandemia,

suspendendo-se pura e simplesmente o direito à visita.

Como se sabe, é dever do estado garantir a manutenção do

vínculo familiar entre a pessoa presa e seus familiares e, para além do período de

pandemia, a visita virtual faz-se necessária, por exemplo, para que pessoas presas

tenham contato com pais e mães idosos, avós, crianças recém-nascidas, pessoas

com deficiência, que não consigam se locomover até a unidade prisional, não

tenham condições econômicas para se deslocarem até as unidades prisionais ou,

ainda, não se sintam confortáveis com os mecanismos de revista, possam manter o

laço afetivo, ainda que à distância.

Sabe-se que, em diversas unidades prisionais paulistas já há

sala para realização de videoconferência, sejam audiências judiciais, seja para

citação das pessoas acusadas em processos criminais, de forma que tais

equipamentos podem ser utilizados também para se estabelecer essa visita virtual.

Dessa forma, necessária também seja realizada a garantia do

direito à convivência familiar e contato com mudo exterior através de contatos

telefônicos e visita virtual, aproveitando-se de sistemas já existentes e outros a

serem instalados, a fim de se estabelecer o contato entre a pessoa presa e seus

familiares.

5. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

A Constituição Federal de 1988 é terreno fértil à tutela de

urgência, na medida em que garante o acesso à justiça, a tutela jurisdicional

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adequada (artigo 5º, XXXV), bem como a duração razoável do processo (artigo 5º,

LXXVIII), tudo a possibilitar a plena eficácia do direito no plano processual.

Acrescentamos com NELSON NERY JR. e ROSA MARIA DE

ANDRADE NERY que

(...) não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja adequada, sem o que estaria vazio o princípio. Quando a tutela adequada para o jurisdicionado for medida urgente, o juiz, preenchidos os requisitos legais, tem de concedê-la, independentemente de haver lei autorizando, ou, ainda, que haja lei proibindo a tutela urgente. (...) isto ocorre casuisticamente no direito brasileiro, com a edição de medidas provisórias ou mesmo de leis que restringem ou proíbem a concessão de liminares, o mais das vezes contra o poder público. Essas normas têm de ser interpretadas conforme a Constituição. Se forem instrumentos impedientes de o jurisdicionado obter a tutela jurisdicional adequada, estarão em desconformidade com a Constituição e o juiz deverá ignorá-las, concedendo a liminar independentemente de a norma legal proibir essa concessão.49

A respeito das hipóteses da tutela de urgência no rito da

ação civil pública, ensina RODOLFO CAMARGO MANCUSO que “conjugando-se os

arts. 4º e 12 da Lei 7.347/85, tem-se que a tutela de urgência há de ser obtida

através de liminar que, tanto pode ser pleiteada na ação cautelar (antecedente ou

incidente, isto é interposta antes ou no curso da ação civil pública) ou no bojo da

própria ação civil pública”50.

Os requisitos para a concessão do mandado liminar no caso

em questão, por sua vez, estão evidentemente presentes.

49 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 1115.50 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 268-269.

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A plausibilidade do direito invocado, o fumus boni iuris, é

claro em virtude do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1°, III, da

Constituição Federal), da vedação de penas cruéis (artigo 5°, XLVII, da Constituição

Federal), da vedação da incomunicabilidade do preso mesmo durante vigência de

Estado de Defesa (artigo 136, §3°, IV, da Constituição Federal. De maneira ainda

mais concreta, o direito à visita é previsto no artigo 41, X, da Lei de Execução Penal

e a Regra 58 das Regras de Mandela, recepcionadas no Estado de São Paulo por

meio de sua Constituição Estadual.

No que diz respeito ao periculum in mora, é evidente que,

após mais de dois meses sem visitas e contatos com familiares, a cada semana

que passa sob a proibição de visitas e a ausência de qualquer medida

compensatória a ela relacionada, os efeitos da ausência de qualquer contato

familiar sobre a saúde dos presos é cada vez mais deletéria e cruel para a própria

saúde mental das pessoas presas e seus familaires . Importante lembrarmos que tal

população já se encontra especialmente fragilizada diante da incerteza de viverem

em um ambiente extremamente vulnerável ao avanço da pandemia, como tem

demonstrado as cartas de desespero recebidas por familiares nas últimas

semanas51.

Em um completo arrepio à nossa ordem constitucional, a

manutenção do quadro atual significa a continuidade de uma inaceitável violação

aos elementos concretos mais basilares da dignidade das pessoas presas e de seus

familiares enquanto seres humanos, sendo impedidos de manter um mínimo

contato com seus entes queridos em um momento de grandes incertezas para

todos nós.

Em razão disso, não é razoável impor às pessoas presas e

seus familiares o perigo da demora. Como as lesões são evidentes, é preciso que a

tutela seja adequada e efetiva.

51 Disponível em: https://www.geledes.org.br/apavorado-com-o-risco-da-covid-presos-enviam-cartas-de-amor-e-despedida/. Acesso em 06/05/2020, às 18h59min.

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6. DOS PEDIDOS

Tendo em vista o exposto acima, requeremos:

a) a intimação do Ministério Público, especificamente a

Promotoria de Direitos Humanos e Inclusão Social, tendo em vista a temática

tratada na presente para os termos da demanda, conforme determinação do art. 5,

§ 1º, da Lei nº 7.347/85;

b) seja concedida, LIMINARMENTE, a antecipação dos

efeitos da tutela, para:

i) Instalação de telefones públicos nas unidades

prisionais, assim como se determine ao estado de

São Paulo que garanta a “visita virtual”, por meio

de equipamentos audiovisuais de comunicação

(celulares, tablets, computadores etc.), a fim de se

obter de modo efetivo o contato com o mundo

exterior de todas as pessoas presas no Estado de

São Paulo, de modo que estas possam dispor, no

mínimo, de 1 (uma) hora de contato, que poderá

ser dividido entre os diversos meios de

comunicação, e que se permita fracionar o

período, para, com isso, garantir a manutenção da

convivência familiar;

ii) Apresentação de plano de retorno das visitas

presenciais de familiares para o final do período de

isolamento social, de maneira gradual – sem a

necessidade de apontar datas específicas no

cronograma-, elencando-se, contudo, no mínimo, a) a

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necessidade de melhor distribuição das visitas ao

longo dos dias de semana, não se restringindo, aos

finais de semana; b) distribuição de equipamentos de

proteção individual para as pessoas que ingressarem

nas unidades prisionais para visitação; c)

disponibilização de local para que as visitantes possam

se higienizar, lavando as mãos e utilizando álcool em

gel; e d) a verificação de temperatura das pessoas que

realizam a visita.

c) a citação da requerida na pessoa do Procurador Geral do

Estado, para, querendo, apresentar resposta, sob pena de incorrer nos efeitos da

revelia;

d) Seja NO MÉRITO julgada procedente a presente ação

civil pública, atendendo-se aos pedidos acima expostos;

e) Com fundamento no artigo 128, I, da Lei Complementar

n. 80/1994, seja o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria

Pública do Estado de São Paulo intimado pessoalmente, com carga dos autos, de

todos os atos e decisões praticados no feito, devendo ser contados em dobro todos

os prazos;

f) A dispensa quanto ao pagamento de custas,

emolumentos e outros encargos, à vista do disposto no artigo 18 da Lei n.

7347/1985.

Atribui-se à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

São Paulo, 19 de maio de 2020.

LEONARDO BIAGIONI DE LIMADefensor Público do estado de São Paulo

Coordenação do Núcleo Especializado de Situação Carcerária

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THIAGO DE LUNA CURYDefensor Público do estado de São Paulo

Coordenação do Núcleo Especializado de Situação Carcerária

MATEUS OLIVEIRA MORODefensor Público do estado de São Paulo

Coordenação do Núcleo Especializado de Situação Carcerária

GUSTAVO CARNEIRO DA SILVAEstagiário de Direito

do Núcleo Especializado de Situação Carcerária

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