42
off mk's r - - MAGIA E PENSAMENTO MAGICO ID 9AIMI rRINCPIO ISBN 85 08 00683 71 A magia fascina a Imaginac5o pela aura de rnistério que a envolve. No confronto corn a racionalidade ocidental, Os poderes rnágicos aparecem corno inquietantes e obscuros. Desde seu inIcio, no final do século passado, a Antropologia procurou desvendar os rnistérios da rnagia. Para a jovem ciëncia que entäo se inaugurava era preciso saber qual a 16gica que orientava urn pensarnento tao distinto do nosso. Neste livro, Paula Montero acompanha o debate antropológico ern tomb da natureza do pensarnento mágico. Para tanto retorna Os textos de autores clássicos e rnodernos nurn arranjo que procura dar conta das diferentes contribuicOes teóricas para a cornpreensão da magia corno urn forrna especifica de pensarnento. Paula Montero é professora da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade de São Paulo. Trabalhou sobre o fenörneno da cura mágica na religiào umbandista, publicando o titulo Da doenca a desordem. 4 Antropologia ' CornunicacOes • Civilizacão Edicação • Estética • Filosofia • Literatura Psicologia • Sociologia Adrninistracão • Artes • Ciências • Direito Geografia • Histária • Linguistica . Politica

Cópia de magia e pensamento mágico (2)

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

off mk's

r - -

MAGIA E PENSAMENTO

MAGICO

ID 9AIMI rRINCPIO ISBN 85 08 00683 71

A magia fascina a Imaginac5o pela aura de rnistério que a envolve. No confronto corn a racionalidade ocidental, Os poderes rnágicos aparecem corno inquietantes e obscuros. Desde seu inIcio, no final do século passado, a Antropologia procurou desvendar os rnistérios da rnagia. Para a jovem ciëncia que entäo se inaugurava era preciso saber qual a 16gica que orientava urn pensarnento tao distinto do nosso.

Neste livro, Paula Montero acompanha o debate antropológico ern tomb da natureza do pensarnento mágico. Para tanto retorna Os textos de autores clássicos e rnodernos nurn arranjo que procura dar conta das diferentes contribuicOes teóricas para a cornpreensão da magia corno urn forrna especifica de pensarnento.

Paula Montero é professora da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade de São Paulo. Trabalhou sobre o fenörneno da cura mágica na religiào umbandista, publicando o titulo Da doenca a desordem.

4

• Antropologia ' CornunicacOes • Civilizacão • Edicação • Estética • Filosofia • Literatura • Psicologia • Sociologia

Adrninistracão • Artes • Ciências • Direito Geografia • Histária • Linguistica . Politica

Page 2: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

Monte r o Doutora em Antropologia

Professora da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade de São Paulo

MAaa E PENSAMENTO

MAGICo PAPIRUS

I J:)

s • uctPIOB I •

P______

1 ParOdia. paréfrase & Cis. Affonso Romano de Sant'Anna

2 Teoria do conto Nádia Battella Gotlib

3 A personagem Beth Brait

4 0 foco narrativo Ligia Chiappini Moraes Leite

5 A crnica Jorge de Sa

6 Versos, sons, ritmos Norma Goldstein

1 Erotismo e literatura Jesus Antonio Durigan

8 Semntica Rodolfo Hari & Joäo Wanderley Geraldi

9 A pesquisa sociolingUIstica Fernando Tarallo

10 Pronuncia do ingles norte-americano Martha Steinberg

11 Rumos da literatura inglesa Maria Elisa Cevasco & Valter Lellis Siqueira

12 Técnicas de comunicacao escrita Izidoro Blikstein

13 0 caréter social da ficcao do Brasil Fábio Lucas

14 Best-seller: a literatura da mercado Muniz Sodré

15 Osigno Isaac Epstein

16 Adanca Miriam Garcia Mendes

17 Linguagem a persuasão Adilson Citelli

18 Para uma nova gramatica do português Mario A. Perini

19 A telenovela Samira Youssef Campedelli

20 A poesia lirica Salete de Almeida Cara

21 Perfodos litarários Ligia Cademartoni

22 lnformátjca e sociedade AntOnio Nicolau Youssef & Vicente Paz Fernandez

Page 3: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

Dlr.clo Benjamin Abdala Junior

Samira Youssef Campedelli Prsparaçio do texto

Sueli CampoplanO Arts

Coordenacão a projoto gréfico (mlolo) AntOnio do Amaral Roche

Arts-final René Etlene Ardanuy

Joseval Sousa Fernandes

cap Ary Normanha

Sumário

1. lntroduQãO_-

2. Magia e religiäo Imanência e transcendéncia— _9

Individualidade e coletividade _12

3. 0 poder mágico__— 17

p 4. As categorias do pensamentO mágicO_21

Os princIpios da magia__— —21

Lei da contiguidade 23 _26 Lei da siinilaridade__

Lei da contrariedade_ ----29

A "mentalidade priniitiva"_— 32 33 A lógica do concreto_ 34 A ldgica da participacão_—

A lógica da causalidade mágica__-_- 36

RepensandO a causalidade mágica_ 39

A causalidadb nos sistemas da bruxaria africana_40

ISBN 85 08 00683 7

1986

Todos os direitos reservados Editors Atica S.A. - Rue Baräo de Iguape. 110

Tel.: (PABX) 278-9322 - Caixa Postal 8656 End. TelegráfiCO BomliVro - São Paulo

5. Magia e pensamefltO o social 43 como modelo—_ 0 problema da razAo

46

Pensar 6 classificar 47

6. Magia e ciência 52

A ciência do concreto - _56

O mito como bricolage- Os signos do mito e Os conceitos da ci6ncia -57

Page 4: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

1 Introduçao

7. A eficácia simbOlica 60

A magia como crenca coletiva 60 A producAo de significados: a cura rnágica 63 A cura mágica e a cura psicanalItica 65 A cura mágica na umbanda 67

8. Vocabulário crItico 70

9. Bibliografla comentada 76

Muito já se escreveu sobre magia. Este terna inquieta ate hoje o pensamento antropológico, que procura entender a onenta rnanei nde&das nossas Corn relacão a magia, a antropologia tern-se cob-cado inümeras questöes. A prirneira delas tern a ver corn a própria crença: por que as pessoas acreditarn na magia?

A essa questAo muitas respostas foram dadas. Para a antropologia clássica, do final do sécubo passado e do inIcio deste, a crenca na rnagia nada rnais era do que uma tentativa, ibusoria e faa de thir na ordmido o homem prirnitivo, ignorante das leis da natureza e sub-jugado peba sua irnpotência diante deba, atribuiria ao pen-sarnento rnágico a capacidade de produzir sobre a realidade os efeitos desejados. Para Frazer a magia nAo passava de uma "falsa ciência"; para. Lvy-Bru1il seria a prova da existéncia de uma "rnentalidade primitiva", para quem "o rnilagre é banal" e "o irnpossIvel não existe".

No fundo dessas cobocacOes está escondida uma preo-cupacão tipica dos pensadores racionalistas do final do séc,ilQ, era preciso saber se os povos chamados primivos, subjugados pebo ternor e pela crenca ern espIritos todo-

Page 5: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

6

-poderosos e vingativos, seriam ainda assim caazes de pensar racionalmente o mundo. A crença na razäo faz parte, como sabemos, das conviccOes rIcinalistas. Segundo estas, as pessoas são mantidas ignorantes e supersticiosas pelos poderosos para serem mais bern exploradas por eles. Ora, essa mesma perspectiva enformava a análise dos eruditos que procuravam entender a mente "primitiva". Se as crenças religiosas e mágicas pudessem ser entendidas como uina aberraçao intelectual, estana implicito que reli-giOes mais desenvolvidas, como o cnstianismo, podenam ser objeto de julgamento cntico semeihante Assun, pro-curävã-se eiicàntrar no modo de pensar dos povos sem escrita uma arma letal contra o cristianismo.

Mas, se a crença na magia parecia absurda a esses antropologos, e, diga-se de passagem, ainda hoje assim se apresenta para muitos, era preciso encontrar uma expli-cacao para tal disparate. Era preciso explicar por que pessoas que sob muitos aspectOi ffio1ravam-se peTfeita-

em atribujr veracidade a cren-caitãocontrarias a l6jjs elementarVeremos então neste trabaiho como esses autores clássicos, em sua busca da razão, acabaram por trazer elementos importantes para a compreensao de sistemas_depensarnenouenwj,rj..

- i, meiro momento.prciiarnniujiajjistantes dos nossos. Durkheim e Mauss foram dos ptimeiros antropologos

a deixar de lado a pergunta antenor. Para des a questão fundamental deixava de ser "por que as pesloas iIem?" e se täiiava'qual o sentido da crenca9" Essa colocacao abandona o iiPm5asaTeioIiivel problema de tentar explicar por que as pessoas se mostram tao ingenuamente crédulas na eficácia dos atos mágicos. Trata-se de saber o que a iga diz sobre 0 mundo e de onde vém as catego-rias que ela utilga

. A magia passa a ser compreendida como qsitema simbólico. E, quando se fala em sImbolos, está-se faliiao

7

em e1cctücias, objetos, gestos) que representam, por uma lógica implIcita que cabe aó antrópTógo desco-

social unidade do gnpo, dëT ëfc Veremos ainda como esses autores analisaiioi sImbolos que a acao mágica utiliza.

Mas afirmar que o rito mágico tem urn sentido pura- mente simbé ico nos col oro o dc é capaz e intervir na ordem do mundo. Po as pessoas que se ufi1Tzffid rito o fazem, é claro, esperando obter dele_resultadospráticos. Seria iv1]iisai que, após seguidos e reincidentes fracassos, permanecesse incó-lurne a crenca em tais atos. Alguma eficácia eles devem ter, já que se mostram tAo pereniobretudo quando se

ideram sociedades como as nossas, em que o avanço tecnológico faria presuinir o total desaparecimento da magia. 0 que vemos, ao invés disso, é a crença na magia acompanhar o crescimento industrial das cidades e se difundjr com dc, como é o caso da urnbanda no Brash.

Qual é então aáciL.flgia? Veremos no final deste ensaio como Levi-Strauss responde a essa questão ao propor a noçAo de "eficácia simbólica".

Finalmente, se considerarmos que os Sistemasm4gcos são sistemas,de pensamento,serja preciso analjda que

maneira_esses sitema. pe. assem 1h ui!enm denossa própria maneira de pensar. 0 pensamento mágico foi

pensamento cientIfico. Sua racionaljdade, ora afirmada, ora questionada. Tentaremos reproduzir aqui esse debate, introduzindo, por urn lado, a interessante comparacao que o antropólogo inglês Evans--Pritchard faz e4tre os sisema, d hruxri fricana e a nsa..cjâia e, por outro, a analogia de Levi-Strauss entre cura psicanalitica e cura mágica.

Mas, antes de nos aprofundarmos em todas essas discussöes, facamos uma pequena pausa para pensar no assunto que aqui nos trouxe: o que C, afinal, a magia?

Page 6: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

2 Magia e religião

Desde que James Frazer, antropólogo do final do século passado, levantou o problema da relaçao entre magia e religiao, a discussão a respeito jamais cessou. Mas, apesar da abundância de material e da progressiva sofisti-cacao das interpretaçöes psicológicas e sociológicas da magia, não se chegou a urn acordo quanto ao problema central: poronde passaria a linha dedemarcacao que separ QnnslT&osos dosfenômenàsiiAgios?

As tentativas de distincão concentraram-se fundãiiIen-talmente em torno de duas oposicôes básicas:

a magia trabalharia com forcas que seriam ima-nentes a natureza, enquanto a religião veneraria forcas transcendentes; ci . a magia se definiria como urn culto individual,

tendendo para o privado, enquanto a religiao constituiria um fenômeno coletivo e p(iblico.

Vejamos como se dá o debate em torno dessas pola-ridades.

Imanêncja e transcendêncja

Para James Frazer 1, existiria um antagonismo básico entre religiao e magia fundado na concepção diferencial que as duas teriam a respeito do funcionamento da na-tureza. -

iA ielig acredita na existencia de podezes.superiores aos homènstrcetha),a..quem se atribui o controle da natureza. A natureza não teria, portanto, do ponto de vista religiao, um curso independente dos caprichos divinos. Essa crenca tem como resultado prático o fato de que os homens, para interferir nos acontecimentos, se vêem obrigados a aceitar e prornover a rnediaçao dos deu-ses: é preciso estimular a sua boa vontade; é preciso propi-cia-los e agradá-los para que governern bern o mundo.

Par magia,'o contrano, a natureza não e regida pelos rosamn_tpiecânic A sucessão de eventos é concebida como regular e certa, determinada por leis imutáveis, cuja operação pode ser calculada e antecipada com precisao. Para intervir no seu curso não é preciso, pois, apelar para qualquer tipo de persuasão, mas, ao contrário, aplicar simplesmente as leis de causa e efeito.

Esse antagonismo entre magia e religião explicaria, para Frazer, a hostilidade entre padre e feiticeiro ao longo da história. Este iiltimo, acreditando poder intervir na ordem do mundo, se mostra arrogante e auto-suficiente no trato com as forcas sobrenaturais. Já o primeiro, de-pendente que é da vontade dos deuses, deve, para agrada--los, percorrer o difIcil caminho da obediência e submissão..

Para Frazer, essa hostiidade irredutIvel entre magia e religiao

an -rim, na histórI sañ çreiiça

'Magic and religion. London, Thinker's Library, 1944.

Page 7: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

10

na re1igjão. Segundo ele, a descoberta da ineficiéncia de certos ritos magicos provoca uma verdadeira revolucao na mente dos homens, que passam a ter consciência de sua fraqueza e ignorância diante das leis que organizam o mundo. 0 h em1scpbre que as forcas naturals não podem ser cprgia pre1e iete senliiiiento de impo- tência_e estaria nabQ_$uIg1meDtda5_creiicas re1sQ b jnjjiycnta os deusesqandodecobre que o resiste.

Na história das idéias de evolucionistas como Frazer,' a prova de que a magia antecede a religiao esli a sim- plicidade das crencas mágicas: elas se atêm a ima em dos f'

fesncrosseeflVere ar pe o caminho abstrato e es cu aTiwo as re exoës reiiosas io, pelo

de seus çt pela coñiexidade de sua ref1ex4gL soria 0 Densamento verdadeiramento ante- cipadonL,. -

Os arguinentos de Frazer em favor da precedência histórica da magia corn relacão a religião sao, na verdade, pouco convincentes. Em rpro lug porgue a magia

) está longe de ser mais sim les d Alias, a crenca e que o simples precede historicamente o mais complexo 6 urn preconceito evolucionista já devidaniente superado pela antropologia. Como bem observa o sociólogo frances Georges Gurvitch, as sociedades arcaicas não são menos comp as do quo as avano—clas ffimii do uma com-

plexidade- Em segundo lugar porque muitas

'? 1vezs arnagia lanca mao, ithitOsdóãUiIliO de

/ Lem seus cultos.

Tambémpara autores como Marcel Mauss e Henri Hubert, n e separar dessa maneira religiäo e magia. E ng2 vodefazê- 0 por onto

2 L vocation actuelle de la Sociologic. Paris, PUP, 1969.

11

~)com ram. Por urn lado, a major partei das religiöes.nhecidas contem efernentoágios e se utihza da magia em sejiTñruaou1rQ._tQd&rng1a, J seja ela raticada visando finalidadese 1 male- ficas,azapelo a diyjaLQbtna1iI&iS . Podemos citar .

como exemplo urn ritual que 6 para nós muito conhecido: ' a religj wnbandista. Na umbanda, o uso da magia é d' corrnte. E as piiãs divmdades 6 que, ao possuir o corpo de seus fiis, praticam a magia: a cura para uns, o tao esperado emprego para outros, a solucao de problemas amorosos para outros ainda. Para todos a magia se mostra capaz de encontrar uma salda. /

Esse exemplo demonstra como t complicaUo tentai distinguir religião e magia em termos de oposicöes como simplicidade/complexidade e imanéncia/transcendência./ Para autores como L67-Bzuht a gãQseria umf f also problerna.gund e1e,.1mpQyQS "primitivos' ño fazeid a mesma jitmcAo-que mSs fazemos eituia1i' e sobr naturalpara Sue se ossa falar emtajijçiência. A v

I ida mental- o'pnnitivo'seIiia p1jto de

que §,QbrCnAtWaI mtelectualmente indistintos. 0 cOnjunto dos seres visiveis faz parte, hitiiiimente, do conjunto dos sores invisIveis, e estes não são menos reais do que os primeiros 4. 0 misticismo peculiar a "mentalidade primitiva" tornaria mi-possIvel a distincão entre magia e religião na base da imanência da primeira em oposicao a transcendência da segunda: esta Ihiha de demarcação estaria, para Levy- / -Bruhl, sempre em movimento.

A def inia obrenalseria uma periência mais afetiva do que intelecttrnL A representacão do sobre-

3 MAuss, Marcel & HUBERT, Henri. Esboco de uma teoria geral da magia. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974. v. 1. (Texto de 1902.) 4 LEvY-BRVHL, Lucien. Le surnaturel et la nature dans la mentalité primitive. Paris, PUP, 1963.

Page 8: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

12

natural ntelectiva e abstrata. Ela invade _,4 experiência do sujeito e o mergulha num estado afetivo já muita&vezes experimentado e, porçpida-mente reconhecido. Aceita a definiçao do sobrenatural como uma experiência essencialmente afetiva, toma-se difIcil distinguir magia e religiao na base da oposicão ima-nência/transcendência. Ambas fariam parte de uma mesma "mentalidade inIstica, que se esforca em interpretar, co-nhecer e provocar a manifestacão das poténcias obre-naturais".

Individualidade e coletividade

0 outro critério utilizado na distincao entre magia e religiao, a oposicão ato individual/ato coletivo, não é menos controvertido que o prirneiro. Alguns autores ten- dern a considerarla ma mo uma simples manifrstão da rnalIcia pessoal do mágico, que se aproveita, em bene-ffcio próprio, da credulidade dos membros do grupo a que pertence. Na verdade, como bern mostra Marcel Mauss em seu Esboço de uma teoria geral da magia, a magia, mesmo quando praticada por indivIduos isolados, nunca é a cr1açQ Oq rn oa estaseL çfundada em

In crejIethas.. Qualquer rito ou cerirnônia so tern sentido e 'ficácia porque quern está agindo através do mágico é

) a própria sociedade. A magia é, por definicao, objeto de uma crença a priori. Porque a crença é anterior ao resul-tado, a operacão rnágica que fracassa nunca coloca em xeque o sistema. Quando o resultado esperado nao vem, refazem-se os ritos, varia-se a técnica e, no limite, substitui--Se 0 rnágico. Mas a crenca no sistema permanece.

Também o magico retira sua forca dos poderes que Pa sociedade ihe i i.E1eo4U19ëfité ó que sente

poftWsegue a opmiao püblica da tribo: ele é ao mesmo tempo seu explorador e escravo. A própria sociedade o

13

empurra a preencher seu personagem. Levi-Strauss nos dá uiii interëssante exemplo de como isso acontece.

Um jovem zuñi das tribos do Novo Mexico foi acusa-do de ser feiticeiro por ter provocado uma crise nervosa numa adolescente ao tocá-la nas mãos. 0 jovem é imediata- rnente julgado pelo grupo. No inIcio ele nega veemente-mente ser feiticeiro. Mas suas negativas são vãs. A tribo não queria que ele provasse sua inocência, mas, ao con-trário, que explicasse como havia recebido e utilizado seus poderes de feiticeiro. Vendo serern intiteis seus esforcos, o menino rnuda de estratégia e improvisa uma longa his-tória ern que explica a obtencao de seus poderes e os remédios que conhece.

Segundo Levi-Strauss, o debate ern torno do menino não visava inocentá-lo da acusacão de feitico mas espe- cificar as circunstâncias ern que isso aconteceu. Tal cxi-gência adviria da necej4ade, ara a tribo, de tornar objetivo urn sistema do pal ela detérn apenas fragmentos isolados. 0 próprio menino nao thi ffe ser'ino- cee5-jé-qnri1ao conhece e antemão os sinais que reve lariam sua condicao. Ele constrói o personagem que a tribo lhe impoe, a partir de seus conhecimentos e expe- riências. Basta que a jovem fique curada e que ele inte-riorize como sua a história que criou, para que ningtlërn mais duvide de sua real condicao de feiticeiro.

No fundo o julgamento não tinha por objetivo repri-mir urn crime, mas comprovar a realidadedeusistema que torna o feiti isvel

'Es exernplo ilustra bem o fato de que a eficácia I

dos gestostháJos se!ñna tradiqoflciante i observa. 0 mágico não inventa ritos. ou representaçoè, ele ae arrnjs.podereque a sociedade ihe empresta. Os atos individuais, supersticiosos, não podem ser corisi-

5 LvI-SmAuss, Claude. Le sorcier et sa magic. In: -. Anthro-pologic structurale. Paris, Pion, 1974.

Page 9: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

14

J\ derados rnágicos. E isto porque não se repetern, não estão sancionados pela tradiçao e pelo consenso social.

Tanto quanto os Lenôrnenos ; ualmenteefj• arnbos

derivarndomesrnocarátersocj Assim, ernbora ele de-fina bs rituals rnágicos como sendo aqueles que não fazern parte de cultos Qrganizados epdblicos, ainda que a magia se constituIsse unicamente em ritos privados e secretos ten-dendo para o proibido, sua foiicorno no caso da reli-gião, depende th'scIedade e so tern razão de 5cr corn relaçao a elà.

Sena, entao, o caráter rnaléfico dos ritos rnágicos, e nAo seu caráter individual, o que os distinguiria dos ritos religibsos. Mas mesmo essa distinçao tarnbérn não se pode fazer corn rigor. Na verdade, entre os atos rnágicos que tendern para o ilIcito e os atos religiosos que tendem para o sacrifIcio, existe todo urn conjunto de ritos rnágicos,

( L;1 ritos decura, S.

- Assim, uma definiçAo da magia que se construa unica-rnente a partir de sua oposicAo corn a religiao, deixa de abordar, por urn lado, urn setor irnportante do fenôrneno rnágico, que é a chamada "magia branca", püblica e bené-fica, e näo é capaz, por outro, de tocar no que para Mauss

' se constitui no próprio fundarnento da magia, a base sobre a qual está assentada sua força: o mand.

Verernos a seguir como o conceito de rnaná foi defi-nido e interpretado nos textos antropológicos. No entanto, antes de encerrarmos este debate ern torno da oposição religiao/rnagia, gostariarnos de acrescentar urna observacao final.

Saber se magia e religiao são fenôrnenos distintos e irredutIvejs entre si, ou se, ao contrário, resultam de urna rnesrna fonte cornurn, torna-se aos poucos urna questão periférica na reflexäo antropológica. E isto porque o que

is

a fazia candente e atual como polêmica era a preocupaçAo subjacente - sobretudo da escola francesa de antropologia - corn a progressiva desorganizaçao da vida social nas sociedades capitalistas européias.

Durkheirn, como outros autores, apontava a necessi-dade de se encontrarern nibc-anismospara a defesa e o estI-rnulo 1a 6oesdo social e de se lutar contra as tendéncias a andito preset jei1Jpciedades como as nossas 1essa perspectiva, o estudo da religião e da rnagia tornava-se, pois, central: as duas são fenômenos, sos q ignifi - cam acoletividade. No entanto magia, embora. coletiva pelo conteüdo d suas crenças, näo o qnto ao seu exer-cIcio. 0 exercIcio da rnagia, ao contrário do da religião, tende pan lndiviva, para a separação rnágico/grupo.

virnento do egoIsmo. E, rnaisainda: enquanto a transgres-são de tabus religiosos é social.niinte reprirnida e rnó?ãmen- te rnágicos não o é giosos e controle social das transgressoes - levam rk- heirn a irrnar q , igiao e fonte de rnoralidade (coesab sGci+)ra-

Essa rnaneira de pensar os conflitos sociais ficou ultr passada pela própria cornplexidade crescente das sociedades rnodernas. Na verdade, não se pode pensar rnais urn sisterna reigioso cirnentando a coesão soTesociedadsdetota

pensar o universo reli- ,

tanto esse tipo de interpretaçao ainda deixa suas marcas ern interpnetaçoes mais necentes dos fenôrnenos rnágicos.

Tendo como pano de fundo esse esquerna interpre-

tativo, Roger Bastide analisou, nos anos 50, a rnacumba ' paulista . Para dc a rnacurnba seria o nesultado de urna

6 A macuinba paulista. In: -. Estudos afro-brasileiros. São Paulo, Perspectiva, 1973.

Page 10: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

16

dupla desagregaçao: por urn lado, a desorganizacao das tradiçOes afro-brasileiras que vérn do carnpo para a cidade; por outro, o estado de marginalidade em que se encontra-yarn tanto os negros egressos da escravidão quanto os imigrantes pobres recém-chegados. Enquanto o candornblé seria na Bahia urn rneio de equilibrio social, em São Paulo a religiao iria evoluir para a magia, desencadeando os instintos mais torvos da personalidade. A macumba paulis-ta, diz Bastide, invadida pelo homem branco e pelo desejo de ascensão social e de lucro substitui a mentalidade prirnitiva - caracterizada pelo auxIlio rnütuo - por uma mentalidade perversa, que visa explorar a credulidade popular. DaI a assirnilaçao da macurnba corn a crimina-lidade foi só um passo.

Nib se pode, é claro, questionar a real marginalidade em que se encontravarn, no inIcio do século, os grupos negros e os imigrantes pobres. Embora a marginalidade persista ate hoje, a expansao industrial dos anos 30 come-ça a integrar ao mercado de trabaiho os negros e sobretudo os imigrantes. Parece-nos que a magia ë em certa rnedida uma resposta aoPèqüersgrandejramas dos que vivem nai&s - del rèadosern busca de trabalho, doen-tes sern dinheiro, mocinhas a procura de noivo, farnilias que não vivern bem etc. Os rnesmos dramas de então permanecç. .E perwanece ta'ibérn a magia Não se pode inferir da situaçao marginal desses iijo caráter anô-mico da magia. Relegá-la ao supersticioso e imoral é assumir o discurso da polIcia, que, ate os anos 50, perse-guiu e fechou, em norne da lei e da ordern püblica, mu-meros terreiros. E é também recuperar a posicão da Igreja católica, que, por muitos anos, persistiu ern ver as "supers-. ticôes" e crencas mágicas como fonte de desregramento moral e de loucura.

4~u 0 poder mágico

E ele que faz corn que a rede pegue peixe, corn que a casa seja sólida, corn que a canoa enfrente o mar...

Mauss e Hubert

Para Marcel Mauss, man4 6'a fonte cornurn da religião

e da magia. Na definlcao que ele nos da, 1flaflara1s do que uma forca distinta de toda forca material que age para o bern e para o mal. Mani designa fundarnentairnente

uma ação: a Mas significa tambérn uma qualidade que podern ter certos objetos (calor e resisténcia) ou seres (prestIgio social om riqueza, por exemplo). E ainda uma substância que pode

ser transrnitida, manipulada, aurnentada ou diminuIda. Ele é, por natureza, contagioso: cornunica-5e 0 maná que está nurna pedra para a colheita ou para outras pedras pondo-as ern contato. Nesse sentido a idéia de maná está muito

próxirna da idéia deaé nos candornblés africanos tradi-

cionais. 0 axe nos cultos nagôs é urn princIpio vital.

Enquanto força, é transrnissIvel e acurnulável, mas so pode ser adquirido por introjecão ou contato. Cada terreiro

Page 11: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

18

deve, pois, receber axe, mantê-lo e desenvolvé-lo. Dessa capacidade depende a forca e importância do terreiro.

A nocão se refere ainda a uma série de outras idéias, tais como o poder do feiticeiro, o objeto da acão magica, o ser magico, estar encantado etc. Essa riqueza de sentidos levou Mauss a afirmar que o termo

/ r e ao mesmo tempo urn substantivo, urn adjetivo e urn verbo... (Ele) realize essa confusâo entre o agente, o rito e a colsa, que nos pareceu fundamental na magla 1

E somente a partir da idéia de maná que se pode entender a magia e o poder mágico. 0 poder da magia é ao mesmo tempo material e espiritual; ele pode agir a

\ distância mas tambem por contato direto, e urn poder (flexivel, que sçjnove sern se mexer, natural e sobrenatural

ao mesmo tempo.-djyjIvel e continuo. Ao lado dele nossas idéias a respeito do acaso e do destino parecem incapazes de explicar qualquer coisa. Tudo se passa como se o maná fosse uma quarta dimensão do espaco a qual estaria super-posto o mundo da magia. Ele 6 um dado a priori, precur-sor de toda experiência, cocão necessana para o fun-cionamenfoIas representacôes magicas o mana e uma categoria inconsciente do entendimento que torna possIvel as ideias magicas Neesentido, funciona como qualquer càtegoria abstrata, indispensável ao pensamento humano. Segundo Mauss, o maná estaria para a magia assim como o postulado de Euclides estaria para nossa concepcão de espaco.

Mas, contrariamente as nossas categorias de tempo e

L( \ espaco, que são para Mauss categorias do entendimento individual, o rnaná é uma nocão do pensamento coletivo.

1 Introduction a l'analyse de quelques phénomènes religieux. In: -. Oeuvres. Org. por Victor Karady. Paris, Minuit, 1968. v. 2.

1,

Ela so existe na consciência individual em razão de sua existência na sociedade.

A qualidade do maná se associa as coisas ou pessoas em funcao da posiçao social que elas ocupam: quanto major sua importância para a vida social, major o seu maná. Tudo o que é relativo a moPe, por exemplo, ocupa um lugar privilegiado nos ritos mágicos. Todos os mortos formam, em re!acão aos vivos, urn mundo a parte, miste-rioso, de onde o mágico retira seus poderes. Também as mulheres detêm uma função mágica importante em inüme-ras sociedades. Elas são consideradasquaiitativamellte diferentes dos homns e dotadas de poderes especffrcos a menstruação, a se49 tos dagestacäo são sinais evidentes dos poderes mágicos que ihes são atribuIdos. "A mulher é a moPe" dizem os textos brâmanes. Essa desconfianca que a sociedade masculina alimenta corn re!a j1reS explicaria, para Mauss, a posicäo de mferiondade, do ponto de vista rehgioso e jundico, que ihes é atribuIda em tantas socjcIades. Mas explicaria tam - bém a importância de seu papel na magia, onde ocupariam um lugar social inverso aquele que !hes é atribuIdo pela re!igião.

Esses exemplos mostram que o valor mágico das coisas e seres "A i dThicá e a posicão social coincidem", diz Mauss, "na medida em que uma faz a outra" 2 Assim,

o valor na magia e sempre urn valor socialmente atnbufdo

e na-_o iiffdeinerente acoisa esse valor dpnde do rnTmTT do

grDito de outro modo, a ideia de maná pode ser compreendida como uma projecão maisprofunda!oc!cd* Mans naginada mats

2 MAUSs, Marcel & HUBERT, Henri. Esboco de uma teoria geral da

magia. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974. v. I.

Page 12: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

20

são do que uma representaco dos medos e necessidades coleifvas Torna-se, p015, evidente que tais nocäes só'ga-nham seu verdadeiro sentido quando apreendidas como uina resultante do próprio funcionamento da vida coletiva.

Mas o maná nao é somente a qualidade que se acres-centa a coisa em funçao de seu lugar social: eleé a prépria razão de ser, o fundamento daspiçes diferin6iirs dos

categoria do peniento clJue Jpe urna hierarqwa aos çres 0 mana classifica coisas e pessoas. Une as que cöiisideiá hOmo.-gêneas, sarras que define diferentes, estabelece relacOes de superioridade e inferioridade, funda limites, determina linhas de influência. A nocçdeinana é, portanto, central quandoseprocura compreender a magia como um sistema de conhecjmento.

H As categorias do

pens amento mágico

Se conhecer é classificar, as colocaçOes anteriores nos parecem ter deixado evidente que a magia pode ser corn- \ ' preendida como urn sistema que se organiza para compre- I ender intelectualmente o mundo.

Mas de que maneira se pode dizer que o homem pri-mitivo conhece o mundo?

Essa é a questão que a antropologia se coloca quando procura desvendar os mistérios da magia. Entender como homens diferentes de nós pensam significa de certo modo perguntar searazAo, o pensarnento racional e suas cate-tr

uma qdej hum ana universal Diferentes autores se debrucaram sobre esse problema tentando defi--. fir as categorias lógicas que orientam essa forma de pensa-MQ mento. Vejamos, pois, como a abordagem intelectualista da magia analisa seu funcionamento.

Os princIpios da magia

Segundo Frazer, a magia não tern nada de mistico seu fundamento 6 puramii racional. 0 funcionamento

Page 13: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

22

da magia está assentado na idéia-base de que os fatos se produzem nwna sucessão invariável è previsIvel, sern a ntervençao de forças sobrenaturais. A magia é, portanto, urn sisterna de pensarnento que pressupOe a ac regular e mecânzca da— naturëja Assim, é possivel 6onli666r essa régularidade .e iu1ryir sôbre -e-la- desde_que se cornpreen-darn as leis I iarne.ntaisque aregern: as leis da sirnpatia.

A sirnpatia, no sentido que Frazer empresta ao terrno, nada tern a ver corn a afetividade. Ela designa essencial-mente uma recAo defidd enhx, oisaseseres. Nessa concepcao abrangente, todo ato rnágico é regido pelas leis da simpatia.

Existem basicamente dois tipos de relaçoes simpáticas: as relacoes de contiguidade e as relacoes de similaridade. Essas relacôes respondern respectivarnente as seguintes leis:

ieidacje. "Coisas que estiverarn ern WIILUIU4JU uniaas', isto e, continuarn, mesmo a

distânçja, a agir uma sobre a outra; - -

c2.ei• da sirnilaridade: "0 serneihante produz seme- ihante", isto C, o efeito se parece corn a causa que o YXUI t (

e produziu.

42~~q Essas duas leis definiriarn para Frazer dois tipos dis- tos de magia: a magia de ern que o rnágico,

pensa agir sobre a própria pessoa (lei da contiguidade), j<'e jflagiaJmitatjva ern (lei

da sirnilaridade), pensa prod uzir o efeito desejado. in-

cluiria a relacao inversa da sirnpatia: a anna1j. Segundo essa lei, "o contrário age sobre sen contrrio", isto C, o sernelhante faz partir o serneihante para suscitar urn con-trário.

rr7dade,

Essas leis nada rnais são do que uma aplicação docIpio da associaçao de idCias (associacao por simila-

-4) por contigUidade e por contrariedade). No entanto

23

a magia pressupöe que corresponde uma as iäçthjuy iI faius,&, dito de outro modo, que as ligacOes mais ou menos fortuitas de

4d6ias são equivaléni Iëlàöes causais entre as coisas. A magia assume, pois, que os princIpios que regem stia aPe regem tambem a natureza: e por isso Frazer é levado a afirmar que ela é uma "falsa ciencia". A magia seria

rf4l~ para ele uma "filha bastarda da ciência" posto que nada mais faz do que uma ap icação equvocada do princ!pi/ de associaão de idéias.

Mas vejarnos agora como operam essas leis no campo da magia.

Lei da contiguidade (1k ci-&

A lei da contigtiidade 1 presspotq tpcLa parte é equivalente ao todoi que ence. Os cabelos, a saliva, as tmhas de uma pessoa, por exemplo, a representam integralmente. 0 mágico pode então, atuando ritualmente sobre esses elementos, produzir os efeitos desejados sobr " o indivIduo: seduzi-lo, enfeitiçá-lo e ate mesmo matá-lo. A distanja ejite coipo e suas partes nao interrompe a contimjjdaddotoJo Pode-se reconstitul-lo ou suscitá-lo através de qualquer urn de seus elementos.

Essa lei vale tanto para pessoas quanto para coisas: a personalidade de uma pessoa é indivisa e está em cada uma de suas parte s. Do mesmo modoaessêncja de cáda coisi pertence a cada urn de seus elernentos. E, mais ainda: cada parte de urn todo é portadora dos mesmos princIpios essenciais que o definern como uma espécie.

1 A análise que segue refere-se ao cap. 3 do Esboço de uma teoria geral da magia, de Mauss e Hubert (São Paulo, EPU/EDUSP, 1974).

Page 14: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

24

Assim, por exernplo, todo osso de urn morto contérn a morte, .todo fio de cabelo contém o princIpio vital etc.

A lei da contigtiidade implica que tudo que entra ern contato dUnia maneira ou de outra corn a pess'oa passa

/ a fazer parte integrante de sua totalidade Assim, o pnn- L- cIpio de contigtiidade se expande dos elementos do corpo

(unhas, cabelos, dentes) j,áia elementos extemos ao corpo, rnas que de alguin rnodo se cornunicarn corn ele. Nessa categoria entrain os objetos de uso pessoal que estão em contato direto corn o corpo (roupas, acessórios etc.), e tambémcoisas por ele tocadas passageiramente (algurn canfinho por on- de se passou, restos de comida, agua do banho etc.). Relaçao de contigiiidade idêntica se estabelece

L.entre o hornern e sua familia.

Age-se seguramente sobre uma pessoa agindo-se sobre - eus parentes, observa Mauss, nem e preciso nomeã-!a nas

(P?yy'tórmuias mégicas, ou escrever seu nome sobre os objetos mégicos destinados a Ihe fazer mal.

Ainda a mesrna continuidade define a relacao entre urn ( )Pj homezu. esiia casa, seus animais, seus canipos, entre uma

anna e a ferida que ela produziu; entre o assassino e sua

(J'

vItirna. Ern qualquer desses casos, basta agir sobre o rsul- tado de urni áço para que se obtenham os efeitos dese-

L jados sobre o propno agente As leis da contigiiida.de trazern em si, corno conse-

qUência lógica, o fato de que uma pessoa ou coisa está

~I sim'pfiticas. associad a urn nffi6raticarnente infiluto de1iTãco

Assim, ntuais rnagicos que a pnmeira vis 6deriam parecer desprovidos de sentido — corno n

exernplo citado por Mauss ern que uma muffler abandonada pelo amante pensa vingar-se contra ele enrolàndo mechas de seu próprio cabelo nas patas de urn caranguejo — desvendam a sua razâo de serquando se compreende a

Cd ertin6ncia que associae1erneni tao aibifráiEios na busca 1ão eficaz.

/ pyJ

25

çOSubjacente a nocão de continuidade está a idéia de\?' T'que todo influxo rnágico é nsmissivel através de uma , cadeia de ligaçöes simpáticas. A essa caracterIstica, Frazer'-'5Y' drne de lei do contágio. A doença, a sorte, o azar( se expandem sobre e seres que estiveram em contato como numa espcie de contágio. preciso pôr alguns limites a essa expansão da influência rnágica. S;cóIiio dissemos,iflifiTt'th

ftabe1ecidas entre pessoas e coisas, em ültima análise tudo poderia agir sobre tudo. A aplicacao generalizada da lei da contigUidade, no limite, tornaria a magia impossIvel. E isto porque, cada vez que o rito pretendesse transmitir a qualidade de urn ser para outro, afetaria simultanea- mente todos os elementos da cadeia. E, rnais ainda, o universo se tornaria rapidamente hornogêneo posto que as qualidades de um elemento da cadeia, qualquer que ele fosse, se transmitiriam integrairnente paa todos os outros.

Na verdade, existem direçoes preferenciais em que os ret i.siiiip'icas,

dereras d Thitd spèia sociedade e controladas pe rnágico.

Segundo Mauss, três mecanismos essenciais regu1a-€_-riam a transrnissão de idéias e qualidades ao longo da cadeia simpática.

0 primeiro deles orienta o alcance do rito mágico ao efeito imediato desejado. E esse desejo o fio condutor \; do rito: ele dá o torn da cerimônia, dirige e cornanda as associacöes de idias a serem acionadas.

O segundo impôe limites aos efeitos do rito: por urn lado, interrompe-se, num momento preciso e a critério do

oficiante, o fluxo da corrente simpática; por outro, sele- -

ciona-se de antemão o nilmero das qualidades a serem

transmitidas. Assim, por exemplo, quando urn medium de ( umbanda recebe sobre si a descarga negativa de um doente, ele não fica por isso necessariamente doente, já que tern

Page 15: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

27

o poder de interromper o "contágio" transmitindo esses fluidos Para urn polo neutro (a terra), ponto final da cadeia transmissiva.

0 terceiro permite fixar em algum objeto ou animal as qualidades que se quer transmitir ou conter, o que as torna facilmente manipuláveis. 0 axe dos terreiros de can-domblé, por exemplo, 6 fixado através de rituais em pedras que são colocadas nos alicerces da casa de culto: essa força permanece ali sem expandir-se Para outros objetos.

Lei da similaridade ( uJ

Embora toda magia possa set chamada de simpática na medida em que se funda no pressuposto da existência de uma afinidade entre as coisas, a lei da similaridade 6 uma expressão menos direta da nocão de simpatia. A similaridade vai definir, como vimos, uma forma diferen-ciada de atuacão mágica, a que Frazer chama de magia imitativa.

rqsssimilaridade

ntrariamente a mgj contágio, que opera no to

Dois elementos ue se assemelham são considerados capazes de influir urn obre o outro. Essa relacao, que se estabelece pçr uma

icônica, esconde dois princIpios fundarnentais j( que importa distinguir:

"o semelhante evoca o semelhante";

-131

L• "o sernelhante age sobre o semeihante, e particular-ente cura o semelhante".

A prirneira formula implica a afirrnacao mais geral de que toda representacao rnantém umrelço corn a coisa Eia relacao e ao rnesrno tempo sim- I1iorque evoca a coisa) e fIsica (porque produz

resultados sobre a coisa). A relaçao de similaridade é na verdade equivalente a relacao de contigtiidade: a ima-gem está para a coisa assirn corno a parte estápara 0

todo. As cerimônias de enfeiticarnento aplicarn esse prin- ijio esperar infligir efeitos mal6ficos a algu6m atrav6s

da manipulacao ritual de sua imagem. Mas a sernelhanca pressuposta pela lei da similari-

dade 6 rnuito mais abrangente do que a simples idéia de identidade de imagens. Na verdade, a imagem do objeto representado não precisa set necessariamente fotográfica.\ Na rnaior parte das vezes 6 uma similaridade convencional: Yw o boneco ou o desenho--da pessoa set iiif precisa reproduzi-la na integridade de seus tracos fIsicos.

uma sernelhanca produzida abstratamenfe pela conven- çjj. imagem e seu o , 0 serva auss, tern em comurn a convencão que Os associa". No limite, ) o ritual pode ate me iiitTitir a iiiagem por qualquer outro elemento convencionalmente assirnilado a pessoj-que se deseja evocar. A rnencão do norne, a associacão da pessoa a uma imagem qualquer que a represente (ani-mal, aguiha, corda, anel) substituern a imagem em sua funcão fundamental, que é a de tornar presente a pessoa desejada.

r 0 objeto utilizado Para evocar alguérn pode tomar I m(iltiplos sentidos durante a cerirnônia e representar Si-ç multaneamente o malefIcio, o maleficiante e a substância (maléfica. 0 %Lt importa não é tanto, vois, o obeto esco-1

1hido, mas a sua funcao representacão.

A generalidade corn que se pode aplicar a lei da similaridade - para as coisas e seu modo de set, para o possIvel, Para o moral - faz corn que an9cAde imagern acabe se corn ortando corno urn verdadeiro sIm-

ode-se representar sirnbolica uer coisa ou -evenia4esde 1lijroduza a assinu1cAo entre o_bjetn p cpisa a sLur evncadp: a cjzuva, o sol, a febrç -

Page 16: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

28

através de uma cabeça de animal, por exemplo, a uniAo de uma tribo por urn pote de água, o arnor por urn no, nurna corda etc. Cabe, pois, ao antropóiogo descobrir, em cada ritual especIfivais os elementos que foram sirnbolicarnente retidos pelo rnágico para produzir a assi-nilacão entre objeto ecoisa representada Assirn em alguns

• casós seiá âè o or u o peso do objeto que contarão; em - ,9--outros, seu cheiro, sua funcão etc. Pode-se, na verdade,

imaginar infinitas associa Oes. por causa disso rnesmo, (i em u tim a instância, acontece corn a similaridade o mesmo

que já havIamos observado para a contigüidade..Jjdo está,

fpssociado atudo. 0 mágico deve, portanto, 1imitar,ire-(jcionar Os efeitos da associação Quando ele quer provocar

VII., em alguérn através da irnagem de urn boneco, S

7 7Y

deve limitar os efeitos de seu gesto a uma finalidade espe- cifica Sem esse lirnite defmido, as desgracas se expandinam SX associativamente, trazendo conseqtiências rnais graves do que aquelas desejadas pelo feiticeiro.

A segunda formula da lei da similaridade, "o seme-hante age sobre o semelhante", é rnais especIfica do que

primeira. Enquanto esta refere-se a evocacAo como uma q a ualidadee geral do rito, a segunda determina uma direcao'

I para a associacao. Tornernos por exemplo o ritual da ben- S' / zedeira no tratamento das bichas. A benzedeira enrola urna/ °

linha branca ao redor do punho fechado da crianca dando ( várias voltas e depois corta na ponta de cima e na ponta / de baixo a mecha formada. Em seguida coloca os fios J

de linha de igual cornprimento num copo cheio de água (em que devern ficar 24 horas) enquanto reza alguma coisa, pondo a mao direita sobre a cabeca da cnanca. A mecha de linha, pela sua cor e forma, é assimilada as lornbrigas, que se quer elirninar. 0 seu coPe age simbo- licamente; cortando-a, corta-se, por analogia, os vermes da crianca. 0 que se pretende ao colocar os fios na superfIcie da água é reduzir as lornbrigas ao estado de linha, isto é,

29

ao estado de linha da água. Vernos neste exemplo as ini-meras associacôes que urn ritual simples é capaz de pro-duzir. As linhas, assimiladas aos vermes, que se quer elimi-nar, são manipuladas, cortadas, reduzidas a linha da água. 0 ritual define, pois, ajiirecao do efeito esperado pela manipulaçao da coisa simbolizada.

Mas, quando o semelhante cura o semelhante, faz surgir exatamente o seu contrário. Assim, a lei da simila-ridade nos leva a lei da contrariedade.

Lei da contrariedade

No exemplo de cura acima mencionado a magia sim-pática pressupOe que o semelhante (as linhas), ao evocar o semelhante (os vermes), provoca o seu contrário (ausên-cia de vermes). A formula contida nesse tipo de rito seria, pois, a seguinte: "o semelhante faz partir o semelhante (e suscita seu contrário)". Vernos, portanto, que a própria logica da similaridade nofle'a forthu1a ffIcontra- riedad Se o sérneihante age sobre o semelhante, faz sur-gir o seu contrário. De maneira correlativa, podemos pen-sar em ritos ern que a similaridade age banindo o seu contráno: o semeihante, ac vocar o semelhante, faz partir o seucontrário - quando eu evoco a chuva, por exemplo, através de um ritual em que despejo água sobre o solo, viso fazer desaparecer a seca.

AnocAo de contrariedade está, pois, intirnarnente ligada a no ão de similaridade, rnas é sua aplicacao in-

a. Se substituirmos a fórrnula o serne ante atrai e age sobre o semelhante" pela sua formulacao inversa - "o contrário é banido pelo seu contrário" -, teremos que a similaridade estaria contida na contrariedade. A água atrai a chuva fazendo partir seu contrário (a seca) do

Page 17: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

30

mesmo modo que as linhas evocarn os verrnes e fazem 3parecer seu contrário (a inexistência dos vermes).

0 contraste é uma noção fundamental na magia. A ,7maior paithdos ritos trabaiha corn sistemas inti6

oposicães, tais como fno/quente, sorte/azar, agua/fogo \ etc. E interessante observar que, embora nao possa ser chamado de mágico, o sistema popular de classificacao de doencas que prevaleceu no Brasil desde a difusão dos '\.:

I pKncIpios hipociicos nos séculos XVII e XVIII organiza ' as doencas ern qua grandes grupos definidt -pe4etopo-sics uuente/frio, seco/ürnido. As doencas das vias respi- C

ratonas, cornpreendidas como vmdas de fora para dentro, são percebidas como frias; as doencas de pele, advindas de dentro para fora, são quentes. A combinatória dessas oposicães classifica também os diferentes órgaos do corpo - o coracao seria quente e seco, o cérebro, iimido e frio, o fIgado, quente e iimido etc. Finalmente os diversos tipos de alirnentos a serem ingeridos pelo doente também são organizados em função da mesma dicotomia, estabe-lecendo-se uma homologia entre doencas quentes e alirnen--tos quentes e doencas frias e alimentos frios.

A oposicão por contraste corresponde, portanto, a umamaiifra de pensarque näo se restrine somente aos S fenômeniiicos Para alguns autores, como Levi- (.5 -Strauiëi organizacão dualista do pensamento seria mesmo universal. Ela definiria o modus operandi do sis-tema mental inconsciente de todo ser humano.

* Para Marcel Mauss todos os simbolismos produzidos

por qualquer sociedade podern, na verdade, ser reagrupa-dos no interior das categorias abstratas implIcitas nas. leis da rnagia. As trés formulacães fundamentals - "o serne-

31

lhante produz o semelhante", "o semeihante age sobre o sernelhante" e "o contrário age sobre o contrário" - correspondem trés idéias esquernáticas: a ausência de um estado que se quer eliminar; a presenca de urn estado que se quer elirninar; a presenca do estado contrário ao estado que se deseja produzir. No primeiro caso se pensa, por exemplo, produzir chuva por rneio de urn sImbolo que a evoque: joga-se água no chão. No segundo caso o sIrnbolo faz cessar urn estado que se lhe assemeiha: joga-se água num doente para curá-lo de hidropisia. No terceiro caso o elemento simbólico utilizado (a água) chama o contrário desejado (a seca), formula esta que nada rnais é do que uma combmacao das duas idéias anteriores: elimina-se ao / mesmo tempo uma ausência e uma presenca. J

E bem verdade que, quando se passa da análise das' idéias mágicas para a observacao do rito, pode-se perceber que essas leis na prática se misturam. As leis de sirnila-

todjto de similaridade usa normalrnente o contato; e, inversa-

Assirn, através

de urn boneco que contém elementos pertencentes as vestimentas da vItirna que se quer destruir; ou então um despacho para Exu que contivesse urn elemento represen- tativo da qualidade do rnal que se quer enviar (urn pouco 7 de dinheiro para arniinar alguém). As possibilidades são I infinitas. Na verdade, tendo ern vista que a magia é urn nto essencialmente voltaçlQ para a obtençao de efeitos práticos, a superposicão e a combinatona de analogias, { ç coniIiliades, co faiçs pod talvez, aos olhos do ( b'- observador retlrar a consistência logica do nto (corn a ' \ qual äf6,o rnico não está imediatarnente preocupa- do), aciescenta, aos othos do oficiante, rnaior eficácia/

\ jr J j/ ç)

Page 18: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

32 33

A "mentalidade primitiva"

o fato de que os padröes de pensa-mento são diferentes não impede o primitivo de pensar como nós. Nesse sentido seu pensamento nâo é mais nem menos lógico do que o nosso.

Lévy-Bruhi

Acompanhando as interrogacães inauguradas por Frazer, o filósofo Lucien Lvy-Bruh1 parte em busca de uma definicAo mais acabada desse "pensamento primitivo", que, por estar inteiramente embebido no misticismo, desa-fiava a crenca na universalidade da razão. 0 raciocInio e a reflexão nao seriam então faculdades naturais e cons-tantesdo espIrito humano?

Em sua obra Lëvy-Bruhl procura penetrar os cantos mais obscuros do sistema de idéias dos povos que ele chama de "primitivos". Mas, contrariamente aos observa-

ç4ores seus contemporâneos que pressupunham que o espI-rito desses povos Se orientava segundo os mesmos hábitos

'r mentäiäqdos nossos, Levy-Bruhi abandonastu1ado daiThtrddR1e espintos e sai em buia de unfa"menta-lidade primitiva" tal como ela se mandesta nas znstituicöes e representacöes co1etivsdéssas sociedades. Assim fazendo,

VI

diz ele, "a ativtdradó in.entai dos primitivos não será mais interpretada como uma forma rudimentar da nossa própria mentalidade" 2• Ela aparecerá como normal, desenvolvida e complexa quando considerada no interior das condicöes em que se exerce.

- Duas caracteristicas principais definiriam, para o autor, a "mentalidade primitiva" como diferente da menta-lidade racional: sua funcionalidade prática e seu as ecto mstico

2 La mentalité primitive. 15. ed. Paris, PUF, 1960. p. 15.

A aversão do "pensamento primitivo" pelo raciqc Inio mais alistrato se deve ao fato de que toda sua energia reflexiva está voltada para os objetos da vida prática - a V IL .p_ caca, a pesca, a comida -, for' dos qüiis qualquer refle-xao se torna sinônimo de tristeza e aborrecimento. Levy--Bruhi dá o exemplo de urn observador que perguntou a urn esquimó: "Em que pensas?" E ele respondeu: "Vocês, brancos, se preocupam demais com os pensamentos; no's, esquimós, so pensamos em nossa caca e nossa came: tere-mos o bastante para a longa noite do inverno? Se a came está em quantidade suficiente, então näo precisamos mais pensar".

A qualidade essencialmente mIstica da "mentalidade primitiva" faz corn que esta seja capaz de perceber rela-çöes lá onde nosso pensamento costuma conceber elernen-tos isolados. A essa caracterIstica Lévy-Bruhl dá o nome de "mentalidade participativa". Vejamos então de que ma-neira essa mentalidade opera.

A Iógica do concreto

0 modo depensar4pijcmem primitivo" está pro-fundarneiiie ñircado pela sua vida coletiva Nesse tipo de o?gan1zaco öFaI o individuo e pouco demarcado do conjunto dos membros do grupo. Essa maneira de viver cria hábitos mentais. Contar, por exernplo, no sentido ant-mético da palavra não tern para o "homem primitivo" a mesma importância que tem para nós. Assim, sua memória guarda a imagem de conjuntos numéricos (que não são confundidos entre si), rnas as unidades nao são isoladas. Ele usa termos genéricos, tais como "muitos", "uma multidão", "uma massa", ou então imagens do tipo "tantas quantas as estrelas do céu" ou "tantos quantos os dedos da mao", para expressar quantidades maiores ou menores, cujos nürneros exatos jamais são conhecidos.

Page 19: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

35

Esse traco caracterIstico da "mentalidade prifeseria, para Lévy-Bruhl, urna evidência de que ciaregida, corno a nossa, por urn ideal conceptual aristo A abstraçao, a ge1rerallade ñäo está contida nas idéias. 0 elemento de é objëtó de percepcäo inte- lectual: cia é rnais séntida do que pensadaj.era1jIade é, Assirn, em- bora se possa dizer que a crença na existência de forcas invisIveis exige urn reconhecirnento da generalidade, esse reconhecirnento nAo se faz através do uso de conceitos

tir-se, perrnite ao sujeito reconhecer sua natureza. Lévy-Bruhi nao chega a afirmar, é claro, que essa

categoria afetiva é exciusiva da "mentalidade primitiva". Eia é talvez rnais faciirnente percebida nas "sociedades prirnitivas" por causa do papel preponderante que tern em sua vida as rn!oes ernocionais. Segundo dc, onde o modo conceptual de peáiédbsenvolveu, os elementos inteiectuais tornararn urn lugar cada vez rnais importante nas representacöes relativas ao rnundo sobrenatural. Mas

1. a categoria afetiva do sobrenatural subsiste ainda. Nenhuma reiigiäo pode ignora-la.

A Iogica da participacão

Segundo Lévy-Bruhl, a atividade cotidiana do homem "civilizado" irnplica, nos seus mInirnos detalhes, a crença na invariabilidade das leis naturais. Mesrno quando nos apaiEiiitarnente urn fenôrneno rnisterioso, para o qual näo ternos explicacäo, supornos que nqssa ignorância é transitória, que as causas existem e que cedo ou tarde sero corretarnente detiiiñidis.A natureza do meio em que nos rnovernos é de anternäo intelectualizada.

A atitude do "homem primitivo" é bern diferente. No neio em que ele se move, todos os objetos e seres são

concebidos corno estando rnergulhados nurna rede de par- ticipacôes e exclusOes rnIsticas. Assim, quando algo acon- tece, qje Se voltanaturalmente para b sobreñatural.

0 princIpio logico irnplIcito nas representacôes rnIs- ticas do "pensarnento primitivo" é a, lei da, particico.

ao objçtiva de acAosobre- nata1eqt1eqaeta.umi iojta todas as gras, porque tudo estáligado nurna rede de participacäo. Segun- do essa lógica, nenhum homem, por exernplo, revela seu nome a urn inirnigo, pois, do contrário, este terá para sernpre o portador do norne nas rnäos. Do mesrno modo o pai participa em seu filho. Quando este adoece, o pri- meiro é quern torna o remédio. • A nocäo de participaãoj4ijizada por Lévy-Bruhi ()

está rnuit6pr6iiina dos principios de associacão de idéias implIcitos no pensamento rnágico tal como foram descritos por Frazer. No entanto, enquanto para este tiltimo as leis da rnagia nada rnais sAo do que o resultado de u_racio- cInio incorreto, uma dedçäo equivocada do funciona-

- meiiigrbm determinadas condicOes sociais. Pro- ' curar definir o "pensarnento primitivo" através da lógica da participacäo não_significa, para Lévy-BruJrnpao " primitivo" inabilidde qualquer deàciocInio. Trata- _uma -Se de defnir certoã pensamento, certos axiomas, que orientarn determinadas representacães.

o "pensamento primitivo" ye o mundo que o cercal da mesrna rnaneiiaque o áosso.. A diferença. esla na pejcepçao. Enquanto as nossas representacoes coletivas nos fazern perceber as coisas de maneira objetiva, as ( representacôes coletivas "primitivas" percebem os objetos misticamente. A realidade ern iue os"Drmiüv os" yi'vem é toda ela rnIsticä tuclo que nós vemos ihes escapa ou ihes é indiferente, enquanto des vêem coisas das quais nem sequer suspeitamos. Todo homem percebe apenas uma

Page 20: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

I 36

pequena parte daquilo que é capaz de ver ou de ouvir. Para o "primitivo" essa selecao se faz na base da afetivi-dade. Por exemplo, ele presta rnuito mais ateñcao do que n6srfias ,sombras porque Para ele as sornbras são airnas, enquanto Para nós são simples negacao da luz. A dença

,g'Pura, pois, certos tipos de percepcão. As_repreiacoes, pe1aIores dë Etro nfuñffo, produzpdo percpcOes desiguais.

A Iógica da causalidade mágica

Embora o pensamento mIstico diferencie o mundo natural do mundo sobrenatural, essa distincao nao aparece em suas representacoes. 0 sucesso ou o fracasso, o bern--estar ou a desgraca, a vida ou a morte dependem da acão de potências invisIveis. A julgar pela banalidade corn que o "irnpossIvel" acontece, observa Lévy-Bruhl, pareceria que o próprio sobrenatural fazparte da natureza. Para o "primitivo" nada e incompatIvel corn a experiência objetiva do mundo tudo pode acontecer. 0 mundo sobrenatural é Qbjeto de urna experiência constante, inseparável da expçnciaordinária.

despié6àüpacão aparente do pensamento rnágico c3ih relacao ao encadeamento lógico das causas advém,

gundo Lévy-Bruhl, desse apelo constante ao so nvktllra i

na explicacão dos acontecimentos. As ligacoes causais, que Para nos são o prójiiEio fundarnento da realidade, são secundárias Para o "pensamento primitivo". Para esse sis-tema de representacöes, o que nos chamamos de ëausa nada mais e do que urn 1ntrumento a servico de forcas ocultas. Fossern as causas diferentes, o acontecimento teria se produzido de qualquer maneira: a ocasião poderia ter sido outra, o instrumento diferente, mas o fato seria o mesmo.

37

Comparando o pensamento lógico ao pensamento mágico, Lévy-Bruhl observa que, quando acontecimentos nefastos se verificam ern nossas vidas, buscamos sua expli-cacao no conjunto das circunstâncias concretas em que eles se produzem. Procuramos, por exemplo, uma relacao de causa/efeito entre excesso de chuva e ma c1hftrirll-cai1cesso pelas condicOes rneteoro ogicas. Mas não nos perguntamos de onde vem esse stibito desregramento da natureza: não saIrnos da esfera dos fatos verificáveis. Para o "pensamento primitivo" o que ha de pior na des-graca não é a desgraça ern si, mas o presságio de acidentes futuros, que acontecerão nurn encadeamento infindável se as forcas nefastas nao forern neutralizadas. Assim, ernbora mao ignore as relacoes naturais e positivas dos aconteci-nentos, o pensamento mágico se interroga principalrnente obre a origern e o destino das forcas mIsticas que os pro-

duziram. A "rnentalidade primitiva" vive num mundo onde i j

inilmeros poderes ocultos estão a todo mornento presteL a agir. Os acontecimentos do mundo visIvel dependern a todo rnornento das potências invisIveis. Vem daI a impor-tância dos sonhos, dos presságios, das adivinhacOes e da magia. Por aI explica-se também a aparente negligencia dessa forma de pensamento com relacao as causas objetivas dos fenômenos. Se urn hornem se fere nos galhos de urna árvore, se os nos secam, árvore e chuva não constituem a causa eficiente do acontecido. El as nada mais são do qu

mentbd Ut aisn atisf az. A atitude do "homen primitivo" éoutra: ele procura suas respostas na

acaso naoexistern, 0

nasciinento e a rnorte não são da ordempjpnte

Deum modo geral, quando urn homern rnorre, diz-s que foi condenado por urn feiticeiro. A rnorte por acidente

Page 21: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

38

nada mais é do que o resultado de uma magia ma1éfica. 7 A morte violenta,rnnr-cumbalentretribos, por exemplo,

se explica pela perda momentânea da habilidade do guer-J reiro de aparar o golpe mortIfero por efeito da magia. Não

se concebe a morte simplesmente pela doença: a doença, quando segue seu curso normal, não leva a morte, a

- menos que se dé a intervencão da feiticaria. Para a "mentalidade primitiva" o acidente e o acaso

nao existem. E isso não porque esteja convencida do determinismo rigoroso de tudo que acontece. Ao contrário,

%. f elapreocupa corn. dterminismo porgueusgs A estão reveladas de aatemiia. Lévy-Bruhi dá urn exemplo interessante dessa exigéncia de uma causa que explique todo acaso

- Durante uma reuniAo de domingo numa tribo africa- na, urn homern atira uma Ianca nurna árvore. Ao cair, a lanca ricocheteia e atinge o pescoco de urn veiho, matando--o. A morte teve que ser irnediatatnente vingada, e seu au-tor, voluntário ou involuntário, punido. E isso porque afir-rnar que foi urn acidente não responde as questöes: por que a lança, ao cair, cravou-se justamente no pescoço do veiho e não na sua frente ou atrás dele? Como tornar evidente -a ausência de intencão daquele que a lancou? A intençäo

Y poderia existir ate rnesmo sern que ele o soiiss. Os lr~feiticeiros no téni ziécessiriàneñte consciência da acAo

O'pçnsmento prirnitivo" não procura, pois, conexöes 7 'jusais objetivas porque nâo tem1smesmas exigências / /logicas que o iossTo Suas representaçôes coletivas são,

Co

möthàihaLevy-Bruhl, "pre-1oguas" Isso não 51gw-Y rfica que o "hornem prirnitivo seria incapaz de pensar

coerenternente, mas, sirn, que suas crenças são incom patIveis corn ump visão cientIfica do uuiVjonsa

39

mento "pré-lógico" não se preocupa em evitar_contradiçOes. E1&I regid eaei da prflpacão: porque tidsTá ligado a tudo, duas coisas podem ser ao mesmo tempo distintas e idénticas. 0 pensamento mágico-reli ioso ë, portanto, urn pensamento 1' ae de premis- sas diferentes auea_gueoiientainnossopensar. —

Repensando a causalidade mágica

Lévy-Bruhi foi um dos primeiros autores a abandonar a explicacao da magia e da religiao através de uma teoria de suas origens. Aceitou-as como consumadas e procurou encontrar sua estrutura rnter,E1e acreditou eniiF1a aoeftnir xttTaima "mentalidade primitiva", tao lógica quanto a nossa, mas fundamentalmente distinta .

dela. No entanto, apesar da contribuicao de Lévy-Bruhi

para a compreensão dos mecanismos do pensamento ma-gico, hoje não é rnais possIvel aceitar a teoria da "menta-lidade primitiva". Em primeiro lugar porgue, sessa men-talidade fosse assim tao distinta da nossa, serlarnos

porque é virtualmen einrnQsyel definir o "homem pri-mitivo". Nos exemplos coligidos pelo auEinesees-4ui11T1, melanésios e africanos aparecem lado a lado nurna indicacão de que primitivo é quase tudo aquilo que difere de nós mesmos. 0 prórniai toecoiilecen in da vida, que ser distinguida deQutr,pe10 seu carater_rnIsticoepré--1ógicó : Tendo partido da hipótese de que sociedds coiiiuturas diferentes têm lógicas diferentes, ele se ye obrigado a postular uma "lógica pré-lógica", cujos critérios ( de racionalidade acabam por não ficar esciarecidos.

8 LVY-BRUHL, Lucien. Camels. Paris, PUP, 1960.

Page 22: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

40

Finalmente, os "povos prirnitivos" são mais práticos, mais próxirnos da realidade objetiva do que as descricoes de seu misticismo deixarn perceber. Sua "incapacidade de distinguir as contradiçoes evidentes" nada mais 6 do que uma ilusão do antropólogo, que alinha lado a lado cenças que, nrea1idadeseencrnemdiferentessituaçoes e nIveis de epjeia. Não é muito óbvio por que Se--deve cómparar a magiá e a r1igiao prirnitiva corn a ciência ocidentt em vez de cOmpará-las corn nossas próprias religiOes. Esse tipo de cornparacão transcultural àcaba re,resentando o "prirnitivo" como mais mIstico do que ele realmente 6.

Por outro lado, afirmar que "urn homem é urn croco-duo" não significa que o autor da afirrnacao 6 incapaz de perceber contradiçOes. Duas coisas podem ser ao rnesmo tempo distintas e idênticas em diferentes nIveis: hornem e animal são ao rnesmo tempo distintos e idênticos porque seus atributos se adicionam.

Não ha contradi ao al uma entre a explicacao causal e a . ri uir ao acaso a rnte eTorcas mai aisernmto djaao. E tentar explicar por que duas cadeias de eventos que tende-riam a permanecer independentes se cruzarn num espaco t nurn tempo determinados.

A causalidade nos sistemas da bruxaria africana

0 antropólogo inglês Evans-Pritchard retorna critica-rnente o trabalho de Lëvy-Bruhl e procura compreender o sistema da bruxaria africana corno uma teoria das causas. o probi aqueoafricano procura solucionar com sua crenca na bruxaria 6 o seguinte: por que acontece a mim, e nao aos outros, uma desgraca? Corn efeito, o hornem cujo filho se afogou viajando numa piroga se pergunta: "Se ele viajava corn freqtiência nesse rio, no qual sempre '

41

ha hipopótarnos, e nunca lhe aconteceu nada, por que / nesta exata ocasião o hipopótarno resolveu atacá-lo e afogá-lo?" Nós dizemos que foiarnájoç que. propcou o encontro entrranirna e menino. Eles dizem que foi bruxari—a'

o africano sabe perfeitamente que o rnenino morreu porque seus pulrnoes se encheram de água. No entanto, se diz que foi a bruxaria a responsável pela sua moPe,

curaPlicff uma coinciden:iaa adeIxa priirnorreu" uma pessoa. Nesse sentido, longe

de significar um descaso para corn os determinismos causais, corno queria Lévy-Bruhl, a crenca na bruxaria apontaria para uma mentalidade extremamente sensIvel as relacOescausais. Ela anteciparia re1ies causais entre fenôrnenos onde o pensarnento lógico não ye re1acao nenhuma.

A crenca nas forças maléficas da bruxaria não impede que o africano reconheca a falta de habilidade e os deslizes morais corno causas de desgracas. Se urn artesão princi-piante deixa quebrar seus potes no rnornento de queimá--los, não pode culpar um bruxo pelo acidente, pois nm-guérn lhe dana crédito; rnas, se a urn artesão experiente, que segue corretamente as regras de seu ofIcio, acontece 0

mesmo, a afirrnacão de bruxaria passa a ser encarada corno procedente.

Mas o africano vai mais longe. A bruxaria não ao acaso. Ernbora a bruxaria seja uma saöincons- ciente - o suspeito nunca sabe se ele e ou nao urn bruxo -, sabe-se que o bruxo sempre procura atingir as pessoas que odeia, que inveja ou corn quern brigou. Assim, quando algurn rnalefIcio acontece, a lista de suspeitos se compöe das pessoas que, por uma razão ou outra, estào em conflito com a vItima. -

Page 23: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

42

0 sistema da bruxaria enquanto uma teoria das causas das desgrnça esta, pois, 'in6u1adb ireTtçöes pessoals entre vitimas e vizinhos Nesse sentido, controla, comanda e explica as relaçOes sociais entre os hornens. E, na medida em que explica a interseccão de duas series de acontecirnentos rnediante a antipatia entre pessoas, opera num campo distinto daquele em que o faz a ciência.

Dentro da rede de crencas que constitui o sistema da bnixaria, o africano pensa de forma tao lógica quanto os öcidèiifaiina rede do pensarnento cientifico Se prote- gemos, pôr exemplo, nossa casa corn urn pára-raios e rnesmo assirn cia é atingida por urn raio, dizernos que a haste foi rnai instalada ou que os cabos estavarn soltos. Se o africano protege sua aldeia corn a magia da chuva e ainda assirn os carnpos perrnanecem secos, dirá que o rito foi mal feito ou aigurn tabu transgredido. Assirn, con- clui Evans-Pritchard, a rnente dos povos africanos trabaiha orn os rnçsrnos mo1e1os lógicos aue a nossa. anas

no siste- ma dWhicana iWa o rnesrno tipo de fundarnento que

• a crença na teoria da conspiraçAo na história, no valor • terapêutico da psicanáiise ou, enfim, em qualcuer propo- sição que se apresente de rnaneira não-verificavel

-Ii

Magia e pens amento: o social como modelo

Para Marcel Mauss a vida social é urn rnundode pessoas,

idetas para alguérn: ele está sernpre no lugar da coisa representada. Os sisternas simb6licos são seE_uma conqp individuais nAo são sim- bohcas em sT niesmas elas ganham sentido e rn reracao a uma cultura dada Todo sistema siiiiboliEö eprhne asp&itos da realidade fIsica e social de urn gnipo humano determinado. Assim tarnbérn o sistema da rnagia. Corn-preender os sisternas rnágicos corno sisternas sirnbôli&s signifiOrtanto—perguntar o que eles nosdiñjpj,re as socied ade s ue os produziram Coercornoos homens pensarn diz aigo a respeito de cornoelesgo.

Mas para Mauss o espIrito do hornern tern uma história: o homern nAo pensa sernpre da rnesrna maneira em todos os lugares. E a história do pensarnento é a históriadasocjedacje. -Bruhl por não ter sido historiador suficiente ern sua análise. Se ele tivesse cornparado corretarnente as socieda-des "prirnitivas" as nossas sociedades rnodernas, teria se dado conta de que existern entre as duas mais semelhancas

Page 24: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

44

do que as Que ele realmente admitiu. As práticas adivinha-tórias persistern, as crencas rnágicas nao parecern tender ao desaparecimento, as nocOes teologicas de expiacão e pecado contérn as mesmas contradicOes que dc denuncia nas crencas "primitivas".

Por outro lado, continua Mauss, não se pode corn- preender urn pensarnento qualquer (seja ele "primitivo" ou "civilizado") restigindo-se a avaliacão de sua lógica interna. E preciso ir alérn e procurar alcancar quais as èrnocOes, as intençOes, os valores sociais fundamentals sobre os quais se assentarn tais pensamentos. Por não ter percebido isso, Lévy-Bruhl reduziu a idia de "participa-cão" a uma simples incapacidaae do "primitivo" de per ceber diferencas Na verdade a "participacão" e desde o corneço uma tentativa de estabelecer relaçOes entre as coisas. Ela sipOe ao rnesrno tempo urn esforco para con- . fündir e urn esforco para fazer aparecer. Assirn, um ritual magico de cura pode ser considerado urn ritual de "parti-cipacão"; rnas isso não nega o fato clbele ser antes de tudo urn ritual de revelacão rnostra aos novos crentes que aqrnlo que lhes aarcia corno doenca tm a ver corn a existência e atuacão de seres espintuals invisiveis

Todo ato sirnbólico é um ato social em que o hornern se identifica corn as coisas e identifica as coisas Lbra ele. Nesse processo guarda o sentido das sernelhanças e dife- rencas que dc rnesmo produziu. Não basta descrever urn mito ou urn rito mágico e apontar suas incoerências e confusOes. Paracompreendê-los, por detrás de sua aparên-cia cQtraditória é preciso ana1isar a oanizacão social que Ucnou.

TäiiIilustra esse procedimento ern sua análise da nocão de "pessoa"'. Corneca criticando Lévy-Bruhl por )

LF 1 MAUSS, Mrce1. Representations collectives et diversité des civili-sations. In: -. Oeuvres. Org. por Victor Karady. Paris, Minuit, 1922. v. 2. ~7

45

ter limitado seu estudo do "pensarnento primitivo" a uma simples descricao de suas categorias. Isso o levou a con-cluir que os "primitivos" são incapazes de distinguir alma e pessoa. Mas não basta afirmar que ern grande nürnero de sociedades "áimà e "pessoa" aparecam como sendo a mesma coisa. E preciso compreender a razão dessa indis-tincão. Para Mauss, a razão está no fato de que a perso-nálidade e a alrnavêm, como o nome, da própria sociedade. o nome designa o coiijuntó de posicOes especIficãs que o indivIduo ocupa em seu grupo. A posicao do indivfduo em seu cia, em sua farniia, no conjunto da vida social, define sua personalidade. Alma, pessoa e posicão social sao, pois, uma so coisa. -

Assim, embora o estudo da magia nos permita corn-preender como se apresentam as categorias do entendirnen-to no espIrito do "primitivo", para Mauss é preciso deslo-car o foco da reflexão antropolOgica. Os fenôrnenos rnágico- -reiigiosos não podem ser simplesrneiii?ni a partlr da forma qie adquirern nas consciências mdividuais As operacöes mentais da magia não poclem se iedüzir simplesmente ao raciocInio analOgico e a aplicacaes con-fusas do princIpio de causalidade. E preciso_descobrir qual I/; a parte do social que se manifesta no pensamento mdi- / viduIt

Quando as pessoas se Juntarn, quando con formarn seus ges tos a urn ritual, suas idélas a urn dogma, estão elas rnotl-

vadas por intencöes purarnente individuals ou porintençöes cuja presenca ern sua consciência so Se explica pela pre- senca da sociedade? 2 -

A magia não é uma prática individual em que urn mais esperto abusa da creduiidade dos outros. Na magia 0

individuo age dingido pela tradicao ou, pelo menos, por

2 1d., ibid., p. 121. t

Page 25: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

46

urna sugestão que ele dá a si mesmo sob pressão da sociedade. For mais isolado on carismático que urn ma-gico seja, a magia so funciona porque pela sua boca é a sociedadeqem fala

0 problema da razão

As peraçöes mentais da rnagianão se reduzern a aphcacao d icoiIjicos Muitos autores tern con- cordao corn Lévy-Bruhl ao perceber que elas comportam verdadeiros julgarnentos, julgarnentos de valor, fundados, portanto, mais na afetividade do que na razão. Os julga-mentos de são menos racionais que os jul-garnentos objetivos. A logica racional tende a opor radicalmente inteligência e sentiffientos. NöIñtantO, quan-d Se estudam sas -d -as1 icac na consciência dos indivIduos vivendo em grupo encontramo-las intimarnenteJ. associadas. Corn efeito, os julgamentos e raciocInios irn-plIlisna magia e na religião são aqueles mais funda-mentais para o grupo corno urn todo. A dirnensão afetiva não retirao n9rdesse pensarnento ja cjüe a Iógica que goveriia o pensarnento coletivo é mais exigèñtè do que a que gverna o pensamento individual. As necessidades reai muns e constantes qie a magia satisfaz dão a ela sua riô de ser, sua coerência E claro que as ideias dos

I gruos podem ser feitas de elernentos contraditórios. Mas as contradiçöes são ao mesmo tempo inevitáveis e iiteis. For exemplo, o espIrito de Exu na umbanda é urn ser espiritual maléfico que trabalha para o bein. Essa aparente contradição e j Ln1eserndpensave1 hde se equili - braisaimentose sensaçOes que são tarnbern contradito-rias: o bern para urn se acornpanha do mal para outro; Exu é urn espIrito inferior porque maléfico, rnas, porque inanipula o mal, 6 superior aos outros espIritos.

47

E porqgg simpoliza -cer-tos aspectos fundamentais da vida coletiva que a magia sôntido preciso, pois, peëmc con textterrninado, que tipo de , sirnbolisrno envolve o pensarnento e a acao rnágica. E k preciso saber ern terrnos de que tipo de representacão as pessoas acreditarn que a magia é eficaz.

Pensar e classificar

A magia, cornoqualquersisterna de1ensarnento, clas-sifica os seres e as coisas 0 propno espaço do nto não é homoge.ne6, poderido ser diferenciado através de oposi-cOes tais corno esquerda/direita, alto/baixo, fora/dentro, sagrado/profano etc. Tarnbérn as entidades espirituais em ação se diferenciam: são masculinas/femininas, brancas/ /negras, superiores/inferiores etc. A organização dessas entidades pode realizar-se a partir de combinaçöes multi-plas. No caso da umbanda, por exernplo, os seres espirituais se organizarn nurna hierarquia onde cada linha de espIritos se agrupa ern legioes, falanges, subfalanges etc. Dividir o rnundo e as idéjas ern classes é uma maneira de esta-

classificar uIjcaopensa-mento porque mantrn asidéias ligadas entre si.

Mas quais a Mrcas qué induzenros hóhIéii a separar e ajuntar as coisas ern diferentes classes? - Para Mauss e seu mestre Durkheim, a hierarquiaica 7' nada mais e do que urna traciucao aa hierarquia social.

aia sprque se concebern a si rnesmos corno organizados ern diferentes grupos e subgrupos. As idéias se relacionarn do mesmo modoque oshomens seciiiiiii Pre em des- vendar as primeiras categorias 1gicas utilizadas pelo pen-samento humano, Mauss e Durkheim voltarn-se para a analise da Observam então que esses povos, or estarern organizados

Page 26: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

8

em duas classes matrimoniais complementares (as fra-trias), classificam a natureza em duas classes opostas. As coisas, os seres, as idias são masculinos ou feñi1inos e pertencern necessariarnente a uma ou outra fratria. Os homens ciassificavarn, pois, as coisas porque estaam eles mesmos divididos em classes1 clãs e subclãs os própnos quadros da sociedade serviram de base ao sistema. No inter1rdessa lógica que atribui qualidades hurnanas as coisas, seres e objetos pertencentes a uma mesma classe são considerados parentes; asrelaçoes Iógicas são, portanto, relacöes domésticas; as sas se sübordinam do mes 0 modo queThhomensrTe subordinam. Coisas re acionadas corn o chefe são superiores, o que, do ponto de vista das idéias, se traduz ern rnaior grau de abrangência e abstracao: as relacöes lógicas acompanharn a linha das relaçöes socials.

Se as coisas se atraem e se opoem do mesmo modo que os homens, o sistema que as classifica traduz os lacos afefii6iiiiiiem grupos e pessoas A análise de Robert Héufzsobre a polaridade esquerda/direitapoe em evidên-

tpa o caráter afetivo dasclassificacoes Para ele, a oposicao fundo dèiódá oposicão dual é aquela

que fundamenta a própria exiStiii da vida social oposicão entre a vida e a moPe. Tudo o que promove e alimenta a vida é pensado comóirado, e tudo o que a dirninui é profano. Nesse sentido, a saüde, a coragem na guerra, a excelência no trateiho são sagrados, enquanto a covardia e a imperIcia são profanas. Essa..iiIi4ade vida/sa rado, morte/profano orienta todas as outras opo- sicoes que Os sistemas : uz revas (a uz está do lado da vida; as trevas, do lado da moPe), mascuhnotfeminrno (o homem esta da cultura - e, portanto, é sagrado; a muiher ameaca a cultura, dela vêm os males que ameacam a vida - portanto, é profana). A polaridade esquerda/direita seria

49

um caso particular desse dualismo que caracteriza o "pen-sarnento primitivo". Na magia adivinhatória, por exernplo, essa polaridade adquire papel importante para a interpre-tacão dos desIgnios divinos: o que vem da esquerda geral-mente anuncia maus presságios, o que vem da direita anuncia felicidade 3.

0 estudo das classificaçoes mostra, pois, que as coas1 não são simples objetos de conhecimerito 'tas se aiipam e se opöem ern funcao de razOes rnais sentirnentais do que intelectuais. Elás são amigas ou inimigaTaöiãvèfs ou deifävotáveis,' sagradas ou profanas. Ha afinidades senti-mentais entre as coisas do mesmo modo que entre Os homens, e é de acordo corn essas afinidades que elas se classificarn. Porque afetarn diferentemente a sensibili-dade social de cada grupo, as mesrnas coisas são c1asi-

ñas divers-as sociedadë.O ë6ñ1iid6 por nsóth6Sndo

perfeitamente hornogêneo e indiferenciado, é percebido por9j)' muitos povos corno heterogêneo. Cada região teria virtudes distintivas e urn valor afetivo próprio.

A lógica que orienta o "pensamento primitivo" dif e- - nna da sopropno pensamento na medida em que a iimeira classifica eZ a se nda classifica conceitos

* tyt 5pY)

Seguindo a t radição da antro olo ia francesa, iLevi-

do"pensamentproema ii1tvo" e-Strauss retomao desveiimento de sua lógica Anali-

sando a ffñ iagem de rnuitos povos, procura demonstrar

3 HERrz, Robert. A proeminência da mao direita: urn estudo sobre a polaridade religiosa. Religiao e Sociedade, (6), Rio de Janeiro, Tempo e Presença, 1980. Orig. frances: Sociologie religieuse et folklore. Paris, PUF, 1970.

Page 27: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

a falácia do argumento, corno o de Lévy-Bruhl, que invo-cavjmasuposta inaptidao dos " ñiitivii" paia o pensamentoabstratp. Citando urn exemplo da o1stvaào de f6ás entre os chmuques da America do Norte, ele

( mostra que a lingua indIgena recorre corn freqUência a conceitos abstratds para designar propriedades ou qual'-

- dades das coisas. Por exemplo, para exprimir a idéia de qüEóni mau matou a pobre crianca", o chinuque diz "a maidade do hornem rnatou a pobreza da crianca".

Outro preconceito freqtiente na antropologia 6 o de que os hornens "incivilizados" vivern subjugados pelas orcas hostis da natureza; sua inteligência, estimulada pela ostilidade do rnundo, só seria capaz de pensar o que é til e necessário para a sobrevivência social e orgânica.

Levi-Strauss é urn dos primeiros a dizer que o "primitivo" - ,pensa a si e ao mundo pelo sirnpJs wazeRde cpnecer.

Eéisentidôo1'pensIuthénto primitivo" se asserneiha ao pensamento cientifico: os dois abordam o universo tanto

(corno objo ps ent quanto fazeriicessi4a4a 0 conhecimento botânico que os mdi-genas tern não está determinado, como queria Malinowski, pela necessidade de corner. Na rnaior parte dos casos, eles

\ são capazes de dar norne e classificar a totalidade dos \recursos naturais de que dispoern. Levi-Strauss arrola exem-:plos retirados das rnais variadas regiães do rnundo: os /fang, no GabAo, são capazes de perceber as caracteristicas

) genCricas de todas as esØcies vivas; os hanuoo, nas Fili- pinas, utihzam e conhIffiuiiiëiFamente a flora local; os

I indios tewa, no Novo Mexico, tern norne ja—ratodas as espécies coniferas da região, mesrno aqueias que o hornern 5 branco é iiiraz de distinguir. Tais exernplos indicam que a utihda4e nJQ 60 cnterio que orienta tãbVãtöconhe-clmentoAspgjs.J1äLLsão.cQflJ1ecidas porque são uteis,

4 LVI-STRAUsS, Claude. 0 pensamento selvagem. São Paulo, Na-cional, 1970.

rL

51

observa Levi-Strauss, "rnas são classifiLadas fiteis ou inte-n4 ressntespO?qüê são prhniro oñiedda

Cie o uiUo drhamtha , corno já dissernos,.. estabe1ecerjasjficacOes. Pode-se, no entanto, questionar) se as classificacães produzidas pelo pensamento rnágico tern eficácia no piano prático. No entanto, antes do que sua eficácia prática, o queJporta em tal ciência é seu

- aráter especulativo. Colocar eiernentos difereites nurna In algum princfpio de congruência 7Q4.

Mntre as coisas, é introduzir urn princI io de ordem -no

classificacaoeme hor clesor *0 dern: a exigêñë ö?dñiestá na base de qualquer ti

- de 5ensarnento Os rifuais rnágico-relijiosos parncipm des exigência ciassificatória na rnedida ern que cada

' gesto, canto, invocacão atribui a cada coisa seu lugar. .I Essas consideraçães ievarn Levi-Strauss a afirrnar que

o pensamento rnágico se distingue da ciência não pela sua ignorância das causas reais que afetam os fenômenos, mas, ao contrário, "por urna exigência de determinio 0 mais iasa e njAb itfii get" do que a postulada pela ciência. Enquant6 esta áltima diferencia nIveis e for-mas de determinismo, o primeiro formula a crença num deterrninisrno global ern que as leis de causalidade sAc pressupostas e arriscadas antes de serem concretarnente conhecidas. Os ritos e crenças mágicas poderiarn,pois, sei7 conerados unirethsposiçAo inconsciente do espTrito "pnmitivo" para compreender, muito antes do nascirnenIo JAJ %4

daTflra "verdade do deterininismo corno modo de ) existência dos fenômenos centIficos" 6 A qualquer explica.J cäo cientIfica sempre corresponde a descoberta de urna "ordenação", observa Levi-Strauss. Toda sisternatizaçAo dos dados sensIveis, rnesmo se ela se insp1raeTn princIpios nAocIemffto56 e

AId., ibid., p.29. 6 Id., ibid., p. 32.

Page 28: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

53

lq~ Magia e ciência

0

Segundo Frazer, a magia estana mais próxima da ciência do que a religião. Apesar de considerá-la "irmA bastarda da ciência", Frazer ressalva seus efeitos positivos para a evolucao da humanidade.

Em primeiro lugar, a magia contribu aro forta- lecimento de uma série dethtitiiçães sociais, segundo ele de primeira importância, tais ç op9f real e o Estapofl4apr1Vada, o casamento todas. elas fuidarnentais "susteiaculos Ia socieade—ewthzada" A magia age, pois, em benefIcio de toda a comunidade. 0 mágico se torna urn funcionido üblico, o que significa um importante passo para a evolucão po Itica e religiosa da sociedade. A magia püblica tende a colocar o controI\ da cornunidade nás mãOS dos maisinleligentes e hábeis, ja que o fëiticëiro é iquëiiidividüö que domina-os demais, explorando sua supersticão ern proveito próprio. Quàndo a prosperidade do cia on da tribàinteirä depende do sucesso dos ritos mágicos, tais como os ritos dos fazedores de chuva e dos medicine man, a profissao de mágico atrai os homens mais inteligentes e ambiciosos da comu-nidade. Nesse momento a magia contribui para a eman-

cipacao da hunianidade: ela permite a substituicão da demo-cracj_vgcm. baseada monji. 0 selvagem nAo é livre; ele é .escravo do pas-sade da tradicao. A magia abre caminho para o talento, dá autoridade as habiidades humanas, contribuindo assim para arrancar a humanidade da selvageria.

Em segundo lugar a magia esta na origem da- cincia modern, E isto porque, legundo Frazer, a magia admite como pressuposto que urn acqntcuneflto resulta de iutip necessana e invanavelmente, sem a intervencAo de agentes11 espirituais. Todo o sistema repousa, pois, na certeza, talvez cega, mas real e firme, de que a natureza é uniforme e ordenada. 0 mágico esta convencido de que as mesmas causas produzirao sempre os mesmos efeitos. Assirn, ele so será eficaz no exercIcio de sua arte se respeitar estrita-mente as regras da natureza tat como ele as concebe

Não ha divida de que o evolucionismo frazeriano, associado aos pressupostos do liberalismo europeu, é inca- paz de explicar corretamente a passagem histórjc s

"democracias -nos que- e a abil hidade dos feiticeiros o papel de foco propulsor de transformacôes tao complexas é reduzir a história ao voluntarismo de alguns de seus personagens. Mas, além dessa visao reducionista da mu-danca, o trabaiho de Frazer se ressente

~Iic~erro ''01

metodoióocnI. Este consiste nacão iiidëTda de categorias tomadas de empréstimo de nossa mentalidade para compreender sociedades diferentes. Fra-zer retoma nocães tais como "congilidade", "similitude"Jy)" "causalidade" e procura analisar como elas operam no peiirnento mágico. Entretanto essa anfilise intelectu js a, / , que retira da magia todo elemento mistico e afetivo, só( pod evôacoiiiitaroserrnseincoerênciasdesse pensamento. Esforçando-se em descobrir na magia as on-

Page 29: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

c &to 54

gens da ciência, encontra nas sociedades que analisa os elementos que ele mesmo, a priori, ihes havia atribuIdo. y& antropólogo inglês B. Malinowski recusa a inter- pretacão evolucionista e procura compreender a magia a *partir das funçaes sociais a que ela responde segundo ele, o "hrnern primal vó" recorre a maga sei!re"gue seja 'CoMpelido a reconhecer?jmppjcia de seu conhecirnento

r4' )e1 tasracI9pjj, Para alguns povosapescá ná Tlàgoa, por exemplo, nao requer nenhum rito rnágico; posto que podem confiar por inteiro no seu conhecirnento e perIcia. o mesmo não acontece corn a pesca no mar, porque é perigosa e incerta. A magia controlaria, pois, ci jância( / em que a mar em eirnprevisi iaeemuitoamfia, e a presenca da adversidade, aguda. Para o "homern pri*d mitivo" trata-se,P°15L de ep1orar a natureza em seu bene-fIcioe burlar o destino. Ele diferencia as forcas naturais das forcas brenitiirais e procura utilizar as duas em benefIcio próprio.

Comparando o pensarnento mágico corn o cientI-fico, Malinowski afirma a superioridade do segundo sobre o primeiro. A ciência pode ser definida, diz ele, como urn corpus de regras baseadas na expenência, capaz deP produzir sucessos materials e encarnado nurna forma de tradição. Nesse sentido, os conhecimentos que o "homem prirnitivo" detó sobrrTa1üFé estãó nurnestggudi-

d conduta prática que ele conhece nao permanecem abertas ao con-trole pela experiência'.

Durkheim e Mauss, ao contrário de Malinowski, se preocupam menos corn o conteuido do pensainento mágico do que corn as categorias conceptuais corn que dc opera.

prisar do hornem "prirnjjvo &ra es.msendo análoga a nossa.pp

1 MALIN0WSKI, B. Magla, ciencia, religion. Barcelona, Ariel, 1974. p. 33-5.

' F

As classificacöes primitiva. nuidaderTâfficacoes que chamq1node cientths As duas apresàn os mesmos traços essencials: são sisternas de nocôes hierarquizadas em que as coisas não aparecem isoladas urnas das outras mas mantêm relaçöes entre si e formam um todo coerente; os dois sisternas tênlurna fin lidade especu1ativa - têm por objeto 5 nupLesjiçpte f1ffiar ou organizar a ac-ao, mas conhecer, tornar mte-ligivel a Thlaçao entre Os seres As c1asffiëacoes primitivas k visaifiido re1a1ónar idéias, unificar o conheci-mento. Pode-se afirmar que são verdadeira obra de ciôncia) e constituem uma primeira filosofia da naturóza.

No entanto ha urna dimensão em que, para Mauss, magia e ciêuibiã sâ diferenciam - a dfinensg64qt1v do / conhecimentoiflg1AiJjpor estar fundada na 1 e a análise de suai]iis cats. A emoção, sobretudo quando édàngem .coletiva, desafia \ o exame crItico e a divida. A magia 6 urn objeto de /4 crença por definicao. A experiênciaä contrar11iiãa (J4 co1ocëiiTo como_sistema. A prexerci1iTIo

urn de seus membros não permite aos indivIduos julgar ern liberdade as noçoes que a própna sociedade elaborou. Estas, por serem valores coletivos ) fundamentals, tornain-se sagradas. 0 sagrado constitui-se, J no limite, na encarnação plena da tot e em conseqUên~ci1114üisiiônáve1 pelos individuos. No fun- \ do, o rito realiza concretainente a homenagern que hornens tributain a sua própcia coletividade.

Assim, a história da c1assificaão cientifica 6, para Mauss, a história das etapas ao 1on&o das a1aiL.&e1c- d

yLL88

sivameiçatépermitiro surgjpentoda ciéncia. No entanto 0 pensainento racional não eliminou de todo os efeitos, ainda presentes, das classificacoesprimitivas: o suporte de toda classificacão 6 es—se­

Page 30: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

jikcA,. Qc;d 57

con/unto de hébitos mentals em virtude dos quals concebe-mos Os seres e os fatos sob a forma de grupos coorde-nados e subordinados uns 805 outros 2

A ciência do concreto

0 mito como bricolage

Apesar de tratar a determinismo mágico como uma forma de conhecimento que antecipa o pensa nto cien- tIfiLévi-Strauss se a reduzir a magia a uma foimardi.menidc. inda ara ele, magia iencia não são tipos de pensamen que se opôeñi nem a pfi'ineira ,CL

é urn esboco da segunda. São dais sisternas de pensarnentos articulados e rndependeutcs, serneihantes quanto ao tipo de operçsmetaisque exigern, mas diferentes quant ao tipo de fnômejiosaque Se aplicarn.

Para caracterizar o modus operandi desse tipo de pensamento, Levi-Strauss lanca mao da idéia de bricolage.

VU 0 bricoleur é aquele que trabaiha comas màos, conser- de reitos, pedaços

d outros objetos. into mItico trabaiha corn urn reper-

\ tório de eleinentos retiradoe outrosconjuntos culturais e por isso se constituiria nurna espécie de bricolage inter

-- ', 1ectEsse tipo de atividade se distingue, portanto, da atividade técnico-cientifica pela ausência de urn piano preconcebidi dOréSü1tádo esperado e peio uso de material já anteriormente elaborado. 0 engenheiro, por exempio, a cada nova taref a escoihe as matérias-primas e ferra-

2 DURKHEIM, Emile & MAuss, Marcel. Algumas formas primitivas de classificacAo. In: RODRIGUF.S, José Albertino, org. Durkheim; sociologia. São Paulo, Atica, 1978. p. 203. (Col. Grandes Cientistas Sociais.)

mentas necessárias. 0 bricoleur tern que trabaihar corn Os

de eIMisnunca tend17reperrio se constitui de resIduos de cnIru-çöes ou destruiçs anteriores que se conservam indepen-denternente do uso que teo. Por serern restos de utiii-zaçöes anteriores, cada elemento já traz ern si urn nümero delimitado de aplicacôes possIveis: eles so podern servir para operacaes de urn certo tipo.

Os signos do mito e os conceitos da cência

Os elementos da reflexão mItica, por sz!nresIduos de construcoes cultur ajIcnQte$, çstão j, melo caiiiiiiho

0 conceito é cons-, Ail, truIdo a partir de urn conjunto de idéias abstratas 1igadasQ.' entre Si, que nào mantem uma relacäo necessána corn a ) realidade representada. Ele é uma convencão, e,nto taL p9de-se. dizr gietó Tr'rthio. Ele se opôe, rornpe corn a a2cia_dos fenórnenos.

O pensamento rnItico não trabaiha corn conceitoL ç)'-j Está rnais próximo da realidade concreta tal como eta apareceaiosjereão. Suas représentacôes são rnenos abstratas dogue aqie1as urn grau de abstracão intermediário entre a concretude da imagern e a arbitraried do conceito e operador in-

termdiáno4flt. Lrng e o onceito e, ara Levi- -Strauss, 0 signo.,

De uma, maheira geral, o _.signo ,6. o pie substitni a coisa coñcreta no nIvLdasi'is. Ele é composto de dois elementos: o signifiante - que é o suporte material do signo, a rnaneira como ele se concretiza (uma palavra, urn gesto, uma imagem etc.) - e o significado - que é a coisa concreta designada peio signo. Podern-se distinguir

Page 31: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

58

três tipos de signos em funcAo da relaçAo entre significante e significado:

Da o Indice: é urn signo em que seu supprte material (o significante) mostra diretamente o objeto significado Por exemplo, quandó 1j56iitamos corn o dedo indicádor uma coisa qualquer. 0 gesto aponta para a coisa signi-ficada. Ou quando observarnos na areia as pegadas de urn cachorro. As marcas rnateriais indicam o cachorro;

b) Icone: é urn signo ern que o suporte (signifi- cante ev

o oca imediatamente o objeto significado. E o caso

particularmente das imagens. A imagem 6 urn signo que já contém em si mesmo o seu sentido. Ama ia trabaihal preferencialmente com icones ernbora tarnbem se utilize j eel de in ices e simbolos. Quando se faz urn eitiç6ontra '

urn boneco que representa a pessoa para quem o rito se destina. Quando se quer sim- bolizar a idéia de morte, usa-se a imagem do esqueleto. Jáe purificacAo, a imagem do banho e a avagem;

c) o sIrnbolo: é um signo ern que o suporte material (sign cante) designa urn objeto exterior corn o qual ele nAo tern nei iuiiTeiacao direta E particularmente o caso das palavras, cujo som mantérn com a coisa designada uma relacAo convencionalmente estabelecida. A relacAo entre o som e i coisa ë, portanto, arbitrária, &W um sistema de regrás estabelecidas, o sistema da lingua.

A diferença entre o cientista e o mágico reside no fato de que o pnmeiro lanca rnão de conceitos, enquanto o segundo opera por meio de signos. 0 signo e o conceito

--se assernelharn porque Os dois são capazes de se colocar no lugar da coisa e transmitir a idéia da coisa para alguém. ') A diferenca entre eles reside no fato de que o cqnceito tejpi poclei cle referência ilimitado, já que o ¶ ' de elementos de que se serve nAo estAo apoiados na per- '\r,t cepcAo, enquanto o signo tem que se conformar aos sen-

' 59

tidos jfi nos rnateriais que utiliza. 0 cientista, para realizar a iiöjtb interroga a natureza (0 uni-verso), enquanto o mágico ou o rnItico interroga a cultura: ele se dirige a uma colecAo deresIduos de obras hurnanas, a urn subconjunto da cultura. Assim, as interrogacöes que o cientista pode dirigir a seu universo são ilirnitadas, en-quanto o pensamento mItico é obngado a adequar-se aJ história contida nos pedacos de cultura de que dispöe.

Todavia a diferenca entre os dois tipos de pensamento, nAo é tAo absoluta, já que o cientista nAo dialoga corn a natureza ern seu estado puro, rnas corn uma natureza rne-diada pelo estado da cultura tal como ela se organiza naquele rnornento.

A imagem, quando transformada ern signo, adquire ( / o grau 4abtrcQ nsáriöPäfàThöiititUifTIffiPenSa-mento generalizador. 0 pensamento ifiernbora. per-3 manecijièso as imagens, é capaz de estabelecer relacöes abstratas, analogias e aproximacöes, que o tornam corn- parável ao pensamento propnamente cientifico. Utilizando resIduos cülturais ° mitoieordena incansaveirnente os acontecimentos jirã flies deE6iiI Üffiëhtkt. ëFtO que, aif t e dii ciêncifiFullVélfla'seus instrurnentos (hipoteses e teorias), L o pensamento mItico nAo cria o novo, limita-se a ordenar J o existente. No entanto, assim fazendodiz LévStfauss, \ e1Tiiim libertador contra a falta de sentido, corn que a ciência estava, a prin- ci iatransigir" •

'a (iC' Ct L

8 A ciência do concreto. In: -. 0 pensamento selvagem. sãofaulo. Nacional, 1970. p. 43.

Page 32: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

61

1!d A eficácia simbOilca

A magia como crenca coletiva

Não é a wapulacão técnica da natureza que define, como prefendia Frazer, a eficacia do rito rnágico A_eficacial

plexa de operacoes. Os elementos corn que trabalha são triturados, diluIdos, transformados em bebidas e infusoes; eles viram pasta, p6, fluidos, a serem bebidos ou comidos; ou ainda irnagens a serern guardadas como amuletos. Essa (y' qulmica não tern como (inico objetivo tornar os produtos 143 objetivamente utilizáveis. Na verdade, a preparacão dos ob-Jetos magicos e parte mtegrante do ritual que os torna efica-zes Ne±thuma pedra, folha, coccao ou imagem tern algum poder sobre o real pelas suas propriedades intrInsecas: essa efiçjhçjtriluIda necessariamentepelo nto.

Os ritos são pelo mágico. Eles podem ter variacöes de todo tipo segun-doiffiiras que os elaboram. Referindo-se a eles, Mauss descreve os rjtipis de yurificacão dos hind S. as cerimnias sacrificiais dos gregos, as encantaçöes presentes em quase

todas. Mas, embora vários desses rituais operem segundo as leis da sirnpatia, não são as idéias que conferem eficácia ao rito. A eficácia d(i IiIse assenta na crença num poder nustico, sem o qua! ela se torna pura tecmca. Assini, nao se pode duvidar de que a magia seja realmente eficaz, mas seu poder depende de uma crenca a priori: a magia fun-a ciona porque as pessoas crêeni

A essa espécie de poder sagra_do Mauss dá, como virnos, o norne de maná 1. lidéia de rnaná torna,a.crença na magia urn ato coletivo. Procura-se o rnágico não porque ele provou ser eficaz, mas porque se acredita nele de ante-mAo. Dessa crença participarn o mágico, o cliente e o gru/ po sociI como urn todo /

Levi-Strauss nos dá dois exernplos interessantes desse aspecto coletivo da crenca 2•

Urn indivIduo que está persuadido de ter sido en1ei-5f (-- tiçado partilha corn seus amigos e parentes a certeza de-que vai morrer. A partir de entAo o próprio grupo seY retrai, cornportando-se corn ele como se já estivesse morto. ExcluIdo ainientedos4acosociths. qieogivamao grupo. ele sucumbefisicamenteadisso1!e suapçso- nalidade social. -

Masé através da história do xamã Quesalid que essa associação eficácia mágica—crenca coletiva se torna mais - evidente 3. Qui1i 1aVrpTiiAñik Niiitiiito de desrnascarar suas mentiras e trapacas, acabou aceitando passar pelos ritos de iniciacAo. 0 que ali apren-deu - técnicas de simulaçao de crises nervosas e desmaios, ernprego de espiöes para a escuta de conversas privadas e a técnica de apresentar uma pluma ensangiientada ao

1 MAUSS, Marcel & HUBERT, Henri. Esboco de uma teoria geral da magia. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974. v. 1. 2 Le socier et sa magie. In: -. Ant hropol ogie structurale. Paris, Plon, 1974.

Essa história analisada por Levi-Strauss foi recoihida Pit antro-pólogo americano Franz Boas.

Page 33: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

62

doente corno prova da expulsão da doenca - confirrnou suas piores suspeitas. Mas, tendo chegado a esse estágio de conhecimento, ele não estava mais livre: cornecou a ser charnado pelas farnIlias, e seus tratamentos foram co-roados de plenoôxito.

Seu espIrito crItico começa a ceder diante da crença cYuando sëus sucesos b1e'áth a confrontar-se corn técnicas

de cura de xarnâs de tribos vizinhas. Numa delas a doença ão é extraIda pela técnica da pena ensangUentada, o xamã

se contenta em cuspir urn pouco de saliva nas mãos. Quesalid testa sua técnica contra a do colega e obtérn rnelhores resultados. Ele descobre, pois, que ha sistemas terapêuticos ainda rnais falaciosos do que o seu. Urn, que não niostra nada ao paciente e pretende ter capturado o rnal, e o dele, que pelo menos rnostra algo ao doente.

Segundo Levi-Strauss, o problerna corn que se defronta Quesalid tern seu equivalente no desenvolvirnento da ciên-cia: dois sistemas igualmente inadequados oferecem, urn ern re1a?ao ouiio, do ponto de vista de sua logica e de

I suaefijjSuliados diferentes A partir de que cntenos 'jiilgá-los? Se está correta a teoria de que toda doença é urn homern e de que para dorniná-la é precio capturar a alma dele, então não ha o que mostrar ao paciente. Se Que-salid mostra algo, isto acontece porque a doença é outra coisa ou porque ele usa urn truque diferente?

A teoria explicativa das doencas apresentada pelo xamã a Quesalid no é, evidentemente, uma invencao individual. Ela se funda nurna tnc_x eriência:acrença e

,1 do xamã em seus próprios poderes; a rnelhora ounão do paciente, a adesão coletiva 1ttc

Quesalid nâo se tomou urn grande xamã porque curava seus doentes, iEñs, ao contrário, ele curava porque era considerado urn grande xamã 4. E a grandeza de urn

4 LEVI-STRAUSS, C. Le sorcier..., Anthropologie..., p. 198.

63

1Co& xarna é dad pe1a sua cftpade de angariarocoenso//cs& -

aqui urna situacão não muito diferente daquela descrita por Kuhn a respeito dos paradigmas cientIficos: não sãO os fracassos em alcançar uma solução que desacrIWain urn conjunto de teonas Um paradiateoiico é abandonado

ii on ento histónco Ebifseffsb da comunidade cientifica ern torno dele 5. AssirniàTthbem, e

it ç,Ma at4 do gru a, rnais do que nos sucessos e fracassos do xarnã, que se deve procurar a razão da vitória de Que-

Ysalid sobre seus adversários.

A producâo de significados: a cura magica

A da de disturbios eficacia magia na cura psicosso rnáticos se funda na sua cãpacidade de atribuir significados as desordens fisiológicas. 0 rnito que o xarnã ou o feiti- )'-c ceiro produz torna coerentes as dores e sintomas. 0 doente, tendo cornpreendido o sentido daqueles sinais, fica born. 0 mito ihe dá, pois, uma linguagern a partir da qualesta- do e S1 sell iiiüfados

Nese sentido, a linguagern sinibólica do rnito evocado no ritual migicoe rniienffica. Saber, •por exernplo, que a causa da doen- çajiie temos é urn virus não interfere na nossa possi- bilidade de cura. A relacao rnicróbio—doenca é exterior ao espirito do doente e• Mas o conhecimento de que uma dor é causaLpa intronilsi Ic um isvintoo é fiindièiitalnoprocessodacurarnga.Isso é nluito cvi- dente quando tentamos compreender o que acont%e, por exernplo, nas curas realizadas nos terreiros de u anda-'

5 KuHN, Thomas S. A estrutura das revoluçöes clentificas. Sâo Paulo, Perspectiva, 1975.

LEVF.STRAUSS, C. L'efficacité symbolique. In: -. Anthropolci. gie...

Page 34: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

64

Para o umbandista a concepção médica da doenca é noçAo inadequada para explicar os males de que padece. Essa noçAo de doenca é incapaz de apreender a comple-xidade de sensacöes .e emocöes que o indivIduo experi-menta. A medicina somente leva em conta os sinais fIsicos e os interpreta como sintomas de alguma disfuncao orgâ-

r nica. A interpretaçao máco-re1igiosa, muito mais abrn-gente do qüe añiedica, integra não so Os smtomas fisiolo-

V gicos, mas também os problemas domésticos, amorosos e financeiros do doente. Para a magia, a doenca nao é senâo simples aparencia. A doenca é uma maneira que as forcas espirituais têm de aparecer, de se revelar no mundo dos homens. Ela faz parte de urn conjunto major de problemas que tern aver corn a desorganizacao pessoal, familiar e social do sujeito: desemprego, conflitos familiares,. crises etc. Aó ãtribüirum sentido rnItico as tensöes cotidianas a que o 1ndividuo vive submetido, a acao mágica deixa de ser üma intrvencao puramente técnica sobre urn corpo fragmentado em partes doentes (que é a maneira comb a medicina concebe o paciente). A acão mágica, embora vise ritualmente o corpo do indivIduo, se propöe, através dele, reorientar a causalidade do mundo: procura suprimir as forcas maléficas - exus, pombagiras, obsessores -, vdadeirai caucas das desordens que afligem a vida do paciente. E este, ao assumir a interpretacao mitica, adquire uma linguagem, uma maneira socialmente codificadâ e eissar as contradicOes em que se encerra sua vivência cotidiana. Este fato adquire sua total relevância quando se observa que a maior parte dos freqflentadores de ter-reiros de umbanda pertence as classes mais desfavorecidas. Estes grupos estão, pela posicao social que ocupam,, redu-

1 zidos ao controle de uma psiquiatria que é incapaz de incorporar a multiplicidade de dimensöes em que a expe-nência m6rbida 6 por eles vivida

65

E, portanto, atribuindo urn sentido co1etivarnnte estruturado as desordens-indiiduais que o rito se torna eLAo associar distiirbios vividos como experiências caóticas e estritamente pessoais a signitic mg- _co1e1i3as, F, o rito arranca o indivIduo do..purQ sjibjetiyjsmq de sua dor.7/ Ot&iio, tornando-se acessivel a linguagem dos sImbolos mIticos, se constitui, para o indivIduo, nurn instrumento de compreensão de seus conflitos e da forma como esses conflitos se relacionam corn a ordenacão do mundo social. Frustracoes, antagoilismos, contradicoes pessoais se arti-culam num sistema significativo que permite ao indivIduo compreender que os males que o afligern não advêm sim-plesmente de sua "fraqueza" ou "incapacidade" pessoal, mas têm a ver corn o lugar social que ocupa. Nesse pro cesso de articulacão simbohca entre disturbio e mito, o mal deixa de ser vivido como pura negatividade - falta de forca fIsica, falta de dinheiro, falta de tacos familiares "normais" - e passa a ser compreendido como uma mani- festação positiva das forcas espirituais e sagradas 7. -

A cura mágica e a cura psicanalitica

Para Levi-Strauss a cura mágica, realizada pelo xamä\ ou feiticeiro, se situa a meio caminho entre a nossa medi-cina orgânica e a psicanálise. Os dois processos terapêuti-cos se propoern trazer para a consciência c(5ifiItos e resncias inconscientes No caso'iIa iii1IMitica o piciente deve reviver ifitensarnente a situacão traumática inicial que deu origem a seu distirbio. Nesse momento de descarga emocional intensa o indivIduo se liberta do estado afetivo penoso ligado a recordacAo do acontecimento traurnático, que deixa de ser então patogêflico. A esse

7 MONTERO, Paula. Da doenca a desordem: a cura mdgica na umbanda. Rio de Janeiro, Graal, 1985.

Page 35: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

66

67

processo a psicanálise dá o nome de ab-reação. Para curar, o xamã revive, em toda sua intensidade e violência, a crise inicial que revelou seus poderes mágicos. Tudo se passa como se ele revivesse o momento traumático no lu ar d paciente. jn - sim olicamentealiberar-sde

E nesse sentido que se pode dizer, observa Levi-Strauss, que "todo xamã é urn ab-reator profissional". No entanto, na cura xamanIsticma quem fala: ele faz a ab-reaçao no ugar 22 _paciente. Na cura psicana itica, e o paciente quem f ala: ele faz a ab- -reação contra o medico que o escuta. As pa Dsicaná.f( 1ise.mito produzido pelo pacinti urn mito individua11 produzido em funcão de sua biografia, e re-significado em

j funcao das interpretaçOes fornecidas pelo medico. No xa-manismo, o mito é produ.zj&Q1t1vamente, cabo

I pré-construIdas.

entre os dois sistemas está também no fato de que o ritualá_ico nao Drocurauma_c2betiva para os estados de confusão psicol6gica. verdade, ele busca oranizar essas sensaçôes ern urn siçma. cpppLdçf ihes dar coerencia e urn o de ex ressão (uma lingual/ gem). 0 eiticeiro e o doente formam uma polaridade antagOnica de desordens complementares. 0 primeiro é ativo, revive emocöes, atribui sentidos; o segundo é passivo, incapaz de formular a desordenada experiência de seus afetos. A cura, ao colocar em relaçao estados opostos, assegura a passagem de um para o outro.

Essas diferencas representam, na verdade, para Levi--Strauss, uma analogia invertida. A cura psicanalItica e a cura xamanIstica seriam análogas na medida em que as duas induzem transformaçoes orgânicas apartir de uma/ mtpçibolosssas operag6es simSolicas -

- upo ii ois casos, urna homologia entre a estrutura dos processos orgânicos e a estrutura dos processos psIqui-

_gs._. Em funcao dessa homologia, toda transformaçao induzida num nIvel deve produzir resultados análogos no outro. No entanto a inversão reside no fato de que os sIm-bolos, no primeiro caso, são produzidos pelo paciente, enquanto, no segundo, são por ele recebidos 8

A cura mágica na umbanda

No processo mágico-terapêutico umbandista podem ser observados elementos semelhantes aos analisados por Levi-Strauss na cura xamanIstica. 0 ritual umbandista asso-cia trés pianos diferentes, que caracterizam o mal do paciente: o plano da_desorjura1, que se manifesta na desorganizacao biológica do corpo; o piano da desor-demLue se manifesta na desot izacrqie a doenca provoca na vida do paciente (desemprego, confli- tos familiares etc.); o dern transcendente, que se manifesta na presenca de forças maléficas ameaca-doras. Ao associar os três planos, tornando-os homólogos entre si, o ritual passa a operar simbolicamente no üitirno deles (procura doji joras maleficas atuantes), esaiidoobter resuitadossobreosoutrösdois E- pdsiver manipular a dor e a doença porque é possIvei atrair para o doente a boa vontade dos espIritos.

A doença, na umbanda, tem urn papel central na conversão religiosa: a major parte dos médiuns se inicia no culto depois de ter passado por uma experiência dolo-rosa dessa natureza. 0 poder que os médiuns tém para

8 Individual on coletivo ito sulta, no fundo, de uma mesma fonte cnador consci inconsciente e para J.eiitrauss umaes*Iui4&a etem a rodução de sigrn ficados. Ele impoe aos elementos desarticula os as e s, das reprtaçôes mIticas (individuais OU co tivas) e das lembrancas, ljieturais. Conhecer, pois, o signifigso dos mitos é desvendar a sua esfiuitIra inconsciente.

Page 36: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

69

Já o rnédiurn que cura é alguém que, na major parte das vezès, vern do rnesmo grupo social de seu "cliente", sendo câpaz, portanto, de compreendere incor o ar a p experléncia vivida do individuo queo procura Nesse sentido, pode-se dizer que actiimágica representa, para as carnadas populares, urn universo de conhecimento alter-nativo ao saber rnédico. Se é verdade que o saber racional de que este ültimo é portador nunca é posto em questão, é tarnbém verdade que rnédiuns e rnães-de-santo se consi-derarn portadores de uma sabedoria divina, de urn dom, e capazes de igualar e ate mesrno ultrapassar o rnédico na arte de curar. Se os rnembros das classes populares falam com adrniracao das curas de certos chefes de terreiro, é porque elas fornecem a prova de que os rnédicos não são os ünicos depositários do saber sobre as doencas. A cura] - - rnágica significa, portanto, a possibilidade de apropriica e reinterpretacão do discurso medico pelos grupos subrne tidosà sua sujeicão.

a cura se funda no fato de eles terem passado pela mesma experiência que pretendern suprirnir. 0 transe, a possessao pelos espIritos, é, na verdade, urn estado de "doença" controlado, na medida em que o medium aprendeu a entrar e sair dele. Analisando-se a relaçao rnágico-tera-pêutica sob esse prisma, percebe-se que nao ha ruptura funda 1 entre aquele ue eura qeecurid): o medium é urn ex- oente", e o doente é instado, para que a cura se dê, a tornar-se medium. E, mais ainda.

- Durante o ritual terapêutico, o medium está sempre tornado pelos espIritos. Assirn, é no momentó em qUe revive a crise, agora de maneira controlada pelo rito, que ele a suprime no paciente. A ambivalência de seu papel - ele é ao mesmo tempo urn "curado-doente" - permite-lhe demonstrar ao consulente que suas experiências particula-res de dor e desordem sao, na verdade, "coisdgnpo". o paciente, tendo então compreendido isso, pode permitir que as manifestaçoes contraditórias e indesejáveis de sua pessoa individual se transformem em manifestaçoes institu-cionalizadas do grupo como urn todo.

A singularidade da relacão mágico-terapêutica na umbanda fica rnais evidente quando se a compara corn as relacoes a que as carnadas populares são subrnetidas quando tern, por exemplo, que consultar urn psiquiatra. Nesses casos tern-se que oteruta nãç pas pea mesma experiência de seu jicien±e, hQZo, poxtaito urna descontrnuidade entre sua funçao e anal óu3 lads, não basta ser um "ex-doente" para tornar-se medico. E preciso submeter-se a especiali- zação formal e racional. Asjm, do*iniiidadedas

c posicöes se acrescenta, nessa relaçao, uma ruptura con- IcAo class!médico e paciente pertencern a grupos

sociais distintos) ede universo de linguagem (o rnédico detérn uma certa autoridade sobre o paciente por dominar

Los "segredos" inerentes a sua especialidade). ft

Page 37: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

71

Vocabulário critico

Bruxaria: no sistema de crencas dos azande, povo africano descrito pelo antropólogo Evans-Pritchard, a bruxaria é urn fenôrneno orgânico e hereditário que se materializa no intestino dos individuos. Ao contrário do feiticeiro, que exige urn complexo ritual de iniciacão e vasto Co.

nhecirnento, qualquer pessoa pode ser bruxo. E as pes-soas o são inconscientemente. No fundo a bruxaria é uma rnetáfora que significa tudo que ha de rnal na sociedade: inveja, desgraça, forne, morte etc.

Discurso: texto ou fala produzida por urn sujeito e/ou instituicao. A nocao de discurso pressupoe que aquio que está sendo dito tern urn sentido simbólico oculto, que deve ser desvendado pelo observador. 0 discurso ganha sentido quando relacionado corn a posicao social da pessoa ou grupo que o ernitiu. Todo discurso sernpre diz algo sobre o social porque é uma producao coletiva.

Eficácia simbólica: Marcel Mauss foi urn dos primeiros autores a charnar a atencão dos estudiosos para o aspecto ativo dos simbolos "0 nto faz", dizia ele noçäo foi desenvolviibr Levi-Strauss, que cunhou a expres-

são para designar a propriedade que os sIrnbolos tern de induzir resultados concretos no real -

Feiticeiro: é urn agente rnágico por excelência. Ao contra-rio da religiao ern que os poderes sagrados estão cuida-dosarnente codificados pelo rito, os poderes do feiticeiro são indeterminados, deixando-lhe grande rnargern de criatividade pessoal. 0 feiticeiro é pensado como urn ser excepcional, que rnantérn relacoes corn esferas nAo--hurnanas da realidade. Sua excepcionalidade se constrói a partir de trés eixos: revelacao, iniciacao, tradicao. Mas, apesar da pessoalidade de seu poder, a personagern que ele encarna e produto de urn consenso coletivo.

Mand: nocao largamente difundida entre os povos da Melanésia e registrada por Codrington ern 1891. A des-coberta de representacOes análogas em diferentes partes do globo (manitou, na Arnérica do Norte, Arung-quitta, na Australia etc.) aurnentou o interesse dos estudiosos pelo rnaná. Nas interpretaçães clássicas de Mauss e Durkheirn, rnaná é uma for a sa rada que estLjia da rna da reli i Tudo o que é sagrado ou reli- gioso tern a ver corn o rnaná, rnas nern tudo que tern rnaná é necessariarnente sagrado. Segundo a interpre-1 tacao de Mauss, ma uni itegoria de, pepsnto e çfldiçäo-4 bil& 142ico. Como todl-- or-, simb6lica dos

de2sthy Medium: adepto da umbanda que recebe as entidades es-

pirituais.

Mito: é, para Levi-Strauss, uma producao ao rnesrno tempo afetiva (estética) e iniëIctuai. pensamentóTnItico

5 de sigie, ao contrário dos coeitos, estäo rnais perto da percep-cao, da experiôncia). Os mitos significam o espIrito que os elabora: eles tern a mesrna arquitetura binária que

Page 38: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

73

realidade. Para Durkheim, qualquer análise das repre-sentacães coletivas deve partir da realidade social. Esta, por sua vez, so pode ser compreendida pela descoberta do sentido oculto (simbólico) que orienta as relacaes. Está presente na obra de Durkheim uma crItica a fib-sofia idealista de Kant, que postula a existência de cate-gorias de entendimento universais e inatas no homem, tais como tempo e espaco. Durkheim e sua escola, ao contrário, vão buscar as raIzes sociais dessas categorias/t*Lc 0 interesse pelo estudo dg1igiãdava-se no fato de que elas eram concebidas como a matriz de toda representacão coletiva. C

Rito: a magia age pelo rito. Mauss procura agrupa a )e I diversicdoi iitos qüe abundam na literatura antro-pológica em categorias como manuais, orais, simpáticos, purificadores etc. 0 importante a ressaltar é que em todos os exempbos coligidos os ritos aparecem como sendo rigorosam,eifle cQutrQ1dg nlQ colçtiyo, o que lhes d1ii dimensão simbólica.

Sagrado: para a escola durkheimiana o sagrado deve ser entendido como uma forca coletiva. Ele se distingue da religiao, embora seja sua pr6j5ñ fonte. 0 sagrado é uma genérica, universal, e a religiao urçQj,us especIfico de práticas e cren as The a s cilaplktra A idéia de sagrado determina toda forma de representacaonquanto categoria dfl conhecimento, a dualidade sagrad7jiEofano está na-base

==!estpara .. - . como mai..)

a vida coletiva são consideradas sa- gradas. No limite a própria sociedade é sagrada, etud7 aquilo que a ameaca, profano. Essa afirmação dos valores coletivos embutida na categona de sagrado faz com que toda classificacão, ao reproduzir essa dualidade, reafirme as hierarquias e valores inerentes a organizacã2J social do grupo.

72

organiza a estrutura inconsciente do pensamento huma-no. Isto quer dizer que todos os mitos tern em comum uma é

Racionalidade: desde Frazer o problema da racionalidade das crencas mágicas alimentou grande parte do debate antropológico. A preocupacão fundamental que sustenta essa polêmica é saber se ha ou nAo padrães universais de pensamento. A resposta a essa questão tern variado em funcão das definicães de racionalidade. Para Levy-

' -Bruhl, ela se define pela sua coerência interna, coerên-cia esta de que o pensamentolnhstico é desprovido Para Evans Pritchard, não é a coerência lógica que define a racionalidade. Um pensamento pode bem ser coerente e mistico ao mesmo tempo. 0 que define um pensamento

* racional é sua adequacão com a realidade objetiva. A briixaria não pode, desse ponto de vista, ser conside-rada um pensamento racional. Já para o antropólogo inglês Peter Winch, não ha critérios universais de racio-nalidade. Assim, diversas crencas tidas como irracionais pelo observador que as aialisa segundo seus próprios critérios podem ser reinterpretadas como racionais a luz de critérios de racionalidade a serem descobertos na cultura em que ocorrem. 0 problema da racionalidade ou não das crencas mágicas foi evitado por autores como

.-

Durkheim, Mauss e, mais recentemente, Leach e Firth, que' deixam de se perguntar sobre sua coerencia, vera-cidadee/ou adequacao com a realidade objetiva e pas-sania interpretá-las enquanto srmboios Toda crenca, po rsim1o,diz&j sobré a realidade que a criou. Nesse sentido, toda representacão é fonte de racionalidade.

Representacöes coletivas: categorias do entendimento pro-duzidas coletivamente. Através delas os membros de uma sociedade se comunicam, compreendem e controlam a

Page 39: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

74 75

SImbolo: o sImbolo é, na definicao de Pierce, "aquilo que substitui uma coisa para alguém". Ele é o substituto ideacional de uma coisa ou idéia que se quer comunicar. Muitos aujore& _a antrgRologia

(como uma ciência do simbólico. Pode-se dizer que foi a que primeiro se preo-

cupou em buscar Os setidos sirnbôlicos qse çscondem atrás dos fatos sociais. E nistà e se diferenciou de sua

opera no piano da interacão social procurando perceber como as relaçöes ies-soas que ocupam lugares diferentes garantem o functona-mento social. Para Marcel Mauss, entenda realidade social é entender cada fenômeno como fato de si nifi-caco Todo nomeno socta encerra reesentaçöes cTivas Assim cnh7r a sctdade e conhecer como ela pensa. Também para LeviSirauss, na antropologia tido é sImbolo. E isto porau a sociedade; ele faz a hon m,distiuindo-o do animal. 0 rSö natural é o iv unerso da necessidade instin-tiva, enquanto o da cultura é o universo da regra social-mente constituIda. Mitos, técnicas, ritos e sobretudo a linguagem são sistemas simbólicos.

Totemismo: segundo Durkheim, o totemé a encarnação emblernática da organizac50-.c1ânica 4opovos austra-liant. Sa1guns animals ou plantas são sagrados e tabus, é porque representam a coletividade de que fazem parte, devendo, portanto, ser preservados. Durkheim recusa, pois, a interpretacão "utilitarista" dos tabus tote-micos, segundo a qual são os animais e plantas mais preciosos e raros que se tornam proibidos. Se certos espécimes animais e vegetais são usados como totem, não é porque são "bons para comer", mas porque "são boara pehä?r:Q sres e as coisas se

lass* 'cam

em espécies e gneros do mesmo modo que os homens Jes, frfris tos, i,évi-Strauss c as inr-

pretacöes do totemismo que o tornam urn sistema de organizacão social reaimente existente. Para ele, o pro-blema não é entender o totemisrno mas aboli-lo. 0 tote-mismo não é urn "traco" etnográfico da organizacão social dos australianos e de outros povos, inasixm fenô-merliT ffiuIfo mas Eeial: jna forma, entre àütras, de seleeonär, ogarnzar intelectualitientestuturar as seinelhanca& e diferencas quç9s hçmcnspercebem na natureza e no mundo social, por urn lado, e relacionar os objetos culturais com os objetos naturais, por outro.

Xamã: urn tipo de feiticeiro entre os Indios kwakiult, no Canada.

Page 40: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

77

Bibliografia comentada

BRUMANA, Fernando Giobellina. Antropologia dos sent!- dos: introducAo as idéias de Marcel Mauss. São Paulo, Brasiliense, 1983. (Col. Primeiros Vôos.) Neste trabaiho o autor retoma a obra de Mauss e analisa sua contribuicAo para o desenvolvimento de urna cincia do significado.

DOUGLAS, Mary. Brujerla: el estado actual de la cuestión. In: —; GLUCKMAN, Max; HORTON, Robin. Ciencia y brujerla. Barcelona, Anagrama, 1976. 0 texto é urn apanhado interessante e urn balanco das variadas interpretacöes antropológicas da bruxaria.

,- DURKHEIM, Emile. 0 problerna religioso e a dualidade da natureza hurnana. Religiao e Sociedade, (2). SAO Paulo, Hucitec, 1977. Neste artigo o autor faz urn resumo das idéias funda-rnentais que orientaram seu trabaiho sobre as formas elernentares da vida religiosa.

EVANS-PRITCHARD, E. Brujerla, magla y oráculos entre los Azande. Barcelona, Anagrama, 1976. Neste livro rnuito detalhado, 'o autor analisa pormeno-rizadamente o sisterna da bruxaria azande.

-. Antropologia social da rellgiao. Rio de Janeiro, Cam-pus, 1978. 0 autor retoma criticamente a obra de Lévy-Bruhl e a coloca numa nova perspectiva, que acentua suas contri-buiçOes para uma compreensao do pensamento mágico.

FRAZER, James. Magic and Religion. London, Thinker's Library, 1945. (Traducao espanhola: La rama dorada: magIa y religion. Mexico, Fondo de Cultura Econórnica, 1944.) Nesse trabaiho o autor.analisa os principios da magia e sua relaçao com a religiao.

GLUCKMAN, Max. La logica de la ciencia y de la brujeria africana. In: DOUGLAS, Mary; GLUCKMAN, Max; HOR-TON, Robin. Ciencia y brujerIa. Barcelona, Anagrama, 1976. o autor retoma resumidamente as colocacoes de Evans--Pritchard ern seil livro sobre a bruxaria azande.

GURVITCH, Georges. La magie, la religion et le droit. In: -. La vocation actuelle de la sociologie. Paris, PUF, 1969. t. 2. Ed. em portugus da Martins Fontes, 1968. Neste texto o autor retoma, a partir da concepcôes de Frazer, Lévy-Bruhi, Durkheim e Mauss, o debate sobre a oposicão magia—religião.

HERTZ, Robert. A proeminncia da rnão direita: urn estudo sobre a polaridade religiosa. Religiao e Sociedade (6), Rio de Janeiro, Tempo e Presença, 1980. Nesse texto o autor rnostra que a assirnetria orgânica entre a esquerda e a direita e IeteJm!1ath por valores

SOMWii do estudo das representacôes coletivas se pode, segundo ele, entender o privilégio da rnão direita.

HORTON, Robin. El pensamiento tradicional africano y la cie a occidental. In: DOUGLAS, Mary; GLUCKMAN, MY HORTON, Robin. Ciencia y brujerla. Barcelona, Anagrama, 1976.

Page 41: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

78 79

o autor analisa neste artigo a natureza e a funcão do pensamento teórico e o compara ao pensamento magico.

LEPINE, Claude. 0 inconsciente na antropologia de Levi--Strauss. São Paulo, Atica, 1979. o autor analisa a teoria estruturalista de Levi-Strauss A luz da categoria do inconsciente. Faz uma apresen-tação clara e acessIvel sobre o estatuto do simbólico em sua obra.

LEVI-STRAUSS, Claude. Le sorcier et sa magie. In: -. Anthropologie structurale. Paris, Plon, 1974. Neste artigo o autor procura rnostrar, a partir de dois exemplos, de que maneira o consenso coletivo age e confere poder ao feiticeiro.

-. L'efficacitó symbolique. In: -. Anthropologie struc-turale. Paris, Plon, 1974. A partir de urn caso de cura o autor analisa a capaci-dade dos sImbolos de produzir efeitos sobre o real.

-. 0 pensamento selvagem. São Paulo, Nacional, 1970. o autor procura demonstrar a precisão e a capacidade de análise que caracterizam o pensamento selvagem. Este pensamento não se distingue em sua estrutura do pensamento cultivado do homem contemporâneo.

LEvY-BRuHL, Lucien. La mentalité primitive. 15. ed. Paris, PUF, 1960. l.a ed. 1922. o autor procura analisar o funcionamento do "pensa-mento primitivo" a partir de duas indagacoes: quais as categorias de que esse pensamento dispöe e qual o qua-dro experimental que o determina. 0 autor se detm particularmente na análise da categoria de causalidade.

-. Les fonctions mentales dans les sociétés inférieures. 9. ed. Paris, PUP, 1951. Neste livro o autor analisa sobretudo o que ele chama de lei da participacão, considerada em sua relacao com o princIpio de identidade e contradiço.

-. Le surnaturel et La nature dans la mentalité primitive. Paris, PUF, 1963. Neste livro o autor analisa corno Os povos "primitivos" pensam o mundo sobrenatural e como reagem diante dele. Ele dá particular atenco a feiticaria e aos rituais de purificacão.

MALIN0WSiu, Bronislaw. Magla, ciencia, religion. Barce-lona, Ariel, 1974. o autor retoma rapidamente as contribuicoes clássicas sobre o tema magia e religiao. Ele procura aprofundar o debate sobre o problema da racionalidade das práticas mágicas.

- & DURKHEIM, Emile. Algumas formas primitivas de classificação. In: MAUSS, Marcel. Ensaios de sociologia. Trad. por Luiz João Gaio e J. Vinsburg. São Paulo, Perspectiva, 1981. Neste texto já clássico, Mauss e Durkheirn relacionam as formas de classificaçao dos povos australianos com sua organizacão social bipartite. Eles querern demonstrar a r'elacao existente entre sisterna social e sistema lógico.

- & HUBERT, Henri. Esboco de uma teoria geral da magia. São Paulo, EPU/Edusp, 1974. v. 1. Irnportante ensaio onde o autor faz uma análise geral do fenômeno mágico, definindo e interpretando seus di-versos componentes e variaçöes culturais.

MAUSS, Marcel. Mentalité primitive et participation. In: -. Oeuvres. Org. por Victor Karady. Paris, Minuit, 1968. v. 2. Este texto é urn breve cornentário sobre os conceitos de "mentalidade primitiva" e "participacão" cunhados por Lvy-Bruh1.

-. Mentalité archaique et categories de penséè. In: Oeuvres. Paris, Minuit, 1968. v. 2. Breves observaçOes a respeito da eficácia rnagica.

Page 42: Cópia de magia e pensamento mágico (2)

80 Espaço e romance Antonio Dimas 0 herOi

Introduction a l'analyse de reli- -. quelques phénomènes loucura

gieux. In: Oeuvres. Paris, Minuit, 1968. v. 1. : JosO Roberto Wolff

Neste artigo o autor aponta para o carater coletivo dos Ensino da grarnátuca. Opressão? Liberdade'

ritos mágicos. Faz algumas consideracoes sobre a nocão I Morfologia fl a de sacrifIcio e de sagrado e analisa as operacöes mentais - noçöes lntrodutOnas

da Martha Steinberg

magia. lnciacão a musica

WILSON, Bryan, org. In rationality. 3. ed. London, Oxford popurbrasii&ra

Basil Blackwell, 1979. Estruturada noticia

Coletânea de artigos que retomam o problema da racio- Conceito de psiquiatria

nahdade na ciencia e no pensamento magico. Adilson Grandino & Durval Nogusira 0 inconsciente - urn estudo critico Alfredo Naffah Neto A histeria Zacaria Borge At Ramadam : o trabalho na America Latina colonial Ciro Flamarion S. Cardoso Umbanda José Guilherme Cantor Magnani Teoria da informaçâo Isaac Epstein o enredo Samira Nahid de Mesquita Linguagem jornalistica Nilson Lage o feudalismO: economia a sociedade Hamilton M. Monteiro

cidade-estado antiga Flamarion S. Cardoso

40 Negritude - usos e sentidos Kabengele Munanga

41 Imprensa Feminina Dulcilia Schroeder Buitoni

42 Sexo e Adolescéncia lçami Tiba

43 Magia e Pensamento Magico Paula Montero

44 A Metalinguagem Samira Chaihub

45 Psicanélise e Linguagem Eliana de Moura Castro

per ® Impresso %V. Roth & Cia. Ltda.