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LetrosD SANTA MARIA, JUUDEZ-1S92 41 AS EXPERltNCIAS ANTERIORES E A QUEswrÃO DA INTERAÇÃO EM AULA DE LEITURA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Maria José Rodrigues Faria Coracini. A interação de sala de aula (professor-alunos) já foi tratada por nós em trabalhos anteriores, abordando o aspectodas estratégiascomunicati- vas, que dependemdiretamente das imagensque um faz do outro e de si próprio... Discutimos ainda, num outro momento, sobre a heterogeneida- de do discurso pedagógicoem contraposição à sua aparente homogeneida- de, sempre com relação a aulas de leitura em francês instrumental.l Neste artigo, será discutida a idéia segundoa qual a interação de sa- la de aula depende,de um lado, da escolha do material didático, da meto- dologia utilizada pelo professor e, de outro, das experiências e conheci- mentos anteriores que determinam, nos alunos e no professor, "hábitos didáticos ou cultuais", rio dizer de Cicurel.2 .Professora do lJepartamento de Lingii(stica Aplicada ao Ensino de Línguas da PontitIcia Uni- versidade Católica de São Paulo. 1 CORACINI, M. J. R. F. A Progressão no Curso de Leitura. Anais do V ENPULI, vol. 2. São Paulo. PUC!SP, 1983. Contribuição para uma análise do discurso pedagógico. ESPecialist, vol. 11, n? 1, 1990, pp. 489-58. Homogeneidade x Heterogeneidade num discurso pedagógico. In Celani & Pas- choal ( orgs): LingUtstica Aplicada: da Aplicação da LingUtstica à LingUtstica Transdisciplinar. São Paulo: EDUC, 1992. 2 CICUREL, F. Approche Communicative et Types de Discours produits dans une Situation Institutionnelle d'Apprentissage. The advanced Language Leamer. London : Colenon and Towell. SUFLRM/CILT, 1987.

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  • LetrosDSANTA MARIA, JUUDEZ-1S92 41

    AS EXPERltNCIAS ANTERIORES E A QUEswrO DA INTERAOEM AULA DE LEITURA DE LNGUA ESTRANGEIRA

    Maria Jos Rodrigues Faria Coracini.

    A interao de sala de aula (professor-alunos) j foi tratada por nsem trabalhos anteriores, abordando o aspecto das estratgias comunicati-vas, que dependem diretamente das imagens que um faz do outro e de siprprio... Discutimos ainda, num outro momento, sobre a heterogeneida-de do discurso pedaggico em contraposio sua aparente homogeneida-de, sempre com relao a aulas de leitura em francs instrumental.l

    Neste artigo, ser discutida a idia segundo a qual a interao de sa-la de aula depende, de um lado, da escolha do material didtico, da meto-dologia utilizada pelo professor e, de outro, das experincias e conheci-mentos anteriores que determinam, nos alunos e no professor, "hbitosdidticos ou cultuais", rio dizer de Cicurel.2

    .Professora do lJepartamento de Lingii(stica Aplicada ao Ensino de Lnguas da PontitIcia Uni-versidade Catlica de So Paulo.

    1 CORACINI, M. J. R. F. A Progresso no Curso de Leitura. Anais do V ENPULI, vol. 2. SoPaulo. PUC!SP, 1983.

    Contribuio para uma anlise do discurso pedaggico. ESPecialist, vol. 11, n?1, 1990, pp. 489-58.

    Homogeneidade x Heterogeneidade num discurso pedaggico. In Celani & Pas-choal ( orgs): LingUtstica Aplicada: da Aplicao da LingUtstica LingUtstica Transdisciplinar.So Paulo: EDUC, 1992.

    2 CICUREL, F. Approche Communicative et Types de Discours produits dans une SituationInstitutionnelle d'Apprentissage. The advanced Language Leamer. London : Colenon andTowell. SUFLRM/CILT, 1987.

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    Tais experincias levam, por um lado, os alunos a resistirem (mes-mo inconscientemente) a qualquer abordagem metodolgica que no cor-responda a seus hbitos: no caso da leitura em lngua estrangeira ( dora-vante LE), tal resistncia se manifesta nas dificuldades de proceder a umaleitura global que, de uma certa forma, imposta a todos pela metodolo-gia de tipo instrumental. Por outro, levam o professor a se comportarem sala de aula segundo padres determinados pela tradio escolar epor sua formao. Ambos parecem acostumados a relacionar o ensino-a-prendizagem de uma lngua estrangeira -e, conseqiientemente, da leitu-ra -com abordagens formais em que tm lugar de destaque a gramticae o lxico, muitas vezes isolados de todo contexto de comunicao.

    Com o intuito de verificar tal hiptese, que nos parecia intuitivamen-te coerente, realizamos uma pesquisa rpida que passamos a expor emdois momentos por se servirem de dois instrumentos de pesquisa. O pri -meiro diz respeito aos alunos: afIm de observar a reao dos alunos dian-te de textos a serem lidos em Lngua &trangeira e at que ponto os co-nhecimentos prvios dos mesmos interferem no processo, submetemosdois textos a um grupo de ps-graduandos (heterogneos quanto espe-cialidade), cujos resultados sero apresentados a seguir. O segundo objeti-va verificar a normatividade da fala do professor: para tal, procedemos gravao de aulas de Francs Instrumental ( cf. item 2).

    PESQUISA JUNTO AOS ALUNOS

    Um dos textos submetidos aos alunos apresentava uma temtica apa-rentemente familiar , abordando a morte de Francisco Mendes; o outroabordava um tema menos conhecido (as eleies para prefeito de Paris).Acreditvamos poder, assim, ter condies de observar at que ponto osconhecimentos prvios (no caso, temticos) do aluno (ou a falta de conhe-cimentos) desempenhavam papel relevante na compreenso de textos emLE. preciso lembrar que as tarefas foram realizadas sem o apoio do di-cionrio.

    No final, solicitou-se aos alunos que respondessem a tr& questes afim de obter deles informaes que possibilitassem situ-los individual-mente: a) quanto aprendizagem anterior; b) quanto ao conhecimentosobre o tema; e c) quanto aos procedimentos utilizados por cada um pa-ra a leitura de cada texto.

    Convm observar, ainda, que tais atividades (textos e questes) forampropostas quatro semanas depois de iniciado o curso, num momento, por-tanto, posterior a uma reflexo em conjunto sobre a metodologia a serutilizada, com base em princpios tericos a respeito do processo criati-

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    SANTA MARIA, JUUDEZ-1992 43vo e dinmico da compreenso de textos ~critos em lngua materna(LM). No incio do curso, a professora havia procedido tambm a umanegociao inicial sobre a metodologia adequada a uma abordagem instru-mental de lnguas, mais ~pecificamente leitura em LE, com nfase nasmudanas de comportamento (procedimentos) que se ~peravam dos alu-nos diante de textos a serem compreendidos. Observe-se como se tratade todo um aparato metodolgico para sensibilizar o aluno ao que se acre..dita ser o proc~so de leitura.

    Comecemos pelas questes que objetivavam a um melhor conheci-mento da turma. Em seguida, apresentaremos os resultados obtidos coma compreenso dos dois textos.

    Tratava-se de um grupo de vinte alunos, todos eles p6s-graduandosheterogneos quanto ~pecialidade; sete alunos se diziam principiant~completos em lngua franc~a; os demais j tinham tido algum contatocom a lngua no antigo ginsio (durante dois anos), havia muito tempo;apenas dois alunos tinham tido um contato maior: quatro anos no ginsio(havia mais de vinte anos). Uma das alunas principiantes em franc& professora de ingls instrumental ( daqui por diante infonnante A ), o quecriou, em mim, a expectativa de um reemprego consciente de ~tratgiasde leitura na aprendizagem do francs por parte dessa aluna.

    Quanto ao conhecimento de cada um sobre os temas abordados pe-los dois textos, as respostas no nos surpreenderam: apenas um aluno dis-se j ter lido a r~peito das prvias eleitorais prefeitura de Paris e to-dos -sem exceo -afirmaram j terem conhecimento das notcias e co-mentrios em torno da morte de Chico Mendes.

    Tendo situado rapidamente a classe, passemos sntese dos procedi-mentos utilizados para a leitura dos dois textos, com base nas respostasdos alunos. O texto sobre as eleies de Paris ser o r. I; o outro, sobreFrancisco Mend~, ser o T. II

    Na abordagem do T. I, os alunos dizem ter percorrido o texto todo,examinando o ttulo, subttulos, quadros da sondagem, datas, palavras trans-parentes; enfim, segundo a maioria, procuraram seguir o roteiro que ha-via sido distribudo no incio do curso. A essa primeira leitura, chamaram"global", "artificial", "geral". Segundo eles, o objetivo dessa primeiraabordagem era "interpretar as idias centrais" do texto. !X>is alunos lem-braram da dificuldade de compreenso diante do vocabulrio desconheci-do, sobretudo por no conhecerem o assunto. Trs alunos (falsos princi-piantes) preferiram resumir os seus procedimentos de leitura assim: "Len-

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    do, lendo e relendo", o que evidentemente pr~upe uma concepo deleitura enquanto atividade linear de busca de sentido. Apenas um alunolembrou da imaginao e do fato de ter olhado as vrias par~ constituti-vas do texto, na tentativa de dar sentido ao que no compreendia. ~ mo-do geral, predomina a idia de que o sentido ~t no texto; a ele, leitor-aluno, cabe apenas "captar" esse sentido.

    Seria inter~ante transcrever o testemunho da informante A:

    o inglR:s como ponto de referR:ncia constante na ten-tativa de inferR:ncia lexical. Iniciei a leitura pelo tftu-10, subtftulo e pelos quadros. O tftulo e subtftulo noficaram claros, mas possibilitaram a tentativa de ela-borao de hipteses sobre o contedo do texto. Utili-zei mais a "olhada geral" nwn primeiro instante, doque a vontade de ler palavra por palavra, para elabo-rar esta atividade.

    Alm de ficar evidente a interferncia da segunda lngua ( ou do 00-nhecimento, ainda que parcial, de outras lnguas), tal testemunho eviden-cia a tentativa de um uso consciente dos princpios bsicos do instrumen-tal (lembremo-nos de que se trata de uma professora de ingls instrumen-tal), apesar do desejo "tentador" e, at certo ponto, cmodo, de "ler pala-vra por palavra".

    Quanto ao T. 11, todos acenam para uma maior facilidade que os pr-prios alunos atribuem ao assunto, ao vocabulrio... Uma das alunas prin-cipiantes escreveu:

    Parti direto para a leitura, tentando identificar o queera dito sobre o assWtto, j que este estava mais prxi-mo do meu cabedal de informaes. Tentei, tendo emvista certo conhecimento do assunto, inferir, diantedos termos desconhecidos e somando-os aos termosconhecidos, o que dizia o texto.

    IX uma forma geral, os alunos partiram "direto" para a leitura, umavez que o texto no apresentava maiores dificuldades, o que significa, pa-rece-me, que no buscaram interpretar outros componentes textuais queno fossem os lingiisticos -nica maneira de se "ler"...

    Uma outra aluna, j com alguma iniciao em franc&, sintetizou as-sim os procedimentos usados por ela nos dois textos:

    Li em 'rrancs". No consigo compreender lendo otexto palavra por palavra. Desta forma, s vezes com-

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    SANTA MARIA, JUUDEZ-1992 45preendo a idia mas me diftcil traduzir literalmente.

    interessante notar que, segundo t~temunho da professora, nuncase pedia traduo e, muito menos literal. Entretanto, a aluna parece dara entender que o fato de no conseguir "traduzir literalmente" ou noler o texto "palavra por palavra" constitui uma certa "limitao negativa".

    Ap~ar de alguns t~temunhos revelarem o uso de certos procedimen-tos em concordncia total com a proposta do curso que parece se ade-quar perfeitamente teoria da leitura como atividade em que interagemtexto-leitor ou autor-leitor (afinal, a lio foi aprendida...), preciso di-zer que nem sempre se percebe coerncia entre as r~postas dos alunos eo r~pectivo texto r~ultante da atividade de compreenso. Assim, embo-ra afirmem terem partido dos quadros da sondagem (T. I), apenas quatroalunos ( dois dos quais principiant~ completos) citaram ou relacionaramos dados r~ultant~ da sondagem -r~postas e porcentagem -com o cor-po do texto propriamente dito. Os demais se ativeram parte que sinteti-za a notcia; d~t~, alguns tentaram "traduzir", deixando lacunas no lu-gar das palavras mais d~conhecidas, o que revela um procedimento bas-tante antigo de leitura em lngua ~trangeira, procedimento esse que exi-gia, para completar as lacunas, o uso frequente do dicionrio, banindo areflexo, a utilizao de outros conhecimentos que no fossem os lingiis-ticos e, portanto, a possibilidade de leitura como processo criativo.

    Quanto ao texto com temtica conhecida, a grande maioria apr~en-tou uma traduo de palavra por palavra. O m~mo resultado se repetiucinco semanas depois, quando foi dado, como tarefa para casa, um textosobre a atuao do pr~idente Fernando Collor de Mello: a professorapedia apenas que ~crev~em com as prprias palavras o que haviam com-preendido. Tal constatao, ao m~mo tempo em que se justifica pela me-nor dificuldade, contradiz a crena, bastante difundida entre os prof~so-r~ de instrumental, segundo a qual, diante de um texto que suscite me-nos conhecimentos prvios, a tendncia do leitor seria a de tentar partirdas palavras (procedimento bottom-up)3; consequentemente, diante deum texto cujo tema familiar, a tendncia seria partir d~s~ conhecimen-tos prvios praticando, assim, a leitura top-down.

    evidente que o texto I exige do aluno-leitor um ~foro maior pa-ra a construo do sentido a partir da leitura global do que o texto II, is-~

    3 KATO, M. Processos de Decodificao: a integrao do velho com o novo em Leitura (mimen\ lQ.R?

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    to , o primeiro requer um uso mais consciente de estratgias de leitura( cf. informante A). Entretanto, nesse caso, a leitura linear tambm noproduz bons r~ultados (os alunos pulam as palavras desconhecidas). preciso, segundo a professora, tentar, a todo momento, convencer os alu-nos de que a traduo "literal", caracterizada pela falta de reflexo, nodemonstra compreenso (alis, nem m~mo nos casos em que o texto abor-da assunto familiar).

    Na verdade, o qut.. se percebe que as experincias anterior~, noque diz r~peito ao ensino de lnguas, fortemente marcado, de um lado,pela institui~o e, de outro, pela concepo de lngua enquanto cdigo,instrumento ( =objeto) de comunicao, se mostram mais fort~ do queuma proposta, que, numa viso interativista (leitor-texto ), se prope aum aproveitamento dos conhecimentos prvios, sobre o tema, por exemplo.

    Cabe observar que os procedimentos e os r~ultados no apr~enta-ram varia~ entre os alunos quanto s diferenas de conhecimento dalngua francesa.

    A FALA DO PROFFSSOR

    Quanto ao prof~or, percebe-se, pelas gravaes feitas, uma fortetendncia manuteno do seu status de autoridade, legitimado pela ins-tituio e tacitamente aceito pelos alunos: ele quem controla a aula, asrespostas, enfim, quem determina, atravs de certos procedimentos comu-nicativos, a leitura "correta". Comporta-se como algum que se conside-ra imprescindvel para o bom desempenho do aluno: "Vocs entenderamo que significa o titulo?" ou "Bom, tem uma expresso ai entre virgulasque se repetiu em trs perguntas: 'Selon vous'. O que isso?". Parece espe-rar a resposta do aluno, mas quem a d ele mesmo e, quando isso noocorre, ele a induz delimitando as possveis respostas, como nas questesde mltipla escolha, conforme mostra o exemplo a seguir:

    P: Quem L. F. ? Uma...A: Cantora.P: Que cOnti1UJOlL.. O que que ela fez, ento? Ela retirolL..A: Quem que contilUlOu cantando?P: E teve outra conseqUncia. No sei. Quem conti-

    n~u cantando?A: Ela retirolL Quem continuou cantando?P: No sei. Que eu saiba, foi o seguinte: num primei-

    ro momento o que aconteceu foi o seguinte: numprimeiro momento ela insistiu em continuar... maseu acho que por 'pressions amicales" ela acabou

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    retirando a msica do recital. E em conseqijP-nciadisso tambm teve uma conseqUncia ligada can-tora...

    A: Os discos dela tambm saram de circulao.P: Isso, Ademir. Os discos tambm acabaram saindo

    de circulao porque os donos das lojas ficaramcom medo porque se vocs se lembrarem, naquelemomento aconteceu -o qu ? -muitos atentados,ameaas n?.. ento naquele momento os donosdas lojas no queriam sofrer o atentado, n? e acha-ram melhor recolher o disco.

    Observem-se, ainda nesse exemplo, as falas longas do professor emcomparao com as dos alunos.

    Se ~alisarmos mais de perto as aulas gravadas, perceberemos umacerta recorrncia ao ritual. Ao abordar um texto novo, a tendncia for-mular questes orais a respeito da situao de enunciao do texto, quese restringe s questes pragmticas do tipo: quem escreveu, em que revis-ta, para que tipo de pblico, quando, onde... ainda que, na maioria dasvezes, por falta de conhecimentos prvios, a resposta a essas perguntasno levem formulao de hipteses sobre o contedo do texto. impor-tante notar que o professor pede sempre ao aluno que aponte, no texto,o lugar em que se acham as respostas. Em seguida, fazem-se perguntas so-bre as ilustraes, grficos (enfim, sobre os ndices iconogrficos) e pe-de-se aos alunos que procurem no texto referncias a essas ilustraes.&se mesmo procedimento cobrado na avaliao, como lembra o profes-sor na seguinte seqiincia:

    P: ...Eu acho que algumas vezes vocs puderam con-fundir um ou outro dado, t? porque justamentevocs no se ligaram nesses dados de desenhos queapareciam, n, nem no mapa do Brasil. Por queque teria num texto, por que apareceria, por queeu chamo sempre a ateno de vocspara isso? exatamente porque alguma importncia devia ter.

    o estranho que, no raro, o professor acaba reforando a tendn-cia traduo, embora afirme a todo momento o contrrio: Por ve~, questo "O que vocs entenderam da primeira pergunta?" o professorse contenta em receber como resposta a traduo e, quando alguma difi-culdade existe, ele mesmo ajuda a traduzir:

    P: o QUe vocs entenderam da dois ?

  • LefrllsrJSANTA MARJA, JUUDEZ-I992 48

    A: Qual a personalidade mais apta...P: Qual a personalidade mais apta...A: (ininteligfvel)P: Ento a segunda, qual a personalidade mais ap-

    ta para exercer... Na segunda, tudo bem? Qual outravoc~s no entenderam?

    A: A terceira.P: Qual a personalidade mais apta para...Ai: SolucionarA2: Reger os conflitos sociais diftceis.P: Solucionar. Solucionar sinnimo de...A: Resolver.P: Ento vamos pensar. Em portugus, o que melhor

    solucionar-resolver ou reger?A: Solucionar-resolver, n?P: Ento isso mesmo. Fonnularam a hiptese. Vejam

    que nem precisa escrever a traduo ai, n? Se vo-c~s raciocinaram de fonna a fazerem a infernciaagora porque seriam capazes de faz-lo em qual-quer outra hora, situao. esse exercfcio pessoal-l vai ela com o discurso, n? -que tem que trei-nar e que vocs vo entregar nas nossas avaliaes,t? Essa capacidade de fazer, fonnular hipteses einferncia quando aparecerem palavras desconheci-das que vo aparecer por muito tempo ainda.

    Atente-se para o hbito antigo de finalizar uma reflexo com uma~pcie de lio de moral ("Se vocs raciocinaram.. situao") e comuma aluso utilidade do exerccio ("E esse exercfcio pessoal que vocsvo entregar nas nossas avaliaes, t ?").

    V ale ainda observar, n~se e noutros exemplos, a preocupao cons-tante com o lxico (Ex. "Selon vous, o que quer dizer?", "Solucionar-re-solver ou reger?"; "Bom, eu vou chamar a ateno de vocs para a pala-vra 'milliard'; em francs, 'milliard' quer dizer bilho, t?") que nada mais do que a preocupao com a forma (lngua como cdigo) que preci-so adquirir para compreender um texto em lngua ~trangeira.

    Na verdade, o que se percebe que se o jogo parece ter mudado ( deuma pedagogia centrada no mtodo, passou-se, teoricamente, a uma peda-gogia centrada no aluno, nas suas necessidades), isso s ocorre na aparn-cia: o que acontece que a formao do professor (hbitos e metodolo-gias anteriores para as quais foi "treinado"), determinante das representa-es quanto escola, quanto aos papis de um e de outro, quanto ao Que

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    SANTA MARIA. JUUDEZ-IS~ 49seja aprender uma lngua estrangeira, subjaz a toda tentativa de assimila-o de uma nova metodologia e se manifesta ainda que subrepticiamente.

    Por outro lado, as experincias anteriores dos alunos que reforaramconceitos de leitura -tais como: ler traduzir palavra por palavra; ler compreender o significado de cada palavra isoladamente; ler captar asidias que se acham no texto... -determinam suas atitudes diante do mate-rial didtico (texto = objeto).

    No fundo, ento, as regras continuam as mesmas, com poucas mudan-as relativas interao professor-aluno: talvez menos formalidade (veja-se a fala coloquial do professor), menos nfase no vocabulrio e na gra-mtica, mais interesse por parte do professor em "agradar" o aluno...mas no muito mais do que isso. Perpetuam-se as relaes de poder, re-foradas pelo saber e pela autoridade imputados ao professor, que esco-lhe o material, o impe a seus alunos, orienta a leitura (tanto com rela-o ao que deve e pode ser lido, quanto com relao s estratgias maisadequadas), que impe disciplina e ordem... Sabe-se, no entanto, que taisatitudes vo ao encontro das expectativas da maioria dos alunos, pois elestambm participam da mesma formao idoolgica. Talvez, nem se deva~perar que mudanas radicais ocorram sob pena de se ver desmoronar oedifcio ideolgico da sociedade e da instituio escolar...