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Michel Foucault
A Coragem da Verdade
Os cursos de Foucault no Collège de France:
La volonte de savoir (1970-1971)Theories et institutions penales (1971-1972)La societe punitive (1972-1973)Le pouvoir psychiatrique (1973-1974) Les anormaux (1974-1975) "Il faut defendre la société" (1975-1976) Naissance de la biopolitique (1978-1979) Du gouvernment des vivants (1979-1980)Subjectivite et verite (1980-1981)L'hermeneutique du sujet (1981-1982) Le gouvernment de soi et des autres ((1982-1983)Le gouvernment de soi et des autre: le courage de la verite (1983-1984)
“... j’avais des choses à vous dire sur le cadre général de ces analyses. Mais enfin, il est trop tard. Alors, merci.”(28/março/1984)
Pressentindo a própria morte, Foucault deixa seu testamento filosófico com a questão: o que é uma vida filosófica?
A coragem da verdade é uma maneira filosófica de viver.
As fases do pensamento de Foucault:
1.Fase Arqueológica – Arqueologia do Saber
2.Fase Genealógica – Genealogia do Poder
3.Fase Ética – A Constituição do Sujeito
1. Arqueologia do Saber
• Eixo principal: a formação dos saberes sobre o homem.
• Tomando por objeto as ciências empíricas surgidas entre os séculos XVII e XVIII, Foucault analisa as práticas discursivas e as regras de constituição da verdade que possibilitaram a formação dos saberes científicos surgidos naquele período histórico.
• Obras: Arqueologia do Saber, As Palavras e as Coisas.
2 . Genealogia do Poder
• Eixo principal: o exercício do poder.
• As analises realizadas em cursos, conferências e livros escritos ao longo da década de 70 versam sobre as várias nuances do poder, entendido não como uma instituição, mas como o conjunto de normas, técnicas e procedimentos pelos quais se exerce algum tipo de ação sobre os indivíduos.
• Obras: Vigiar e Punir, O Nascimento da Biopolítica.
3. A Ética da Estética da Existência
• Eixo principal: a constituição do sujeito.
• Iniciada no principio dos anos 80 até a morte de Foucault em 1984, essa fase marca o desdobramento de suas pesquisas para o estudo da ética, do cuidado e do governo de si como formadores da subjetividade. Não se trata de fazer uma teoria do sujeito, mas de empreender o estudo das diferentes maneiras como o indivíduo, por si mesmo ou por alguma influência externa, é levado a se constituir como sujeito.
• Obras: História da Sexualidade, A Hermenêutica do Sujeito, O Governo de si e dos Outros.
Os cursos de Foucault no Collège de France
Cadeira: História dos Sistemas de Pensamento
Período: 1970 a 1984
Aula gravadas e publicadas postumamente.
Sobre o tema do cuidado de si e da coragem da verdade (parrésia) – O Governo de Si e dos Outros, Volumes I e II.
Qual o interesse de Foucault nos cínicos, epicuristas e estóicos?
• Escolas filosóficas que defendem uma associação indissolúvel entre teoria e prática, vida e doutrina, pensamento e ação. Filosofia não é, portanto, mera especulação, é modo de vida.
• Ao estudar como os sujeitos se constituíam a partir do conhecimento e do cuidado de si, demonstrar as possibilidades de estilos de vida diversificados.
• Reavaliar a modernidade e suas propostas de emancipação e liberdade.
• Revisitando Sócrates: o discurso que diz a verdade, ou seja, a pahrresia ().
A coragem é a primeira qualidade humana porque garante todas as outras.
Aristóteles
O conceito de pahrresia:
• Do grego pan (todo) + résis (locução, discurso) = dizer tudo, falar livremente, falar francamente ou atrevidamente.
• “Parresiasta é alguém que diz tudo com total franqueza, não esconde nada de si e dos outros, abre seu coração e sua mente completamente através do discurso”.
(Foucault)
• Exemplos perfeitos de parrésia: Eurípides, Sócrates, Sêneca e os filósofos cínicos.
• Em outras línguas, parrésia é o mesmo que truth-telling ou free speech (inglês), franc-parler (francês) ou Freimütigkeit (alemão).
Parrésia (Dicionário Aurélio)
(grego parrhesia, “franqueza, liberdade de expressão”)
s. f.1. [Retórica] Figura de linguagem que consiste em
proferir corajosamente proposições arrojadas.2. Afirmação corajosa.
Foucault vai além do sentido puramente retórico e identifica o emprego da parrésia nas tragédias de Eurípedes, nas ações de Sócrates, Antístenes, Sêneca e Epíteto.
Nesses pensadores, há uma dimensão lógica e ética do discurso, ou seja, o envolvimento do sujeito e o compromisso com a verdade.
A tragédia grega e seus três autores:
Ésquilo (525 A.C. – 456 A.C.)• O criador da tragédia • Inovações fundamentais e definitivas nos
diálogos, nas máscaras, criação do cenário sobre o palco, emprego do silêncio como efeito dramático.
• Obras: As Suplicantes, Os Persas, Os Sete contra Tebas, Prometeu Acorrentado, Orestia (trilogia).
Sófocles (495 A.C. – 406 A. C.)• Ênfase nas paixões humanas e a fatalidade do
destino• Obras: Édipo Rei, Antígona, Electra.
As tragédias de Eurípedes (480 A.C. – 405 A.C.) caracterizam-se pela inovação das análises psicológicas e a introdução de personagens do povo. O homem não mais busca a solução em motivações externas ou em divindades prepotentes, mas deve cuidar de si ainda que em oposição aos outros. Outro destaque é a figura feminina marcante, enfrentando o conservadorismo masculino.
Principais obras: Medeia, As Troianas, Electra, As Bacantes, Helena, Orestes, Alceste, Ifigênia.
Há três formas básicas de veridicção, de “dizer a verdade”, que não se confundem com a coragem da parrésia:
A profecia O profeta não se confunde com o parresiasta,
porque não fala em seu próprio nome, geralmente se coloca como emissário de um deus; seu discurso não é orientado para a clareza e simplicidade, mas para o obscuro, ou mais precisamente para o enigma que envolve, não raras vezes, revelações e premonições sobre o devir.
A sabedoriaO sábio é aquele que detém uma sabedoria por
demais abstrata sobre o mundo e as coisas, carrega uma tradição de conhecimentos imemoriais; porém sem se postar em uma economia utilitária, seu traço essencial é o silêncio estrutural, o mutismo que recua somente quando a cidade se encontra em situações emergenciais.
O professor (ou técnico)O professor ou técnico é aquele que detém
conhecimento e tem a obrigatoriedade da palavra, do ensino, da transmissão de conhecimentos e verdades aos outros, no entanto, ao contrário do parresiasta, não corre nenhum risco, não tem que ser forçosamente corajoso.
Os três exemplos (ou quatro, considerando o profeta, o sábio, o professor e o técnico) formam o regime de verdade da cultura ocidental, que podem se recombinar de formas diversas em outras culturas, espaços e tempos históricos.
Os quatro modos de veridicção do mundo helênico encontravam-se, a princípio, reunidos na figura de Sócrates. Ao falar sobre a vida e morte do filósofo, Foucault ironiza a si próprio e diz “estou cumprindo uma obrigação para um professor de filosofia”.
Mas sua intenção vai muito além: trata-se de distanciar Sócrates dos modos de dizer a verdade do profeta, do sábio e do professor, afirmando-o decididamente como fundador da parrehsía.
A missão socrática de abordar os homens para que aprendessem a cuidar de si mesmos lhe é revelada profeticamente no Oráculo de Delfos;
o domínio de si, o controle dos prazeres, a capacidade de se abstrair do mundo e, principalmente, de cultivo do silêncio, por conta de seu próprio método de produção de conhecimento baseado na interrogação, assegurava-lhe uma similitude com o sábio;
por fim, o grande dilema socrático, o de como ensinar os homens a epiméleia heautou, o cuidado de si, o colocava na condição de professor ou técnico.
Não se trata mais da psiquê, da alma como “realidade ontológica independente do corpo”, substância etérea e essência de uma narrativa metafísica do mundo (Platão), mas do bios, a vida, feita e refeita na intensidade de sua imanência, estilo de vida ou maneira de viver sistematicamente posta à prova pela parrehsía socrática, trabalho contínuo de elaboração da existência como uma obra bela.
A coragem da verdade se introduz no cuidado de si para a produção da vida como estética da existência, demanda de completude e harmonia entre estilo de vida e discurso verdadeiro.
Sócrates (469 - 399 A.C.) se constitui como obra de arte única por levar sua coragem de verdade ao extremo não no plano da tribuna política, mas em um campo de experiência novo, o espaço do ethos, do exercício livre e autoformador da ética.
Além de Sócrates, Foucault se dedica à analítica da parrehsía constituída como escândalo, por uma troupe de filósofos, os cínicos, que no mundo greco-romano inscreveram a verdade no próprio corpo, articulação mais radical do dizer a verdade com o modo de vida.
O termo cínico deriva do grego kynós, através do latim cino, que quer dizer cão. Provavelmente uma analogia com o fato de os cínicos pregarem uma vida simples como a dos cães, na ótica de seus contemporâneos.
Os cínicos diziam ter sido provocados por um comentário de Sócrates, que ao passar pelo mercado de Atenas, disse:
“Vejam de quantas coisas precisa o ateniense para viver... Não preciso nada disso.”
O que o filósofo propunha era a busca interna da felicidade, que não tem causas externas, aspecto que os cínicos passaram a defender, não somente com palavras, mas pelo modo de vida adotado.
É conhecida a ousadia dos cínicos em discursos e ações, numa atitude sempre não convencional e provocadora.
Ao contrário da acepção moderna e vulgar, o objetivo essencial dos cínicos era a conquista da virtude moral, que somente seria obtida eliminando-se da vontade todo o supérfluo, tudo aquilo que fosse exterior. Defendiam um retorno à simplicidade da vida em natureza. A isto chamavam de autarquia, condição de autossuficiência do sábio, a quem bastava ser virtuoso para ser feliz. Além dos cínicos, foi uma proposição também defendida pelos estóicos. Desacreditavam nas conquistas da civilização e suas estruturas jurídicas, religiosas e sociais, que não trariam qualquer benefício ao homem. Este pensamento pode ser encontrado nas críticas de Rousseau às hipocrisias do “mundo civilizado”.
Perguntado sobre as vantagens de ser filósofo, Antístenes (445 – 365 A.C.) respondeu:“Poder desfrutar da companhia de mim mesmo. E sempre melhorando minha natureza humana”
Resposta semelhante do poeta Mário Quintana:“A vantagem de ser poeta é poder desfrutar da companhia de mim mesmo.”
E o desabafo de Nietzsche sobre a importância da solidão:“Nada pior quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia.”
Para Foucault, Sócrates e principalmente os cínicos com a postura de exposição pública, de visibilidade absoluta da vida, tornaram-se um fenômeno trans-histórico, assumindo diversas formas de parrésia no mundo ocidental, como os primeiros místicos e mendicantes do cristianismo.
Entre os séculos XIX e XX, o cinismo se reconfigura enquanto práticas políticas, modo ou estilo de vida revolucionário, forma escandalosa e insolente de enunciação da verdade. Foucault reconhece três modalidades de práticas revolucionárias, porém, somente a terceira seria a parrehsía cínica:1º) as sociedades secretas com objetivos milenaristas;2º) a vida revolucionária como organização visível (sindicatos e partidos políticos); 3º) a militância como testemunho para a vida, sob a forma de um estilo de existência.
Courage de la vérite é o esforço último de Foucault de afirmação de um outro fazer filosófico, negligenciado e banido no pensamento ocidental, que não aspira um outro mundo, mas uma vida outra a partir de um pensamento que se constitui no próprio corpo como campo de experiência e lugar de produção do “dizer a verdade”.
Foucault se faz pedra de toque do bios philosophikos, da vida filosófica que afronta escandalosamente a mentira canonizada como o bem absoluto.
Nada mais atual, nada mais necessário!
Foucault: Filosofia e Modo de Vida.
Prof. Reinério Simões
UERJ/UNIGRANRIO
2011