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Corporação do clima do planeta

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notícias, informações, artigos de opiniãoe artigos técnicos, sempre discutindo

cidadania e meio ambiente,de forma transversal e analítica.

Caros Amigos,

Não obstante a questão ambiental caminhar aos trancos e barran-cos do Oiapoque ao Chuí – desmatamento galopante, destruiçãosistemática de biomas para implantação do agronegócio de expor-tação e energético, entre outras mazelas –, nossa participação naCOP15 mereceu o aplauso internacional. Afinal, além das marcantesintervenções do presidente Lula no plenário e em reuniões comseus pares, o Brasil chegou a Copenhague com a ambiciosa propos-ta de participar do processo global de mitigação das mudanças cli-máticas via redução voluntária, em 2020, de nossas emissões ematé 38,9% do projetado para aquele ano (2,7 gigatoneladas [Gt] deCO

2 equivalente). Portanto, em 2020, nossas emissões deverão ser

reduzidas a 1,7 Gt de CO2. O que não é nada desprezível face à

proposta dos EUA de emitir, em 2020, apenas 17% a menos do queem 2005. Para todos nós, a promessa é alvissareira, sobretudo por-que boa parte do CO

2 não emitido representará a preservação de

nosso patrimônio vegetal. Veremos como ficará esse cenário noquadro da nova Política Nacional de Mudança Climática.

Nem só de COP15 vive esta edição. Chamamos sua atenção para arepercussão de Dead Aid, livro da economista zambiana Dambisa Moyosobre a ajuda econômica e humanitária ocidental aos países africanos.Segundo a PhD em economia pela Oxford University – entre outrostítulos –, a ajuda não passa de paternalismo e neocolonialismo quemantêm a África refém de sua própria pobreza e vulnerabilidade. Valea pena ler os argumentos apontados por Moyo – uma das 100 pessoasmais influentes do mundo, segundo a revista The Time. (Se puder, leia olivro, infelizmente ainda não publicado em língua portuguesa).

Outra interessantíssima e bem fundamentada provocação nos chegavia Mark Lynas, para quem a reinvenção do modelo econômico pas-sa pela explosão do preço do petróleo. Para esse renomado especia-lista em mudança climática, conferencista e autor de três best-sellers,somente um processo de desintoxicação de choque – como na tera-pia de subtração total da droga nos dependentes químicos –, curaránossa dependência por petróleo.

No capítulo da reavaliação do papel do ser humano, vale a penarefletir com o pensador Roberto Marchesini sobre o devastador dis-curso antropocêntrico que nos torna alienígenas e inimigos mortaisde todas as criaturas do planeta – inclusive de nós mesmos. E, parafinalizar, confira com José Eli da Veiga porque temos de transitarda economia meramente ecológica para a socioambiental se nãoquisermos correr o risco de extinção.

Hélio CarneiroEditor

Colaboraram nesta edição

Alberto Giovanni BiusoAndrew Simms

Anna WhiteCEPAR

David F. NobleGRIDA-ARENDAL Maps & Graphics

Hélio CarneiroIHU

José Eli da VeigaJuliana Santilli

Mark LinasONU

Peter FrumhoffPierre-Antoine Delhommais

Portal EcoDebateUNEP

DiretoraDiretoraDiretoraDiretoraDiretora

EditorEditorEditorEditorEditor

SubeditorSubeditorSubeditorSubeditorSubeditor

Projeto GráficoProjeto GráficoProjeto GráficoProjeto GráficoProjeto Gráfico

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

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Nº 24 – 2009 - ANO IVCapa: COP15 - United Nations Climate ChangeFoto: Neil Palmer/CIAT (International Center for Tropical Agriculture)

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COP15: os interesses em jogoPara se entender o que estava em jogo em Copenhague deve-se conhecer quem ‘nega’ e quem‘afirma’ as mudanças climáticas antrópicas. Uma liça onde ciência, sociedade civil e mercado sedigladiam. Por Hélio Carneiro

O golpe da corporação do climaVeja como as grandes corporações negam as evidências científicas do aquecimento global antrópicopara continuar a poluir e, ao mesmo tempo, reciclam o problema em lucrativos negócios de combateàs severas mudanças climáticas. Por David F. Noble

Climagate – a controvérsia fabricadaÀs vésperas da COP15, os negadores da mudança climática tentaram solapar as bases científicasdo aquecimento global via publicação distorcida de e-mails roubados de climatologistas. Veja comoa ‘guerra suja‘ foi desmascarada. Por Peter Frumhoff

O movimento dos movimentos: da resistência à justiça climáticaA COP15 revelou o poder da sociedade civil planetária unida em torno da justiça social e climática.Agora, a governança global não poderá mais priorizar os interesses particulares dos Estados e dobig business. Por Anna White

É hora de um ‘New Deal Verde’A conspiração de antiecologistas explora a atual recessão econômica e o aumento do preço doscombustíveis e dos alimentos para pintar o ‘movimento verde’ como uma ameaça à liberdade a seuspróprios privilégios.. Por Andrew Simms

COP15: Um crime climáticoA maior cúpula diplomática da história do meio ambiente frustrou as enormes expectativas dasorganizações da sociedade civil, sobretudo as ambientalistas, ao não chegar a um acordo mínimopara redesenhar propostas efetivas para salvar o planeta. Por CEPAR e IHU

Mais Moyo, menos Bono“A ajuda ocidental à África foi e continua a ser um desastre total nos planos político, econômico ehumanitário.” Esta polêmica tese discute como resgatar o continente africano da miséria alimentadapela solidariedade paternalista e neocolonialista. Por Pierre-Antoine Delhommais

Antropodescentrismo: as fronteiras entre o ser humano e as outras espéciesPara o pensador Roberto Marchesini, na esfera do ‘bios’ não há hierarquias nem distânciasqualitativas entre o humano e o mundo animal, apenas contiguidade e diferenças entre asespécies. Por Alberto Giovanni Biuso

Da economia ecológica à socioambientalSe a humanidade resistir em abrir mão de vulgaridades que prejudicarão a vida de futuras gerações,estará confirmando sua opção preferencial por uma existência mais excitante, mesmo que bemencurtada. Por José Eli da Veiga

Agrobiodiversidade e o direitoA criação de reservas de agrobiodiversidade poderá representar mais um instrumento jurídico paraa conservação da agrobiodiversidade. Temos de proteger variedades de mandioca, milho, arroz,feijão..., além de nossos ecossistemas agrícolas . Por Juliana Santilli

Desintoxicação de choque: a cura para a dependência de petróleoUma explosão no preço do petróleo pode repercutir de forma muito positiva se encararmos o fatocomo uma oportunidade econômica de reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos combustíveisfósseis, que aceleram o aquecimentro global. Por Mark Linas

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Os resultados da Conferência sobre Mudan-ças Climáticas das Nações Unidas (COP15), ocorrida entre os dias 7 e 18 de de-

zembro de 2009, em Copenhagen, Dinamarca, já seanunciavam muito antes de seu desfecho. Os especi-alistas em negociações internacionais multilaterais pre-viam que as expectativas dos ‘defensores do clima’por medidas efetivas de contenção e de estabilizaçãodo aquecimento global seriam amplamente frustradas.Não deu outra: a esperança (Hopenhagen) sossobrouno fracassado (Flopenhagen) Acordo de Copenhague.

Afinal, a Cúpula do Clima foi um retrocesso? Ouocorreram avanços significativos na discussãopropositiva de soluções para a questão ambientalplanetária? Para ajudar a aclarar tais indagações,preparamos um dossiê-reflexão sobre os agentes,os interesses e as forças presentes na liça das mu-danças climáticas.

O artigo O Golpe da Corporação do Clima traça ohistórico da reação das grandes corporações indus-triais – um dos agentes referenciados – frente àsevidências científicas do aquecimento globalantrópico impulsionado pelas emissões de CO

2 e

dos outros gases de efeito estufa. Das campanhasiniciais de desinformação da opinião pública à apro-priação da questão climática como business alta-mente lucrativo, as ‘forças do mercado corporati-vo’ – com o amparo da governança global – tam-bém não deixaram de acelerar a pesquisa e o de-senvolvimento de tecnologias e de processos ‘ver-des’, menos poluentes e predatórios, pavimentan-do a transição rumo à economia descarbonizada quepode resgatar a ‘Terra prometida’.

No entanto, como tal transição não pode ser opera-da da noite para o dia, o onipresente mercado conti-nua a investir (e faturar) na degradação ambiental e,obviamente, no processo de descrédito da ciênciaclimatológica junto à opinião pública. Climagate: a con-

trovérsia fabricada – a ‘bomba suja dos emails frau-dados’ lançada no início da COP15 – corrobora osestertores dos ‘negadores das mudanças climáticas’frente à sociedade civil global amadurecida e unidaem torno do objetivo de salvação da Terra.

O artigo O movimento dos movimentos: da resis-tência à justiça climática aponta como o exercícioda cidadania global – via ONGs, comunidades, as-sociações... – já encurrala a governança global, for-çando-a a priorizar a justiça social e climática so-bre os interesses do mercado e dos Estados. Sema monumental pressão dos defensores da justiçasocial e climática, a tentativa dos países mais ricose poluentes em abortar, na COP 15, as já poucocumpridas metas do vigente (e caduco) Protocolode Kyoto teria sido coroada de êxito.

É hora de um ‘New Deal Verde’ desmascara osargumentos dos ‘apóstolos do caos’, para quem osdefensores da ecologia não passam de inimigos doprogresso, e as ações em prol da sustentabilidaderepresentam um golpe de misericórdia na espéciehumana (ou seja, nos privilégios que eles e seus paresdesfrutam). Eles temem que o projeto de políticasconjuntas proposto pelo ‘New Deal Verde’ paraenfrentar o trio – crise de crédito, aumento do pre-ço do petróleo e impacto econômico das mudan-ças climáticas – equilibre as necessidades huma-nas, o bem-estar e a justiça social com os recursosdisponíveis em nosso planeta mãe. Ou seja, temema ‘ecologia da libertação’.

Ao final da cúpula, o reacionarismo venceu mais umround, como indica o artigo COP 15: um crime climá-tico, resumo da ‘agenda de consenso’ sobre as ques-tões nevrálgicas que a Conferência deveria ter acor-dado, mas empurrou com a barriga para a COP16, aser realizada no México, em dezembro de 2010, ondeteremos mais um round na luta pela justiça social eclimática, e pela sobrevivência do planeta.

por Hélio Carneiro

COP15: os interesses em jogoCOP15: os interesses em jogo

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FIASCOP 15 - Peça 1 do díptico Protocolo de Kyoto - Cúpula de Copenhague. Por Pierre Marcel

COP15

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Al Gore discorre sobre Aquecimento Global no BankAtlantic Center da univerisdade de Miami (28/02/2007).Foto: Alex de Carvalho

por David F. Noble

Se, a princípio, as grandes corporações negaram as evidências científicas do

aquecimento global antrópico, logo sequestraram a questão em benefício

próprio, como atestou a revista Newsweek (12/03/2007): “Wall Street expe-

rimenta uma mudança climática ao reconhecer que ‘o modo de se tornar

verde é enveredar pelo verde’.” Assim, o problema das mudanças climáti-

cas foi reciclado em lucrativos negócios, incentivando a transição para a

descarbonização da economia e do meio ambiente . Descubra os bastidores

do ‘mercado’ que fatura com a degradação e a despoluição do planeta.

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o

Al Gore palestra sobre aquecimento globalno Bank Atlantic Center da Universwiadede Miami, em 28/02/2007.

do Clima

O golpeda

Corporação

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Não respire. Há uma guerra totalcontra as emissões de CO

2, e você

está liberando CO2 cada vez que res-

pira. A campanha multimídia contrao aquecimento global que saturanossos sentidos e insiste que, den-tre os gases de efeito estufa, o CO

2 é

o pior inimigo, não aceita reflexão:ou se está do lado de quem denun-cia ou a favor dos ‘detratores doaquecimento global’. Ninguém podequestionar a nova ortodoxia ou ousaincorrer no pecado de emissão. SeBill Clinton estivesse hoje concor-rendo à presidência dos EUA, ele ju-raria que não libera CO

2.

Como chegamos a esse ponto? Porque e como um assunto tão difícil,que ontem só interessava um pu-nhado de cientistas e de especialis-tas, não mais que de repente pas-sou a dominar o discurso cotidianodo planeta? Como uma especulaçãocientífica explodiu tão rapidamenteem onipresentes inquietações apo-calípticas? Todas essas indagaçõesnão são hipotéticas, mas históricas,e todas têm respostas.

Eventos como esses simplesmentenão acontecem; são programadospara acontecer. Em geral, nossasidéias tendem a não ser de nossa próprialavra: raramente as propomos; nós as ab-sorvemos do mundo que nos rodeia. E issoé especialmente óbvio quando nossasidéias acabam sendo iguais a de quasetodo mundo, até mesmo de quem nuncachegamos a conhecer ou a contatar. Deonde surgiu a concepção sobre a urgentecrise do aquecimento global pelas emis-sões de CO

2, e como ela entrou em nossas

cabeças, dado que tão poucos leram outentaram ler um único estudo científicosobre os gases de efeito estufa? Respon-der a tal pergunta não é tão difícil quantopoderia parecer por uma simples razão: sãonecessários boa dose de descortino e derecursos para implantar uma idéia ‘aliení-gena’ tão rápida e simultaneamente em tan-tas mentes. E os únicos detentores de talcapacidade e meios são o governo e ascorporações, com ssua poderosa máquinamultimídia. Realizar uma mudança tão sig-nificativa no foco da percepção, do con-vencimento e da crença requer um subs-tancial e conseqüente esforço de visibili-dade e de demonstração.

Até muito recentemente, a maioria das pes-soas ou era desavisada ou confusa e relati-vamente desinteressada sobre essa questão,apesar dos crescentes consensos entre ci-entistas e ambientalistas sobre os possíveisperigos das mudanças climáticas. Ativistasdo aquecimento global, como Al Gore, eramrápidos em colocar a culpa por tal ignorância,confusão e despreocupação popular numacampanha de propaganda financiada pelascorporações de petróleo, de gás e de seusagentes – políticos, agências de propagan-da, de relações públicas e porta-vozes na mí-dia, todos anestesiando um complacentepúblico ao semear dúvida e ceticismo acercadas inquietantes reivindicações dos cientis-tas. E, claro que tinham razão: havia tal cam-panha corporativa, hoje amplamente docu-mentada. No entanto, os ativistas do aqueci-mento global convenientemente deixaram demostrar que suas próprias mensagens alar-mistas foram marteladas em nossas cucaspelos mesmos meios, embora via mãos cor-porativas diferentes. No entanto, a pregaçãodos ativistas, que poderia ter sido mais signi-ficativa, recebeu escassa divulgação.

Nos últimos 15 anos, fomos subme-tidos a duas competitivas campanhascorporativas, ambas ecoando estra-tégias corporativas de ocasião e re-fletindo a divisão dentro dos círcu-los da elite negocial. A questão dasmudanças climáticas foi moldada porambas as partes desta elite fraciona-da, dando a entender que só haviadois lados para a questão.

A primeira campanha – Formatadano final dos anos 1980, como parteda ofensiva triunfalista da ‘globali-zação’, buscou destruir a hipótesedas mudanças climáticas pela nega-ção, dúvida, escárnio e desmontagemdas graves evidências científicas quepoderiam colocar o entusiasmo peloexpansionismo capitalista em banho-maria. Ela foi até certo ponto modela-da sobre a primeira campanha desen-volvida pela indústria do tabaco parasemear o ceticismo sobre a coleta deevidências dos efeitos danosos doato de fumar na saúde. Após esteesforço de ‘propaganda negativa’,todos os críticos das mudanças cli-máticas e do aquecimento global fo-ram imediatamente identificados comesta vertente do debate.

A segunda campanha – Deslan-chada uma década depois – no despertarde Quioto e na plenitude do movimentoantiglobalização –, buscou ‘tirar proveitoda questão ambiental ao afirmá-la para me-lhor sequestrá-la e, assim, usufruir dividen-dos corporativos’. Modelada em um sécu-lo de cooptação corporativa liberal dos mo-vimentos reformistas populares, essa cam-panha objetivou apropriar-se da questãopara moderar suas implicações políticas,tornando-a deste modo compatível com osinteresses corporativos econômicos, geo-políticos e ideológicos.

A campanha corporativa climática enfatizoua primazia das soluções ‘de mercado’, insis-tindo na necessidade da ‘uniformidade e daprevisibilidade de regras e regulamentos’.Ao mesmo tempo, transformou a questãoclimática em obsessão global, em preocu-pação acachapante, para melhor desviar aatenção dos radicais desafios propostospelo movimento por justiça global. Após estacampanha, todos os oponentes dos ‘nega-dores’ foram identificados – e, muito impor-tante, se auto-identificaram por vontade

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COP15

A desinformação

e o descrédito

contra as evidências

científicas do

aquecimento global são

articuladas em

campanhas multimídia

patrocinadas pelas

corporações industriais.”

Cidadania&MeioAmbiente 7

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própria ou não com os ‘cruzados cli-máticos corporativos’.

A primeira campanha, dominante aolongo dos anos 1990, sofreu as con-sequências da exposição e tornou-se quase moribunda no início da eraBush II sem, no entanto, perder opoder de influenciar a Casa Branca(e o gabinete do Primeiro Ministrocanadense). A segunda, tendo con-tribuído para a difusão de um movi-mento radical, obteve sucesso aogerar a histeria atual sobre o aqueci-mento global, que, a partir de então,foi canalizado com segurança paraas agendas de ações corporativassem risco de confrontar o poder cor-porativo. Seu sucesso de mídia des-pertou o público e compeliu até mes-mo os mais empedernidos ‘negado-res do aquecimento global’ a muitooportunamente cultivar uma imagem‘mais verde’. Enquanto isso, e maisimportante ainda, atuando em con-junto, as duas campanhas corpora-tivas obliteraram com eficiência qual-quer margem de rejeição.

GLOBALIZAÇÃO, IPPCE ANTIGLOBALIZAÇÃONo final dos anos 1980, as mais po-derosas corporações mundiais lança-ram sua revolução ‘globalizante’, invocandosem cessar o inevitável benefício do livre co-mércio e, neste processo, relegando as ques-tões ambientais à periferia e acuando o movi-mento ecologista para ações de retaguarda.Não obstante, o interesse pelas mudançasclimáticas continuou crescendo. Em 1988, ci-entistas especializados em clima e gestorespolíticos criaram o Painel Intergovernamen-tal sobre Mudanças climáticas (IPPC, em in-glês) para manter as rédeas sobre a questãoe publicar relatórios periódicos. Em uma reu-nião realizada em Toronto, 300 cientistas epolíticos de 48 países lançaram uma convo-cação para ações de redução das emissõesde CO

2. No ano seguinte, 50 empresas dos

setores de petróleo, gás, carvão, automotore química – e suas associações de comércio– formaram a Global Change Coalition (GCC),que distribuiu milhões de dólares em contri-buições políticas e em campanhas de rela-ções públicas para advertir que os mal direci-onados esforços de redução das emissõesde gases de efeito estufa via restrição de quei-ma de combustíveis fósseis comprometeri-am a promessa de globalização e arruinariam

a economia. As ações do GCC conseguiramefetivamente colocar a questão das mudan-ças climáticas em compasso de espera.

Nesse ínterim, após a insurreição indíge-na em Chiapas, em janeiro de 1994, ocorri-da no primeiro dia da implementação doTratado Norte-Americano de Livre Comér-cio, o ‘movimento antiglobalização’ explo-diu num protesto mundial contra o capita-lismo de mercado e a predação patrocina-da pelas corporações, incluindo a rapinae o esgotamento do meio ambiente. Emapenas cinco anos, o movimento cresceuem coesão, número de entidades filiadas,poderio, militância e combatividade, de-saguando nos chamados ‘dias globais deação’ ao redor do mundo, particularmenteem ações diretas nas cúpulas do G8 e nasreuniões do Banco Mundial, do FundoMonetário Internacional e da nova Orga-nização Mundial do Comércio. O auge domovimento foi alcançado no cancelamen-to da reunião da OMC, em Seattle, em no-vembro de 1999. Constituído por uma ex-tensa gama de organizações de base eco-

lógica, o movimento uniu-se emoposição à ‘agenda corporativaglobal’, desestabilizando pela raiza campanha de globalização empre-endida pelas elites.

Foi nesse contexto conturbado queos signatários da Convenção Qua-dro das Nações Unidas para as Mu-danças Climáticas – formulada porrepresentantes de 155 países na Cú-pula da Terra, no Rio de Janeiro, em1992 – se encontraram, ao final 1997,em Quioto, para estabelecer o cha-mado Protocolo de Quioto para Re-dução das Emissões de Gases deEfeito Estufa, via metas de controledas emissões de CO

2 e mecanismos

de compensação, como os créditosde carbono. O tratado de Quioto,sempre prorrogado e apenas ratifi-cado no final de 2004, converteu-seno único acordo internacional sobreMudanças Climáticas, tornando-seimediatamente o eixo do debate polí-tico sobre o aquecimento global.

O PROTOCOLO DE QUIOTO

E A REAÇÃO CORPORATIVAA oposição corporativa antecipou-se a Quioto. No verão de 1997, osenado norte-americano aprovouuma resolução unânime exigindo

que qualquer tratado sobre a questão aque-cimento global teria de incluir a participa-ção dos países em desenvolvimento, emparticular das potências econômicas emer-gentes, muito especialmente China, Índia eBrasil, países de resto excluídos da primei-ra rodada do Protocolo de Quioto. Encur-ralados pelo crescente movimento por jus-tiça global, os adversários do Protocolo deQuioto no GCC taxaram o tratado de ‘soci-alista’ ou de complô ‘terceiro-mundista’contra os países ocidentais desenvolvidos.

No entanto, a convergência do movimentopor justiça global e Quioto incitaram parte daelite a repensar e a se reagrupar, fato que criouuma divisão nos escalões corporativos notocante à questão das mudanças climáticas.As defecções no GCC começaram em 1997 e,três anos depois, incluíam participantes dopeso de Dupont, British Petroleum, Shell,Ford, Daimler-Chrysler e Texaco. Exxon, Mobil,Chevron e General Motors foram os últimosa deixar o GCC. (Em 2000, o GCC finalmentedeixou de existir, embora outras organizaçõescorporativas com objetivos semelhantes te-

Protesto na reunião da OMC, Seattle nov. 1999.

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O movimento

antiglobalização explodiu

num protesto mundial

contra o capitalismo de

mercado e a depredação

patrocinada pelas

corporações,

incluindo a rapina e o

esgotamento

do meio ambiente.”

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nham sido criadas para continuar a‘campanha de desinformação’, quepersevera até hoje.)

Os membros que deixaram o GCCfundaram novas organizações. En-tre os primeiros, o Pew Center forGlobal Climate Change (Centro Pewpara a Mudança Climática Global),financiada pelas doações filantrópi-cas da Sun Oil/Sunoco. A diretoriado novo Centro foi confiada a Theo-dore Roosevelt IV, bisneto do presi-dente da Era Progressista (e íconede conservadorismo), e administra-da pelo banco de investimento Leh-man Brothers. Também na diretoriafiguravam o diretor administrativo dobanco de investimento Castle-Harlane o antigo diretor da Northeast Uti-lities, bem como o veterano advoga-do corporativo Frank E. Loy, nego-ciador para comércio e mudanças cli-máticas na gestão Clinton.

Logo ao iniciar suas atividades, o PewCenter criou o Business Environmen-tal Leadership Council (Conselho deLiderança Ambiental Empresarial) pre-sidido por Loy. Entre os primeiros mem-bros do conselho figuravam as corpo-rações Sunoco, Dupont, Duke Ener-gy, British Petroleum, Royal Dutch/Shell, Ontário Power Generation, DTE (De-troit Edison) e Alcan.

Para marcar seu distanciamento do GCC,o Conselho de Liderança Ambiental Em-presarial declarou “aceitar as perspecti-vas da maioria dos cientistas sobre o fatode já se contar com suficientes dados ci-entíficos sobre os impactos ambientaisnas mudanças climáticas para se passar àação e enfrentar as conseqüências”. E dis-se a que vinha: “O mundo dos negóciospode e deve dar passos concretos, tantonos EUA como no âmbito internacional,para avaliar as oportunidades trazidas pelaredução das emissões... e investir em no-vos e mais eficientes produtos, práticas etecnologias.” O Conselho enfatizou queas mudanças climáticas deveriam ser ne-gociadas via ‘mecanismos de mercado’,adotar ‘políticas razoáveis’, e expressoua convicção de que ‘as primeiras compa-nhias a adotar políticas e ações estratégi-cas relacionadas às mudanças climáticasganhariam vantagem competitiva susten-tável sobre os concorrentes’.

No início de 2000, os ‘líderes empresariaismundiais’ reunidos no Fórum EconômicoMundial, em Davos, Suíça, declararam que“as mudanças climáticas constituíam a mai-or ameaça ao mundo”. Naquele outono,muitos dos mesmos participantes, inclusi-ve Dupont, BP, Shell, Suncor, Alcan e Onta-rio Power Generation, bem como Pechiney(a empresa francesa fabricante de alumínio),juntaram forças com o grupo de advocaciaamericano Environmental Defense (DefesaAmbiental) para formar a Partnership forClimate Action (Parceria para Ações Climá-ticas). Os diretores da Environmental De-fense incluíam Frank Lay (do Pew Center) ediretores dos Carlyle Group, Berkshire Part-ners e Morgan Stanley, além do presidenteda Carbon Investments.

Ecoando a missão do Pew Center e apenasum ano após a ‘Batalha de Seattle’ malo-grar a reunião da Organização de ComércioMundial ao opor-se ao regime de globali-zação corporativo, a nova organização re-afirmou sua convicção nos aspectos be-

néficos do capitalismo de merca-do. “O propósito primário da Par-tnership é patrocinar mecanismosde mercado como instrumentopara alavancar ação imediata e cre-dível de redução das emissões degáses de efeito estufa com efici-ência de meios e de custos.”

Desde o primeiro anúncio, estamensagem foi repetida como ummantra: ‘os benefícios dos meca-nismos de mercado’; ‘as regras demercado’; os ‘programas de mer-cado podem prover os meios parase alcançar simultaneamente pro-teção ambiental e metas de desen-volvimento econômico’; ‘o poderdos mecanismos de mercado con-tribuindo para solucionar a ques-tão das mudanças climáticas’. Naprimavera de 2002, o primeiro rela-tório da Partnership orgulhosa-mente informava estarem “as em-presas do PCA na vanguarda donovo setor de administração dosgases de efeito estufa”. Cita o re-latório: “O PCA não só está alcan-çando reais reduções nas emis-sões globais, como também pro-vendo um corpo de experiênciaprática e demonstrando como 10empresas reduzem a poluição e

continuam auferindo lucro”.

O BUSINESS DA MUDANÇA CLIMÁTICA

O potencial de lucrar com as mudanças cli-máticas ganhou a ávida atenção dos ban-cos de investimento, alguns deles parcei-ros privilegiados do PCA através de suasconexões com a direção do Pew Center eda Environmental Defense. Goldman Sachsliderou o ‘pacote’ por ser proprietário decentrais de geração de energia via Cogen-trix e ter clientes como BP e Shell. Assim, aempresa de Wall Street tornou-se a maissintonizada com as novas oportunidades.Em 2004, a companhia começou a exploraras possibilidades de ‘geração de mercado’e, no ano seguinte, estabeleceu seu Centerfor Environmental Markets (Centro paraMercados Ambientais) ao anunciar que o“Goldman Sachs buscará de forma agres-siva criar mercados e oportunidades de in-vestimento nos nichos ambientais.” A em-presa indicou o Center para se ocupar dapesquisa e desenvolvimento de opções empolíticas públicas destinadas à criação demercados centrados nas mudanças climá-

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Cidadania&MeioAmbiente 9

Pela mitigação das mudanças climáticas, out.2009

Encurralados pelo

crescente movimento

por justiça global,

os adversários de Quioto

taxaram o protocolo

de ‘socialista’ e de

‘complô terceiro-

mundista’ contra

os países ocidentais

desenvolvidos.”

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ticas, avocando inclusive a forma-tação e a promoção de soluções re-guladoras para a redução das emis-sões de gás de efeito estufa. A em-presa também assegurou à GoldmanSachs a função de “identificar opor-tunidades de investimento em ener-gia renovável”. E naquele ano, obanco de investimento comprou aHorizon Wind Energy, investiu nosetor fotovoltaico via South Edison,obteve financiamento para a Nor-theast Biofuels e comprou uma par-ticipação na Logen Corporation,empresa pioneira na conversão depalha, sabugo de milho e grama emetanol. A companhia também se ou-torgou a competência de “atuar nomercado da venda das emissões deCO

2 (e S0

2)”, bem como nas áreas

de ‘derivativos meteorológicos’, de‘créditos energéticos renováveis”e em outras ‘commodities climáti-cas’. “Acreditamos – proclamouGoldman Sachs – que a administra-ção de riscos e de oportunidadesque surgem com as mudanças cli-máticas e sua regulamentação seráparticularmente significativa e atrai-rá crescente atenção dos que atu-am no mercado de capital”.

Entre esses participantes do mercado decapitais figurava Al Gore, ex-vice-presiden-te norte-americano. Gore mantinha interes-se constante nas questões ambientais ehavia representado o EUA em Quioto. Tam-bém herdara trânsito livre na indústria ener-gética, através da amizade e da participa-ção financeira de seu pai na Occidental Pe-troleum, de Armand Hammer. Em 2004, en-quanto Goldman Sachs engrenava suas ini-ciativas na criação do ‘mercado das mu-danças climáticas’ em busca de ‘lucros ver-des’, Al Gore se associou aos executivosDavid Blood, Peter Harris e Mark Fergu-son, da Goldman Sachs, para criar em Lon-dres a empresa de investimento ambientalGeneration Investment Management(GIM), ficando Gore e Blood na diretoria.

Em maio de 2005, na qualidade de repre-sentante da GIM, Al Gore capitaneou aCúpula Institucional do Investidor emRisco Climático, ocasião em que enfati-zou a necessidade de os investidorespensarem a longo prazo e a integrar asquestões ambientais em suas análisespatrimoniais. “Acredito que ao integrar

as questões relativas às mudanças climá-ticas em suas análises de mercado deações – se vale a pena investir, quantoinvestir e por quanto tempo –, vocês ve-rão que o negócio é simplesmente bom”,explicou Al Gore aos investidores presen-tes. Aplaudindo a decisão de Jeff Immelt,presidente da General Electric, de envere-dar pela trilha ambiental, Al Gore decla-rou: “Vivemos um momento extraordinari-amente esperançoso... um momento emque os líderes do setor empresarial come-çam a tomar suas decisões”. Nesta épo-ca, Al Gore já estava trabalhando em seulivro sobre aquecimento global – UmaVerdade Inconveniente –, e naquela mes-ma primavera iniciou os agenciamentospara fazer o filme sobre a questão.

AL GORE E O BOOMDO MERCADO CLIMÁTICO

O livro e o filme de mesmo título foram lança-dos simultaneamente em 2006, com enormepromoção e sucesso imediato junto à indús-tria corporativa do entretenimento (o filmerecebeu indicação para o Oscar). Tanto o li-vro quanto o filme ampliaram o alcance dos

promotores do mercado das mudan-ças climáticas, cujos esforços foramexaltados explicitamente. “Cada vezmais os executivos norte-americanosnos conduzem na direção certa –exultou Al Gore, acrescentando: “Háuma grande oportunidade a caminhopara a comunidade do investimen-to”.

Livro e filme refletiam fielmente e am-plificavam as mensagens centrais dacampanha corporativa. Assim comoseus colegas do Pew Center e daPartnership for Climate Action, AlGore enfatizou a importância de serecorrer a mecanismos de mercadopara enfrentar o desafio do aqueci-mento global. “Uma das chaves pararesolver a crise climática – escreveu– envolve os meios de se usar comoaliado a poderosa força do capita-lismo de mercado”. Gore repetiu aosinvestidores sua advertência sobrea necessidade de estratégias de in-vestimento a longo prazo e a inte-gração dos fatores ambientais aobusiness plan, mostrando com or-gulho como os líderes empresariaistinham começado a “ter uma amplavisão de como os negócios empre-sariais podem sustentar sua renta-

bilidade com o passar do tempo”. O executi-vo corporativo citado em duas páginas dolivro foi Jeffrey Immelt, presidente da Gene-ral Electric, que de forma sucinta explicou opropósito dos novos rumos: “Vivemos umtempo em que o aprimoramento ambientalconduz à rentabilidade.”

No início de 2007, a campanha corporativaacelerou significativamente sua atividadecom a criação de várias novas organizações.O Pew Center e o Partnership for ClimateAction criaram uma entidade de lobby polí-tico, a U.S. Climate Action Partnership(USCAP). A USCAP reuniu sob sua bandei-ra os participantes do esforço inicial, a sa-ber: BP, Dupont, Pew Center e Environmen-tal Defense, aos quais vieram se juntar ou-tros, inclusive GE, Alcoa, Caterpillar, DukeEnergy, Pacific Gas and Electric, Power andLight e PNM (empresas de utilidades doNovo México e do Texas). O PNM tinha seunido à Cascade Investments, de Bill Gates(Microsoft), para formar a nova empresa ener-gética EUS. Jeff Sterba, presidente do PNM,também presidia a Climate Change Task For-ce, do Edison Electric Institute. Também se

Dav

ipt

As campanhas

antiaquecimento global

afirmam que os esforços

para reduzir as emissões

de gases estufa via

restrição de combustíveis

fósseis comprometem a

globalização e podem

arruinar a economia.”

10

Page 11: Corporação do clima do planeta

Cidadania&MeioAmbiente 11

juntou à USCAP o Resources Defen-se Council, o World Resources Insti-tute e o banco de investimentos Leh-man Brothers, cujo diretor adminis-trativo, Theodore Roosevelt IV, pre-sidira o Pew Center e, pouco depois,presidiria o Lehman’s New GlobalCenter on Climate Change. Comonoticiou a revista Newsweek (12 demarço de 2007), “Wall Street experi-menta uma mudança climática ao re-conhecer que ‘o modo de se tornarverde é enveredar pelo verde’”.

Em janeiro de 2007, o USCAP emitiuuma ‘Convocação à Ação’, algo como‘um esforço não partidário lançadopelos altos executivos das organiza-ções membro’. A Convocação decla-rava a “urgente necessidade de umestatuto político para as mudançasclimáticas”, enfatizando “a obrigato-riedade de um sistema que estabele-ça de forma clara e previsível as exi-gências de mercado para reduzir asemissões de gases de efeito estufa”.A USCAP redigiu um ‘roteiro de abor-dagem econômica de mercado à pro-teção climática’ que recomendava um‘programa de política ambiental’ paracompatibilizar os objetivos almejadosaos limites de emissão e aos créditosde carbono no mercado global. Hámuito condenado pelos países em desen-volvimento como ‘colonialismo de carbo-no’, o comércio de CO

2 converteu-se em

nova ortodoxia. O roteiro também concla-mava a instalação de um “programa nacio-nal para acelerar tecnologia, pesquisa e de-senvolvimento, e implementação de medi-das para encorajar a participação dos paí-ses em desenvolvimento como China, Índiae Brasil”, insistindo que “no final das con-tas a solução deve ser global”. Segundo JeffImmelt, presidente da General Electric e por-ta-voz da USCAP, “as recomendações de-veriam catalisar a ação dos legisladores aencorajar a inovação para nutrir o cresci-mento econômico, ao mesmo tempo em quemaximizava a segurança energética e a ba-lança comercial.”

No mês seguinte, surgiria outra organizaçãoclimática corporativa, especificamente dedi-cada a divulgar o ‘novo evangelho do aque-cimento global’. Presidido por Al Gore, daGeneration Investment Management, a Alli-ance for Climate Protection (Aliança para aProteção Climática) incluía entre seus mem-

bros o agora familiar Theodore Roosevelt IV(Lehman Brothers e Pew Center); o ex-con-selheiro de segurança nacional Brent Scow-croft; Owen Kramer, do Boston Provident;representantes do Environmental Defense,do The Natural Resources Defense Councile da National Wildlife Federation (FederaçãoNacional da Vida Selvagem); e três antigosadministradores da Agência de Proteção Am-biental. Valendo-se de ‘técnicas de comuni-cação inovadoras e de longo alcance’, AlGore explicou que ‘Alliance for Climate Pro-tection (Aliança para Proteção Climática) em-preendia um trabalho de persuasão de massasem precedente’. A campanha multimídia glo-bal contra o aquecimento global passou asaturar todos os nossos sentidos.

A campanha corporativa sobre as mudan-ças climáticas alimentou uma febril preo-cupação popular com a questão do aque-cimento global e foi ainda mais longe. Ten-do surgido em meio ao movimento por jus-tiça global, a campanha restaurou a confi-ança nas mesmas crenças e forças pelasquais o movimento trabalhara com tantoempenho para expor e desafiar: as tentacu-

lares corporações globais de lu-cros exponenciais e suas miríadesde agências e agendas; a incon-teste autoridade da ciência e a re-sultante crença na tecnologiacomo fator de libertação; e as be-nesses do mercado auto-regula-dor, sua panacéia de prosperida-de via livre comércio e seus pode-res mágicos capazes de transfor-mar em commodities tudo aquiloque toca – inclusive a vida. Todasas ofuscantes verdades reveladaspor aquele movimento sobre as in-justiças, danos e desigualdadessemeados e sustentados por es-sas crenças e fontes de poder fo-ram então enterradas, varridaspara debaixo do tapete pelo apo-calíptico ímpeto de combate aoaquecimento global.

Explicitamente comparado a umaguerra, este desafio épico requeratenção focada e total compromis-so, não tolerando qualquer distra-ção. Agora não é mais o momentonem há tempo ou espaço para sequestionar uma sociedade defor-mada ou reexaminar seus mitossubjacentes. A culpa e a respon-sabilidade passam novamente arecair sobre o indivíduo imerso em

culpa primordial: o pecador familiar tem deenfrentar o castigo por seus pecados e ex-cessos, predisposto que é pela cultura pi-edosa que agora exige disciplina e sacrifí-cio. No dia da abertura do campeonato debeisebol, em abril da 2007, o proprietáriodo time Toronto Blue Jays postou-se fren-te ao gigantesco jumbotron – uma extrava-gância eletrônica enfeixada por um anelcoruscante de logotipos e de publicidadecorporativa – e exortou, em tom solene, quecada indivíduo da multidão que lotava oestádio saísse para comprar uma lâmpadaincandescente com selo de eficiência ener-gética. Todos aplaudiram.

Em seu best-seller de 2005 – Weather Ma-kers (Fabricantes de Condições Climáticas),Tim Flannery convocou seus leitores a lu-tar “nossa guerra das mudanças climáti-cas”. Com prefácio de Mike Russill, ex-pre-sidente do gigante energético Suncor e,naquele momento, diretor do World Wild-life Fund/Canada, o livro refletiu muito bema campanha corporativa. Cada indivíduo“deve saber que a luta só pode ser venci-

Soft

pix

Tech

ie

Os negadores das

mudanças climáticas

apropriaram-se do

aquecimento global para

moderar a questão e

torná-la compatível com

interesses econômicos,

geopolíticos e

ideológicos corporativos.”

Cidadania&MeioAmbiente 11

Page 12: Corporação do clima do planeta

12

David Noble – Historiador dedicado à revi-são crítica da tecnologia, da ciência e da educa-ção; professor de História na Universidade deYork, em Toronto, Canadá. É autor de Forces ofProduction: A Social History of Industrial Au-tomation (1984), The Religion of Technology:The Divinity of Man and the Spirit of Inven-tion ( 1997), Beyond the Promised Land (2005)Em 1983, Noble, Ralph Nader e Al Meyerhoffcriaram a National Coalition for Universities inthe Public Interest. O artigo original The Cor-porate Climate Coup foi publicado emwww.zmag.org/znet/viewArticle/15472

da em termos sociais e econômicos, semnecessidade de se alterar dramaticamenteo modo como vivemos.” “A coisa mais im-portante é perceber – ecoa Flannery – quetodos podemos fazer a diferença e ajudar acombater as mudanças climáticas quasesem custos a nosso estilo de vida.” “A tran-sição para uma economia livre de carbonoé eminentemente realizável – exulta Flan-nery – porque dispomos de toda a tecno-logia necessária para isso.” “Porém, existeuma armadilha potencial na estrada queleva à estabilidade climática – adverte oautor – e que vem a ser a tendência de seforçar o vagão ideológico para além dasustentabilidade!” “Ao se enfrentar umaemergência séria – aconselha – o melhor éadotar um comportamento focado.”

O livro é inspirador e convence o leitor a lutarcom diligência, entusiasmo e esperança con-tra a ameaça global. Mas, ao leitor atento nãoescapa um pequeno aparte embutido no tex-

to: “Devido ao fato de a preocupação com asmudanças climáticas serem tão recentes e aquestão tão multidisciplinar – anota Flannery– esta área do conhecimento conta com pou-quíssimos especialistas verdadeiros, e me-nos ainda com gente habilitada a traduzir aquestão para o grande público e a falar sobreo que se deve fazer.”

A campanha corporativa fez mais do quesomente criar oportunidade de mercado paraescritores de ciência de cunho popular comoFlannery. Ao estabelecer uma disputa mani-queísta entre, de um lado, os medíocres edesinteressados questionadores da ques-tão ambiental e, do outro, os esclarecidosdefensores da causa aquecimento global,também predispôs jornalistas de esquerdapoliticamente astutos a uma inesperada cre-dulidade. O apaixonado manifesto de 2006do jornalista George Monbiot (articulista dojornal britânico The Guardian) sobre a ques-tão, por exemplo, é embaraçoso por seu foco

unidirecional e sua deferência ingênua àautoridade da ciência. “Mitigar as mudan-ças climáticas – declara Monbiot – tem dese tornar um projeto prioritário. Se falhar-mos nesta tarefa, falharemos em tudo mais.Precisamos de um corte da magnitude exigi-da pela ciência. Devemos adotar a posiçãodeterminada pela ciência em lugar da deter-minada pela política”, escreve Monbiot,como se fosse possível ciência desprovidade conteúdo político. Monbiot não desfereestocadas contra a “indústria do questio-namento das mudanças climáticas”, apenasdesfere leves estocadas nas campanhas cor-porativas de desinformação por suas “idio-tices” e, incisivamente, sugere que logo,logo a “negação das mudanças climáticasparecerá tão estúpida quanto a negação doholocausto ou a afirmação de que a AIDSpode ser curada com suco de beterraba.”

No entanto, Monbiot não escreve sequeruma palavra de reconhecimento, muito me-nos de crítica, aos defensores da tese dasmudanças climáticas cujas mensagens eleinadvertidamente promove com paixão. Tam-bém aqui, um parágrafo curto e estranhamen-te enterrado no texto, aparentemente em des-conexão com o resto, perturba o leitor escla-recido. “Nada disso sugere – escreveMonbiot – que a ciência não deva ser objetode revisão e de ceticismo permanentes, ouque os ambientalistas não devam ser chama-dos às falas”. Os defensores das mudançasclimáticas não têm maior ou menor direito deestarem errados do que qualquer pessoa.“Quem engana o público – admite Monbiot– deve esperar ser desmascarado”. E acres-centa: “Também precisamos saber que nãoestamos desperdiçando nosso tempo: nãohá razão que justifique dedicar a vida a lutarpor um problema inexistente”. Talvez aqui,nessas entrelinhas, vazem algumas migalhasde verdade, ao sugerir a abertura de outroespaço e de outro momento. ■

Colin Purrington

Há muito condenado pelos países

em desenvolvimento como

‘colonialismo de carbono’, o comércio

de CO2 converteu-se em nova ortodoxia

e no direito de os ricos continuarem

poluindo ainda mais o planeta.”

12

Page 13: Corporação do clima do planeta

Cidadania&MeioAmbiente 13

COP15

A ANÁLISE DA UCSAo analisar o conteúdo divulgado dos e-mailse refletir sobre as consequências suscitadas,este texto objetiva corrigir junto à opiniãopública as idéias errôneas atribuídas aos e-mails, situando-as em seu contexto científicoe explicando sua integridade científica.

Alguns organismos da mídia têm reporta-do erroneamente os aspectos críticos dahistória dos e-mails roubados. Não há evi-dência alguma de que cientistas falsearamqualquer dos dados de temperatura já co-nhecidos em artigos publicados após a de-vida revisão paritária (2).

Às vésperas da COP15, os ‘negadores da mudança climática’ tentaram maisuma vez desacreditar os fundamentos científicos do aquecimento global. Paratanto, invadiram as caixas de e-mails da Unidade de Pesquisa Climática da EastAnglia University, na Grã Bretanha, e pinçaram informações que, fora de con-texto, provariam uma “conspiração científica para esconder ou distorcer dadossobre as alterações climáticas”. Veja como a ‘guerra suja‘ movida pelos ecocé-ticos foi desmontada neste texto assinado pela Union of Concerned Scientists(1).

Prédio Hubert Lamb,sede da Unidade dePesquisa Climáticada University of EastAnglia, Reino Unido.Foto: Leo Reynolds

a controvérsia fabricada‘CLIMAGATE’:‘CLIMAGATE’:

Não há evidência de que os cientistas ‘fal-sificaram’, ‘manipularam’ ou ‘fabricaram’dados. Estas alegações sem consistência– baseadas em conteúdo de e-mails forade contexto – são promovidas pelos quehá muito se opõem às evidências científi-cas que implicam em novas legislaçõespara frear as mudanças climáticas. O Pai-nel Intergovernamental sobre MudançaClimática (IPCC, sigla em inglês), a Uni-versidade de East Anglia e a Penn StateUniversity analisaram separadamente osconteúdos dos e-mails roubados paraavaliar as alegações de falsidade intelec-tual e científica.

por Peter Frumhoff, Union of Concerned Scientists

Embora os e-mails tenham suscitado preo-cupação, o conteúdo publicado não indicaque os dados climáticos e a pesquisa em sitenham sido comprometidos. Mais impor-tante ainda: nada do conteúdo dos e-mailsroubados tem qualquer impacto negativosobre nossa compreensão de que as ativi-dades humanas estão levando o aqueci-mento global a níveis perigosos. No en-tanto, os textos publicados na mídia pelosque negam o aquecimento global insistemque os dados são imprecisos.

O cientista Phil Jones, diretor da Unidadede Pesquisa Climática da University of East

Cidadania&MeioAmbiente 13

Page 14: Corporação do clima do planeta

14

Anglia, Reino Unidos, não ‘escondia’ nadaque já não tivesse sido discutido e publi-cado em documentos científicos submeti-dos à revisão paritária. Ele apenas recorreua um ‘trick’ – termo que, nesse caso, refere-se à técnica (não a ‘truque’), termo usualem publicações científicas revisadas.

A troca dos e-mails divulgados, ocorridaem 1999, refere-se a dados climáticos anti-gos, que os cientistas examinavam e troca-vam entre si. Nesse caso específico, Jonesfala como os cientistas comparam os da-dos de temperatura obtidos com termôme-tros dos obtidos via leitura dos anéis decrescimento anual das árvores. Essa com-paração permite aos cientistas obter dadosde temperatura de séculos passados, ante-riores à invenção do termômetro, que pos-sibilitou medições precisas. A temperaturamédia da superfície global, a partir de 1880,baseia-se no uso do termômetro e de aferi-ções de temperatura via satélite.

As distorções fabricadasA palavra ‘trick’ referenciada no texto deum dos e-mails refere-se a ‘técnica’, ‘artedo ofício’ – não a truque ou mistificação –e foi empregada num artigo científico pu-blicado em jornal acadêmico,em 1998, apósa devida revisão paritária (3). ‘Escondendoo declínio’ (hiding the decline), expressãoque também causou celeuma, refere-se àoutra técnica citada em artigo publicadonuma revista científica acadêmica (4). Emtodo caso, ninguém estava enganando nin-guém ou escondendo qualquer coisa. Naverdade, a troca de e-mails nada mais reve-la que a troca de informações entre cientis-tas sobre os diferentes modos de analisaros mesmos dados em pauta de discussãonaquele momento pela literatura submeti-da à revisão paritária. Posteriormente, osmesmos dados foram discutidos extensi-vamente no relatório de 2007 do IPCC.

Em algumas partes do mundo, os anéis decrescimento das árvores constituem um ex-celente gráfico de registro da temperatura.A cada nova estação, as árvores formam umnovo anel de crescimento. Via de regra, astemperaturas mais quentes produzem anéismais largos, enquanto as temperaturas maisfrias geram anéis mais delgados. Outros fa-tores, como precipitação, características dosolo e idade da árvore também podem afetarcrescimento dos referidos anéis.

O ‘trick’ – referido em documento publicadoem 1998, na revista científica Nature – consis-te na comparação dos dados dos anéis maisantigos com os dados obtidos com termôme-tro. O espelhamento dos dois conjuntos dedados pode ser difícil e, por isso, os cientistas

sempre procuram novos modelos para tornaros registros de temperatura mais precisos.

Os anéis das árvores constituem uma fon-te muito confiável de dados para os últi-mos 2 mil anos. No entanto, desde os anos1960, os cientistas observaram haver, emcertas regiões, grupo de árvores que pare-cem indicar temperaturas mais quentes oumais frias do que na verdade sabemos sera partir da medição por termômetros insta-lados em unidades de coleta de dados me-teorológicos.

O termo ‘escondendo o declínio’ (hiding thedecline) encontrado nos e-mails refere-se àexclusão de dados de algumas árvores sibe-rianas após 1960. Esta omissão foi discutidaabertamente na mais recente atualização emciência climática, em 2007, pelo IPCC. Assimo ‘escondendo’ não é nada ‘escondido’.

POR QUE ÁRVORES SIBERIANAS?Na região de Yamal, na Sibéria, há um pe-queno conjunto de árvores que apresen-tam anéis mais finos do que se esperavaapós 1960, quando comparado com medi-ções por termômetro realizadas na regiãoatualmente. Os cientistas ainda estão ten-tando entender por que estas árvores fo-gem ao padrão. Por isso, algumas análisesomitiram os dados destas árvores após 1960e optaram pelas temperaturas aferidas portermômetro. Técnicas como estas auxiliamos cientistas a reconstruir os registros detemperatura climática do passado com basenos melhores dados disponíveis.

Em outro e-mail, Kevin Trenberth – pesquisa-dor climático do Centro Nacional para Pesqui-sa Atmosférica, no Colorado – escreveu queos sistemas para observar a variação climáticaanual de curto prazo são inadequados, e la-mentou: “O fato é que não podemos explicar aausência de aquecimento neste momento, e éuma pena que não possamos... Nosso siste-ma de observação é inadequado.”

Os cientistas podem depositar alto grau deconfiança nas tendências das temperatu-ras globais das décadas recentes porqueessas observações se baseiam em grandevolume de dados. Por isso, podemos afir-mar sem medo de errar que durante as últi-mas décadas a Terra aqueceu. Também po-demos afirmar com certeza que a contínuasobrecarga de CO

2 na atmosfera tornará o

planeta ainda mais quente.

No entanto, os cientistas ainda tentam en-tender como o clima varia no curto prazo,por exemplo, no espaço de um ano. Numdos e-mails, Trenberth lamenta a falta deequipamentos de monitoramento distribu-ídos nos oceanos e na atmosfera ao redordo globo. Se assim fosse, os cientistas con-tariam com mais informações para enten-der exatamente como ocorrem as variaçõesclimáticas no curto prazo. Trenberth faz re-ferência, em particular, ao ano de 2008, maisfresco do que os cientistas haviam previs-to, mas, ainda assim, figurando entre os 10anos mais quentes desde que foram inicia-dos os registros instrumentais.

Os sentimentos de Trenberth expressos emseu e-mail privado refletem a consternaçãoque manifestou em público: o cientista abor-dou o mesmo assunto em um documentocientífico, de 2009 (pdf) (5), onde figura exa-tamente a mesma pergunta.

Até hoje não existe nenhuma evidência palpá-vel de que os cientistas violaram quaisquerprincípios basilares da integridade científica.Por isso, os e-mails não detonam a ciência.

Alguns e-mails abordando a questão de limi-tar a liberdade de informação e manter algu-mas comunicações científicas fora de publica-ções também levantaram suspeitas acerca daintegridade científica dos autores. Os cientis-tas devem se mostrar sempre tão transparen-tes quanto possível em relação a seus dados emétodos. A transparência é crítica para o exer-cício da responsabilidade em qualquer área.De sua parte, Phil afirma não ter apagado ne-nhuma mensagem de e-mail referente ao res-peito à liberdade de informação. Se tivesseagido de outra forma, sua conduta seria repro-vável. E, até agora, não há evidência de quequalquer e-mail tenha sido apagado.

A ciência deve ser analisada dentro de seucontexto para poder ser contestada. Quandocolocamos os e-mails roubados em seu devi-do contexto, eles não apresentam nada denovo e, por isso, não detonam os dados ouas pesquisas climáticas. Também é importan-te entender a integridade das alegações ci-entíficas contra os cientistas no contextogeral, não isoladamente, como foi o caso.

A guerra suja

da desinformação

revela as tentativas dos

ecocéticose para

contestar as evidências

irrefutáveis do

aquecimento global”

14

Page 15: Corporação do clima do planeta

Cidadania&MeioAmbiente 15

Peter Frumhoff é diretor deciência & política e cientistachefe do Climate Campaign,do UCS. Ecologista de reno-me global, ele publica e pro-fere conferências sobre vastagama de tópicos que incluemimpactos das mudanças cli-máticas, ciência climática,

COP15

NOTAS DO EDITOR

1 – A Union of Concerned Scientists (UCS) é a principalorganização sem fins lucrativos dos EUA objetivando ummeio ambiente saudável e um mundo mais seguro. Fundadaem 1969, a UCS tem sede em Cambridge, Massachusetts, comescritórios em Berkeley, Chicago e Washington, D.C.

2 – Nos meios acadêmicos, a revisão por pares, tambémchamada revisão paritária ou arbitragem (peer review,refereeing, em inglês) é um processo utilizado na publicaçãode artigos e na concessão de recursos para pesquisas. Con-siste em submeter o trabalho científico ao escrutínio de umou mais especialistas do mesmo escalão que o autor, que semantêm anônimos ao autor. Esses revisores anônimos fre-quentemente fazem comentários ou sugerem a edição do tra-balho analisado, contribuindo para a qualidade do trabalhoa ser publicado. Publicações e prêmios que não passam porrevisão paritária tendem a ser vistos com desconfiança poracadêmicos e profissionais de todas as áreas.

3 – Global-scale temperature patterns and climate forcingover the past six centuries. Michael E. Mann, Raymond S.Bradley & Malcolm K. Hughes. Nature 392, 779-787 (23April 1998) | doi:10.1038/33859; Received 9 May 1997;Accepted 27 February 1998.

4 – Reduced sensitivity of recent tree-growth to temperatureat high northern latitudes. K. R. Briffa, F. H. Schweingruber,P. D. Jones, T. J. Osborn, S. G. Shiyatov & E. A. Vaganov.Nature 391, 678-682 (12 February 1998) | doi:10.1038/35596; Received 14 May 1997; Accepted 11 November 1997.

5 – Trenberth, K. E., 2009: An imperative for adapting toclimate change: Tracking Earth’s global energy. CurrentOpinion in Environmental Sustainability, 1, 19-27. DOI10.1016/j.cosust.2009.06.001.

6 – A test of corrections for extraneous signals in gridded surfacetemperature data. Ross McKitrick, Patrick J. Michaels. ClimateResearch Vol. 26: 159–173, 2004. Published May 25.

7 – Climatologistas recebem ameaças de morte – Os cientis-tas do CUR estão recebendo centenas de e-mails ofensivos eameaçadores desde a divulgação de suas correspondênciasem meados de novembro de 2009. Kate Ravilious paraenvironmentalresearchweb, parte do the Guardian Environ-ment Network, Terça-feira, 8 de dezembro de 2009.

Independentemente de os pesquisadores daUnidade de Pesquisa Climática da Universi-ty of East Anglia terem ou não observadoos critérios de liberdade de informação, seusdados continuam a gozar de rigor científicoe encontram eco em três outros conjuntosde dados independentes sobre a tempera-tura, a saber: da NASA, do National Ocea-nic and Atmospheric Administration e daSociedade Meteorológica Japonesa.

Causaram muito alvoroço os e-mails refe-rentes a um certo artigo que alguns cien-tistas julgaram não deveria ter sido publi-cado em revista acadêmica dotada de revi-são paritária. Estes e-mails focam a variabi-lidade solar sobre o clima com o passar dotempo. O artigo foi publicado na revistacom revisão paritária Climate Research, sóque em circunstâncias incomuns. Metadedo comitê editorial da revista demitiu-se emprotesto contra o que julgaram ser um fra-casso do processo de revisão paritária. Oartigo argumentando que o atual aqueci-mento não é fato incomum foi contestadopelos cientistas cujos trabalhos foram ci-tados no artigo. Muitas publicações sub-seqüentes corrigiram os dados, fato quedemonstra como o processo de revisãoparitária tende a corrigir tais tipos de lap-sos ao longo do tempo. Mais tarde, os ci-entistas descobririam que o artigo fora cus-teado pelo American Petroleum Institute.

Em e-mail posterior, Phil Jones faz referência adois outros textos (6) que não considerou rele-vantes. “Não posso imaginar qualquer umdestes artigos figurando no próximo relatóriodo IPCC. De alguma forma Kevin e eu os man-teremos fora – mesmo que sejamos obrigadosa redefinir o que seja revisão paritária!”

Ainda assim, os textos em questão figura-ram no relatório do IPCC, fato que indicanão ter havido nenhuma restrição à incor-poração dos mesmos. O processo do IPCCagrega centenas de autores e revisores, numprocesso de revisão transparente e exato. Ofato de grupos adversários às ações emmudança climática invocarem ‘conspiração’apenas revela o grau de desespero com quetentam desacreditar os cientistas.

Os milhares de e-mails subtraídos ilegalmen-te cobrem mais de uma década. Quem osroubou somente poderia divulgar um pu-nhado que, fora de contexto, poderia levan-tar suspeitas em pessoas não familiarizadascom os pormenores da ciência climática. Háanos, os adversários das ações antiaque-cimento global vem atacando a ciência cli-mática. O fato de seus argumentos maisfortes serem ataques pessoais a cientistasvia argumentação fora-de-contexto é reve-

ladora da amplitude do fracasso dessesgrupos ao tentar manobras de todos os fei-tios para contestar as evidências irrefutá-veis. A estratégia dessa gente também pro-voca sérias conseqüências. No dia 8 de de-zembro, por exemplo, o jornal britânico theGuardian informava que os cientistas daUniversity of East Anglia passaram a rece-ber ameaças de morte.

O momento escolhido para a divulgaçãodos e-mails corrobora as suspeitas sobreas reais motivações de quem invadiu e seapropriou ilegalmente do conteúdo dascaixas postais dos cientistas. Afinal, os e-mails roubados foram publicados duas se-manas antes da maior conferência sobremudanças climáticas – a COP 15 – promo-vida pela ONU, em Copenhague. Segundoum periódico britânico, os e-mails foram ori-ginalmente pirateados em outubro. E quem

os publicou provavelmente desejava dis-seminar a desinformação sobre a ciênciaclimática para minar a conferência. A Uni-versity of East Anglia, que hospedava ose-mails, iniciou uma investigação para de-terminar o autor(es) do roubo.

CIENTISTAS SÃO HUMANOSCOMO QUALQUER PESSOAEm outros e-mails, os cientistas simples-mente expressam sua frustração e – numadas mensagens – um deles até mesmo fala(não seriamente, esperamos) de sua von-tade em surrar uma pessoa que o atacoupublicamente. Esse tipo de ‘papo’, sabe-mos todos, não é incomum na troca de e-mails pessoais. Só que esse tipo de ‘confi-dência’ também acabou por chamar a aten-ção, já que não se coaduna com a imagemque a opinião pública faz dos cientistas.

Os cientistas também são pessoas sujeitasa vasta gama de emoções. Mas, indepen-dente de como agem, todos devem apresen-tar seus argumentos através de evidências

e interpretações científicas válidas. O pro-cesso de produção científica é o que impor-ta. Com o passar do tempo, o rigor das aná-lises, via revisões paritárias, tende a depu-rar os argumentos mal fundamentados. Eapenas as melhores explicações sobre amecânica do planeta – por exemplo, a óbviaevidência de que as excessivas emissõesde dióxido de carbono estão provocando oaquecimento da Terra – sobrevivem. ■

Os e-mails roubados

foram publicados

duas semanas antes

da COP 15,

embora tenham

sido pirateados

dois meses antes.”

conservação e gerenciamento de florestas tropi-cais e diversidade biológica. O artigo DebunkingMisinformation About Stolen Climate Emailsin the “Climategate” Manufactured Controversy– bem como farto material de referência sobre a‘guerra suja’ contra a ciência climatológica po-dem ser consultados em http://www.ucsusa.org

Cidadania&MeioAmbiente 15

Page 16: Corporação do clima do planeta

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O Movimento dos Movimentos:

por Anna White

A Conferência do Clima, em Copenhague,revela um novo movimento de justiçaplanetária. Comparado aos protestos

‘antiglobalização’ dos anos 1990,o movimento pelo clima revela uma

sociedade civil global amadurecida eunida em torno de um objetivo,

ao invés de lutar por interesses dispersos.A autora acredita que a coesa identidadede interesses deste novo grupo de ONGspode forçar os negociadores a priorizar

a justiça social e climática sobre osinteresses particulares dos Estados

e do big business global.

Aprimeira semana de dezembro marcouo décimo aniversário ‘Batalha de Seat-

tle’, ocasião em que dezenas de milhares demanifestantes paralisaram a reunião minis-terial da Organização Mundial do Comércio(OMC) no dia da abertura. Pegando de sur-presa os negociadores e a mídia, amobilização em massa de grupos diversos –de ecologistas a sindicalistas – conseguiuprotelar as negociações comerciais que,muitos críticos sugerem, poderia ter conso-lidado o poder global das grandes corpora-ções às custas dos mais pobres e marginali-zados do mundo. Saudado pela ativistaNaomi Klein (1) como o movimento de justi-ça global ‘vindo de fora’, muitos analistasviram naquele protesto a fonte de inspira-

da Resistência à Justiça Climáticação para a mobilização transnacional em prolda justiça social, econômica e ambiental, hojeuma presença regular em todas as reuniõespolíticas internacionais.

E, agora, na COP 15, quando os líderes mundi-ais se encontraram em Copenhague para dis-cutir o que os cientistas advertem ser o maiordesafio que a humanidade enfrenta a nívelmundial – o aquecimento global –, o chaman-do ‘movimento dos movimentos’ novamentemarca sua presença de modo marcante.

Da mesma maneira que Seattle revelou aextensão da oposição dos movimentos so-ciais espalhados ao redor do mundo às cor-porações mundiais unicamente voltadas à

obtenção de lucro, Copenhague pode es-tar revelando um ‘movimento de justiçaglobal ‘ que, muito além das ações de re-sistência, apresenta-se coeso num ‘movi-mento de mudança’. Nas palavras de Da-vid Solnit, co-autor de ‘A História da Bata-lha de Seattle’: “Se Seattle foi o ‘movimen-to dos movimentos vindo de fora’, entãocom certeza Copenhague será a celebra-ção de nossa maioridade.”

JUSTIÇA CLIMÁTICA

A marcha da mobilização que culmina emCopenhague foi construída pela forçaaglutinadora de um ativismo interconecta-do por grupos da sociedade civil espalha-dos pelo planeta, o que leva a pensar que,

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NOTA DO EDITOR

(1) Naomi Klein – Ativista e pensadora política, autora de ADoutrina do Choque - A Ascensão do Capitalismo do De-sastre, Editora Nova Fronteira.

Anna White – Ativista política, social e am-biental. Artigo publicado nos sites Share theWorld’s Resources (http://stwr.org/) e GlobalPolicy Forum (www.globalpolicy.org ), em 10/12/2009.

à semelhança do que ocorreu em Seattle,estes movimentos sociais fusionados numúnico objetivo obterão sucesso em sua rei-vindicação. No entanto, a convocação por‘justiça climática’ – bandeira que une o mo-vimento global – apresenta um aspecto dis-tintamente diverso dos protestos ‘antiglo-balização’ dos anos 1990.

Ao contrário da mobilização contra a OMCe as instituições financeiras internacionais– que muitos julgaram não passar de ex-pressões reacionárias de descontentamen-to –, o movimento pela justiça climática nãoé apenas a voz compartilhada da oposição.Dos ecologistas e dos grupos que lutamcontra a pobreza às organizações de agri-cultores e associações de comércio e sin-dicalistas, estas vozes estão tecendo emuníssono uma narrativa coerente sobre ascausas do aquecimento global, e constru-indo um paradigma alternativo que incor-pora seus interesses diversos.

Em lugar de encarar a mudança climáticacomo uma questão puramente ambiental,evitável via soluções tecnológicas e meca-

nismos de mercado, a justiçaclimática sugere que as cau-sas repousam no modeloeconômico injusto, que per-mitiu aos países industriali-zados colher os benefícios dodesenvolvimento através doconsumo intensivo de com-bustíveis fósseis. O movi-mento exige que o mundo in-dustrializado pague sua dívi-da climática aos países po-bres, às comunidades e aosindivíduos – ou seja, a maio-ria que sofrerá os impactosdas crises pelas quais nãosão responsáveis.

Além disso, a justiça climáti-ca reconhece que o direito aodesenvolvimento deve ocu-par o cerne de uma negocia-ção justa e sustentável. Emvez de focar o direito de com-pra e venda do direito de po-luir, os defensores da justiçaclimática advogam soluçõesalternativas para a promoçãodo desenvolvimento, taiscomo compartilhamento detecnologia ‘verde’ nãopoluente, estímulo de práticas

em 56 jornais de 45 países. Todos urgindo omundo industrializado a reconhecer sua res-ponsabilidade em “ajudar os países maispobres a se adaptarem às mudanças climáti-cas... para permitir o crescimento econômi-co sem aumento de emissões”.

Enquanto as séries de protestos e de de-monstrações reafirmavam a necessidade dese chegar a um acordo sobre a justiça cli-mática, o coração do movimento da socie-dade civil pulsava no Klimaforum09 – acontrapartida da conferência oficial. Nestaplataforma aberta e inclusiva para discus-são acorreram indivíduos e grupos de to-dos os cantos do planeta com o objetivode lançar uma declaração alternativa sob abandeira ‘mudança de modelo – não mu-dança climática’. A esperança é inspirar oslíderes políticos a colocar a justiça climáti-ca e social no cerne de um tratado forte,cooperativo, coeso e capaz de enfrentar odesafio da mudança climática.

Embora fora da agenda oficial da cúpula deCopenhague, os termos da esperada de-claração política da sociedade civil alinha-vadas no Klimaforum09 não deixam de tersuma importância, já que tais resoluçõesfixarão o cenário para as futuras negocia-ções e rascunharão o esboço para um acor-do definitivo. O texto final da Declaraçãodo Klimaforum09, finalizado em 14 de de-zembro, tem potencial para influenciar o re-sultado da COP15 e, assim, colocar a justi-ça climática na ordem do dia da agenda ofi-cial, fazendo-a avançar.

Enquanto há uma década os protestos ‘mu-daram a história do livre comércio’, oativismo da sociedade civil em Copenha-gue pode alcançar muito mais do que umamudança na retórica popular. Com a metade criar uma resposta holística à ameaçado aquecimento global, o movimento dejustiça climática poderá ter sucesso ao ba-lizar as futuras negociações e as diretrizespolíticas a priorizarem a justiça social e cli-mática além dos egoísticos interesses dealguns países e do big business. ■

agrícolas sustentáveis e garantia de acessoao quinhão justo e equitativo dos recursosmundiais às comunidades planetárias.

MUITO ALÉM DE COPENHAGUE

O nível e o modelo atuais de mobilizaçãotransnacional em defesa da justiça climáticatambém são reveladores do amadurecimen-to da sociedade civil global. No último 24 deoutubro – dia de ação global mobilizado pelaCampanha 350 (2) – ocorreram nada menosdo que 5.200 ações em 181 países: todosunidos à convocação por uma solução equi-tativa e eficaz para a crise climática. Foi oprotesto com a maior participação na histó-ria da humanidade. Fato sem precedente, asmídia ecoaram em editoriais integrados aconvocação para a solução social da criseclimática marcada para o dia 7 de dezembro

Manifestação em Copenhage (12/12/2009) - Foto: Johan.DK

COP15

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por Andrew Simms

As convocações para salvar a civilização das inevitáveis mudanças

climáticas finalmente parecem mudar as atitudes. Mas uma conspiração

de antiecologistas que explora a atual preocupação com a situação

econômica e com o aumento do preço dos combustíveis e dos alimentos

tenta pintar o ‘movimento verde’ como uma ameaça à liberdade.

As vociferações e investidas dos antie-cologistas ecoam forte – sejam as dos

que agem como uma criança contrariada aolhe ser negada a possibilidade de ‘continu-ar torturando o gato’, sejam as bem articula-das reflexões dos chefões da direita e daesquerda. Mais estranho ainda são as in-vestidas de Václav Klaus, o presidente Tche-co advogado do ‘livre mercado’. Seu livroBlue Planet in Green Shackles (Planeta Azulem Grilhões Verdes), publicado no ReinoUnido pelo ferozmente conservador Com-petitive Enterprise Institute (Instituto de Em-preendimento Competitivo), sugere que ocombate às mudanças climáticas vem a seruma ameaça tão perigosa à liberdade quan-to o foi o comunismo soviético. É esse modo

de pensar que torna toda ação para reduzir apoluição num ataque frontal e sem base mo-ral à liberdade de religião e de associação, àdemocracia ou ao sufrágio universal.

E esse movimento retrógrado só tende acrescer. Sem uma intervenção dramática,ganhará espaço a expectativa ortodoxa deque os gastos, mesmo ‘justos’, devem so-frer quando a economia soluça. O trio for-mado por crise de crédito, aumento do pre-ço do petróleo e impacto econômico dasmudanças climáticas pode tornar-se sufi-ciente para sufocar as ambições ambien-tais. Ao promover seu recente livro TheEnemies of Progress: the Dangers of Sus-tainability (Os Inimigos do Progresso: os

Perigos da Sustentabilidade), AustinWilliams ganhou lamentável notoriedadeao ver condenada, numa revisão crítica desua obra, sua postulação ao “direito dedeixar as luzes acesas em aposentos vazi-os, de desperdiçar água em banhos pro-longados, de dirigir carros beberrões, deengordar e ficar fora de forma, e voar mais”.

Por trás de tais reivindicações fantasiosas deadolescente está a alegria inconseqüente eegocêntrica capaz de negar as necessidadesde milhões de pobres que, em todas as par-tes do mundo, carecem de eletricidade, deágua potável ou de transporte. Nosso gro-tesco hiperconsumo equivale a uma cuspa-rada na face da real pobreza global, e leva à

É hora de um New Deal ‘Verde’

Memorial Franklin D. Roosevelt, Washington D.C. - Foto: Tony Misfit

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Andrew Simms é co-editor do livro Do GoodLives Have to Cost the Earth?, diretor de políticada The New Economics Foundation (http://www.neweconomics.org) e membro fundador dorecentemente formado grupo “New Deal Verde”(www.greennewdealgroup.org). Artigo publicadono jornal britânico The Guardian (04/07/2008).

irreversível degradação ambiental que atin-ge primeiro e da pior forma os mais pobres.

Em tempo de aquecimento global, invocar ‘gri-lhões verdes’ é o mesmo que‘algemar quem écontra o trabalho infantil’ ou contra as leis queimpedem que ateemos fogo às casas de nos-sos vizinhos. Precisamos estabelecer parâme-tros para os atuais níveis de consumo a fim deimpedir que a pegada ecológica de nossosestilos de vida superem a pegada do planeta episoteiem outros no processo.

Felizmente, os antiecologistas parecem es-tar perdendo terreno no debate público.Recente pesquisa do jornal The Guardian,no Reino Unido, revelou uma maioria a exi-gir do governo prioridade ao ambiente so-bre a economia. Também desferiu um gol-pe mortal no resistente mito de que as ques-tões ecológicas só interessam às classesmédias ricas. O apoio à priorização ambi-ental foi, de fato, mais forte nos grupossociais menos favorecidos.

O pior é que os ideólogos da antiecologia,além do próprio desentendimento do que éliberdade, também desconhecem as potenci-ais repercussões benéficas da luta ambientalnas crises financeira, energética e climática,

Perceber que a liberdade individual ao luxoilimitado significa negar a outrem a liberda-de de sobreviver não é algo novo, muitomenos reserva intelectual de alguns pou-cos. O filósofo conservador Karl Popper sa-lientou que “na realidade, os adeptos daliberdade total são, qualquer que sejam suasintenções, inimigos da liberdade”. Em suaobra The Open Society and its Enemies (ASociedade Aberta e Seus Inimigos), Popperargumenta que o comportamento individu-al desenfreado “não somente é autodestru-tivo, mas propenso a gerar seu oposto, jáque se todas as restrições forem removidasnão haveria nada que pudesse impedir aescravização dos fracos.”

A crise de crédito torna-se preocupaçãoobsessiva quando mobiliza a atenção paraa pergunta: será que as pessoas deixarão decomprar? Nosso atávico comportamentoconsumidor é transformado em ‘biruta’ daeconomia e da sociedade, e embalado pelomantra do ‘direito à opção de consumo’. Sóque o consumo conspícuo projeta nossobem-estar em becos escuros e nebulosos.Foi o consumismo, não o ambientalismoque nos escravizou, tornando-se uma ame-

aça à liberdade coletiva. Devido ao consu-mismo, tornamo-nos escravos dos postosde trabalho e demos as costas aos amigos,à família, às bases ambientais de nossosustento e às fontes de real satisfação. Tra-balhamos mais horas do que deveríamospara ganhar dinheiro e comprar coisas queprometem felicidade, mas que só nos dãoapatia e descontentamento. Por quê?

Estudos sobre o comportamento consumi-dor revelam que, hoje, o excesso de opçãoé ineficiente e contraproducente, acarretan-do altos custos psicológicos e econômi-cos. Na verdade, quase não há escolhas,mas volume de ofertas. No livro TheParadox of Choice (O Paradoxo da Esco-lha), Barry Schwartz descreve um estudosobre ganhadores de loteria cujos níveisde felicidade não diferem em nada do dapopulação geral. Schwartz explica que “ini-cialmente, as pessoas se acostumam à sor-te e ao azar. Em seguida, o novo padrão daexperiência boa (ganhar na loteria) podetransformar muitos prazeres comuns do co-tidiano (o cheiro de café fresco, o perfumede flores desabrochadas e a brisa refres-cante de um belo dia de primavera) em fa-tos apenas corriqueiros”.

Os arquitetos do retrocesso ambiental pa-recem despojar-se de suas próprias concep-ções sobre o que fazer de diferente. Por ou-tro lado, o movimento verde transborda compropostas, como o recém-lançado ‘New DealVerde’. Organizado por um grupo de ambi-entalistas e de especialistas em finanças, oplano propõe políticas conjuntas para en-frentar o trio crise de crédito, aumento dopreço do petróleo e impacto econômico dasmudanças climáticas. No cerne do movimen-to está o reconhecimento do papel profun-damente distorcido das finanças.

O ‘New Deal Verde’ exigirá a regulamenta-ção das finanças e da tributação em con-junto com um programa de transformaçãoeconômica capaz de reduzir substancial-mente o uso de combustível fóssil. Nesseprocesso, serão criados incontáveis ‘pos-tos de trabalho verde’ para enfrentar o de-semprego e fazer recuar a demanda cau-sada pelo encolhimento creditício. O ‘NewDeal Verde’ é a tradução moderna da políti-ca de esperança e de pragmatismo empre-endida por Roosevelt, nos anos 1930, apósa devastação econômico-social provoca-da pela Grande Depressão, de 1929. Na-quele tempo, como agora, alguém precisacolar os pedaços de um sistema que fra-cassou devido à perspectiva de curto al-cance e ao mais puro egoísmo.

Na contracorrente, os eco-oposicionistas secomportam como uma gangue de rua que,para aparecer na TV, caem de murros e ponta-pés sobre os socorristas da ambulância nolocal do acidente. O ‘New Deal Verde’ acio-nará um coro de protestos ainda maior. A açãode salvar a civilização de um ambiente cres-centemente hostil, dirão eles, representa umabarreira inaceitável e opressiva à proprieda-de de um aparelho de TV com tela do tama-nho de um campo de futebol.

Ainda assim, como escreveu Keynes en-quanto formulava os planos para econo-mizar e conservar recursos no esforço deguerra, na Inglaterra de 1940: “Fui acusadode tentar aplicar métodos totalitários a umacomunidade livre. Nenhuma crítica pode-ria ser ter sido mais mal dirigida. Num esta-do totalitário não existe o problema da par-tilha de sacrifício... Somente numa comuni-dade livre é que a tarefa de governar secomplica pelas reivindicações de justiçasocial.”

Quando conseguirmos equilibrar necessi-dades humanas, bem-estar e justiça socialcom os recursos disponíveis em nosso pla-neta mãe, não mais será preciso amaldiçoaros ‘grilhões verdes’, mas apenas ‘quebraras correntes’ de carbono e louvar a ecolo-gia de libertação. ■

COP15

Em 1929, como

agora, alguém precisa

colar os pedaços de

um sistema que

fracassou devido à

perspectiva de curto

alcance e ao mais

puro egoísmo.”

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Fracasso, fracasso e fracasso”. Foi só o quese ouviu ao término da Conferência do Cli-ma, em Copenhague. Um desrespeito com omundo, afirmaram as organizações da soci-edade civil, sobretudo as ambientalistas.Considerada a maior reunião diplomática dahistória, a 15ª Conferência do Clima (COP-15) frustrou as enormes expectativas que sedepositaram sobre ela. Os denominados ‘lí-deres mundiais’ foram incapazes de chegara um acordo mínimo. O encontro terminoucom um rascunho considerado ‘covarde’pelas organizações ambientalistas.

DOCUMENTO FINAL:SEM FORÇA DE LEI VINCULANTEO texto não prevê metas obrigatórias deredução de emissões de CO

2 até 2020, e

ainda ameaça a existência do já superadoProtocolo de Quioto. O documento é vago.

Um crime climático“

“A cidade de Copenhague foi palco de um crime climático, com os

homens e mulheres culpados fugindo, envergonhados, para o aero-

porto.” As palavras de Kumi Naiodoo, diretor internacional do Green-

peace, resume a profunda frustração com a Conferência do Clima.por CEPAT e IHU

Prevê redução de 50% das emissões de CO2

em 2050, porém não fixa meta para 2020 – oobjetivo mínimo cogitado por todos antesdo inicio da Cúpula. Ao mesmo tempo ‘nãodetalha os mecanismos financeiros, nãoprevê acordo sobre a verificação das açõesambientais em países em desenvolvimentoe não tem força de lei vinculante’.

Um dos eventos mais aguardado estava fa-dado ao fracasso em função da pouca von-tade demonstrada pelos países mais ricos –neles vivem 20% da população mundial res-ponsável por 60% das emissões industri-ais, desde 1990 –, sobretudo dos EUA, queem função de sua conjuntura interna foi paraa Cúpula com uma proposta tímida. Associ-ado à tibieza dos americanos, viu-se muitaretórica da União Européia e a costumeiraintransigência chinesa.

Outro problema crônico da Conferência: oprocesso burocrático e complicado de ne-gociação, que exigia o consenso de 192países. A Organização das Nações Unidas(ONU) reconhece a necessidade de umaampla reforma em seus processos de deci-são com vistas ao próximo encontro sobremudanças climáticas.

Havia uma agenda de consenso sobre ospontos a serem enfrentados na Conferência:1 – A necessidade de se estabelecer metasde emissão de CO

2 – a referência, aceita

por todos, de que a temperatura do planetanão pode subir mais do que 2oC até o finaldesse século;2 – Definição de mecanismos de auxílio eproteção aos países mais vulneráveis aosefeitos das mudanças climáticas, comotransferência de tecnologias, para facilitar

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Conjuntura da Semana – Análise das ‘No-tícias do Dia’ do IHU (09 a 22/12) elaboradapelo Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalha-dores (CEPAT) com sede em Curitiba, PR. [IHUOn-line é publicado pelo Instituto HumanitasUnisinos (IHU)da Universidade do Vale do Riodos Sinos (Unisinos) em São Leopoldo, RS.]

o acesso dos países em desenvolvimentoàs tecnologias de baixa emissão e;3 – Regras de financiamento – o Fundo doClima – de como os países ricos, principaisresponsáveis pelo aquecimento atual, aju-dariam os países pobres a descarboniza-rem suas economias (aqui se incluía o de-bate do REDD – Redução de Emissões de-rivadas do Desmatamento e da Degrada-ção). Porém, tudo ficou na estaca zero.

Nada foi acordado e tudo foi posterga-do. O presidente francês Nicolas Sarko-zy convocou uma reunião em Bonn, naAlemanha, em junho de 2010, que ante-cipará a nova tentativa de acordo na cú-pula programada para dezembro na Ci-dade do México. No entanto, a ausênciade um compromisso mínimo faz aumen-tar o número dos que já consideram oenfrentamento da causa climática umacausa perdida.

Rank Raes, chefe da Unidade de Mudan-ças Climáticas do Centro de Pesquisa daComissão Europeia, está entre os que du-vidam que um acordo freie o avanço dodesastre projetado. Segundo ele, nem maiso limite de 2oC é possível: “Seria bonito. Eucolocaria 10 assinaturas, não uma. Umapena que seja irrealista: os 2oC são um ob-jetivo que não está mais ao nosso alcance.Dizer isso é um ato de honestidade. Assimcomo é um ato de honestidade dizer que,se não nos mexermos logo, se não fechar-mos em poucos anos a torneira dos gasesdo efeito estufa, não conseguiremos nemparar em 3oC ”.

A possibilidade real de um aquecimentosuperior a 2oC seria devastador. Os cená-rios acima desse limite prevêem uma mu-dança drástica na face da Terra, a saber:

2OC – O LIMITE SUPORTÁVEL■ As ondas de calor que atingiram a Euro-pa em 2003, deixando milhares de mortos,voltarão a acontecer todos os anos.■ O sudeste da Inglaterra vai se acostumarcom temperaturas de 400C no verão.■ Partes da Floresta Amazônica começam ase transformar num deserto.■ O aumento de CO

2 na atmosfera vai promo-

ver a acidificação dos oceanos, tornandoimprovável a sobrevivência de recifes de co-rais e de milhares de formas de vida marinha.■ Mais de 60 milhões de pessoas, a maio-ria na África, sofrerá com aumento de ca-sos de malária.

3OC – UM CENÁRIOCADA VEZ MAIS PROVÁVEL■ Com tal elevação, o aquecimento global setorna incontrolável, inviabilizando todos osesforços de mitigação.■ Milhões de quilômetros da Floresta Ama-zônica serão queimados, liberando CO

2 das

árvores e do solo, e aumentando o aqueci-mento em até em 1,5oC.■ Desertos vão avançar no sul da África, naAustrália e no oeste dos EUA. Bilhões depessoas serão forçadas a abandonar suasterras, em busca de água e de alimento.■ Na África e no Mediterrâneo, a oferta deágua vai diminuir entre 30% e 50%.■ No Reino Unido, secas no verão serãoseguidas por enchentes no inverno.■ A elevação do nível do mar vai causar odesaparecimento de países-ilha, e também delocais como Nova York, Flórida e Londres.

4OC – CENÁRIO POSSÍVEL,COM UM ACORDO FRACO■ Nesse estágio, o permafrost (solo con-gelado) do Ártico se torna grande ameaça.

Metano e carbono aprisionados no soloserão liberados na atmosfera. Ainda noÁrtico, a cobertura de gelo desaparecerá,causando a extinção do urso polar e deoutras espécies nativas.■ Na Antártica, o degelo vai se acelerar,aumentando a elevação do nível do mar elevando à submersão de diversas ilhas.■ Itália, Espanha, Grécia e Turquia podemvirar desertos.■ A região central da Europa passa a tertemperaturas médias de 50oC no verão, tí-picas de desertos.

5OC – UM PESADELOALTAMENTE IMPROVÁVEL

■ Com um aumento médio de 5oC, as tem-peraturas na Terra vão ficar tão quentesquanto há 50 milhões de anos.■ No Ártico, as temperaturas subirão bemmais do que a média global — acima de20oC: a região ficará sem gelo o ano inteiro.■ A maior parte das regiões tropicais, subtro-picais e mesmo as regiões de latitude médiase tornarão inabitáveis por causa do calor.■ A elevação do nível dos mares levará amaioria das cidades costeiras a seremabandonadas.■ A população humana será drasticamentereduzida.

É a possibilidade desses últimos cenári-os que leva Leonardo Boff a afirmar querumamos para o desastre. Segundo ele,“A humanidade penetrou numa zona detreva e de horror. Estamos indo ao en-contro do desastre. Anos de preparação,dez dias de discussão, a presença dosprincipais líderes políticos do mundo nãoforam suficientes para espantar a trevamediante um acordo consensual de re-dução de gases de efeito estufa que im-peça chegar-se a 2oC. Ultrapassado essenível e beirando os 3oC, o clima não serámais controlável e estaremos entreguesà lógica do caos destrutivo, ameaçandoa biodiversidade e dizimando milhões emilhões de indivíduos”. ■

A ONU reconhece

a necessidade de

uma ampla reforma

em seus processos

de decisão com vistas

ao próximo encontro

sobre mudanças

climáticas.”

“Manifestação durante a COP15 (12/12/09) - WWF France

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por Pierre-Antoine Delhommais

Em 2005, o Fórum de Davos assistiu a umacena comovente e... altamente midiatizada.Após o discurso do presidente da Tanzâniadescrevendo as terríveis consequências damalária em seu país, a atriz Sharon Stone, con-vidada de honra, levantou-se e ofereceu 10mil dólares para a compra de mosquiteiros.

Sharon exortou os que participavam dasessão a seguir seu exemplo. Em poucosminutos foi angariado um milhão de dóla-res junto aos presidentes de multinacionaise banqueiros, todos encantados tanto pelasedutora beleza daquela deusa da humani-dade quanto pela correção da causa queela abraçava. Abraços, beijos, agradecimen-tos, lágrimas... uma cena digna da cerimô-nia de entrega do Oscar, em Hollywood.

No entanto, o pós-show de Davos foi bemmenos divulgado, além de menos ofuscan-te. A distribuição gratuita de 300 mil mos-quiteiros provocou:■ Graves perturbações no trabalho das or-ganizações humanitárias que operavam naTanzânia;■ Causou efeitos colaterais nefastos (mer-cado negro, desperdício, reconversão dosmosquiteiros em redes de pesca);■ Provocou a cólera e a incompreensão nasregiões vizinhas não beneficiadas pelamedida humanitária; e

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“A ajuda ocidental à Áfricafoi e continua a ser um de-sastre total nos planos po-lítico, econômico e huma-nitário.” Esta polêmica tesede renomada economistazambiana descortina novasperspectivas para resgataro continente africano damiséria embalada na soli-dariedade paternalista eneocolonialista.

■ Acabou arruinando os fabricantes locaisde mosquiteiros e provocando o desapare-cimento de centenas de postos de trabalho.

Sharon Stone, Bono, Bob Geldof... Todasessas almas sensíveis que se lançam à no-bre empreitada da ajuda ocidental à África,todos ‘esses militantes da moral’ não sãoapreciados pela economista zambiana Dam-bisa Moyo, que justifica: “A cultura pop im-pulsionou consideravelmente a concepção er-rônea de que a ajuda humanitária pode reme-diar a pobreza generalizada.”

No livro de Dambisa Moyo – L’Aide fatale(éd. J.-C. Lattès, 250 p., 20 euros) –, o queimediatamente chama a atenção é a cóleraque permeia todo o ensaio. A obra pertur-ba e incomoda pelas teses radicais, que ge-raram polêmica quando do lançamento dolivro nos Estados Unidos.

O livro é perturbador pelo simples fato deestarmos acostumados a digerir análises eexplicações econômicas sobre a realidadeafricana feitas por não-africanos; a aceitar queo discurso africano – entre o paternalismo eo neocolonialismo, entre a condescendênciae a má-fé – seja monopolizado por estrelasdo rock, economistas e políticos ocidentais.

Querem um exemplo? Em 2005, Gordon

Brown, então ministro de finanças do Rei-no Unido, lançou a seguinte pérola: “Nósos ajudaremos a ficar aptos para praticar ocomércio. Não se trata apenas de abrir aporta, mas de garantir tônus para atraves-sar o umbral ”.

As teses de Dambisa Moyo repercutem emconsequência da crise financeira que seabateu sobre o Ocidente: as certezas eco-nômicas ficaram tão abaladas que, agora,já se passa a ouvir um pouco mais as vozesvindas de muito longe... e não apenas asestridentes guitarras.

Dambisa Moyo nasceu em Zâmbia e tem40 anos. Cursava química na universidadede Lusaka quando a instituição foi fecha-da após uma tentativa de golpe de estado.Graças a uma bolsa de estudos, Moyo ru-mou para os Estados Unidos e trabalhoudois anos no Banco Mundial, em Washing-ton, antes de entrar para Harvard e, depois,Oxford. Foi economista responsável pelaseção África subsaariana no grupo Gold-man Sachs, e foi indicada pela revista TimeMagazine de 2009 como uma das 100 mu-lheres mais influentes do planeta.

Em seu livro, pode-se ler: “A ajuda foi econtinua a ser um desastre total nos pla-nos político, econômico e humanitário.”

Mais Moyo,

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Claro que as teses de Dambisa Moyo não agradam os defensores da ajuda àÁfrica, que, ao contrário, pressionam para que ela continue aumentando.Eles temem que o arrazoado de Moyo sirva de pretexto para o G8 deixe dehonrar os compromissos assumidos no quadro do Plano do Desenvolvimentodo Milênio, da ONU, e, em particular, o da ajuda pública ao desenvolvimentoda ordem de 0,7% do PIB. Mas ainda estamos longe disso.

No site da Oxfam, uma das ONGs internacionais engajadas em ações de-senvolvimentistas, o debate foi aberto. Chikondi Mpokosa, militante da Ox-fam originária do Malavi, expressa sua decepção com o livro da economistazambiana: «Fiquei triste ao ler o livro e verificar que ele apenas reforça ospreconceitos vigentes nos países ricos. O livro é falso em dois pontos: aoafirmar que a ajuda não funciona e também ao dizer que existem alternativasviáveis, sobretudo em tempos de crise econômica.»

Ducan Green, pesquisador da Oxfam Grã-Bretanha, teme os efeitos negati-vos do livro, embora reconheça que o fato de ser ‘branco e membro daindústria da ajuda’ denunciada por Moyo fragilize sua tomada de posição. Elereconhece que o livro tocou uma corda sensível e conquistou muitos apoios,em especial o de chefes de estado africanos, como Paul Kagame, de Ruanda.“O perigo é que o livro oferece aos governos dos países ricos, atualmente comrecursos reduzidos, o álibi que permite o abandono dos compromissos de aju-da agendados. Eles agora podem argumentar: ‘... como se vê, até mesmo osafricanos dizem que a ajuda não adianta nada. Ora, por que não reduzirnossas contribuições.”.

Para os que discordam das teses de Moyo (e que, a meu ver, contam combons argumentos), a partir de agora será impossível tocar na questão semficar na defensiva ou, pior, mostrar interesse pessoal no debate.

O que fazer para que o debate se desenrole em terreno não minado, já queos pontos nevrálgicos da questão estão centrados em: Que tipos de ajudafuncionam e não funcionam? Como retrabalhar a questão? O risco é que odiscurso de Moyo acabe curto-circuitando o debate.

Fonte: Pierre Haski | Rue89 (23/08/2009).

Não obstante os 1.000 bilhão de dólares jádespejados no continente africano, a ren-da per capita real por habitante da Áfricasubsaariana é inferior a dos anos 1970:■ Mais de 700 milhões de africanos vivemcom menos de 1 dólar por dia;■ O índice de pobreza extrema passou de11% para 66%;■ A esperança de vida estagnou: uma emcada sete crianças morre antes de comple-tar cinco anos;■ A alfabetização é inferior ao percentualde 1980; e■ Quase a metade dos países africanos vivesob regimes não democráticos.

No entanto, há apenas 30 anos o produtointerno bruto (PIB) por habitante do Mala-vi, do Burundi e do Burkina Faso ultrapas-sava o da China.

Terá sido a ajuda mal utilizada? Ou insufi-ciente? Nada disso, revela Dambisa Moyo.Na verdade, foi a própria ajuda que encar-cerou a África na armadilha da pobreza. Aajuda traz embutida em si mesma o mal quepretende combater. Por isso, a autora re-gistra em sua obra: “Na África, milhões depessoas estão hoje mais pobres devido àajuda internacional.”

Moyo descreve em pormenores os efeitos

econômicos devastadores da ajuda:■ Corrupção e irresponsabilidade dos go-vernantes: a ajuda chega independente doque aconteça, e se torna ainda mais robustaquanto pior o desempenho econômico;■ Poupança desencorajada pelo estímuloao consumo;■ Favorecimento da inflação;■ Investidores estrangeiros descartados;■ Exportações sufocadas pelo declínio dacompetitividade e carência de mudançasestruturais;■ A ajuda tem como contrapartida a apro-priação de matérias-primas.

EXISTEM SOLUÇÕES?MOYO TAMBÉM AS RELACIONA:■ Busca de recursos no mercado internaci-onal de capitais, a exemplo do que fizeramos países asiáticosemergentes;■ Estabelecimento de financiamentos inter-mediários (principalmente por microcrédito);■ Fim das subvenções à agricultura pelomundo ocidental; e■ Limitação da política chinesa do “é dando

que se recebe” na África (investimentos eminfraestruturas em troca de matérias-primas).

As idéias de Dambisa Moyo podem seraltamente perturbadoras quando, porexemplo, ela lança: “O que aconteceria secada país da África, um após o outro, re-cebesse um telefonema informando queao final de cinco anos as bicas da ajudaserão definitivamente fechadas?”

Nada de pior poderia ocorrer pois, insisteMoyo, o pior já está instalado. A Áfricanão perderia nada com tal terapia de cho-que. Mas, não seria excessivo? Talvez. Noentanto, o justo e o certo é o que Niall Fer-guson – o economista que assina o prefá-cio do livro de Dambisa Moyo – escreveao exigir “mais Moyo e menos Bono”. ■

menos BonoPierre-Antoine Delhommais – Jornalistaeconômico no jornal Le Monde, onde este arti-go foi publicado na edição de 25/10/2009). E-mail: [email protected]

AS CRÍTICAS DAS ONGS

Mulheres Darfuri nocampo de refugiados

Djaball, Chade.Foto:Oncedaily

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O século XX foi (também) o tempo em queo paradigma humanista que, por milênios,havia embasado a cultura e a vida do Oci-dente começou a mostrar as suas falhas eas suas contradições. Esse paradigma vi-truviano – tão admiravelmente expressadona célebre incisão de Leonardo da Vinci enas páginas de Pico della Mirandola, e fun-damentado na centralidade absoluta dohumano, na sua separação de qualqueroutro ente e na autopoiese, uma virtualida-de ilimitada que permitiria à nossa espécie

por Alberto Giovanni Biuso

Em sua obra, o pensador

Roberto Marchesini coloca

em discussão a centralida-

de do homo sapiens, des-

tacando como na esfera

do ‘bios’não há hierarqui-

as nem distâncias qualita-

tivas entre o humano e o

resto do mundo animal,

apenas contiguidade e di-

ferenças entre as espécies.

Antropodescentrismo:

e as outras espéciesse tornar tudo o que quisesse – progressi-vamente caiu. De pouco valem as nostalgi-as humanistas, mesmo que diversamente de-clinadas: a antroposfera não existe – nuncaexistiu – fora de uma relação constante edinâmica com a teriosfera (os outros ani-mais), a tecnosfera (o chamado mundo arti-ficial), a teosfera (a dimensão do sagrado).

A TERIOSFERA: OS ANIMAIS E O HOMEM

Concentremo-nos na primeira, a teriosfe-ra, partindo de um dado evidente: a “ani-

malidade” não é uma categoria. É mani-festamente um engano assimilar formigas,corvos e cavalos em uma ideal contrapo-sição com o homem, a partir do momentoem que muitíssimos animais são muitomais próximos – seja genética ou funcio-nalmente – à espécie humana que a ou-tras. Um chimpanzé ou um cachorro sãomuito mais “parentes” do Homo sapiensdo que das abelhas, dos moluscos, dascobras. Na recorrente comparação dis-tintiva entre a nossa espécie e os “ou-

as fronteiras móveis entre o ser humano

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tros animais”, pode-se, portanto, ler umsintoma ao mesmo tempo de presunçãoe de insegurança. A vida se expressa emuma multiplicidade de formas, todas li-gadas entre si e todas diferentes, e nãotem sentido a obsessão comparatistasegundo as quais, toda a vez que se dis-cute inteligência animal, ela é entendidacomo uma categoria unitária, que deveser confrontada sempre e apenas com ainteligência humana, quase como se estaúltima constituísse o parâmetro sobre oqual se deve medir qualquer outra habi-lidade cognitiva.

Tão radicados são esses estereótipos queuma perspectiva etológica e biológica maisrigorosa não poderá não levarsenão àquela que Roberto Marchesini de-finiu no seu “Intelligenze plurime. Manua-le di scienze cognitive animali” [Inteligên-cias plúrimas. Manual de ciências cogniti-vas animais] (editora Perdisa, 2008) comouma nova “revolução copernicana”.

Escreve Marchesini:“Nós, homens, temos a surpresa de ha-bitar em uma pequena e remota regiãocognitiva que naturalmente tem conti-guidades, proximidades e até sobrepo-sições com a das outras espécies”.

Mover-se rumo a um antropodescentra-mento do conhecimento significa, simples-mente, entender melhor a vida, tanto emsentido biológico como em sentido ético.São muitas as formas em que o antropo-centrismo se expressa: do antropomorfis-mo, que tende a assimilar a cognição ani-mal à humana, à reificação, que nega quenos animais não humanos haja inteligên-cia. Em ambos os casos, é ignorado o fatode que a inteligência, citando aindaMarchesini, é “uma função biológica que– como a sensorialidade, a anatomia dasartes, a digestão – se apresenta no univer-so animal de modo plural com uma multi-plicidade de vocações e atitudes não so-breponíveis entre si”.

No bios, enfim, não há hierarquias, masapenas especializações relativas aos con-textos, não distâncias qualitativas entre ohumano e o resto do mundo animal, mascontiguidade e diferenças entre as diver-sas espécies, incluindo os humanos. Aoposição humano/animal se situa dentrode um círculo comum e mais amplo, bioló-gico e tecnológico. Em uma perspectiva

antropodescentrada e etológica, tanto ocomportamento reducionista quanto o fun-cionalismo computacional mostram a suainsuficiência, pois ambos ignoram o fato deque o humano não possui e não habita umcorpo, mas é corporeidade complexa e adap-tada ao ambiente.

OITO FORMAS DE INTELIGÊNCIAEssa unidade plural do ser vivo, objeto emque Marchesini trabalha há anos, encontraem “Intelligenze plurime” e no posterior, orecentíssimo “Il tramonto dell’uomo. Laprospettiva post-umanista” (Dedalo 2009)um rigoroso ponto de apoio. A pluralidadecognitiva se explica, para Marchesini, emoito formas de inteligência: social, enigmis-ta, orientativa, abstrata, operativa, referen-cial, comunicativa, reflexiva.

A INTELIGÊNCIA■ Social, ou relacional é a capacidade depensar com o grupo/bando e a favor dasua sobrevivência.■ Solutiva é, pelo contrário, capaz de re-solver problemas em solidão.Ÿ De mapa é capaz de visualizar mental-mente os contextos espaço-temporais me-diante coordenadas astronômicas, sinali-zações paisagísticas e auto-reverenciais(como os feromônios ou as urinas).■ Conceitual abstrai da realidade os con-ceitos gerais mediante operações de ma-peamento e orientação interiores.■ Pragmática inclina o mundo a suas pró-prias exigências de utilização.■ Mimética é capaz de aprender com a rela-ção com membros do grupo, da espécie aque pertence ou também de outras espécies.■ Dialógica permite intercambiar conteú-dos com outros da mesma espécie.■ Reflexiva ou introspectiva refere-se à ca-pacidade de fazer referência à mente comomundo interno e, portanto, ao estado men-tal vivido, à própria biografia, à abordagemsimpatética do outro e da abordagem em-pática do outro.

OBJETOS

Com relação às críticas que são dirigidas àciência por ser a maior responsável pela ve-xação de outras espécies, Marchesini rebate:“Ao contrário, é graças à ciência que o ho-mem contemporâneo soube sair do antro-pocentrismo (seja por analogia quanto pordistanciamento), começando assim a olharcom humildade e interesse o grande patri-mônio de diversidade que o universo dasoutras espécies animais nos oferece”.

Se isso é verdade, não deve ser subavalia-do, no entanto, o fato de que os laboratóri-os científicos e farmacológicos constitu-em ainda hoje lugares de tortura para mui-tíssimos animais. Horrores praticados nãoapenas em nome dos negócios, mas tam-bém “pelo progresso das ciências”.

E, entretanto, a vivissecção é uma das prá-ticas mais anticientíficas que existem, comoargumenta Stefano Cagno, em “Impararedagli animali” (Perdisa, 2009), um livro quetoca as questões mais urgentes da relaçãohumano/animal, da engenharia genética àclonagem, do vegetarianismo à caça, dapet-therapy aos direitos dos animais – umargumento, este último, do qual o filósofonorte-americano Tom Regan se ocupa comvigor há diversos anos, e cujo livro

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A antroposfera não

existe – nunca existiu

– fora de uma

relação constante

e dinâmica com a

teriosfera (os outros

animais), a tecnosfera

(o mundo artificial)

e a teosfera

(a dimensão

do sagrado).”

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Roberto Marchesini – Estudioso de ciênci-as biológicas, de epistemologia e autor de “Inte-lligenze plurime” [Inteligências plúrimas] e “Iltramonto dell’uomo” [O declínio do homem].Marchesini participou, em 2008, do SimpósioInternacional “Uma sociedade pós-humana?Possibilidades e limites das nanotecnologias”,organizado pelo Instituto Humanitas Unisinos– IHU, na Unisinos.

Alberto Giovanni Biuso – Professor deFilosofia da Mente na Faculdade de Letras eFilosofia da Universidade de Catânia, Itália. Opresente artigo, avaliação crítica do pensamen-to de Marchesini, foi publicado originalmenteno jornal Il Manifesto (30/10/2009). Publicadopelo IHU On-line [IHU On-line é publicadopelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, daUniversidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisi-nos, em São Leopoldo, RS.] A tradução é deMoisés Sbardelotto.

“Gabbie vuote” [Gaiolas vazi-as] foi republicado recentemen-te na Itália.

Cagno sustenta que a vivissec-ção é “um método de pesquisaarcaico”, que “se baseia noconceito de ’semelhante’, semvalor científico”, tanto que “jácausou danos à saúde huma-na”, pois “não existe nenhumasemelhança entre as doençasque surgem espontaneamentenos seres humanos e aquelasinduzidas artificialmente nosanimais”. A vivissecção não só“representa uma violação dosdireitos animais”, que são “tra-tados como objetos”, mas tam-bém se presta a “qualquer for-ma de abuso e de sadismo (…)antessala para uma experimen-tação sobre o homem privadade regras”. Esse grave “desper-dício de recursos econômicos(…) permite fáceis carreiras uni-versitárias” e, principalmente,permite que “as indústrias farmacêuticasinundem o mercado com novos produtos”.

PRETENSÕES AUTÁRQUICASEntre aquelas que Eugenio Mazzarella quischamar, com uma bela definição, de “ciênci-as da nova humildade” e que deveriam nosinduzir a um repensamento sempre mais pro-fundo sobre a inaceitabilidade das dores in-fligidas a outras espécies em nome da supe-rioridade da humana, apresenta-se quasecom um estatuto bem preciso a zooantropo-logia, cujo “assunto de base está em consi-derar o humano como um processo, nãocomo um estado”, para retomar mais umavez as palavras de Roberto Marchesini nolivro assinado com Sabrina Tonutti, “Ma-nuale di zooantropologia” (Meltemi 2007).

A zooantropologia rejeita as pretensões tí-picas do humano com relação ao mundodas outras espécies: a pretensão distintivaque vê na cultura uma posse exclusiva danossa espécie; a pretensão autárquica quenos tornaria autônomos do resto do mun-do vivo; a pretensão separativa que faz dascaracterísticas humanas o cume da vida eda sua evolução.

Nessa perspectiva, e como Marchesini ar-gumentou em “Tramonto dell’uomo”, ocorpo humano não constitui uma fortaleza

fechada que se gera por si mesma, e por simesma alcança a vida, mas um projeto dia-lógico e mundano. O corpo não é um equi-pamento que se possui, uma casa que sehabita, interface instrumental, mas é a obraaberta na qual convergem os processosmetabólicos, perceptivos, emotivos, rela-cionais, tecnológicos que, juntos, defineme fazem a nossa espécie. Um corpo que seé; não que se usa. Um corpo que é tempogerminado pelas memórias e pelos genes,constituído por aquela evidente transitori-edade que se chama finitude e morte. Biose téchne não são duas, “toda tecnologia é,de fato, uma biotecnologia”.

UM PLANETA EM PERIGOPensar a tecnologia de modo instrumentale exterior com relação ao caminho evoluti-vo da nossa espécie nos torna incapazesde compreender sua potência intrínseca,além da evidente pervasividade da vidacontemporânea. Observa Marchesini:“As atitudes hiper-humanistas (a tecnoci-ência como domínio do homem sobre omundo) e trans-humanistas (a tecnociên-cia como salvação do homem pelo mundo)não colocam em discussão o conceito dehomem-essência como centro gravitacio-nal em torno ao qual tudo gira e ao qualtudo deve ser referido”.O risco é, portanto, a (auto) destruição do

humano e, com ele, do planeta.Mesmo que para contrastaresse perigo, a perspectiva pós-humana confere ao Homosapiens características e fun-ções específicas – que ele cer-tamente possui, como qualqueroutra forma de vida – que, noentanto, renunciam à ilusãoepistemologicamente errada epragmaticamente suicida dacentralidade ontológica. “Porisso, falamos de antropodes-centrismo como de uma pro-gressão que constrói os predi-cados humanos contaminando-se sempre mais com o mundo etornando o mundo partícipe dopróprio projeto”.

Com a perspectiva zooantropo-lógica e pós-humanista, decli-na a concepção do animal “bomde comer”, própria das filosofi-as e práticas mais antropocên-tricas, que vêem nas outras es-pécies só recursos e instrumen-

tos para a espécie humana. Mas tambémdo animal só “bom de pensar”, de grandeparte da excelente pesquisa antropológi-ca e histórica que analisa a esfera das ou-tras espécies nas suas expressões e fun-ções simbólicas, tecnológicas, estéticas,sagradas, culturais, como espelho fiel oudeformador – em todo caso – do humano.E acrescenta-se, pelo contrário, o animal“bom de ser” àquilo que nós mesmos so-mos na complexidade e na extrema varie-dade da natureza. ■

Manifestação contra o esporte da caça - Foto:Pokpok313

Mover-se rumo a um

antropodescentramento do

conhecimento significa entender

melhor a vida, tanto em sentido

biológico como em sentido ético.”

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Da economia ecológica

por José Eli da Veiga

Se a humanidade resistir em abrir mão de vulgaridades que

prejudicarão a vida de futuras gerações, estará confirmando

sua opção preferencial por uma existência mais excitante,

mesmo que bem encurtada.

Amaioria das pesso-as age segundoconvicção bem ex-

plicitada pelo chefe-de-gabi-nete do presidente Lula:“Meio ambiente até pode serimportante, mas não é decisi-vo”. Nem chega a surpreen-der, então, que a cúpula pala-ciana sempre prefira soja se aalternativa for “um cerradi-nho”. O que poderia ser me-lhor que esse pejorativo des-prezo pelo bioma cerrado pararebaixar a dimensão ambien-tal diante da social? Afinal, aprimeira só pode mesmo pa-recer bem menos decisivaque a segunda sob a óticapolítica imediatista, emboraseja grave equívoco estraté-gico, decorrente de ignorân-cia histórica.

Não há certeza sobre o querealmente ocorreu há cercade 50mil anos, quando a jo-vem espécie humana deu avolta por cima, após sacu-dir poeira acumulada nosmilhões de anos que a se-paravam do último ances-

tral comum de chimpanzés.Faltam evidências suficien-tes para que se tome comoincontroversa a tese bioló-gica de que a aurora da hu-manidade moderna foi de-terminada por uma mudan-ça cerebral provocada pormutação genética.

Todavia, é o inverso que seaplica à constatação deque a partir daí a cultura foise tornando tão poderosaque virou a mesa: passou ainfluenciar o rumo da evo-lução biológica, retardan-do-a. Reduziu as diferençasentre genes bem-sucedi-dos e fracassados, dificul-tando as mudanças por se-leção natural. E em prazoque na escala evolucioná-ria não passa de um piscarde olhos, os humanos fo-ram paulatinamente ocu-pando todos os cantos doplaneta, alterando a evolu-ção de milhões de outrasespécies e demonstrandoincomparável capacidadede adaptação.

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José Eli da Veiga – Professor titular da Fa-culdade de Economia (FEA) e orientador doPrograma de Pós-Graduação do Instituto de Re-lações Internacionais (IRI) da USP; pesquisa-dor associado do “Capability & SustainabilityCentre” da Universidade de Cambridge. Autordo livro “A Emergência Socioambiental” (Senac,2007) e co-autor, com Lia Zatz, de “Desenvol-vimento Sustentável, que Bicho É Esse?”. Ar-tigo publicado no jornal VALOR (05/08/2008).Recomendamos visita à página do autor na web:www.zeeli.pro.br

Não é difícil perceber, então, que a socie-dade mantém com o chamado meio ambi-ente uma relação cujo cerne é justamenteesse formidável processo de adaptação àimensa variedade de ecossistemas. Daí serinadmissível, em termos científicos, qual-quer raciocínio que não se baseie no en-tendimento da evolução, seja ela mais so-cial, ou mais ambiental. Só que tal insufici-ência continua bem recorrente, principal-mente entre as chamadas ciências huma-nas, mas também nas naturais. Ambas mos-tram certa incapacidade de entender comometabólicas as relações que os humanosestabelecem com a natureza. Pior, contri-buem para aprofundar a falha metabólicaresultante da revolução industrial, ao nu-trirem a ilusão de que a segunda lei da ter-modinâmica seja algo de muito específicoe pouco significativo.

Não será uma simples troca semântica, “so-cioambiental” em vez de “ecológica”, queacabará com o reducionismo econômicono ensino/pesquisa. Todas as formas deenergia são gradualmente transformadasem calor, que acaba ficando tão difuso aponto de se tornar inútil. E não há organis-mo vivo que não esteja sujeito a esse fe-nômeno, chamado de entropia crescente.Ela precisa ser compensada pela extraçãode elementos de baixa entropia disponí-veis no meio ambiente. E um dos maioressucessos adaptativos da humanidade foijustamente sua capacidade de extrair a bai-xíssima entropia contida nas energias fós-seis, como carvão, petróleo e gás. Mas quetambém se revelou a principal causa doaquecimento global, fenômeno que para-doxalmente dificultará a adaptação, tenden-do a acelerar o processo de extinção daprópria espécie.

Bem antes disso certamente surgirão for-mas mais diretas de exploração da energiasolar, e talvez também a fusão nuclear. Masnada poderá contrariar o segundo princí-pio da termodinâmica, que muito provavel-mente exigirá a descoberta de vias de de-senvolvimento humano que sejam compa-tíveis, como decréscimo da produção mate-rial, o contrário desse crescimento econô-mico medido pelo PIB que hoje parece amuitos como uma espécie de lei natural. Ese a humanidade resistir em abrir mão devulgaridades que prejudicarão a vida defuturas gerações, estará confirmando suaopção preferencial por uma existência maisexcitante, mesmo que bem encurtada.

Só pode ser mera coincidência que comecepela letra “e” esse par de palavras-chave quemais evidencia as atuais limitações das ciên-cias, principalmente as sociais aplicadas: evo-lução e entropia. Com grande destaque paraaquela pequena parte do conhecimento eco-nômico que pode ser considerado ciência, jáque todas as suas dimensões práticas, ounormativas, pertencem de fato à ética.

Mas certamente não é coincidência queduas singelas manifestações da reação aesse retardamento ocorram na USP prati-camente em simultâneo. A revista “Estu-dos Avançados” 22 (63) traz um interes-sante dossiê sobre “Evolução Darwiniana

e Ciências Sociais”. Poucas semanas de-pois da defesa de dissertação sobre a en-tropia, de autoria do economista e agoramestre em ciência ambiental Andrei Domin-gues Cechin: “Georgescu-Roegen e o de-senvolvimento sustentável”.

São dois modestos e concomitantes si-nais de um mesmo movimento de renova-ção do pensamento científico que aindanão decolou porque esbarra em fortíssi-ma inércia dos compartimentos estanquescriados pelas diversas disciplinas em suasrespectivas fases de afirmação. No casoda economia, por exemplo, foi necessárioreduzir o sistema econômico exclusiva-mente às trocas de curto prazo entre osagentes, pois a inclusão do tripé darwini-ano (variação, herança e seleção) e datermodinâmica (entropia) engendra neces-sariamente uma complexidade com a qualé mesmo dificílimo lidar.

Parecia ter sido esse o desafio assumidoem 1988 pelo pequeno grupo de pesquisa-dores que fundou a Sociedade Internacio-nal de Economia Ecológica (ISEE). Entre-tanto, dois decênios de publicação regularde seu periódico “Ecological Economics”evidenciam as imensas dificuldades epis-temológicas dessa mudança paradigmáti-ca. Os artigos ali publicados pouco têm aver com a ruptura que teria sido provocadapor uma real incorporação dos conceitosde evolução e entropia. Ao contrário, for-talecem a abordagem convencional ao ado-tarem, por exemplo, a suposição de quetudo possa ser precificado.

Claro, não será uma simples troca semânti-ca – socioambiental em vez de ecológica(ou ainda pior “ambiental”) - que poderágarantir a superação do reducionismo eco-nômico na pesquisa e no ensino. Mas teráa vantagem de retirar a questão dessa es-pécie de “banho-maria” em que permanecehá 20 anos. ■

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O fenômeno do

aquecimento global

dificultará a

adaptação humana

aos ecossistemas,

tendendo a acelerar

o processo de

extinção da espécie.”

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por Juliana Santilli

Proteger variedades de mandioca, milho, arroz, feijão e os nossos

ecossistemas agrícolas é tão importante quanto fazê-lo com a

floresta amazônica, a mata atlântica, o mico-leão-dourado...

Em geral, a biodiversidade é associadaa animais e plantas silvestres. Há, tanto na sociedade quanto entre os am-

bientalistas, menos consciência e militânciaem favor da diversidade biológica na agri-cultura – a agrobiodiversidade – do que dabiodiversidade silvestre. Historicamente, ocomponente cultivado da biodiversidadetem sido negligenciado pelos ambientalis-tas e pelas políticas e órgãos públicos. Osjuristas também têm se ocupado muito pou-co do tratamento jurídico da biodiversidadeagrícola, mesmo aqueles que se dedicam aodireito ambiental ou socioambiental.

Proteger variedades de mandioca, milho,arroz, feijão e os nossos ecossistemas agrí-colas é tão importante quanto fazê-lo coma floresta amazônica, a mata atlântica, omico-leão-dourado, o lobo-guará etc. Mui-tas variedades e espécies agrícolas já seextinguiram e outras correm risco de extin-ção. E a nossa alimentação se baseia em

um número cada vez mais reduzido de es-pécies, com consequências para o meioambiente e para a nossa saúde, que estádiretamente associada à qualidade dos ali-mentos que comemos. Temos uma alimen-tação cada vez mais pobre, e poucas pes-soas se dão conta das interfaces entre osmodelos agrícolas hegemônicos e o padrãoalimentar que nos é imposto, e de suas con-sequências socioambientais: marginaliza-ção socioeconômica dos agricultores tra-dicionais e familiares, perda da segurançaalimentar, contaminação das águas, erosãodos solos, desertificação, devastação dasflorestas etc. Na agricultura, os impactosambientais afetam a própria base de pro-dução, o agroecossistema.

Apesar dos avanços das leis ambientais,ainda não há nenhuma especificamenteconsagrada à agrobiodiversidade. As leisque tratam da política nacional do meioambiente, da política nacional de biodi-

versidade e do sistema nacional de uni-dades de conservação não contemplama biodiversidade agrícola. Pior do queisso é o fato de que as leis agrícolas (se-mentes, proteção de cultivares etc.) têmsido editadas sem considerar os seus im-pactos sobre a diversidade genética, deespécies agrícolas e de ecossistemas cul-tivados. As leis agrícolas têm desconsi-derado que a biodiversidade e a sociodi-versidade associada são protegidas pelaConstituição, e que as leis e políticas pú-blicas devem promover a sua conserva-ção e utilização sustentável.

A preservação da diversidade e da integri-dade do patrimônio genético brasileiro éexpressamente determinada pela Constitui-ção (art.225, par.1º, II), assim como a salva-guarda do rico patrimônio sociocultural bra-sileiro (art. 216), que inclui as variedadesagrícolas, as práticas, saberes e inovaçõesdesenvolvidas pelos agricultores.

AgrobiodiversidadeAgrobiodiversidadee o direitoe o direito

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PERDA DE BIODIVERSIDADEDEVIDO À CONTÍNUA EXPANSÃO DA AGRICULTURA, À POLUIÇÃO,ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E À INSTALAÇÃO DE INFRAESTRUTURA

Fonte: GLOBIO; Alkemade et al., 2009. Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil.Link para o site: http://www.grida.no/_res/site/file/publications/FoodCrisis_l ...

Juliana Santilli, Promotora do MinistérioPúblico do DF, é autora do livro Agrobiodiver-sidade e direitos dos agricultores (Editora: Pei-rópolis, 520 pp.). Artigo originalmente publi-cado no jornal Correio Braziliense e emwww.ecodebate.com.br (29/09/2009).

Entre os instrumentos para promover aconservação da agrobiodiversidade, suge-rimos a criação de uma categoria de unida-de de conservação especialmente destina-da à conservação e ao manejo sustentávelda agrobiodiversidade, tal como ocorre atu-almente com os parques, reservas biológi-cas e estações ecológicas, que abrigamespécies da fauna e da flora silvestres. Essaseria uma forma de promover a conscienti-zação pública para a necessidade de con-servação da diversidade agrícola e para assuas implicações em relação à segurançaalimentar. Obrigaria também o poder públi-co a definir as áreas prioritárias para a con-servação da agrobiodiversidade A biodi-versidade agrícola deve ser conservadanão apenas em bancos de germoplasma (exsitu), como também nos habitats naturais(in situ) e nas propriedades rurais, pelosagricultores (on farm).

Dentro das “reservas da agrobiodiversida-de” seriam legalmente restringidas as ativi-dades (como exploração de madeira e deminérios, obras de infraestrutura etc.) quepodem impactar negativamente a biodiver-sidade agrícola. Seria limitado o uso de agro-tóxicos e de outros poluentes químicos, pro-tegidos os mananciais hídricos (com maiorrigor) e estabelecidas normas de biossegu-rança mais severas, a fim de evitar possíveiscontaminações por cultivos transgênicos.

A criação de “reservas da agrobiodiversi-dade” por si só não será suficiente paraminimizar os impactos de um modelo agrí-cola industrial e insustentável, principal-mente se tais reservas forem apenas “ilhas”cercadas por atividades agrícolas insusten-táveis. Entretanto, as reservas da agrobio-diversidade poderão representar mais uminstrumento jurídico para a conservação daagrobiodiversidade. É importante, assimcomo na criação de qualquer área protegi-da, que as reservas da agrobiodiversidadetenham sustentabilidade política e social eatendam a objetivos mais amplos de de-senvolvimento local sustentável e inclu-são social, e não apenas de conservaçãoambiental, e contem com o apoio e partici-pação dos agricultores familiares, tradicio-nais e agroecológicos. ■

Biodiversidade em percentual de espécies abundantes antes dos impactos antropogênicos

Abundância média de espécies

Impacto altoImpacto alto-médioImpacto médio-baixoImpacto baixo

0 – 2525 – 5050 – 7575 – 100 %

NOTA DO EDITOR: A legítima e improrrogável necessidade de salvaguarda da agrobiodiversidadedefendida pela Dra. Juliana Santilli justifica-se frente ao alto potencial de agressão da humanida-de ao meio ambiente planetário. No quadro-ilustração abaixo, pode-se constatar a dramáticaescalada de perda de biodiversidade de 1700 até o ano 2000, e a projeção do cenário para o ano2050. A gravidade do quadro em nível mundial – e em nosso país – aponta a urgência daimplantação de medidas de proteção da biodiversidade antes que seja tarde demais.

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Esqueça o ‘crescimento verde’. A julgarpelas estatísticas reais, apenas dois fato-res econômicos podem produzir resultadosambientais confiáveis: alto custo da ener-gia e recessão. No período de estratosféri-cos preços do petróleo – que chegou a maisde 140 dólares o barril, em junho de 2008 –, é que se começou a adotar comportamen-tos ‘ecológicos’ postulados anos antescomo, por exemplo, usar menos o automó-vel e não viajar tanto de avião.

Mais recentemente, a recessão fez decres-cer as emissões de combustíveis fósseis doJapão em quase 7% em um ano, e a AgênciaInternacional de Energia prevê que as emis-sões a nível mundial vão cair de 2,6%. Se ospolíticos pudessem reivindicar o créditodesta inesperada bênção climática teríamosprêmios Nobel saindo pelo ladrão.

Infelizmente, os dois fatores capazes de redu-zir as emissões de gases de efeito estufa sãotambém o que todo mundo deseja desespera-damente evitar – e já há sinais confiáveis deque na maioria dos países industrializados arecessão está terminando. Mas a boa notícia éque os preços do petróleo estão novamentesubindo: o petróleo cru já alcança 80 dólareso barril, e ressurgem os temores de uma crisena oferta de petróleo, após um ano de calmariapós-pico da alta de preços.

A bem informada ONG Global Witness(www.globalwitness.org) acaba de emitirsérias advertências sobre a iminente escas-sez de petróleo. Seu relatório de análiseenergética destaca que, nos últimos trêsanos, “a produção de petróleo convenci-onal deixou de crescer, apesar dos inves-timentos maciços, da demanda crescentee dos preços”. Além disso, adverte, “a re-

Mark Linas – Há uma década especilizou-se emmudança climática, setor onde passou a atuar comreconhecimento internacional. É autor de trêsbest-sellers sobre a questão: High Tide: News froma warming world (2004), Carbon Calculator(2007) e Six Degrees: Our future on a hotter pla-net (2007). É sócio da Oxford Climate Associates,empresa de consultoria climática especializadaem aconselhamento e análise de política estratégi-ca e na criação e implantação de projetos de neu-tralização de carbono para inúmeros governos eagências internacionais. Participou das principaisreuniões da COP 15. O artigo original We need togo cold turkey to kick our addiction to oil foipublicado originalmente em New Statesman (17/11/2009) e pode ser lido na íntegra emwww.marklynas.org/we-need-to-go-cold-turkey-to-kick-our-addiction-to-oil. Tradução livre deCidadania & Meio Ambiente.

cessão não altera os fundamentos subja-centes” do crescente fosso entre a oferta ea procura. Em vez disso, prevê um “desas-tre” caso os “governos continuem com acabeça enterrada na areia” em relação àperspectiva de novo pico do petróleo.

Então, por que o aumento dos preços poderepresentar uma notícia ruim? Acima de 100dólares o barril – ou, melhor ainda, de 200dólares –, o preço do petróleo poderia terrepresentado uma apólice de seguro glo-bal contra o colapso das negociações cli-máticas em Copenhague. Como os combus-tíveis fósseis começam a atingir preços ca-pazes de descontrolar o mercado, tambémpoderiam compensar o fracasso dos políti-cos na precificação correta do carbono emrelação aos danos ambientais provocados..

No atual mercado de emissões, o preço docarbono vigente na União Europeia é derisíveis 15 euros por tonelada, cotação de-masiadamente baixa para provocar reaçãonos maiores consumidores europeus decombustíveis fósseis. Por outro lado, umretorno à alta do petróleo torna as energiasrenováveis, a eficiência energética, a ener-gia nuclear e outras opções ambientalmen-te preferenciais muito mais atraentes em ter-mos econômicos convencionais. Por estasrazões, se provocados, muitos ambienta-listas não se furtarão a dizer, em conversasreservadas: “Alta no preço do petróleo?Que seja bem-vindo!”.

No entanto, o simplismo em excesso tam-bém embute perigos. O petróleo, na verda-de, não é o único combustível fóssil. Omaior contribuinte histórico pelas emissõesde dióxido de carbono tem sido o carvão, ea produção do mais sujo dos combustíveis

aumentou consideravelmente na últimadécada – induzida pelo consumo crescen-te de eletricidade na China. A forte deman-da e as altas cotações também impulsio-nam o investimento em novas tecnologiasque visam a liquefação do carvão (paracombustível automotivo) e a produção depetróleo não convencional, ambos apre-sentando enormes pegadas de carbono.

O pico do preço do petróleo pode ajudar ahumanidade caso tenhamos a inteligênciade transformá-lo numa ‘terapia de desinto-xicação de choque’ para curar nossa de-pendência de petróleo. Se simplesmenteampliarmos esforços para obter mais ‘dro-ga de carbono’ – como o que está ocorren-do, por exemplo em Alberta, Canadá, com aexploração das areias betuminosas, certa-mente o maior projeto industrial destruidordo meio ambiente do mundo –, então o fu-turo se apresenta sombrio. ■

a cura para a dependência de petróleo“Desintoxicação de choque”

por Mark Linas

Foto: Usina processadora de areia betuminosa emFort McMurray, Alberta 1981. Por Canada Good

Uma explosão no preçodo petróleo podeser a oportunidadeeconômica para sereduzir as emissões degases de efeito estufados combustíveis fósseis.

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