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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXX
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA
DA COMARCA DE XXXXXX/MG
URGENTE
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS
GERAIS, por intermédio do Promotor de Justiça infra assinado, no exercício de suas
atribuições legais e constitucionais, com fulcro nos artigos 6º, 129, inciso III, e 208,
inciso VII, da Constituição Federal, artigos 201, inciso V, 208 e 210, inciso I, do
Estatuto da Criança e do Adolescente e 11, inciso VI, da Lei nº 9.394/96, e em favor dos
menores Fulano de Tal, representado por sua genitora Valdirene Domingos Lopes
Soares, brasileiro, nascido em 25/08/2007, e Cicrano de Tal e Beltrana de Tal¸
representados por sua genitora Edna Alves Reis, brasileiros, nascidos respectivamente
em 10/04/2004 e 08/07/2005, todos residentes no Córrego Santa Luzia, zona rural de
XXXXXX/MG, vem, à presença de Vossa Excelência, a fim de ajuizar a presente
A Ç Ã O C I V I L P Ú B L I C A
(com requerimento de antecipação dos efeitos da tutela)
em face do MUNICÍPIO DE XXXXXX/MG, pessoa jurídica de direito público
interno, representada pelo Prefeito Municipal, o Exmo. Sr. XXXXXXXX, e pela
Secretária Municipal de Saúde, Exma. Sra. XXXXXXXXX, com sede na Rua Nilo
Moraes Pinheiro, n. 322, centro, XXXXXXX/MG, nesta comarca e com fundamento
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Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXX
nas razões de fato e de direito a seguir expostas:
I – SÍNTESE FÁTICA
Trata-se a presente de Ação Civil Pública, cujo objeto consiste na
determinação de que o ente requerido forneça o serviço de transporte escolar adequado
aos menores Fulano de Tal, Cicrano de Tal e Beltrana de Tal, residentes no Córrego
Santa Luzia e alunos da Escola Municipal de Alto Figueira.
Em 04/03/2015 as genitoras dos infantes procuraram a Promotoria de
Justiça de XXXXXX informando que seus filhos, que possuem entre 7 e 11 anos de
idade, estão matriculados na Escola Municipal de Alto Figueira, em XXXXXX/MG,
contudo “têm de caminhar cerca de 1 km para terem acesso ao transporte escolar” (fl.
02).
Ainda na denúncia, narraram que já haviam solicitado à Secretária
Municipal de Educação, Sra. XXXXXXX, e ao Prefeito Municipal, Sr. XXXXXXXX,
que o transporte escolar buscasse as crianças, ao menos, em local mais próximo da
residência delas, porém o pedido foi negado.
A demanda foi registrada nesta unidade ministerial como Notícia de Fato
nº MPMG 0312.15.000049-4, tendo sido oficiada a Sra. Secretária de Educação no dia
06/03/2015.
Através de missiva sem numeração, datado de 08/04/2015, a Sra.
mandatária da pasta de educação informou que:
“(...) referente ao transporte escolar daquela localidade é realizada uma
rota diária com pontos demarcados para que todos alunos daquele
Córrego sejam atendidos. Diante da demanda que o Município tem de
alunos dependentes do transporte escolar naquela rota, não é possível
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fazer um atendimento individual porta a porta as residências de cada
aluno, pois acarretaria prejuízo na carga horária, pois os alunos
chegariam atrasados na escola, uma vez que moram distantes uns dos
outros e da referida escola.” (fl. 07).
Diante dessa resposta, as representantes dos menores prejudicados foram
notificadas para comparecerem à Promotoria de Justiça, a fim de ratificarem a
necessidade do pleito inicial e, em caso positivo, apresentarem toda a documentação
pertinente, ocasião em que “noticiaram que é muito custoso e perigoso para as crianças
caminharem até a condução que as leva à escola, pois muitas vezes encontram vacas
bravas no caminho, além de que o horário das aulas mudou para 13:00 às 17:00, sendo
que têm de caminhar no escuro para retornarem às casas. Disseram que as estradas
estão em ótimo estado e que não é necessário que o transporte escolar busque as
crianças na porta de casa, basta que seja numa ponte que há no caminho, assim seria
mais tranquilo e não atrasaria o ônibus escolar” (fl. 08).
Mesmo já com elementos suficientes para requerer judicialmente a tutela
específica, mas vislumbrando uma eventual solução extrajudicial da demanda em
apreço, a Sra. Secretária Municipal de Educação foi oficiada para comparecer à sede do
Ministério Público em XXXXXX.
Primeiramente, ficou agendada a data de 24 de abril de 2015 para tal
reunião, porém a agente pública não compareceu (certidão de fl. 17).
Nova reunião foi agendada, desta vez para o dia 14 de maio subsequente,
tendo a Sra. XXXXXXXXX comparecido e, embora não tenha manifestado interesse
em celebrar um Termo de Ajustamento de Conduta, se comprometeu a providenciar o
transporte escolar às crianças residentes no Córrego Santa Luzia até a ponte mencionada
na certidão de fl. 08, próxima à residência dos menores, a partir do dia seguinte, 15 de
maio de 2015.
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Todavia, mesmo comprometendo-se pessoalmente perante este órgão de
execução ministerial a regularizar (ainda que parcialmente) o transporte escolar
pretendido, o fato é que, em contato com as representantes, genitoras dos infantes, foi
informado que a avença verbal não foi cumprida, permanecendo o problema relacionado
à falta do transporte aos seus filhos (certidão de fl. 19, de 10 de junho de 2015).
Como se vê, mesmo após várias tratativas, o Município de XXXXX/MG
tem se recusado deliberadamente a cumprir sua obrigação legal e constitucional de
fornecer o serviço educacional que lhe compete, uma vez que o transporte à escola
constitui parte integrante deste direito individual indisponível, imprescindível para a sua
consecução.
Como narrado, todas as tentativas de uma composição amigável foram
realizadas, inclusive no sentido de que o transporte escolar fosse prestado de forma
parcial, buscando-se as crianças em uma ponte que se localiza próximo à residência
destas, tudo com vistas a regularizar mais rapidamente possível a rotina diária escolar
dos infantes, porém nem mesmo esta solução parcial foi honrada pela municipalidade.
Aliás, a conduta da agente política, além de caracterizar a recusa
indiscutível e deliberada de não fornecer o serviço público tal como exigido por lei,
demonstra rematado descaso para com as necessidades das crianças e respectivas
famílias daquele Município.
A alegação, manifestada através do ofício de fl. 07, de que “não é
possível fazer um atendimento individual porta a porta as residências de cada aluno”
caracteriza argumentação nitidamente evasiva das obrigações próprias do Poder
Público, a quem compete fornecer, de forma gratuita e integral, o serviço educacional.
Tal arrazoado denota inclusive uma indesejável inversão de valores,
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afinal, segundo a opinião do Gestor Público, os alunos é que teriam que se ajustar às
rotas de transporte escolar que o Município quer fornecer, e não o contrário, como
deveria ocorrer.
O Estado (aqui no sentido lato sensu) é que tem a obrigação de se
aparelhar melhor para atender adequadamente às necessidades dos munícipes caso a
demanda seja crescente, não bastando o oferecimento de meras justificativas infundadas
para o não cumprimento de suas obrigações.
Afora constituir obrigação do Município, porque se trata de alunos da
rede pública municipal de ensino, como será melhor demonstrado adiante, tem-se que a
recusa manifestada pela municipalidade acarreta, inclusive, por ordem constitucional,
responsabilidade pessoal na autoridade competente pela não oferta ou oferta irregular,
ex vi do parágrafo 2º do artigo 208 da Carta Magna1.
No caso dos autos, a recusa da oferta regular do serviço público pleiteado
ganha contornos de maior gravidade.
É que se trata de crianças entre 7 e 11 anos de idade, como se infere das
certidões de nascimento de fls. 09, 12 e 14, sendo, pois, uma temeridade deixar que tais
infantes se desloquem a pé por cerca de 1 km em estradas, quiçá sozinhas, para terem
acesso ao transporte escolar.
Restou ainda assentado nos autos que o horário de saída das aulas passou
para às 17h, de modo que o retorno das crianças se dará ao pôr do sol, podendo chegar
em casa já de noite, além de que se noticiou a existência de animais arredios pelo
caminho e, também, que as estradas na região encontram-se em bom estado de
conservação, não havendo motivos, portanto, para que o micro-ônibus não se dirija até
lá.
1 § 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
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Assim, verifica-se que, diante do reiterado descumprimento aos direitos
prestacionais garantidos pela Constituição Federal de 1988, por parte do ente requerido,
não restou outra alternativa senão o ajuizamento da ação em referência, buscando
garantir a proteção ao direito fundamental da educação, na vertente relacionada ao
transporte.
II. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
O artigo 129, inciso III, da Constituição Federal, diz que compete ao
Ministério Público promover a ação civil pública para a proteção dos interesses difusos,
coletivos e individuais indisponíveis.
O artigo 201, inciso V, da Lei nº 8069/90 (Estatuto da Criança e do
Adolescente), dispõe, por sua vez, que cabe ao Ministério Público a promoção da ação
civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à
infância e à adolescência.
O artigo 208, caput, e inciso I e V, do mesmo diploma menorista, reza
que:
Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de
responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao
adolescente, referente ao não-oferecimento ou oferta irregular:
I. do ensino obrigatório;
[...]
V. de programas suplementares de oferta de material didático-escolar,
transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental.
Por fim, o artigo 210, inciso I, do Estatuto da Criança e do Adolescente,
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dispõe que para as ações civis fundadas em interesses individuais, coletivos ou difusos o
Ministério Público tem legitimidade para a agir.
Portanto, o Ministério Público é parte legítima para propor a presente
ação, seja por amparo constitucional seja por amparo do Estatuto da Criança e do
Adolescente2.
II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS.
A Constituição Federal de 1988 assegura expressamente ao aluno da rede
pública de ensino o direito ao transporte escolar, como forma de propiciar seu acesso à
educação, conforme se infere dos seguintes preceitos;
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I. igualdade de condições para acesso e permanência na escola;
[...]
VII. garantia de padrão de qualidade.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
2 Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TRANSPORTE ESCOLAR - ALUNOS RESIDENTES EM ZONA RURAL - LEGITIMIDADE DO MP - DIREITO CONSTITUCIONAL - GARANTIA CONSTITUCIONAL - OBRIGAÇÃO DO ESTADO. 1. O Egrégio STJ já sufragou o entendimento de que o Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública visando à defesa de direito individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando a presença da relevância social objetiva a tutela da dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde ou a educação. 2. Cabe à Administração Pública disponibilizar os meios necessários para promover a educação escolar, que é direito de todos e dever do Estado. 3. Recurso desprovido. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0261.13.012335-7/001, Relator Des. Raimundo Messias Júnior, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/08/2014, publicação em 25/08/2014).
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VII. atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica,
por meio de programas suplementares de material didático-escolar,
transporte, alimentação e assistência à saúde; (sem os grifos no
original).
Destaca-se que o acesso ao ensino obrigatório é um direito público
subjetivo, e a irregularidade na oferta desse serviço público importa na responsabilidade
da autoridade competente (artigos 208, §§ 1º e 2º, da CF/88 e 54, § 2º, do ECA).
Por outro lado, a Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, com as modificações implementadas pela Lei nº 10.709/2003, também prevê
expressamente o direito do aluno ao serviço de transporte escolar, indicando as
competências de cada esfera da Federação:
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de:
[...]
VII – assumir o transporte escolar dos alunos da rede estadual.
Art. 11. Os municípios incumbir-se-ão de:
[...]
VI – assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal;
Com isso, resta hialina a legitimidade do Município de XXXXXX/MG
para figurar no polo passivo desta demanda, porquanto, sendo municipal o
estabelecimento de ensino em que os filhos das representantes estudam, compete, por
consequência, também à municipalidade fornecer o adequado transporte escolar dos
alunos.
Vale acrescentar que a Lei nº 10.709/2003 supraindicada, foi instituída
justamente com o escopo de alterar a LDB, incluindo os dispositivos colacionados para
não deixar quaisquer dúvidas acerca da competência dos estados e municípios em
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garantir o transporte para os alunos de suas respectivas redes de ensino.
Além disso, o artigo 3º da mesma lei apresenta um importante
instrumento para negociações entre tais entes públicos, de forma a garantir que um
atendimento de qualidade a todos os jovens que precisam de transporte público para ter
garantido o seu direito à educação:
Art. 3º Cabe aos estados articular-se com os respectivos municípios,
para prover o disposto nesta lei de forma que melhor atenda aos
interesses dos alunos.
E, considerando a capilaridade do Estado de Minas Gerais, é notório o
conhecimento sobre a realização de convênios entre ele e os municípios como forma de
proporcionar o transporte escolar, o que, pelo visto, não se preocupou o Município de
XXXXXX de realizar.
E nem poderia ser diferente, pois de nada adiantaria a oferta do serviço
de ensino gratuito se o Poder Público não fornece as condições necessárias para que tal
direito seja exercido de forma igualitária e integral pelas crianças e adolescentes.
Tais disposições existem porque é evidente que a falta de transporte
escolar para os alunos da rede regular do ensino fundamental, sobretudo da zona rural,
implica em uma severa desigualdade de condições de acesso e permanência na escola,
determinando, de fato, o não acesso ao ensino obrigatório e gratuito, ferindo-se, assim,
direito público subjetivo de muitas crianças e adolescentes, ensejando a
responsabilidade das autoridades competentes, pois a situação equivale ao oferecimento
irregular do ensino obrigatório pelo Poder Público.
Ora, é evidente que, tendo o município o dever de assegurar a todos o
ensino fundamental, o ingresso e permanência na escola e a conclusão desse ensino,
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também deve garantir o transporte escolar para os alunos da zona rural, que residem
distantes das escolas, pois se trata de insumo indispensável ao efetivo acesso à
educação.
Além do mais, o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001) que,
frise-se, não é uma mera carta de intenções, mas uma lei que deve ser cumprida, afirma
que:
A exclusão da escola de crianças na idade própria, seja por incúria do
Poder Público, seja por omissão da família e da sociedade, é a forma
mais perversa e irremediável de exclusão social, pois nega o direito
elementar de cidadania, reproduzindo o círculo da pobreza e da
marginalidade e alienando milhões de brasileiros de qualquer
perspectiva de futuro (nossos os grifos).
O referido Plano considera, ainda, que a existência de crianças fora da
escola e as taxas de analfabetismo estão estreitamente associadas, tratando-se de
problemas localizados, concentrados em bolsões de miséria existentes nas periferias
urbanas e nas áreas rurais.
Para contornar o problema das crianças fora da escola na idade adequada,
principalmente nas áreas rurais, o referido PNE estabelece como um de seus objetivos e
metas prover de transporte escolar as zonas rurais, quando necessário, com
colaboração financeira da União, Estados e Municípios, de forma a garantir a
escolarização dos alunos e o acesso à escola por parte do professor.
O Ministério da Educação reconhece que:
[...] percorrer longos trechos para chegar à escola é realidade de
milhares de alunos da rede pública, que vivem em áreas rurais. Outros
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precisam utilizar barcos para assegurar seu direito à educação. A
consequência imediata dessa dificuldade é a evasão escolar e a
repetência. Para contribuir na diminuição deste índice, facilitando o
acesso e a permanência dos alunos na escola, foi criado em 1994 o
Programa Nacional de Transporte Escolar – PNTE e em 2004, instituído
pela Medida Provisória nº 173, publicada em 17 de março, o Programa
Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar – PNATE (Disponível em:
www.fnde.gov.br/programas/pnte.index.html Acesso em: 21 de outubro
de 2006).
Por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE
criou-se o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar – PNATE, justamente
para garantir a oferta do transporte escolar aos alunos do ensino fundamental público,
residentes em área rural, por meio de assistência financeira, em caráter suplementar, aos
Estados ao Distrito Federal e aos Municípios.
Ademais, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais
universalizou, desde 2003, o repasse às Prefeituras municipais de recursos do Programa
de Transporte Escolar para atendimento aos alunos do Ensino Fundamental residentes
em regiões distantes dos estabelecimentos de ensino.
Sob outro aspecto, não se pode olvidar também que o Estatuto da Criança
e do Adolescente revolucionou o Direito Infanto-Juvenil, inovando e adotando a
Doutrina da Proteção Integral, prevista no artigo 1º da referida norma, que assegura
os direitos fundamentais de todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de
qualquer tipo, baseando-se no reconhecimento de direitos especiais e específicos de
todas as crianças e adolescentes, decorrentes da condição peculiar de pessoas em
desenvolvimento.
Nessa linha, dispõe o artigo 3º do Estatuto que:
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Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros
meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições
de liberdade e de dignidade.
O artigo 4º, nesse mesmo diapasão, espelhado no artigo 227, caput, da
CF/88, diz o seguinte:
Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único: A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância
pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais
públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas
com a proteção à infância e à juventude. (sem os grifos no original).
No caso em comento, percebe-se facilmente que o Município de
XXXXX/MG, ao negar o transporte escolar para as crianças supraindicadas, residentes
na zona rural da cidade, está se afastando de sua obrigatoriedade constitucional de
ofertar mecanismos que propiciem um ensino regular e obrigatório a todas as crianças e
adolescentes em idade escolar.
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Frise-se, ainda, que a suposta falta de verbas, baseada no princípio da
″reserva do possível″, não é objeção suficiente para escusar o município da prestação de
insumo necessário ao exercício de um direito social fundamental, garantidor de um
mínimo existencial, do núcleo do princípio da dignidade da pessoa humana, consistente
no acesso à educação fundamental. Trata-se de norma vinculante, cujo descumprimento
é inescusável.
Nesse aspecto, vale a pena conferir os termos do voto proferido pelo
eminente Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível nº 70055624373:
O direito à educação deve ser compreendido em sentido amplo, não se
limitando à simples oferta de vaga em escola regular, mas
compreendendo também o acesso à escola, o que inclui o fornecimento
de transporte escolar, quando se mostrar necessário ante a distância
entre a escola e a casa do aluno, notadamente para alunos residentes na
zona rural, como é o caso do apelado Héctor.
O dever constitucional do Estado – em sentindo lato – de prover o acesso
à educação, notadamente em favor das crianças e adolescentes, tem
arrimo nos arts. 205 e 228 da Constituição Federal:
[...]
Do mesmo modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus arts.
53 e 54, estabelece que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é
direito público subjetivo da criança e do adolescente, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho.
Ainda que caiba o estabelecimento de tais critérios para concessão de
transporte aos alunos residentes na zona urbana, o mesmo não se pode
dizer em relação àqueles que, como o apelado, residem na zona rural,
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podendo-se até mesmo afirmar a presunção das dificuldades de
deslocamento e necessidade do transporte escolar.
Há que ter em mente que, na espécie, fornecer o estudo, porém sem o
transporte, é o mesmo que negar o direito à educação. Nesse sentido, os
precedentes deste Tribunal de Justiça:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MUNICÍPIO DE LAGOA
VERMELHA. TRANSPORTE ESCOLAR AOS ALUNOS
RESIDENTES NA ZONA RURAL E TRANSPORTE NOTURNO.
DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. CABIMENTO.
1. O direito à educação constitui direito fundamental social, que
deve ser assegurado de forma solidária pelos entes federativos,
incluindo-se neste conceito o transporte escolar gratuito às
crianças e adolescentes matriculados na rede pública de ensino,
não podendo o particular ter limitado o seu direito à educação,
garantido constitucionalmente, por ato da Administração
Pública. 2. Consideradas as particularidades do caso concreto,
cabível determinar que o Município de Lagoa Vermelha
disponibilize transporte escolar aos alunos residentes na zona
rural, nos moldes dos anos anteriores, bem como forneça
transporte escolar para os alunos que desejam estudar no turno
da noite. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
(Agravo de Instrumento Nº 70054304480, Oitava Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl,
Julgado em 27/06/2013).
APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. TRANSPORTE ESCOLAR GRATUITO À
CRIANÇAS RESIDENTES NA ZONA RURAL. DEVER DO
PODER PÚBLICO. PRECEDENTE DESTA CORTE.
APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70048928303,
Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge
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Luís Dall'Anol, Julgado em 29/08/2012).
AÇÃO ORDINÁRIA. ECA. DIREITO À EDUCAÇÃO. DEVER
DO MUNICÍPIO. CONDENAÇÃO DO MUNICÍPIO AO
PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PARA DEFENSORIA
PÚBLICA. CABIMENTO. TRANSPORTE ESCOLAR.
CABIMENTO. 1. Constitui dever do Município assegurar às
crianças o acesso à educação, cabendo-lhe garantir vaga na
rede pública ou, então, na rede privada, às suas expensas,
abrangendo também o transporte escolar. 2. Considerando o
entendimento pacífico desta Corte quanto ao cabimento da
condenação do Município ao pagamento de honorários em
favor da Defensoria Pública, refletindo também a orientação
uníssona do STJ, submeto-me a esse entendimento para admitir
tal ônus, fixando a verba remuneratória destinada ao FADEP
em patamar adequado, considerando que se trata de questão
pacífica e de recurso repetitivo. Recurso do Município
desprovido e provido o recurso do autor. (Apelação Cível Nº
70054447453, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em
29/05/2013).
Ademais, não há falar em violação ao princípio da separação de
Poderes, por indevida ingerência na tarefa administrativa. O tema foi
tratado com maestria pelo Em. Desembargador Eugênio Fachini Neto,
citado e reverenciado no acórdão lavrado na Apelação Cível
5960178971. Aludindo à teoria da tripartição de poderes sistematizada
por Montesquieu, constata:
‘Essa teoria clássica, porém, foi engendrada como tentativa de
colocar limites ao poder absolutista dos monarcas (que
representava o poder executivo da época). Para tanto via-se
no parlamento o órgão capaz de fazer frente ao rei. Quanto ao
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judiciário reservava-se-lhe o singelo papel de ‘a boca que
pronuncia as palavras da lei’, na conhecida expressão
montesquiana. Uma vez ultrapassada esta fase, e
definitivamente assimilada a ideia de que o poder não é
ilimitado, encontrando ele próprio limites na legislação, e
aceita igualmente a premissa de que os agentes do poder só
podem agir para defesa e efetiva consecução do bem comum,
chega-se a uma nova ideia sobre o papel desempenhado pelo
Poder Judiciário’.
É esse novo papel de agente do poder político transformador que não
permite que o Judiciário, uma vez provocado, quede inerte diante da
ação (ou omissão) do Executivo que, mesmo na esfera discricionária,
entre em confronto direto com o ordenamento jurídico e, sobretudo, a
Constituição Federal. Nesse sentido, prossegue o Magistrado:
‘Em primeiro lugar o Judiciário só pode ser entendido no
contexto do poder. Esse, como se sabe, é uno. O seu exercício é
feito através de funções diferenciadas (administrativas,
legislativas e jurisdicionais) não apenas como forma de
controle recíproco como também como meio de melhor
desempenho do ponto de vista técnico da jurisdição, que se
entende deva ela ser outorgada a agentes de poder recrutados
pelo caráter técnico (concursos públicos)’.
(...)
‘Pois bem, assentado que o judiciário também é órgão de Poder
(e, portanto, também comprometido, teleologicamente, com o
bem comum) e que é inafastável o caráter político de sua
atuação (não evidentemente no sentido partidário do termo, mas
entendida a política como a arte da busca do bem comum), não
há como afastar o juiz, aprioristicamente, do conhecimento de
opções ditas discricionárias dos demais poderes. O que jamais
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se poderá permitir é que o juiz busque substituir o critério do
administrador pelo seu próprio. Não é disso que se trata. O que
se defende é a possibilidade comportada (diria até, exigida)
pelo sistema de o juiz apreciar as manifestações de vontade
Política (no sentido supra assinalado) dos demais poderes,
confrontando-as com o sistema legal, especialmente
Constitucional, para verificar de sua adequação ao mesmo’.
Isso porque o poder discricionário da administração é, em verdade, um
dever de promover o bem comum. Nesse sentido a percuciente
observação de Celso Antônio Bandeira de Melo2:
‘Na Ciência do Direito Administrativo, erradamente e até de
modo paradoxal, quer-se articular os institutos do direito
administrativo, – inobstante ramo do direito público – em torno
da ideia de poder, quando correto seria articulá-los em torno da
idéia de DEVER, de finalidade a ser cumprida. Em face da
finalidade, alguém – a Administração Pública – está posta
numa situação que os italianos chamam de ‘deverosità’ isto é,
sujeição a esse dever de atingir a finalidade. Como não há
outro meio para se atingir esta finalidade para obter-se o
cumprimento deste dever, senão irrogar a alguém certo poder
instrumental, ancilar ao cumprimento do dever, surge o poder,
como mera decorrência, como mero instrumento impostergável
para que se cumpra o dever. Mas, é o dever que comanda toda a
lógica do Direito Público. Assim, o dever assinalado pela lei, a
finalidade nela estampada, propõem-se, para qualquer agente
público, como um ímã, como uma força atrativa inexorável do
ponto de vista jurídico’.
Conjugando-se a ideia de dever discricionário e função jurisdicional
com a principiologia vertida na Constituição Federal, dando prioridade
absoluta aos direitos da criança e do adolescente, está o poder público
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necessariamente vinculado à promoção, com absoluta prioridade, do
acesso à educação da população infanto-juvenil.
Por fim, não é outra a jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, valendo conferir, a título exemplificativo, os seguintes
precedentes;
CONSTITUCIONAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DIREITO À
EDUCAÇÃO BÁSICA E ENSINO FUNDAMENTAL - TRANSPORTE
ESCOLAR GRATUITO - CRIANÇA E ADOLESCENTE - ABSOLUTA
PRIORIDADE - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ORDEM EDUCACIONAL
- OMISSÃO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL EM CUMPRIR
PRESTAÇÃO POSITIVA IMPOSTA PELA CONSTITUIÇÃO -
CONTROLE JUDICIAL - ADMISSIBILIDADE - OFENSA AO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - INOCORRÊNCIA -
OBRIGAÇÃO DE FAZER - INADIMPLEMENTO - MULTA DIÁRIA -
EXIGÊNCIA - INÍCIO DO PRAZO - INTIMAÇÃO PESSOAL DO
CHEFE DO PODER EXECUTIVO - SENTENÇA PARCIALMENTE
REFORMADA. Incumbe ao Poder Público Municipal assegurar
educação ao menor em idade escolar, com absoluta prioridade,
propiciando meios que materializem o direito constitucionalmente
assegurado, fornecendo passagem e/ou assumindo para si a efetivação
do transporte gratuito, de maneira permanente e contínua, como forma
de garantir aos alunos que residem a mais de 1 Km do educandário o
acesso à educação infantil e ao ensino fundamental. Não há ingerência
indevida nas atribuições do Poder Executivo, mas apenas exercício do
controle conferido ao Poder Judiciário quando impõe o cumprimento de
obrigação de fazer em processo que objetiva a tutela de direitos
assegurados à criança e ao adolescente, que, por se tratarem de pessoas
em desenvolvimento, merecem tratamento prioritário por parte dos
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administradores públicos. É vedado ao Poder Público, como forma de se
eximir em executar política específica visando assegurar o direito à
educação, alegar falta de disponibilidade financeira, invocando, para
tanto, a lei de responsabilidade fiscal e o princípio da reserva do
possível, mormente quando já passados mais de vinte e cinco anos de
vigência da Constituição da República e vinte e três anos da Lei nº
8.069/90. É cabível a aplicação de multa contra a Administração
Municipal em caso de descumprimento de obrigação de fazer. O prazo
de 90 (noventa) dias para o cumprimento da obrigação, sob pena de
multa diária, incide do trânsito em julgado da sentença favorável ao
autor da ação civil pública, e somente depois da intimação pessoal do
Chefe do Poder Executivo, providência determinada pela Instância
Revisora, uma vez que é o responsável pela implementação do encargo.
(TJMG Ap Cível/Reex Necessário 1.0024.12.112485-3/002, Relator
Edilson Fernandes, data do julgamento 22/07/2014).
REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO VOLUNTÁRIO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. TRANSPORTE ESCOLAR. PRELIMINAR PERDA DE
OBJETO. REJEIÇÃO. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO PELO
TRANSPORTE ESCOLAR. DIREITO À EDUCAÇÃO. GARANTIA
CONSTITUCIONALMENTE PREVISTA. SENTENÇA CONFIRMADA
NO REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO VOLUNTÁRIO
PREJUDICADO.
- A antecipação dos efeitos da tutela, com consequente implantação do
transporte escolar gratuito aos necessitados, não enseja a perda de
objeto, mostrando-se imprescindível a confirmação do feito pela
sentença.
- É responsabilidade do Município a disponibilização de transporte
escolar gratuito aos alunos residentes na zona rural e urbana, para que
os mesmos tenham acesso aos estabelecimentos da rede pública de
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ensino.
- A determinação judicial de implementação de garantia
constitucionalmente assegurada à criança e ao adolescente não enseja
ingerência indevida do Poder Judiciário nas funções políticas exercidas
pelo Legislativo e pelo Executivo, mormente considerando a prova
quanto à necessidade do serviço.
- Sentença confirmada no reexame necessário, prejudicado o recurso
voluntário. (TJMG - Ap Cível/Reex Necessário 1.0133.12.005559-4/001,
Relator Des. Moacyr Lobato, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
09/04/0015, publicação da súmula em 22/04/2015).
De fato, apenas a procedência integral do pedido poderá resguardar o
direito individual indisponível das crianças lesadas ao transporte escolar adequado à
condição deles de residentes na zona rural do município de XXXXXXXX/MG.
III – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA.
De acordo com o preceituado no art. 273 do Código de Processo Civil,
“O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da
tutela pretendida no pedido inicial, desde que: existindo prova inequívoca, se convença
da verossimilhança da alegação e haja fundado receio de dano ou de difícil
reparação”.
No caso vertente, os requisitos da verossimilhança da alegação e prova
inequívoca defluem de forma clara e indiscutível do conteúdo dos autos da NF nº
MPMG 0312.15.000049-4, ora encartada aos autos, dando conta de que o Poder Público
municipal está se recusando a ofertar o transporte escolar regular para as crianças
Fulano de Tal, Cicrano de Tal e Beltrana de Tal, o que tem afetado frontalmente o
direito subjetivo dos menores de ter acesso à educação.
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O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação advém,
primeiramente, dos perigos que essas crianças vêm passando ao terem que caminhar por
mais de 1 km por estradas, à noite, sendo expostas a vários riscos, como acidentes com
veículos e animais, indivíduos mal-intencionados, além do desgaste desnecessário a que
elas estão sendo submetidas.
Ademais, tais dificuldades podem incentivar faltas às aulas e até mesmo
evasão escolar, causando perdas irreparáveis em sua formação.
A inércia e a falta de planejamento do Município de XXXXXXX para a
oferta a contento do transporte escolar entre duas localidades situadas na zona rural
poderá afetar, portanto, negativamente, de forma irreparável, a formação educacional
desses alunos.
Ainda, conforme previsão legal contida nos artigos 213 do Estatuto da
Criança e do Adolescente e 12 da Lei nº 7.347/85, pode o juiz, sendo relevantes os
fundamentos da demanda, presentes os demais requisitos, conceder o provimento de
urgência pleiteado initio litis para assegurar o resultado prático equivalente ao do
adimplemento.
Além disso, não se pode esquecer que a infância e juventude são
efêmeras. Se há algo para se fazer em seu benefício e evitar possíveis lesões de difícil
reparação ou irreparáveis, que se faça logo.
Assim, presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, requer-se
liminarmente e inaudita altera parte3, seja determinado ao Município de
XXXXXXX/MG, através do seu representante legal, Exmo. Sr. Prefeito Municipal, que
3 Frisando-se que o próprio e. TJMG reconhece essa possibilidade, ainda que em face de pessoa jurídica de direito público, afirmando que [...] em situações de caráter excepcionalíssimo, admite se a dispensa da oitiva do Ente público, cuja medida só se justifica diante do poder geral de cautela conferido ao Juiz , quando necessário para evitar dano iminente e irreversível que poderia advir da demora do provimento jurisdicional liminar. (Agravo n.º 1.0245.07.121442-4/001).
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providencie imediatamente o transporte escolar, de maneira regular e diária, às crianças
Fulano de Tal, Cicrano de Tal e Beltrana de Tal entre a residências destas (Córrego
Santa Luzia) e a Escola Municipal de Alto Figueira, sob pena de multa diária, no valor
de R$ 1.000,00 (um mil reais) a ser revertida para o Fundo Estadual de Defesa da
Criança e Adolescentes.
Nesse sentido, em caso análogo:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - TRANSPORTE
ESCOLAR PÚBLICO - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA - PRESENÇA
DOS REQUISITOS ATINENTES À ESPÉCIE - RESPONSABILIDADE
DO MUNICÍPIO.
Em consonância com o art. 211 da Constituição Federal, os entes
federados organizarão seus sistemas de ensino em regime de
colaboração e que o Município atuará prioritariamente no ensino
fundamental e na educação infantil.
É dever constitucional do Município promover o adequado e regular
serviço de transporte escolar local, em plenas condições de segurança,
visando efetivar o acesso das crianças e adolescentes à educação.
(TJMG - Apelação Cível 1.0775.04.002436-3/001, Relator Des. Vanessa
Verdolim Hudson Andrade, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
11/02/2014, publicação da súmula em 19/02/2014).
III.1 – DA EFETIVAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA
Como sabido, muito além de simplesmente se dizer a norma jurídica no
caso concreto, um dos maiores desafios na realidade forense é o de efetivar a
promoção de direitos, mormente quando, para isso, depende o Poder Judiciário da
intervenção de outros atores do Estado, na efetivação de políticas públicas.
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No caso vertente, a simples enunciação do dever de processamento e
efetivo pagamento dos custos inerentes ao tratamento fora do domicílio, não tem o
condão de, per se, mover a máquina estatal para satisfazer o direito fundamental
violado.
Assim, diante do caráter eminentemente assistencial do pronunciamento
liminar, entende-se que o Chefe do Poder Executivo municipal figura como a autoridade
com atribuição para o cumprimento da obrigação, muito embora não seja, pessoalmente,
integrante do polo passivo nos presentes autos.
Entretanto, mesmo sem ser a pessoa do edil parte do processo, é factível
juridicamente a imposição de sanções a ele pelo descumprimento de uma ordem
judicial, posto que o comando oriundo do Poder Judiciário, a par de cogente, in casu,
apenas determina que cumpra o seu dever constitucional e legal4, em nada tendo
pertinência com o direito discutido nos autos.
É esta a dicção do artigo 14, inciso V e seu parágrafo único, do Código
de Processo Civil:
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer
forma participam do processo:
[...]
V – cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar
embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza
antecipatória ou final.
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam
exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V
deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição,
4 Destacando-se, inclusive, que o art. 5º, inciso II, alínea b, do Decreto Estadual n.º 45.015/2009 o autoriza a “comprar leitos/recursos assistenciais nos casos de urgência e emergência, quando as disponibilidades do SUS forem insuficientes para garantir a assistência ao paciente, observada a normatização da SES”.
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podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais
cabíveis, aplicar AO RESPONSÁVEL multa em montante a ser fixado
de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento
do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do
trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita
sempre como dívida ativa da União ou do Estado. (nossos os grifos).
O texto do dispositivo legal acima invocado é oriundo de uma das
reformas ao CPC, proveniente da Lei nº 10.358/2001. Sua grande novidade foi de
utilizar o termo “responsável” ao invés de “parte”, ressonando o texto do caput do
dispositivo – também por ela inaugurado – ao prever que a lealdade processual e a boa-
fé no procedimento em contraditório são deveres de todos, e não somente das partes,
independente de sua condição de estarem ou não nos pólos da relação processual.
A rigor, em se tratando de uma pessoa jurídica a cumprir a ordem
emanada (como o Município de XXXXXX), a sanção correspondente deveria ser
imposta unicamente ao ente fictício.
Porém, tendo em vista que esta multa é a única do CPC a não se
destinar ao prejudicado, mas sim ao Estado, quando o descumprimento da ordem
judicial advir de pessoa jurídica de direito público, aplicando-se esta regra, o credor
seria simultaneamente devedor do valor aplicado a título de multa, anulando os
efeitos buscados pela norma interpretada, uma vez que a confusão é causa extintiva
das obrigações.
Afinal, é de se presumir que o Poder Público não inscreva em dívida
ativa, nem muito menos proceda à execução, quando a responsabilidade pelo pagamento
da multa estipulada judicialmente seja dele próprio ou de um dos entes políticos.
Por isso, resta evidente que a penalidade de multa deve ser
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direcionada ao agente público descumpridor da ordem judicial.
Nesse sentido, HUGO DE BRITO MACHADO defende que “quando seja
parte no processo a Fazenda Pública, ou uma outra pessoa jurídica, a multa prevista
no parágrafo único do art. 14, do Código de Processo Civil, deve ser aplicada àquele
que a corporifica, ao agente público, ao dirigente ou representante da pessoa jurídica
ao qual caiba a conduta a ser adotada em cumprimento da decisão judicial”5.
De modo que, não é razoável que, sendo o Estado (aqui inclusive
mencionado lato sensu) responsável pela prestação jurisdicional, cuja presteza lhe cabe
preservar, tutelando e defendendo o interesse público primário, possa ele próprio,
cometer um ato atentatório à dignidade da jurisdição.
Quem comete esse ato na verdade é o servidor público que não está
realmente preparado para o desempenho de suas atribuições em um Estado de Direito.
A esse, portanto, cabe suportar a sanção correspondente.
O próprio colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou em
idêntico teor no julgado paradigma abaixo colacionado:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. DESCUMPRIMENTO
DE ORDEM JUDICIAL. ATO ATENTATÓRIO AO EXERCÍCIO DA
JURISDIÇÃO. MULTA DO ART. 14 DO CPC. APLICABILIDADE ÀS
PARTES E A TODOS AQUELES QUE, DE ALGUMA FORMA,
PARTICIPAM DO PROCESSO. (...) 4. O inciso V do art. 14 do Código
de Processo Civil, incluído pela Lei 10.358/2001, prevê como dever das
partes e de todos aqueles que, de alguma forma, participam do
processo, "cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não
criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza
5 Descumprimento de Decisão Judicial e Responsabilidade Pessoal do Agente Publico In Revista Dialética de Direito Tributário n.º 86, p. 50-59, Oliveira Rocha, São Paulo, 2002.
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXX
antecipatória ou final". 5. Não há como se admitir, no entanto, que um
membro do Ministério Público, a quem incumbe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (art. 127 da CF/88), deixe de dar cumprimento à ordem
judicial que suspendeu a realização do evento, sob a alegação de que
não era parte na ação mandamental, máxime porque o provimento
liminar era extremamente claro no tocante à extensão dos seus efeitos. 6.
‘Os deveres enumerados no art. 14, pois, são deveres das partes. E por
partes devem-se entender todos os sujeitos do contraditório. Em outros
termos, o conceito de partes a que alude o art. 14 não se refere apenas
às partes da demanda (demandante e demandado), mas a todas as
partes do processo (incluindo-se aí, também, portanto, os terceiros
intervenientes e o Ministério Público que atua como custos legis). É
mais amplo ainda, porém, o alcance do art. 14. Isto porque não só as
partes, mas todos aqueles que de qualquer forma participam do
processo têm de cumprir os preceitos estabelecidos pelo art. 14.’
(Alexandre Freitas Câmara, ‘Revista Dialética de Direito Processual’, n.
18, p. 9-19, set. 2004).(...) 8. Recursos especiais desprovidos. (REsp nº
757.895/PR, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 02/04/2009, DJe 04/05/2009).
Assim, pleiteia o Parquet que, já no corpo do ofício determinando a
imediata regularização do transporte escolar aos menores em epígrafe, esteja expresso
que o seu descumprimento importará na imputação ao oficiado da conduta de ato
atentatório ao exercício da jurisdição, na forma do art. 14, inciso V, do Código de
Processo Civil, significando a aplicação de multa equivalente a 20% (vinte por cento)
do valor da causa6, além das sanções correspondentes ao crime de desobediência.
IV – DOS PEDIDOS
6 Entende-se que a multa deverá por bem ser arbitrada em seu montante máximo diante da gravidade dos fatos aqui narrados.
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Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXX
Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS requer:
a) a autuação e o recebimento desta petição inicial, com a juntada dos
documentos a ela colacionados, seguindo-se os trâmites legais previstos na Lei n.º
7.347/1985, com a prioridade na tramitação, em razão da urgência e emergência
verificadas do caso;
b) o deferimento, in limine litis e inaudita altera parte, na forma do art.
12 da Lei nº 7.347/1985, determinando ao município réu que forneça o transporte
escolar, de maneira regular e diária, às crianças Fulano de Tal, Cicrano de Tal e
Beltrana de Tal entre a porta das residências destas, no Córrego Santa Luzia, e a
Escola Municipal de Alto Figueira, sob pena de multa diária, no valor de R$ 1.000,00
(um mil reais), multa esta destinada ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente,
nos termos do caput do artigo 214 da Lei nº 8.069/90;
c) a citação do Município de XXXXXXX/MG, na pessoa dos Exmos.
Srs. Prefeito Municipal e Secretária Municipal de Educação, na forma dos artigos 12,
inciso I, e 222, alínea “c”, do Código de Processo Civil, para, querendo, contestar o
presente pedido, no prazo da lei, sob pena de confissão e revelia, nos termos do disposto
nos artigos 285 e 319, também do Código de Processo Civil;
d) ao final, que seja julgado procedente o pedido formulado, a fim de
que, confirmando-se a antecipação dos efeitos da tutela, seja o Município de
XXXXXX/MG condenado ao cumprimento da OBRIGAÇÃO DE FAZER consistente
em fornecer o transporte escolar, de maneira regular e diária, às crianças Fulano de Tal,
Cicrano de Tal e Beltrana de Tal entre a porta das residências destas, no Córrego
Santa Luzia, e a Escola Municipal de Alto Figueira, sob pena de, nos termos do artigo
11 da Lei nº 7.347/95, pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais) pelo
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Promotoria de Justiça da Comarca de XXXXXX
descumprimento, a ser revertida para o fundo de reconstituição dos interesses meta-
individuais lesados, criado pelo artigo 13 do mesmo diploma legal, sem prejuízo de
outras providências tendentes ao cumprimento da ordem judicial, como o bloqueio
compulsório de valores; e
e) ato contínuo ao pedido contido na alínea anterior, seja o requerido
condenado ao pagamento das custas e despesas processuais de praxe.
Pretende o Parquet provar o alegado por todos os meios de prova
admitidos em direito, mormente o documental, o testemunhal e a realização de perícia.
Dá-se à presente causa, para fins do art. 258 do CPC, o valor de R$
50.000,00 (cinquenta mil reais).
Nestes termos, espera deferimento.
XXXXXXX/MG, 22 de julho de 2015.
Promotor de Justiça
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