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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM VERÔNICA HIRATA CRENÇAS E PRÁTICAS DE APRENDER E ENSINAR INGLÊS: CONFLITO E DILEMA NUMA ESCOLA PÚBLICA Cuiabá 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

VERÔNICA HIRATA

CRENÇAS E PRÁTICAS DE

APRENDER E ENSINAR INGLÊS:

CONFLITO E DILEMA NUMA ESCOLA PÚBLICA

Cuiabá

2012

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VERÔNICA HIRATA

CRENÇAS E PRÁTICAS DE

APRENDER E ENSINAR INGLÊS:

CONFLITO E DILEMA NUMA ESCOLA PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de Concentração: Estudos Linguísticos Linha de Pesquisa: Paradigma de Ensino de Línguas Orientadora: Profa. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson

Cuiabá

2012

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H668c Hirata, Verônica.

Crenças e práticas de aprender e ensinar inglês: conflito e dilema numa escola pública. / Verônica Hirata; Orientador(a): Profª. Dra. Ana Antônia de Assis-Peterson; Cuiabá, 2012.

120 f.

Dissertação (Mestrado - Programa de Pós Graduação em Estudos de Linguagem. Área de concentração: Paradigmas de Ensino de Línguas) – Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso.

1. Inglês - aprendizagem. 2. Inglês - estudo e ensino . 3.

Ensino da língua inglesa - crenças. 4. Escola pública - ensino

da língua inglesa. I. Título.

CDU 811.111´37.057

Ficha Catalográfica elaborada por Carolina Alves Rabelo CRB1/2238

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AGRADECIMENTOS

A Ana Antônia de Assis-Peterson, minha admiração e meu respeito pela disposição

do tempo e compartilhamento de conhecimentos. Sem suas valorosas contribuições

e sua paciência, esta dissertação não teria êxito.

A Gloria Gil, Solange Maria de Barros e Sergio Flores Pedroso, por aceitarem o

convite para avaliação desta dissertação. Sem seus olhares críticos, este estudo

teria sido menor.

Ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, por todas as

realizações durante o período em que constituí seu corpo discente.

A Eladyr Maria Norberto da Silva, excelente professora e grande incentivadora

desde os tempos da graduação.

A Fernando, companheiro de orientação no MeEL, e a Dánie, pelas boas conversas

e pelos conhecimentos compartilhados.

À Escola Central, principalmente a Susi e ao 8.º Ano A (2011), pela participação e

colaboração intensas.

À CAPES, pelo auxílio financeiro no desenvolvimento desta pesquisa.

A minha família, por toda a compreensão e apoio.

A Danilo Vilanova, pela presença em todos os momentos da minha vida.

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RESUMO

HIRATA, Verônica. Crenças e práticas de aprender e ensinar inglês: conflito e dilema numa escola pública. Dissertação de Mestrado em Estudos de Linguagem. Orientadora: Ana Antônia de Assis-Peterson. Cuiabá, MT: Universidade Federal de Mato Grosso, 2012.

Esta dissertação investiga a relação entre crenças e práticas de ensino-

aprendizagem de língua inglesa no contexto de uma turma de 8.º Ano do Ensino

Fundamental. Recorrendo à abordagem contextual (BARCELOS, 2000, 2004, 2007)

para o exame de crenças, ao uso de entrevistas, observações e documentos, este

estudo de caráter etnográfico identificou dois grupos de crenças. O Tema 1 – Inglês:

oportunidades dentro e fora da escola – abarcou crenças relacionadas ao que

representa o inglês para os estudantes, em termos de constituição como disciplina

da grade curricular e de oportunidades futuras. O Tema 2 – Relações de ensino e

aprendizagem no 8.º Ano A – referiu-se às formas com que as relações entre

professora e alunos se estabeleceram no ensino de inglês. O estudo demonstrou

que as crenças estão intimamente ligadas ao contexto, pois nem sempre as práticas

já estabelecidas e as teorias estudadas funcionam adequadamente dentro de uma

nova situação. A indisciplina surgiu como fator relevante a influenciar o processo de

ensinar e aprender no 8.º Ano A, ocasionando o surgimento de um dilema para a

professora. A diferença de crenças entre professores e alunos, por outro lado,

estabeleceu um conflito em sala de aula, tornando-se necessária uma negociação

para se tentasse alcançar, ainda que parcialmente, os objetivos de ensino e

aprendizagem.

Palavras-chave: crenças, aprendizagem, escola pública, inglês.

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ABSTRACT

HIRATA, Verônica. Beliefs and practices in learning and teaching the English language: conflict and dilemma in a public school. Master Thesis in Language Studies. Thesis’s Supervisor: Ana Antônia de Assis-Peterson. Cuiabá, MT: Federal University of Mato Grosso, 2012.

This master thesis investigates the relationship between beliefs and practices in the

process of teaching and learning the English language inside the context of

an 8th grade elementary school. Using the contextual approach (Barcelos, 2000,

2004, 2007) to examine beliefs as well as the use of interviews, observations and

documents, this ethnographic study has identified two groups of beliefs. Theme 1 –

English: opportunities inside and outside the school – encompassed beliefs related to

what the English language signifies to students as a school discipline and regarding

the future opportunities it offers. Theme 2 – Relations of teaching and learning in the

8th grade – was related to the ways the interactions between teacher and students

have developed in the classroom. It was found that beliefs are closely tied to context

because not always the established practices and the theories

learned function properly within a new situation. Indiscipline emerged as a significant

factor influencing the process of teaching and learning and as a dilemma for the

teacher. Different learning and teaching beliefs between teachers and students pose

challenges and conflicts in the classroom interaction in which a certain kind of

negotiation between the teacher and students was necessary to try to achieve

teaching and learning objectives, even partially.

Keywords: beliefs, learning, The English language, public schools.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO UM – PALAVRAS INICIAIS ................................................................... 10

1.1 Por que investigar crenças? – Da problemática da pesquisa e justificativa ........ 12

1.2 Objetivos e perguntas de pesquisa ..................................................................... 21

1.3 A organização da dissertação ............................................................................. 22

CAPÍTULO DOIS - REFERENCIAIS TEÓRICOS ..................................................... 24

2.1 Crenças: um conceito relacionado com o contexto e com as ações ................... 24

2.2 Diferentes abordagens de investigação de crenças ............................................ 26

2.3 Breve histórico das pesquisas sobre crenças ..................................................... 29

2.4 Pesquisas sobre aprendizagem de línguas ......................................................... 36

CAPÍTULO TRÊS – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................. 41

3.1 A ótica da pesquisa ............................................................................................. 41

3.2 O percurso da pesquisa ...................................................................................... 44 3.2.1 A Escola Central ........................................................................................... 47 3.2.2 A dinâmica da sala de aula ........................................................................... 53 3.2.3 Participantes ................................................................................................. 56

3.3 Metodologia da pesquisa..................................................................................... 59 3.3.1 Das observações .......................................................................................... 60 3.3.2 Das entrevistas ............................................................................................. 62 3.3.3 Da análise documental ................................................................................. 63

3.4 A análise: perspectiva e procedimentos .............................................................. 65

CAPÍTULO QUATRO – CRENÇAS NO DIZER E NO FAZER DA PROFESSORA E DOS ALUNOS .......................................................................................................... 67

4.1 TEMA 1 – Inglês: oportunidades dentro e fora da escola .................................... 67 4.1.1 “Só que o inglês de escola é só o básico...” (Helô, entrevista, 29/07/2011) . 68 4.1.2 Inglês é bem difícil... Espanhol é bem mais fácil. (Adriana, anotações de campo, 01/04/2011) ............................................................................................... 72 4.1.3 “(...) você não consegue ler a pergunta porque ela tá em inglês! Aí, pra você responder, não tem como”. (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011) .............................. 76 4.1.4 No futuro, eu vou precisar, porque vai sempre abrir as portas (Helô, entrevista, 29/07/2011) .......................................................................................... 80

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4.2 TEMA 2 – Relações de ensino e aprendizagem no 8.º Ano A ............................ 83 4.2.1. “Treinando a... a escrita, fazendo bastante exercício, eles... eles fixam mais” (Susi, entrevista, 05/08/2011) ................................................................................ 83 4.2.2 “A professora repete pra gente aprender melhor.” (Jairo, entrevista, 05/08/2011) ............................................................................................................ 88 4.2.3 “A professora não consegue tomar conta da sala sozinha” (Maria Luísa, entrevista, 29/07/2011) .......................................................................................... 92

4.3 Da relação com os contextos micro e macroculturais ......................................... 95 4.3.1 “Com um cupinzeiro na cabeça”: a indisciplina configurando um nó de tensão entre os participantes ............................................................................................ 96 4.3.2 Dilemas da professora na interação com os alunos ................................... 101 4.3.3 Desencontros entre a crença e a prática na sala de aula ........................... 104

CAPÍTULO CINCO – PALAVRAS FINAIS ............................................................. 106

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 112

APÊNDICE I ............................................................................................................ 112

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CAPÍTULO UM – PALAVRAS INICIAIS

Nesta dissertação, analiso de que maneira as crenças de alunos e da

professora de inglês de Ensino Fundamental de uma escola pública estadual em

Cuiabá, Mato Grosso, se relacionam com o processo de aprendizagem da nova

língua. Defino crenças como uma construção social, um processo de significação do

mundo a partir de experiências e de relações com outras pessoas e com o contexto

em que estamos inseridos (DEWEY, 1933; DUFVA, 2006; BARCELOS, 2010). Por

contexto, entendo um “fenômeno socialmente constituído e sustentado

interativamente, onde cada ação acrescentada dentro da interação modifica o

contexto existente enquanto cria uma nova arena para interações subsequentes”

(GOODWIN; DURANTI, 1992 apud BARCELOS, 2001a, p. 81).

Considero que a investigação sobre crenças não pode se limitar a ratificar que

as crenças influenciam a aprendizagem de um novo idioma ou a identificar que

crenças são essas. Importa, sobretudo, explicitar a atuação delas nesse complexo

processo. Dessa maneira, pretendo relacionar o contexto da escola e da sala de

aula pesquisada e o processo de aprendizagem do inglês pelo aluno, por meio do

que os participantes dizem (as crenças que manifestam verbalmente) e,

principalmente, fazem (ações dentro do contexto especificado), seguindo a

abordagem contextual de investigação de crenças proposta por Barcelos (2000,

2001, 2004).

A opção pela abordagem contextual refere-se ao fato de que ela investiga

crenças de professores e alunos em contextos específicos, sem intenção de

generalizar seus resultados a contextos amplos ou recorrer a declarações pré-

elaboradas. Ademais, considera a influência da experiência anterior de

aprendizagem de línguas na formação dessas crenças e nas ações dos indivíduos

pesquisados.

Uma vez que a abordagem contextual recorre a múltiplos instrumentos de

coleta, principalmente a observação, a relação entre crenças e ações deixa de ser

meramente sugerida na fala para ser fundamentada nas ações observadas. Assim,

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os sentidos emergem a partir do conjunto de dados gerados, possibilitando uma

visão mais holística e detalhada da situação pesquisada.

Recorrendo a diversos instrumentos de coleta, pude perceber a complexidade

de atores e fatores envolvidos quando se trata do processo de ensinar e aprender.

Identifiquei contradições, conflitos e dilemas entre crenças e práticas, o que

dificilmente seria explicitado isoladamente através de questionários ou entrevistas,

ainda os instrumentos mais comuns de estudos na área.

A maioria das pesquisas realizadas no Brasil e no exterior se limita ao que é

verbalizado pelo participante, na busca de identificação das crenças, sem, no

entanto, observar como elas próprias se constituem nas ações dos indivíduos

(BARCELOS, 2006). Aqui, não pretendo, me restringir ao verbal, pois sob a

perspectiva da abordagem contextual proposta por Barcelos (2000, 2001, 2004),

encampada por mim, considera-se que o contexto, incluindo as relações

estabelecidas entre os participantes, influencia suas crenças e práticas, podendo ou

não favorecer o aprendizado.

Esta pesquisa se insere no paradigma de investigação qualitativa em

Linguística Aplicada, de caráter interpretativo, empreendida sob uma perspectiva

etnográfica, pois considero que o caráter cultural da sala de aula e da escola

envolvidas possui grande relevância para a interpretação dos dados. “A análise das

práticas na escola ajuda a caracterizar a cultura desta” (MOITA LOPES, 2001 apud

COX; ASSIS-PETERSON, 2001a, p. 162). Em pesquisas do tipo qualitativo, como é

o caso desta, interessa mais o processo do que o produto, uma vez que estudar

pessoas dentro das situações sociais pode proporcionar um melhor entendimento

das circunstâncias envolvidas.

Este estudo integra o projeto “Redes de conhecimento: conectando lares e

salas de aula em torno do ensino de línguas (um estudo sobre crenças, discursos,

práticas e ideologias de língua estrangeira)”1. Tem como principal objetivo construir

conexão entre lares e escolas, estabelecendo redes de conhecimento nas quais

interagem professores, supervisores, pais e seus filhos, de forma a proporcionar

1 projeto é coordenado por Ana Antônia de Assis-Peterson e vinculado à linha de pesquisa “Paradigmas de Ensino de Línguas” no Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem/UFMT.

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uma visão mais abrangente sobre como os professores podem ajudar os alunos a

desenvolver habilidades de letramento em língua inglesa.

Dentro desse projeto, restringi-me à pesquisa sobre crenças, especificamente

sobre aquelas relacionadas à aprendizagem, para entender como elas são

construídas dentro de sala de aula, na relação com o professor e com a cultura da

escola e da sala de aula escolhidas. Pretendo colaborar para entender a intrincada

relação entre crenças e aprendizagem, aspecto ainda pouco explorado pelas

pesquisas na área (BARCELOS, 2006), e especificamente no contexto da escola

pública brasileira, com vistas a contribuir para novas práticas que proporcionem uma

experiência mais significativa de ensinar e aprender língua inglesa.

Por “aprendizagem significativa”, recorro a Ausubel (1978 apud FERREIRA

DA CRUZ; R CHA LIMA, 2011, p. 191), que a diferencia da “aprendizagem

mecânica”. Numa aprendizagem significativa, a nova informação se relaciona com

conceitos já existentes e relevantes ou experiências prévias, ligando-se em forma de

rede com elas. De maneira semelhante, entendo que a aprendizagem somente seja

significativa quando se interliga à complexa teia de capacidades, experiências,

relações e conhecimentos do sujeito, sobretudo considerando as características do

contexto envolvido.

Quando há falta desses laços entre os conhecimentos anteriores e os novos,

a aprendizagem torna-se mecânica, favorecendo a memorização ou aprendizagem

por repetição. Neste caso, acredito que a aprendizagem, de fato, não se estabelece.

Não basta que se alcance a última página do livro didático ou que os conteúdos

propostos tenham sido cumpridos. Interessa, sobretudo, proporcionar aos alunos a

possibilidade de agir e interagir com outros a partir do novo conhecimento.

Assim, neste capítulo, introduzo o problema, os objetivos, as perguntas e a

justificativa desta pesquisa. Apresento, ao final, a estrutura desta dissertação e o

conteúdo de cada capítulo que a compõe.

1.1 Por que investigar crenças? – Da problemática da pesquisa e

justificativa

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Para o professor, conhecer as crenças de seus alunos pode contribuir para o

questionamento de práticas cristalizadas em seu cotidiano, uma vez que suas

crenças interagem, consciente ou inconscientemente, com suas ações em sala de

aula. Explicitar as próprias crenças pode contribuir para o estabelecimento de

práticas mais significativas de ensinar e aprender (FREEMAN; RICHARDS, 1996

apud KUDIESS, 2005). Refletir sobre as crenças que ele manifesta pode, ainda,

conduzi-lo a um ensino mais realista e crítico, tanto no que se refere à prática em

sala de aula quanto aos aspectos externos relacionados ao ensino de línguas (o

valor da língua inglesa no currículo escolar e as questões econômicas e políticas

que são atribuídas ao ensino dessa língua, por exemplo).

Para os alunos, o conhecimento acerca das crenças que manifestam pode

auxiliar no desenvolvimento de estratégias que favoreçam uma significativa

aprendizagem de língua estrangeira, entendendo e adaptando-se às circunstâncias

apresentadas em determinado contexto (WHITE, 1999, p. 18 apud BARCELOS,

2004, p. 139). Também pode influenciar diretamente em sua motivação e em suas

atitudes em sala de aula (LIMA, 2010). No processo de ensino-aprendizagem,

professores e alunos são influenciados pelas crenças, como pontua Madeira (2008,

p. 50):

Na área de ensino e aprendizagem de LE, a investigação sobre crenças ganhou força em função da influência que elas exercem, tanto sobre professores quanto sobre alunos, na maneira como se aborda todo o processo de ensino e aprendizagem da nova língua. A maneira como pensam, vêem e vivenciam aquele processo os leva a trilhar caminhos diferentes para atingir seus objetivos. (MADEIRA, 2008, p. 50)

Por caminhos diferentes, entenda-se uma reflexão sobre o processo de

ensino-aprendizagem e, inclusive, a possibilidade de mudança de práticas e de

crenças, que Barcelos (2007, p. 129), recorrendo a diversos autores, afirma

acontecer de duas maneiras:

(a) uma consciência do que se faz, seguida de uma ressignificação ou reafirmação da crença e da prática atual. Nesse caso, a mudança não necessariamente significa sempre fazer algo novo ou diferente, mas envolver-se na reflexão e conscientização de como compreendemos o que fazemos; e

(b) acomodação da crença e mudança de comportamento ou da ação. Na verdade, creio que temos um processo contínuo de mudança que vai desde a assunção do que somos e acreditamos (o que alguns chamam

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de consciência ou contemplação) até a mudança efetiva da prática, em que a reflexão na ação é importante. (BARCELOS, 2007, p. 129).

Assim, crenças de ambos os atores, uma vez explicitadas, podem ser

negociadas2 e/ou confrontadas para que a aprendizagem de inglês na escola regular

seja mais adequada às necessidades dos estudantes.

Kudiess (2005, p. 78), investigando crenças de professores de escolas

particulares de línguas no sul do Brasil, acredita que “a realidade da sala de aula faz

com que ele [o professor] confronte a sua crença, fazendo com que esta seja

confirmada, negada ou substituída por outra. As mudanças também ocorrem com o

tempo de experiência do professor”. A mesma autora aponta que o professor tende

a manter crenças positivas que ele teve quando era aluno: “tudo o que funcionou e

fez sentido para ele, permanece com ele. que não funcionou, substitui” (p. 79).

Essa mesma opinião já havia sido manifestada por Félix (1998), para quem os

professores classificavam como aprendiz ideal de inglês aquele que usava as

mesmas estratégias de aprendizagem que eles próprios usaram quando aprendizes.

Todavia, em uma nova situação, essa estratégia pode não funcionar como

esperado, pois mesma cultura pode abrigar crenças contraditórias. Não significa que

haja crenças errôneas, mas que, em relação a determinado ambiente contextual,

aquelas que o professor explicita podem não ser as mais apropriadas ao

aprendizado ou ao ensino que se pretende realizar. Além disso, nem sempre o

contexto favorece mudanças. Estas costumam ser temidas ou evitadas porque

envolvem o desenvolvimento de outra forma de pensar e de agir.

No Brasil, boa parte das pesquisas sobre crenças de ensino e aprendizagem

de línguas estrangeiras tem como alvo a escola pública e identifica crenças

negativas a respeito desse contexto. Pais, professores e alunos parecem carregar a

crença de que o ensino e a aprendizagem de língua inglesa na escola pública não

funcionam. O lugar ideal de aprendizagem, segundo esses participantes, são os

cursos de idiomas (GRIGOLETTO, 2000; COX; ASSIS-PETERSON, 2002;

GASPARINI, 2005, PERIN, 2005; SANTOS, 2005; DIAS, 2006; PAIVA, 2006;

LEFFA, 2007; BASSO, 2010; COELHO, 2010; LIMA, 2010; ROCHA, 2010;

ARAGÃO, 2010; ARAÚJO DE OLIVEIRA, 2011; entre outros).

2 Por negociação, não pretendo me referir ao simples consenso entre interlocutores, uma vez que

conflitos podem ser tão ou mais benéficos para os participantes em determinado contexto. Ao tratar de negociação, refiro-me, sobretudo, ao estabelecimento de objetivos comuns mantendo-se o respeito entre as partes, de forma que nenhuma delas seja completamente anulada pela outra.

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Dias (2006, p. 120), por exemplo, ao pesquisar as vozes de pais de alunos a

respeito do ensino de língua inglesa na escola pública, obteve o seguinte

depoimento:

(...) O Marcelino quer fazer um curso desse negócio... de inglês. Aí... aí eu... assim... por mim.... por minha pessoa... eu acho que no curso é que ele vai aprender mesmo. Na escola, não aprende na escola não, na escola é meio assim pra tapear, pra dizer, né? (ENT.20/12/04 – Marlon, pai) (DIAS, 2006, p. 92) (grifo da autora)

Perin (2005), em uma pesquisa desenvolvida em uma escola pública de

grande porte no Paraná, identificou que o ensino de Língua Inglesa é visto com

desprezo e indiferença pelos alunos, o que gera indisciplina, por parte deles, e

estresse, por parte do professor. Ao final, o sentimento, para ambos, é de frustração.

A autora identifica um descompasso entre as condições reais e as condições ideais

de ensino e aprendizagem de Língua Inglesa na escola pública.

A crença de que inglês na escola pública não funciona possui tanta força no

Brasil que Lima (2011) organizou um livro em que apresenta o ponto de vista de

diferentes autores sobre ela. A maior parte deles compartilha essa crença, entre os

quais Araújo de Oliveira (2011), o qual aponta que o problema do ensino de inglês

nas escolas públicas é, sobretudo, um problema político. Há uma discrepância entre

o que propõem as leis (o ensino almejado) e a realidade de sua aplicação (o ensino

real) em todo o território brasileiro, caracterizando a situação do ensino público como

uma política de fingimento. Existem competências que não podem ser desenvolvidas

devido à limitação nos recursos disponíveis, ou, de forma oposta, quando há

estrutura disponível, não há capacitação para uso.

O desencontro entre o que é almejado e o que é oferecido nas escolas

públicas também se mostra no trabalho de Rocha (2010). Em pesquisa com

estudantes, pais, professores, diretores e coordenadores do Ensino Fundamental I e

II (da 1.ª à 4.ª série), incluindo de uma escola particular, identificou crenças

divergentes entre os participantes. Um grupo acreditava ser possível aprender inglês

em escola regular, inclusive na pública, desde que algumas situações contextuais,

como a baixa carga horária, o número de alunos por sala, a motivação do estudante

e o interesse do professor fossem ajustados. Outro grupo se mostrava descrente

quanto à possibilidade de aprender inglês no mesmo contexto. Segundo constatou a

autora, tal crença fundamentava-se nas condições insatisfatórias propostas em nível

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institucional e governamental. A crença de que não é possível aprender inglês na

escola pública também foi identificada por Santos (2005) em sua pesquisa sobre

inclusão de inglês nas séries iniciais.

Em outras palavras, Rocha (2010) e Santos (2005) identificaram que a

aprendizagem de inglês seria possível em escolas regulares, tanto públicas quanto

privadas, mas as condições em que o ensino vem sendo oferecido é que não

propiciam o seu alcance.

A dissonância entre o real e o ideal no ensino de inglês na escola pública é

também apontada por Lima, S. S. (2010), que, em pesquisa de natureza etnográfica

com professor e alunos de 5ª série em uma escola pública, investigou a relação

entre crenças e expectativas de professora e alunos na motivação de aprender

língua estrangeira. Nessa pesquisa, através de desenhos dos alunos, verificou que a

sala de aula real e a sala de aula ideal diferem em termos de quantidade de alunos e

de recursos audiovisuais. Além disso, os alunos manifestaram-se a favor de não

haver avaliações na disciplina, considerando-a diferente das outras presentes no

currículo escolar. As expectativas dos alunos de estudar em grupo e desenvolver

atividades diferenciadas em sala de aula (música, filme etc.), não foram atendidas

pela professora.

A diferença qualitativa entre o inglês oferecido em escola pública e o ofertado

pelos cursos de idioma identificado nas pesquisas sobre crenças é considerada por

Siqueira (2010) como consequência do investimento continuado em

desenvolvimento profissional docente e infraestrutura feitos pelos últimos. Diante do

desprestígio do ensino-aprendizagem de inglês na escola pública, os cursos livres

de idioma surgiram como uma estratégia para compensar a insatisfação/frustração

que a escola pública não consegue sanar.

Acredito na possibilidade de existir um contexto favorecedor de tal processo,

que nem sempre é encontrado nas escolas regulares, sejam elas públicas ou

privadas. Um contexto envolve um conjunto de situações propícias ao aprendizado.

Não se restringe a um mero espaço delimitado por quatro paredes e um professor

que dele participa. Está, sobretudo, relacionado com aspectos sociais, políticos,

culturais e estruturais. Em outras palavras, não basta se atentar para um dos lados

envolvidos e se esquecer dos demais. Trata-se de um processo, ou seja, as partes

estão interligadas. Para que o todo funcione, não basta tratar um aspecto

isoladamente. Dissonâncias podem acontecer, contribuindo para a atual situação do

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processo de ensino-aprendizagem de LE na escola pública, caracterizada por

Miccoli (2010, p. 220) como constituída por “professores malformados, atuando em

instituições com condições precárias, seja pelo número de alunos em sala, pela falta

de material e/ou recursos didáticos”.

Ademais, é preciso que professores e alunos se engajem em busca de

objetivos comuns. Nem sempre é o que acontece, justamente porque, como

exposto, as expectativas dos envolvidos costumam se focar sobre diferentes

habilidades, finalidades e estratégias.

De fato, acredito que haja diferenças entre escolas públicas e cursos de

idioma no que se refere ao ensino de inglês. No entanto, atribuo tal diferença ao

desencontro entre crenças, objetivos, realizações e expectativas dos envolvidos.

Para definir expectativa, recorro a Lima, S. S. (2010), que, apoiada em Scheib

(1970), Oxford & Shearin (1996) e Pajares (1996), entende expectativas como um

subtipo de crença que ajuda a definir o sucesso ou fracasso escolar. Expectativa

seria “uma espécie de crença que age como um pensamento antecipatório e

influencia a motivação do aluno para a aprendizagem de uma língua estrangeira”

(LIMA, S. S., 2010, p. 150). Assim, expectativas, crenças e motivação são conceitos

que se mostram interligados. Quanto mais convergentes são as crenças e

expectativas entre professores e alunos, maior a tendência de que o aluno e os

professores se esforcem para aprender/ensinar no ambiente escolar e, dessa

maneira, maiores são as possibilidades de um processo de ensino-aprendizagem

mais significativo e promissor.

Igualmente, Basso (2010, p. 70), com base em Barcelos (no prelo apud

BASSO, 2010), afirma que “quanto maior a convergência das mesmas (crenças de

professores e alunos), maior a possibilidade de sucesso na aprendizagem”.

Essa diferença de expectativas, objetivos e crenças fica evidente no que se

refere ao inglês nas escolas públicas. Estas visam ao ensino da língua com

finalidade de estabelecer relações e discussões que envolvam os aspectos políticos,

econômicos e culturais relacionados, ou seja, almeja-se que o aluno se relacione

com o mundo a partir da língua, transformando-o e transformando a si mesmo. O

foco, de fato, não é a oralidade. São as relações que se estabelecem a partir da

língua, seja ela escrita, falada, lida ou ouvida. No entanto, a expectativa de alunos e

pais é que as escolas públicas atendam ao objetivo mais prático da língua, que é

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seu uso na oralidade. Há, portanto, desencontro entre o que propõem as escolas e o

que querem pais e alunos.

É justamente essa diferença de expectativa em relação ao ensino de inglês

que nos aponta Aragão (2010). Em um texto relacionado à relação crenças-

emoções, o autor atribui a crença de que o lugar ideal de aprendizagem de inglês

seja na escola de idiomas à expectativa de que o ensino seja calcado no

desenvolvimento comunicativo do aluno através da produção e da produção oral,

seguindo o que seria o ritmo “natural” de aprendizagem de uma língua (primeiro a

fala, depois a escrita, como acontece com uma criança quando aprende a língua

materna). Em decorrência disso, a escola de idiomas passa a ser o parâmetro de

qualidade de aprendizado do idioma, e como a oralidade não é a habilidade foco da

escola pública, esta perde seu valor como local para aquisição de uma nova língua.

A ausência de modelos alternativos de ensino e aprendizagem, por outro

lado, faz com que o foco na escrita e na gramática consagradas em boa parte das

escolas regulares, especificamente na escola pública, influencie as crenças acerca

do funcionamento desse processo e propicie a reprodução, por parte do professor,

de práticas que ele vivenciou enquanto aluno.

O contato com novas oportunidades, por outro lado, pode conduzir à reflexão

e permitir a aproximação com outras formas de ensinar e aprender, como demonstra

Moraes (2010), em pesquisa qualitativa de base etnográfica realizada com

professora e alunos do curso de Letras com o olhar direcionado para a relação entre

crenças e formação de professores.

A autora dividiu a pesquisa em dois momentos de coleta por meio de

inventário e percebeu uma mudança nas crenças dos estudantes entre as duas

etapas. Inicialmente, os alunos identificavam-se com a concepção estruturalista da

língua, que se ancora no ensino gramatical. Na segunda coleta, depois de um

contato com a prática pedagógica diferenciada da professora – que incluía

atividades comunicativas em aulas predominantemente gramaticais –, e de uma

esperada reflexão, os estudantes passaram a acreditar em outras possibilidades de

aprender inglês e se mostraram suscetíveis a práticas mais comunicativas, como as

utilizadas pela professora envolvida.

Hoje já se admite que crenças exercem maior influência nas práticas de

ensino do professor do que os princípios teóricos das abordagens de ensino e o

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conhecimento advindo das leituras (BRASIL, 1998; MADEIRA, 2008; LIMA, S. S.,

2010). Lima, S. S. (2010, p. 150), ao investigar crenças e expectativas, acredita que

(...) as crenças são mais determinantes do comportamento e das ações humanas do que o conhecimento sistematizado e disseminado para todas as pessoas, pois as crenças influenciam individualmente o modo como tomamos nossas decisões e são mais difíceis de sofrerem mudanças. (LIMA, S. S., 2010, p. 150)

No entanto, nem sempre a relação entre crenças no ensino e aprendizagem

de LE será harmônica. Por isso, é importante investigar as crenças também como

uma forma de antecipar possíveis conflitos entre as diferentes crenças dos

participantes envolvidos na sala de aula, de forma a colaborar para negociações e

possíveis mudanças de crenças e de atitudes, que conduzam a um significativo

processo de ensino-aprendizagem dentro de determinado contexto. Isso devido ao

fato de que nem sempre as crenças trazidas por professores e alunos atuam no

sentido de favorecer a aprendizagem (MADEIRA, 2008). Influenciados por fatores

socioculturais, questões afetivas, hábitos arraigados, conceitos inadequados

adquiridos (MADEIRA, op. cit.) e também pela mídia, crenças como “só se aprende

inglês no exterior”, continuam atuando com muita expressividade nas salas de aula

de escolas regulares, principalmente das públicas.

Apoiado em outros estudos (FERNANDES; ELLIS; SINCLAIR, 1990;

CARMAGNANI, 1993; BARCELOS, 1999), Madeira (2007, p. 94) realça que “muitos

dos problemas com os quais os alunos se deparam no percurso de seu processo de

aprendizagem são resultado do conflito de suas crenças com aquelas trazidas pelos

professores”.

Barcelos (2006, p. 171), com base em Block (1996), afirma: “Se nós

queremos compreender a cultura de sala de aula, nós temos que compreender não

apenas a harmonia, mas também os conflitos”3. Referindo-se a outros

pesquisadores, aponta que a incompatibilidade entre crenças de alunos e

professores pode causar uma série de problemas:

Incompatibilidade entre crenças de professores e alunos pode causar outros tipos de problemas, não necessariamente relacionados com a abordagem comunicativa, como (a) a incompreensão e a falta de comunicação

3 No original: “If we want to understand classroom cultures, we have to understand not only the harmony, but also the conflicts”. (BARCELOS, 2003, p. 171)

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(Luppescu & Day, 1990), (b) questionamento dos estudantes sobre a credibilidade dos professores (Schulz, 1996), (c) engajamento dos aprendizes em estratégias que o professor desaprova (Rees-Miller, 1993), e (d) afastamento do estudante e sentimentos de infelicidade (McCargar, 1993). Em resumo, o conflito pode afetar as motivações e esforços dos aprendizes e os tipos de atividades que eles escolhem fazer (Schulz, 1996).” (BARCEL S, 2010, p. 172).

4

Por outro lado, o conflito torna explícitas as diferenças nas relações entre

professores e alunos. Salas de aula não constituem espaços neutros. São locais

permeados por ideologias, relações de poder, múltiplas identidades e práticas já

legitimadas. O estudo das crenças e das práticas desenvolvidas nesses espaços

permite explicitar a diferenças culturais, políticas e sociais ali estabelecidas. Em

decorrência dessa diversidade, conflitos podem surgir – e não devem ser apagados

(ASSIS-PETERSON, comunicação pessoal em 08/03/2012). Assim a dinâmica das

relações é estabelecida e favorece o fluxo de conhecimentos entre os sujeitos.

Nesse sentido, explicitar crenças e práticas permite conhecer o outro (op.cit.) e

favorece o entendimento de que toda atividade afeta o contexto envolvido. Nenhuma

ação é livre de consequências, mesmo quando não tenha sido conscientemente

desenvolvida.

Dessa maneira, os dois lados envolvidos podem se engajar em práticas de

ensino e aprendizagem mais adequadas ao contexto em que se inserem,

negociando suas diferentes crenças de forma a proporcionar uma relação de ensino

e aprendizagem mais significativa, principalmente na escola pública, continuamente

questionada quando o assunto envolve a aquisição de uma Língua Estrangeira (LE)

na Educação Básica.

Como afirma Barcelos, baseando-se em Pajares (1992), Richardson (1996) e

Rokeach (1968), as crenças devem ser inferidas também através das intenções e

ações dos investigados. Seguindo essa orientação, a relação entre crenças e o

processo de aprendizagem de uma nova língua é carente de novos estudos, como

apontam Barcelos & Kalaja (2006, p. 236):

4 No original: “Mismatches between teachers’ and students’ beliefs can cause other sorts of problems

not necessarily related to the communicative approach, such as (a) misunderstanding and miscommunications (Luppescu & Day, 1990), (b) students’ questioning of their teachers’ credibility (Schulz, 1996), (c) learners’ engagement in strategies of which the teacher disapproves (Rees-Miller, 1993), and (d) students’ withdrawal and feelings of unhappiness (McCargar, 1993). In short, the conflict can affect learners’ motivations and efforts and the types of activities they choose to do (Schulz, 1996).” (BARCEL S, 2010, p. 172)

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Qual é a relação entre crenças e os resultados da aprendizagem de línguas? Muito mais pesquisas precisam ser feitas para revelar as intrincadas variáveis envolvidas na relação entre crenças e aprendizagem de línguas. As contribuições desta obra não respondem a essa questão. Contudo, elas sugerem que uma abordagem de causa-efeito não parece ser adequada, dada a natureza social e dinâmica das crenças e o processo de aprendizagem.

5 (BARCELOS, KALAJA, 2006, p. 236)

É na lacuna identificada pelas autoras acima e destacada por Assis-Peterson

(comunicação pessoal em 07/06/2011) como um motivo para desenvolvimento de

nova pesquisa de crenças na escola pública que apresento esta proposta de

investigação.

1.2 Objetivos e perguntas de pesquisa

O principal objetivo desta pesquisa é analisar a relação entre crenças e

aprendizagem de inglês, investigando como crenças e ações de alunos e professora

se inter-relacionam nas práticas de aprender e ensinar inglês no contexto de uma

escola pública brasileira. Para isso, será necessário:

a) identificar as crenças de professora e alunos investigados, dentro do

contexto escolar; e

b) analisar como as crenças se (inter)relacionam, influenciando práticas de

professora e alunos nos processos de aprender e ensinar inglês.

Com base nos objetivos expostos, as perguntas de pesquisa são:

1. Como professora e alunos do ensino fundamental de uma escola

pública estabelecem suas crenças de aprender e ensinar inglês?

2. Há uma (inter)relação entre as crenças e as práticas de aprendizagem

de inglês da professora e dos alunos?

5 No original: “What is the relationship between beliefs and language learning outcomes? Much more

research needs to be done to uncover the intricate variables involved in the relationship between beliefs and language learning. The contributions to this volume do not answer this question. Yet, they suggest that a cause-effect approach does not seem to be adequate, given the social and dynamic nature of beliefs and the learning process.” (BARCELOS, KALAJA, 2006, p. 236)

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Esta pesquisa foi desenvolvida em uma sala de aula de uma escola pública

da rede estadual de Mato Grosso, denominada aqui de Escola Central. Participaram

desta pesquisa 31 alunos, estudantes da turma do 8°. Ano A (2011); Susi, a

professora de inglês dessas turmas; Emiliana, coordenadora pedagógica do Ensino

Fundamental; e Andréia, professora que substituiu Susi em 2011.6

A pesquisa desenvolvida foi de caráter etnográfico e seguiu a abordagem

contextual de investigação de crenças (BARCELOS, 2001a, 2004). Os instrumentos

de coleta utilizados foram observação, entrevista e análise documental. Os

procedimentos analíticos foram baseados em Wolcott (1994).

Esta proposta de investigação de crenças pretende contribuir com diferentes

visões acerca de como a relação de ensino-aprendizagem de inglês é estabelecida

em uma escola pública, identificando crenças e influências recíprocas internas e

externas que alteram as ações e as relações dos participantes dentro de sala de

aula.

1.3 A organização da dissertação

Este trabalho está estruturado em cinco capítulos. Neste Capítulo UM,

intitulado Palavras Iniciais, apresento os motivos pelos quais optei pela pesquisa

sobre crenças, mais especificamente sobre aquelas relacionadas à aprendizagem

de LE e apresento os objetivos e perguntas de pesquisa, justificando-os, bem como

sua contribuição para a área.

No Capítulo DOIS, Referenciais Teóricos, discuto o conceito de crenças,

apresentando aquela que norteia esta pesquisa. Traço um panorama com a visão de

diversos pesquisadores acerca da relação entre crenças e aprendizagem e

conclusões de pesquisas na área, algumas delas desenvolvidas em Mato Grosso.

Discuto, ainda, as diferentes abordagens pelas quais as crenças vêm sendo

investigadas, justificando minha opção pela abordagem contextual de Barcelos

(2001, 2004).

6 Para preservar a privacidade dos participantes, os nomes (exceto o desta autora) foram substituídos

por pseudônimos.

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No capítulo TRÊS, Procedimentos Metodológicos, discorro acerca dos

participantes, do contexto de pesquisa, dos instrumentos de coleta de dados e o tipo

de informação gerado e dos procedimentos de análise dos mesmos, justificando

minhas escolhas metodológicas pela pesquisa de natureza etnográfica,

desenvolvida por meio de observação, entrevista e análise documental, seguida dos

procedimentos analíticos propostos por Wolcott (1994), quais sejam: descrição,

análise e interpretação (D-A-I).

No capítulo QUATRO, Crenças no fazer e no dizer da professora e dos

alunos, analiso os dados gerados em minha pesquisa, apresentando crenças de

professora e alunos dentro do contexto pesquisado. Inicialmente, categorizo as

crenças e as descrevo, destacando momentos de encontro e desencontro entre

elas. Posteriormente, analiso-as à luz dos contextos micro e macro na qual se

desenvolveram, considerando as relações internas e externas à sala de aula.

No capítulo CINCO, Palavras Finais, apresento as interpretações a que

cheguei após a análise dos dados e respondo às duas perguntas de pesquisa que

nortearam este trabalho. Mostro, também, as contribuições e sugestões deste

estudo, além do que aprendi durante todo o percurso desta pesquisa.

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CAPÍTULO DOIS - REFERENCIAIS TEÓRICOS

Neste capítulo, trato do conceito de crenças na Linguística Aplicada,

apresentando aquele que embasa este trabalho (BARCELOS, 2010). Discuto, ainda,

as diferentes abordagens pelas quais as crenças vêm sendo investigadas

(BARCELOS, 2000, 2001, 2004; KALAJA, 2006), justificando minha opção pela

abordagem contextual de Barcelos (2000, 2001, 2004). Por último, traço um

panorama de diversas pesquisas que investigaram crenças e, mais especificamente,

sua relação com a aprendizagem.

2.1 Crenças: um conceito relacionado com o contexto e com as

ações

De acordo com Barcelos (2004), o conceito de crenças não é específico da

Linguística Aplicada (LA). Está presente em outras áreas do conhecimento, como a

Antropologia, a Sociologia, a Psicologia e a Filosofia.

Apesar da denominação, o conceito de crenças não está relacionado com

religião ou superstição (SILVA, 2007). Também não é facilmente distinguido de

conhecimento (BARCELOS, 2007, 2010) – algo que precisa de evidência para se

sustentar (GARBUIO, 2010, p. 88). Por outro lado, se liga à ideia de cognição, se

considerado que esse conceito não mais se refere a um processo unicamente

mental – e sim são cognições distribuídas, influenciadas pela interação do indivíduo

com o ambiente (WATSON-GEGEO, 2004, p. 333 apud BARCELOS, 2010, p. 17).

Crenças, portanto, não se referem apenas ao ensino, mas à própria natureza

do ser humano: “Essa visão é baseada na suposição de que as crenças são os

melhores indicadores das decisões que os indivíduos fazem ao longo de suas

vidas7” (PAJARES, 1992, p.307).

7 No original: “This view is based on assumption that beliefs are the best indicators of the decisions individuals make throughout their lives.” (PAJARES, 1992, p. 307) Todas as traduções apresentadas nesta dissertação são da própria autora.

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Várias foram as denominações criadas para se referir a esse campo do saber.

Pajares (1992), em artigo pioneiro a discutir o conceito, sugeriu que as pesquisas da

área se agregassem em torno da denominação crenças, dentre as diversas usadas

até então.

No Brasil, seguindo a trilha de Pajares, alguns teóricos revisaram os termos

usados para se referir ao conceito, principalmente no que diz respeito à LA (ver

BARCELOS, 2004; SILVA, 2006; SILVA; ROCHA, 2006, entre outros).

Para fins desta pesquisa, consideraremos crenças de acordo com Barcelos

(2010, p. 18), que, baseada em Dewey (1933 apud BARCELOS, 2010), enfatiza o

caráter contextual das crenças, conceituando-as como:

(...) uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-construídas em nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e re(significação). Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais. (Barcelos, 2010, p. 18)

Devido a esse caráter contextual, crenças não somente influenciam o

comportamento de aprendizes e professores, mas são por eles influenciadas, numa

relação hermenêutica (BARCELOS, 2007), complexamente relacionada com fatores

contextuais e com as ações dos envolvidos. Assim, nem sempre há encontro entre o

discurso e a prática, entre o dizer e o fazer, isto é, nem sempre as crenças

influenciam as ações e vice-versa (RICHARDSON, 1996 apud BARCELOS, 2010,

p.28).

Outros autores (BORG, 2003; WOODS, 2003) citados por Barcelos (2010),

igualmente enfatizam o desencontro entre o que acreditamos e fazemos, pois os

indivíduos realizam ações que parecem ser inconsistentes com o que eles dizem ser

suas crenças.

Conforme Barcelos (2010), o contexto no qual o professor está inserido

influencia suas ações, pois o professor lida constantemente com interesses

contraditórios – de um lado, possui suas crenças que indicam a maneira como deve

agir para que o seu ensino seja de melhor qualidade; de outro, há a teoria e as

pesquisas que dizem como ele deveria proceder, e, além disso, existe sua realidade

que não lhe permite fazer nem o que ele acredita ser o certo e nem o que as

pesquisas e métodos dizem que é certo. O professor tende assim a agir dentro do

que lhe é possível, não porque ele acredita ser a maneira mais eficaz, mas por ser,

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muitas vezes, a única possível de ser praticada, pela ausência de modelos

alternativos de conduta.

Acredito que, de fato, uma série de fatores atue na relação entre crenças e

ações. As experiências anteriores, as práticas já estabelecidas, as teorias estudadas

e as identidades dos professores fazem com que a relação entre o dizer e o fazer

revelem dissonâncias. Além disso, o grau de influência não é sempre o mesmo.

Uma crença pode fomentar a mudança de prática do professor e, ao mesmo tempo,

fazer com que nada se altere em relação ao aluno.

Todavia, até considerar o contexto como fator influenciador, as pesquisas

sobre crenças passaram por diversos momentos, como mostro a seguir.

2.2 Diferentes abordagens de investigação de crenças

Kalaja (2006) classifica as investigações sobre crenças, de acordo com o foco

e o método, em pesquisa hegemônica e pesquisa discursiva.

A pesquisa hegemônica baseia-se numa visão realista do mundo, como nas

pesquisas em ciências naturais. Também usa o método hipotético-dedutivo, ou seja,

testa hipóteses com o intuito de estabelecer uma relação causa-efeito com o

fenômeno estudado, objetivando generalizar o resultado.

De acordo com esta abordagem, as crenças são entidades cognitivas,

localizadas na mente do indivíduo e, em função disso, são consideradas estáveis e

controláveis. O instrumento mais utilizado nesse tipo de pesquisa é o questionário, e

os dados obtidos são analisados quantitativamente. A pesquisa hegemônica, como a

própria denominação manifesta, é a predominante nos estudos da área.

De origem mais recente, a pesquisa alternativa/discursiva tem como foco o

discurso. Trabalha com repertórios interpretativos, pois considera a linguagem como

um “local de construção” (KALAJA, 2006, p. 91), no qual o sujeito exerce um papel

ativo. O discurso é, nessa abordagem, considerado como prática social – em outras

palavras, não é predeterminado na mente do sujeito. Assim, o foco desse tipo de

pesquisa é a ação, e não mais a cognição.

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Essa abordagem, alinhada com a pesquisa qualitativa, baseia-se numa visão

relativista do mundo, no qual as explicações para os fenômenos são interpretações

dos pesquisadores a partir de trechos de fala ou escrita produzidos por uma pessoa,

considerando a construção e a função da comunicação efetuada. Sendo

interpretação, é apenas uma diante das diversas explicações possíveis para o objeto

analisado. Conforme Barcelos (2004, p.140), essa abordagem pressupõe que as

crenças são construídas no discurso, uma vez que o uso da língua é social e cria

realidades.

Barcelos (2000, 2001, 2004), por sua vez, classifica as abordagens de

investigação de crenças sobre aquisição de línguas em três momentos principais,

diferenciadas pelo conceito de crenças adotado, pelos instrumentos utilizados e pela

relação das crenças com o contexto. São elas: normativa, metacognitiva e

contextual. Somente as duas primeiras abordagens consideram, segundo a autora,

as crenças como cognitivas. Na abordagem contextual, as crenças são

consideradas construções sociais, pois envolvem o contexto, as relações

interpessoais e as experiências vivenciadas pelos pesquisados.

Na abordagem normativa, estas são definidas como algo estático, pré-

concebido e geralmente errôneo. Elas indicariam o comportamento futuro dos

alunos, explicando suas ações em sala de aula, num claro estabelecimento de

relação causa-efeito. Barcelos (2004) salienta que os estudos nessa abordagem são

descritivos, classificativos e a relação crenças-ações é apenas sugerida, sem

investigação do contexto.

O método de investigação mais adotado é o questionário com escalas do tipo

Likert, como o BALLI, de Horwitz (1988). Em questionários desse tipo, o participante

apenas aponta seu grau de concordância/discordância com afirmações abstratas e

pré-estabelecidas pelos pesquisadores – que, nesse caso, “falam” pelo investigado.

No entanto, se a pesquisa envolver um grande número de participantes, o uso desse

instrumento de coleta facilita a análise dos dados. Algumas pesquisas incluem

entrevistas para validar as respostas obtidas, uma vez que o participante pode

querer descrever suas crenças de outra forma que a estabelecida no questionário,

bem como pode interpretar os itens de maneira diferente da que pretendia o

pesquisador.

Esta abordagem, muitas vezes, ignora a perspectiva dos aprendizes,

criticando as crenças apresentadas por eles. Comparadas às crenças de

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pesquisadores, as crenças dos alunos são consideradas errôneas e devem ser

confrontadas pelo professor.

De acordo com a abordagem metacognitiva, as crenças são definidas como

conhecimento metacognitivo, estável e, às vezes, falível. As crenças, aqui, são

relacionadas a estratégias de aprendizagem dos alunos. Estes usam o

conhecimento metacognitivo para constituir suas “teorias em ação” (WENDEN, 1987,

p. 112 apud BARCELOS, 2001a). Tal conhecimento os leva à reflexão sobre seu

processo de aquisição de língua e os auxilia a desenvolver seu potencial de

aprendizagem. Em outras palavras, as pesquisas nesta abordagem indicam que

uma crença negativa levaria a estratégias negativas de aprendizagem da língua.

Assim, fica implícito que o aprendiz deveria adotar crenças mais “eficazes”.

A metodologia predominante nessa abordagem envolve o uso de

questionários semiestruturados, mas também pode incluir o uso de entrevistas. Isso

porque, por meio delas, os alunos podem usar seus próprios termos para definir e

avaliar seu processo de aquisição de segunda língua. A relação entre crenças e

ação também não é investigada, apenas sugerida e discutida no que se refere a

estratégias de aprendizagem. Nessa abordagem, as crenças são consideradas

como conhecimento, ou seja, constituem o processo de raciocínio do aluno.

Terceiro período de investigação de crenças, a abordagem contextual

caracteriza as crenças como dependentes do contexto, ou seja, as crenças não são

consideradas estáveis. Os estudos sob essa perspectiva não têm como objetivo

generalizar os resultados obtidos, mas compreender as crenças em contextos

específicos. Também procuram considerar a influência anterior de aprendizagem de

línguas dos alunos em suas crenças e em suas ações dentro de um contexto

determinado.

A metodologia utilizada envolve o uso de entrevistas e, principalmente,

observações de sala de aula. Múltiplos instrumentos de coleta são usados nesta

abordagem, de forma que os dados sejam triangulados para uma visão mais

holística da situação investigada. Os estudos nessa perspectiva têm uma visão mais

positiva do aprendiz, mas podem consumir muito tempo e se adéquam a uma

investigação com menor número de participantes. As duas primeiras abordagens – normativa e metacognitiva – apresentam

limitações por desconsiderar o contexto social das crenças, postulando-as como

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conceito fixo e pré-concebido, além de não permitir aos participantes das pesquisas

definir suas crenças usando os próprios termos (recorre à visão de um outsider).

Em comum, todas as abordagens estabelecem que as crenças influenciam o

comportamento. Entretanto, destaco que a relação entre crenças e ações não é tão

direta como supõem as duas primeiras. As crenças não somente influenciam ações,

mas as ações e reflexões sobre experiências podem levar a mudanças ou criar

novas crenças, como discutido anteriormente.

Outra forma de se entender as diferentes abordagens é com base nos

métodos usados, pois as duas primeiras abordagens propostas por Barcelos (2001,

2004) centram-se na fala e na escrita, enquanto a abordagem contextual baseia-se

nas ações dos indivíduos pesquisados. Nem sempre as crenças que o sujeito

manifesta na fala são diretamente identificadas em sua prática cotidiana, por isso a

necessidade de recorrer a instrumentos que não se restrinjam ao que é verbalizado.

Por meio do breve histórico a seguir, é possível perceber as mudanças que

acompanharam as pesquisas sobre crenças, não apenas no que se refere às

abordagens e aos instrumentos de coleta, mas também à inclusão de outras vozes

(pais, professores, coordenadores) e às relações que estabeleceram com conceitos

como o discurso, as emoções e as experiências.

2.3 Breve histórico das pesquisas sobre crenças

As pesquisas de crenças em LA são relativamente recentes. De acordo com

Barcelos (2007), no exterior, iniciaram-se na década de 80. Uma das pioneiras foi

Elaine Horwitz (1988) que criou um inventário de crenças Beliefs About Language

Learning Inventory (BALLI), para aprendizes de segunda língua.

Para constatar a prevalência de crenças comuns entre grupos típicos de

aprendizes, Horwitz (1988) organizou o citado BALLI, questionário composto por 34

itens divididos em cinco áreas: 1) Dificuldade de aprendizagem de língua; 2) Aptidão

em línguas estrangeiras; 3) A natureza da aprendizagem de línguas; 4) Estratégias

de aprendizagem e comunicação; e 5) motivação e expectativas.

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O BALLI resultou de crenças obtidas através de recordações livres de

estímulos (free-recall protocols) com professores e grupos focais com estudantes.

Caracterizou-se por itens que eram avaliados em escala de 1 (concorda

plenamente) a 5 (discorda plenamente), conforme o grau de concordância ou

discordância.

A autora aplicou tal inventário em pesquisa com estudantes de língua da

Universidade do Texas, durante as três semanas iniciais do primeiro semestre.

Foram 80 estudantes de alemão, 63 de francês e 98 de espanhol. O objetivo dessa

diversidade foi comparar as respostas entre os grupos. A autora chegou à conclusão

de que os alunos trazem noções preconcebidas acerca da aprendizagem de línguas.

Entre os grupos investigados, as crenças foram similares, como as de que aprender

uma língua é questão de tradução, de que há línguas mais fáceis de aprender do

que outras ou de que aprender um novo idioma envolveria um dom ou aptidão

especial, por exemplo.

A autora identificou crenças que considerou errôneas, segundo ela por serem

baseadas no conhecimento e experiência limitados do aluno, como a de que a

fluência seria possível de obter em dois anos ou menos. Essas crenças deveriam

ser modificadas com o auxílio do professor, o qual as confrontaria com novas

informações. Esse questionário foi posteriormente traduzido para a língua

portuguesa como CRESAL – Crenças Sobre Aprendizagem de Línguas.

O livro organizado por Almeida Filho (1999) elenca diversas pesquisas sobre

crenças, algumas baseadas no questionário BALLI/CRESAL. Uma delas foi

realizada por Félix (1999) com duas professoras (P2 e P3) de escola pública sobre a

maneira ideal de aprender uma língua. Além do questionário, o estudo recorreu a

observações, gravações e transcrições de aulas e a entrevistas.

Triangulando dados, a autora percebeu que algumas manifestações na

entrevista não foram contempladas nos questionários, como a crença de que não se

aprende inglês na escola pública.

Além disso, em relação à professora P2, a pesquisadora encontrou

descompassos entre respostas do questionário e da entrevista. Enquanto no

questionário a participante não opinou sobre motivação, na entrevista manifestou-se

preocupada em motivar os alunos, principalmente os mais inibidos.

De maneira geral, contudo, as crenças das professoras sobre a forma ideal de

aprender línguas se mostraram relacionadas às experiências que tiveram como

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aprendizes. Assim, esperavam de seus alunos as mesmas atitudes e motivação que

fizeram com que sua aprendizagem fosse bem-sucedida.

Os resultados a que chegou a autora ratificam a necessidade de se recorrer a

múltiplos instrumentos de coleta, de permitir a manifestação do sujeito investigado e

de incluir a observação de suas ações, como proposto na abordagem contextual de

Barcelos (relatada na seção anterior). Nesse momento de investigação das crenças,

porém, tal lacuna permaneceu como orientação para novos estudos.

Mais recentemente, Zolnier (2010), baseando-se no questionário BALLI

(HORWITZ, 1988), elaborou um inventário específico sobre as habilidades de fala, o

qual aplicou a nove professoras participantes do Projeto de Educação Continuada

para Professores de Língua Inglesa (PECPLI), desenvolvido na Universidade

Federal de Viçosa. Além do inventário, a autora recorreu a gravações dos encontros

do projeto citado e a entrevistas individuais.

Nos resultados obtidos, destacou que sete das nove professoras que

responderam ao questionário consideraram ensinar o estudante a falar como uma

das prioridades em sala de aula e um dos principais interesses dos alunos. No

entanto, em entrevista, relataram os problemas que, em sua acepção, faziam com

que o ensino se mantivesse essencialmente gramatical: indisciplina, escassez de

materiais, grande quantidade de alunos por sala e baixa carga horária.

A pesquisadora, na discussão dos dados, apresenta a insegurança das

professoras quanto ao ensino da fala como mais um fator impeditivo. Nesse sentido,

aponta que os encontros do PECPLI têm proporcionado mudanças, como o aumento

da autoconfiança em sala de aula.

Essas pesquisas brasileiras sobre crenças, porém, devem o pioneirismo a

outros estudos que introduziram essa área no país, no início da década de 90. Leffa

(1991), Almeida Filho (1993) e Barcelos (1999) foram os primeiros a se voltar para

pesquisas nessa área, ainda não denominada “crenças”.

Leffa (1991) pesquisou concepções de língua, linguagem e aprendizagem de

línguas de alunos da 5ª série, ou seja, de alunos que ainda não tinham iniciado o

estudo da língua inglesa. Através dos termos usados pelos estudantes, o autor

procurou entender qual conceito os participantes tinham acerca da linguagem que

iriam estudar, o que pensavam das pessoas que falavam o idioma, que aspectos

envolveriam o aprendizado de uma língua estrangeira e que vantagens poderiam lhe

trazer.

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A pesquisa revelou que os estudantes pesquisados entendiam a

aprendizagem de um novo idioma como a aquisição de um conjunto de palavras. A

nova língua poderia ser aprendida como qualquer outra disciplina do currículo

escolar, inclusive de forma solitária, através de leituras. A aprendizagem de inglês,

para os estudantes, serviria para se tornar professor de línguas ou para viajar ao

exterior, realidades distantes do cotidiano do aluno.

No Brasil, Almeida Filho (1993) foi quem primeiro teorizou as crenças,

definindo a cultura de aprender num modelo teórico de ensino-aprendizagem

(Modelo de Operação Global de Línguas).

Tal modelo envolvia o planejamento dos cursos, a produção/seleção de

materiais, a experiência na, com e sobre a língua dentro e fora de sala de aula e a

forma de avaliação dos aprendizes. Cercava-se de uma cultura de aprender (por

parte do aluno) e uma abordagem de ensinar (por parte do professor). O primeiro

configuraria as “maneiras de estudar e de se preparar para o uso da língua-alvo

consideradas como ‘normais’ pelo aluno e típicas de sua região, etnia, classe social

e grupo familiar, restrito em alguns casos, transmitidas como tradição, através do

tempo, de uma forma naturalizada, subconsciente, e implícita” (ALMEIDA FILHO,

1993, p. 13).

Já a abordagem de ensinar do professor envolvia as concepções de

linguagem, de aprender e ensinar, além das capacidades profissional, aplicada,

teórica, implícita e linguístico-comunicativa, que juntas deveriam funcionar como

uma força propulsora à aprendizagem do aluno.

A cultura de aprender e a abordagem de ensinar poderiam apresentar

incompatibilidades. O estudo de ambas possibilitaria mais chances de bons

resultados no processo de ensino-aprendizagem.

Barcelos (1999), por sua vez, investigou alunos do último ano do curso de

Letras de uma universidade federal do sudeste brasileiro sobre a cultura de aprender

língua estrangeira. Numa pesquisa de caráter etnográfico, foram identificadas três

fortes crenças, a saber: “Aprender inglês é saber sobre a estrutura dessa língua”; “

professor é o responsável pela aprendizagem do aluno”; e “ inglês que se aprende

aqui não é o mesmo que se aprende lá”.

A autora concluiu que as crenças detectadas carregavam influência de

experiências anteriores e não favoreciam uma aprendizagem bem-sucedida. Os

estudantes acabavam por adotar uma atitude passiva que, futuramente, auxiliaria na

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manutenção de concepções já enraizadas na cultura escolar, por reproduzir o

mesmo ciclo pelo qual passaram.

Essas pesquisas iniciais já detectavam a influência das crenças no processo

de ensino e aprendizagem. Pode-se perceber que a língua estrangeira é vista como

uma disciplina qualquer do currículo escolar, perpassada pela concepção

estruturalista da língua, como o estudo de português. Também é possível notar que

a responsabilidade pelo processo de aprendizagem é atribuída ao professor. Essas

crenças ainda permeiam o contexto escolar brasileiro, contribuindo para que as

escolas públicas continuem estigmatizadas como lugar de fracasso.

Desde 2002, segundo Barcelos, as pesquisas sobre crenças de ensino e

aprendizagem de línguas no contexto brasileiro encontram-se em fase de expansão.

Acompanhando recentes publicações na área, percebi que os estudos sobre

crenças têm se direcionado para diferentes relações, estabelecidas com a cognição

e as emoções (ARAGÃO, 2010), com as experiências (MICCOLI, 2010) e com

discursos (ASSIS-PETERSON; COX; GÓES DOS SANTOS, 2010).

A partir da Biologia do Conhecer de Humberto Maturana, Aragão (2010)

recorre a uma visão sistêmica do processo de convivência humana para defender

que cada indivíduo participa de uma rede de histórias e relações, permeada pelas

emoções. O contato com o outro, no processo de convivência, favorece reflexões e

pode levar a mudanças nas emoções, uma vez que poderemos alterar nosso

domínio de ação – o que, de forma sistêmica, afeta todo o processo de ensino-

aprendizagem, inclusive crenças e condutas. Justamente por se relacionar com as

emoções, situações de conflito entre crenças podem favorecer sentimentos de

frustração, irritação ou mesmo depressão.

O autor pontua a necessidade de se pesquisar as emoções dentro da sala de

aula, uma vez que elas participam do cotidiano escolar por meio de condutas como

a resistência de alunos à aprendizagem de um novo idioma, por exemplo.

Miccoli (2010), por sua vez, teoriza a relação entre crenças e experiências.

Segundo a autora, experiências seriam processos complexos que envolvem

circunstâncias, dinâmicas, emoções e relações vividas em um contexto específico de

interações. Uma vez narrada, a experiência demonstra ter se tornado uma situação

singular para quem a vivenciou.

Miccoli divide as experiências em diretas e indiretas. As categorias de

experiências diretas diferem entre professor e aluno. Já as categorias de

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experiências indiretas são as mesmas para ambas as partes, classificando-se em

contextuais, anteriores, conceptuais e futuras. São as experiências conceptuais,

referente ao contexto intra e extrainstitucional em que professores e alunos se

encontram, que perpassam as crenças.

As experiências seriam capazes de modular as crenças, que, por sua vez,

modulariam as ações. O estudo dessa relação entre crenças, experiências e ações

levaria, assim, ao entendimento do processo integral de ensino-aprendizagem,

propiciando compreender e pesquisar os problemas com os quais os participantes

envolvidos se deparam.

Outra linha de expansão na pesquisa sobre crenças diz respeito à relação

que elas estabelecem com o discurso, que é entendido como uma das formas de

materialização das ideologias. Cox, Assis-Peterson & Góes dos Santos (2010)

entendem que as crenças são construídas no discurso, dado o fato de serem

construções sociais, cujos sentidos não existem por si sós – são contextualmente

situados, ou seja, dependem da formação discursiva na qual se inscrevem. As

formações discursivas são os lugares de constituição de sentidos, determinando o

que pode e deve ser dito de acordo com a posição a partir de onde o sujeito fala.

Uma vez que o sentido não se origina no sujeito, mas se relaciona com a formação

discursiva da qual ele participa, o que dissemos, pensamos e também cremos

seguem as mesmas restrições da formação discursiva na qual estamos inseridos,

defendem as autoras.

Em Mato Grosso, Assis-Peterson tem orientado trabalhos sobre crenças

desde a década de 90, inicialmente no Mestrado em Educação e, atualmente, no

Mestrado em Estudos de Linguagem (MeEL).

As pesquisas pioneiras tiveram início em 1995. Relacionavam-se com

crenças sobre Língua Francesa: “Atitudes e Crenças de Diretores, Professores e

Alunos em Torno da Língua Francesa em Duas Escolas de 1º e 2º Graus” (1995-

1997), de Delcinha Peccini Saquetti; e “A Língua Francesa: Crenças e Imagens

entre Professores e Alunos da Universidade Federal de Mato Grosso” (1995-1997),

de Maria Lúcia Paiva dos Santos. Afastando-se da concepção cognitivista de

crenças, ambos foram estudos qualitativos.

Pesquisas mais recentes feitas em Mato Grosso, orientadas por Assis-

Peterson, caracterizaram-se pelo caráter etnográfico, com o uso de diferentes e

múltiplos instrumentos, sobretudo observação e entrevista, e da inclusão de outros

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atores além de professores e aprendizes. Por exemplo, Dias (2006) pesquisou

alunos, pais e atores da escola (professoras, diretoras e coordenadora) de uma

escola pública de ensino fundamental localizada na periferia na qual encontrou, além

da crença de que a escola pública não seja o local apropriado para a aprendizagem

de inglês, crenças relacionadas à importância do inglês para o acesso ao mundo, de

uma forma geral, e, mais especificamente, ao mercado de trabalho. Aprender inglês

significava ampliar o círculo afetivo e social no qual os alunos estavam inclusos,

permitindo distanciar-se do espaço do “mundinho” da comunidade em que moravam

para ter acesso ao mundo globalizado.

O distanciamento social vivido por quem não sabe inglês também se revelou

na pesquisa de Lyons (2005), realizada com alunos, professora, diretora e

coordenadores de uma escola pública de ensino fundamental. Nesse estudo de

caráter etnográfico que enfocou a relação crença-contexto, apenas para citar um

exemplo, são tantos os desafios de quando se trata de ensinar e aprender inglês na

escola pública que a aprendizagem desse idioma assume dimensão secundária se

comparada à necessidade de ensinar cidadania e boas maneiras ao aluno. Além da

falta de apoio dos pais, o suporte institucional é falho. A falta de material didático é

reforçada pelos problemas infraestruturais, como ausência de biblioteca e de

espaços de lazer dentro da unidade escolar.

Assim como Lyons, considero crenças como construções sociais dinâmicas,

passíveis de mudança e estreitamente relacionadas ao contexto em que se inserem.

Acredito que a investigação de crenças que se pauta apenas em questionários ou

entrevistas não consegue expor a complexidade desse conceito e de suas

realizações na prática cotidiana. Por esse motivo, opto pela abordagem contextual

proposta por Barcelos (2001, 2004), por meio da qual pretendo relacionar crenças,

contexto e ação. Para tanto, observações, entrevistas e análise documental serão

envolvidas numa investigação de natureza qualitativa e etnográfica, de forma a

propiciar um panorama mais completo das crenças inferidas.

Além de identificá-las, pretendo entender qual o papel das crenças dentro do

contexto investigado – ou, de outra maneira, como as crenças de aprendizagem de

alunos e professora se inter-relacionam, tanto no estabelecimento ou mudança de

crenças quanto na prática de alunos e professora na sala de aula. Antes disso,

porém, traço um sucinto panorama de pesquisas que envolvem aprendizagem de

línguas e crenças.

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2.4 Pesquisas sobre aprendizagem de línguas

Os estudos que se relacionam à aprendizagem de inglês na escola pública

costumeiramente tendem a indicar um culpado ou “bode expiatório”: o governo, o

professor ou os alunos (LEFFA, 2011, p. 18-25). Há sempre uma justificativa para

tal: o professor quer ensinar, mas é impedido pelo “sistema” – referência ao governo;

o aluno quer aprender, mas o professor não tem domínio do conteúdo; o professor

quer ensinar, mas o aluno desvaloriza a aula de inglês porque não vê relação direta

com seu cotidiano – entre tantas outras conclusões apontadas. Essas três instâncias

compõem o “triângulo do fracasso escolar” (LEFFA, 2011, p. 24).

No entanto, mais do que apontar culpados, é crucial identificar e entender o

papel de cada elemento no processo de ensino-aprendizagem na escola pública.

Para isso, é necessário entender também suas crenças, uma vez que elas atuam

sobre e entre todos eles. Crenças de professores e alunos se inter-relacionam e se

influenciam, pois aprendizagem pressupõe uma parceria entre professor e aluno.

“Quem aprende precisa de quem ensina e vice-versa” (GIMENEZ, 2009 in LIMA,

2009, p.110-111).

É preciso, assim, que os papéis estejam bem definidos – e que cada parte

tenha consciência do que lhe é esperado – para que essa relação seja efetivamente

formada, ou seja, estabelecendo crenças e ações que contribuam para uma

aprendizagem bem-sucedida.

Este estudo se dedica a investigar como as crenças de professores e alunos

acerca do processo de ensino e aprendizagem se relacionam dentro do contexto de

uma escola pública, uma vez que as crenças estão fundamentadas nas redes de

experiências e interações de uma pessoa com outras (BARCELOS; KALAJA, 2006,

p. 236), variando de acordo com o contexto, podendo ser, inclusive, contraditórias.

Pesquisas que identificam crenças de professores e alunos, como têm sido

desenvolvidas no Brasil, já surgem como um primeiro passo, uma vez que,

conhecedores das crenças que manifestam, os envolvidos no processo escolar

podem se engajar em atividades que permitam alcançar os objetivos a que se

propõem em sala de aula.

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Mas é preciso ir além da mera identificação de crenças, pois, como aponta

Madeira (2007), com base no estudo de Green (1993), nem sempre os aprendizes

conseguem discernir quais atividades são realmente eficazes, tampouco são

capazes de relacionar atividades agradáveis e a devida eficiência. Atividades

gramaticais, avaliadas negativamente, muitas vezes mostravam-se mais certas de

atingir os objetivos propostos.

Nesse aspecto, Félix (1999) põe em cena a motivação dos alunos como um

fator essencial para que a aprendizagem de língua estrangeira ocorra. A autora

pesquisou crenças de duas professoras de inglês de escola pública. Felix identificou

que o aprendiz ideal de inglês, dentro do contexto pesquisado, seria aquele que usa

as mesmas estratégias de aprendizagem das professoras envolvidas na pesquisa.

Situação semelhante é apontada por Aragão (2010), que, ao investigar a

relação entre crenças, cognição e emoções com seis voluntários matriculados na

disciplina Habilidades Integradas I: Inglês, oferecida pela Faculdade de Letras da

Universidade Federal de Minas Gerais, deparou-se com as condutas herdadas

(termo usado por uma participante denominada Arwen), que se referiam a

experiências prévias de ensino e aprendizagem de inglês que predispunham o

aprendiz a se compatibilizar ou não com as crenças e o estilo de ensino da

professora.

Nessa pesquisa, a professora se focava em atividades metalinguísticas, como

as que vivenciou no período em que foi aluna. Reproduzia sua experiência na sala

de aula e opinava que os estudantes deveriam acreditar em seu estilo de ensinar a

língua.

Leffa (1991) critica essa visão reprodutivista ao afirmar que os professores

acreditam que a concepção de aprendizagem de seus alunos é ingênua. Assim, os

professores tentam substituí-la por “ideias sofisticadas” (LEFFA, 1991), que, dentro

de determinado contexto, podem se constituir em um caminho errôneo. “Entre estar

errado e ser ingênuo, nós optamos por ser errados, às vezes nos afastando de onde

o estudante está8”. (LEFFA, 1991, p. 58).

Concordo que a simples reprodução, por parte do professor, de métodos e

estratégias por ele experienciadas no período em que era aprendiz pode não ser

8 No original: “Between being wrong end being naive, we have decided, in a way, to be wrong,

sometimes moving very far from where the student is.”

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uma atitude acertada ou adequada. Primeiro, há uma lacuna temporal entre as

práticas de seu tempo como aprendiz e de seu momento como professor. Segundo,

o contexto é, obviamente, outro. Vive-se hoje cercado por recursos como a internet e

as mídias sociais, favorecedores de contatos com outros idiomas de formas mais

relevantes aos alunos do que aquelas propostas pelas escolas. Nos contextos reais

de uso com falantes da língua-alvo, o estudante consegue perceber se a língua

ensinada na escola foi aprendida ou somente memorizada mecanicamente.

Em outras palavras, o que esses pesquisadores mostram é que há uma série

de fatores a interferir no ensino e, consequentemente, na aprendizagem de uma

língua estrangeira na escola pública – e na escola privada também, como bem

apontou Barcelos (2006).

Em um estudo etnográfico sobre a relação entre as crenças de três

professores americanos de inglês como segunda língua e seus alunos brasileiros no

contexto de um instituto internacional de línguas nos EUA, a autora mostrou que a

relação entre crenças de professores e alunos vai além da influência das crenças

dos primeiros sobre os segundos. As crenças de ambos mostram-se inter-

relacionadas, ou seja, as crenças dos alunos também exercem influência sobre as

crenças e práticas dos professores, e não somente o contrário. Além disso, pode

haver conflitos entre as crenças dos dois lados envolvidos, mudando também as

práticas.

Essa complexidade estabelecida entre o que é ensinado e o que é aprendido

pode ser vista em estudos que, embora não se refiram diretamente a crenças,

envolvem a aprendizagem de uma língua estrangeira. Miccoli (2010), ao estudar

uma série de relatos de alunos e professores de língua inglesa, questiona a ideia de

que o aprendizado seja uma experiência unicamente cognitiva. Cada pessoa pode

vivenciar o processo de uma forma particular, mas como a mesma aponta, aprender

língua estrangeira em sala de aula é uma atividade complexa na qual se relacionam

o aspecto social e emocional, ou, em outras palavras, é uma experiência de

dimensão coletiva. A autora mostrou que uma experiência cognitiva coletiva entre os

alunos é a de que sempre aprendem alguma coisa nas aulas, ainda que esse

aprendizado seja diferente do objetivo proposto pelo professor.

Esse aspecto já havia sido apontado por Dewey (1936), que destacou as

chamadas “aprendizagens paralelas” – a pessoa não aprende somente ou

especificamente o que está estudando naquele momento. Ainda que os objetivos

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para a aula sejam determinados tópicos gramaticais, a apresentação de um diálogo

pode indicar, por exemplo, algumas regras implícitas de conduta social dentro

daquela cultura de língua inglesa, e serão aprendidas pelos alunos. Trata-se de uma

visão bastante positiva da sala de aula, com a qual também concorda Erickson,

mencionado por Cox & Assis-Peterson (2001a) no prefácio do livro “Cenas de Sala

de Aula”. Há de se presumir que, dentro da sala de aula, o aprendizado é

ininterrupto, ainda que seguindo rumo diferente do esperado pelo professor.

Entretanto, ainda que a aprendizagem ocorra, por ser nesses moldes, ela não

satisfaz os professores e, possivelmente, também não satisfaz os estudantes. As

aprendizagens paralelas e acidentais não devem ser substituídas pelos objetivos de

aprendizagem da disciplina. Se assim fosse, não haveria necessidade de escolas,

professores ou alunos.

Dias (2006), ao analisar o depoimento de professores de inglês e de outras

disciplinas (Matemática, Português e História), constatou que todos eles se mostram

insatisfeitos com a aprendizagem apresentada por seus alunos.

Esses depoimentos reforçam a crença de que a escola não tem conseguido cumprir fielmente o seu papel principal: o de levar o aluno à aprendizagem. Ou, pelo menos, não está conseguindo alcançar os objetivos estabelecidos. Curiosamente, não há referências à questão de que o ensino seja a outra face da aprendizagem. Se a aprendizagem não funciona significa que o ensino também não. (DIAS, 2006, p. 83)

Para Dewey (2010, p.28), essas situações ocorrem porque “tudo depende da

qualidade da experiência que se tem”. Segundo o autor, o problema é que, nas

escolas tradicionais, como tem se apresentado a Escola Central, muitas

experiências são do “tipo errado”:

Quantos alunos, por exemplo, tornaram-se insensíveis a certas ideias, e quantos perderam a motivação para aprender por causa da forma como experimentaram o processo de aprendizagem? Quantos adquiriram habilidades específicas por meio de exercícios automáticos que limitaram seu poder de julgamento e sua capacidade de agir com inteligência diante de novas situações? Quantos passaram a associar o processo diante de novas situações? Quantos passaram a associar o processo de aprendizagem com algo entediante e maçante? Quantos acharam o que aprenderam tão distante da vida fora da escola que nenhuma capacidade de controle lhes proporcionou para o comando da vida? Quantos passaram a associar os livros com uma tarefa tão maçante de maneira a ficarem “condicionados” a leituras rápidas e ocasionais? (Dewey, 2010, p. 28)

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De acordo com Dewey (2010), quando não se leva em consideração a

capacidade e os propósitos dos alunos e quando não se pratica uma adaptação

mútua em sala de aula, o processo de ensino-aprendizagem torna-se acidental. Em

outras palavras, apenas aqueles que se adaptam às condições propostas

conseguirão aprender. Para o autor, é provável que o aluno tenha aprendido se se

mostrou apto nas avaliações aplicadas. O que ocorre, porém, é que a falta de

adaptação entre os conteúdos da escola e as experiências do aluno fora dela faz

com que o que foi aprendido fique isolado em compartimentos fechados, sendo

acessado apenas quando as condições em que se deu o aprendizado forem

repetidas.

Parto do pressuposto de que a diversidade que compõe a sala de aula torna

necessária uma adaptação mútua. Não é preciso anular o outro nem ser anulado. É

necessário que os sujeitos se organizem e se engajem em práticas para que o

processo flua.

No caso do ensino de língua inglesa, a aplicação cotidiana daquilo que foi

estudado parece pouco ocorrer, uma vez que o conteúdo ensinado nem sempre está

adequado ao contexto dos estudantes e, quando está, não afeta diretamente sua

vida a ponto de se tornar um incômodo o fato de não ser proficiente em inglês. Para

muitos desses alunos, torna-se mais viável buscar outra oportunidade de emprego

do que voltar aos bancos escolares para aprender inglês. Trabalhar pode ser uma

real necessidade naquele momento, enquanto o inglês não o é.

Independentemente de ter gerado ou não algum aprendizado, se o objetivo

das aulas de inglês é que o aluno aprenda o idioma ensinado, mas, ao final de anos

de estudo, ele sai sem conseguir se comunicar em tal idioma, é impossível esconder

o fracasso desse processo (LEFFA 2011 in LIMA, 2011, p. 17).

Complementando Leffa (op. cit.), acredito que tanto o sucesso quanto o

fracasso se tornam visíveis. Mas, antes de decretar qualquer deles, é crucial verificar

quais eram os objetivos propostos.

Tendo em vista a conclusão dos autores acima, procurei identificar como a

relação de ensino-aprendizagem se constituía na Escola Central, buscando perceber

quais fatores influenciavam professora e alunos na convivência em sala de aula.

Com esse objetivo, empreendi uma pesquisa de natureza etnográfica, cujo contexto

de realização e instrumentos de coleta detalho a seguir.

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CAPÍTULO TRÊS – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Neste capítulo, inicialmente relato a opção pelo método qualitativo e pela

pesquisa de cunho etnográfico para a identificação de crenças dentro do contexto do

8.º Ano A da Escola Central. Posteriormente, apresento as circunstâncias em que a

pesquisa se desenvolveu. Descrevo a escola, a dinâmica da sala de aula e

componho o perfil dos principais participantes. Ao final, discorro sobre os

instrumentos de coleta (observação, entrevista e análise documental) e exponho os

procedimentos analíticos aos quais recorri.

3.1 A ótica da pesquisa

Nesta pesquisa, interessa-me evidenciar quais crenças referentes ao

processo de ensino-aprendizagem de inglês constituem o contexto da sala de aula

de uma professora de inglês e de seus alunos – uma turma de 8.º ano de Ensino

Fundamental da Escola Central. O objetivo da pesquisa é identificar como essas

crenças são constituídas no dizer e na ação dos participantes no contexto micro da

sala de aula, como também entendê-las no contexto mais amplo da instituição. Para

atingir esses objetivos, as perguntas de pesquisa que orientam o estudo são:

1. Como professora e alunos do ensino fundamental de uma escola

pública estabelecem suas crenças de aprender e ensinar inglês?

2. Há uma (inter)relação entre as crenças e as práticas de aprendizagem

de inglês da professora e dos alunos?

Esta pesquisa busca entender crenças observando as práticas vivenciadas

em sala pelos participantes, como também buscando as suas orientações sobre o

que entendem ser aprendizagem-ensino de língua estrangeira. O conhecimento é

algo socioculturalmente construído, produzido através da linguagem e que está

diretamente relacionado com os valores e com a posição sob a qual uma pessoa vê

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o mundo. Conforme Erickson (1990, p. 85), todas as questões de pesquisa

qualitativa/interpretativa, longe de serem óbvias ou desnecessárias, referem-se a

escolhas humanas e a significados atribuídos, e, dessa forma, sempre se relacionam

com a possibilidade de melhoria de práticas como a educativa.

O objetivo da pesquisa interpretativa é a investigação das ações – e não do

comportamento (ERICKSON,1990, p. 98). Por ação, o autor entende o ato físico

somado aos significados atribuídos por quem atua e por aquele com quem ele se

inter-relaciona. Comportamento, diferentemente, seria apenas o ato físico.

A diferenciação feita por Erickson é pertinente tendo em vista que o conceito

de comportamento é comumente associado ao behaviorismo e suas convenções de

estímulo-resposta.

Diferentemente, por se basear em atribuição de significados, ou seja, em

escolhas humanas feitas dentro de um contexto de interação social, a pesquisa

interpretativa é passível de ressignificação e mudança (ERICKSON, 1990, p. 98).

Não é possível prever ou controlar o que vamos obter, pois as relações sociais – nas

quais a pesquisa se baseia – são dinâmicas.

Dentre as formas de pesquisa qualitativa interpretativa, a opção foi pelo

enfoque etnográfico. Watson-Gegeo (1988, p. 576), apoiada em outros teóricos

(FIRTH, 1961; HYMES, 1982), define etnografia como “o estudo do comportamento

das pessoas em contextos naturais e dinâmicos, com foco na interpretação cultural

do comportamento9” (grifo desta autora). Considero cultura como “um contexto, algo

dentro do que os símbolos podem ser inteligivelmente – ou densamente – descritos”

(GEERTZ, 1973, p. 14 apud ANDRÉ, 1995, p. 19-20). A cultura envolve um sistema

simbólico de significados sobre o que as pessoas falam, fazem, constroem e usam,

ou seja, sobre suas experiências (SPRADLEY, 1979 apud ANDRÉ, 1995, p. 19).

Assim, o foco da pesquisa etnográfica recai sobre o grupo social, do qual o

indivíduo se configura uma amostra representativa, uma vez que comportamentos

culturais são comportamentos compartilhados (WATSON-GEGEO, 1988, p. 577).

Assim, todos os aspectos pesquisados são analisados em relação ao contexto

cultural/social no qual o indivíduo – e o grupo – estão inseridos. Como expõem

Lightbown & Spada (2006, p.133):

9 “The study of people’s behavior in naturally occurring, ongoing settings, with a focus on the cultural interpretation of behavior.” (WATS N-GEGEO, 1988, p. 576)

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(…) etnografias nas salas de aula de segunda língua ou de língua estrangeira não se concentram unicamente na aprendizagem ou no ensino, mas também nas realidades sociais, culturais e políticas e o impacto delas no desenvolvimento linguístico cognitivo e social do aluno.

10 (LIGHTBOWN

& SPADA, 2006, p.133)

O estudo do processo educativo com foco na cultura, segundo André (1995,

p. 28), não pode ser considerado etnografia em sentido estrito por envolver um

trabalho de campo de curta duração e se referir a um contexto mais específico,

limitado pelos muros escolares. O que se faz, nesse caso, é o que pode ser

denominado de pesquisa de natureza ou de cunho etnográfico.

Concordo com tal posicionamento, uma vez que a pesquisa em sala de aula

investiga um contexto bastante restrito, limitado pelo tempo e pelo espaço. Ademais,

seria incapaz de expor as diferentes identidades dos participantes, tampouco

explorar as relações sociais mais amplas em que estão envolvidos.

Pela importância do contexto na análise dos dados é que a pesquisa de

cunho etnográfico se torna adequada a esta proposta: o que se busca, nesse tipo de

pesquisa, não é a verdade do fato, não é a referência a um padrão universal, mas

sim o entendimento do espaço particular no qual tal cultura e linguagem ocorrem.

Em outras palavras, o princípio da relatividade cultural se relaciona com a

contextualização das práticas investigadas (ASSIS-PETERSON, comunicação

pessoal, 27/10/2011, aludindo à leitura realizada por Blommaert (2005) do legado

dos estudos contextuais de formas culturais de estudiosos como Franz Boas,

Edward Sapir, Benjamin Lee Whorf, Dell Hymes, John Gumperz, James Clliford,

entre outros).

Assim, todos os acontecimentos devem ser descritos e analisados em relação

ao contexto em que estão inseridos (WATSON-GEGEO, 1988; AGAR, 1996;

BLOMMAERT; JIE, 2010), pois constituem um sistema simbólico em que cada

informação está conectada a outras, em diferentes níveis (micro e macro), tempos e

lugares da cultura pesquisada (BLOMMAERT; JIE, 2010, p. 30).

Feita a opção pela pesquisa qualitativa de cunho etnográfico, a perspectiva de

análise dos dados que procuro adotar nesta pesquisa é êmica, ou seja, como

10

“(...) ethnographies in second or foreign language classrooms do not focus solely on learning or on teaching but also on social, cultural and political realities and their impact on learner’s cognitive, linguistic and social development” (LIGHTB WN & SPADA, 2006, p. )

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pesquisadora, busco conhecer a perspectiva de pessoas inseridas na cultura

pesquisada, buscando entender e recorrendo a termos usados por seus membros.

Entretanto, como aponta Watson-Gegeo (1988, p. 580), a análise etnográfica

não é exclusivamente êmica porque uma das bases da etnografia é a comparação

entre contextos distintos, o que deve partir de uma análise ética – que recorre a

termos, conceitos e categorias operacionais tidas como estáveis dentro das ciências

sociais, ou seja, que não estão sujeitas a mudanças de acordo com o contexto que

se investiga. Geralmente, a terminologia ética é influenciada pela cultura do

pesquisador e nem sempre possui significado aos pesquisados.

3.2 O percurso da pesquisa

Imagino que qualquer pesquisador iniciante, ao empreender uma pesquisa,

sente-se inseguro acerca de como proceder. Senti tal insegurança ao começar este

estudo de cunho qualitativo-etnográfico. Apesar da decisão pelo tópico de crenças,

não sabia exatamente por onde começar. Investigar crenças de quem? Com qual

finalidade?

Enfim, em conversa com minha orientadora, esta me indicou a leitura das

sugestões apontadas por Barcelos (2006), refletindo se algum dos questionamentos

propostos poderia servir como ponto inicial. Assim, nos deparamos com uma

questão relativa às crenças de aprendizagem (BARCELOS, 2006, p.236). Baseada

nela, supomos que uma investigação sobre crenças e práticas de professores de

inglês em uma escola pública poderia contribuir com a área, desde que a pesquisa

encampasse principalmente a observação de sala de aula, uma vez que poderíamos

verificar como alunos e professores constroem suas crenças nas ações cotidianas.

Depois da decisão pela investigação de crenças de aprendizagem, veio o

questionamento de como dar início à pesquisa de campo. Qual escola escolher?

Quem seria o foco da pesquisa, o professor ou aluno? De que nível? E como seria

fazer etnografia? A opção foi pela Escola Central11, uma unidade escolar situada na

região central de Cuiabá, MT, baseada no fato de que poderíamos encontrar um 11

Por motivos éticos, o nome da escola e dos participantes usados nesta pesquisa são fictícios.

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ambiente rico em interações e capaz de proporcionar um exemplo positivo sobre o

ensino e a aprendizagem de inglês na escola pública.

Superada a dificuldade inicial em definir o foco da pesquisa, outra surgiu – o

contato com a escola selecionada. Como expôs Erickson (1990, p. 103), apesar da

aparente semelhança entre as salas de aula, os significados locais para o mesmo

evento podem ser diferentes. Assim, a insegurança de pisar em território familiar, e,

ao mesmo tempo, desconhecido, somado ao medo de receber um “não”, quase se

configuraram em obstáculos. Mas, uma vez contatada a instituição, por meio de

Emiliana, Coordenadora Pedagógica da Escola Central, senti que a pesquisa iria

fluir.

No momento em que iniciaria minha entrada em sala de aula, a inexperiência

de pesquisadora iniciante se fez presente: Será que os alunos gostariam de mim?

Seria eu capaz de conseguir informações relevantes para minha pesquisa? Foi

preciso assistir à primeira aula para me sentir aliviada. Tanto a professora, Susi,

quanto os alunos, me receberam bem e com certa curiosidade. Colaborou o fato de

os alunos já estarem acostumados à presença de um estranho – a Escola Central

era bastante procurada por alunos de cursos de licenciatura para o cumprimento de

estágio supervisionado obrigatório. Em minha primeira observação12, fui

recepcionada como se fosse estagiária, pois uma aluna questionou-me se eu seria a

nova professora da turma: “Tia, a senhora que vai dar aula pra gente?”.

Passei os olhos pela sala, procurando perceber o ambiente como um todo,

observando os detalhes que o caracterizavam: as cores, as formas, os textos, as

relações entre as pessoas. Durante as primeiras observações, andava pelo local e

tentava me aproximar dos alunos e da professora. Registrava atitudes e falas que

pareciam relevantes à pesquisa, porque formavam um panorama das crenças

existentes naquele contexto. Porém, pesquisas qualitativas estão sujeitas a

mudanças no decorrer do processo. Foi o que aconteceu com esta.

Inicialmente, entrei em campo para investigar a construção das crenças de

aprendizagem de inglês no 7.º Ano A. A primeira observação aconteceu em 23 de

agosto de 2010. Depois de um intervalo para ajustes em meu projeto, voltei à escola

em 19 de outubro, acompanhando as aulas até o fim do semestre letivo, em 07 de

dezembro de 2010. Em 18 de março de 2011, voltei a observar a Profa. Susi, mas

12

A primeira observação ocorreu em 23/08/2010.

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agora, em novo ano, as observações foram realizadas em outra turma, o 8.º Ano A,

as quais prosseguiram até o dia 12 de agosto desse ano.

Na mudança de ano letivo, cinco alunos do 7°. Ano permaneceram no 8.º Ano

A. Entretanto, considerei-as duas turmas distintas. Cada sala de aula representa

uma microcultura (ERICKSON, 1990), ou seja, uma organização social dinâmica em

que a interação cotidiana dos indivíduos estabelece um sistema de significados

entrelaçados.

Por esse motivo, e também por ter permanecido em campo por um período

de curta duração (apenas um mês e meio), considerei esse período como um plano

piloto em que, pela primeira vez, me tornava observadora participante em uma sala

de aula. Assim, os dados gerados no contexto do 7.º Ano A não foram analisados

nesta pesquisa.

Essa curta experiência em que acompanhei a turma do 7.º Ano, no final do

ano de 2010, me ajudou a aprimorar as ações como observadora do que acontecia

na sala de aula. Se nas primeiras observações não sabia muito bem como perceber

as crenças em contexto, nas minhas anotações de campo no 8.º Ano A buscava

registrar mais sistematicamente o que pareciam ser crenças referentes ao ensino e à

aprendizagem de língua inglesa, bem como anotava as ações dos alunos em sala,

como se comportavam nas aulas, interagindo com a professora e colegas. Os

alunos não paravam em suas carteiras. Notava que aviões de papel eram lançados

entre os colegas, celulares e aparelhos de som portáteis (MP3) eram usados de

forma indiscriminada, conversas eram contínuas e barulhentas, ao ponto de eu optar

por não registrar mais em áudio as aulas, uma vez que não era possível distinguir os

diálogos. Nesse ponto, minha orientadora chamou-me a atenção: poderia tal

conduta estar afetando o processo de ensino-aprendizagem de inglês naquela

turma? Não seria esse um “ponto rico” (rich point), isto é, um momento-chave da

pesquisa de que nos fala Agar (1996)? (ASSIS-PETERSON, comunicação pessoal,

06/05/2011).

Lendo Agar (1996), compreendi que rich points seriam os momentos de

surpresa com os quais o etnógrafo se depara, quando suas expectativas são

confrontadas com a linguagem e a cultura pesquisada. Segundo Blommaert & Jie

(2010, p. 40), os rich points sinalizam o início do trabalho etnográfico, pois mostram

que um evento ultrapassou as barreiras das convenções culturais e sociais do

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etnógrafo. A partir daí, é preciso entrar na cultura investigada para interpretar o que

lhe causou estranheza.

Além disso, a palavra “indisciplina” que usei para caracterizar o

comportamento dos alunos, fez com a orientadora me alertasse que eu estava

usando um termo de um outsider (aquele que está fora) e que os alunos (aqueles

que estão dentro – insider) poderiam usar outro termo para caracterizar tal conduta

em sala. Esse era um princípio da etnografia que eu deveria lembrar. Os termos

usados pelos participantes e suas práticas naquela sala poderiam não ser os meus.

Assim, mais informada sobre o fazer etnográfico, focalizei com insistência a

conduta dos alunos, tentando saber de que forma esse comportamento por mim

considerado inadequado estaria ou não afetando a aprendizagem naquela turma.

A seguir detalho o perfil da escola e dos participantes.

3.2.1 A Escola Central

A Escola Central está localizada no bairro Bandeirante, região leste de

Cuiabá, capital de Mato Grosso. O bairro é assim nomeado em homenagem aos

exploradores bandeirantes que fundaram a cidade de Cuiabá. Originou-se de um

loteamento residencial datado de 1956. Segundo o PPP da escola (2010), não foi

possível identificar os primeiros moradores. Atualmente, uma parcela significativa de

seus moradores é de origem árabe. A única mesquita da cidade localiza-se no

bairro.

Além da Escola Central e da mesquita, o bairro abriga desde atividades

comerciais como bares, hotéis e restaurantes, a órgãos públicos e hospitais (Pronto-

Socorro Municipal de Cuiabá e Santa Casa de Misericórdia). Nas proximidades da

escola, há igrejas católicas e evangélicas, hotéis, praça, farmácia, restaurante e

outras escolas, públicas e privadas.

Por se situar na região central, o bairro é atendido por muitas linhas de

transporte coletivo, facilitando o acesso de estudantes das diferentes regiões de

Cuiabá (principalmente do Coxipó e do Centro Político-Administrativo) e também de

Várzea Grande, cidade vizinha.

A Escola Central, como o nome indica, localiza-se na região do centro

comercial de Cuiabá, capital mato-grossense. Parte da rede oficial de ensino, a

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escola possui 40 anos de funcionamento. Oferece aulas nos períodos diurno e

noturno e atende à Educação Básica nos níveis Fundamental e Médio. É muito

procurada por alunos de bairros periféricos, que veem nela uma das melhores

opções de escola pública da Capital.

Muitos pais optam por matricular o filho na Escola Central por acreditar que

ela oferece mais qualidade de ensino do que as escolas dentro de sua comunidade.

Esse tipo de ocorrência aconteceu, por exemplo, com os alunos Ronaldo e Adriana,

oriundos de unidades escolares periféricas.

Todo ano há uma grande disputa por vagas nas escolas mais tradicionais da

Capital, como a Escola Central, ainda que a orientação da Secretaria de Estado de

Educação seja a de que o aluno frequente a unidade mais próxima de sua

residência. Estudantes e seus pais veem nessas escolas uma chance maior de ter

um ensino da qualidade que esperam. De fato, por estarem mais expostas, mais

“visíveis” à sociedade, dificilmente essas instituições enfrentam problemas

estruturais graves e ausência de professores, como ocorrem em inúmeras escolas

mais distantes do alcance governamental.

A mobilidade proporcionada pela gratuidade do transporte coletivo aos

estudantes de Cuiabá (Lei nº 4.141, de 17 de Dezembro de 2001) acabou

favorecendo a prática de transferência, como pode ser detectado no 8.º Ano A.

Devido à sua localização, entre algumas das principais avenidas da cidade, a Escola

Central é de fácil acesso, sendo atendida por diversas linhas de transporte coletivo

municipal e intermunicipal (de Várzea Grande).

A maioria dos alunos matriculados na Escola Central não mora no entorno da

instituição, mas, sim, é oriunda de 52 localidades diferentes de Cuiabá e Várzea

Grande (cidade vizinha à Capital), incluindo de distritos e comunidades ribeirinhas.

Os alunos participantes desta pesquisa residiam em 31 diferentes bairros da

Capital13, como Jardim Vitória, Passaredo, São Francisco, Novo Horizonte, Tijucal,

Comunidade Império do Sol e Pedra 90 (este bairro se situa no cinturão verde, área

limítrofe da cidade), e de Várzea Grande, cidade vizinha. Dos 31 alunos que

compunham o 8.º Ano A, apenas Jairo morava nas imediações da escola.

Tal escola está entre as 15 maiores instituições de educação básica de

Cuiabá, segundo o Censo Escolar da Educação Básica de 2009 (SEDUC, 2009. Os

13

Informações coletadas por meio de curto questionário entre os alunos inserido no Apêndice 1.

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dados referem-se a 2009 porque, contatada, a Secretaria de Educação de Mato

Grosso não forneceu dados atualizados para inclusão nesta pesquisa). Compõem a

escola 1416 alunos (SEDUC, 2009), 49 professores efetivos e 29 temporários (PPP

2010), além dos 42 servidores técnicos ou de apoio educacional, também entre

efetivos e temporários.

Quando iniciei as observações, a Escola Central se encontrava em momento

de transição do sistema seriado para o organizado em ciclos de formação humana -

implantado, no Ensino Fundamental dessa escola, no ano de 2009. A 3.ª Fase do 2.º

Ciclo, correspondente à 5.ª série, e a 1.ª fase do 3.º Ciclo, que se relaciona com a

6.ª série do sistema regular seriado, já se encontravam em funcionamento em 2010,

enquanto as últimas séries do Ensino Fundamental (7.ª e 8.ª), todas do 3.º Ciclo,

ainda permaneciam no antigo sistema, assim como o Ensino Médio. Em 2011, no

reinício das observações, o 8.º Ano ciclado (correspondente à 7.ª Série do sistema

regular seriado) já havia sido implantado.

A organização do ensino em ciclos de formação humana nas unidades

escolares de Mato Grosso é normatizada pela Resolução n.º 262/02-CEE/MT

(Conselho Estadual de Educação/MT). Esta define que o Ensino Fundamental terá

duração de nove anos, divididos em três ciclos, cada um com fases anuais e

duração total de três anos.

O 1.º Ciclo corresponde à fase infantil, com atendimento a crianças entre seis

e nove anos de idade. O 2.º Ciclo atende ao público pré-adolescente, com idade

entre nove e 12 anos. O 3.º Ciclo destina-se aos adolescentes, considerados pela

referida resolução como os jovens entre 12 e 15 anos de idade.

Os dois primeiros ciclos são unidocentes, enquanto o terceiro ciclo é atendido

por professores com formação específica nas disciplinas componentes do currículo

escolar. Segundo a citada resolução, o fator idade não é critério rígido para

organização das turmas, pois o coletivo dos professores de cada ciclo na unidade

escolar pode decidir por reclassificar um aluno diante das necessidades por ele

apresentadas.

No regime ciclado, a progressão dos alunos é feita mediante avaliação

sistemática e periódica, podendo ser de três tipos: a) progressão simples, quando o

aluno desenvolveu sua aprendizagem sem necessidade de apoio pedagógico; b)

progressão com plano de apoio pedagógico, quando o aluno ainda apresenta

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dificuldade de aprendizagem não superada; e c) progressão com apoio de serviços

especializados, a qual envolve alunos com necessidades educacionais especiais.

A jornada escolar diária, para o Ensino Fundamental, é de 4 horas, com aula

de 60 minutos de duração e carga horária anual de 800 horas, dividida entre 200

dias letivos.

A opção por uma escola pública se justifica em razão de ser ela a principal

formadora de alunos da Educação Básica no Brasil. Segundo a Síntese do Censo

Escolar 2009 apresentada pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso,

o estado conta com 2744 unidades escolares, 2360 delas públicas, das quais 1655

são estaduais.

De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais (BRASIL, 2009), 87,1% e

86,3% dos alunos brasileiros dos Ensinos Fundamental e Médio, respectivamente,

são atendidos pela escola pública. Em Mato Grosso, as proporções são ainda

maiores: 90,3% e 93,9% dos alunos matriculados nos Ensinos Fundamental e

Médio, respectivamente, ocupam vagas na escola pública.

A escolha de uma instituição de ensino localizada na região central da cidade

se deve ao ambiente propício ao encontro de alunos de diferentes localidades. Os

1416 alunos da Escola Central (Síntese do Censo Escolar 2009) são oriundos de 52

diferentes localidades da cidade, inclusive de distritos e comunidades ribeirinhas,

segundo informações da própria escola.

Aos olhos de quem chega pela primeira vez, a Escola Central assemelha-se a

uma prisão. Passa-se por dois portões (um de acesso à rua e outro de acesso ao

ambiente interno) e um porteiro até se chegar ao pátio comum. As salas de aula têm

portas metálicas que só permitem ver o interior da sala através de um visor. São

trancadas por corrente e cadeado, e abertas somente no momento da aula. Em cada

sala, há um cartaz com o art. 331 do Código Penal (Decreto-Lei no 2.848, de 7 de

dezembro de 1940), tipificando o desacato a funcionário público: “Art. 331 -

Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena -

detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”.

O pátio é escuro e todo gradeado, onde há uma placa antiga dos Alcoólicos

Anônimos. Os alunos são acompanhados por agentes de pátio, cuja função é zelar

pelo bom comportamento dos estudantes nas áreas comuns da escola. Nesse

sentido, a Escola Central rememora a ideia de escola de Foucault, em Vigiar e Punir:

uma história da violência nas prisões (2003): uma instituição produtora de corpos

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dóceis e disciplinados, nos quais o comportamento é controlado por um poder que

torna os indivíduos objetos e instrumentos de submissão e obediência.

No entanto, ao participar do cotidiano da escola, essa impressão de prisão vai

se enfraquecendo, mesmo sem desaparecer. As cores dos ambientes comuns são

quentes: laranja e vermelho, seguindo o padrão adotado pelas escolas estaduais.

Percebo que há vários murais e cartazes espalhados pelo pátio. Entre eles, há

mensagens motivacionais: “Ser forte é bom, ser inteligente é melhor, ser confiável é

essencial”; “Guie o seu coração pelo bom caminho. Se a tua vida está na ‘área de

risco’ busque o Senhor, antes que venha a tragédia”. Ao entrar, um banner

recepciona os alunos: “Escola Central. Estudar aqui faz a diferença”. Esse mesmo

banner lista a missão, a visão de futuro, os valores, os eixos norteadores e os

princípios pedagógicos da escola:

Nossa Missão Promover um ensino de qualidade, garantindo uma sólida formação para o pleno exercício da cidadania e para atuarem na sociedade com sabedoria e responsabilidade. Nossos Valores Ética, Democracia, Tolerância, Cooperação, Equidade e Legalidade. Nossa Visão de Futuro Sermos reconhecidos como uma Escola aberta à participação da comunidade, ética, democrática, onde o relacionamento interpessoal envolvendo toda a comunidade escolar esteja pautado pelos princípios da legalidade, da tolerância, do respeito à diversidade cultural, política, étnico-racial e religiosa, pautada pela equidade e pela cooperação em busca da constante melhoria da qualidade do ensino e pela defesa da escola pública e da gestão democrática. Eixos Norteadores - Aprender a aprender; - Respeito, solidariedade, disciplina e coletividade; - Trabalho unificado – coletivo; - Criar para humanizar; - Compromisso. Nossos Princípios Pedagógicos Desenvolver a autonomia dos alunos, entendida aqui como a capacidade de: - Saber posicionar-se mantendo uma postura ética; - Ter habilidade na elaboração de projetos; - Ser consciente da responsabilidade dos seus atos; - Buscar informações e saber organizá-las.

Durante o intervalo, os alunos costumam se organizar para montar o aparelho

de som que animará aquele momento com ritmos populares (sertanejo e pagode) ou

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música eletrônica. O repertório é selecionado por eles. O intervalo é barulhento, mas

comportado: os alunos ouvem música alta e conversam bastante, mas não se vê

correria, brincadeiras de mau gosto, baixarias ou brigas. Para isso, possivelmente,

colabora a presença dos citados agentes de pátio, que transitam entre os alunos

durante esse momento. Convém destacar que era expressamente proibido aos

alunos “formar grupos, promover algazarra ou perturbação nos corredores e pátios,

bem como nas imediações do estabelecimento”. (PPP 2010, p. 33).

Apesar da rigidez da Escola Central, a relação entre alunos e professores

parecia ser agradável. Ainda assim, inevitavelmente, circulavam comentários sobre

os professores ou comparações entre eles. Todos os entrevistados elogiaram Susi.

A Profa. Catarina, de Geografia, várias vezes foi citada como a que dava as

melhores aulas. Em conversa informal, Catarina demonstrou surpresa com a opinião

dos alunos sobre suas aulas, e explicou que gostava de propor atividades em dupla

ou grupos e recorrer a aulas práticas, diferentemente de outros professores.

Na última sexta-feira do bimestre (são quatro bimestres), os professores se

reúnem no Conselho de Classe. Nesse momento, discutem acerca do desempenho

de cada aluno e dos problemas enfrentados em sala de aula.

Durante o intervalo, os docentes encontram-se na Sala dos Professores.

Nela, aproveitam para conversar e, informalmente, trocar impressões sobre

determinado aluno ou turma. Há sempre algum lanche a ser dividido: um bolo, ou

pão, e café. Cada professor tem um armário nessa sala, onde guarda seus materiais

para a aula. Quando o intervalo está próximo de acabar, muitos alunos sondam a

Sala dos Professores: querem saber se o professor já chegou, se vai dar aula ou se

corrigiu as provas.

A estrutura física da escola, ainda que antiga, comporta dois pavimentos, 26

salas de aula, biblioteca, anfiteatro, cantina terceirizada, quadras de esporte,

laboratório de Informática e de Ciências da Natureza e Matemática. Cada sala de

aula “pertence” a um professor – de acordo com o Projeto “Sala Ambiente”, o espaço

que constitui a sala de aula seria “especializado” para o atendimento de determinada

disciplina. Assim, os alunos – e não mais os professores – é que trocam de

ambiente a cada aula. Essa proposta não funcionou adequadamente na Escola

Central, pois nem todos os professores respeitavam o espaço do outro.

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3.2.2 A dinâmica da sala de aula

Na planilha de horário do 8.º Ano A, as duas aulas semanais de inglês eram

geminadas (sequenciais). Eram as últimas aulas das sextas-feiras, com início às

9h20 e término às 11h15. Ocorriam após o intervalo escolar e costumeiramente se

iniciavam com atraso de 5 a 10 minutos. Entre as duas aulas de inglês, havia uma

pausa de 5 (cinco) minutos, momento em que os alunos saíam da sala para beber

água, ir ao sanitário ou passear pelo corredor. Fica evidente que o horário destinado

ao inglês desprestigiava a disciplina. O comportamento inadequado dos alunos

atingia o auge durante as aulas de Susi, afinal, os alunos mostravam-se ansiosos

em ir embora.

As aulas de Susi eram ministradas na sala de aula n.º 44, seguindo o projeto

Sala Ambiente, desenvolvido pela Escola Central (ver tópico 3.2.1). No entanto,

houve três situações em que outros professores ocupavam a sala de Susi no

momento das aulas do 8.º Ano A. Em todas elas, a professora de inglês é quem

precisou conseguir um novo espaço, o que, em minha opinião, demonstra o

desprezo direcionado a essa disciplina por professores de outras áreas.

Susi iniciava as aulas à frente do quadro, cumprimentando os alunos em

inglês com um “good morning” ou um “hi, people, how are you?”. s alunos

geralmente respondiam mecanicamente em inglês, com “hi” ou “good morning”.

Após os cumprimentos, Susi fazia a chamada, à qual os alunos respondiam

em português. Apenas no momento da chamada Susi costumava sentar-se à sua

mesa, que ficava à frente da sala, próxima ao quadro. Na maior parte das vezes, ela

deixava a frente da sala e passava a caminhar entre os alunos, verificando se

estavam com o livro, se faziam os exercícios ou se havia alguma dúvida.

Após os cumprimentos iniciais, caso houvesse tarefa, a professora

questionava quem havia feito (comumente, poucos) e o que acharam da atividade –

se estava fácil ou difícil, e por quê. Interagindo com os alunos, oralmente corrigia o

exercício, cuja resposta escrevia no quadro, para que todos pudessem conferir. A

correção da tarefa durava entre 10 e 15 minutos.

Quando não havia tarefa a corrigir, Susi iniciava a aula propriamente dita

expondo e explicando o tópico gramatical que seria dado naquela ocasião. Os novos

conteúdos eram passados em pequenas doses, cada uma delas seguida de prática

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de exercícios para auxiliar a assimilação. A explanação da professora era curta,

utilizando no máximo 20 minutos da aula. Invariavelmente, escrevia um texto

explicativo e objetivo no quadro, com exemplos de uso, como abaixo:

Some/Any Some/Any – expressam uma quantidade indefinida de algo. Usamos some em frases afirmativas. Ex.: There is some coffee in the coffee pot. Usamos any em frases interrogativas: Ex.: Is there any coffee in the coffee pot? Usamos any em frases negativas: Ex.: There is not any coffee in the coffee pot. (Susi, notas de campo, 15/07/2011)

Em quase todas as aulas, Susi utilizava o livro didático para a prática de

exercícios. Quando isso não acontecia (o que era raro), a professora recorria a

atividades mais dinâmicas, como jogos e disputas, envolvendo inclusive aspectos

não-verbais, como teatro e mímica.

Se optava pelo uso do livro, Susi indicava a página com os exercícios e

explicava quais e como fazer. Também verificava o vocabulário usado, escrevendo

no quadro uma lista de palavras acompanhada da tradução. Essa lista ficava até que

os alunos concluíssem a lição daquela aula.

Susi não escrevia o exercício no quadro, porém, solicitava aos alunos que

copiassem a atividade para o caderno. A orientação da professora era a de que o

livro seria devolvido ao término do ano letivo para ser usado por outro estudante,

motivo pelo qual não poderia ser tratado como uma edição consumível. Além disso,

para controlar quem estava ou não fazendo a lição, Susi vistava o caderno dos

alunos.

A maior parte do tempo era dedicada à prática do conteúdo ensinado.

Dependendo da complexidade, no máximo cinco exercícios eram propostos –

entretanto, o mais comum era a conclusão de dois por dia de aula. Os alunos mais

preparados apresentavam as respostas ainda na primeira aula. Os demais, somente

ao término da segunda aula, geralmente sob pressão do horário de saída.

Susi rotineiramente condicionava a liberação do aluno à conclusão das

atividades, que eram individuais e quase sempre escritas. A oralidade era praticada

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na correção dos exercícios ou durante leitura/encenação de diálogos – o que pouco

ocorria. Susi não costumava recorrer à repetição oral com a turma.

A sala organizava-se em duplas ou em pequenos grupos, quase sempre

meninos separados de meninas. O lado direito (em referência a quem está à frente

da sala, olhando para os alunos) e as primeiras filas eram predominantemente de

presença masculina, enquanto as meninas sentavam-se mais ao lado esquerdo,

principalmente nos fundos da sala (ver Figura 1). Entretanto, os alunos

movimentavam-se muito durante as aulas, levantando-se de suas carteiras para ir

até os colegas conversar sobre assuntos que não se referiam ao conteúdo da aula,

como diversão, relacionamentos, jogos (eletrônicos e de futebol) e curiosidades

vistas na internet ou na TV. Quando não conseguiam completar a tarefa discutindo

com seu grupo, os alunos buscavam outros colegas antes de se dirigir à professora.

Figura 1. Organização espacial da sala de aula 44.

O relacionamento entre os colegas era amigável. Durante as aulas, eram

raras as ocorrências que necessitavam de intervenção da Coordenação Pedagógica.

Apenas em situações específicas houve desentendimento entre eles, como na

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ocasião em que Ronaldo perturbava a aula com seus comentários e risadas e os

colegas apoiaram sua expulsão, ou quando João Carlos ofendeu colegas colando

cartazes em suas costas. Situações como essas, contudo, eram atípicas no

cotidiano do 8.º Ano A.

Cerca de cinco minutos antes do encerramento da aula, a professora passava

alguma atividade como tarefa de casa. Em seguida, entregava o cartão do aluno –

fornecido pela escola –, ou o cartão de transporte. Esse documento era deixado pelo

aluno na portaria, no momento em que entrava na escola. Era devolvido no

encerramento das aulas daquele dia.

Esse procedimento de identificação com o cartão era uma exigência da

Escola Central, por motivo de segurança, para garantir que os alunos somente se

ausentassem do estabelecimento com conhecimento da escola. O momento de

devolução desses cartões na aula de inglês era sempre aguardado pelos alunos do

8.º Ano A, pois sinalizava que as aulas – do dia e também da semana – estavam

chegando ao fim.

3.2.3 Participantes

O 8.º Ano A compunha-se de 31 alunos14, entre 12 e 15 anos de idade,

listados a seguir15:

Participante Idade

Adriana 13 anos

Afonso 14 anos

Ana Clara 12 anos

Danilo 13 anos

Diogo 13 anos

Edna 13 anos

Edson 15 anos

14

As informações foram coletadas por meio de um curto questionário aos alunos inserido no Apêndice I. 15

Todos os nomes são fictícios.

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George 13 anos

Helô 13 anos

Isadora 13 anos

Jairo 13 anos

João Carlos 13 anos

Jonas 13 anos

Júlio César 15 anos

Kaio 15 anos

Kely 15 anos

Leonardo 14 anos

Lidiane 13 anos

Luan 13 anos

Lúcia 12 anos

Maria Luísa 12 anos

Nelson 13 anos

Paula 14 anos

Roberta 14 anos

Ronaldo 13 anos

Rose 13 anos

Saulo 14 anos

Tatiana 13 anos

Vagner 13 anos

Wallace 13 anos

Wender 15 anos

Ao início do ano letivo, a turma compunha-se de 26 alunos, porém, a

dinâmica da sala foi sendo alterada pelo movimento de transferência entre escolas.

Foram cinco inclusões ao longo do período observado. Sete do total de alunos foram

meus principais informantes, quais sejam: Jairo, Júlio César, Wender, Ronaldo,

Roberta, Helô e Maria Luísa.

Jairo, 13 anos, gostava de inglês e considerava fáceis as atividades propostas

por Susi. Fascinava-se com as atividades de inglês que envolviam disputas, das

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quais sempre participava com muito ânimo. Fora da escola, mantinha contato com o

inglês por meio de jogos eletrônicos. Em 2011, desde o começo do ano letivo

demonstrou preocupação com o mercado de trabalho, para o qual a mãe já o vinha

preparando, atenta aos cursos oferecidos em função da Copa do Mundo.

Júlio César, 15 anos, não gostava da disciplina de inglês, mas afirmava gostar

muito de Susi. Filho de pais separados, Júlio César ora estava na residência do pai,

ora na da mãe – nos bairros Jardim Cuiabá e Pedregal, respectivamente.

Wender, 15 anos, era o líder do 8.º Ano. Estudava, trabalhava e, por um bom

período do ano de 2011, morou sozinho. Apenas no segundo semestre de 2011,

voltou a morar com o pai e com um irmão mais novo. Segundo me relatou em

conversas informais, já havia se envolvido com más companhias e, por esse motivo,

acabou se afastando dos estudos. Reprovou um ano, ficou afastado por mais um em

função do trabalho, e voltou mudado em 2011, após ter iniciado a frequentar a

Escola Bíblica, grupo formado por estudantes da Escola Central que se reúne às

sextas-feiras, quando as aulas do período matutino se encerram. Nessa

aproximação com a religiosidade, Wender voltou às aulas e despontava como um

dos alunos mais interessados na disciplina de inglês.

Ronaldo, 15 anos, veio transferido de uma escola em Várzea Grande, por

decisão dos pais. Falante, envolvia-se em zombarias e provocações com seus

colegas. Sua companhia mais constante era Saulo. Na instituição em que

anteriormente estudou, Ronaldo teve aulas de espanhol. Chegou à Escola Central

sem saber nada de inglês, segundo me relatou em conversa informal.

Roberta, 13 anos, era uma aluna bastante crítica em relação à turma. Quando

discordava de seus colegas, manifestava sua opinião. No Ensino Fundamental,

sempre estudou inglês em escola pública. Afirmava não gostar do idioma, mas fazia

as atividades propostas. Dizia ter dificuldade principalmente em relação ao

vocabulário de inglês.

Helô, 13 anos, veio transferida de outra escola, no segundo bimestre letivo.

Gostava muito de inglês e, em conversa informal, afirmou ter aprendido muito acerca

do idioma assistindo a videoclipes de música internacional acompanhados de

tradução. Embora manifestasse interesse em estudar mais a língua inglesa, não

possuía condições financeiras de pagar um curso em escola de idiomas. Trabalhava

ajudando os pais nas vendas em uma feira próxima à sua casa.

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Maria Luísa, 12 anos, era alegre, muito falante e participativa. Não parava em

sua carteira durante a aula: andava pela sala, conversava com todos os colegas,

fazia performances (cantava, dançava, deitava-se no chão, sentava no colo de

algum colega). Afirmava não gostar de inglês, mas gostava de Susi, a professora da

turma. Era alta e forte, aparentando mais idade do que seus 12 anos.

Susi, 45 anos, a professora de inglês do 8.º Ano A, nasceu na Argentina e era

descendente de ingleses. Aprendeu português aos 12 anos, quando passou a morar

no Brasil com sua família.

Possui uma experiência de 11 anos como professora – primeiro lecionou

espanhol, devido à sua origem latino-americana. Não possui formação acadêmica

nesse idioma. Há cinco anos, mudou de foco: em vez de dar aulas de espanhol,

tornou-se professora de inglês, com a graduação obtida por meio da Universidade

Federal de Mato Grosso. Começou a lecionar primeiro em institutos de idioma e, em

2011, como contratada temporária do Governo do Estado, dava aulas para o Ensino

Fundamental e para uma turma de Ensino Médio da Escola Central. Assumia 15 h

de carga horária nessa unidade escolar.

Em julho, foi convocada em um concurso do Governo do Estado para ser

professora de inglês em Várzea Grande, MT. A impossibilidade de acúmulo das

atividades como professora efetiva e como professora temporária na mesma rede de

ensino fez com que Susi deixasse de lecionar inglês na Escola Central em agosto de

2011.

3.3 Metodologia da pesquisa

Esta investigação se baseia nos três instrumentos configuradores de

pesquisas de natureza etnográfica na educação, a saber: observações, entrevistas e

análise documental (WOLCOTT, 1994; ANDRÉ, 1995). Entretanto, a análise

documental adquiriu caráter secundário diante dos dados gerados pelos outros

meios, servindo apenas de apoio na análise. Discorro a seguir sobre cada

instrumento, a aplicação deles no contexto e os dados gerados.

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3.3.1 Das observações

As observações no 8.º Ano A, período matutino, iniciaram-se em 18 de março

de 2011 e se encerraram em 12 de agosto do mesmo ano. Descontados os feriados,

ausências da professora e da pesquisadora, as avaliações e o período de greve

(aulas não acompanhadas), foram 24 aulas observadas, ocorridas sempre aos pares

(aulas duplas), totalizando aproximadamente 14 horas de gravação. A seguir,

organizo as aulas observadas em uma tabela, para melhor acompanhamento da

pesquisa.

Observação 8.º Ano A (aulas duplas) Data

1ª e 2ª 18/03/2011

3ª e 4ª 01/04/2011

5ª e 6ª 29/04/2011

7ª e 8ª 06/05/2011

9ª e 10ª 13/05/2011

11ª e 12ª 20/05/2011

13ª e 14ª 27/05/2011

15ª e 16ª 03/06/2011

Greve dos professores da rede estadual – 06/06 a 01/07

17ª e 18ª 08/07/2011

19ª e 20ª 15/07/2011

21ª e 22ª 05/08/2011

23ª e 24ª 12/08/2011

Durante as aulas, permanecia sentada em uma carteira ao fundo da sala,

anotando falas e ações dos alunos e da professora. Minhas anotações eram

manuais, registradas em folhas avulsas, as quais eu datava e enumerava. Ao voltar

das observações, retomava os registros feitos e os digitava, incluindo meus

comentários.

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As aulas observadas foram registradas em áudio. Entretanto, essas

gravações não puderam ser detalhadamente resgatadas devido à intensidade dos

ruídos e conversas em sala de aula. Pelo mesmo motivo, houve momentos em que

optei por desligar o aparelho. É possível que o registro em áudio pudesse ser

mantido caso houvesse um gravador por aluno, ou pelo menos diversos gravadores

espalhados em pontos estratégicos da sala. Infelizmente, essa não era a realidade

da minha pesquisa.

Com receio de serem “flagrados” em declarações ou atitudes

constrangedoras, os alunos ficavam atentos ao gravador – inclusive, alertavam os

colegas desavisados. Em momentos de prática oral, como ocorreu na nona aula

observada, foi preciso desligá-lo para que alunos mais tímidos participassem das

atividades.

Com o decorrer das observações, no entanto, minha presença e o uso do

gravador deixaram de ser impedimento às ações dos alunos. Alguns, mais

despojados, chegavam perto apenas para garantir que suas falas fossem

registradas. A diminuição dessa influência sobre os participantes já era esperada

(ver ERICKSON, 1990; AGAR, 1996; BLOMMAERT; JIE, 2010).

O surgimento da indisciplina como influência nas relações em sala de aula me

levou a readequar a observação, incluindo um olhar mais atento do que antes sobre

as relações de poder e as negociações que se estabeleciam dentro daquele

contexto.

No início, quase todas as ocorrências nas aulas observadas pareciam

constituir rich points (AGAR, 1994). Com a delimitação do foco, o decorrer do tempo

e a inclusão na cultura investigada, a quantidade de notas de campo foi

significativamente diminuída, pois me tornei mais seletiva quanto às ações e práticas

dentro do ambiente do 8.º Ano A, registrando apenas aquelas que se relacionavam à

investigação empreendida. Além disso, eventos que no início me causaram

surpresa, como a indisciplina dos alunos, pareciam fazer mais sentido para mim

durante as últimas aulas observadas.

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3.3.2 Das entrevistas

Com base nas ações e nas manifestações verbais em sala de aula, selecionei

os participantes que julgava necessário entrevistar para esta investigação. O tipo de

entrevista que considerei mais adequado para atingir meus objetivos foi a

semiestruturada. Nela, a existência de um roteiro prévio não impossibilitava a

inclusão de novos tópicos, surgidos durante o curso da própria entrevista.

Os tópicos inicialmente incluídos na entrevista com os estudantes envolviam o

ponto de vista sobre as aulas, a professora, os colegas/a turma e o livro didático. Ao

questioná-los sobre as aulas, inevitavelmente os alunos comentavam sobre gostar

ou não de inglês. Em relação aos colegas/a turma, os participantes foram unânimes

em classificar a turma como “bagunceira”.

Contudo, nem todas as entrevistas corresponderam às expectativas,

provavelmente em razão de minha inexperiência com esse instrumento de coleta.

Em decorrência disso, não predeterminei a quantidade de alunos que seriam

entrevistados, considerando que a delimitação ocorreria não pela quantidade de

registros efetuada, mas pela qualidade das informações obtidas por esse

instrumento. Quanto mais consistente e mais possível de classificação devido à

recorrência de padrões, mais eu estabelecia redes de significação entre os dados e

me aproximava do “ponto de saturação” desse trabalho de campo, momento em que

predomina a impressão de que nenhuma nova informação de relevância será

apreendida no contexto investigado (DUARTE, 2002, p. 144).

Cabe destacar que, devido à idade dos alunos – todos legalmente menores –

e à disponibilidade dos mesmos, as entrevistas foram de curta duração, com média

de 7 minutos, e ocorreram durante intervalos, aulas em que Susi esteve ausente ou

após a conclusão das atividades de sala, com a anuência da professora. Poucos

aceitaram colaborar ao primeiro convite, porém a tarefa mais difícil foi mantê-los

atentos à entrevista, devido à curiosidade dos demais colegas.

Em relação à professora Susi e a seu escasso tempo, realizei a entrevista

durante a última aula em que ela esteve à frente da turma, em 29 de julho de 2011,

aproveitando o momento em que os alunos se dedicavam a realizar uma atividade

que constituiria a média bimestral. Pelo tom desenvolvido, aproximou-se mais de

uma conversa do que uma entrevista propriamente dita.

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Ao final, foram 17 entrevistas, realizadas com os seguintes participantes:

Entrevistado(a) Data

Afonso 05/08/2011

Danilo 29/07/2011

Emiliana 22/07/2011

Ester 22/07/2011

George 05/08/2011

Helô 29/07/2011

Isadora 22/07/2011

Jairo 05/08/2011

Jonas 05/08/2011

Júlio César 05/08/2011

Maria Luísa 29/07/2011

Roberta 22/07/2011

Ronaldo 02/09/2011

Susi 05/08/2011

Tatiana 22/07/2011

Vagner 05/08/2011

Wender 15/07/2011

3.3.3 Da análise documental

Os documentos aos quais recorri para auxiliar a atribuição de significado às

práticas de ensino e aprendizagem do 8.º Ano A foram os Projetos Políticos-

Pedagógicos dos anos de 2009 e 2010, o livro didático, as avaliações aplicadas e

uma atividade de tradução.

Os Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), espécie de pacto entre os pais dos

alunos e toda a comunidade escolar, foram cedidos pela Coordenadora Emiliana,

após solicitação. Nele, constavam informações acerca dos conteúdos e objetivos de

aprendizagem previstos para o 8.º Ano, do histórico da unidade escolar, do bairro no

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qual está localizada, da estrutura física e de pessoal da Escola Central. Esses

documentos serviram de base para a descrição da unidade, conforme consta no

item 3.2.1.

O livro didático – Keep in Mind 8.º Ano (Ed. Scipione), das autoras Elizabeth

Chin e Maria Lúcia Zaorob – foi oferecido pelo Ministério da Educação (MEC),

através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Trata-se do primeiro ano

letivo em que o ensino de línguas estrangeiras modernas no Ensino Fundamental foi

contemplado com um livro didático. O exemplar usado nesta pesquisa foi

gentilmente cedido pela Profa. Andréia.

Devido à política do Ministério da Educação em encaminhar às unidades

escolares livros didáticos de inglês e espanhol, independentemente da opção de

língua estrangeira moderna feita pelas escolas, a quantidade de livros de inglês para

o Ensino Fundamental na Escola Central foi insuficiente. O livro também se mostrou

além do nível esperado para a turma. No ano letivo anterior, Susi havia utilizado a

coleção Take your time (Ed. Moderna), de Zuleica Agueda Ferrari, porém procurava

acompanhar o ritmo de aprendizado dos alunos, o que fez com que alguns capítulos

e conteúdos não fossem estudados na série proposta pelo livro.

Previsto para ser consumível, ou seja, sem devolução ao término do ano

letivo, o livro didático Keep in Mind não foi assim usufruído pelos alunos da Escola

Central. Ao recebê-lo, cada estudante assinava um termo de compromisso em que

se responsabilizava por devolvê-lo ao término da série. Susi orientava os alunos a

fazer as atividades no caderno, muito embora eles pudessem ser respondidos no

livro – quando autorizados a fazer a atividade no livro, os alunos deveriam fazê-lo “a

lápis e bem fraquinho” (Susi, anotações de campo, 18/03/2011), para que suas

respostas pudessem ser apagadas pelo próximo estudante a ocupá-lo.

Quanto às avaliações, o acesso foi negociado com a Susi e ficou limitado ao

documento em branco, tal qual elaborado pela professora. Restou verificar se as

atividades propostas na prova correspondiam ao que havia sido ensinado em sala

de aula. Nesse aspecto de adequação, todas as avaliações estavam condizentes

com o nível e o conteúdo aplicado.

A atividade de tradução baseou-se em um diálogo que compôs uma atividade

de listening proposta em 03 de junho de 2011. O diálogo utilizado compunha a faixa

9 do CD que acompanha o livro Keep in Mind.

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3.4 A análise: perspectiva e procedimentos

Tendo como base as ideias de Bogdan & Biklen (1994, p. 206), uma pré-

análise foi sendo feita concomitantemente ao registro dos dados. Isso se tornou útil

porque, à medida que os dados iam sendo registrados, pude alterar aspectos da

pesquisa para adequá-la mais efetivamente aos objetivos já expostos.

A releitura dos dados constituiu-se uma prática corrente durante os

procedimentos analíticos, num constante ir-e-vir que proporcionou a construção de

uma análise mais focada, feita no período após a geração dos dados. Em um

primeiro momento, destaquei os temas e padrões que surgiram nas notas de campo

e na transcrição das entrevistas. Posteriormente, revisei-os e os reduzi aos mais

relevantes para a minha pesquisa. Organizei-os de forma a contar uma narrativa

temática (EMERSON, FRETZ, SHAW, 2011, p. 202), ou seja, estabeleci conexões

entre eles, o que permitiu constituir um painel do contexto estudado no que se

referia a crenças e práticas de ensino e aprendizagem, principalmente por meio da

incorporação de múltiplas visões dos participantes. Nessa narrativa, inseri exemplos

que servissem como espécie de evidência aos temas elencados.

A proposta de “contar uma história” a partir dos dados ancora-se na origem da

investigação etnográfica, que é na antropologia, ou seja, com preocupação na

cultura como uma totalidade, o que ultrapassa o interesse apenas na linguagem. Em

outras palavras, não seria possível separar a linguagem de seu contexto, porque

todo ato a ela relacionado envolve também um valor sociocultural (BLOMMAERT,

JIE, 2010, p. 9). Assim, apenas de posse dos dados coletados, tendo observado e

entendido as práticas socioculturais do 8.º Ano A, é que pude categorizar e

interpretar as crenças encontradas no dizer e no fazer dos participantes.

Como procedimento analítico, segui a proposta de Wolcott (1994), segundo a

qual há três atividades relacionadas à transformação dos dados: Descrição-Análise-

Interpretação (D-A-I). autor usa o termo “transformação” porque considera que

tudo tem o potencial de ser um dado de investigação, mas nada se transforma nele

sem a intervenção do pesquisador. Sobretudo, “transformar” enfatiza o processo

pelo qual os dados passam em uma investigação qualitativa. Registrar ou coletar

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dados são termos que Wolcott associa com pesquisas de laboratório, voltadas para

análises quantitativas (WOLCOTT, 1994, p. 3-4).

A primeira etapa – descrição – envolve o relato de ações, falas e interações

como foram presenciadas, detalhando-as. Está sujeita a exclusões e inclusões do

pesquisador – nunca é neutra ou exatamente o fato como foi observado.

A análise relaciona-se à identificação de características essenciais (pontos-

chave) do contexto pesquisado e estabelecimento de relação coerente entre elas,

como se estivesse a contar uma história. Na análise, os dados passam por uma

espécie de redução, pois, segundo Wolcott (1994, p. 175):

O negócio da análise é mostrar - e demonstrar – o que quer que seja, que nós sabemos que estamos acertando. A análise exerce uma espécie de força centrípeta conservadora sobre a transformação de dados, em contraste com a expansão da interpretação, uma força centrífuga.16

Essa redução é necessária porque nem todos os dados obtidos em uma

investigação desse tipo devem ser usados. São muitas as informações obtidas,

porém boa parte delas se destaca apenas como mera curiosidade.

A última etapa, interpretação, relaciona-se com a atribuição de significados e

contextualização dos eventos relatados. Dada a complexidade e a riqueza dos

dados obtidos, há tantas possibilidades de análise quanto as leituras possíveis de

um mesmo texto (KVALE, 1996, p. 13). Não é à toa que o pesquisador qualitativo se

posiciona como um cocriador dos dados que interpreta (KVALE, 1996, p. 180).

Segundo Wolcott (1994), não há como estabelecer limites precisos entre as

dimensões da descrição, análise e interpretação. Elas ocorrem simultaneamente,

atuando entre si dialeticamente. Baseando-me no modelo D-A-I de Wolcott,

apresento no capítulo seguinte as descobertas deste estudo.

16

No original: “The business of analysis is to show – and show off – whatever it is we know we are getting right. Analysis exerts a kind of conservative centripetal force on the transformation of data, in contrast to interpretation’s expansive, centrifugal one.” (WOLCOTT, 1994, p. 175)

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CAPÍTULO QUATRO – CRENÇAS NO DIZER E NO FAZER DA PROFESSORA E DOS ALUNOS

Neste capítulo, analiso os dados gerados, descrevendo e categorizando as

crenças encontradas no contexto do 8°. Ano da Escola Central de acordo com o

ponto de vista dos participantes. O capítulo está organizado em dois temas. O tema

1, “Inglês: oportunidades dentro e fora da escola”, aborda as crenças relacionadas

ao idioma, com implicações políticas e socioculturais, como as características do

inglês ensinado na Escola Central e as esperadas influências do aprendizado de

uma nova língua no futuro dos estudantes. tema 2, “Relações de ensino e

aprendizagem no 8.º Ano A”, refere-se ao envolvimento de professora e alunos no

processo de ensinar e aprender uma nova língua, apresentando consonâncias e

dissonâncias em termos de crenças. Uma vez descritas, problematizo tais crenças,

interpretando-as e estabelecendo uma inter-relação entre elas e os contextos micro

e macro na qual estão inseridas. Ao final, faço um breve resumo do que foi abordado

neste capítulo.

4.1 TEMA 1 – Inglês: oportunidades dentro e fora da escola

As crenças apresentadas nesta seção relacionam-se ao inglês como

disciplina na Escola Central e as influências percebidas e/ou esperadas no cotidiano

dos alunos. Abordam as implicâncias políticas e educacionais da escolha desse

idioma como parte do currículo do 8.º Ano da Escola Central, bem como fazem

referências às possibilidades futuras que o idioma pode proporcionar aos

estudantes, principalmente no que se refere à inclusão deles no mercado de

trabalho. Com essas características, foram identificadas quatro crenças:

1. “Só que o inglês de escola é só o básico...” (Helô, entrevista,

29/07/2011)

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2. “Inglês é bem difícil... Espanhol é bem mais fácil.” (Adriana, anotações

de campo, 01/04/2011);

3. “(...) você não consegue ler a pergunta porque ela tá em inglês! Aí, pra

você responder, não tem como.” (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011);

4. “No futuro, eu vou precisar, porque vai sempre abrir as portas.” (Helô,

entrevista, 29/07/2011)

4.1.1 “Só que o inglês de escola é só o básico...” (Helô, entrevista, 29/07/2011)

Os estudantes do 8.º Ano A aparentaram aceitar a ideia de que o inglês

oferecido pela Escola Central não seria capaz de lhes proporcionar um aprendizado

completo. Para eles, a disciplina, na escola ficava restrita ao “básico”, ou seja,

possuía limitações que não permitiriam o aprendizado pleno da língua, incluindo as

quatro habilidades (listening, speaking, writing e reading).

A fala era apontada como a habilidade que mais esperavam desenvolver e a

que tornava realmente possível a comunicação com pessoas de outros países,

como manifestou a estudante Roberta, em entrevista no dia 22/07/2011: “Tem

muitos empregos que pede pra falar outra língua... Se você for pra fora, você não

sabe falar, e aí, né? Ah, eu acho importante!”.

O ideal seria ter acesso a cursos livres de idioma, o que se mostrava distante

da realidade dos alunos envolvidos, seja devido às condições financeiras para

custeio, seja por indisponibilidade de tempo, visto que alguns alunos já

desenvolviam atividades remuneradas.

Helô, por exemplo, em conversa informal não gravada, contou que trabalhava

com a família vendendo produtos em uma feira. Gostaria de ter estudado em um

centro de idiomas, mas não possuía condições financeiras para tal. Então, dedicava-

se às aulas na Escola Central e recorria principalmente a músicas, por meio de

videoclipes legendados, para aprender mais.

EXCERTO 1 (Entrevista) Verônica: Helô, como é que a sua história de aprendizagem de inglês? (silêncio) Assim, quando você começou a estudar inglês... Helô: Ah, sim. É... Eu nunca estudei inglês, assim, em uma escola particular. Que é... sempre foi meu sonho, mas eu nunca consegui. Eu estudo inglês desde a segunda série, se eu não me engano, que é na escola, tem... Só que o inglês de escola é só o básico, e eu sempre

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procurei me aprofundar no... no que eu aprendia. (Helô, entrevista, 29/07/2011)

17

Tatiana, diferentemente, apontava a falta de tempo como fator impeditivo ao

estudo em uma escola de idiomas. Após as aulas na Escola Central, ela dirigia-se

ao trabalho – provavelmente na informalidade, visto que a aluna contava apenas 13

anos no período da observação.

EXCERTO 2 (Entrevista) Verônica: É? Fora daqui da sala, você usa alguma outra coisa pra estudar inglês? Tatiana: Não. V: Não? Por quê? T: Tipo, minha mãe queria pagar um curso, mas eu não tenho tempo. Saio da escola, vou pro serviço, e aí eu nem... aí eu nem faço, não. (Tatiana, entrevista, 22/07/2011)

Emiliana, a Coordenadora Pedagógica do Ensino Fundamental da Escola

Central, admitiu que o inglês oferecido na instituição não tinha pretensões de ir além

de proporcionar o conhecimento de palavras inglesas presentes no cotidiano do

aluno. Fluência no idioma não estaria, portanto, entre os objetivos da disciplina para

o Ensino Fundamental. Assim, a língua inglesa estava atendendo aquilo a que se

propunha.

EXCERTO 3 (Entrevista) Emiliana: (...) eu acredito que o ensino da língua inglesa vem tendo o... um aproveitamento... é... no sentido de que eles pode... eles possam estar ali tendo um conhecimento básico. Acho que o básico ele está cumprindo. Verônica. E qual seria esse básico, assim, no seu entendimento? Emiliana: Seria mesmo no uso diário de... de palavras, né, do dia-a-dia, no qual ele... nosso idioma já tem conhecimento, já usa no dia-a-dia. (Emiliana, coordenadora pedagógica, entrevista, 22/07/2011)

O Projeto Político-Pedagógico da Escola Central prevê, porém, que o

estudante seja capacitado a falar, ler e escrever na língua estrangeira que estuda.

Entre as competências e habilidades desejadas para o Ensino Fundamental, estão o

conhecimento de vocabulário “diversificado”, para uso nas habilidades orais e

auditivas (PPP 2010, p. 67). O objetivo da disciplina, segundo o PPP, seria o

desenvolvimento da habilidade comunicativa, uma vez que considera a língua

17

Todos os grifos em negrito contidos nas vinhetas de observação e nas entrevistas foram realizados pela autora com o objetivo de destacar trechos que sustentam a argumentação. Os comentários vêm em itálico.

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estrangeira numa abordagem interdisciplinar e inserida em contextos reais de

interação.

Neste sentido, concebemos as Línguas Estrangeiras, não como disciplinas isoladas, mas inserida numa área, numa perspectiva interdisciplinar e relacionada com contextos reais, dando nova configuração ao processo ensino-aprendizagem, capacitando o educando a falar, ler e escrever em um novo idioma, visto que elas constituem em veículos fundamentais na comunicação entre os homens no mundo atual. (PPP 2010, p. 67)

A falta de ajustamento entre o que é oferecido pela escola, o que é proposto

no PPP e o que é almejado pelos alunos contribuiu para frustrá-los. Os estudantes

perceberam pouca evolução entre um ano letivo e outro, principalmente porque as

aulas foram desenvolvidas para uma turma idealmente homogênea, embora o nível

de proficiência entre os alunos reais fosse acentuadamente desigual. As aulas

pareciam difíceis demais para os oriundos do espanhol, mas fáceis demais aos que

buscavam outros recursos de aprendizagem (internet, filmes e jogos, entre outros).

Ao verificar que o conteúdo cobrado em uma das aulas no 8.º Ano A já havia

sido estudado no ano anterior e seus colegas não recordavam, a estudante Maria

Luísa reagiu com descaso e raiva. A vinheta abaixo expõe, no inicio do ano, as

expectativas de Maria Luísa de que nada de novo seria acrescentado ao que ela já

sabia. Bastava apenas ocupar o tempo da aula, com uma atividade qualquer, para

considerar ou simular que a aula havia sido ministrada.

EXCERTO 4 (Vinheta de observação) Na primeira aula do ano letivo de 2011, em 18 de março, Susi entrega o livro didático aos alunos, ensinando-os a usar os recursos disponíveis (vocabulário, resumo, lista de verbos irregulares, CD de áudio, entre outros). Susi baseia-se nas atividades introdutórias do livro para perguntar aos alunos, oralmente e em português, qual a matéria que eles mais gostam, em qual delas eles se saem melhor. Alguns não se manifestam, mas Maria Luísa faz questão de dizer: “A (matéria) que eu mais gosto é inglês. (Vira-se para mim) É legal, não é, professora? Cansada, vira-se para Susi e pede: Professora, fala como que foi as férias da semana passada, do Carnaval, e manda todo mundo embora! Susi ignora o pedido de Maria Luísa e continua a aula. Passa, então, pelas figuras contidas na página 10, para que os alunos identifiquem o que há de diferente entre elas. As respostas são todas em português. Após essa familiarização com o livro didático, Susi inicia a unidade 1, cujo título é “Where is the National Bank?” A professora então pergunta à turma o que significa essa frase. Ninguém responde. Susi não desiste: “Gente, o que significa where?” Novamente, não há resposta. Maria Luísa, cansada do silêncio da turma, grita: “Gente, é igualzinho ao do ano passado!”

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Susi desiste e passa uma lista de palavras no quadro, para que os alunos procurem o significado. (Anotações de campo, 18/03/2011)

Ronaldo, que, antes de ingressar na Escola Central só havia estudado

espanhol, costumeiramente se recusava a fazer as atividades porque acreditava que

não teria sucesso no idioma, conforme demonstra o excerto 5:

EXCERTO 5 (Vinheta de observação) No dia 03/06/2011, Susi propôs uma atividade de listening a partir da faixa 9 do CD que acompanhava o livro didático. A finalidade era organizar um diálogo cujas falas estavam fora de ordem. Após várias repetições do áudio, e tendo corrigido o exercício, Susi solicitou aos alunos que fizessem a tradução do texto, para entrega. Susi: Vocês vão traduzir pra me entregar, que vai valer ponto! Vocês vão tirar uma folha do caderno, traduzir e entregar pra mim. Vocês entenderam? Ronaldo: Eu não vou fazer, porque não adianta nada. (Anotações de campo, 03/06/2011)

Apesar de considerarem que as aulas na Escola Central não lhes

proporcionaria fluência no idioma, os estudantes percebiam que o inglês fazia parte

de seu cotidiano. Quando interessados, procuravam outras fontes, como vídeos,

filmes, jogos ou internet, que possibilitavam contato com a língua de forma

prazerosa e mais próxima de sua realidade.

EXCERTO 6 (Entrevista) Helô: (...) E, então, quando aparecia uma matéria nova, sempre pesquisava na internet. Traduções de música também são... são algo, assim, que eu gosto bastante de ver. Sair um pouco além do que tem na sala de aula, entendeu? Procurar algo mais. Verônica: E você acha que isso tem te ajudado? H: Eu acho que sim, porque eu tenho um... uma percepção maior do que é o inglês e da concordância como se fala. (Helô, entrevista, 29/07/2011)

Diferentemente, Jairo se empenhava em tarefa inversa: de outras fontes,

principalmente jogos de videogame, trazia as palavras que gostaria de aprender.

EXCERTO 7 (Vinheta de observação ) Na aula do dia 1.º de Abril de 2011, Susi inicia um novo conteúdo, relacionado com preposições como on, in, at, behind, between, on the corner of, across from, in front of e next to, estudadas na primeira unidade. Como etapa de apresentação do conteúdo, constava um diálogo em inglês, contido na página 12 do livro Keep in MInd 8.º Ano e no CD que acompanhava o livro. O diálogo envolvia uma senhora perguntando a um policial onde ficava o National Bank. O diálogo foi passado e repassado. A

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frase final era You´re welcome. Jairo logo identificou a frase presente em um de seus jogos preferidos: “Essa frase tem no Resident Evil

18”.

Mais tarde, para ajudar os alunos em relação ao conteúdo, Susi escreve as preposições no quadro: On Between On the corner of And In

Across from In front of Behind Next to

Antes, porém, que Susi indique o significado de cada palavra, Jairo pede: “Professora, eu queria saber o que é across. Meu videogame tem uma missão que é across to”. (Anotações de campo, 1.º/04/2011)

Com base nos excertos acima, pode-se perceber que os estudantes atribuíam

importância à aprendizagem de inglês, mas possuíam baixa expectativa quanto à

sua realização na Escola Central. Consideravam que a disciplina mantinha-se

focada em conteúdos básicos, muitas vezes apenas repetindo o que já havia sido

ensinado em anos anteriores.

Os estudantes interessados em maior desenvoltura na língua recorriam a

recursos fora da sala de aula, como filmes, videoclipes e games. Ao estabelecer

relações com o cotidiano do aluno, os conteúdos de inglês tornavam-se mais

instigantes aos alunos, como demonstrado nos excertos 6 e 7.

4.1.2 “Inglês é bem difícil... Espanhol é bem mais fácil.” (Adriana, anotações de

campo, 01/04/2011)

Uma das estratégias iniciais no ensino de segunda língua é compará-la à

língua materna do aprendiz. Apontar semelhanças e contrastes entre os idiomas

envolvidos parece simplificar a complexa tarefa de aprender uma nova língua. E, de

fato, alunos e professora do 8.º Ano A dedicaram-se às comparações entre uma

língua e outra.

A semelhança estrutural com o português fomentava nos alunos a crença de

que o espanhol seria mais facilmente aprendido do que o inglês. Assim,

supostamente, quanto mais aspectos semelhantes com a língua materna do

18

Jogo eletrônico produzido pela Capcom. Resident Evil e Capcom são marcas registradas.

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aprendiz, mais fácil seria a aprendizagem da nova língua. É dessa maneira que

Roberta e Vagner se manifestaram.

EXCERTO 8 (Vinheta de observação) Na aula do dia 18 de março de 2011, após a entrega dos livros didáticos aos estudantes, Susi baseia-se na atividade contida na página 09 para iniciar um diálogo com os alunos, em português. Ela questiona em qual disciplina escolar os alunos são bons. Todos querem falar, e a maioria aponta que não é bom em inglês. Leonardo: Depende muito da professora. É que tem professora que é chata. Maria Luísa: A professora mais legal é a de Geografia. E a senhora, professora! Susi: Tá, mas vamos fazer a atividade! Maria Luísa: Eu só tô elogiando sua aula, p*! Os alunos seguem falando entre si coisas do tipo: “Porque inglês é outra língua, é difícil”. Afonso: Ah, mas pra professora não é difícil, ela é da Argentina. Susi ouve e retruca: Eu só aprendi a falar português com 12 anos. Eu sei que é difícil. A língua portuguesa é difícil. Vagner: Professora, mas a senhora é da Argentina. O da Argentina com o português é parecido. Susi: É parecido, mas não é igual. Português é difícil. Roberta: É mais fácil a senhora falar português do que a gente aprender inglês, não é? Eu acho mais fácil! A maioria dos alunos concordou com Roberta. (Anotações de campo, 18/03/2011)

Apesar das aproximações entre português e espanhol, com Susi o caso foi

diferente. Ela não possuía referências do português até se mudar para o Brasil, aos

12 anos de idade. Nessa convivência cotidiana com o idioma, viu-se obrigada a

aprender a língua, independentemente de gostar ou não dela.

EXCERTO 9 (Entrevista) Susi: Bom, eu... pra mim, a língua mais difícil de aprender foi Português (risos). Verônica: Você aprendeu Português com quantos anos? S: Com doze anos. V: Doze anos? P: É. V: Já morando aqui no Brasil? P: É. Foi no contato com a língua, né? Porque eu não conhecia, não tinha contato nenhum com a língua até os doze anos, então aí que eu comecei... Então, a minha dificuldade, assim, como eu não conhecia nada da língua, né, eu... tive muita dificuldade. (Susi, entrevista, 05/08/2011)

Já em relação ao inglês, a aprendizagem mostrou-se prazerosa, associada às

origens de sua família. Falante nativa do espanhol, Susi era descendente de

ingleses e, dessa maneira, teve contato com a língua desde criança.

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EXCERTO 10 (Entrevista) Verônica: (...) a senhora pode contar um pouquinho da sua história... Susi: Com a língua inglesa? V: Com a língua inglesa. P: De quando eu era criança? Pode ser? V: É. De quando aprendeu... P: Ah, então. A minha ligação com a língua inglesa, a minha história, começou desde criança, porque meu... avô, e toda a família dele, são descendentes de... ingleses, são descendentes, não – são ingleses. Não são descendentes – eles nasceram lá. E... e meu avô nasceu no Canadá, por um trajeto, um... né, os pais dele estavam morando lá na época. Mas eles são ingleses. Então, desde sempre é... eu tive contato com a língua inglesa, e eu... sempre gostei, porque é a parte da minha convivência, né? Então, é... quando... quando eu escolhi fazer o curso de Letras, eu fiz pra Inglês porque eu sempre gostei de Língua Inglesa, eu achei que tinha tudo a ver comigo. Eu sempre gostei de Língua Inglesa, sempre procurei tudo... procurei saber tudo sobre Língua Inglesa, e eu gosto... sempre gostei de estudar... procurar coisas – músicas, livros... sempre gostei. (Susi, entrevista, 05/08/2011)

No caso daqueles estudantes de espanhol, em parte, atribuo a crença de que

há línguas mais fáceis do que outras à falta de suporte na nova disciplina. Sem

acompanhamento adequado, esses alunos iniciaram seus estudos de inglês como

se já dominassem estruturas e vocabulários básicos quando, de fato, sequer tinham

ouvido falar em verbo to be. Essa situação foi vivenciada por Ronaldo, como expõe

o excerto 12.

EXCERTO 11 (Entrevista) Verônica: E o que que você tem achado da... da professora? Pode ser da antiga, né? Ronaldo: da antiga? V: da Susi. R. Ela tenta ensinar, ela passa bastante atividade, mas é difícil aprender. Que eu passei basicamente dois anos estudando espanhol, daí caí no inglês, inglês é totalmente diferente... Então, difícil aprender. (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011) (Obs.: No momento da entrevista, Andréa já havia assumido o 8.º Ano A no lugar de Susi)

Muitos alunos que constituíram o 8.º Ano A da Escola Central em 2011 não

iniciaram o Ensino Fundamental nessa unidade. Entre eles, cito Maria Luísa, Helô,

Tatiana, Ronaldo, Kaio, Adriana e Rose. Helô e Maria Luísa possuíam bom nível no

idioma, enquanto Rose e Kaio enfrentavam dificuldades. Este voltava a estudar

depois de um período fora da escola, por motivo de emprego.

Ronaldo, Adriana e Tatiana, diferentemente, eram oriundos de unidades em

que o espanhol ocupava o lugar de língua estrangeira moderna, ou seja, não haviam

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estudado Inglês antes. Por terem se transferido para a Escola Central no decorrer do

Ensino Fundamental, acabaram numa espécie de “limbo”, sem concluir os estudos

do espanhol e sem conseguir acompanhar as aulas de inglês que, seguindo o livro

didático, estava sendo considerado avançado até mesmo para o nível dos que já

estudavam na escola. Adriana e Tatiana apresentavam muitas dificuldades, mas

tentavam acompanhar a turma. Ronaldo, contrariamente, encontrava-se

desmotivado.

EXCERTO 12 (Entrevista) Verônica: Onde você estudava? Ronaldo: Na escola em Várzea Grande. V: Ahã. R: Aí eu mudei de escola, vim aqui pra Cuiabá e tô estudando inglês agora. Mas antes eu estudava espanhol. V: Espanhol? E você vê alguma diferença entre as duas, você prefere alguma... R: Bastante. Espanhol é mais fácil de aprender. V: Espanhol é mais fácil? Por que você acha mais fácil? R: Porque você entende mais. É meio como o português. O inglês, não. O inglês é totalmente diferente. (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011)

Embora o Projeto Político-Pedagógico dos anos 2009 e 2010 da Escola

Central tenha previsto uma adaptação àqueles que não tenham cursado alguma das

disciplinas oferecidas pela unidade escolar, oficialmente não houve suporte para

sanar esse desnível. Os estudantes tampouco se manifestaram à coordenação

pedagógica solicitando aulas de adaptação.

Extraoficialmente, durante conversa informal não gravada, Susi me informou

tê-las oferecido aos estudantes provenientes de outras instituições, fora da jornada

escolar, mas nenhum deles se interessou pelo auxílio.

Cabe destacar que a adaptação prevista no PPP deve ocorrer sem prejuízo

da grade curricular/carga horária na nova turma, referindo-se à execução de

trabalhos sob orientação do professor e acompanhamento de especialistas em

assuntos educacionais e da direção. Tem por finalidade fazer com que o estudante

alcance os conteúdos que lhe permitam acompanhar o novo currículo ao qual está

submetido.

Para um aluno que inicia as aulas de inglês no 8.º Ano sem conhecimentos

básicos iniciais no idioma, sem suporte pedagógico de adaptação e com um livro

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didático totalmente escrito na língua-alvo, torna-se árdua e desmotivadora a tarefa

de aprender inglês.

EXCERTO 13 (Vinheta de observação) Na aula do dia 27/05/2011, os alunos estão estudando o verbo would. Susi, após corrigir a tarefa, passa uma atividade para ser resolvida no quadro, com a colaboração de todos. A atividade consiste em reorganizar um diálogo cujas palavras estão isoladas em pedaços de papel. A professora pede voluntários. Jairo e Wender se oferecem para participar. Aos poucos, alunos como Edna, Lidiane, Tatiana, Edson e Luan se juntam à dupla para concluir a atividade. Susi pede a participação dos demais. Chama Danilo, que primeiro questiona se seria obrigatório participar. A professora informa que não, mas diz que ficaria feliz se ele participasse. Danilo aceita ajudar também. Susi então se dirige a Ronaldo, pedindo para participar da atividade com os colegas. Este lhe responde: “Não dá jeito, não, professora. Não aprendi nem o abecedário (da língua inglesa)!” (Ronaldo, anotações de campo, 27/05/2011)

Há um lapso entre os conhecimentos exigidos na série e os conhecimentos

possuídos pelos alunos nessa situação, tanto no que se refere a estruturas

gramaticais quanto a vocabulário. Por exemplo, o conteúdo inicial do 8.º Ano A,

acompanhando a sequência do livro didático, foi constituído pelo modo imperativo

(afirmativo e negativo), preposições e vocabulário relacionado a locais e direções.

No entanto, os alunos novatos não conheciam estruturas e conteúdos simples, como

o simple present (afirmativo e negativo) e numbers, além de conhecer poucos

vocábulos no idioma (palavras como hot dog, milk shake, coffee, game, ou seja,

geralmente associadas ao mercado de consumo e à cultura pop).

Diante desse quadro, é preciso repensar a forma como se propõe a

adaptação de um aluno à grade curricular da escola.

4.1.3 “(...) você não consegue ler a pergunta porque ela tá em inglês! Aí, pra você

responder, não tem como.” (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011)

A dificuldade com o idioma relatada na seção anterior foi acentuada com a

adoção do livro didático Keep in Mind 8.º Ano. Todo em inglês – à exceção das

seções Food for thought, em português –, o livro e suas propostas nem sempre

eram interpretados adequadamente pelos alunos, inclusive os que já estudavam

inglês desde o início do Ensino Fundamental.

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EXCERTO 14 (Entrevista) Verônica: O que que você tem achado do livro de inglês? Afonso: Ah, o livro é uma... uma base de estudo, pra que fortaleça o estudo do aluno. Isso é bem gratificante, mas a forma como o... como o Ronaldo falou agora há pouco, que as perguntas são em inglês, fica mais difícil de entender. (Afonso, entrevista, 02/09/2011)

Ademais, o fato de o livro ser todo em inglês causou decepção em alguns

alunos. Ao entrevistar Isadora, esta se fez acompanhar de Lidiane, uma de suas

companhias mais constantes nas aulas. Durante um questionamento sobre o

material, Lidiane, que optou por não ser entrevistada quando a procurei, interrompeu

a fala da colega para manifestar-se contra o livro didático, pois sabia que sua

opinião estava sendo gravada.

EXCERTO 15 (Entrevista) Verônica: É? E sobre o livro didático, o que você está achando do livro de inglês? (Lidiane interrompe: Era melhor não ter!) Isadora: Do livro, eu não entendo nada. (Risos) (Lidiane interrompe novamente: É todo em inglês, né?) Isadora: Do livro, eu não entendo nada. (Entrevista, 22/07/2011)

Susi também demonstrou preocupação com o fato de que o nível do livro

estava além do conhecimento da turma. Inicialmente, a professora comemorou o

oferecimento desse recurso. Posteriormente, porém, concordou com os alunos

sobre a dificuldade em acompanhar um material todo em inglês.

Susi justificou a opção pelo Keep in Mind alegando que apenas duas coleções

de livros de inglês foram disponibilizadas pelo MEC no Programa Nacional do Livro

Didático (PNLD). A outra coleção, cujo nome não me informou, continha textos muito

longos, totalmente em inglês, sendo descartada porque estava ainda mais além do

nível dos alunos. O Keep in Mind, por sua vez, continha atividades gramaticais e os

textos eram mais raros e mais curtos, geralmente sob a forma de diálogo, e seguia a

abordagem comunicativa sugerida no PPP.

Entretanto, apesar de o livro estar adequado ao projeto político-pedagógico

da escola, não se demonstrou apropriado às práticas de ensinar e aprender dentro

daquele contexto, pelo que pude acompanhar no decorrer desta pesquisa.

Os alunos se mostravam mais à vontade com métodos tradicionais, baseados

na gramática normativa e na memorização. Não trabalhavam muito a oralidade e o

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listening, subutilizando o recurso do CD. Além disso, sequer estavam acostumados

ao uso de livro didático de língua estrangeira. Em suma, gostaram da novidade,

entretanto, não estavam preparados para usá-la da forma como foi proposta.

Após a entrega, Susi apresentou o livro aos alunos, ensinando-os a usar os

recursos disponíveis. Mostrou que havia um vocabulário na pág. 166, um resumo

gramatical na pág. 174, uma lista de verbos irregulares na pág. 179 e que, ao fim de

cada unidade, havia uma revisão do conteúdo. Também falou sobre o CD, cujo

conteúdo estava listado na pág. 208. A professora fez questão de destacar o recurso

do CD, que os alunos deveriam ouvir e repetir.

Apesar disso, durante as aulas, os alunos pouco recorriam aos recursos do

livro, possivelmente pela dificuldade em identificar o que cada parte continha.

Acabavam recorrendo a Susi sem antes consultar o vocabulário disponibilizado no

próprio livro.

Somado a isso, o livro não proporcionou algumas mudanças esperadas pelos

participantes. Susi e os alunos esperavam não despender muito tempo copiando

atividades do quadro, no que o livro seria de grande valia. Todavia, o que prevaleceu

foi justamente a prática de transcrever atividades de um suporte para outro, devido à

insuficiência quantitativa do material. A cópia era geralmente feita de forma

mecânica, uma vez que os alunos não conseguiam entender plenamente o

enunciado das questões.

Diferentemente do que foi proposto pelo Ministério da Educação (MEC), na

Escola Central o exemplar do aluno deveria ser devolvido ao término do ano letivo,

motivo pelo qual Susi não permitia que utilizassem o livro didático como uma edição

consumível. Segundo a professora, isso era necessário porque o livro seria usado

pelo menos por mais duas turmas (dois anos letivos).

De acordo com Emiliana, a coordenadora pedagógica, essa atitude tornou-se

necessária em função da quantidade insuficiente de exemplares enviados à Escola

Central. A política do MEC, ainda segundo a coordenadora, era dividir os

exemplares do Ensino Fundamental entre os idiomas espanhol e inglês. Como a

escola não oferecia a língua espanhola, recebeu apenas a parte que cabia ao inglês.

Em função dessa limitação, alunos que vieram transferidos no decorrer de 2011 não

conseguiram exemplares – foi o que houve com Kaio, Helô e Rose, por exemplo.

Esses alunos precisavam pedir o livro emprestado ou sentar-se junto a algum

colega.

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EXCERTO 16 (Entrevista) Verônica: Sobre o livro didático. Você parece que me disse que não, não veio em número suficiente? Emiliana: É. O MEC colocou o material disponível para língua estrangeira, ele dividiu, né, em espanhol e língua inglesa. E nós não temos espanhol no ensino fundamental – só temos a língua inglesa. Então, o livro não foi suficiente. Então, os professores estão trabalhando de forma a trabalhar com grupos, né, quando tiver trabalhando com os alunos em sala. (Emiliana, entrevista, 22/07/2011)

Susi previa que essa dificuldade dos alunos com o material continuaria na

série seguinte, uma vez que seus alunos do 9.º Ano também não estavam

conseguindo acompanhar o livro a eles destinado, integrante da mesma coleção.

EXCERTO 17 (Vinheta de observação) Na aula do dia 06/05/2011, o 8.º Ano A estava estudando o uso de there is/there are. Susi explicou a diferença no quadro, mostrando que there is era usado com singular e there are era usado com plural. Mostrou as formas negativas e interrogativas de ambas. Na hora de fazer atividades, percebeu que os alunos estavam com dificuldade em identificar singular e plural. Cansada de ter que repetir a explicação, Susi veio até mim. Conversando com ela, perguntei-lhe sobre o livro didático, uma vez que percebi que os alunos não estavam usando as explicações do livro para tentar sanar suas dúvidas. Susi pensou um pouco e me respondeu: “Por enquanto, está fácil... Mas depois, lá pra frente, não sei, não. Tem texto... Aí, ó (mostra o livro)... Até aqui eu não acho que esteja difícil pro nível deles. Na unidade seguinte, vem mais vocabulário. Se bem que, comida... Tem outras estruturas. Aqui tem would... (breve silêncio) Não sei se eles vão dar conta. É, eles estão com dificuldade. Continuou a explicar a matéria aos grupos/duplas. Percebendo a dificuldade dos alunos, culpou a falta de atenção deles durante sua explicação no quadro. Depois de ter explicado a todos, aproximou-se de mim e comentou: “No 9º ano – eu tô falando porque eu dô aula lá – eles estão tendo muita dificuldade. É o próximo livro dessa coleção, e eles estão vendo que o bicho vai pegar”. (Susi, anotações de campo, 06/05/2011)

O livro didático, portanto, não proporcionou mudanças significativas de

práticas da professora e dos alunos. A quantidade insuficiente fez com que a

professora continuasse a passar os conteúdos no quadro e os alunos, de forma

semelhante, se mantivessem a copiar mecanicamente as atividades no caderno com

a finalidade de serem respondidas.

O fato de o livro ser todo em inglês dificultou o entendimento dos conteúdos.

As atividades constantemente precisavam ser explicadas diversas vezes pela

professora. Os alunos, por não entender o enunciado dos exercícios ou por não

saber como respondê-los, engajavam-se em conversas com colegas ou

simplesmente desistiam de fazer os exercícios.

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O CD contido no livro, por outro lado, apesar de constituir um recurso louvável

para as práticas de listening, não pôde ser adequadamente utilizado devido à

insuficiência de equipamentos e às atitudes da turma durante as aulas.

Diante desse panorama, acredito que o oferecimento de livros didáticos de

língua estrangeira precisa considerar mais as especificidades das salas de aula

beneficiadas. Seria interessante que o PNLD checasse quais coleções de livros têm

sido mais usadas pelos professores de língua estrangeira, para que o livro gratuito

não seja tratado apenas como um enfeite.

A abordagem do livro, mais do que estar adequada às recentes teorias da

área de ensino e aprendizagem de línguas, não pode estar completamente

dissociada do cotidiano de professora e alunos. É indispensável que os professores

e estudantes estejam preparados para ensinar e aprender tendo o livro como

recurso adicional, mas não único, sob pena de o aprendizado não se realizar.

4.1.4 “No futuro, eu vou precisar, porque vai sempre abrir as portas.” (Helô,

entrevista, 29/07/2011)

Falar inglês é visto pelos alunos do 8.º Ano A como um fator favorável à

obtenção de melhores empregos e de interação com estrangeiros, principalmente

em função da Copa do Mundo de 2014. Saber se comunicar em inglês tem sido

apontado pelos meios de comunicação cuiabanos como uma necessidade para

quem pretende aproveitar as oportunidades que serão trazidas pela Copa do Mundo,

mesmo para quem não aprecia o idioma.

EXCERTO 18 (Entrevista) Ele é um… uma matéria, assim, que eu me interesso bastante, porque é uma matéria que, no futuro, eu vou precisar, porque vai abrir as portas e...eu... se eu tiver essa vantagem – porque pra mim é uma vantagem aprender inglês – se, no futuro, eu tiver essa vantagem no meu currículo, com certeza vai ser mais fácil até de eu conseguir um emprego de... uma qualidade mais alta. (Helô, entrevista, 29/07/2011) EXCERTO 19 (Entrevista) Verônica: No que que ele (o inglês) poderia fazer diferença, assim, que você acha?

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Roberta: Ih, vixe19

! Alguns... Tem muitos empregos que pede pra falar outra língua... Se você for pra fora, você não sabe falar, e aí, né? Ah, eu acho importante! (Roberta, entrevista, 22/07/2011)

Convém destacar que, no excerto 20, Jairo demonstra uma preocupação

qualitativa: a expectativa do estudante não diz respeito a conseguir emprego, mas,

diferentemente, relaciona-se com conseguir melhores oportunidades no mercado de

trabalho por saber inglês.

Apesar de serem todos legalmente menores de idade (possuem menos de 18

anos; os alunos mais velhos têm 15 anos), a preocupação com o mundo do trabalho

está próxima da realidade dos estudantes.

EXCERTO 20 (Entrevista) Verônica: E o que você acha do inglês? Você gosta, não gosta... Jairo: É, eu gosto porque, tipo... É... mais chances de você aprender um emprego que tá vindo pra Copa, também. Aí minha mãe procurou me... me botar em vários cursos pra aprender cada vez mais. (Jairo, entrevista, 05/08/2011)

Alguns deles, inclusive, já vêm sendo preparados pelos pais para começar a

trabalhar. Informalmente (sem registro formal em carteira de trabalho), outros já

trabalham. Em função disso, apontam algumas dificuldades em acompanhar as

aulas.

Em conversa informal, Helô, por exemplo, lamentou a nota baixa em

matemática, pois não pôde estudar porque esteve ajudando os pais na venda de

produtos em uma feira que ocorre aos fins de semana. Wender, que trabalha

durante a semana inteira, incomodava-se em levar problemas do serviço para a sala

de aula, o que atrapalhava sua concentração e, consequentemente, seu

desempenho na escola.

EXCERTO 21 (Entrevista) Verônica: Você trabalha... Isso afeta de alguma forma? Wender: Olha, afeta um pouco, por causa que... quando eu tô na aula, tem hora que eu foco na aula e tem hora que eu foco no serviço. Por causa que... eu não tô conseguindo juntar meu... eu tô misturando as coisas tudinho, mesmo tempo. Por causa que, na escola, eu tô estudando, a professora tá explicando, eu tô lembrando de outra coisa lá do serviço que tem de fazer, aí, nisso, eu não consigo prestar muita atenção na aula. É nisso que acaba me afetando. (Wender, entrevista, 15/07/2011)

19

Expressão regional que indica espanto, surpresa.

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A excessiva preocupação com o mercado do trabalho permite interpretar que,

para muitos dos estudantes do 8.º Ano A, as expectativas de continuar estudando

iam se esvanecendo com o avanço nos estudos. Talvez uma minoria chegue, de

fato, a concluir um curso de graduação.

Longaray (2009), aludindo a Norton (2001 apud LONGARAY, 2009) e Norton

Peirce (1995 apud LONGARAY, 2009), atribui a expectativa sobre o que o inglês

pode proporcionar ao investimento feito pelo aprendiz. Quando investe em uma

língua, o aprendiz, de fato, investe em sua própria identidade mutável, o que, por

sua vez, se refere à forma com a qual se relaciona com o mundo social e com seus

desejos de reconhecimento e segurança. Entretanto, os problemas surgem quando

o contexto do aprendiz mostra-se distante do mundo em que realmente faz diferença

saber um novo idioma. Acredito que, para esses estudantes, se a língua-alvo não for

capaz de proporcionar um retorno sob a forma de acesso a recursos antes

indisponíveis, não há justificativa para continuar o investimento no idioma.

Em resumo, no Tema 1, predominaram crenças que julgo estarem inseridas

no discurso de que a escola pública não funciona. Explano brevemente a seguir.

A crença 1 (seção 4.1.1) aponta o inglês oferecido nessas instituições como

uma disciplina estanque, cujo conteúdo não acompanha a mudança de série/ciclo do

estudante. Logo, se não acompanha a turma, tem sua eficiência questionada.

A crença na existência de línguas mais fáceis de aprender do que outras

salienta outro aspecto problemático: a falta de suporte para estudantes advindos de

unidades escolares adeptas do ensino de outro idioma. Apesar da previsão nos

PCN, a realidade é outra.

Além disso, o livro oferecido no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

constituiu o discurso do fracasso da escola pública ao ser apontado como um

recurso praticamente fictício, uma vez que, apesar da gratuidade, não se mostrou

adequado ao nível da turma e tampouco pôde ser usado como edição consumível.

A última crença do tema, por outro lado, expõe que, apesar de todos os

percalços, os estudantes acreditam que o conhecimento da língua inglesa pode lhes

proporcionar melhores oportunidades de emprego. Esta crença demonstra que,

embora o inglês na escola pública seja alvo de constantes críticas, os alunos sempre

aprendem algo.

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O Tema 2, abordado a seguir, foca seu olhar para as inter-relações

estabelecidas entre professora e alunos na experiência cotidiana de aprender e

ensinar inglês.

4.2 TEMA 2 – Relações de ensino e aprendizagem no 8.º Ano A

Nesta seção, apresento as crenças diretamente relacionadas à sala de aula

do 8.º Ano A, especificamente envolvendo a relação estabelecida entre professora e

alunos no processo de ensinar e aprender uma nova língua, revelando momentos de

consonâncias e dissonâncias no que se refere às crenças manifestadas dentro do

contexto pesquisado. Foram identificadas três crenças, listadas abaixo e, a seguir,

detalhadas:

1. “Treinando a... a escrita, fazendo bastante exercício, eles... eles fixam

mais.” (Susi, entrevista, 05/08/2011)

2. “A professora repete pra gente aprender melhor.” (Jairo, entrevista,

05/08/2011)

3. “A professora não consegue tomar conta da sala sozinha.” (Maria Luísa,

entrevista, 29/07/2011)

4.2.1. “Treinando a... a escrita, fazendo bastante exercício, eles... eles fixam mais”

(Susi, entrevista, 05/08/2011)

Durante o ano letivo de 2011, Susi privilegiou atividades escritas, baseando-

se, principalmente naquelas oferecidas pelo livro didático Keep in Mind 8.º Ano. A

justificativa da professora era a de que, ao escrever, o aluno concentrava sua

atenção no que copiava, reforçando sua capacidade de fixação de conteúdos.

Atividades escritas, segundo Susi, transmitiam a sensação de segurança aos

aprendizes porque permitiam manter algum registro no caderno, comprovando que

frequentavam as aulas e possibilitando consultar o conteúdo, caso fosse necessário.

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EXCERTO 22 (Entrevista) V. É... tem algum tipo de atividade que a senhora acha que é mais interessante de passar pra eles, na situação da sala de aula, dessa turma, dessa quantidade de alunos... é... com esse... com essa conversa... tem algum tipo de atividade que a senhora acha que surtiria mais efeito, que eles gostam mais... P. Eles gostam de brincadeiras, né? Eles gostam de... de jogos, brincadeiras... aquela vez que eu fiz nos papeizinhos, no quadro... Não são todos, mas a maioria gosta. Eu acho que eles gostam mais desse tipo de atividade, e também de escrever, porque eles se sentem mais seguros, eu acho, escrevendo e fazendo atividade. V. Pra senhora: tem algum tipo de atividade que a senhora percebe que eles aprendem mais, parece que eles guardam mais, retêm mais conteúdo, tem algum tipo de atividade... P. Eu acho que treinando a... a escrita, fazendo bastante exercício, eles... eles fixam mais... Eu acho... Pra eles, pra essa turma aqui. (Susi, entrevista, 05/08/2011)

A cópia das atividades do livro para o caderno enfatizou a habilidade escrita,

que a professora acreditava ser benéfica ao aprendizado do aluno. A ideia de que tal

habilidade transmite mais seriedade no ensino é evocada pela professora como uma

crença dos alunos. Segundo Susi, se não é escrita, os alunos não a consideram

como uma verdadeira atividade.

EXCERTO 23 (Vinheta de observação) Na aula do dia 29/04/2011, durante uma avaliação complementar escrita para melhorar a nota dos alunos, Susi percebe que a turma está mais silenciosa. Após comentar que iria aplicar atividades escritas em outra turma para tentar obter silêncio, Susi comenta comigo que crê que os exercícios escritos ajudem o aluno na “fixação” do conteúdo: “Eu acho que eles fixam mais. É que eles vão, buscam as palavras, olham no livro. Mas eu passo outro tipo de atividade. Tem que passar. É que eu sigo o livro. Mas parece que nas atividades orais eles ficam mais dispersos, não conseguem fixar. Eles levam na brincadeira, parece que não é de verdade, porque não vão ter nada escrito.” Em outro momento da mesma aula, ela comenta que já havia tentado trazer atividades “diferentes”, mas que o resultado não foi bom: “A gente tenta, quer trazer coisa diferente, mas eles levam na brincadeira, fazem bagunça.” (Susi, anotações de campo, 29/04/2011)

Por outro lado, as atividades escritas são usadas por Susi como uma forma

de controle sobre a atitude dos estudantes em sala. Desde as aulas acompanhadas

no ano de 2010, a professora recorria a exercícios de escrita quando percebia que

os alunos estavam muito agitados, movimentavam-se muito pela sala ou

conversavam excessivamente. Justificava o pouco uso de dinâmicas como forma de

proporcionar aprendizado mais significativo aos alunos, uma vez que aulas com foco

na oralidade ou com uso de jogos e recursos audiovisuais seriam um convite à

dispersão, de acordo com sua experiência na Escola Central.

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EXCERTO 24 (Vinheta de observação) A aula do dia 07/12 foi a última do ano letivo de 2010. A turma em questão era o 7.º Ano A. Nesse dia, Susi comentou comigo a reação da turma diante da atividade da aula passada, um game entre meninos e meninas. O jogo baseava-se no conhecimento vocabular dos alunos. Alternadamente, a professora questionava os grupos sobre a forma ou o significado de determinadas palavras – por exemplo, como dizer leão em inglês ou o que significava cat. O foco foi o vocabulário relacionado a animais – conteúdo que os alunos haviam estudado recentemente. A animação da turma diante do game foi geral. A respeito disso, Susi fez o seguinte comentário: “Aprender, eles aprendem falando. Atividade tipo música – música eles gostam. Aquele dia que eu fiz o jogo, eles gostaram. Só é difícil de domar eles. Eu acho que eles gostam de falar, só que, fixar conteúdo, aprender mesmo, eu acho que é mais na escrita mesmo.” (Susi, anotações de campo, 07/12/2010)

As atividades escritas serviam como controle porque, à sua conclusão,

deveriam ser apresentadas ou entregues a Susi, com finalidade avaliativa (valendo

nota ou apenas para ser vistada), além de ocupar o tempo dos alunos.

Concentrados nas atividades, os estudantes dedicavam menos tempo às conversas

com os colegas.

EXCERTO 25 (Vinheta de observação) No dia 29/04/2011, Susi preparou uma avaliação complementar para ajudar os alunos na recuperação das notas obtidas na prova feita durante a aula anterior. A avaliação consistia em quatro atividades contidas no livro didático, valendo cinco pontos. Tais atividades deveriam ser respondidas individualmente e entregues à professora. Buscando recuperar as notas, os alunos dedicaram-se às atividades. Nesse dia, a aula foi significativamente mais silenciosa, motivando o seguinte comentário da professora, dirigido a mim: “Eles estão quietinhos, né? Milagre. Se eu tivesse descoberto isso antes... Vou fazer com a outra turma também”. (Susi, anotações de campo, 29/04/2011)

A finalidade avaliativa das atividades escritas era vista como um incentivo aos

alunos, o que, em minha opinião, demonstrava que os participantes (man)tinham

como parâmetro a escola tradicional. Não se pode negar que, em uma sala de aula,

professores e alunos construam relações e poder assimétricas, com predominância

dos primeiros. É nesse sentido que receber o visto da professora significava aos

alunos sair-se bem nas aulas, como mostra a seguinte situação:

EXCERTO 26 (Vinheta de observação) Na aula do dia 15 de julho de 2011, Susi pediu aos alunos que lessem e traduzissem o diálogo da página 44 do livro. Ronaldo não fez a atividade, mas, percebendo que a professora irá vistar (dar visto) no caderno, pede para “colar” (copiar) a atividade de Helô, que se faz de desentendida: Helô: Tem cola quente, cola fria... Ronaldo: Eu quero é copiar!

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Helô não cede ao pedido do colega. Ronaldo comenta (para mim): Consegui três pontos de História, só na cola! Colei de um nerd (aponta para Luan, colega de sala). Saulo, amigo de Ronaldo, pede ajuda a Helô e esta senta ao seu lado. Depois de algumas tentativas e já cansado, vai até a carteira de Helô, pega o caderno desta e se senta para copiar as respostas. Helô toma o caderno de volta, mas decide continuar a ajudá-lo. Ronaldo, assistindo a tudo, comenta comigo: Eu tô até melhorando... Aqui, ó, meu caderno (mostra o caderno). De Português, tenho dois vistos. De matemática, meu primeiro visto do ano! A gente vai tentando melhorar, né? Tudo colando. Se não dá de um jeito, a gente tenta de outro, né, e vai melhorando. Eu tô melhorando. (Anotações de campo, 15/07/2011)

A cópia com finalidade de acúmulo de conteúdo, somada a atividades

repetitivas e memorização, está apropriada ao conceito de aprendizagem como

fixação/armazenamento de conteúdo e à prática do método audiolingual. Houve

momentos em que Susi solicitou a memorização de estruturas e conteúdos, como no

trecho a seguir.

EXCERTO 27 (Vinheta de observação) Na aula do dia 18 de março de 2011, é feita a entrega do livro didático. Todos o folheiam, mas a maioria logo deixa o material de lado devido a um detalhe: o livro é inteiramente em inglês. Uns poucos, como João Carlos, detêm-se no Hino Nacional, na quarta capa do livro – a única parte que percebem estar em português. A professora passa a explicar como usar o livro, as partes que o compõem e recursos como vocabulário e CD de áudio. Paula se preocupa e questiona a professora se eles precisam traduzir todos os diálogos do CD. Susi esclarece: “Não é para traduzir. É para repetir o que está ouvindo”. Em outro momento da mesma aula, Susi passa uma lista de palavras no quadro, relacionada a locais. Trata-se do conteúdo abordado na primeira unidade do livro didático. A professora solicita aos alunos que copiem tal lista e escrevam, ao lado de cada palavra, sua tradução. Antevendo reclamação dos alunos, Susi se antecipa e avisa: “Vou colocar aqui, vocês procuram o que é e colocam aqui. Quando eu perguntar, vocês vão ter que saber. Esse vocabulário todos vocês têm que fazer, têm que decorar o diálogo. Esse ano eu vou fazer prova oral. Vai ter prova oral, vai valer 5 pontos. E vai ter prova de listening”. (Anotações de campo, 18/03/2011).

A ênfase em atividades escritas, repetitivas e individuais, porém, contraria o

conceito de aprendizagem manifestado por Susi em entrevista, mais condizente com

a abordagem comunicativa. A professora relacionou aprendizagem a troca,

interação. A aprendizagem não poderia ser dissociada do ensino, configurando uma

situação mutuamente benéfica aos envolvidos. Os alunos aprendiam com a

professora e esta aprendia com seus alunos. E, nem sempre, o conteúdo aprendido

estava entre os objetivos apresentados pelo professor, aspecto já apontado por

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Dewey (1936) como “aprendizagens paralelas” – a pessoa não aprende somente ou

especificamente o que está estudando naquele momento. Ainda que os objetivos

para a aula sejam determinados tópicos gramaticais, a apresentação de um diálogo

pode indicar, por exemplo, algumas regras implícitas de conduta social dentro

daquela cultura de língua inglesa, e serão aprendidas pelos alunos.

EXCERTO 28 (Entrevista) V. O que eu queria perguntar é: o que a senhora entende por aprendizagem? (silêncio) P. Aprendizagem? Mas como assim, o que que você quer saber? V. É... digamos assim: qual seria o seu conceito de aprendizagem? (silêncio) P. eu acho que aprendizagem é... (silêncio) Tem um pouco a ver com a nossa vivência também, né, e no dia a dia. Eu acho que não é só... é... tipo assim, conteúdo que a gente... Eu tô falando em termos, né, os alunos daqui... não é só chegar e jogar conteúdo, é, é, é uma troca, né? É um aprendizado, eu acho, que dos dois lados, porque, assim como eles aprendem comigo, ou com qualquer professor, eles... a gente também aprende com eles. Então, eu acho que é isso: é uma troca, e é a vivência, é mais ou menos por aí que eu penso mesmo. (Susi, entrevista, 05/08/2011)

Ao considerar a aprendizagem um processo mútuo, Susi retira os estudantes

da posição de passividade, ou seja, deixa de considerá-los meros receptores de

conhecimento. O conceito de aprendizagem como interação evoca a abordagem

comunicativa, que coloca o aluno como centro do processo de ensino-aprendizagem

e envolve a atribuição de significados. A aprendizagem, assim, fica estritamente

relacionada a um contexto de ação.

Em relação a esta crença, foi possível perceber que, para Susi, a ênfase em

atividades escritas proporcionava respostas adequadas a duas situações: a

indisciplina da turma e a crença dos alunos, segundo a professora, de que só

atividades escritas seriam “de verdade”. Apesar de ser contraditória à sua

concepção de aprendizagem, voltada para a abordagem comunicativa, as atividades

escritas proporcionavam à professora a sensação de poder sobre o 8.º Ano A – estar

com o controle da situação perpassava a concepção de Susi acerca do que seria um

bom professor.

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4.2.2 “A professora repete pra gente aprender melhor.” (Jairo, entrevista,

05/08/2011)

Muitos estudantes do 8.º Ano A, como Jairo, Kely, Edna, Adriana, entre

outros, demonstraram a crença de que, para aprender inglês, é necessário repetir. A

repetição é uma prática que remete às técnicas do método audiolingual, com

finalidade de memorização do conteúdo ensinado. Pelo que se pode interpretar das

falas de Jairo, no excerto 37, a repetição funcionava para ele.

EXCERTO 29 (Entrevista) Verônica: E o que você tem achado das... das aulas? Daqui. Jairo: Bem, porque a professora dedica, aprende gente... repete, pra gente aprender melhor, isso é muito bom. V: É? E você acha que repetir ajuda? J: Ajuda. V: É? J: Porque, tipo, tem professor que num dedica, fala só uma vez e quer que a gente grave... daqui, não. A professora repete pra gente aprender melhor. (Jairo, entrevista, 05/08/2011)

Já no caso da aluna Kely, a repetição da estrutura gramatical na escrita

(cópia), feita de forma mecânica e sem o entendimento dos vocábulos usados, gerou

um resultado inesperado.

EXCERTO 30 (Vinheta de observação) Na aula do dia 29 de abril de 2011, Susi resolveu passar 4 atividades valendo ponto. Elas serviriam como uma espécie de recuperação às notas da prova, que foram abaixo do esperado. Kely sentou-se com Adriana para fazer os exercícios, pois estava com dificuldades. Um dos exercícios solicitava que se indicasse, abaixo das colunas food, public service e entertainment, os lugares contidos no mapa. Mais uma vez, o livro trazia um exemplo: na coluna food, incluía ice cream shop. Kely pediu ajuda a Susi, que lhe explicou tratar de uma atividade de vocabulário. Bastava Kely identificar as figuras e classificá-las. Explicou o exemplo do livro, dizendo que o mesmo apontava “there is one ice cream shop”. Se houvesse mais de um, era para usar o plural. A aluna afirmou ter entendido e Susi se afastou. Antes de levar à professora, Kely me trouxe o caderno para que eu conferisse se a resposta da atividade da página 31 estava correta. Kely respondeu da seguinte forma: Food There is one ice cream shop. There is one ice cream school. There is one ice cream cinema. Fui de volta à carteira dela dizer que ice cream significava “sorvete” (apontei para o desenho) – assim, ela não poderia indicar “ice cream school”. Kely

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apagou o exercício e, posteriormente, conseguiu concluir a atividade corretamente. (Anotações de campo, 29/04/2011)

Os exemplos acima permitem identificar que a repetição é um recurso útil e

até necessário para propiciar a aprendizagem. No entanto, ela não pode ser feita

indiscriminadamente. É preciso que tenha objetivos definidos e claros, para que não

se torne mecânica e acabe se dissociando dos conteúdos propostos para a turma.

Apesar dos exemplos acima, Susi fez pouco uso de recursos como a

repetição de palavras, pelo menos no que diz respeito à oralidade, durante as aulas

observadas. A justificativa era a indisciplina dos alunos, que dificultava o

acompanhamento do áudio do CD, e a acústica da sala. A dificuldade em atividades

de listening pôde ser observada na aula do dia 03/06/2011, cujo trecho é transcrito

abaixo.

EXCERTO 31 (Vinheta de observação/Transcrição de aula) Trata-se de uma aula em que Susi optou por focar a habilidade de listening usando a faixa 9 do CD que acompanhava o livro Keep in Mind. Após várias repetições do áudio, e com poucos alunos entendendo trechos do diálogo, Susi tenta continuar a atividade. Susi: Kely! Olha, então vocês entenderam? Vocês têm aqui um pedido... uma lista de pedidos, não tem? Sanduíche. Aí tem hambúrguer, hambúrguer with cheese... (os alunos conversam) Susi: Jairo! Então tá, tô passando agora! (Para mim): Eles não conseguem entender que, pra essa atividade, têm que fazer silêncio absoluto. Senão, não conseguem ouvir nem entender nada, que dirá entender inglês, né? Assim, de tá escutando, né? (para João Carlos): guarda isso aí e você joga depois. João Carlos: Então tá bom. Susi: Gente, olha só: pra fazer essa atividade, vocês têm que entender que precisa de silêncio ABSOLUTO! (ênfase) Porque eu vou colocar o CD e o diálogo é em inglês, pra marcar os números das pessoas, vocês têm que escutar. Como é que vocês vão ouvir se alguém estiver arrastando a carteira, ou se tiver conversando? Não tem como. (Transcrição de trecho da aula do dia 03/06/2011)

A atitude de Susi coaduna-se ao proposto no PPP 2010, que recomenda o

uso da abordagem comunicativa, com foco em comunicações básicas e adequadas

ao cotidiano do estudante. Entretanto, cabe destacar que a oralidade foi pouco

desenvolvida durante as situações observadas.

E o foco do nosso ensino é a abordagem comunicativa que enfatiza uma comunicação básica, porém, significativa, no cotidiano do aluno. (...) (PPP 2010, p. 66)

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Um recurso ao qual Susi constantemente recorria durante as aulas era o uso

de elementos não verbais como gestos e desenhos. Para não “dar” a tradução de

um vocábulo ao aluno, Susi usava gestos, como levar a mão à boca para indicar o

ato de comer, ou desenhos, como um carrinho de compras no quadro para associar

com “supermarket”.

EXCERTO 32 (Vinheta de observação) A aula do dia 08/07/2011 é a primeira após a greve. Susi tenta rememorar o vocabulário sobre food já estudado. Para isso, pergunta aos alunos, oralmente e em inglês, o que costumam comer no café da manhã (What do you usually eat for breakfast?). Diante do silêncio inicial deles, Susi explica: “ que que é eat?” (faz mímica, levando a mão à boca) “Comer!”. Após o entendimento da pergunta e diante da resposta deles, em português, Susi vai listando as palavras no quadro, em inglês. Depois de pronta a lista, pede aos alunos que a copiem e, ao lado de cada palavra, escrevam sua tradução. Ronaldo pergunta à professora o que significa uma palavra em inglês (não consegui saber qual). Ele afirma: “Eu já procurei, mas não tem no livro. Mas não tá em português (no livro)”. Susi responde: “Mas tem o desenho!” (Anotações de campo, 08/07/2011) EXCERTO 33 (Vinheta de observação) Durante a aula do dia 15/07/2011, Susi solicitou aos alunos que lessem e traduzissem o diálogo contido na página 50 do livro, para lhe entregar ao fim da aula. O texto relacionava-se a uma conversa entre atendente e clientes em um fast food. Após vistar o caderno daqueles que haviam concluído a atividade, Susi passou a conferir a tradução com a turma inteira. Antes de dar-lhes a tradução de determinada frase, Susi tentava, por meio de mímica, explicar o que significava. Dessa forma, veio até Ronaldo e disse uma frase do diálogo: “Here you are”. Ninguém arriscou a tradução. A professora então fingiu entregar o livro a Ronaldo e perguntou “ que é?” A turma entendeu o recado, arriscou significados como “Seu pedido”, “Toma”, e a professora confirmou: “Aqui está”. (Anotações de campo, 15/07/2011)

Não por acaso, durante uma das aulas observadas no 7.º Ano A, Júlio César

referiu-se à aula de Susi como aula de mímica. O comentário, que inicialmente

aparenta ser depreciativo, na realidade fez referência justamente ao uso de recursos

não verbais – no caso, a mímica –, por parte da professora. Esse aspecto passaria

despercebido nesta pesquisa se não fosse o comentário de Profa. Eladyr Maria

Norberto da Silva, minha orientadora de estágio de docência, na ocasião em que eu

apresentava à turma do 4.º Ano de Letras Português/Inglês uma pré-análise dos

dados. Profa. Eladyr comentou que a fala de Júlio César poderia se referir ao uso de

gestos para auxiliar a turma a compreender determinada palavra.

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EXCERTO 34 (Vinheta de observação) A aula de inglês da terça-feira 19/10/2011 era a primeira do dia. Porém, iniciou-se cerca de 10 minutos atrasada. Durante o atraso, os alunos ficaram no pátio, conversando ou, no caso de Júlio César, provocando os colegas para, depois, correr deles. Chegou à sala agitado e provocou a professora perguntando-lhe que aula era aquela. A professora ironizou: Aula de que que tem hoje? Júlio César: Aula de mímica. (Anotações de campo, 19/10/2010)

De fato, ao retomar minhas observações, acompanhando as ações de Susi,

confirmei que a professora, enquanto explicava o conteúdo, se apoiava muito em

gestos para explicar o significado de alguns vocábulos sem precisar “dar” a tradução

para o aluno. Situação semelhante ocorreu no dia 29/04/2011. Entre os objetivos da

aula estava o vocabulário relacionado a locais. Para explicar aos alunos o que

significava cada palavra, Susi recorreu ao desenho de ícones representativos no

quadro. Por exemplo, ao se referir a supermarket, desenhou a imagem de um

carrinho de supermercado; ao se referir a post office, desenhou uma carta; para

indicar church, desenhou uma igreja; para explicar o que era ice cream shop,

desenhou um sorvete. Tais palavras constavam da unidade que os alunos

estudavam, mas, para muitos deles, o significado era, até então, desconhecido.

Assim, além das quatro habilidades comumente desenvolvidas numa aula de

línguas (speaking, reading, listening e writing), Susi comumente trabalhava outra, à

qual me refiro como gesturing – o uso de gestos e da comunicação não-verbal, ou,

no dizer dos alunos, de “mímica”, para ensinar a língua aos alunos sem ter que

recorrer à língua materna ou à tradução. O uso do não verbal pode ser também

considerado uma habilidade de comunicação – nela, o significado, mais do que a

tradução, ganha prevalência.

A crença de que é preciso repetir para aprender melhor, mencionada e

praticada pelos estudantes do 8.º Ano A, pareceu estabelecer relações com

experiências anteriores de aprendizagem de línguas. Os alunos mencionaram a

repetição com algo necessário à aprendizagem, não enxergando nesse recurso algo

negativo.

Susi, por outro lado, fez pouco uso dessa prática, principalmente em relação à

oralidade, justificando-se pela indisciplina da turma, que atrapalhava atividades que

fugissem à escrita. Um recurso observado na prática da professora, mas não

mencionado pelos alunos, foi o uso de gestos para auxiliar no entendimento de

palavras e expressões na língua-alvo. Tal recurso coaduna-se à crença da

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professora em atividades comunicativas para proporcionar a aprendizagem, uma vez

que o gesto encaminhava o aluno a um entendimento da palavra/expressão, mas

não necessariamente à tradução mecânica da mesma.

4.2.3 “A professora não consegue tomar conta da sala sozinha” (Maria Luísa,

entrevista, 29/07/2011)

Professora e estudantes mostraram concordância quanto ao aspecto que

mais atrapalhava as aulas de inglês. Para ambos, a indisciplina prejudicava a

atenção aos conteúdos ministrados, era desfavorável à prática de outras habilidades

na língua (principalmente listening e speaking) e chegava a causar mal-estar físico

em alguns alunos.

EXCERTO 35 (Entrevista) (...) o povo bagunça e não dá nem pra fazer. (...) Porque a professora não consegue tomar conta da sala sozinha. (Maria Luísa, entrevista, 29/07/2011)

EXCERTO 36 (Entrevista) (...) a gente nem consegue estudar. Eu fico até com dor de cabeça de tanta bagunça que vai na sala. Eu acho que ela tá fazendo certo. Eu acho que ela tinha que ter mais (ênfase) um pouquinho de autoridade na sala. (Roberta, entrevista, 22/07/2011)

Devido à conversa e à indisciplina, a prática de exercícios seguia um ritmo

vagaroso no 8.º Ano A. Por dificuldade de entendimento das questões (todas em

inglês) ou por indisciplina, os estudantes chegaram a ocupar duas aulas para a

conclusão de apenas uma atividade. Susi foi se desgastando porque o conteúdo

estava atrasado, acompanhando o desenvolvimento dos alunos.

EXCERTO 37 (Vinheta de observação) O conteúdo da aula do dia 06/05/2011 era o uso there is/there are. Susi explicou o que significavam e como eram usados nas formas interrogativa e negativa. Após a explicação, solicitou aos alunos que fizessem algumas atividades do livro. Andando pelos grupos de alunos, percebeu a dificuldade deles em relação à diferença singular/plural e quanto à composição do plural de palavras em inglês. Percebendo as muitas dificuldades dos estudantes, comentou comigo: “Eu tinha que terminar o livro, mas eu acho que não vai dar. Era para eu dar três unidades por bimestre. Mas até agora (início do segundo) eu só terminei um. É claro, teve feriado, tudo, quase não teve aula, mas eu não posso ficar no there is/there are para sempre”. (Susi, anotações de campo, 06/05/2011).

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Os aprendizes, inclusive, admitiam que havia problemas de comportamento

na turma, como pode ser interpretado o excerto 51, com trecho de entrevista com o

aluno Ronaldo.

EXCERTO 38 (Entrevista) Verônica: Ahã. E o comportamento? Ronaldo: Beeeem (ênfase) difícil! (Risos) Comportamento é ruim! (risos). Todo mundo faz bagunça. É bagunça mesmo! A professora fica meio... (balança a cabeça, como se estivesse perturbado). V: E você, faz bagunça? R: Eu também faço bagunça. É parceria! Bagunça todo mundo! (Risos) V: É? Por quê? R: É... é porque a aula você não entende, a... a aula cê não consegue fazer, cê... aí vai conversando daqui, conversando dali, de repente... vira bagunça! V: Uhum. Você acha que ajuda, atrapalha, influencia de alguma forma? R: Atrapalha! Atrapalha. Não ajuda, não. Olha, é uma forma de você... de você num ficar parado. Você não tá entendendo a coisa, você vai conversar aqui, aí você conversa, conversa ali, aí... virou bagunça já! (Ronaldo, entrevista, 02/09/2011)

Atribuindo suas atitudes às dificuldades de acompanhamento da disciplina, a

fala de Ronaldo (transcrita a seguir) permite interpretar que o professor seria o único

responsável pela aprendizagem do aluno. Dessa maneira, aquele que não aprende

simplesmente é vítima de um profissional que não consegue fazê-lo se interessar

pelas aulas.

Discordo de tal posicionamento, uma vez que entendo o processo de

aprendizagem por meio da interação de uma série de fatores, a saber: professor,

alunos, abordagem/método e contexto de atuação. O professor não possui dons ou

habilidades para fazer com que o aluno aprenda o conteúdo sem interagir com ele.

Ademais, segundo Susi, a indisciplina não se restringia às suas aulas. A

turma do 8.º Ano A era objeto de constantes queixas de professores durante o

Conselho de Classe, reunião que acontecia ao fim de cada bimestre.

EXCERTO 39 (Vinheta de observação) No dia 29/04/2011, enquanto se dedicava a uma avaliação complementar de recuperação de notas, a turma estava mais silenciosa. Percebendo e creditando tal atitude dos alunos às atividades escritas que compunham tal avaliação, Susi considerou um milagre o silêncio alcançado. Comentou que tentaria aplicar o mesmo tipo de atividade (escrita) com outras turmas, especificamente o 9.º Ano, que era composto por 45 alunos. Comentou que quase havia desistido dessa turma devido à indisciplina. Mas, depois, resignou-se ao perceber que não era problema específico de suas aulas – tratava-se de um problema geral: “A gente pensa que é só com a gente,

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mas quando a gente troca figurinha com outros professores, vê que é tudo a mesma coisa: Indisciplina”. (Susi, anotações de campo, 29/04/2011)

Para a professora, o comportamento dos alunos só seria mudado se

houvesse uma conversa entre os professores e os pais dos alunos, uma vez que

dialogar com a turma não havia surtido o resultado esperado.

EXCERTO 40 (Entrevista) Verônica: Alguém já reclamou com a senhora a respeito disso? (silêncio) É... da bagunça, da conversa... algum aluno... Susi: Ah, sim! Tem aluno que fala “professora, tô com dor de cabeça”, “professora, eu não entendo porque tem muita conversa”... Já ouvi isso, sim! E... nós já conversamos, né? Eu já conversei com a turma, outros professores também já conversaram, mas não tem surtido muito efeito. Eu acho que devia ser feito uma reunião com os pais dos alunos desta (ênfase) turma. É só... só dessa turma. V: É... nas outras turmas... S: (interrompe) Não, nas outras turmas é normal. Conversa, assim, mas é normal, nada como essa daqui. (Susi, entrevista, 05/08/2011)

Devido à indisciplina, na aula do dia 03/06/2011, alunos e professora

vivenciaram aquilo que Assis-Peterson (2003) denominou de “nós” de tensão:

conflitos que remetem a relações de poder em torno da nova língua, por envolver

questões socioculturais, linguísticas, econômicas, morais e políticas. Uma atividade

de listening malsucedida fez com que Susi fosse mais rigorosa com os alunos e

discutisse com eles a necessidade de mudança de atitude da turma. Na opinião da

professora, o mau comportamento dos alunos prejudicava o aprendizado do idioma,

principalmente de quem estava interessado, e não permitia que ela realizasse seu

trabalho da forma como pretendia.

EXCERTO 41 (Entrevista) Verônica: Sobre a turma. O que a senhora tem achado? (incompreensível) Susi: É... Conversando com outros professores (silêncio)... Essa é uma das turmas mais... é... problemáticas, né? Por causa da conversa, comportamento. Então... eu vi... com outros professores, que eles têm as mesmas dificuldades que eu tenho pra dar aulas nessa turma. V: E seriam... S: Seriam, é... é... Problemas do comportamento deles e da... da conversa, então, a gente tenta dar aula, fica falando, falando, mas a conversa atrapalha, e aí... essa que é a dificuldade. Na verda... É, é só isso. V: A senhora acha que essa dificuldade da conversa atrapalha só do seu lado ou atrapalha o lado deles também? S: Não, atrapalha dos dois lados, né? Atrapalha o meu lado também, porque a gente quer fazer o trabalho e não consegue realizar o trabalho. Você prepara uma aula e você não consegue, né? Tem dias

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que consegue, mas depende. Você viu como que, às vezes, deu certo, né? Aí depende, mas... é um problema da turma, mesmo.

A indisciplina do 8.º Ano A, além de influenciar a prática de Susi, entrava em

contradição com o conceito de aprendizagem que ela dizia acreditar. Afetou de tal

forma a relação entre professora e alunos que criou um nó de tensão entre eles.

Estabelecido o conflito, Susi tentou negociar com os alunos atitudes mais

condizentes com o que esperava em sala de aula: menos indisciplina, mais atenção,

mais participação, menos conversas.

De forma geral, as crenças abordadas nesta seção referiram-se às relações

estabelecidas entre professora e alunos no processo de ensino-aprendizagem de

inglês dentro de sala de aula. Prevalece a prática de que o professor é o centro do

processo. Foi possível perceber a instauração de um conflito entre crenças de

professora e de alunos (envolvendo a indisciplina) e entre as crenças da própria

professora (relativas às suas práticas), propiciando o surgimento de um dilema entre

o dizer e o fazer de Susi.

Nos temas 1 e 2 foram exploradas diversas crenças identificadas no 8.º Ano

A, algumas compartilhadas, outras, não. Entre as compartilhadas, destaco a crença

de que há línguas mais fáceis de aprender do que outras e a de que aprender um

idioma envolve repetição/cópia de modelos. Entre as mais específicas, aponto a

crença da professora de que o treino da escrita favorece o aprendizado e a crença

dos alunos em relação à falta de domínio de Susi sobre a turma. Todas elas se inter-

relacionavam e, dessa inter-relação, inclusive com os contextos extraescolares,

resultaram conflitos e dilemas referentes ao processo de ensino-aprendizagem que

se realizava no na turma – tema sobre o qual inicio a seção a seguir.

4.3 Da relação com os contextos micro e macroculturais

O objetivo desta seção é retomar as crenças descritas neste capítulo,

interpretando-as sob a luz dos contextos micro e macroculturais em que estão

inseridas, considerando os aspectos sociopolíticos e culturais envolvidos.

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Discorro, a seguir, sobre diferentes temas a permear a relação 8.º Ano

A/Escola Central/Políticas Educacionais, principalmente no que se refere a aspectos

como o dilema da professora na relação com os alunos, as questões referentes ao

uso e à escolha do livro didático, a opção de língua estrangeira moderna a fazer

parte do currículo e as habilidades almejadas/oferecidas pela Escola Central no que

se refere ao inglês. Não por acaso, Miccoli (2010, p. 217) caracteriza a sala de aula

como espaço desafiador a professores e alunos, dada a rede de influências intra e

extrainstitucional nela exercida.

4.3.1 “Com um cupinzeiro na cabeça”: a indisciplina configurando um nó de tensão

entre os participantes20

EXCERTO 42 (Entrevista) Verônica: É... e eu tava comentando, assim, que a professora tem reclamado da bagunça, né? Ela conversou com vocês, ela segurou um pouco mais a turma, né... O que você achou disso? Roberta: Ah, eu acho muito ótimo, porque a gente nem consegue estudar. Eu fico até com dor de cabeça de tanta bagunça que vai na sala. Eu acho que ela tá fazendo certo. Eu acho que ela tinha que ter mais (ênfase) um pouquinho de autoridade na sala. V: É? R: Uhum. V: Por que você... é... você percebe essa bagunça mais na aula de inglês, ou... R: Todas! Todas, todas! (ênfase). Todas, todas, todas as salas. V: Você acha que, se diminuísse a bagunça, ia fazer alguma diferença? R: Ave, muita! (ênfase) Você ia estudar com mais calma, não com um cupinzeiro na sua cabeça! Você ia entender mais, né? (Roberta, entrevista, 22/07/2011)

Segundo Moita Lopes (2001), as práticas interacionais nas escolas permitem

conhecer a cultura destas. Tais práticas costumam ser consideradas como se

estivessem sob controle dos professores, os quais delimitam o turno e o espaço dos

alunos, impondo-lhes determinados papeis. No entanto, os alunos podem, por

diferentes motivos, opor-se aos limites impostos pela cultura escolar, quebrando

normas ou estabelecendo padrões interacionais paralelos, os quais são realizados

apenas entre colegas e se tornam desafiadores à troca principal, conduzida pelo

professor.

20

Roberta, em entrevista no dia 22/07/2011.

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Segundo o autor, quando o aluno propõe uma quebra nos padrões

interacionais na cultura da sala de aula, demonstra que está reagindo à imposição

do sistema escolar em que está inserido. Por outro lado, tal reação, em

consequência, o conduz a um fraco desempenho escolar. Essas atitudes

desafiadoras ao papel dos professores são interpretadas por estes como

indisciplina, configurando atitudes que os professores julgam incompatíveis com o

processo de ensino-aprendizagem sob seu poder.

De forma semelhante, no contexto do 8.º Ano A, a designação indisciplina

aborda a atitude dos alunos apenas sob a interpretação da professora. Para Susi, a

indisciplina envolve o movimento dos alunos pela sala, as conversas durante a aula,

a formação não autorizada de grupos e tudo aquilo que caracteriza, de alguma

maneira, insubordinação à sua autoridade de professora.

Para o aluno, diferentemente, certas atitudes não caracterizam indisciplina,

mas, sim, bagunça. Bagunça não significava exatamente o que Susi entendia por

indisciplina, como demonstra o comentário de Danilo acerca dos grupos que se

formavam em sala:

EXCERTO 43 (Vinheta de observação) No dia 08/07/2011 aconteceram as primeiras aulas de inglês após o término da greve. Susi continua abordando o tema food. Após explicar a pirâmide de alimentos para os alunos, pede que os mesmos classifiquem os alimentos que eles ajudaram a listar no quadro no começo da aula. Susi anda pela sala acompanhando a atividade dos alunos. Danilo se levanta para sentar com colegas ao fundo da sala. A professora não gosta e pergunta à turma: que atitude eu devo tomar com vocês se só conversar não resolve? Danilo: Não pode sentar junto que é bagunça. Então vou só bagunçar. Vou só bagunçar. (Anotações de campo, 08/07/2011)

Para o 8.º Ano A, bagunça significava, sobretudo, conversas durante a aula.

Sentar-se em grupos, portanto, não significava bagunçar. Em outras palavras,

professora e alunos apresentavam crenças diferentes acerca da mesma situação

(indisciplina x bagunça). Esse conflito entre crenças foi assumindo proporções

maiores, pois os alunos se envolviam em atitudes não condizentes com o esperado

pela professora em uma sala de aula, incomodando-a e tolhendo, restringindo o

ensino de Susi e o aprendizado dos colegas, além do próprio.

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Esse desafio à autoridade da professora em sala tornou-se relevante porque

se configurou em ação (Erickson, 1990), ou seja, deixou de ser apenas um ato físico

para ser significado pelos envolvidos – foi interpretado pela professora e por esta

pesquisadora como forma de reação dos alunos à autoridade de Susi e,

principalmente, às dificuldades de aprendizagem do idioma relatadas sob a forma de

crenças (seções 4.1.2 e 4.1.3).

O conflito transformou-se, enfim, em um “nó de tensão” (ASSIS-PETERSON,

2003) na aula do dia 03/06/201121, momento a partir do qual as crenças dos atores

envolvidos precisaram ser negociadas, para que os objetivos do processo de ensino-

aprendizagem pudessem ser alcançados.

EXCERTO 44 (Vinheta de observação/Transcrição de aula) Susi: Ó, crianças, de novo! Eu vou pedir para vocês fazerem silêncio porque... Olha, quem não tem livro senta com o colega. Ronaldo: Bota no volume máximo. Susi: Né? Senão a gente não vai conseguir. Ronaldo (sobre o botão do rádio): Aperta tudo, vai! (passa o diálogo). Susi: Agora, sim. Vocês têm que fazer silênciooo! Laura! Eu preciso da sua boa vontade. Deixa eu só dar uma desligada aqui nesse... ah, esse ventilador faz muito barulho! (desliga o ventilador) Então, primeiro abram o livro na página... João Carlos: trinta e nove Susi: trinta e nove. (...) (Muitas conversas continuam). (...) (Nesse intervalo, a professora passa o áudio duas vezes. Os alunos pouco entendem. Susi tenta outra atividade, baseada no mesmo áudio. Agora, os alunos precisam organizar as falas, que estão fora da ordem do diálogo). Susi: Vamos lá, é pra colocar na ordem. Vocês vão ler o diálogo, e colocar ele na ordem certa, primeiro. Depois, eu... Quieto! (João Carlos chama Jairo e a professora o repreende). Eu vou passar pra vocês ouvirem se acertaram. (As conversas continuam) (Susi, gritando) Ah, gente, tem que ter colaboração. Assim não dá! (Transcrição de aula, 03/06/2011)

Na situação acima, depois de repassar o áudio outras quatro vezes, Susi

deixou os alunos fazendo a atividade. Apesar da dificuldade na tarefa, os alunos

continuaram a conversar, sendo advertidos pela professora de que permaneceriam

em sala após o horário de aula, como forma de compensação do tempo gasto com

conversas durante a aula. Ao agir de acordo com o indicado, Susi foi duramente

21

Os excertos numerados de 58 a 60 referem-se à aula do dia 03/06/2012.

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criticada pelos alunos. Excertos como o abaixo revelam uma tentativa de negociação

entre eles e a professora.

EXCERTO 45 (Vinheta de observação/Transcrição de aula) Susi: Aí eu quero que vocês parem e pensem. Pensem porque vocês estavam tendo esse comportamento que, inclusive, está atrapalhando quem quer participar. Eu sei que não é todo mundo que gosta de inglês, tá - infelizmente é uma disciplina que vocês têm que fazer. Mas nem todo mundo gosta. (breve pausa) Mas tem gente que não gosta de matemática, mas tem que estudar matemática. Tem gente que não gosta de português, mas tem que estudar português. Ronaldo: Também não gosto. Susi: Então, eu gostaria que vocês pensassem, refletissem por que vocês têm esse comportamento na sala. O que que está acontecendo? Porque o que eu quero... O que eu mais quero não é ficar dando sermão toda aula. É chato, gente! Mas, também, o que que eu quero? Eu quero que vocês se conscientizem. Eu quero resolver o problema pra gente poder trabalhar junto. Eu quero que vocês aprendam um pouquinho, alguma coisa... mesmo não gostando, aprende alguma coisa de inglês... eu quero que vocês participem das aulas. Se não... se não participarem das aulas, fica difícil, né? Eu tenho... E o pior é fazer bagunça e não deixar o outro que quer participar. Esse é o maior problema. Ronaldo (em tom de galhofa): isso acontece comigo, tá? Saulo (fingindo acreditar em Ronaldo): Ah, tá! Rose: professora, deixa eu ir embora, tô quieta! Jairo: Tô quieto! Susi: Não era esse tipo de resposta que eu gostaria de ouvir agora. Porque eu to aqui... Eu to aqui falando pra vocês... Em tom sério, Rose interrompe: Eu vou mudar, professora! Maria Luísa: Também vou mudar. Jairo: Eu vou mudar. Ronaldo: Também vou mudar. Rose: Vou mudar, vou fazer minhas tarefas... (Transcrição de aula, 03/06/2011)

Na continuação da aula relatada, Susi propõe que ela e os alunos tentem se

entender. Seus motivos não são pessoais. Referem-se exclusivamente à atitude dos

alunos em sala de aula.

EXCERTO 46 (Vinheta de observação/Transcrição de aula) João Carlos (gritando): Bateu o sino! (Levanta-se para ir embora) Susi: Eu sei! Mas chegou o final da aula, você não fez. Senta aí. Susi (para Rose): Então, se você está com problemas, se você está estressada, você não precisa participar da aula. Vocês têm o direito, mas fica quietinho no canto, pra não atrapalhar os outros. O que eu quero é isso. O Jairo é superinteligente, eu adoro todos vocês aqui. Não é que eu não gosto, tá? Eu não gosto é do comportamento, do que está acontecendo na sala. É isso que eu não estou gostando. Não tem nada a ver com você, que é uma tagarela (aponta para Maria Luísa, falando carinhosamente), tá? Eu morro por causa desse Jairo chato, que fica na minha cabeça o tempo todo! Eu amo você também, seu chato (fala com Danilo). Falei com você na aula passada, no ano passado você era um doce, agora você tá... (silêncio.

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A professora parece emocionada). Entenderam? Vamos tentar resolver? Vamos? Alunos (em coro): Vamos! Susi, depois de aproximadamente 15 minutos de retenção dos alunos, liberou-os aos poucos. (Transcrição de aula, 03/06/2011)

Como aponta Vasconcellos (2009, p. 55), a indisciplina afeta o professor

porque mexe com sua autoestima: “a indisciplina é associada, com frequência, ao

fracasso profissional”. Tanto que Susi, afetada por essa situação, procurou

conversar com seus colegas de trabalho na Escola Central para saber se o

problema que enfrentava acontecia apenas em suas aulas. Na troca de experiência

com esses outros professores, Susi percebeu que as atitudes do 8.º Ano A eram

constantemente alvo de queixas:

EXCERTO 47 (Entrevista) É... Conversando com outros professores (silêncio)... Essa é uma das turmas mais... é... problemáticas, né? Por causa da conversa, comportamento. Então... eu vi... com outros professores, que eles têm as mesmas dificuldades que eu tenho pra dar aulas nessa turma. (Susi, entrevista, 05/08/2011)

Além disso, a indisciplina não afetava exclusivamente a professora. Os

estudantes se sentiam afetados, pois nem sempre conseguiam prestar atenção aos

conteúdos. É o que relata Wender, líder da turma, no excerto a seguir.

EXCERTO 48 (Entrevista) Verônica: E sobre a bagunça? Reparei que, hoje, você tomou até um aviãozinho lá, né, dos... dos meninos. Wender: É, por causa que eu sou... é... tipo, como o líder da sala. Tipo, manter a sala bem organizada e dá conselho pras pessoas. Mas, se as pessoas não se... se... não se ajudem, aí eu, como líder, tenho que ficar falando, conversando que isso é isso, não pode, isso pode... é isso que o líder faz. V: Ahã. Ainda a respeito disso. Você acha que, assim... a bagunça... (incompreensível) tem afetado de alguma forma? W: Sim. Bastante! Por causa que, quando a gente tá prestando bastante atenção na aula, aí os pessoal começa a conversar, fazer bagunça, a gente não tem como prestar atenção naquilo por causa da bagunça. Aí a gente sempre tem que estar falando, chamando atenção, falando “Olha, não pode, porque tem gente prestando atenção, e não consegue entender por causa da bagunça”. Aí eu sempre to motivando, falando isso pra eles... V: Você acha que isso acontece só com você, ou você acha que... W: (interrompe) Bastante gente. Várias gente aqui da sala. V: Alguém já reclamou com você disso? W: Já chegaram aluno em mim, falaram “Wender, Meu Deus, eu não aguento! Faz alguma coisa. Dentro da sala de aula não dá!”. Eu mesmo

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já tentei tomar algumas atitude, mas... eu... a gente não pode... já tentei tomar atitude grosso com as pessoas, mas, só que as pessoas não respeitam a professora e nem os alunos. (Wender, entrevista, 15/07/2011)

Na realização desta pesquisa, também me senti afetada pelas atitudes da

turma. Em meu projeto inicial, propus registrar em áudio as aulas acompanhadas.

Porém, durante minhas observações, em várias ocasiões desisti de assim proceder,

pois não estava sendo possível distinguir as falas. Na aula do dia 15 de julho de

2011, por exemplo, tentei recomeçar o registro. Surpreso, Wender me questionou:

“Como é que você consegue entender alguma coisa com tanta bagunça?” Respondi:

“não consigo”, pois percebi que a gravação já estava, mais uma vez, comprometida.

Wender pareceu conformado: “Não consegue? Hã...”

Quanto ao nó de tensão, pode-se afirmar que gerou mudanças na atitude dos

participantes. Os alunos se engajaram em cobranças mútuas com o intuito de

diminuir a indisciplina em sala de aula. Susi, por outro lado, tentou mudar sua

postura, procurando exercer com mais propriedade seu papel de autoridade na sala

de aula. Isso fez com que vivenciasse um dilema, pois entrava em conflito com as

práticas que vinha desenvolvendo até então.

4.3.2 Dilemas da professora na interação com os alunos

Segundo Lampert (1985, p. 182 apud BARCELOS, 2001b, p. 71), dilema pode

ser definido como “uma discussão entre tendências opostas dentro de si mesmo

sem que nenhum dos lados saia vencedor”22. Segundo Barcelos (op. cit.) e de

acordo com Brookfield (1995 apud BARCELOS, 2001b, p. 69), “aprender a

compreender nossas crenças e dilemas é parte do processo de se transformar em

um professor criticamente reflexivo”23 – postura profissional com o qual Susi parecia

estar se identificando.

Mesmo acreditando em atividades mais comunicativas, Susi investiu em

atividades escritas porque estas lhes proporcionavam uma turma mais silenciosa e,

22

No original: ““an argument between opposing tendencies within oneself in which neither side can come out the winner” (p. 182)” (LAMPERT, 1985, p. 182 apud BARCELOS, 2001b, p. 71) 23

No original: “learning to understand our beliefs and dilemmas is part of the process of becoming a critically reflective teacher (Brookfield, 1995)”. (BROOKFIELD, 1995 apud BARCELOS, 2001b, p. 69)

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consequentemente, mais disciplinada, proporcionando a ela mais satisfação e, aos

alunos interessados, mais chances de aprender alguma coisa. Susi ficou dividida

entre ser controladora para que a turma se mantivesse atenta e obediente em suas

aulas, sendo conduzida pela professora ao aprendizado, ou ser

facilitadora/“boazinha”, para motivar os alunos a aprender (LORTIE, 1975 apud

BARCELOS, 2001b).

Esse dilema vivenciado pela professora marcou sua prática, que ora

contemplava atividades motivadoras aos alunos, para que se engajassem nas aulas,

como disputas e atividades que se assemelhavam a brincadeiras (colocar textos em

ordem, encenar diálogos), ora baseavam-se em práticas de cunho estruturalista,

como a cópia de atividades do livro, exercícios com foco gramatical e a elaboração

de listas de vocábulos para memorização. Esse contraste entre as práticas de Susi

dividiu também a turma. Alguns estudantes, como Júlio César e Danilo,

caracterizaram Susi como uma boa professora considerando unicamente sua

dedicação em ajudar os alunos (professora facilitadora) ou o fato de ser “legal”,

como pode ser interpretado a partir do excerto a seguir.

EXCERTO 49 (Entrevista) Danilo: Ela é bem legal, estudei com ela ano passado. Ela é bem legal. Ela é melhor que as outras. Verônica: Você já teve outras? D: Já. Tive professor. V: professor? D: Ele não era muito legal, não. V: Não? Tinha muito (incompreensível). D: Você começava a fazer lá, pedia ajuda e ele não ajudava. Agora, ela ajuda, ela é diferente. (Danilo, entrevista, 29/07/2011)

Os alunos entrevistados foram unânimes em dizer que gostavam de Susi.

Gostar, porém, não significava que as aulas estavam atingindo o objetivo esperado,

ou seja, a aprendizagem de inglês. Por outro lado, alunas como Helô destacaram o

aspecto pedagógico das aulas de Susi ao considerá-la uma boa profissional, com a

qual estavam realmente aprendendo inglês.

EXCERTO 50 (Entrevista) Verônica: Com certeza. É... da professora, você tem alguma coisa a comentar? Helô: Ela é muito boa. Ela é uma professora, assim, que não é que ela, tipo... é, passa (ênfase) o inglês. Ela ensina (ênfase) o inglês. Ela, tipo, me faz compreender, não só lá na hora, decorar o que é. Eu entendo,

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eu consigo ter uma percepção maior de tudo aquilo. Eu gosto bastante da professora de inglês. (Helô, entrevista, 29/07/2011)

Roberta, por sua vez, gostava de Susi, mas cobrava mais autoridade da

professora sobre a turma como forma de lidar com os comportamentos inadequados

durante as aulas – as conversas excessivas, a falta de participação, entre outros.

EXCERTO 51 (Entrevista) Verônica: É... e eu tava comentando, assim, que a professora tem reclamado da bagunça, né? Ela conversou com vocês, ela segurou um pouco mais a turma, né... O que você achou disso? Roberta: Ah, eu acho muito ótimo, porque a gente nem consegue estudar. Eu fico até com dor de cabeça de tanta bagunça que vai na sala. Eu acho que ela tá fazendo certo. Eu acho que ela tinha que ter mais (ênfase) um pouquinho de autoridade na sala. (Roberta, entrevista, 22/07/2011)

Observando a prática de Susi, foi possível perceber que a professora parecia

haver se cansado da imagem de “legal”, “boazinha”, porque percebeu que sua

autoridade em sala de aula não possuía muita força. Os alunos movimentavam-se

muito, conversavam excessivamente e as aulas não atingiam os objetivos

esperados. O conteúdo, segundo a proposta do livro didático, estava atrasado.

Sobretudo, Susi acreditava ser responsável pelo aprendizado dos alunos, e estes

compartilhavam tal postura deixando seu aprendizado apenas a cargo da

professora. Tal visão se adequa à concepção de que o professor seja um

transmissor de saberes e posiciona o aluno como um ser passivo nesse processo de

ensinar e aprender.

Em pesquisa realizada com alunos, pais, professores, coordenadores e

diretores de escola pública (duas) e privada (uma) acerca do ensino de inglês no

Fundamental I, Rocha (2010) demonstrou ser comum a atribuição da

responsabilidade de um processo bem-sucedido de ensino-aprendizagem ao “outro”,

favorecendo, assim, a manutenção do status quo pela justificativa de que não se

pode mudar o processo sem a ajuda das outras partes envolvidas. Se o aluno

acredita que ao professor cabe lhe transmitir conhecimento, por outro lado, o

professor crê que nada pode fazer sem que o aluno esteja motivado em aprender.

Volpi (2001), porém, ressalta que o processo de ensino-aprendizagem é um

compartilhar de responsabilidades. O professor deve, assim, não mais atuar como

mero instrutor, mas como um negociador, organizador e avaliador de atividades que

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atendam às necessidades comunicativas e de aprendizagem do aluno. A este cabe

aprender, utilizando-se dos recursos e conteúdos que lhe foram disponibilizados.

Conforme Susi relatou em conversa informal não gravada, sua experiência

como aluna se deu em aulas predominantemente gramaticais, centradas no

professor (método audiolingual), o que pode ser uma das explicações para esse

dilema que vivenciava. Historicamente, o processo de ensinar e aprender inglês na

escola pública passava por esse método baseado na repetição e na gramática. Susi

se posicionava a favor de um ensino mais comunicativo, acompanhando a proposta

do livro didático, mas se deparava com a atitude reativa dos alunos – tanto no que

diz respeito ao conteúdo do livro quanto à sua abordagem –, com a qual não estava

preparada para lidar. Aprender com um método e ensinar com outro, cujos focos são

distintos, criou, assim, uma dificuldade adicional para Susi com a turma do 8.º Ano

A, pela falta de parâmetros com os quais se identificar. O livro oferecido pelo

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) recorria à abordagem comunicativa,

sob a qual Susi não foi exposta enquanto aprendiz e cujo foco recai sobre o aluno

em situações autênticas (ou o mais próximas disso) de comunicação no idioma, para

os quais o 8.º Ano A também não se mostrava preparado.

4.3.3 Desencontros entre a crença e a prática na sala de aula

Além de estabelecer um conflito e um dilema entre professora e alunos, a

indisciplina alterou as práticas de ensino de Susi, fazendo com que esta

apresentasse contradições entre suas crenças e suas ações dentro de sala de aula,

à semelhança do ocorrido com Liana, a professora investigada por Silva & Assis-

Peterson (2010). Tanto Liana quanto Susi manifestavam-se a favor de um ensino

mais comunicativo, baseado em interações próximas da realidade, mas, durante as

aulas, devido às experiências prévias como professora no contexto em que

atuavam, dedicaram-se a atividades de cunho gramatical, voltadas à repetição e

memorização, como forma de manter domínio sobre a turma, fazendo com que os

alunos conseguissem aprender pelo menos “um pouquinho” (Susi, durante aula do

dia 03/06/2011, cujo trecho transcrevo no excerto 52).

Rocha (2010), em pesquisa sobre o ensino de inglês no Fundamental I,

deparou-se com situação análoga. A autora relacionou a crença de que é preciso

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escrever para aprender a fatores afetivos, que não eram considerados tão influentes

pelos professores envolvidos na pesquisa. De maneira semelhante, a opção das

professoras Liana e Susi pelo ensino estruturalista, no decorrer de suas práticas,

pode, também, ser relacionado aos fatores afetivos, principalmente com a

autoestima de quem se viu envolvido com práticas de aprendizagens dolorosas

(WOJECKI, 2007, p. 170-171 apud ASSIS-PETERSON, SILVA, 2010, p. 165), como

no caso de Liana, ou de quem se sentia fragilizada por não conseguir conduzir a

turma aos objetivos pretendidos, como aconteceu com Susi.

A crença de que era necessário escrever para aprender, por outro lado,

tornava-se bastante oportuna para que Susi continuasse a utilizar-se das atividades

propostas no livro didático. Teria, assim, atividades centradas no professor, que lhe

exigiriam menos tempo de planejamento e, por outro lado, ocupariam boa parte do

tempo e da atenção dos alunos durante as aulas. Atividades comunicativas,

diferentemente, exigiam preparação prévia, podiam ou não necessitar de habilidades

e novos recursos não disponíveis na Escola Central e estariam mais sujeitas a

imprevistos. Demandariam mais tempo de explicação da professora, centrar-se-iam

no aluno, dependendo de sua motivação em participar, e exigiriam firmeza do

professor para que não fugissem ao controle.

Por outro lado, a crença nas atividades escritas para aprender uma língua

favorecia o uso constante do livro didático, recurso pela primeira vez disponível

gratuitamente em escolas públicas, e também se tornava adequada à realidade da

Escola Central, que não dispunha de recursos audiovisuais para dar suporte às

aulas com enfoque comunicativo e/ou uso de outras mídias.

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CAPÍTULO CINCO – PALAVRAS FINAIS

Neste capítulo, faço as considerações finais acerca da pesquisa que

apresentei. Inicio com um breve resumo sobre a situação encontrada e as

interpretações feitas diante dos dados obtidos. Não trago, porém, soluções mágicas

que possam servir às escolas públicas de uma maneira geral. Possivelmente, elenco

mais sugestões e questionamentos do que respostas. O que apresento possui um

caráter bastante específico, vinculado ao contexto que pesquisei.

Os apontamentos e sugestões que ora faço se baseiam no meu ponto de

vista sobre aquela realidade – em outras palavras, um mesmo contexto pode ser

interpretado de acordo com diferentes visões, nenhuma delas perfeita ou mais certa

que as demais, pois a realidade é contextual, mutável e dinâmica como as crenças

nela encontradas. Esta é apenas uma das interpretações possíveis.

Neste estudo, identifiquei crenças relacionadas ao processo de ensino-

aprendizagem de inglês dentro do contexto de uma sala de aula do 8.º Ano do

Ensino Fundamental. Para melhor explanação, dividi as crenças inferidas em dois

grandes temas, a saber: TEMA 1 – Inglês: oportunidades dentro e fora da escola; e

TEMA 2 – Relações de ensino e aprendizagem no 8.º Ano A.

As crenças do Tema 1 reforçam o discurso de que a escola pública não

funciona. Apontam que a língua inglesa é sempre a mesma coisa, que não há

suporte para inserir aprendizes de outros idiomas nas turmas e que o livro didático

oferecido está inadequado ao nível dos alunos. Apenas a crença de que o inglês

proporcionará oportunidades futuras parece não macular o ensino oferecido nesses

contextos.

No Tema 2, as crenças de que os alunos aprendem melhor escrevendo, que

a professora repete para que os alunos aprendam melhor e que esta não consegue

lidar sozinha com a turma trazem imbuídas a mensagem de que, a despeito das

diferentes mudanças implementadas por propostas governamentais (língua

estrangeira moderna escolhida pela comunidade escolar, adesão à abordagem

comunicativa e inclusão da disciplina no PNLD), continuam reduto da pedagogia

tradicional e de base estruturalista, ainda que, no caso da Escola Central, o PPP se

posicione de maneira diversa.

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Outro aspecto que destaco para justificar as pesquisas de crenças sob as

orientações da abordagem contextual é a inclusão de outras visões acerca do

processo de ensino-aprendizagem, deixando de olhar somente a teoria para verificar

como a prática se estabelece. Observar professores e, principalmente, alunos,

permite interpretar como os dois lados se relacionam dentro dos contextos reais de

interação, permitindo e, principalmente, favorecendo a aprendizagem.

Sobre o contexto investigado, aponto que, diante dos dados nele gerados, a

Escola Central, de fato, não possui estrutura para o desenvolvimento de outras

habilidades comunicativas de forma significativa. Apesar de possuir professores

fluentes no idioma em seu quadro, a carga horária é insuficiente, como já apontaram

outras pesquisas sobre o ensino de inglês nas escolas públicas, e não há

equipamento audiovisual disponível para atender à demanda, mesmo com o recurso

do CD de áudio oferecido em conjunto com o livro didático.

Outro aspecto problemático detectado nesta pesquisa refere-se às diferentes

línguas estrangeiras nas escolas públicas. A liberdade de escolha do idioma a

compor o currículo escolar é uma iniciativa louvável, considerando a diversidade que

compõe a sociedade brasileira. problema se constitui a partir do “esquecimento”

de que os estudantes nem sempre concluem seus estudos na mesma escola em

que os iniciaram. Dessa forma, evidenciou-se a falta de ações de suporte para

superação desse desencontro na disciplina de língua estrangeira.

A respeito da escolha da língua estrangeira, a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1998) repassa à comunidade escolar a

autonomia pela decisão de qual língua estrangeira oferecer no currículo da unidade.

Nessa decisão, reafirmada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), deve-se

considerar fatores históricos, fatores relativos às comunidades locais e fatores

relativos à tradição. Em nenhum momento consideram a mudança no idioma a ser

aprendido.

A teoria do documento, portanto, choca-se com a prática de alunos e seus

pais, em constantes movimentos entre escolas, e traz prejuízos ao desenvolvimento

do aluno na língua estrangeira, pelas diferentes escolhas das unidades escolares

sem oferecimento de ações de suporte.

Outra dificuldade decorrente das diferentes opções de língua escolhidas pelas

escolas diz respeito à distribuição do livro didático. A exemplo do que ocorreu com a

Escola Central, outras unidades escolares e seus alunos podem ter sido

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prejudicados pela divisão de livros entre inglês e espanhol, as duas línguas que o

MEC considerou no Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. Os professores,

com livros insuficientemente distribuídos, foram frustrados na possibilidade de

melhor aproveitamento do tempo de suas aulas por meio do material didático,

solicitando ao aluno a cópia das atividades para o caderno porque a edição, em

teoria, consumível, na prática não o era.

Sobre o livro, outro ponto a ser repensado são as opções disponibilizadas

para escolha das unidades escolares. Na Escola Central, o livro selecionado

mostrou-se inadequado ao nível dos alunos, que não conseguiam interpretar o

enunciado das atividades. A outra coleção oferecida, segundo a professora Susi,

seria ainda mais complexa para a turma.

Em suma, os problemas estão lá, são conhecidos e lamentados, mas as

soluções não são simples. O que os documentos fazem é repassar a

responsabilidade ao professor e à unidade escolar para que, dentro do que lhe é

possível, ofereçam um ensino significativo ao aluno. Atribui-se ao outro a

responsabilidade pelo sucesso ou a culpa pelo fracasso.

Uma proposta para minimizar as dificuldades apontadas seria a formação de

turmas de acordo com o nível de proficiência desenvolvido, independentemente do

ciclo de formação humana. Essa nova organização deveria também incluir aqueles

que não têm nenhuma espécie de conhecimento formal nos idiomas oferecidos.

Acredito que, à maneira dos cursos livres, a formação de turmas mais

homogêneas minimizaria as dificuldades dos estudantes no acompanhamento das

aulas. nivelamento do conteúdo não ocorreria “por baixo”, desestimulando

aprendizes mais avançados. Contribuiria, consequentemente, para a redução da

indisciplina, permitindo que estudantes se engajassem em práticas adequadas a seu

nível, e não o contrário, como vinha acontecendo com diversos estudantes do 8.º

Ano A. As classes de língua estrangeira poderiam, inclusive, ser ofertadas em

horário complementar ao das demais disciplinas e, dentro das possibilidades, com

carga horária maior do que a praticada atualmente.

Essa mudança de prática confrontaria a crença de que o inglês oferecido

pelas escolas públicas é sempre a mesma coisa, e não funciona. Mostraria ao aluno

que o aprendizado também depende de seu engajamento nas aulas, chocando-se

com a crença de que o professor é o responsável por esse processo.

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É cômodo apontar um culpado quando a aprendizagem não ocorre conforme

esperado. No entanto, o problema nem sempre é situado em apenas uma das

partes. O que ocorre dentro dos limites da escola resulta de uma série de elementos

em interação constante. As atitudes de cada elemento afetam o todo, articulado, por

sua vez, com várias outras esferas sociais. O problema, geralmente, não é com um

dos atores do processo, mas na relação entre eles.

A promoção de atividades interdisciplinares e multimidiáticas poderiam, quiçá,

ser estimulantes aos alunos. Práticas realizadas no laboratório de informática,

recorrendo à Internet, organização de peças teatrais, produção de jornais murais e

criação/manutenção de blogs para o uso da língua poderiam favorecer o gosto pelo

idioma e o aprendizado autônomo.

A Escola Central também poderia estabelecer parcerias com a Universidade

Federal de Mato Grosso, recorrendo à experiência da instituição com cursos de

extensão em línguas e com o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à

Docência (PIBID) para propor uma nova forma de ensinar inglês em escolas

públicas do Estado.

Sugestões para pesquisas futuras

Uma vez que este estudo identificou o estabelecimento de conflitos entre

crenças e práticas de professora e alunos, observo que seria apropriado investigar

como tais conflitos podem ser negociados dentro da sala de aula, atentando-se para

as expectativas dos sujeitos participantes.

Outra possibilidade diz respeito a estudos sobre dilemas enfrentados por

professores em suas práticas de sala de aula, principalmente nas questões relativas

à metodologia aplicada, de forma a contribuir para a desconstrução da crença de

que o professor não muda sua prática porque não sabe fazer diferente.

Também sugiro investigar pesquisas acerca da influência da indisciplina na

mudança de práticas dos participantes – conforme constatado nesta dissertação,

professora e alunos da Escola Central precisaram mudar práticas para que o

aprendizado fosse mais significativo. Nesse sentido, cabe ainda investigar o

desenvolvimento do processo de reflexão de professores e alunos de língua

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estrangeira – a reflexão contribui para a mudança de prática e de crenças que,

porventura, estejam atuando negativamente dentro de um contexto.

Estudos sobre crenças específicas de alunos acerca do papel do professor

em seu aprendizado constituem outro nicho a ser mais explorado, pois, como

relatado nesta dissertação, os alunos da Escola Central julgavam que Susi, a

professora, seria a responsável pelo “sucesso” ou “fracasso” deles no idioma, como

na pesquisa efetuada por Dias (2006), em que pais de alunos atribuem a não

aprendizagem de seus filhos ao fato de os professores não acreditarem que estes

sejam capazes de aprender um novo idioma.

Sinto que os cursos de licenciatura devem tentar preparar os novos

professores para os percalços que podem vir a encontrar no momento da prática em

sala de aula. O despreparo diante de situações como a indisciplina dos alunos pode

levar à desistência da prática docente, por não saber lidar com esse tipo de

comportamento. As licenciaturas, quando muito, preparam o futuro professor para

planejar uma aula que funcione, mas não sobre como proceder quando sua aula não

funciona. Indisciplina, apatia, violência, abandono também podem fazer parte do

cotidiano escolar público ou privado, em maior ou menor grau.

O que aprendi com o estudo

Com esta pesquisa aprendi que, ao investigar uma cultura, imprevistos

provavelmente irão acontecer, pois não há como prever todas as reações, emoções

e situações que as pessoas e as circunstâncias nos reservam. As pessoas mudam,

se contradizem, as relações de poder se alteram, as práticas ganham outras

interpretações. Isso não quer dizer, entretanto, que as situações imprevistas sejam

sempre negativas. Diferentemente, elas apenas nos mostram que não conseguimos

colocar tudo sobre controle quando pesquisamos situações reais, com pessoas,

emoções e relacionamentos reais, dentro de um contexto real.

Entre as contribuições que este trabalho trouxe à área de crenças de

aprendizagem de línguas estrangeiras, uma delas foi confirmar, por meio das ações,

que as crenças de professora e alunos, quando em conflito, podem gerar práticas e

situações prejudiciais ao processo de ensino-aprendizagem. Isso não significa que

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os conflitos devam ser apagados, pois eles servem como forma de conhecer o outro,

explicitando diferenças culturais, políticas e sociais em determinado contexto e

favorecendo a dinâmica do conhecimento. Todavia, as situações conflitivas precisam

ser negociadas para que não se tornem apenas danosas ao processo.

Além desses questionamentos, pequenas intervenções no contexto escolar

poderiam propiciar novas tentativas significativas de ensino e aprendizagem. A

proposta da Sala Ambiente, iniciativa da qual a Escola Central participa, seria

bastante motivadora para a prática de aulas mais comunicativas se as salas

realmente pudessem ser equipadas com equipamentos de áudio e vídeo.

Assim, não bastava que a professora ou os alunos, individualmente,

estivessem dispostos a colaborar. O 8.º Ano A precisava de uma resposta conjunta e

simultânea para que uma aprendizagem significativa pudesse ser estabelecida entre

os envolvidos. Como bem aponta Moita Lopes (2001), a aprendizagem, assim como

o discurso, é construída interacionalmente – e interação envolve trocas, relações,

contexto.

Tal situação demonstra a necessidade da reflexão do professor sobre sua

própria prática pedagógica, para que possa atingir o nível de reflexão crítico (van

MANNEN, 1977 apud GREGGIO, GIL, 2010), ou seja, que inclua as reflexões

técnica e prática, contextualmente situadas. Mais importante ainda é que, se o

professor se torna crítico-reflexivo, ele auxilia o desenvolvimento dessa capacidade

em seus alunos, para que estes possam agir no mundo ao seu redor (GREGGIO,

GIL, 2010), quem sabe como protagonistas de mudanças positivas.

Depois desta pesquisa, tenho mais perguntas do que respostas. O que

interpretei causou mudanças, mas estas ocorreram em mim também, a partir das

experiências que vivenciei naquele contexto da Escola Central. Por isso, concordo

com Barcelos (2007, p. 110), para quem “educar é provocar mudanças ou criar

condições para que elas aconteçam, sempre partindo de um lugar que, no caso, são

nossas crenças a respeito do mundo que nos cerca”.

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APÊNDICE I

Nome:

Idade:

Bairro/Comunidade onde mora:

Já fez ou faz curso de idioma (inglês, espanhol ou outra língua)? Se sim, onde

e por quanto tempo?