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Ana Lucia Villela baú de ideias Lydia Hortélio cultura da infância Adelso Murta Filho no quintal Susan Linn outros mundos Adriana Friedmann geração criativa Paulo Tatit vida de criança A importância do brincar Criança e Consumo Entrevistas

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Criança e Consumo — Entrevistas[vol.5]/Alana

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    car

    www.criancaeconsumo.org.br

    Ana Lucia Villelaba de ideias

    Lydia Hortlio

    cultura da infncia

    Adelso Murta Filhono quintal

    Susan Linnoutros mundos

    Adriana Friedmanngerao criativa

    Paulo Tatitvida de criana

    A importncia do brincar

    Criana e Consumo Entrevistas

  • Criana e Consumo EntrevistasA importncia do brincar

  • 2Produo e superviso: equipe Projeto Criana e Consumo

    Coordenao Editorial: 2PR Comunicao

    Jornalista Responsvel: Myrian Vallone - Mtb 18.229

    Reprteres: Jlia Magalhes e Juliana Melo

    Fotos: Renata Ursaia, Arnaldo J. G. Torres e Murillo Medina

    Diagramao: Eliana Borges

    Reviso: Patricia Cifre

    Ano: 2010

    Entrevistas realizadas entre agosto e setembro de 2009

    Instituto Alana

    Projeto Criana e Consumo

    Presidente: Ana Lucia de Mattos Barretto Villela

    Coordenadora Geral: Isabella Henriques

    Coordenadora de Educao e Pesquisa: Lais Fontenelle Pereira

    Rua Sanso Alves dos Santos, 102 4 andar

    Cep: 04571-090

    Telefone: (11) 3472-1600

    E-mail: [email protected]

    Site: www.criancaeconsumo.org.br

  • 3Sumrio

    Introduo .........................................................pg 04

    O apelo emocional do consumo atinge todo mundoAna Lucia Villela ..................................................pg. 06

    Sonho com o tempo em que poderemos falar em integrao nacional atravs da cultura da criana Lydia Hortlio ......................................................pg. 18

    O quintal o territrio encantado da infnciaAdelso Murta Filho Dias .........................................pg. 28 Arte, religio e descobertas cientficas so todas enraizadas na nossa capacidade de brincar Susan Linn .........................................................pg. 36

    As crianas esto sendo educadas por um outro mundo que foge aos muros da escolaAdriana Friedmann ..............................................pg. 46

    importante que a criana seja impregnada com o que h de melhor da sua cultura Paulo Tatit ...........................................................pg. 58

  • 4INTRODUO

    No final do ano de 2008, o Projeto Criana e Consumo, do

    Instituto Alana, iniciou uma srie de entrevistas para sua

    newsletter online com o objetivo de abordar os impactos

    negativos do consumismo infantil nas esferas social,

    ambiental e econmica.

    O contedo dessas entrevistas foi sendo, ao longo de 2009,

    transformado em sete edies impressas, cujo objetivo

    promover a reflexo a respeito dos padres de consumo

    estabelecidos pela poltica atual de mercado.

    Os livros tratam dos reflexos do consumismo na

    sustentabilidade do planeta; na erotizao precoce e

    explorao sexual infantil; nos altos ndices de transtornos

    alimentares e obesidade infantil; no alcoolismo entre

    crianas e jovens; na convivncia familiar; na diminuio

    das brincadeiras criativas e na violncia e delinquncia.

    Quinto livro da srie, A Importncia do Brincar traz

    depoimentos dos especialistas Adelso Murta Filho, Adriana

    Friedmann, Ana Lucia Villela, Lydia Hortlio, Paulo Tatit e

    Susan Linn. Cada um, sua maneira, afirma que o ingresso

    precoce das crianas no mundo adulto, em funo dos fortes

    apelos das mdias, encurta a infncia, roubando delas a

    possibilidade de um desenvolvimento saudvel e criativo.

    Brincando, as crianas desenvolvem sua criatividade e

    imaginao, exercitam comportamentos adultos e elaboram

    conflitos em relao ao mundo por tocarem, de maneira

    ldica, em questes de difcil compreenso para elas.

    As noes de solidariedade, companheirismo, empatia,

    incluso social, confiana e respeito aos limites do outro so

    adquiridas na infncia por meio do brincar. E isso significa

    a formao de cidados mais integrados e comprometidos

    com o futuro do planeta. Levar o brincar a srio o melhor

    caminho para a construo de uma sociedade mais justa

    e mais humana.

    Boa leitura!

    Isabella Henriques Coordenadora geral Projeto Criana e Consumo

  • 5No final do ano de 2008, o Projeto Criana e Consumo, do

    Instituto Alana, iniciou uma srie de entrevistas para sua

    newsletter online com o objetivo de abordar os impactos

    negativos do consumismo infantil nas esferas social,

    ambiental e econmica.

    O contedo dessas entrevistas foi sendo, ao longo de 2009,

    transformado em sete edies impressas, cujo objetivo

    promover a reflexo a respeito dos padres de consumo

    estabelecidos pela poltica atual de mercado.

    Os livros tratam dos reflexos do consumismo na

    sustentabilidade do planeta; na erotizao precoce e

    explorao sexual infantil; nos altos ndices de transtornos

    alimentares e obesidade infantil; no alcoolismo entre

    crianas e jovens; na convivncia familiar; na diminuio

    das brincadeiras criativas e na violncia e delinquncia.

    Quinto livro da srie, A Importncia do Brincar traz

    depoimentos dos especialistas Adelso Murta Filho, Adriana

    Friedmann, Ana Lucia Villela, Lydia Hortlio, Paulo Tatit e

    Susan Linn. Cada um, sua maneira, afirma que o ingresso

    precoce das crianas no mundo adulto, em funo dos fortes

    apelos das mdias, encurta a infncia, roubando delas a

    possibilidade de um desenvolvimento saudvel e criativo.

    Brincando, as crianas desenvolvem sua criatividade e

    imaginao, exercitam comportamentos adultos e elaboram

    conflitos em relao ao mundo por tocarem, de maneira

    ldica, em questes de difcil compreenso para elas.

    As noes de solidariedade, companheirismo, empatia,

    incluso social, confiana e respeito aos limites do outro so

    adquiridas na infncia por meio do brincar. E isso significa

    a formao de cidados mais integrados e comprometidos

    com o futuro do planeta. Levar o brincar a srio o melhor

    caminho para a construo de uma sociedade mais justa

    e mais humana.

    Boa leitura!

    Isabella Henriques Coordenadora geral Projeto Criana e Consumo

  • 6

  • 7A n a L u c i a V i l l e l a dedica-se infncia. Mestre em Psicologia da Educao

    pela PUC de So Paulo, em 1994 iniciou um trabalho

    socioeducativo em uma das regies mais carentes da Cidade

    de So Paulo: o Jardim Pantanal. L, moldou e fundou o

    Instituto Alana, organizao sem fins lucrativos que promove assistncia social, educao e cultura para a populao.

    Em 2005, a ONG ganhou mais uma causa pela qual lutar.

    Foi quando Ana Lucia despertou no Brasil o debate sobre

    o consumismo na infncia e criou o Projeto Criana e

    Consumo. Depois de firmar a defesa por uma restrio efetiva da comunicao mercadolgica dirigida ao pblico

    infantil, o Projeto agora amplia as discusses para apontar

    que os problemas do consumismo no se restringem

    esfera familiar.

    E uma das consequncias mais graves do consumo

    desenfreado submeter crianas a uma constante presso

    de mercado. Nesta entrevista ao Projeto Criana e Consumo,

    Ana Lucia afirma que hoje essa presso tem tornado o tempo de brincar cada vez mais raro.

    O apelo emocional do consumo atinge todo mundo

  • 8Projeto Criana e Consumo - O que motivou voc a

    criar o Projeto Criana e Consumo?

    Ana Lcia Villela - Eu fazia o curso de Administrao de Empresas na FAAP e, na poca, li um artigo que dizia que

    os Estados Unidos estavam investindo milhes de dlares

    em comerciais dirigidos a crianas. No me lembro do

    nmero, mas era um valor chocante. Fiquei assustada,

    e a partir desse texto, resolvi fazer um trabalho sobre

    o mercado que existia para vender produtos para

    crianas, e que no fossem necessariamente produtos

    infantis. Quando eu j estava no Vera Cruz (Instituto de

    Ensino Superior Vera Cruz, onde fez especializao em

    Educao Infantil), escolhi esse tema como trabalho de

    concluso de curso. Fiz um recorte de como os comerciais

    televisivos retratavam a criana, e a concluso foi que

    a criana tinha mesmo se tornado o centro de tudo e

    era um alvo fcil para o mercado publicitrio bem na

    linha de crianas sendo formadas como consumidoras,

    e no como cidads.

    Esse tema sempre me chamou a ateno. Eu dava aulas

    e ficava muito irritada com a influncia da mdia no

    comportamento infantil. As crianas falavam: Vamos

    brincar de Pokmon?. E eu entrava na delas. Elas

    comeavam a brincar, e eu observava que havia uma

    limitao: No assim, voc no viu ontem como era?

    O Pokmon no faz isso!, dizia uma delas. As crianas

    ficavam circunscritas imitao fiel do que viam e no

    criavam nada em cima daquilo, o que me incomodava

    muito. Outra coisa que me enlouquecia era ver criana

    A importncia do brincar

  • 9de batom, salto-alto, bolsa... Uma erotizao precoce

    absurda!

    No Jardim Pantanal (bairro no extremo leste da capital

    paulista), vi mes gastando o salrio do ms para

    comprar o brinquedo que o filho tinha visto na televiso.

    A gota dgua foi quando presenciei uma me batendo

    muito na filha porque ela tinha comprado uma boneca

    com a qual a menina brincou por uma semana e depois

    no tocou mais. Eu j observava isso em todas as

    esferas sociais, mas fiquei mais horrorizada nas regies

    menos favorecidas. Porque as crianas de famlias com

    uma situao financeira mais privilegiada tinham, de

    alguma forma, a cultura de comer bem, de ir ao museu,

    de viajar. Na comunidade Pantanal isso simplesmente

    no existia. No havia, sequer, um mdico para orientar

    a alimentao da criana, no existia lazer...

    Um dos principais argumentos dos atores de

    mercado dizer que os limites devem ser dados

    pelos pais. Mas de que forma os pais que vivem

    uma realidade como a do Jardim Pantanal podem

    lidar com isso?

    Os pais tambm so vtimas, mas nem percebem. E no vejo uma diferena muito grande entre pais de

    nveis econmicos diversos com relao ao consumismo

    dos filhos. Porque o apelo emocional do consumo

    atinge todo mundo! Porm, em uma regio pobre,

    mais triste porque o desejo despertado e eles no

    podem comprar. Gastam o que no tm para comprar

    ANA LUCIA VILLELA

  • 10

    um produto que a criana no vai usar. A criana fica

    mais tempo sozinha em casa com a televiso ligada.

    Com menos recursos e com mais exposio a essas

    mensagens mercadolgicas, o impacto muito maior.

    Isso um fato. Mas tambm j encontrei mes muito

    esclarecidas nessas comunidades.

    Como combater os impactos negativos do

    consumismo na criana?

    Acho que devemos ir pelo lado positivo, de explicar, dialogar, de trazer outros exemplos. Oferecer para a

    criana a oportunidade de conhecer um mundo diferente

    daquele em que ela vive, de sair da frente da televiso

    e fazer um passeio, conhecer a cidade. Isso desperta a

    curiosidade e oferece a ela outras referncias.

    Como educadora, difcil lidar com essa nova

    realidade das crianas, j que no h como impedir

    que elas mergulhem no mundo do Pokmon?

    Mas voc pode apresentar outros mundos a elas. Se a criana est na fase de colecionar brinquedos,

    por exemplo, ento porque s colecionar tal boneca?

    Temos de aproveitar o que h de rico nesse universo

    e incentivar a descoberta de outras colees. Ento,

    vamos atrs do que o pai colecionava! Vamos colecionar

    algo em sala de aula, todo mundo junto... preciso

    partir do universo deles e ir alm.

    A importncia do brincar

  • 11

    Nesse sentido, importante conhecer o universo

    infantil?

    Acho importante sim. Porm, mais importante ensinar a criana a brincar e apresentar a ela vrias formas de

    brincar. Imitao, faz-de-conta, jogo, brinquedo. Mas

    preciso saber do que as crianas gostam e o que

    desejam para conhecer o que interessa a elas.

    O brincar ensinado? Ele no natural do universo

    infantil?

    O brincar deve ser ensinado. No acredito que ele seja natural. O que acho que a criana tem mais

    liberdade para brincar e fantasiar do que o adulto,

    que j est preso a regras e ao sistema. Mas a criana

    ensinada a brincar desde beb. Ela interage com o

    mundo brincando, e quando acha graa em alguma coisa

    porque, em outro momento, vivenciou uma situao

    parecida. Isso quer dizer que sem o mundo ao redor

    dela, ela no brinca.

    Por que o brincar importante para o desenvolvimento

    humano?

    O brincar fundamental por muitos motivos. Um deles conhecer o mundo em que se vive. A primeira

    coisa que a criana aprende a fazer imitar o adulto.

    E quando ela fica mais velha, brinca de ser carteiro, de ser mdico. Por qu? Porque tudo o que ela aprendeu

    na vida, imita atravs do brincar. Essa a chance que

    ANA LUCIA VILLELA

  • 12

    ela tem de se colocar em vrios papis, de se colocar

    no lugar do outro, de planejar a brincadeira, de criar

    solues e avaliar como foi a brincadeira. Outro fator

    importante do brincar a socializao, porque na

    brincadeira que a criana interage com outras pessoas

    e, assim, aprende a respeitar o outro, a seguir regras

    e a conviver em grupo. A vida isso. Ns, adultos,

    estamos sempre trocando de papel tambm. Voc

    me, profissional, amiga... Enfim, a cada hora voc exerce um papel. Mas, alm de ser um treino para a vida adulta, o brincar uma maneira de a criana

    entender como o mundo funciona. O brincar muito

    amplo: brinca-se sozinho e com os outros.

    Em que momento a criana comea a entender o

    mundo, a perceber que est brincando?

    At a criana entender que ela um ser diferente da me demora cerca de um ano. Nesse perodo, a criana

    egocentrada. Depois, comea a entender que faz parte

    de um mundo l pelos trs anos de idade. S quando ela

    entra no mundo letrado que passa a compreender mais

    efetivamente as coisas, pois tem mais uma ferramenta

    de leitura do mundo, que a leitura e a escrita.

    E qual a importncia da brincadeira nessa fase em

    que a criana j compreende melhor sua relao

    com o mundo?

    muito importante a criana comear a ter brincadeiras coletivas, porque cada vez mais ela vai sair daquele

    A importncia do brincar

  • 13

    mundo de poucos amigos, de convivncia s com os

    familiares, e vai ampliar o seu universo. E, para isso, ela

    precisa entender melhor o mundo. Para entender melhor

    o mundo, ela precisa fazer brincadeiras coletivas, jogar

    com vrias pessoas e com regras mais complexas.

    Qual o grande problema dos brinquedos

    eletrnicos?

    Eu acho que existem brinquedos e brinquedos eletrnicos, sabe? Alguns so bem interessantes.

    Por exemplo: eu estava com a minha enteada aprendendo a tocar guitarra. Talvez fosse mais interessante aprender

    a tocar no prprio instrumento. Agora, a Susan Linn

    (psicloga norte-americana) fala bastante do lado

    negativo de brinquedos eletrnicos, principalmente

    da violncia nos jogos de videogame. Mais da metade

    dos jogos eletrnicos so extremamente violentos e no so adequados para as crianas. Outra questo

    so os esteretipos desses jogos, que so passados de

    maneira deturpada. E h outros brinquedos eletrnicos

    que se limitam a apenas uma funo, como a boneca

    que fala, que chora para trocar fralda, brinquedos que

    no estimulam a criana a criar, a fantasiar.

    Voc est falando de brinquedos estruturados.

    Qual a funo deles?

    A funo dos brinquedos estruturados fazer com que a criana possa imitar o mundo. brincar de tudo

    o que est a. E so muito importantes por estarem

    ANA LUCIA VILLELA

  • 14

    expostos, por serem atrativos e por fazerem parte da

    sociedade, enfim. No d para escond-los das crianas.

    No entanto, possvel usar a imaginao, dar exemplos

    de outras formas de brincar com o brinquedo que no

    sejam apenas as dadas pela mdia.

    E uma boneca como a Barbie?

    A Barbie j vem como a boneca que todo mundo quer, a que certa, a que bonita. Ela j vem com um monte

    de carimbos. Precisa ser loira, com cabelo comprido,

    com aquele corpo. Ento, a criana brinca com aquela

    boneca que j vem com um ideal de beleza. meio

    complicado. At acho que possvel brincar de forma

    criativa com a Barbie. O que eu acho ruim so os valores

    que ela passa. a indstria da Barbie.

    Existe um discurso hoje de que a infncia est

    mais curta. O que voc acha disso?

    Acho que se encurtamos a infncia, temos consumidores mais rapidamente. simples assim. Esse o discurso

    de quem quer ver a criana, desde muito pequena,

    comprando um monte de produtos. E a criana ainda

    no est formada. Ela no consegue pensar como ns,

    adultos. Por mais estimulada e genial que ela seja, no

    est com o crebro formado. Uma criana aprende

    muito mais rpido que um adulto? Aprende. Isso tudo

    ns j sabemos. Mas ter as funes que ns temos,

    s quando ela for adulta.

    A importncia do brincar

  • 15

    Quais as consequncias de pular etapas da

    infncia?

    A criana no consegue ser um ser humano completo. No brincar o quanto deveria brincar, no vivenciar o

    que deveria vivenciar dificulta o desenvolvimento das capacidades de um adulto saudvel.

    Existe uma linha de pensamento que considera a

    infncia um conceito. Voc concorda?

    No. Depende de como se l a infncia. Se pensarmos que a criana precisa de um amparo, que no se

    desenvolve sozinha, que precisa sempre de um adulto

    por perto, que o seu crebro ainda no est formado,

    assim como o seu corpo, claro que no apenas

    um conceito construdo. Infncia infncia. aquele

    perodo da vida em que a criana ainda no tem todas

    as capacidades e que precisa da ajuda de um adulto.

    E por isso que o Estado assegura todos os direitos

    criana.

    Com relao s polticas pblicas, como garantir

    criana o direito de brincar?

    No Estatuto da Criana e do Adolescente [ECA], h leis relacionadas a isso. E os prprios parmetros

    curriculares contemplam a importncia do brincar para

    cada etapa do desenvolvimento. Ento, o brincar tem

    de estar inserido em qualquer processo de aprendizado.

    E isso lei. Mas existe uma discusso, porque cada vez

    ANA LUCIA VILLELA

  • 16

    mais esto encurtando, nas escolas, os recreios, como

    se no fosse importante o brincar. Existe um movimento grande que considera o brincar importante, mas muito

    fcil o professor se esquecer disso. E eu nem culpo o

    professor, porque mesmo sabendo da importncia do

    brincar, ele fica to preocupado com tudo o que precisa cumprir durante o ano letivo, que fcil esquecer o

    brincar. Acho que mais um alerta.

    E por que esse tempo de brincar tem sido diminudo?

    a presso do mundo em que a gente vive hoje. A viso de que tudo rpido, de que h muita informao

    e de que precisamos dar conta de tudo. Esse fenmeno

    tem a ver com o mundo globalizado, com o mundo

    muito mais competitivo. Antigamente, era mais fcil

    ter tempo para brincar. Se analisarmos as crianas

    que tiveram chance, no passado, de ter uma infncia

    saudvel, vamos perceber que elas se tornaram adultos

    muito mais bem-sucedidos na vida.

    A importncia do brincar

  • 17

    ANA LUCIA VILLELA

  • 18

    Sonho com o tempo em que poderemos falar

    em integrao nacional atravs da cultura da criana

    Foto

    : Ren

    ata

    Urs

    aia

  • 19

    L y d i a H o r t l i o estudou piano, educao musical e Musicologia, mas foi na

    cultura do brincar que encontrou sua maior paixo. J so mais de 20 anos de estudo sobre os brinquedos, palavra que,

    segundo ela, no traduz apenas um objeto. Seu significado bem mais amplo. Ela diz que brinquedo tudo o que

    envolve o brincar. A roda, o jogo, a cantiga. uma palavra

    que traduz desde o objeto com o qual se brinca, a estrutura

    brincante at o prprio fenmeno ldico.

    Nesta entrevista ao Projeto Criana e Consumo, Lydia afirma que as crianas de hoje esto perdendo muito por no terem

    contato com a natureza e no terem a oportunidade de

    aprender mais por meio dos brinquedos tradicionais.

  • 20

    Projeto Criana e Consumo - Como surgiu seu

    interesse pela cultura do brincar?

    Lydia Hortlio - Quando um professor extraordinrio que eu tive me mostrou gravaes feitas na Hungria,

    no comeo do sculo XX, com crianas pequenininhas

    cantando, fiquei profundamente tocada. Logo eu comecei a fazer fichas dos brinquedos da minha infncia. Foi nesse momento que despertou em mim o interesse

    pelos brinquedos. Esse professor me chamou a ateno

    de que ns, educadores, tnhamos o costume de tirar a

    cantiga e dar aula de msica. Ele disse que isso ainda

    no era brinquedo. O brinquedo tem a cantiga, tem a

    palavra, tem uma ao, tem um movimento prprio e

    precisa ser brincado para poder ter vida. Ele dizia que

    um brinquedo um organismo vivo.

    Que relao voc v entre o brincar e a msica?

    Os brinquedos so silenciosos. Os meninos falam muito, mas quando esto brincando no falam tanto.

    Eles s falam o que necessrio para a realizao

    daquele brinquedo. E o vocabulrio ligado s regras

    e necessidade de cada brinquedo. Vi mais tarde que

    havia alguns brinquedos com som, e esses sons tambm

    eram estruturais. Ento, existem brinquedos silenciosos e brinquedos sonantes. Esses brinquedos sonantes

    tm uma msica muito elementar que depois vai se

    tornando mais complexa at chegar aos brinquedos verdadeiramente cantados com melodias desenvolvidas.

    Com esses estudos, a gente pode constatar que a msica

    brasileira j existe na msica tradicional da infncia.

    A importncia do brincar LyDIA HORTLIO

  • 21

    Ento, a msica tem um papel muito importante no

    repertrio dos brinquedos de criana.

    H muitos anos voc pesquisa o brincar em vrios

    pases. O que encontrou de mais interessante?

    Eu morei 20 anos na Europa, e l existem muitas fontes. Tenho um acervo fabuloso de informaes e

    usei muitas delas para mostrar, ao longo da histria,

    o que significa o termo infncia. Existem pinturas, gravuras, esculturas, achados arqueolgicos. Com isso,

    voc v os mesmos brinquedos em pocas remotas

    interligadas e em culturas completamente diferentes.

    Por exemplo: o brinquedo das cinco pedrinhas, na minha terra, chama-se capito; em Vitria da Conquista,

    chamado jogo da av; e, provavelmente, o nome

    muda em outros municpios. Esse um brinquedo que

    encontrado em muitas pocas. Tenho documentos

    da Grcia Antiga, revelando que eles j usavam esse

    brinquedo. Existem pinturas na Holanda do sculo XVI, na Inglaterra do sculo XIX e tambm na Itlia. Voc

    o encontra em vrios lugares, os quais, pressupe-se,

    no se comunicavam entre si.

    O brincar tambm tem o papel de transferir cultura

    e experincia de uma criana para outra?

    Necessariamente se transfere, porque quando a criana aprende um brinquedo, depois quer ensinar para as

    outras. Elas gostam disso. assim que funciona a cultura

    da infncia, ela vai permeando tudo, transferindo-se

    A importncia do brincar LyDIA HORTLIO

  • 22

    de um lado para outro. Em uma aula, eu cantei um

    brinquedo da minha infncia, que foi o nico brinquedo

    de mo que eu conhecia quando criana. Enquanto eu

    cantava, uma senhora cantava junto comigo. Ela disse

    que conhecia aquele brinquedo, mas ela morava em

    Bofete, no interior de So Paulo, e no tinha nenhuma

    ligao com o Nordeste. Eu no sei como esse brinquedo

    chegou at l. Muitas vezes eu encontro esse tipo de

    situao. Eu sonho com o tempo em que ns poderemos

    falar em integrao nacional atravs da cultura da

    criana, de modo que os meninos passem a reconhecer

    os seus compatriotas por meio de uma cantiga que

    ambos conheam. Gostaria de viajar o Brasil inteiro

    para verificar essas diferenas. Porm, essa tarefa fica para as geraes futuras.

    Voc acha que o brinquedo industrializado est

    substituindo esse intercmbio cultural entre as

    crianas?

    Sim, e uma pena. Inclusive, poucos so os artesos, hoje em dia, que fazem brinquedos. At nas feiras do

    interior, os brinquedos de plstico, que no tm valor

    ldico nenhum, esto por toda parte.

    Os brinquedos so diferentes de acordo com a

    idade?

    Eu entendo os brinquedos como uma expresso da necessidade de crescimento. Ento, com um ano, a

    criana acaba descobrindo as mozinhas e passa a us-

    A importncia do brincar LyDIA HORTLIO

  • 23

    las como brinquedo. O menino que um pouco mais

    velho e aprende a andar tem necessidades diferentes,

    e o corpo dele pede determinados movimentos que

    a prpria evoluo o leva a realizar. Existe uma cronologia. Depois, os brinquedos vo ficando cada vez mais diversificados. Alguns possuem regras que representam um desafio para o corpo e que resultam em uma apropriao das possibilidades de movimento

    que existem no corpo humano. Os meninos incorporam isso por meio de seus brinquedos.

    O videogame e o computador impossibilitam esse

    desafio para o corpo?

    Tendo observado durante anos o brincar das crianas entre si, eu acho o videogame de uma pobreza enorme.

    Primeiro porque no precisa do outro. E depois, a criana

    tem que cumprir as regras do brinquedinho.

    O que voc deve fazer mostrar outras possibilidades e,

    antes de mais nada, levar os meninos para a natureza.

    A gente saiu da natureza para morar nas cidades, com

    espaos cada vez menores, os quintais desapareceram, a

    maioria das pessoas mora em apartamentos, os quartos

    das crianas so menores e elas no vo ao playground

    porque tm televiso e computador em casa.

    Quando um menino est beira do mar, ele tem a gua

    pra brincar ou a areia pra rolar. Se est no campo,

    tem uma rvore pra subir. Ele passa por desafios que vo restituir o sentimento do corpo, que o que se

    perdeu.

    A importncia do brincar LyDIA HORTLIO

  • 24

    O que isso representa para a criana?

    Tudo funciona na cabea, no s o pensar. Tem tambm o sentir, o querer, o fazer. E a parte do

    fazer est adormecida. A escola tambm faz parte

    do pensar. Mas um pensar desconectado, pois s

    existe a preocupao em compreender e organizar. Criam-se regras para entender as coisas em uma

    dimenso abstrata. O grande problema da humanidade

    ter sado da natureza. Mesmo quem est na zona

    rural j possui televiso; as crianas ficam plantadas em frente tela; e os pais arranjam qualquer dinheiro

    para comprar bobagens eletrnicas para os filhos.

    Os brinquedos brasileiros podem revelar as origens

    do nosso povo?

    Sim. interessante ver as vrias vertentes de formao do povo brasileiro. Eu tenho encontrado na zona rural

    muitos brinquedos remanescentes de ndios. Percebemos

    que na estrutura meldica algumas coisas so mais

    africanas, outras so mais indgenas, outras de origem

    portuguesa, ibrica. Chegamos a encontrar todos os

    gneros da msica brasileira. Isso porque os pais, em

    um certo momento, cantam para os filhos.

    Depois de um tempo estudando isso, passamos a

    diferenciar o que nitidamente inventado pelas crianas

    e o que no , que possui uma arquitetura diferente

    e mais desenvolvida, assemelhando-se a canes da

    cultura popular. Por isso, de extrema importncia o estudo da msica tradicional da infncia.

    A importncia do brincar LyDIA HORTLIO

  • 25

    Voc falou em integrao nacional atravs da

    cultura da criana. Como isso seria possvel?

    O primeiro gesto seria se interessar pela cultura da criana. A televiso se incumbiu de passar um borro

    em cima disso tudo, e foi-se perdendo o gosto no s

    da cultura da criana, mas de tudo o que nacional.

    Ainda vi um Brasil em que as pessoas se reuniam para

    cantar, para tocar um bandolim, um cavaquinho, puxar um violo. Existiam concursos de msica popular e havia um estmulo criao dentro dos moldes da cultura

    brasileira. Porm, a televiso monopolizou a ateno

    das pessoas, e o convvio ficou comprometido.

    Tenho visto um grande interesse das pessoas em relao

    ao brincar, e vejo esse interesse crescer a cada dia,

    principalmente em So Paulo, onde muitos sentem

    saudade da cultura popular. S o fato de existir h 15 anos em So Paulo uma casa como o Brincante

    (que promove estudos, pesquisas a respeito da arte

    e da cultura brasileira e que oferece cursos voltados

    para o brincar), j revela um sinal de aproximao, de busca. importante tambm fazer com que as pessoas

    voltem a se lembrar e a perceber que a infncia est

    desaparecendo. E isso acontece em todo o mundo.

    Por que voc acredita que a infncia est

    desaparecendo?

    Esto tirando os filhos das mes cada vez mais cedo para ir escola. E l comea uma prtica apenas

    A importncia do brincar LyDIA HORTLIO

  • 26

    mental, quando as crianas so um corpo. Elas vivem

    em completa inteireza: o sentir, o pensar e o querer

    so uma unidade na criana, mas j na educao

    fundamental comea-se a dividir isso. Eu vejo esse fato

    como uma ameaa muito grande, uma perda irreparvel

    para a humanidade. A falta de tempo dos adultos tem

    contribudo fortemente para as crianas ficarem no videogame. A criana vem sendo domesticada de

    acordo com os interesses comerciais da televiso.

    A soluo fazer os meninos conviverem com outros

    meninos, levar as crianas para a natureza, pois um

    projeto extraordinrio da prpria evoluo est contido em ns mesmos. Felizmente, muitas vozes esto se

    levantando e tentando reconquistar o espao de direito

    da criana, que so a natureza e o convvio, para que

    na cultura da criana restabelea-se um equilbrio para

    o ser humano.

    A importncia do brincar LyDIA HORTLIO

  • 27

    A importncia do brincar LyDIA HORTLIO

  • 28

    O quintal o territrio encantado da infncia

    Foto

    : Arq

    uiv

    o p

    esso

    al

  • 29

    A d e l s o M u r t a F i l h o o nome de batismo, mas o apelido de infncia acompanha

    Adelsin at hoje. Ainda menino, na periferia de Belo

    Horizonte, construa seus prprios brinquedos. Esse hbito

    virou profisso e motivou pesquisas sobre os brinquedos que os meninos do Brasil inventam.

    Nesta entrevista ao Projeto Criana e Consumo, o artista

    plstico afirma que as crianas s vivem o brincar por completo quando participam de toda a criao do brinquedo,

    desde sua construo at o prprio ato de brincar.

  • 30

    Projeto Criana e Consumo - Por que o interesse

    em pesquisar os brinquedos inventados pelas

    crianas?

    Adelso Murta Filho - Fui um menino de periferia e sempre fiz meus prprios brinquedos. Cresci e cursei Artes Plsticas e Educao Artstica para poder trabalhar

    com crianas em escolas e em projetos sociais. Logo

    no comeo desse trabalho eu sentia que havia uma

    distncia entre a linguagem das crianas e a minha,

    por mais que eu procurasse ser um bom professor.

    Quando participei de um curso, durante o festival de

    inverno da Universidade Federal de Minas Gerais, com

    a Lydia Hortlio, descobri que existia um movimento da infncia e uma cultura prpria das crianas. Aquilo foi

    uma revelao muito maravilhosa. Comecei a observar

    mais as crianas nos seus movimentos espontneos e

    passei a aprender mais do que ensinar. J se passaram

    23 anos desde que comecei essa observao.

    A partir de quando voc comeou a pesquisar os

    brinquedos?

    Minha pesquisa foi feita de maneira informal. Quando eu viajava e passava pelos festivais culturais no interior

    de Minas Gerais, fazia oficinas para professores em diversas cidades. Em cada oficina, recolhia sinais, indicaes da cultura e da infncia do lugar. Eu tambm

    levei esse trabalho para outros estados. Saa procura

    de crianas brincando pelas cidades que eu visitava para

    reconhecer quais eram os movimentos espontneos das

    crianas daquele lugar. Essas pesquisas me estimularam

    A importncia do brincar ADELSO MURTA FILHO

  • 31

    a criar um projeto de casinhas de cultura, que eram

    ncleos para o fortalecimento da valorizao da cultura

    prpria dos lugares, com nfase na cultura infantil. Essas

    casinhas viraram fontes de informao dos brinquedos

    e das brincadeiras do povo de determinada regio.

    O que mais chamou sua ateno nas pesquisas?

    Achei interessante ver que h um movimento comum aos brinquedos em vrios lugares. Mas cada lugar tem

    uma caracterstica prpria, usa materiais prprios. Por

    exemplo, no Maranho, tem uma foto interessante de um pai que fez um brinquedo com miolo de buriti, fruta tpica

    do estado. O brinquedo tem dois bonequinhos que batem

    um pilo. Esse mesmo brinquedo encontrado em vrios

    lugares do mundo, mas feito de materiais diferentes. O

    que mais me encanta so os carrinhos que eles mesmos

    fazem, com rodas de sandlia, de sabugo de milho ou

    galhos que tm formato de rodinha quando secam.

    As crianas esto perdendo o contato com a

    natureza?

    Infelizmente sim. A cultura das cidades tem distanciado as crianas da cultura da natureza. Mas qualquer chance

    que as crianas tm de voltar para a natureza elas

    aproveitam. O adulto precisa gui-las para a natureza

    porque, cada vez mais, cria-se o hbito de ficar muito tempo sentado. Na minha comunidade, elas brincam com

    areia, rvores, pedras, gua, sementes... A natureza e

    a criana so uma coisa s.

    A importncia do brincar ADELSO MURTA FILHO

  • 32

    E o que voc acha que elas perdem com esse

    distanciamento?

    Perdem tanto! As crianas hoje esto lidando demais com duas dimenses: papel e tela de aparelhos.

    Na natureza, tudo 3D, tem textura, profundidade,

    cheiro. Com o distanciamento da natureza, ficamos

    menos expressivos. E depois, menos serenos. A cidade

    deixa a gente muito spero, cimentado. As relaes

    sociais de quem cresce em contato com a natureza

    so mais amenas. Onde eu moro, raramente v-se um

    menino brigando com outro. Eles tm divergncias.

    Mesmo os adultos ficam com raiva uns dos outros,

    mas no se v aquela aspereza, tenso e briga, muito

    comuns nos ambientes urbanos.

    Apesar desse distanciamento, as crianas continuam

    inventando brincadeiras?

    As meninas da cidade tm chamado ateno porque inventam muitas brincadeiras com as mos. Sempre

    inventaram e continuam inventando. O impulso de

    brincar ainda o mesmo, os espaos que esto ficando

    cada vez menores. Assim, meninas e meninos esto

    cultivando as brincadeiras que podem ser brincadas

    em pequenos espaos. O que lamentvel que o

    brinquedo eletrnico toma muito tempo da infncia.

    Se o videogame e o computador fossem parte de

    um conjunto maior, apenas mais um brinquedo da

    infncia, a tudo bem. Mas o problema a monocultura.

    Se fosse s peo, s papagaio, s elstico, tambm

    A importncia do brincar ADELSO MURTA FILHO

  • 33

    seria ruim, pois a infncia feita para ser vivida nos

    seus diversos gestos.

    Voc v algum benefcio nos brinquedos

    industrializados, eletrnicos?

    As crianas tm um poder de transformao to grande que elas fazem, com os brinquedos, usos que

    a gente nem imagina . Elas vo brincando, quebrando

    e transformando o brinquedo e ainda reaproveitam

    as peas. Mas os brinquedos industrializados trazem

    a forma muito pronta. J os brinquedos construdos

    pelas crianas no. Eles tm uma forma sugerida, no

    so uma cpia fiel. Tm uma expresso diferente.

    uma pena que as crianas trabalhem s com imagens

    realistas. A fantasia acaba sendo prejudicada com isso.

    Hoje, os brinquedos so baratinhos e todos tm acesso

    a eles. A maioria exige pilha, que tambm no legal

    por conta dos riscos que causa para o meio ambiente.

    A sorte que tudo quebra rpido. Um brinquedo

    completo, a meu ver, aquele que comea na vontade

    de brincar, na procura do material, na construo do

    brinquedo e finalizado na etapa do brincar.

    As escolas deveriam estimular mais a construo

    de brinquedos?

    Sim. muito comum nas escolas de educao infantil existir aquela amarelinha j riscada no cho. As crianas

    chegam, brincam e depois saem. interessante

    A importncia do brincar ADELSO MURTA FILHO

  • 34

    que as crianas continuem riscando suas prprias

    amarelinhas.

    Qual a importncia de existir um espao em casa

    para desenvolver os brinquedos por completo?

    O quintal o territrio encantado da infncia. onde a criana pode experimentar o ntimo com a natureza. Todo quintal tem p de fruta, tem rvore para subir,

    tem pedacinho de terra. Ali ela tem, ao mesmo tempo,

    a experincia de brincar sozinha, com a natureza, e tambm com os amigos. Eu acho que toda criana

    merecia ter um quintal. Deveria ser um direito previsto

    nos direitos da criana (risos). Meu trabalho hoje nas

    escolas e nas creches criar esses quintais, espaos

    com presena de natureza. Tem escola no Brasil que

    no tem nenhum sinal de natureza; tudo cimentado.

    Minha proposta repensar o espao para que o quintal

    esteja presente.

    Que tipo de brinquedo mais interessou s crianas

    que voc conheceu nas suas pesquisas?

    A maravilha da infncia est justamente na variedade de interesses. Tem os brinquedos cclicos, que vm de

    acordo com o tempo do ano, do vento, da chuva... E as

    crianas esto sempre interessadas no movimento mais

    sutil ou mais expansivo deles. Quando chega qualquer brinquedinho novo, de algum amigo de longe, ele faz

    o maior sucesso, independentemente da qualidade.

    Em pouco tempo, ele j deixado de lado. As crianas

    A importncia do brincar ADELSO MURTA FILHO

  • 35

    voltam para suas escadinhas, bolinhos e castelos de

    areia. Eles optam pela natureza. E se tiver gua ento,

    melhor! As crianas ficam encantadas com os brinquedos novos, mas rapidamente voltam aos habituais.

    Como tem sido o interesse dos adultos em conhecer melhor a importncia do brincar?

    Percebo muito isso em So Paulo. As pessoas da maior cidade da Amrica Latina esto muito saudosas do

    contato com a natureza. A gente tem que perder para

    valorizar. Aqueles que vivem na natureza nem do

    valor, no sabem que esto perto do cu. So Paulo ,

    hoje, uma referncia muito grande para o Brasil, e essa

    referncia est se expandindo nos grandes centros. Embora a cultura da educao ainda esteja voltada

    para o ensino mais tradicional, existe uma tendncia direcionada para uma educao mais aberta, voltada

    para o ser humano, no apenas para a mente.

    A importncia do brincar ADELSO MURTA FILHO

  • 36

    Arte, religio e descobertas cientficas so todas enraizadas

    na nossa capacidade de brincar

    Foto

    : M

    urillo

    Med

    ina

  • 37

    S u s a n L i n n autora de diversos estudos sobre a infncia. Uma das

    pioneiras no uso de ventrloquo como ferramenta teraputica,

    cofundadora da Coalizo pelo Fim da Explorao Comercial Infantil, uma organizao americana voltada para limitar

    os impactos da cultura do consumo nas crianas. Sobre

    esse tema, Susan publicou o livro Crianas do Consumo

    - A Infncia Roubada, traduzido e editado pelo Instituto

    Alana.

    Professora de psiquiatria na Escola Mdica de Harvard e

    diretora associada do Centro de Mdia Infantil Judge Baker,

    em Boston, Susan j esteve no Brasil duas vezes para falar

    sobre os graves impactos do marketing no desenvolvimento

    infantil.

    Nesta entrevista ao Projeto Criana e Consumo, ela explica a importncia do brincar, fala sobre o uso de novas tecnologias

    nos brinquedos e mostra como o marketing utiliza esses

    dois aspectos para conquistar as crianas.

  • 38

    Projeto Criana e Consumo - Atualmente, muitas

    crianas so tratadas como adultos e muitos

    adultos so tratados como crianas. Por que isso

    acontece?

    Susan Linn - Uma razo que a indstria do marketing explora a tendncia natural da criana de admirar e

    de querer imitar crianas mais velhas. Ela usa uma

    tcnica chamada marketing aspiracional. Ento,

    crianas de seis anos so alvo do mercado publicitrio

    e tratadas como se tivessem 13; as de 13, como se

    tivessem 18; e assim por diante. Como resultado, as

    crianas esto caindo nas armadilhas da maturidade

    e usando roupas, ouvindo msicas e adotando uma

    linguagem como se fossem mais velhas do que de fato

    so. Mas no existem evidncias que indiquem que o

    desenvolvimento emocional e social dessas crianas

    caminha no mesmo ritmo.

    Quais so as consequncias para as crianas em

    pular etapas do desenvolvimento infantil?

    Desenvolvimentistas acreditam e eu concordo com eles que passar com sucesso por cada fase do

    desenvolvimento depende de ter vivido plenamente a

    fase anterior. Voltando sua pergunta anterior, uma

    das razes para sua observao de que os adultos so

    tratados como crianas porque eles no tiveram chance

    de ter a experincia completa da infncia. Quando a

    indstria do marketing foca crianas pequenas como se

    A importncia do brincar SUSAN LINN

  • 39

    elas fossem adolescentes, ns eliminamos um perodo

    importante da infncia elas pulam do perodo em

    que ainda so toddlers (crianas entre um e trs anos)

    para a adolescncia. Ns temos garotas da pr-escola

    preocupadas se esto gordas, se so bonitas, se vo

    conseguir um namorado. E todas essas preocupaes

    so de adolescentes.

    Essa fase que fica para trs, a meia infncia (entre trs

    e 10 anos), um perodo em que a criana pode se

    concentrar em desenvolver habilidades, em aprender e

    em explorar o mundo sem total conscincia de si. um

    tempo de desabrochar, especialmente para as meninas,

    e a sociedade de consumo trabalha para negar essa

    fase essencial de crescimento e desenvolvimento.

    Qual a importncia do brincar? Por que isso to

    essencial para as crianas?

    Ter contato com brincadeiras criativas fundamental para o aprendizado, criatividade, para a soluo

    construtiva de problemas e para habilidade de

    autocontrole. Arte, religio e descobertas cientficas so

    todas enraizadas na nossa capacidade de brincar.

    dessa forma tambm que as crianas aprendem a

    lidar com a vida e a encontrar significados. Brincadeiras

    criativas proporcionam uma janela dentro do corao

    e da mente das crianas dessa forma que elas

    expressam suas prprias verdades. Alm do fato de

    serem alimentadas, terem uma casa e amor, no existe

    A importncia do brincar SUSAN LINN

  • 40

    nada mais importante para a sade de uma criana

    durante sua infncia do que brincadeiras criativas.

    Hoje, crianas brincam de pipa, mas tambm

    navegam na internet. Como lidar com essa realidade

    e usar as tecnologias de forma produtiva?

    Para usar as novas tecnologias de forma produtiva com as crianas, necessrio ter certeza de que h um

    equilbrio na maneira como a criana usa seu tempo.

    Atualmente, existem muitas telas na frente das

    crianas vendendo coisas demais. Nos Estados Unidos,

    as crianas esto gastando 40 horas por semana com

    mdias depois da escola. Pelo mundo, assistir TV

    a atividade mais comum entre as crianas. Isso

    est se tornando um hbito. Uma maneira de garantir

    que elas usem a tecnologia de forma produtiva

    assegurando que no se tornem dependentes ou at

    mesmo viciadas.

    preciso garantir que as crianas tenham tempo

    de brincar ao ar livre e interajam com a natureza.

    Precisamos ajudar os pais a analisar em que momento

    devem apresentar essas mdias aos seus filhos e a que

    tipo de contedo esto expostos. A Academia Americana

    de Pediatria [AAP] recomenda nenhuma exposio a

    TVs e computadores antes dos dois anos de idade.

    No h evidncia concreta de que essas mdias so

    educativas para bebs. Estudos mostram que quanto

    mais bebs e crianas que esto na pr-escola so

    expostos a tais mdias, menos tempo eles gastam em

    A importncia do brincar SUSAN LINN

  • 41

    duas atividades fundamentais: brincadeiras criativas

    e interao com os pais. O rgo ainda recomenda

    limitar a quantidade de tempo que as crianas mais

    velhas gastam em frente s telas e que os pais devem

    monitorar o que elas veem.

    Ns precisamos encontrar uma maneira de educar os

    pais de hoje, e futuros pais, sobre prejuzos e benefcios

    das mdias eletrnicas e ajud-los a fazer escolhas

    positivas para seus filhos.

    No seu livro The Case for Make Believe

    (ainda sem traduo no Brasil), h uma crtica

    aos brinquedos eletrnicos. Como eles podem

    contribuir positivamente ou negativamente no

    desenvolvimento infantil?

    Para crianas jovens, os melhores brinquedos so 90% crianas e 10% brinquedos. Os brinquedos que

    encorajam a brincadeira criativa so aqueles que esto

    l parados at que a criana faa alguma coisa com eles.

    Os brinquedos verdadeiramente criativos requerem

    esforo. Um brinquedo que anda, fala, dana, faz

    barulhos ou se move ao apertar de um boto encoraja

    a passividade, e no a criatividade. Brincar com jogos

    de computador ou navegar na internet pode ser

    divertido, mas para crianas pequenas, os brinquedos

    eletrnicos tendem a diminuir sua criatividade ao invs

    de estimul-la.

    A importncia do brincar SUSAN LINN

  • 42

    Se queremos que as crianas se tornem adultos ativos,

    curiosos e criativos, preciso proporcionar a elas desde

    cedo um contato ativo com o mundo, em que reaja ao

    que apresentado a elas.

    Quais so os fatores determinantes para a diminuio

    das brincadeiras criativas?

    Nos Estados Unidos, h muitos fatores que contribuem para isso. Os pais tm medo de deixar os filhos brincar

    fora de casa. Muitas crianas saem da escola e precisam

    fazer as lies de casa ou praticar esportes. As polticas

    nacionais de educao tm diminudo e at eliminado as

    brincadeiras dentro das escolas at mesmo no jardim

    de infncia. O maior fator a crescente entrada de

    mdias eletrnicas e do marketing na vida das crianas.

    Estudos mostram que, internacionalmente, a atividade

    mais comum entre as crianas assistir televiso. Os

    brinquedos mais vendidos so os eletrnicos, ligados a

    programas de mdias ou ambos. As pesquisas tambm

    sugerem que crianas brincam com menos criatividade

    quando os brinquedos so baseados em caractersticas

    de mdias e programas.

    Como os investimentos em marketing afetam as

    crianas e seu desenvolvimento?

    O marketing um fator presente em muitos dos problemas que as crianas encaram hoje: obesidade,

    transtorno alimentar, sexualidade precoce, violncia,

    A importncia do brincar SUSAN LINN

  • 43

    estresse familiar, valores materialistas e a eroso

    das brincadeiras criativas. Tudo isso est ligado ao

    marketing. Embora ele no seja a nica causa desses

    problemas, est presente em todos eles.

    Qual a diferena entre brinquedos estruturados e

    no-estruturados?

    Brinquedos estruturados so baseados em caractersticas de mdias, que s podem ser usados

    de uma nica maneira e que requerem o mnimo de

    esforo das crianas. Eles limitam suas habilidades

    de interagir com o brinquedo, de imprimir nele suas

    caractersticas pessoais, de us-lo como forma de se

    expressar e de conquistar uma sensao de domnio

    sobre seu mundo.

    Com brinquedos no-estruturados, os valores da

    brincadeira esto muito mais na criana. Dessa forma,

    ela precisa confiar em seus prprios recursos para

    conduzir a brincadeira. Blocos de madeira so um

    exemplo de brinquedo no-estruturado.

    Nos Estados Unidos, o consumo muito mais

    significativo do que no Brasil. O consumismo um problema maior para as crianas americanas?

    Na medida em que as naes se tornam mais ricas, mais inseridas na cultura do consumo, menos propensas

    ficam para regular o marketing voltado s crianas.

    A importncia do brincar SUSAN LINN

  • 44

    Os problemas causados pela comercializao para

    crianas certamente vo crescer nos pases emergentes.

    No estou em posio de julgar se o consumismo um

    problema maior para as crianas americanas do que

    para as brasileiras, mas eu sei que est crescendo, no

    Brasil, a preocupao com o impacto do marketing para

    as crianas. Por meio do Projeto Criana e Consumo,

    o Instituto Alana tem feito um grande trabalho para

    aumentar a conscincia sobre o tema e fomentar a

    vontade poltica para abordar o problema.

    A importncia do brincar SUSAN LINN

  • 45

    A importncia do brincar SUSAN LINN

  • 46

    As crianas esto sendo educadas por um outro mundo que foge aos muros da escola

    Foto

    : Ren

    ata

    Urs

    aia

  • 47

    A d r i a n a F r i e d m a n n ensina: o brincar fundamental ao ser humano, e no

    apenas criana. Cofundadora da Aliana pela Infncia

    no Brasil, educadora e pesquisadora do brincar, tendo

    publicado diversos livros sobre o tema.

    Nesta entrevista ao Projeto Criana e Consumo, Adriana

    afirma que a criana contempornea, ao contrrio do que muitos acreditam, brinca sim e est cada

    vez mais criativa. Para ela, o que falta um dilogo

    mais efetivo dos adultos com o mundo ldico infantil.

    H trs dcadas temos falado em um tom de

    saudosismo. Est na hora de a gente entender mesmo

    do que as crianas esto brincando, diz.

  • 48

    Projeto Criana e Consumo - Qual a importncia do

    brincar para o desenvolvimento infantil?

    A driana Friedmann - A partir de pesquisas, estudos e de muitos anos trabalhando com formao de professores

    e com o aprofundamento nessa rea, vejo que o brincar

    em si uma das linguagens essenciais do ser humano.

    Um recm-nascido se expressa por meio de gestos, de movimentos do corpo e do brincar. Claro que depois

    vem a expresso plstica, a arte, a expresso musical, a expresso verbal. Porm, o brincar permanece como um meio pelo qual as pessoas, principalmente as crianas,

    se expressam e conhecem o mundo a sua volta.

    Ento o brincar importante para todo mundo?

    Sim, para todo mundo. Embora o adulto encare o brincar como um comportamento infantil ele brinca,

    por exemplo, com as cores das roupas ao se vestir pela manh, quando decora a casa, quando coloca a

    comida no prato na hora das refeies... No fundo,

    h uma brincadeira, uma ludicidade no seu cotidiano.

    Muitos dos hobbies dos adultos tm o prazer do lado

    do ldico das brincadeiras.

    possvel definir o brincar?

    Existem muitas definies. Eu sempre digo para os meus alunos que as definies so to abrangentes como os seres humanos. O brincar foi estudado por

    filsofos, psiclogos, educadores, antroplogos,

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 49

    historiadores, um leque enorme de especialistas.

    Eu enxergo o brincar como uma linguagem ou forma de comunicao e expresso do ser humano, expresso da essncia do ser humano, mesmo que ele no tenha

    conscincia como o caso das crianas, que brincam

    sem saber que, no fundo, esto se mostrando ao mundo.

    Ns, adultos, que no enxergamos e, muitas vezes, no compreendemos essa linguagem. Hoje, um dos

    grandes desafios para o adulto tentar compreender o que a criana diz quando brinca de faz-de-conta, quando

    brinca com o corpo no jogo de capoeira, quando canta,

    quando toca instrumentos.

    Alguns especialistas afirmam que a brincadeira precisa ser estimulada na criana. Voc concorda?

    Alguns naturalistas dizem que o ser humano nasce sabendo brincar. Friedrich Schiller, filsofo alemo, dizia que o ser humano somente humano quando brinca, e

    humano porque brinca. Essa uma linha que diz que

    as pessoas j nascem sabendo brincar. E existe outra linha, hoje muito discutida, que diz que o ser humano

    aprende a brincar. Eu tenho um olhar diferente. Vejo

    um dilogo entre as duas coisas. Tanto o ser humano

    j nasce com o potencial do ldico, do brincar e da

    brincadeira, como ele tambm precisa aprender a

    brincar. Por exemplo: o beb chega ao mundo, e o primeiro grande brinquedo dele o prprio corpo e o

    corpo da me. Ele j nasce com o instinto ldico. Mas

    claro que, para a criana manipular objetos, brincar

    e dar sentido a uma brincadeira, muita coisa precisa

    ser aprendida.

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 50

    E qual a diferena entre o brincar e a brincadeira?

    A brincadeira um tipo de atividade ldica no-estruturada que se perpetua e transmitida de uma

    gerao para outra de forma oral, assim como os contos

    de fada e os contos populares. Brincadeiras como

    amarelinha, jogo das pedrinhas, pipa sempre existiram, desde a Antiguidade, e elas continuam existindo no mundo inteiro. De uma regio para outra, cada grupo

    apresenta variaes, mas a estrutura no muda ao

    longo da histria e da geografia do planeta. um fenmeno muito singular, mas h uma liberdade na

    brincadeira, uma flexibilidade ao se romper uma regra, por exemplo quando usamos uma pedrinha ao invs de uma bolinha. Depois, existem os jogos, que so estruturados. H os jogos universais, como o futebol,

    que tm regras fixas universais; e o jogo de xadrez, gamo, jogos de tabuleiro. Essas so as sutilezas desses

    conceitos do fenmeno ldico do brincar. No fundo,

    acho que o que interessa o esprito que perpassa

    essas situaes.

    Voc mesma fez esse questionamento: como

    possvel existir esse fenmeno ldico no mundo

    inteiro, atravessando geraes ?

    um fenmeno muito interessante porque faz parte do ser humano, das culturas locais e existe no mundo inteiro. como os contos e os mitos que, por algum

    fenmeno universal, so transmitidos e perpassam

    os livros, os manuais. Foi criado em Belgrado, na

    dcada de 1970, um projeto universal para o registro

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 51

    das brincadeiras tradicionais para que elas no se

    perdessem na era da tecnologia. Eu entrei nesse projeto

    representando o Brasil. A amarelinha continua sendo a

    amarelinha; a pipa continua sendo a pipa. Ela pode at

    funcionar com diferentes materiais, mas o importante

    a ideia de que a pipa tem que voar. O registro das

    brincadeiras populares um documento importante

    e, ao mesmo tempo, dbio porque o que interessa

    que as crianas brinquem. De qualquer forma, um

    patrimnio da humanidade.

    Voc fez parte de um projeto parecido com esse

    no jornal Folha de S.Paulo. Que experincia voc

    teve com o Mapa do Brincar?

    O Mapa do Brincar foi muito importante nesse momento, no fim da primeira dcada do sculo XXI.

    H trs dcadas temos falado em um tom de saudosismo:

    Vamos trazer as brincadeiras tradicionais!. Ficamos um

    pouco assustados com essa invaso do eletrnico, da

    TV, do videogame, e h um movimento para ensinar s

    crianas brincadeiras populares, como essa iniciativa do

    jornal Folha de S.Paulo. Est na hora de entendermos

    mesmo do que as crianas esto brincando, e ns,

    adultos, precisamos aceitar e mergulhar um pouquinho

    nesse universo que no conhecemos. A gente quer

    ensinar muitas coisas, mas as crianas esto nos dizendo

    outras. Elas esto muito criativas e inventam nomes

    para as brincadeiras. Elas juntam as brincadeiras que

    conhecem e que aprendem e as recriam, dando novos

    significados.

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 52

    Qual foi a principal descoberta do Mapa do

    Brincar?

    As crianas, na verdade, adaptam as temticas da vida delas s brincadeiras que fazem. E elas trazem

    perfis das pessoas que esto a sua volta e um pouco da cultura dessas pessoas. Para o Mapa do Brincar,

    ns fizemos uma classificao e criamos uma chamada outras brincadeiras. Essas outras brincadeiras so

    justamente essas ressignificaes, invenes. muito singular, no so mais aquelas brincadeiras que a

    gente conhecia. H novos repertrios. As crianas

    esto brincando, mas esto dando personalidade s

    brincadeiras, personalidade da cultura local influenciada pela cultura global. Para o projeto, foram feitos, no

    Cear, dois pequenos documentrios sobre crianas que

    ensinavam a fazer alguns brinquedos. Aqueles meninos

    aprendem com o entorno deles, com o ambiente, ou

    seja, com os materiais que eles tm. Ns temos a

    tendncia de achar que se no ensinarmos a brincar,

    eles no brincam; se no dermos o material, eles no

    acham. E no assim. O grande tema dessa gerao

    criatividade. E no veio s material de criana que est

    na escola, mas justamente de quem est fora da escola,

    de quem est na ONG, na comunidade, no bairro.

    De que forma o distanciamento da natureza impacta

    a criatividade da criana?

    H dois anos, a Folhinha (caderno infantil do jornal Folha de S.Paulo) fez um levantamento que se chamava

    Ser criana hoje .... As crianas tinham que escrever

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 53

    sobre vrios temas. Eu montei uma equipe de pesquisa

    e, hoje, ns estamos trabalhando em cima desse

    material. Esse trabalho um pouco diferente do Mapa

    do Brincar porque as crianas tiveram muita liberdade

    para falar do que queriam medos, natureza, famlia,

    bichos, brincadeiras. E temos tido algumas surpresas,

    pois as crianas esto muito assustadas com o que est

    acontecendo com a natureza, com o que as geraes

    anteriores esto deixando para elas, com o aquecimento global, com a violncia... Elas esto trazendo alguns

    pedidos de socorro nesses depoimentos. Uma chuva,

    uma ventania, e as crianas, principalmente nos

    centros urbanos, se sentem inseguras, querem ficar resguardadas. Em pases em que o clima muito frio,

    as crianas saem e brincam na neve. Aqui no assim.

    Esfriou, vai todo mundo para dentro de casa. Acho que

    h o medo porque no h contato com a natureza. Mas

    no porque essas crianas no tm esse contato que

    elas no so criativas. No porque tm contato com

    computador e videogame que no so criativas.

    Acho que h um engano com alguns conceitos. O que

    acontece hoje um consumismo desenfreado com

    relao ao brinquedo. Por qu? propaganda, porque

    o amigo tem. Mas, no fundo, esse eu quero uma

    forma de preencher um vazio mais profundo, que passa

    pelo afetivo, pela falta da presena do pai e da me.

    Renata Meirelles, educadora, tem uma pesquisa muito

    interessante. Ela vai para as comunidades ribeirinhas,

    onde as crianas pegam galhos de rvore, fazem um

    pio e o pio se perde na mata, e no dia seguinte

    comea tudo de novo. So crianas que no tm o

    mesmo apego que as nossas crianas, de que algo

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 54

    um tesouro, mas sim um tesouro que est imbudo

    de um significado mais profundo. No existe somente o desejo de possuir aquele objeto, mas a conscincia

    de que naquele momento a me deu ateno a ela

    porque simplesmente o comprou. Eu vou um pouco

    alm. Quando vejo a criana brincar com uma arma

    ou de maneira que pode parecer violenta, penso que

    ela est expressando uma coisa muito profunda de si mesma. uma angstia para o adulto ver aquilo. Ento,

    ficamos do outro lado e falamos: Apaga isso; Isso no bom para voc.

    Nesse sentido, h uma falta de dilogo do adulto

    com a criana?

    O que precisamos fazer mergulhar no mundo delas. As crianas entram em um universo de fantasia que

    no mais aquela fantasia que vivenciamos na nossa

    infncia, mas que tambm tem coisas interessantes

    e positivas. As crianas tm regras prprias, valores

    prprios, por isso, alm de ensinar, ns tambm temos

    que aprender com elas. Estamos em um momento do

    trabalho com a infncia em que precisamos ouvir as

    crianas a partir de suas linguagens.

    Quando o brincar comeou a fazer parte da educao

    formal?

    H registros arqueolgicos que indicam que o brincar existe desde que o homem homem e, antigamente, os adultos brincavam e se misturavam com as crianas.

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 55

    Hoje, o brincar entra na escola como um instrumento de

    ensino e se pedagogizou. O prazer de brincar ainda fica restrito para a hora do recreio. E o que vem acontecendo?

    As geraes dos ltimos 20 anos so de crianas que

    no ficam quietas, no prestam ateno. O brincar como instrumento de ensino pode virar uma obrigao e,

    paralelamente a isso, o tempo de recreio vem diminuindo

    a cada ano. As crianas esto ficando mais reprimidas e com menos tempo para se descobrirem.

    Qual seria o modelo mais interessante para o

    desenvolvimento da criana?

    No h um modelo fechado, mas sim situaes mais espontneas e situaes direcionadas. A situao

    espontnea um momento em que o educador tem

    a oportunidade de registrar reaes, de perceber o

    potencial da criana, o interesse, a necessidade. No meu

    entender, tem de haver, em todas as disciplinas e at em

    todos os graus, um equilbrio entre as duas situaes

    e sempre levar em conta a adequao conforme o

    estgio de desenvolvimento de determinada criana.

    Conhecer como se d esse processo de desenvolvimento

    cognitivo, emocional e fsico muito importante para

    adequar as propostas.

    Houve, nos ltimos anos, um aumento da presso

    por aprendizado em cima da criana?

    A presso vem do mercado para as universidades, das universidades para o Ensino Mdio e para o Ensino

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 56

    Fundamental. Nos ltimos 15 anos, houve um aumento

    enorme no ndice de criana hiperativa j taxada, medicada, encaminhada. O que est errado? Primeira

    coisa: criana com agendas extensas, fazendo esporte, arte, lnguas. Temos que olhar tambm para as doenas,

    crianas com dor de cabea e de barriga, depresso.

    Algumas se sentem muito pressionadas e outras, que

    vivem uma realidade diversa, tendo de trabalhar para

    ajudar no sustento da famlia. E, dependendo da regio

    e do trabalho, precisam parar de ir escola para ajudar

    na poca da colheita. Muitas vezes, no compreendemos

    como funciona determinada cultura, por isso os nossos

    olhares precisam ficar um pouco mais relativizados nesse sentido. As crianas, de um modo geral, esto sendo

    educadas por um outro mundo que foge aos muros da

    escola, e por isso que os educadores precisam reagir.

    As ONGs, a educao no formal tm tido uma resposta

    muito mais adequada em diversos casos.

    Isso tem relao com uma crise da sociedade de

    consumo?

    Sem dvida. No Cear, por exemplo, h boas experincias com crianas, como a experincia do Instituto da Infncia, que leva o brincar para comunidades rurais.

    Casa de palafita, com antena de TV em todas elas, a natureza p no cho, as riquezas locais, e as crianas

    muitas vezes no do valor. Elas valorizam as salas

    fechadas, cheias de brinquedos industrializados, que no

    fazem parte daquele lugar, mas ao mesmo tempo so

    da cultura do mundo, porque o mundo est globalizado.

    H um dilogo dessa cultura local ldica com a cultura

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 57

    que vem via meios de comunicao. Ento, o educador

    da cidade almeja natureza, e quem est na natureza

    almeja o que est na cidade.

    Voc uma pessoa otimista em relao situao atual da infncia?

    Sou otimista sim. Na dcada de 1980, quando comeamos a falar da importncia do brincar, no havia

    interlocuo. Hoje, ns temos muitos formadores, temos

    o brincar nas leis, o brincar na escola, o brincar como

    direito, os fabricantes de brinquedos com a conscincia

    de que o que eles esto fabricando especial, que deve

    existir um cuidado com o material, com a segurana. Sinto que ao mesmo tempo em que a situao est

    to catica, h um contraponto de um grupo muito

    grande em favor do brincar. H um potencial que est

    perpassando todas as instncias para humanizar a era

    da tecnologia.

    A importncia do brincar ADRIANA FRIEDMANN

  • 58

    importante que a criana seja impregnada com o que

    h de melhor da sua cultura

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  • 59

    P a u l o T a t i t tem fs grandes e pequenos. H 15 anos, ele criou o

    selo Palavra Cantada ao lado da cantora e compositora

    Sandra Peres, e, desde ento, produz msica de qualidade

    para crianas. A inteno fazer canes modernas que

    dialoguem com os mundos infantil e adulto. No por acaso,

    as msicas do Palavra Cantada j fazem parte do repertrio

    de muitos pais e educadores Brasil afora.

    Nesta entrevista ao Projeto Criana e Consumo, o artista

    diz perceber uma preocupao cada vez maior com a

    importncia do brincar, mas que grande parte da produo

    cultural infantil ainda muito pouco criativa. Quem est

    no comando no tem noo do que uma criana. o tipo

    de pessoa que rompe com a infncia e que fica projetando coisas que no tm nada a ver.

  • Projeto Criana e Consumo - O Palavra Cantada tem

    15 anos de histria. O que levou voc a trabalhar

    com msica para crianas?

    Paulo Tatit - Quando decidimos fazer um disco para crianas, foi por um interesse bem musical, para criar

    um repertrio de canes de ninar que tivesse mais

    a ver com os dias de hoje. E acabamos fazendo uma

    msica que fala com a criana e com o adulto ao mesmo

    tempo. Continuamos nessa estrada porque tivemos uma

    resposta muito boa do pblico e da crtica. Passou a ser

    quase um dever continuar fazendo msica infantil.

    Uma das dificuldades de produzir cultura para crianas entender o mundo ldico delas. Como

    o processo de criao de vocs?

    Tem gente que faz uma ruptura muito grande com a infncia. Mas, para mim, esse processo foi diferente,

    no sei dizer por que motivo. Talvez porque os artistas,

    de um modo geral, sempre voltam infncia. Para

    eles, esse lado ldico da vida mais intenso, porque

    so pessoas que tm um fio condutor que tenta no

    esquecer o passado. O passado faz parte de tudo. Acho

    que isso acontece comigo, com a Sandra (Peres), com

    os meus parceiros, como o Arnaldo Antunes. Mantenho

    vivo aquele jeito da criana de achar graa em tudo e

    visito isso de vez em quando.

    Outro aspecto importante observar as crianas. Posso

    estar olhando meio de rabo de olho, fazendo outra

    A importncia do brincar PAULO TATIT

    60

  • coisa, mas a minha ateno vai naturalmente para elas.

    Ento, eu vejo caretas, ouo comentrios engraados,

    vejo se uma criana est feliz, se est introvertida. Com

    isso, tenho mais facilidade de me comunicar com ela.

    Se prestarmos ateno em uma festa de famlia, tem

    gente que nem sequer olha para as crianas. Aquilo

    coisa de criana. A pessoa coloca uma barreira e

    no se visita mais. E na minha famlia isso muito

    diferente. Ento, acho que o meu trabalho e o meu

    interesse pelo mundo infantil vm disso, de nunca ter

    rompido totalmente com a infncia.

    Em sua opinio, qual o problema de se romper

    com a infncia? Voc acha que ns vivemos em

    uma sociedade cada vez mais distante do mundo

    das crianas?

    Eu discordo da viso de que a nossa sociedade est se distanciando do ldico. J foi pior. Um pouco do sucesso

    do Palavra Cantada vem de algo que aconteceu na

    nossa sociedade, pois hoje h muitos pais interessados

    em acompanhar as atividades mais sutis de seus filhos.

    Meu pai queria que eu fosse escola. O pai de hoje

    est interessado no que o filho escuta, de que tipo de

    filme ele gosta.

    Mas isso no est restrito a um pblico seleto?

    O pblico do Palavra Cantada bem diversificado. Inclusive, um dado importante que professores da rede

    A importncia do brincar PAULO TATIT

    61

  • 62

    pblica usam nossa msica como fonte de educao, em

    sala de aula. Acho que, de um modo geral, as pessoas

    comearam a perceber a importncia do brincar; que

    o brincar vale alguma coisa. Na poca em que eu era

    criana, brincar no valia nada. Depois, comearam a

    teorizar: Isso aqui traz sociabilidade, aprimoramento

    psicomotor... Hoje, vivemos um momento de reflexo sobre algo que antigamente no era feito para se pensar,

    que simplesmente acontecia.

    H uma preocupao do Palavra Cantada com o

    brincar, de fazer uma representao para a criana,

    de interpretar?

    Muitas msicas levam a uma brincadeira. O prprio arranjo muitas vezes palpvel e convida a tocar

    junto, a danar. Eu sempre trabalho duas linhas: fazer

    uma msica cujo arranjo mais delicado, com poucos

    elementos para que a criana perceba os sons dos

    instrumentos, e um arranjo mais preenchido, que

    pode ser escutado no rdio e na televiso. Ento, tem

    aquele disco que eu imagino a criana ouvindo no

    quarto, prestando ateno no sax, no violo, no baixo. E tem o disco para ela ouvir em ambiente de festa,

    com uma msica mais complexa, com todo mundo tocando ao mesmo tempo. Esse tipo de disco perde em

    ludicidade musical pura dos instrumentos, mas ganha

    na ludicidade de canto e dana.

    Li uma entrevista em que voc diz que formou o

    Palavra Cantada porque sentiu um vazio muito

    A importncia do brincar PAULO TATIT

  • 63

    grande nas msicas infantis. Mas, na dcada de 1970

    at o incio dos anos 80, havia uma produo cultural

    muito rica para esse pblico. O que aconteceu

    nesse meio-tempo?

    Muitas vezes h uma projeo do mundo do adulto para o mundo da criana, em que se quer representar

    uma infncia idealizada. Por exemplo: tpico pensar

    que preciso fazer com que a criana fique eufrica.

    Hoje, todos os programas e msicas na TV so um

    pouco assim. Alm disso, as verses traduzidas no

    tm rima nenhuma, no tem trabalho artstico. E as

    crianas esto ouvindo direto, porque TV no preo

    pra gente. No d para competir. Embora a nossa

    msica fique na cabea das crianas, elas so muito

    mais expostas programao televisiva. E eu duvido

    que elas guardem uma msica de programas infantis

    por mais de um ms. Acho muito ruim ter de ser sempre

    uma coisa eufrica. Parece que a criana precisa estar

    sempre feliz, que no pode ter introspeco, no pode

    ter mundo interior, no pode ter subjetividade... Tem

    que estar sempre pulando para o adulto ver. Acredito

    que o povo que precisa cuidar da educao de suas

    crianas. Eu adoro msica americana, meus heris so

    ingleses e americanos, mas para as minhas crianas eu

    quero passar outra coisa. No gosto do tipo de contedo

    do Hi-Five e do Barney (ambos programas infantis

    veiculados no canal Discovery Kids). Na adolescncia

    diferente, porque j somos capazes de fazer nossas

    prprias escolhas. importante que a criana pequena,

    at 10 anos, seja impregnada com o que h de melhor

    da sua cultura.

    A importncia do brincar PAULO TATIT

  • 64

    Por que isso to importante?

    A mensagem que a criana recebe no passa por reflexo, nem opinio. Se ela s tiver acesso a essa

    msica americanizada, ela ser impregnada de msica

    da pior espcie, e isso fica dentro dela, no tem filtro.

    Muito melhor que a criana oua um tipo de msica

    que tenha a ver com o corao do Brasil, como as

    que vm da frica, da viola, do campo, do caipira.

    A nossa tentativa aprofundar o que brasileiro,

    genuno, no sentido de criar uma raiz na criana.

    Depois, com essa raiz criada, ela pode ouvir qualquer

    coisa, mas a j tem aquilo que dela, do povo dela.

    Uma vez, tentamos penetrar no mercado de Portugal

    e percebemos que no havia espao. Era como se os

    portugueses dissessem: V cuidar de suas crianas

    l, que das crianas daqui cuidamos ns. A gente

    mandou tudo de melhor que tnhamos e s recebemos

    no, no e no. Vocs com suas deformaes de

    linguagem e suas msicas miscigenadas [risos].

    Por que a produo cultural de massa to

    empobrecida?

    Porque quem est no comando no tem noo do que uma criana. o tipo de pessoa que rompe

    com a infncia, que fica projetando coisas que no

    tm nada a ver. Os caras que esto no comando da

    TV brasileira no tm preparo. E quem tem preparo,

    no tem o perfil de ser dono de emissora, que

    algo muito agressivo, muito competitivo. A Globo

    A importncia do brincar PAULO TATIT

  • 65

    sabe fazer novela e jornal muito bem. Mas na hora

    de fazer um programa infantil, fica tudo perdido.

    Ou ento esses canais de TV a cabo para crianas:

    como pode uma mesma emissora transmitir uma

    coisa maravilhosa como Charlie e Lola ou Pocoyo

    e, ao mesmo tempo, passar Barney, insuportvel,

    e Hi-Five (ambos veiculados no Discovery Kids)?

    A mesma emissora mistura coisas absolutamente

    diferentes porque, na verdade, est interessada na

    audincia. A nica emissora que comeou bem, com

    gente que entendia de criana, foi a TV Cultura. Mas

    agora tambm j se perdeu um pouco. O Cocoric,

    por exemplo, um programa que tem tudo para dar

    certo, mas o Julio, como heri, um personagem

    bobo. Fiquei meio decepcionado quando assisti

    com minha filha. O Julio tinha que ser mais esperto

    (risos). J o Pocoyo, que uma produo de massa,

    maravilhoso, inteligente.

    Ento voc acredita que a produo de massa

    pode ter boa qualidade?

    Algumas dessas grandes produes da Disney e da Pixar para crianas so muito boas. Minha filha no

    vai ao cinema. Mas eu e minha mulher vamos. O filme

    Era do Gelo 3 em terceira dimenso, por exemplo,

    encantador, porque no fica explorando o lado

    nervoso, frentico. Tem um floquinho de neve que

    quase esbarra no seu nariz. O roteiro maravilhoso,

    as ideias so boas. No d para tachar como se fosse

    tudo a mesma coisa.

    A importncia do brincar PAULO TATIT

  • 66

    Entrevistei uma psicloga de Harvard que fala muito

    sobre criana sendo tratada como pequeno adulto, e

    adulto sendo tratado como criana, principalmente

    pelo marketing. Existe uma inverso de valores?

    Acho que quando o adulto constri algo para a infncia, tenta criar uma realidade artificial, em que as crianas so todas felizes, como se no tivessem visto o pai

    gritando com a me, a professora que chegou chorando

    na escola ou a bab impaciente. como se a criana

    no estivesse exposta a um monte de coisas que ela no entende. Uma criana de quatro anos assiste

    televiso durante o dia e acaba vendo, no comercial

    da novela, uma pessoa chorando, outra apontando

    um revlver. Aquilo suficiente para ela ter uma noite mal dormida. um mundo muito complicado. O que

    est se passando no interior de uma criana no so

    s flores.

    A importncia do brincar PAULO TATIT

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    A importncia do brincar PAULO TATIT

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    www.criancaeconsumo.org.br

    Ana Lucia Villelaba de ideias

    Lydia Hortlio

    cultura da infncia

    Adelso Murta Filhono quintal

    Susan Linnoutros mundos

    Adriana Friedmanngerao criativa

    Paulo Tatitvida de criana

    A importncia do brincar

    Criana e Consumo Entrevistas