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Cristo Minha Esperança
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CRISTO, MINHA ESPERANA
Reflexes para o Tempo da Pscoa
Por Francisco Faus
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INTRODUO: QUANDO OS SORRISOS SE RENEM
- Dize, dize-nos, Maria [Madalena], que viste no caminho?
- Vi o sepulcro de Cristo que est vivo, e a sua glria de ressuscitado;
vi as testemunhas anglicas, o sudrio e as vestes. Cristo ressuscitou, minha esperana!...
(Seqncia da Missa do Domingo de Pscoa)
Alguns dos leitores que acabam de abrir este livro j tm idia de que os Sorrisos
isto , os Coraes Sorridentes gostam de reunir-se pelo Natal (coisa lgica, porque o
Natal o Sorriso de Deus que est vindo at os homens), e at j fizeram, juntamente com
esses Sorrisos, a sua reflexo natalina1.
Mas bom saber que sobretudo na Pscoa que os Sorrisos chegam ao cume da sua
alegria e desejam reunir-se para partilh-la. Feliz Pscoa! dizem uns aos outros esses
Coraes cheios de f. Feliz Pscoa! vo respondendo todos, abrindo de par em par
seus Sorrisos radiantes. Mas no pense que o seu cumprimento , como s vezes o nosso,
uma mera formalidade, uma saudao superficial com cheiro de chocolate.
Eles sabem muito bem o que aconteceu na Pscoa, no dia da Ressurreio de nosso
Senhor Jesus Cristo. Eles sabem melhor do que ningum que, na Pscoa, todos os Sorrisos
alegres (porque h sorrisos amargos, cticos e depreciativos) ganharam a imortalidade, e os
1 Ver Francisco Faus: Natal: reunio dos sorrisos. Novena de Natal, Ed. Quadrante, 2001
pasc 2
Coraes de onde eles brotaram j nada tm a temer. O prprio Jesus assim o prometeu na
ltima Ceia, e assim o cumpriu: Voltarei a vs e ningum vos tirar a vossa alegria.
Na manh da Pscoa, Jesus levantou-se vivo do sepulcro, depois de ter expiado os
nossos pecados com o Sacrifcio da Cruz. Ergueu-se - Deus e Homem verdadeiro - como
Vencedor definitivo do mal, do demnio, da dor e da morte. E quis entregar-nos a sua
vitria, para que fosse nossa. Ressuscitastes com Cristo! - escreve So Paulo no auge da
alegria. Isso quer dizer que tudo mudou! Agora tudo pode ser vitria, porque no dia da
Pscoa juntamente com Jesus ressuscitado, foi-nos dada a esperana.
***
Esta reunio dos Coraes sorridentes foi pensada para o Tempo pascal (esses
cinqenta dias que vo do Domingo da Ressurreio ao Domingo de Pentecostes), e tem
como finalidade ajudar-nos a meditar, mediante a clssica forma dos "dilogos" no caso,
dilogos entre alguns Coraes Sorridentes --, sobre a Pscoa e a esperana.
Os Coraes Sorridentes esto to contentes, que querem saborear devagar como
se saboreia um velho vinho do Porto as cenas da Ressurreio de Cristo nas quais se v,
com o encanto de quem contempla uma magnfica alvorada, a esperana a nascer nos
coraes dos discpulos de Jesus, aqueles homens e mulheres que a tinham perdido no
entardecer da Sexta-feira santa. Querem ver nascer a esperana no corao angustiado de
Madalena, no corao desiludido dos discpulos de Emas, nos coraes amedrontados,
abalados e desnorteados de todos os Apstolos, no corao cptico de Tom, no corao
humilhado de Pedro pecador, no corao exasperado e violento de Paulo... E vo saborear
essas cenas reunidos calmamente, em vrias noitadas, que vo ser como os antigos seres,
aqueles que aparecem em quase todos os contos e romances de Machado de Assis e que
algum dicionrio ainda define assim: "Reunio familiar, noite, em que algumas pessoas
fazem servios leves e outras conversam ou discutem algum assunto".
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Cada meditao cada um dos seres de que consta esta obra - tem a forma de um
dilogo entre quatro Coraes Sorridentes que, para facilitar as coisas, chamaremos com
os nomes de Moderador, Leitor pensativo, Leitor feliz e Leitor compassivo.
A referncia a tais Leitores j d a entender que esses seres foram pensados de
modo a propiciar, aos que assim o desejarem, meditaes feitas em comum (em grupos
de orao, reunies de casais, encontros, etc.), pelo sistema do teatro lido. Os participantes,
neste caso, assumem o papel de um ou vrios dos quatro interlocutores de cada sero, e
cada um l o seu texto em voz alta. Se o nmero de participantes for inferior ou superior a
quatro, aquele que assuma o papel de Moderador poder atribuir vontade dois papis a um
s leitor, ou dividir o script entre mais de quatro pessoas. Tambm podem resolver, de
comum acordo, utilizar s alguns desses seres, e deixar os restantes para outras ocasies.
Convir, porm, que esses leitores, como participantes ativos dos seres, faam de
vez em quando uma pausa e acrescentem, espontaneamente, as suas prprias
consideraes. Afinal so mais um no dilogo da noitada! E nada impede que, se esto
muito animados na conversa, cada sero seja dividido de comum acordo - em duas, trs
ou mais sesses, pois o nmero nove, nesta obra, no limitativo, mas corresponde apenas
ao nmero de passagens evanglicas escolhidas para meditar...
.
E no caso de acontecer que algum no possa, ou no queira, meditar em grupo e
prefira ler e refletir individualmente? Poder faz-lo tranqilamente e com o mesmo
proveito. Enquanto estas pginas estavam sendo escritas, teve-se sempre o cuidado de
prever que cada uma das reflexes pudesse oferecer idias e sugestes apropriadas tambm
para fazer meditao pessoal, a ss com Deus. E a forma dialogada no tem por que
dificultar isso, uma vez que, desde o tempo dos antigos gregos e antes mesmo deles -, at
aos nossos dias, tem sido um recurso literrio e pedaggico fartamente utilizado para ajudar
a refletir individualmente (a crianas, jovens e ancios) sobre questes filosficas, morais,
polticas ou religiosas. Se, no caso, este recurso adequado, o leitor dever julgar. Se no o
for, desde j lhe peo desculpas.
pasc 4
O importante que as consideraes espirituais que aqui se oferecem aos leitores
quer as pronunciem em voz alta, quer no - possam ajud-los a descobrir, junto de Cristo e
dos amigos de Cristo, por que perdem s vezes a esperana, por que so to frgeis as suas
alegrias, e como poderiam chegar a possuir, unidos a Cristo, uma esperana crist cheia de
imortalidade.
Talvez seja interessante advertir, ainda, que estas meditaes esto especialmente
pensadas para adultos, uma vez que os adultos e os velhos costumam precisar mais da
esperana do que os adolescentes. A idade madura j carrega um fardo de passado em que,
ao lado de belas alegrias e de recordaes inesquecveis, pesam tambm as desiluses, os
desenganos e os fracassos.... Em todo o caso, to freqente hoje, infelizmente, que
tambm os adolescentes e jovens conheam prematuramente o sabor amargo da decepo,
do vazio e do desencanto, que estou para corrigir o anterior e dizer simplesmente que todos,
de todas as idades, temos necessidade da esperana, e estas pginas quereriam ajudar os
que as lerem a compreender que Jesus ressuscitado lhes diz, como a Nicodemos, que
podem nascer de novo, que podem tornar-se como crianas e acender uns olhos redondos e
brilhantes, alumiados pelo fulgor da esperana.
. E, com isto, basta de palavras introdutrias, e passemos aos seres pascais, pedindo
antes, com So Paulo, que o Deus da esperana vos encha de toda a alegria e de toda a
paz na vossa f, para que pela virtude do Esprito Santo transbordeis de esperana
(Rom 15,13).
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PRIMEIRO SERO: MARIA MADALENA
(Joo, 20, 1-18)
Do vazio esperana
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MODERADOR.- Quando o Domingo de Pscoa comeava a clarear, um grande silncio
envolvia o descampado onde se encontrava o tmulo de Jesus. S duas coisas poderiam
chamar ali a ateno de um passante solitrio: uma grande pedra circular - que servira para
fechar verticalmente a entrada do sepulcro - fora rolada e estava posta a um lado; e perto da
entrada escancarada, uma mulher, em p, soluava baixinho, com um leve estremecer de
ombros, de modo que os primeiros raios de sol faziam cintilar as lgrimas que lhe
escorriam pelas faces. Era Maria Madalena. A apario de Jesus a Santa Maria Madalena
a primeira que contam os Evangelhos. Por isso, neste nosso primeiro sero, vamos
contempl-la com calma, ao mesmo tempo em que pedimos a Deus a graa de tirar desta
meditao uma primeira lio de esperana. Vejamos ento o que nos dizem os Santos
Evangelhos.
LEITOR COMPASSIVO.- Entretanto escreve So Joo , Maria conservava-se do lado
de fora, perto do sepulcro, e chorava. Era a segunda vez, naquele amanhecer de domingo,
que Maria ia at ao sepulcro de Jesus, incansvel no seu empenho por prestar uma ltima
homenagem a nosso Senhor. Ajudada por outras santas mulheres, queria ungir-lhe o corpo
que na sexta-feira santa s tinham podido ungir s pressas e de modo incompleto com
os aromas que haviam preparado.
LEITOR PENSATIVO. O que aconteceu foi o seguinte. Primeiro, Maria Madalena chegou
ao tmulo juntamente com Maria, me de Tiago e Salom, suas amigas. Estas ltimas
fugiram, trmulas e amedrontadas, ao verem que o sepulcro estava vazio. Maria, porm, foi
correndo procura de Pedro e Joo, para lhes dizer, quase sem flego: Tiraram o Senhor do
sepulcro, e no sabemos onde o puseram. Espanto geral! Os dois Apstolos saem em
disparada e ela vai atrs. Quando chegam ao tmulo, entram, e ficam perplexos ao ver que,
alm de estar vazio, os panos que tinham envolvido o cadver de Jesus permaneciam
intactos, com o mesmo formato que tinham quando envolviam o corpo de Cristo, s que
agora aplanados, como se o corpo do Senhor os tivesse atravessado, esvaziando-os sem
nem mesmo toc-los; e que o sudrio que lhe cobrira a cabea estava cuidadosamente
enrolado, tambm intacto, a um lado. Pedro e Joo, emocionados e perplexos, sentiram as
pernas tremer e o corao rebentar, e voltaram correndo ao Cenculo para avisar os outros.
pasc 6
Maria, porm, no arredou p de l. No queria ir-se embora. Queria encontrar Jesus,
queria honr-lo com carinho, mesmo que fosse apenas um pobre cadver dilacerado. Por
isso estacou ali, imvel, e ali ns a contemplamos chorando.
LEITOR COMPASSIVO.- As suas lgrimas eram a expresso do seu amor...
LEITOR FELIZ.- So Gregrio Magno, o grande Papa do sculo sexto, tem um
comentrio muito bonito a este respeito: "E ns temos que pensar diz ele na fora to
grande do amor que inflamava a alma daquela mulher, que no se afastava do sepulcro do
Senhor, mesmo quando os apstolos dele j voltavam. Buscava a quem no encontrava;
chorava procurando-o e, consumindo-se no fogo do seu amor, ardia no desejo de encontrar
aquele que imaginava roubado. E assim aconteceu que s ela o viu, a nica que ficou
procurando... Comeou a buscar, e no o encontrou; perseverou no seu querer, e achou-o;
de tal forma cresceram os seus desejos, e tanto se dilataram, que acabaram alcanando o
que buscavam".
MODERADOR.- Acho que a vida de Maria Madalena poderia ser definida assim: o Amor
com maiscula, ou seja, o Amor de Deus, procurou-a e salvou-a; ela correspondeu a esse
Amor e no se cansou, por sua vez, de procur-lo, de modo que toda a sua vida foi uma
busca ardente e um aprofundamento nesse Amor, como o foi a vida de muitos grandes
santos... Mas tem havido tantas confuses, tantas mentiras e interpretaes esquisitas sobre
o amor de Maria Madalena, que vale a pena lembrar a sua verdadeira histria. Poderia
fazer-nos um breve resumo, Leitor pensativo...?
LEITOR PENSATIVO.- Com prazer, pois vale a pena, tendo em conta que a confuso - na
maior boa f, alis - dura h sculos. Para comear, muito importante lembrar quem no
era Maria Madalena. Os melhores comentaristas do Evangelho, j desde os tempos de
Santo Agostinho, alertam-nos para que no a confundamos com outras duas mulheres do
Evangelho. Uma aquela pecadora pblica que certa vez banhou os ps de Jesus com
lgrimas de arrependimento e os ungiu com blsamo; e a outra Maria de Betnia, a irm
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menor pura e singela - de Marta e Lzaro, que tambm derramou perfume sobre a cabea
e os ps de Jesus pouco antes da Paixo, num gesto de fina cortesia, muito oriental.
MODERADOR.- Alm disso, acho interessante frisar que o Evangelho nunca disse que
Maria Madalena fosse uma prostituta ou que tivesse uma vida leviana. Alis, afirma algo
muito pior. Diz que, dela, Jesus tinha expulsado sete demnios. Isto muito srio. Bem
sabemos que o nmero sete na linguagem bblica significa muitos, uma multido. Pois
isso que dela nos dizem So Marcos e So Lucas.
LEITOR COMPASSIVO.- O que algo terrvel. Causa arrepios. S o podemos
compreender se tivermos conscincia de que o demnio como ensina a Bblia - , acima
de tudo, o pai da mentira, do orgulho e do dio. Como deve ter sido espantosa a vida dessa
pobre mulher! Um poo de dio, de raiva, de desconfiana, de mentira, de rancor... Pode
haver sofrimento maior? Um verdadeiro inferno! Uma mulher incapaz de amar, incapaz de
alegrar-se, incapaz de vibrar com a verdade, de admirar a beleza e de saborear o bem;
incapaz de perdoar, incapaz de sorrir com carinho para os outros...!
LEITOR PENSATIVO. - Voc falou certo. Um corao afastado de Deus e entregue ao
diabo ao pecado - como um poo escuro e fundo. L no pode penetrar um raio de luz
divina. A pessoa chega a tornar-se incapaz de acreditar que o amor, a beleza e a bondade
existam. S conhece as trevas em que se afunda.... Faz-me lembrar aquele personagem
estarrecedor do famoso romance de Joseph Conrad, "O Corao das trevas", que morre
dizendo: "O horror! O horror!"...
MODERADOR.- Ser que, de certa maneira, voc no acaba de pintar com traos
ampliados o retrato da tristeza que h hoje em dia em muitos coraes? Coraes
eternamente insatisfeitos. Pessoas que podem cantar, gritar, possuir, experimentar, danar,
agitar-se, embriagar-se de lcool, sexo, drogas e emoes radicais, mas que por dentro
esto sombriamente vazias. Vivem instaladas no "corao das trevas"... E, mesmo sem o
saberem, procuram, procuram.... Percebem que lhes falta o essencial, algo que passaram a
vida buscando sem encontrar. Sentem-se como algum que se esfalfou tentando apanhar a
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gua da fonte com uma escumadeira... Atormenta-as, ento, uma nsia de infinito que as
queima por dentro, mas que nenhum tesouro do mundo e nenhuma loucura do mundo e
nenhum prazer do mundo conseguem satisfazer... Eu diria que esto torturadas por uma
esperana distorcida, por um infinito desejo de felicidade, que corre expectante atrs do
vazio... lgico que essa esperana distorcida termine no desespero. O fundo do fundo da
vida delas a ausncia..., o vazio..., e morrem sem saber por qu...
LEITOR FELIZ.- claro como o sol que sofrem da ausncia de Deus! Essas pessoas
como Madalena antes de encontrar Jesus no sabem que o seu msero corao est
gritando aquelas palavras de um poema de Tagore: "Tenho necessidade de Ti, s de Ti!
Deixa que o meu corao o repita sem cansar-se. Os outros desejos que dia e noite me
envolvem, no fundo, so falsos e vazios. Assim como a noite esconde em sua escurido a
splica da luz, na escurido da minha inconscincia ressoa este grito: Tenho necessidade
de Ti, s de Ti!. Assim como a tempestade est procurando a paz, mesmo quando golpeia
a paz com toda a sua fora, assim a minha revolta bate contra o teu amor e grita: Tenho
necessidade s de Ti!"
LEITOR PENSATIVO.- Assim estava Maria Madalena, quando um belo dia de surpresa
Jesus foi busc-la. No conhecemos os detalhes. S sabemos que Jesus teve compaixo
dela, e dela expulsou sete demnios, como recordvamos acima. Agora eu convido-os a
pensar. J imaginaram o que deve ter sentido aquela alma, ao encontrar-se livre do Maligno
e inundada pelo dom da graa, conduzida por Jesus descoberta deslumbrante de Deus?
Que deve ter sentido quando experimentou qui pela primeira vez na vida a pureza e a
grandeza do Amor (pois Deus Amor...)?
LEITOR COMPASSIVO.- Eu imagino Maria como uma mulher que, de repente, "respira",
absorve Deus at ao fundo da alma, como uma aragem do Cu que a cria de novo; uma
mulher que, pela primeira vez, se apercebe de como bela a criao, todas as criaturas,
transfiguradas pela presena do Salvador. Vejo o seu corao como uma brasa
incandescente deixem-me fazer poesia! -, inflamada pelo amor que se derrama do Cu
sobre o mundo atravs do Corao de Jesus.
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LEITOR FELIZ.- natural que, a partir do dia em que o antigo corao das trevas foi
inundado pela f, pela esperana e pelo amor, comeasse a seguir Jesus e a servi-lo, com
uma dedicao abnegada e total, como conta o Evangelho, juntamente com outras santas
mulheres. Seguir Cristo tornou-se, a partir daquele momento, a razo toda a razo - da sua
existncia. Servir Jesus passou a ser para ela um puro amor, que cumulava de plenitude e
sentido o seu pensar, sonhar e viver.
LEITOR PENSATIVO.- Por isso, quando a avalanche de brutalidades da Paixo, o dio
implacvel dos inimigos, desabou sobre Cristo e o reduziu a um cadver ensangentado na
Cruz, Maria Madalena grudada Me do Salvador agarrou-se Cruz como quem se
agarra vida. Viver sem Jesus era para ela como para todos os coraes que encontraram
Cristo de verdade a vertigem de um vazio de morte. Essa a Madalena que hoje vemos
chorar junto do sepulcro do Senhor. Essa a razo de que s pense em buscar o meu
Senhor...
MODERADOR.- E assim aconteceu que...
LEITOR PENSATIVO.- Aconteceu, sim, algo comovente..., e que faz aflorar o sorriso aos
lbios. Recordemos o Evangelho: Chorando, inclinou-se para olhar dentro do sepulcro.
Viu dois anjos vestidos de branco... Eles perguntaram-lhe: "Mulher, por que choras?" Ela
respondeu: "Porque levaram o meu Senhor, e no sei onde o puseram"
LEITOR FELIZ.- Vocs vem? Madalena toda "procura". Encarnava aquelas palavras de
Isaas: A minha alma desejou-Te, meu Deus, durante a noite e, dentro de mim, o meu
esprito procurava-Te. Assim buscava Jesus...
LEITOR PENSATIVO.- O Evangelho continua, e agora vem o melhor: Ditas estas
palavras, voltou-se para trs e viu Jesus em p, mas no o reconheceu. Perguntou-lhe
Jesus: "Mulher, por que choras? Quem procuras?"
pasc 10
LEITOR FELIZ.- Eu vibro ao ver Jesus indo ao encontro daquela pobre criatura, como o
pai que desfruta por dentro ao pensar na surpresa maravilhosa que preparou para o filho. Ao
longo destes seres, vamos ver constantemente algo muito sugestivo, e que se pode
exprimir assim: depois da ressurreio, Jesus mais humano ainda, se possvel, do que
quando andava com os seus pelos caminhos da Galilia e da Judia... Torna-se mais
prximo, afetuoso, acessvel... E atentem para isso! - aparece com uma nova carga de
alegria: diverte-se alegrando os seus amigos com atitudes cheias de "bom humor", de um
divino e delicioso bom humor.
LEITOR PENSATIVO.- Como a que agora presenciaremos. Quem procuras? - pergunta
Jesus Madalena -, e ela, supondo que fosse o jardineiro, respondeu: "Senhor, se tu o
tiraste, dize-me onde o puseste, e eu o irei buscar". Jesus no quer prolongar mais a
aflio, e manifesta-se abertamente: Disse-lhe Jesus: "Maria!" O Evangelho aqui balbucia,
s sabe repetir a exclamao que saiu daquela Maria estremecida de gozo, com os olhos
arregalados e o corao prestes a explodir: Voltando-se ela, exclamou em hebraico:
Rabni!", que quer dizer "Mestre!"... Nesse exato momento, Jesus a olha com ternura e a
"nomeia" sua primeira mensageira da alegria da Pscoa: No me retenhas...Vai aos meus
irmos e dize-lhes: Subo para meu Pai e vosso Pai, mau Deus e vosso Deus. Maria
Madalena correu (nesse dia, realmente, no parou de correr...) para anunciar aos
discpulos que tinha visto o Senhor e contou o que Ele lhe tinha falado.
MODERADOR.- Agora, para Madalena, a vida voltava a ser Vida, com maiscula. O
futuro era radiante: o reencontro com Jesus encheu de novo o vazio da alma com a luz
clida e inextinguvel da esperana. E eu diria: "Pensemos nos nossos vazios. Ser que a
lio da Madalena no nos diz nada?" Todo o vazio, toda a amargura, uma ausncia, a
ausncia de Deus. Pode ser a terrvel ausncia provocada pelo pecado, pelos sete demnios,
mas pode ser tambm a ausncia de uma alma boa que perde Deus de vista, fica morna na
f, e acha ento inexplicveis muitas tristezas que a atormentam e que tm uma perfeita
explicao: so a ausncia do "amor" de Deus na alma, so a frieza de quem tem Jesus ao
lado (sempre est ao nosso lado, sempre nos procura, como fez com Madalena) e no o
enxerga, so a amargura esquizofrnica de quem se queixa de Deus, justamente na hora em
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que Deus mais a ajuda... Como Madalena, que pensava que Jesus (aquele Jesus que no
reconheceu) lhe tinha roubado Jesus... No acontece algo disto conosco?
LEITOR PENSATIVO.- Sim, diante de muitas dificuldades, lutas ou cruzes que Deus nos
envia para o nosso bem, pensamos tolamente que Deus nos abandonou ou se afastou de
ns. Que retirou a sua mo e no nos ajuda com a sua graa. E quando est mais prximo.
MODERADOR.- Acho que hoje podemos terminar o nosso sero com este pensamento,
que para guardar bem guardado e ruminar bem ruminado: "Toda a tristeza, toda a
amargura, toda a revolta, no fundo, uma ausncia de Deus (maligna ou benigna, mas
nunca boa)". Por isso, decidamo-nos a procurar Deus, a procurar Jesus com toda a nossa
alma, como Madalena: com a mesma determinao com que ela o procurou. "Onde est?"
diremos a ns mesmos - e responderemos com a deciso de aumentar o nosso
aprofundamento na f, a nossa leitura e meditao do Evangelho e das riquezas da doutrina
crist... E, se nos perguntarmos: - "Como ach-lo?", deveremos responder: - "Como
Madalena, que busca, pergunta, procura e no pra at achar", ou seja, como Jesus nos
ensinou: rezando, pedindo, orando sem cessar, pois a sua promessa no falha: Eu vos digo:
Pedi e dar-se-vos-; buscai e achareis; batei e vos abriro.
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SEGUNDO SERO: OS DISCPULOS DE EMAS
(Lucas 24,13-35)
Da decepo esperana
MODERADOR.- Hoje vamos contemplar dois homens decepcionados: os discpulos de
Emas. Aparecem voltando para casa, na tarde do prprio domingo de Pscoa. Nesse
mesmo dia diz o Evangelho de so Lucas -, dois discpulos caminhavam para uma aldeia,
chamada Emas, distante de Jerusalm sessenta estdios [cerca de doze quilmetros]. Iam
falando um com o outro sobre tudo o que se tinha passado. E o que se tinha passado era,
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nada mais nada menos, a paixo e a morte de Jesus, a "derrota" estrondosa de Cristo s
mos dos seus inimigos, a rejeio de Jesus por parte das mesmas multides que cinco dias
antes, no domingo de Ramos, o haviam aclamado entusiasmadas. Podemos imaginar, por
isso, qual era o seu nimo. Cabisbaixos, deprimidos, desnorteados, conversavam como
quem no acaba de acreditar que fosse possvel aquele afundamento dos seus sonhos.
LEITOR FELIZ.- So Josemara Escriv oferece-nos uma descrio simples e tocante da
apario de Jesus ressuscitado a esses dois discpulos: "Caminhavam aqueles dois
discpulos escreve em direo a Emas. Andavam a passo normal, como tantos outros
que transitavam por aquelas paragens. E ali, com naturalidade, aparece-lhes Jesus e
caminha com eles, numa conversa que diminui a fadiga. Imagino a cena, bem ao cair da
tarde. Sopra uma brisa suave. Em redor, campos semeados de trigo j crescido, e as
oliveiras velhas, com os ramos prateados luz tbia". Com essa descrio, logo nos
sentimos metidos no ambiente, participando "como mais um personagem"...
LEITOR PENSATIVO.- E o Evangelho diz que Jesus comeou a caminhar junto dos dois,
mas comenta So Lucas os olhos deles estavam como vendados e no o reconheceram.
Perguntou-lhes ento: "De que vnheis falando pelo caminho, e por que estais tristes?"... O
dilogo que se travou ento digno de ser meditado. Primeiro, como pessoas desiludidas e
frustradas, os discpulos responderam com mau humor, num tom rspido: Um deles,
chamado Clofas, respondeu-lhe: "s tu acaso o nico forasteiro em Jerusalm que no
sabe o que nela aconteceu estes dias?"... como se dissesse, meio admirado e meio
irritado: "Todo o mundo sabe. Onde que voc vive? S voc est por fora?..."
LEITOR FELIZ.- Que ironia! Dirigem-se rudemente a Jesus, lanando-lhe em rosto a sua
ignorncia a respeito da tragdia do prprio Jesus! Tudo isso chegaria a ser cmico, se no
fosse dramtico. Mas nosso Senhor, como em todas as cenas da ressurreio, mostra-se
especialmente afvel e bem-humorado com eles. at divertido. Fazendo-se de ingnuo,
pergunta-lhes "Que foi? Que houve?..." Com isso, quer ajuda-los a abrir o corao, como,
alis, deseja fazer conosco sempre que nos v desanimados ou tristes: Eu estou aqui diz-
nos -. Fala comigo.
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LEITOR PENSATIVO.- E eles abriram mesmo o corao. Despejaram o vinagre da sua
decepo. Falaram ao caminhante desconhecido sobre um tal Jesus de Nazar, profeta
poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo, comentando os
acontecimentos trgicos da quinta e da sexta-feira santas, e contaram-lhe como tinha
acabado morrendo na Cruz. Depois, confessaram a sua tremenda frustrao: Ns
espervamos que fosse ele quem havia de restaurar Israel, e agora, alm de tudo isso, j
o terceiro dia que estas coisas aconteceram.
LEITOR COMPASSIVO.- Esse, exatamente esse, era o mal que lhes corroa a alma: Ns
espervamos. Tinham colocado toda a sua esperana no Senhor. Tinham apostado nele. Por
isso o haviam seguido, por isso tinham abandonado os seus planos pessoais, o aconchego
do lar..., tudo, jogando a vida numa s carta, numa s esperana: a de que Jesus fosse o
poderoso Rei-Messias anunciado pelos Profetas, que triunfaria sobre todos os inimigos e se
assentaria no trono do Reino de Israel, restabelecendo-o para sempre. Ningum lhes tinha
contado ainda que, na Paixo, Jesus declarara inequivocamente a Pilatos: O meu Reino no
deste mundo...
LEITOR PENSATIVO.- Porm, eles, quase com certeza, j lhe tinham ouvido dizer: O
Reino de Deus est dentro de vs... E tambm tinham escutado muitas das parbolas do
Reino, que falavam, por meio de belos simbolismos, de um Reino de graa, de paz e de
amor que cresce nos coraes, nas famlias, nas sociedades, como o trigo que germina de
noite e de dia; como o gro de mostarda que pequenino e se torna rvore alta; como o
fermento invisvel que a mulher pe na massa de farinha e acaba fermentando-a toda... Ou
como um Pai que perdoa o filho fugitivo, e um Pastor que procura a ovelha perdida e que
, ao mesmo tempo, o Rei-Deus que nos convida a participar do seu banquete de amor
eterno...
MODERADOR.- Poderamos definir o engano dos discpulos de Emas igual ao de
muitos dos atuais discpulos de Cristo como "um erro de esperana". A esteve a sua
falha. Tinham esperana, mas era uma "esperana errada", no era a virtude crist da
pasc 14
esperana. Em conseqncia, estavam irremediavelmente fadados decepo e ao fracasso,
como quem aponta uma flecha para o alvo equivocado, ou dirige um veculo fora da
estrada, que, quanto mais rpido vai, mais perto est do desastre... Assim so muitas
mulheres e muitos homens de hoje. O seu mal a viso deturpada da esperana: esperam o
que no devem, e esperam mal. Os exemplos so inmeros...
LEITOR COMPASSIVO.- Infelizmente, so incontveis: falsas esperanas amorosas,
falsas esperanas profissionais, falsas esperanas de glria e triunfo, falsa confiana nas
riquezas....
LEITOR PENSATIVO.- Na realidade, o problema simples. Espera mal quem espera
qualquer coisa diferente da Vontade de Deus, qualquer coisa por grande e empolgante
que seja que esteja fora dos planos que Deus preparou para ele. Ento, acontece a essas
pessoas o que Jesus dizia aos fariseus: Frustraram o desgnio de Deus a seu respeito. A
vida deles foi um plano divino frustrado, que Deus no pode reconhecer como seu, e tem
que lhes dizer: No vos conheo, como Jesus dizia s virgens nscias.
MODERADOR.- Reparemos bem. As pessoas no ficam frustradas "principalmente" por
no terem alcanado os seus desejos, os seus sonhos. Talvez as piores frustraes sejam as
dos que os alcanaram ("J estou na faculdade, j tenho emprego, j me casei") e depois
percebem que nada disso os preenche, no lhes traz felicidade. As pessoas ficam frustradas
"principalmente" porque sem sequer darem por isso - no atingem o ideal para o qual
foram criadas por Deus, ou seja, porque no foram fiis sua vocao de santidade, e por
isso desculpem a expresso rude a vida delas, em vez de ser desenvolvimento e
maturidade de um filho de Deus, foi um aborto. Fora do que Deus espera de ns, tudo
aborto!
LEITOR COMPASSIVO.- triste, mas realmente assim! Pensemos nos casamentos
fracassados. A maioria deles afundou-se porque marido e mulher "esperaram mal". O que
que espera a maioria dos noivos, quando vo para o casamento?
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LEITOR FELIZ.- Ser felizes!
LEITOR COMPASSIVO.- Certo, mas felizes como? Muitos deles s pensam em
receber do outro muito carinho, pacincia, compreenso, todo o aconchego para se
"sentirem bem" realizando os seus prprios sonhos, gostos e caprichos, os seus prazeres, e
at as suas manias ... Poucos pensam em dar e dar-se generosamente para o bem do outro e
dos filhos, em construir uma famlia com abnegao generosa e desprendimento alegre de
si mesmos, felizes por fazer felizes os demais. Mas chega a hora da verdade, aparecem as
dificuldades inevitveis...
LEITOR PENSATIVO.- E ento no compreendem que essas dificuldades so apelos para
se darem mais, para amarem mais, para dialogarem mais, e no para ms caras,
resmungos e gritos; que a hora da compreenso, e no a da imposio; que a hora de
escutar com humildade, e no de ter razo.... Infelizmente, no entendem nada disso. E,
ento, tudo vai por gua abaixo. No foram ao casamento preparados para o verdadeiro
amor, mas para "consumir" satisfaes (como "consomem" os outros caprichos e prazeres
da vida). natural que acabem dizendo, como os discpulos de Emas: "Ns espervamos
outra coisa"...
LEITOR FELIZ.- A vida no uma laranja para chupar e cuspir! Os outros no so cana de
acar para tirar o caldo e jogar fora o bagao! Deus no um seguro protetor de
egosmos, e os outros no so bens desfrutveis! Viver e ser feliz coisa infinitamente
maior do que "usufruir"!
MODERADOR.- Erro de esperana, dizamos. Sim. A verdadeira esperana, para falar em
sntese, a de alcanar Deus aqui na terra no modo de viver todas as coisas da terra - e
eternamente no Cu. Tudo o que conduz a isso bom. Tudo o que afasta disso mau. Tudo
o que conduz a isso acaba em felicidade j na terra -, e tudo o que afasta disso acaba em
tristeza, em frustrao e Deus no o permita em tormento eterno. muito bonito o que
diz o Catecismo da Igreja Catlica sobre a esperana. Ouamos: "A esperana a virtude
teologal pela qual desejamos como nossa felicidade o Reino dos Cus e a Vida Eterna,
pasc 16
pondo a nossa confiana nas promessas de Cristo e apoiando-nos no em nossas foras
prprias, mas no socorro da graa do Esprito Santo... A virtude da esperana responde
aspirao de felicidade colocada por Deus no corao de todos os homens; assume as
esperanas que inspiram as atividades dos homens; purifica-as para orden-las ao Reino dos
Cus; protege contra o desnimo; d alento em todo o esmorecimento; dilata o corao na
expectativa da bem-aventurana eterna. O impulso da esperana preserva do egosmo e
conduz felicidade do amor". um texto fantstico, que daria para meditar durante horas e
horas... Mas j deixamos os discpulos de Emas to longe, que precisamos voltar a eles.
O que fez Cristo quando eles "confessaram" a sua falsa esperana?
LEITOR PENSATIVO.- A, sim, Jesus ficou srio e falou sem rebuos. Comeou por
dizer-lhes algo que tambm ns, muitas vezes, precisaramos ouvir: " gente insensata e
lenta de corao para acreditar em tudo o que anunciaram os profetas! Porventura no
era necessrio que Cristo sofresse estas coisas e assim entrasse na sua glria?" E
comeando por Moiss, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o que dele se achava
dito em todas as Escrituras". Ou seja, Jesus desvendou-lhes lucidamente o plano de Deus
sobre a salvao do mundo, por meio do mximo ato de Amor, que foi a entrega de Cristo
na Cruz para a redeno dos nossos pecados.
LEITOR COMPASSIVO.- Deus Jesus, Deus e homem verdadeiro atingiu os limites
mximos do Amor ao dar-se na Cruz por ns sem se poupar em nada, e com esse amor
gratuito, ilimitado e fantstico, purificou e compensou todos os desamores os pecados -
dos homens, derramou a graa do Esprito Santo, que Amor substancial e fonte de alegria
e de paz para as almas, e abriu de par em par as portas da felicidade eterna no Cu. Quer
dizer que o que Clofas e o companheiro lamentavam como uma desgraa (a paixo e
morte de Cristo), era, na realidade, a maior maravilha de toda a histria da humanidade, o
maior bem da histria, o maior motivo de alegria de todos os sculos! Insensatos!, sim, os
que no vem isso e vo atrs de sombras e aparncias mais falsas que o diabo!
MODERADOR.- Jesus ia falando pelo caminho, e os coraes iam mudando. Um calor
novo os invadia, uma fasca de esperana se acendia. Aproximaram-se da aldeia para onde
17
iam, e Jesus fez como se quisesse passar adiante. Mas eles foraram-no a parar: "Fica
conosco, j tarde e o dia declina"..
LEITOR FELIZ.- Que orao bonita, para ns a fazermos, quando comearmos a sentir a
proximidade de Jesus: "Fica conosco! No nos deixes, queremos estar contigo, queremos
ter-te como amigo, queremos abrir-te a alma. Fica! E, alm do mais, bem que percebemos
que j se nos faz tarde, que a vida passa, que a vida acaba, sim, j tarde e o dia declina.
Olha, Senhor, que gastamos boa parte deste "dia" que a vida entre falsas esperanas e
verdadeiras frustraes. Precisamos de Ti. Por favor, fica, que s em Ti se acha a
esperana....
MODERADOR.- Ento, entrou com eles, e aconteceu que, estando sentados mesa, ele
tomou o po, abenoou-o, partiu-o e serviu-lho. Ento se lhes abriram os olhos e o
reconheceram..., mas ele desapareceu. Diziam ento um ao outro: "No verdade que o
nosso corao ardia dentro de ns enquanto ele nos falava pelo caminho e nos explicava
as Escrituras?"...
LEITOR COMPASSIVO.- Que maravilha! Que modelo para ns! Como dizia So
Josemara Escriv: "Caminho de Emas, caminho da vida"... Quando nos entristecer a falta
de sentido de tantas coisas, e sobretudo, quando nos acabrunharem as decepes que
parecem amontoar-se e afogar a esperana, faamos como os discpulos de Emas:
Primeiro, abramos a alma a Deus (s vezes, a melhor maneira de abri-la fazer uma
confisso muito sincera).
Depois, escutemos as suas palavras, meditemos a Sagrada Bblia e especialmente
os Evangelhos - com calma, com carinho, deixando que a Palavra de Deus penetre na alma
como a chuva na terra. Elas nos mostraro que o que nos parece ruim muitas vezes bom,
que a Cruz que julgamos ser uma porta que se nos fecha e nos deixa num beco sem sada
na realidade uma porta que se abre, para que entremos num mundo melhor, de mais
amor, de mais bondade, de mais pureza, de mais virtude.
Em terceiro lugar, acolhamos Jesus em casa, na casa da nossa alma, recebendo-o
sempre na Eucaristia, na Comunho, que a unio com Deus mais ntima que a criatura
pasc 18
humana pode ter nesta terra: Jesus em ns, Jesus alimento nosso, Jesus sangue do nosso
sangue e vida da nossa vida!
E por fim, a alegria. O corao desanimado, que estiolava e murchava, agora arde
dentro de ns, e inflama-nos com uma nova esperana. Vemos um novo sentido para a
vida, iluminado pela f e o amor de Cristo, e temos necessidade de correr ao encontro dos
outros, para contagi-los com a nossa esperana, como fizeram os discpulos de Emas
depois que Jesus os deixou.
MODERADOR.- Talvez j tenham lido as palavras com que Mons. Escriv comeava uma
homilia sobre a esperana. Seja como for, vale a pena l-las de novo, no final deste sero:
"H j bastantes anos, com a fora de uma convico que crescia de dia para dia, escrevi:
Espera tudo de Jesus; tu nada tens, nada vales, nada podes. Ele agir, se nele te
abandonares. Passou o tempo, e essa minha convico tornou-se ainda mais vigorosa, mais
funda. Tenho visto, em muitas vidas, que a esperana em Deus acende maravilhosas
fogueiras de amor, com um fogo que mantm palpitante o corao, sem desnimos, sem
decaimentos, embora ao longo do caminho se sofra, e s vezes se sofra deveras". Isto o
que aconteceu com os discpulos de Emas. Com o corao inflamado pela esperana,
desfazem o caminho dos desertores, voltam a reunir-se com os Apstolos e as santas
mulheres no Cenculo e participam da alegria que - no meio ainda de sombras e hesitaes
- comea a alastrar-se entre eles e que anuncia, mesmo que muitos ainda no o percebam e
estejam dominados pelo temor, um futuro de esperana pelos sculos dos sculos, at ao
fim do mundo: "O Senhor ressuscitou verdadeiramente!..." Esta a grande verdade! A
esperana crist acabava de nascer com a ressurreio de Cristo, e j no morreria nunca
mais.
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TERCEIRO SERO: OS APSTOLOS NO CENCULO
(Lucas 24,36-49 e Joo 20,19-23)
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Do medo esperana
MODERADOR.- Na ltima reunio, deixvamos os discpulos de Emas j reunidos com
os Apstolos e as santas mulheres no Cenculo, e comentando-lhes o encontro com Cristo
que acabavam de ter. Os Apstolos (todos, menos Judas, j morto, e Tom, que andava
ausente), e mais alguns discpulos mulheres e homens -, acolheram-nos agitados, alegres
e, paradoxalmente, ainda perplexos. J eram vrios os que falavam de que Cristo vivia
Ressuscitou, diziam, e apareceu a Simo! -; j se lhes ia acendendo no corao, como uma
chama vacilante, a esperana, mas o sentimento dominante da maioria ainda era o medo. E
sobre este medo que vamos meditar no nosso terceiro sero.Pode dar-nos luzes boas, a
ns que tambm conhecemos esta chama vacilante que oscila entre o medo e a esperana.
Poderamos relembrar o que diz o Evangelho?
LEITOR PENSATIVO.- So Joo, falando desse fim de tarde do Domingo da Pscoa,
comea por dizer que, ao anoitecer do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os
discpulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Esta
a primeira coisa que diz, para nos situar no ambiente: estavam trancados no Cenculo,
naquele quarto de cima onde Jesus institura a Eucaristia, porque tinham medo: temiam, e
com razo, que os mesmos que tinham acabado com Jesus quisessem acabar com eles, seus
discpulos.
LEITOR COMPASSIVO.- Quem no teria medo de sofrer, de ser preso, torturado e morto?
LEITOR PENSATIVO.- natural. Ns sentiramos a mesma coisa. Mas penso que, por
mais que compreendamos e desculpemos os discpulos, no devemos esquecer que esse
medo surgiu e cresceu sobre um vcuo de esperana que no deveria ter existido, e que
desagradou a Deus. Se no fosse assim, Jesus teria sido injusto ao recriminar, primeiro aos
de Emas e depois a todos eles, o fato de terem sido obtusos e lentos em crer no que Ele
prprio lhes dissera pelo menos trs vezes, bem claramente: que era necessrio que o Filho
do Homem padecesse muitas coisas... Era necessrio que fosse levado morte e que
ressuscitasse ao terceiro dia. E a mesma coisa haviam anunciado os antigos Profetas.
pasc 20
Quero dizer com isto que, nas razes desse medo, havia uma certa culpa, uma certa falta
contra a esperana. (Esclareo que digo isto s para que, depois, possamos tirar mais
proveito ao meditar a cena; no para censurar os Apstolos. Ns teramos falhado cem
vezes pior!).
MODERADOR.- Continuemos ento com a cena evanglica, pois h bastante coisa para
meditar...
LEITOR PENSATIVO.- So Lucas diz que, enquanto os de Emas ainda falavam com as
portas bem trancadas -, Jesus apresentou-se no meio deles e disse-lhes: A paz esteja
convosco!. Perturbados e atemorizados [vejam que o medo continua], pensaram estar
vendo um esprito [to longe estavam de ter certeza da Ressurreio]. Mas Ele disse-lhes:
Por que estais perturbados e por que surgem tais dvidas nos vossos coraes?...
LEITOR COMPASSIVO.- Os pobres Apstolos ficaram atordoados pela surpresa de ver
Jesus no meio deles... Era algo to fantstico, que lhes parecia impossvel, e tremiam de
medo de que no fosse verdade, e de que os seus sonhos tornassem a cair pelo cho,
despedaados, como lhes acontecera nas horas trgicas da Paixo...
MODERADOR.- Por isso, Jesus, cheio de carinho e de compaixo por aquelas crianas-
grandes, meio perdidas, deu-lhes provas arrasadoras de qualquer dvida, para que vissem
que tudo era verdade e explodissem de felicidade (e ns, cheios de f, tambm) ... Por que
surgem disse-lhes - tais dvidas nos vossos coraes? Vede as minhas mos e os meus
ps: sou Eu mesmo. Apalpai e vede, que um esprito no tem carne nem ossos, como
verificais que Eu tenho. Dizendo isto, mostrou-lhes as mos e os ps.
LEITOR FELIZ.- E eles, vendo-o, tiveram uma reao to humana! Foi como a da me,
que recupera o filho que julgava perdido, e, de to feliz, nem consegue acreditar que aquilo
seja verdade; custa-lhe crer que possa haver neste mundo uma alegria to grande! Diz o
Evangelho: E, como, na sua alegria, no queriam acreditar, de to assombrados que
estavam, Ele perguntou-lhes: Tendes a alguma coisa que se coma? Ento, ofereceram-
21
lhe um pedao de peixe assado; e, tomando-o, comeu diante deles. No acham fantstica
esta cena? Cristo glorioso comendo um pedao de peixe assado! (Deveria escrever-se um
poema dedicado a este peixe). No h aqui uma ponta daquele humor maravilhoso de que
falvamos nos dias anteriores? At parece que vemos Jesus sorrir, com malcia divina,
enquanto apanha o peixe, e o morde dos dois lados, e deixa a espinha no prato. Como Jesus
humano! E como divino, na grandeza do seu Amor!
MODERADOR.- E como bom este momento para aprofundarmos ainda mais no tema de
hoje: o medo e a esperana. Vocs sabem, com certeza, que Jesus falou vrias vezes aos
Apstolos sobre o medo. Vamos lembrar-nos de algumas dessas passagens...
LEITOR PENSATIVO.- Penso que a mais interessante aquela em que Jesus deu aos
Apstolos uma lio clarssima, para que aprendessem a temer direito, a temer bem, coisa
que no nada fcil. Porque se pode ter um medo bom ou um medo mau, um medo certo ou
um medo errado. Essa lio, deu-a Jesus certa vez em que estava falando da Providncia de
Deus nosso Pai. Explicou-lhes, ento, com carinho: Digo-vos a vs, meus amigos: no
tenhais medo daqueles que matam o corpo e depois disso nada mais podem fazer. Eu vos
mostrarei a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem o poder de lanar
no inferno; sim, eu vo-lo digo: temei a este.
LEITOR COMPASSIVO.- E, a seguir, os tranqilizou, dando-lhes a certeza de que podiam
esperar tudo da bondade de Deus, de tal modo que a esperana vencesse sempre o temor:
No se vendem cinco pardais por dois vintns? E, entretanto, nem um s deles passa
despercebido diante de Deus. At os cabelos da vossa cabea esto todos contados. No
temais, pois. Vs valeis mais do que muitos pssaros.
LEITOR PENSATIVO.- importante no perder de vista os "dois medos" de que fala
Jesus. H uma coisa comum a todos os medos e consiste no receio de perder algo que
amamos. So Toms de Aquino, com muita acuidade, diz que todo o temor nasce do
amor. E Santo Agostinho, mais potico, diz que o medo o amor em fuga (o amor que
quer fugir daquilo que lhe pode roubar o seu bem, ou seja, aquilo que ama). Assim, quem
pasc 22
ama o dinheiro e acha que o maior bem da sua vida, tem pavor de perder o dinheiro.
Quem ama muito a esposa ou o marido e os filhos seu maior bem na terra -, treme de
medo de perd-los. E quem ama a Deus sobre todas as coisas teme mais do que tudo perd-
lo eternamente ( o chamado santo temor de Deus).
LEITOR FELIZ.- Quer dizer que os nossos medos so como que a sombra dos nossos
amores. Se eu descubro o que que mais temo perder, perceberei o que mais amo na vida.
Isto faz-me lembrar aquele encantador brao-de-ferro entre So Lus, rei da Frana, e o
chefe do seu exrcito, Joinville, senescal da Champagne, contado por este ltimo na sua
biografia sobre o santo rei. So Luis disse certa vez a Joinville que preferia cem vezes mais
ficar leproso a cometer um s pecado mortal. Joinville, muito franco e desbocado, retrucou
dizendo que preferia cometer cem pecados mortais a ficar leproso. E So Luis ficou to
aflito que no dormiu e, no dia seguinte, chamou Joinville e, muito mansamente, lhe fez ver
que a lepra acaba quando morre o corpo, mas que o pecado mortal pode acompanhar a alma
no inferno por toda a eternidade.
MODERADOR.- E neste sentido que Jesus nos diz que no temamos o que nos pode
fazer perder os bens efmeros, e, pelo contrrio, temamos o que nos pode fazer perder os
bens eternos.
LEITOR PENSATIVO.- Normalmente, ns fazemos o contrrio. Horroriza-nos perder a
sade corporal, mas no nos horroriza perder a sade espiritual (o pecado mortal, que
preocupava So Lus da Frana). Os pais, com freqncia, fazem como Joinville; pensam
que, para o filho, mil vezes pior o risco de no entrar na faculdade do que o risco de no
entrar no Cu. Por isso, acham importantssimo que estudem horas e horas, mas no ligam
se os filhos no dedicam a Deus sequer a hora semanal da Missa, e no se confessam nem
uma vez por ano.
MODERADOR.- E, no entanto, os bens efmeros sempre nos deixam o corao
angustiado, porque, mesmo quando parecem mais seguros, inquieta-nos o medo de perd-
los. Porque todos eles so bens que mudam ou podem mudar (por exemplo, a fortuna ou a
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amizade), que morrem ou podem morrer (amigos, parentes, ns mesmos), que enganam ou
podem enganar (qualquer ser humano, pecador como ns, pode iludir-nos), que frustram ou
podem frustrar (como muito sonhos conquistados que depois nos decepcionam)... loucura
pr neles todas as esperanas da vida!
LEITOR FELIZ.- A doena, o desemprego, a falncia, a perseguio, a morte..., todas as
contrariedades e desgraas podem roubar-nos esses bens. Mas ningum a no ser ns
mesmos - pode roubar-nos os bens eternos, se procuramos viver no amor de Deus. Quem
nos separar do amor de Cristo? dizia So Paulo, num santo desafio. - A tribulao? A
perseguio? A fome? A nudez? O perigo? A espada? [...] Mas, em todas essas coisas
somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou. E conclui dizendo que no
existe poder nem fora nos cus, na terra e nos abismos que nos possa separar do amor de
Deus em Cristo Jesus Senhor nosso. S o nosso pecado! um grande cntico esperana!
Foi o que entoaram os mrtires, espoliadas e desenganados de tudo na terra, mas que
caminhavam para a morte cantando, com a esperana de receberem o abrao eterno de
Deus.
MODERADOR.- maravilhoso. Mas vamos pensar um pouco mais, e veremos que tudo
mais fantstico ainda do que consideramos at agora. Vejamos: quais so os bens eternos?
LEITOR PENSATIVO.- A rigor, a Vida eterna, o Cu, que a viso e a posse amorosa de
Deus supremo Bem e soma de todos os bens - para sempre. So tambm as coisas que nos
santificam e nos encaminham para o Cu, como as virtudes, a orao, as Confisses e
Comunhes bem feitas, os sacrifcios e penitncias oferecidos a Deus com devoo e
amor.... Mas...
MODERADOR.- Gostei desse mas, porque h mesmo um mas... Continue, por favor.
LEITOR PENSATIVO.- Mas, se ficssemos s nisso, no entenderamos bem o que Cristo
nos ensinou. Acho muito esclarecedoras as seguintes palavras de Jesus: No ajunteis para
vs tesouros na terra, onde a ferrugem e a traa corroem, onde os ladres furam e roubam.
pasc 24
Ajuntai para vs tesouros no Cu, onde nem a traa nem a ferrugem os consomem, e os
ladres no furam nem roubam. Cristo fala-nos de ir juntando, ao longo da vida, muitos
tesouros no cu, que jamais nos sero roubados, que no sero efmeros, mas eternos. E,
quais so esses tesouros? Todos os nossos pensamentos, palavras, aes, iniciativas,
empreendimentos, trabalhos, divertimentos, conversas, alegrias, etc, etc, que praticados
em estado de graa estiverem de acordo com a vontade de Deus, e forem marcados pela
retido e, sobretudo, pelo amor a Deus e ao prximo. Lembram-se do copo dgua?
LEITOR FELIZ.- Sim, aquilo que Jesus dizia: Todo aquele que der ainda que seja
somente um copo de gua fresca a um destes pequeninos, por ser meu discpulo, em
verdade vos digo, no perder a sua recompensa. Quer dizer que tudo o que for bom e
reto, tudo o que no for egosta, por pequeno que seja, se vivido com amor (a Deus e aos
nossos irmos) passa a ser um bem eterno, que a morte no poder levar. Jesus frisa
especialmente as boas obras, as obras de misericrdia feitas em favor dos necessitados: Tive
fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber [...] Todas as vezes que o fizestes
a um destes meus irmos mais pequeninos, a mim o fizestes. bonito viver assim, agindo
retamente, com corao grande, e tornando eterno pelo amor tudo o que fazemos!
LEITOR PENSATIVO.- mesmo. Pensemos bem: se vivssemos assim, que medo
poderamos ter? Eu acho inevitvel termos o medo psicolgico instintivo (pura reao
emocional), que nos acomete diante de um perigo, um assalto, uma doena grave, uma
incerteza... Mas o cristo pode superar tudo isso graas virtude da esperana, coisa que o
pago no pode fazer. Pode superar, porque a esperana crist (virtude teologal) nos
garante, com absoluta certeza, duas coisas. Primeira, que Deus to bom que faz concorrer
tudo para o bem daqueles que o amam, absolutamente tudo. Segunda: que, se lhe formos
fiis, o sorriso de Cristo estar aguardando-nos, por assim dizer, junto porta escancarada
da casa do Pai, para nos oferecer uma felicidade indestrutvel, eterna, no Amor sem fundo e
sem fim. Eu vou preparar-vos um lugar... Quero que onde estou, estejais vs comigo...
Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos est preparado desde a criao
do mundo.
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LEITOR FELIZ.- Acontea o que acontecer, pois, se tivermos f, esperana e amor (ou
seja, se formos cristos), perceberemos que Jesus est sempre ao nosso lado e sempre nos
diz: A paz esteja convosco; sou Eu, no tenhais medo.
MODERADOR.- Creio que pouco mais podemos acrescentar. Agradeamos a Cristo que
nos conquistou, com a sua Ressurreio, a vitria sobre o medo, que substituiu o medo pela
esperana, essa belssima virtude, que o perfume e o incentivo da alma dos que ainda
caminhamos na terra rumo Casa do Pai.
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QUARTO SERO: TOM
(Joo, 20, 24-29)
Do pessimismo esperana
MODERADOR.- Neste quarto sero, vamos focalizar uma figura que costuma ser
apresentada como smbolo do ceticismo: a figura do Apstolo Tom. J h at uma frase
feita: Ver para crer, como Tom. E, no entanto, eu acho Tom um dos personagens mais
comoventes do Evangelho. Parece-me que, na opinio comum que pouco conhece dele ,
Tom um injustiado. Por isso, vale a pena, primeiro, ver como era mesmo Tom. Que
nos diz dele o Evangelho?
LEITOR PENSATIVO.- Para comear, sabemos uma coisa certa, e que ele foi um dos
idealistas que, deixando todas as coisas, seguiram Jesus. Portanto, confiava em Jesus,
acreditava nele seno, no teria largado tudo e apostado nele - ; alm disso, tinha-lhe
amor (ningum se entrega nas mos de uma pessoa que lhe indiferente), e era generoso.
LEITOR COMPASSIVO.- O que no pouca coisa. Lgico que era humano, e tinha
fraquezas como todos os Astolos, como todos ns. Mas, antes da Paixo de Jesus, o
Evangelho mais nos mostra nele fortaleza que fraqueza. Refiro-me queles momentos
crticos pouco antes da Paixo - , em que Jesus j era perseguido de morte em Jerusalm e
pasc 26
teve de retirar-se para alm do Jordo, juntamente com os Apstolos, porque ainda no
tinha chegado a sua hora. O que l aconteceu tocante...
LEITOR PENSATIVO.- Certamente. Foi l, na outra banda do rio Jordo, que Jesus
recebeu o recado de Marta e Maria, pedindo-lhe que fosse de novo a Jerusalm (a Betnia,
pertssimo de Jerusalm), porque seu irmo Lzaro estava muito doente: Senhor, aquele
que amas est enfermo. Jesus, no entanto, deixou-se ficar ali ainda dois dias. Mas, de
repente, disse: Voltemos para a Judia. Isso assustou os discpulos: Mestre disseram - ,
h pouco os judeus te queriam apedrejar, e voltas para l? Jesus no ligou, e disse-lhes
abertamente que Lzaro j tinha morrido, mas acrescentou vamos a ele. Todos ficaram
gelados, pensando que aquilo era pr-se na boca do lobo...
LEITOR FELIZ. - Todos menos um! Tom! S ele, cheio de coragem, foi capaz de dizer
aos seus condiscpulos: Vamos tambm ns, e morramos com ele!
LEITOR COMPASSIVO.- Que bonito! Est disposto a morrer com Jesus, por Jesus. Como
vemos, no h nada de covardia, nem dvidas, nem vacilaes.
.MODERADOR.- E ainda h um outro trao do carter de Tom que o Evangelho pe em
relevo...Tom era um homem que gostava da objetividade, porque era sincero. No era
daqueles que so objetivos s para pr dificuldades, tirar o corpo e dizer que no d. Ele
gostava da objetividade para entender melhor as coisas e, assim, poder agir melhor e
resolver melhor os assuntos. Isso no diminua um pingo a f que tinha em Jesus. Tom
unia a f ao realismo, um binmio excelente em si mesmo, mas que pode desequilibrar-se,
e ento se torna perigoso (como hoje veremos). o que fica bem claro na ltima Ceia, no
verdade?
LEITOR PENSATIVO.- Fica mesmo. Como no nos lembrarmos daquele momento da
ltima Ceia, que nos conta so Joo, em que Jesus estava a despedir-se, e consolava com
infinita ternura os discpulos dizendo-lhes: No se perturbe o vosso corao. Na casa de
meu Pai h muitas moradas ...; vou preparar-vos um lugar. Depois de ir e vos preparar um
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lugar, voltarei e tomar-vos-ei comigo... E vs conheceis o caminho para onde eu vou. A
interveio Tom, com uma franqueza um pouco brusca, mas cheia de confiana em Jesus:
Disse-lhe Tom: Senhor, no sabemos para onde vais. Como podemos saber o caminho?
Jesus no levou a mal essa pergunta nem a achou indelicada. Ao contrrio, tomou p dela
para dizer umas palavras que ficaro para sempre gravadas no corao do cristo: Jesus
respondeu-lhe: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ningum vai ao Pai seno por
mim.
MODERADOR.- Muito bem. Agora j temos uma breve radiografia espiritual de Tom.
Vamos tentar meditar o que aconteceu com ele quando Jesus ressuscitou.
LEITOR PENSATIVO.- Em primeiro lugar, na tarde do domingo de Pscoa, em que Jesus
apareceu aos Apstolos no Cenculo, Tom diz o Evangelho no estava com eles. Ou
seja, no viu Jesus. Provavelmente, chegou bem mais tarde, naquela noite, ou ento s
voltou casa no dia seguinte. Podemos imaginar que chegou ao Cenculo triste, com
olheiras de pouco dormir e o ricto amargo na boca de muito sofrer. Pois bem, mal acabava
de subir a escada at o segundo andar, quando os outros que l estavam se lhe atiraram em
cima, agitadssimos, dizendo: Vimos o Senhor!
LEITOR COMPASSIVO.- Pobre Tom! Aquela enxurrada de entusiasmo, totalmente
inesperada, caiu-lhe como um golpe de malho na cabea. Deixou-o atordoado. Eu o
imagino de olhos arregalados, assustado com a estranha euforia dos outros, balbuciando:
Esto loucos! Vocs perderam o juzo? E o bom Tom, o sofrido Tom, o franco Tom,
de repente embirrou. A sua tendncia para o realismo e a objetividade espanou, extrapolou
em casmurrice e desequilibrou-se: Mas ele replicou-lhes: Se no vir nas suas mos o sinal
dos pregos, e no puser o meu dedo no lugar dos pregos, e no introduzir a minha mo no
seu lado, no acreditarei! Pronto, coitado, emburrou, e no havia modo de faz-lo sair
dessa.
LEITOR FELIZ.- Eu acho que era to grande o seu carinho por Jesus, que no agentava
pensar sequer na possibilidade de que houvesse um engano. No tinha coragem para deixar
pasc 28
que a sua esperana subisse a mil por hora como um foguete, na crena de que Jesus vivia,
para depois cair vertiginosamente e espatifar-se no cho, na decepo. E se tudo no
passasse de histeria dos amigos? A alegria d medo! Temos tanto receio de embarcar numa
alegria que depois nos possa decepcionar! Por isso, quando desejamos muito, muito
mesmo, uma coisa que nos promete enorme alegria, temos a tendncia instintiva de
comear a pensar nas coisas negras que podero acontecer: vai surgir um imprevisto, vai
falhar na ltima hora, no vai dar certo, vai gorar...
MODERADOR.- Concordo em que era explicvel, muito compreensvel a atitude fechada
de Tom. Mas, como veremos logo, Jesus teve de corrigi-lo, o que significa que nele houve
uma falha, um erro, do qual ns temos de aprender.
LEITOR PENSATIVO.- Sim, parece-me claro que houve uma falha de f e de esperana.
Tom quis ser to realista para se garantir - , que s ficou vendo o que tinha debaixo dos
ps e na ponta do nariz. Isto o que acontece com todos os que se chamam a si mesmos
realistas, gente de p no cho, experientes e conhecedores da vida..., e se
esquecem de que a coisa mais realista que h no mundo a presena viva de Deus, o seu
poder e a sua ao amorosa... e muitas vezes inesperada e desconcertante.
LEITOR FELIZ.- interessante observar que todos os pessimistas se chamam a si mesmos
realistas e desprezam os sonhadores (assim chamam aos que vivem da f), como se
fossem ingnuos ou bobos. Felizmente, ns cremos no Deus da esperana, e por isso
somos necessariamente otimistas.
MODERADOR.- Jesus quer que vivamos uma vida realista, mas contando com o fator
mais real de todos, que Ele e a fora assombrosa do seu amor e da sua fidelidade s suas
promessas. Assim o expressa, de maneira maravilhosa, a Carta aos Hebreus: A f o
fundamento das coisas que se esperam, uma certeza a respeito do que no se v. Foi ela
que fez a glria dos nossos antepassados. A falta desta f no amor e nas promessas de Deus
traz consigo a falta da esperana que a f deveria gerar. Este foi o motivo da bronca
afetuosa que Jesus deu em Tom. E deu-a com razo, pois Tom no soube pr toda a sua
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f nas promessas anteriores de Cristo - voltarei a vs...., ao terceiro dia o Filho do homem
ressuscitar...; e no deu crdito ao testemunho dos outros Apstolos que, por ser
unnime, merecia confiana. Vejamos, ento, a divina "bronca"...
LEITOR PENSATIVO.- Oito dias depois (da apario aos Apstolos no Cenculo),
estavam os seus discpulos outra vez no mesmo lugar e Tom com eles. Estando trancadas
as portas, veio Jesus, ps-se no meio deles e disse: A paz esteja convosco...
LEITOR COMPASSIVO.- Eu imagino a cara de espanto do nosso Tom... E o seu corao
quase quebrando as costelas, de tanto pular, quando Jesus se dirigiu pessoalmente a ele.
LEITOR PENSATIVO.- Assim o conta o Evangelho: Depois, Jesus disse a Tom:
Introduz aqui o teu dedo, e v as minhas mos. Pe a tua mo no meu lado, e no sejas
incrdulo, mas homem de f! E, apanhando a mo de Tom, fez como estava dizendo.
LEITOR FELIZ.- A reao de Tom, caindo em lgrimas aos ps de Jesus, foi esplndida:
Respondeu-lhe Tom: Meu Senhor e meu Deus! Ele, que tinha duvidado, acabou fazendo
o maior ato de f at ento pronunciado por qualquer dos Apstolos: um ato de f
absolutamente explcita, luminosa, na divindade de Cristo: Meu Deus! E Jesus encerrou a
questo, pensando em ns, em vocs, em mim, em todos: Creste porque me viste. Felizes
aqueles que crem sem terem visto!
MODERADOR.- Sim, mesmo uma lio que Cristo dirige a todos ns, especialmente
neste tempo da Pscoa. como se nos perguntasse: Voc cr mesmo em mim? Voc,
por crer em mim, sabe esperar nas coisas que no se vem, que s se prevem com a f,
sabe esperar nas coisas que Deus quer, mas que os realistas chamam "impossveis?" Vale
a pena lembrar o que escreve So Paulo: Porque pela esperana que fomos salvos. Ora,
ver o objeto da esperana j no esperana; porque o que algum v, como que ainda o
espera?
pasc 30
LEITOR FELIZ.- bonito! Deus desafia-nos por assim dizer - a viver de esperana, a
saber esperar do seu amor coisas grandes que no vemos, coisas que nos parecem
impossveis, mas que Ele nos quer dar. Mesmo diante das maiores dificuldades, todos
podemos dizer com So Joo: Ns conhecemos o amor de Deus, e acreditamos nele.
MODERADOR.- O realismo cristo est feito de f, de audcia e de magnanimidade. Eu
daria esta definio: o nosso realismo a esperana. A est o segredo do otimismo do
cristo.
LEITOR FELIZ.- Sim, senhor! Temos que apontar alto! Apontar para coisas grandes
boas, como lgico (no para grandes ambies ruins, egostas ou vaidosas), e confiar
plenamente em Deus. A mulher de f, o homem de f, confia sobretudo em dois pilares
fortssimos sobre os quais se apia a esperana: a obedincia a Deus (fazer o que sabemos
que Deus nos pede), e a orao (pedir com a f com que um filho pede a um pai de cujo
amor no duvida). Apoiada na obedincia e na orao, a nossa esperana est segurssima.
MODERADOR.- H alguns exemplos, no Evangelho, que ilustram isto muito bem. Meu
caro Leitor pensativo, faa funcionar a memria e lembre-nos um par deles.
LEITOR PENSATIVO.- Vou tentar, com todo o prazer. Creio que poderamos evocar, por
exemplo, a primeira pesca milagrosa. Pedro, juntamente com Andr, Tiago e Joo, tinham
passado uma noite inteira no mar da Galilia tentando pescar, e no tinham conseguido
apanhar nada. De manh, Jesus chega-se a eles, entra na barca, fala longamente do Reino
de Deus ao povo que o escuta na praia, e depois, sem mais nem menos, manda a Pedro:
Entra mar adentro, e lanai as vossas redes para pescar. Pedro fica perplexo, pois
pescador e sabe que no d. "realista", e por isso diz: Mestre, trabalhamos a noite
inteira, no melhor horrio para a pesca, e nada apanhamos. Mas, ao mesmo tempo, tem f
em Jesus, e por isso acrescenta: Mas por causa da tua palavra, lanarei a rede. Pe f na
palavra de Jesus, obedece...e, que aconteceu? Aconteceu o realismo da esperana, que
ultrapassa as nossas expectativas: Apanharam peixes em tanta quantidade, que a rede se
lhes rompia.
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LEITOR COMPASSIVO.- Na hora, Pedro caiu aos ps de Jesus, abraou-lhe os joelhos e
disse-lhe: Retira-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!. Com toda a
humildade, reconheceu que fora Deus quem fizera o prodgio, e que ele s colaborara
crendo e obedecendo. Ns diz uma escritora esperamos no por sermos bons, mas
porque Deus bom. A razo da esperana, como j ensina o pequeno Catecismo (esse que
todos deveramos saber de cor), o poder de Deus unido sua misericrdia.
LEITOR PENSATIVO.- Lembro-me agora de outra passagem do Evangelho, em que se v
essa misericrdia de Deus todo-poderoso, agindo ao lado da pequenez humana. a cena da
primeira multiplicao dos pes e dos peixes. Eu tenho um fraco por aquele menino que
colaborou com o milagre. Mais de cinco mil pessoas estavam certa vez em um lugar
afastado, ouvindo Jesus. Passou o tempo e sentiram fome. Percebendo isso, o Senhor disse
aos Apstolos que lhes dessem de comer. Mas como poderiam faze-lo? No havia nem po
nem dinheiro para compr-lo. De repente, Andr apareceu trazendo pela mo um garoto,
que estava, ao mesmo tempo, feliz e meio encabulado: Eu posso dar assim deve ter
falado o menino a Andr cinco pes de cevada e dois peixes. Ao v-lo, Jesus sorriu,
pegou os pes e os peixinhos, e deu a entender a todos que tudo estava resolvido. Mandou
sentar na relva todo o mundo, pediu aos Apstolos que repartissem os cinco pes e os dois
peixes e ... comeram todos vontade e ainda sobraram doze cestos! Um milagre apoiado
num impossvel, numa oferenda pequena, mas cheia de amor, de generosidade...
LEITOR FELIZ.- fantstico! Que mensagem bonita! Cristo com esse milagre diz-nos:
No desanime se acha que no tem meios para resolver os problemas, para ajudar um filho
ou um amigo, se acha que no tem capacidade para aliviar as necessidades de tantas
pessoas que carecem de tudo e sofrem; ou para fazer apostolado; ou que no tem foras
para sair dos seus piores defeitos. Tenha confiana em mim, e faa da sua parte o que
puder, ainda que seja pouquinho....; mas que seja tudo o que pode mesmo, como o menino
que deu tudo o que tinha. O resto acrescenta Jesus comigo.
pasc 32
MODERADOR.- E esta parece-me que pode ser muito bem a concluso da nossa
meditao de hoje. No nos esqueamos nunca de que o nosso maior e melhor realismo
ter f e confiana em Deus. As pessoas que agem como se Deus no existisse, ou no
visse, ou no amasse caem na e mais trgica falsificao da realidade. As pessoas que
ainda no perceberam que a orao infinitamente mais forte que a energia atmica ou que
o poder quase ilimitado do dinheiro, esto fora da realidade. As pessoas que no percebem
que a maior garantia de que recebero os dons de Deus obedecer a Deus obedecendo ao
seu Evangelho e sua santa Igreja esto fora da objetividade. No nos deixemos dominar
nunca ainda que a nossa vida atravesse momentos muito difceis por uma viso
acanhada e mope. Peamos a Tom que nos ajude a ser os realistas da esperana, que
com certeza ele nos acudir. Tem experincia...
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QUINTO SERO: LTIMA PESCA
(Joo 21, 1-14)
Da rotina esperana
MODERADOR.- Hoje vai mudar a paisagem. J no estamos mais em Jerusalm, com os
Apstolos, l no Cenculo. Eles viajaram, conforme Jesus lhes pedira, e voltaram todos
para o Norte, para a Galilia, a terra deles, onde Jesus os chamara para segui-lo e onde
haviam andado juntos quase trs anos. Sabemos porque o conta So Lucas no incio dos
Atos dos Apstolos - que, l na Galilia, Jesus ressuscitado se encontrou com eles um bom
nmero vezes, durante mais de um ms...
LEITOR PENSATIVO.- Mas no lhes aparecia todos os dias, no verdade?
MODERADOR.- verdade. Isso explica que os Apstolos, devendo permanecer um
perodo longo na terra deles, no ficassem ociosos e procurassem ocupar os dias com o seu
trabalho habitual. E assim que vamos encontrar hoje um grupo deles, de retorno s suas
tarefas de pescadores. A cena que meditaremos agora a ltima do Evangelho de So Joo,
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que, por sinal, to rica de contedo e to cheia de sugestes, que nos vai dar matria para
trs seres completos, e poderia dar para um livro inteiro. Vamos ver, como que comea
esta cena?
LEITOR PENSATIVO.- Comea apresentando Pedro, Tom, Natanael (chamado tambm
Bartolomeu), mais os dois irmos inseparveis, Tiago e Joo, e outros dois discpulos de
quem no se d o nome, todos juntos perto do mar de Tiberades (ou lago de Genesar, ou
da Galilia, pois o Evangelho lhe d os trs nomes) . Todos eles eram pescadores. Todos,
naquele perodo, voltaram quela tarefa que lhes ocupara tantos anos, tantos dias e, mais
ainda, tantas noites - , um trabalho cansativo, muitas vezes ingrato e sempre rotineiro. Vou
pescar, disse-lhes Pedro. Ns tambm vamos contigo, responderam os outros .Partiram, e
entraram na barca, mas naquela noite no apanharam nada.
MODERADOR.- Isso j lhes tinha acontecido outras vezes, como quando bem no incio
das suas andanas com Jesus, como lembrvamos ontem nosso Senhor ficou pregando ao
povo de dentro da barca de Pedro (como, alis, o continua a fazer hoje o sucessor de Pedro,
o Papa, dentro dessa barca que a Igreja), e fez o milagre de uma pesca prodigiosa.
LEITOR COMPASSIVO.- Bem. O caso que, aps uma noite de esforos inteis lanar
a rede, recolhe-la vazia! -, estavam voltando para a praia em silncio, com o corao to
cinzento como a cor das nuvens do ante-amanhecer.
LEITOR FELIZ.- Essa a cor de muitos coraes, quando sentem o peso da rotina dos
dias: sempre o mesmo trabalho, sempre os mesmos lugares, sempre as mesmas caras,
sempre o mesmo trnsito, sempre as mesmas reclamaes da mulher, sempre os mesmos
mutismos e alheamentos do marido, e os mesmos problemas dos filhos, e a mesma dor de
coluna, e a mesma falta de dinheiro... E isso, um dia e outro dia, e um ms e outro ms, e
um ano e outro ano... As pessoas sentem-se envolvidas por essa rotina como por um gs
asfixiante, e pode chegar um momento muito perigoso, que quando pensam: No
agento mais, isto no vida.
pasc 34
LEITOR COMPASSIVO.- Muitos acham, ento, que a soluo consiste em mudar
(mudar de cidade, mudar de mulher ou de marido, mudar de trabalho, mudar de religio,
mudar os hbitos certos e passar a ter vida desregrada). Ou ento desligam de tudo e de
todos, e passam a viver num mundo de sonhos, de fantasias, de saudades..., que, por serem
evases, facilmente desembocam na pior fuga, na alienao completa do lcool e das
drogas. uma pena terrvel!
LEITOR PENSATIVO.- Santo Agostinho, o corao inquieto que no se conformava com
as coisas confusas e medocres, dizia: Eu temia tanto como morte ficar preso pelo hbito
rotineiro. Mas no resolveu o problema fugindo, e sim arrependendo-se dos seus pecados
e procurando Deus com toda a sinceridade.
LEITOR FELIZ.- Todos deveramos ter pavor da rotina asfixiante e da fuga... Mas o
problema da rotina contrariamente ao que a maioria pensa no est na repetio
montona das circunstncias externas, mas na falta de renovao do nosso corao, do
nosso modo de ver e amar as coisas e as pessoas. O mal est exclusivamente dentro de ns,
gostemos ou no de reconhecer isso...
LEITOR COMPASSIVO.- Acho que vem a propsito aquela histria que conta Chesterton
acerca do ingls que se sentia farto de morar sempre na mesma ilha, e por isso foi procura
de outra terra, a terra dos seus sonhos. Viajou muito. Todos os pases aonde aportava no o
satisfaziam. J se estava cansando de tanto viajar, quando avistou uma terra que o atraiu
extraordinariamente. Aproximou-se dela, desembarcou, comeou a internar-se no territrio
e logo chegou, cheio de entusiasmo, concluso: Esta a terra dos meus sonhos, a que
sempre andei procurando! Ao perguntar a um dos habitantes onde estava, este respondeu-
lhe: Na Inglaterra.
MODERADOR.- Algo de parecido acontece conosco, no certo? No precisamos ir atrs
de outras ilhas. Basta ficarmos na nossa na nossa vida real - , mas vendo-a e vivendo-a
com frescor de novidade. Isto o que Jesus nos vai ensinar hoje. Voltemos, ento, nossa
cena.
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LEITOR PENSATIVO.- O Evangelho, aps falar da pesca falha, continua a contar: Ao
romper o dia, Jesus apresentou-se na margem, mas os discpulos no o reconheceram.
Jesus disse-lhes ento: Rapazes, tendes alguma coisa que comer. Eu vou parar aqui
para um comentrio. Vocs no vem? Mais uma vez, Jesus ressuscitado apresenta-se
humano, afetuoso, familiar, no com uma majestade gloriosa e distante. Fala familiarmente:
Rapazes! Pergunta se tm algo que se possa comer. J comentamos antes que assim nos
quer mostrar, depois da ressurreio, que deseja viver junto de ns como um amigo muito
prximo, compreensivo, humano, inseparvel...
LEITOR FELIZ.- E o mais divertido permitam-me usar esta expresso que os
discpulos, mopes como uma toupeira, no perceberam que era Jesus, e continuaram
soturnos e tristonhos. Eu imagino o tom de aborrecimento com que devem ter respondido,
incomodados, a Jesus: -No! No temos nada para comer. E acho que nosso Senhor rei
e senhor de toda a alegria -, mais uma vez se divertiu divinamente, quando lhes disse:
Lanai a rede ao lado direito da barca e encontrareis. E aconteceu o que j podemos
imaginar. Uma nova pesca milagrosa.
LEITOR PENSATIVO.- Exatamente. Aconteceu que lanaram a rede e, devido grande
quantidade de peixes, j no tinham foras para a arrastar.
LEITOR COMPASSIVO.- Jesus no faz as coisas pela metade...
LEITOR PENSATIVO.- No faz mesmo. E agora vem o melhor. Ao ver aquele milagre,
Joo disse a Pedro: o Senhor! Joo, o discpulo amado, foi o primeiro a ter
sensibilidade para perceber que aquele desconhecido era Jesus, e avisou o patro da
barca, Pedro. E o bom Pedro, o Pedro emotivo e impulsivo que todos conhecemos, deu
uma de Pedro: Simo Pedro, ao ouvir que era o Senhor, apertou o cinto da tnica, porque
estava sem mais roupa, e lanou-se gua. No pde esperar que a barca chegasse terra.
Lanou-se de cabea gua, ansioso por chegar a Jesus quanto antes! Pouco depois
chegaram os outros na barca, arrastando a rede cheia.
pasc 36
MODERADOR.- E o que encontraram? Vamos prestar bem ateno. Vocs acham que
encontraram um Jesus hiertico, sentado numa ctedra de marfim, dizendo-lhes: Vamos
deixar-nos de coisas banais, materiais, agora que me reconheceram, e vamos falar do que
importa: de coisas celestiais, de coisas elevadas, s das coisas espirituais, as nicas que
contam? Vocs acham que foi assim? claro que no! Todos sabemos que foi bem
diferente. Vejamos o que diz o Evangelho.
LEITOR PENSATIVO.- Diz assim: Ao saltarem em terra, viram umas brasas preparadas
e um peixe em cima delas, e po. Disse-lhes Jesus: Trazei aqui alguns dos peixes que
agora apanhastes... E depois : Vinde comer. E pronto! L ficaram sentados em roda, volta
da fogueirinha que o prprio Jesus acendera, sentindo o cheiro delicioso de peixe fresco
assado que Jesus j tinha comeado a preparar, muito diligentemente, com as suas
prprias mos - , e repartindo pedaos de po e comendo como uma alegre turma de amigos
em piquenique de feriado...
LEITOR FELIZ.- Jesus fez questo de valorizar, de mostrar como importante o trivial
cotidiano. Eu tenho um conhecido que at chorava de emoo ao pensar nesta cena: Voc
dizia - no percebeu como maravilhoso? Cristo farofeiro! O Filho de Deus, farofeiro!
MODERADOR.- Quer dizer que esse seu amigo se alegrava justamente ao perceber o
carinho com que Cristo v e valoriza a nossa vida diria, as pequenas coisas da vida, que s
vezes nos parecem to longe dos grandes ideais, e concretamente to longe do ideal cristo
de Amor e de santidade...E esquecemos que Jesus passou trinta anos vivendo com amor a
rotina dos dias, no lar de Maria e Jos, tendo uma vida normal, discreta e simples, de
famlia, de trabalho..., sendo, como se l no Evangelho, o carpinteiro, o filho do
carpinteiro... E era a vida do Deus feito homem, cheia, portanto, de grandeza e santidade.
Com ela nos estava redimindo, nos estava salvando...
.
LEITOR PENSATIVO.- Eu penso que esta cena de Cristo que pesca, e prepara o almoo, e
toma a refeio com os amigos, e conversa com eles beira do lago um smbolo do que
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deveria ser cada um dos nossos dias. Tambm ns podemos acordar de manh (pensemos
na manh da segunda-feira mais cinzenta de todas), e se nos tivermos lembrado de rezar e
oferecer o nosso dia a Deus - , poderemos ver, com a fora da f, que Jesus est junto de
ns e nos diz: Vamos comear o dia juntos, vamos trabalhar juntos, vamos tratar bem os
outros, vamos fazer do trivial cotidiano uma aventura de Amor....
LEITOR FELIZ.- Ah! Se consegussemos ser cristos que rezam, que se lembram com f
de Deus durante o dia inteiro! (Bastaria, para isso, s vezes, trazer um crucifixo no bolso,
ou um tero, e rezar as oraes que amamos, tambm pela rua; e dizer muitas breves
jaculatrias - do tipo Jesus, eu te amo! Jesus, d-me um corao como o teu!- no trnsito,
e ao iniciar uma tarefa, e ao morder os lbios para no xingar ou resmungar ou falar mal
dos outros...). Se consegussemos conversar com Cristo at dos detalhes mais triviais, com
certeza se acenderia uma luz nova no nosso corao e, com essa luz, veramos de uma
maneira nova todas as coisas, nunca gastas, pudas, aborrecidas e rotineiras.
Entenderamos ento por que Jesus nos diz: Eis que eu fao novas todas as coisas. E se
acenderia na nossa alma a esperana.
MODERADOR.- H uma doutrina crist maravilhosa, que um santo dos nossos dias, So
Josemara Escriv, soube proclamar com uma clareza e uma fora to grandes, que ateou
incndios de alegria e de amor em milhares de pessoas comuns cristos vulgares- em
todo o mundo. A misso que Deus lhe confiou consistiu em contribuir para que os cristos
comuns, que vivem no meio do mundo, compreendessem que a sua vida, tal como , pode
vir a ser ocasio de encontro com Cristo: quer dizer, que um caminho de santidade e de
apostolado. Cristo est presente em qualquer tarefa humana honesta: a vida de um simples
cristo que talvez a alguns parea vulgar e acanhada pode e deve ser uma vida santa e
santificante.
LEITOR FELIZ.- Maravilha!
LEITOR PENSATIVO.- E o mais bonito o modo de conseguir isso. Tambm So
Josemara o ensinava: Fazei tudo por amor dizia -. Assim no h coisas pequenas: tudo
pasc 38
grande. A perseverana nas pequenas coisas, por Amor, herosmo. E aplicava esta
doutrina que inspirada no Evangelho e em so Paulo (se no tiver amor, nada me
aproveita...) a todas as coisas cotidianas boas e normais: podemos sorrir, por amor,
quando no temos vontade mas os outros precisam de caras sorridentes; podemos acabar,
por amor, um trabalho que gostaramos de interromper por cansao; podemos colocar a
roupa no seu lugar, oferecendo esse sacrifcio a Deus, em vez de jog-la em cima da cama
ou no cho; podemos rezar as oraes que nos propusemos, ainda que nos custe concentrar-
nos, porque no queremos furtar a Deus, com desculpas de cansao (que no teramos para
um jogo de futebol ou para assistir telenovela) esses momentos que so para Ele...
MODERADOR.- Mons. Escriv, quando estava nesta terra, ajudava as pessoas e tambm
agora continua a ajud-las l do cu a converter, com a graa de Deus, todos os momentos
e circunstncias da vida em ocasio de amar e de servir, com alegria e com simplicidade, e
iluminar assim os caminhos da terra com o resplendor da f e do amor. Bonito, no ? No
percebemos que, para os que se propem viver assim, a rotina impossvel? O amor e o
desejo de servir fazem-nos ver tudo como uma oportunidade nica, indita, de dar (amar
dar) algo a Deus e aos nossos irmos. Feito com carinho, tudo se faz novo...
LEITOR FELIZ.- Isto me lembra uma vez que fui comprar figuras de prespio a um
arteso um artista de verdade -, e lhe pedi uma figura igual a outra que tinha l numa
prateleira do ateli. Disse-me rotundamente que no. Perguntei: "Mas no conserva o
molde?" Ao ouvir essas palavras, levantou-se indignado, como se eu o houvesse ofendido,
e gritou: Molde! ...Molde!.. Eu no tenho molde. Cada figura nica e irrepetvel... Se
cada dia nosso fosse assim, sem molde...!
LEITOR PENSATIVO.- neste sentido que Mons. Escriv dizia:
-No esqueam nunca: h algo de santo, de divino, escondido nas situaes mais
comuns, algo que a cada um de ns compete descobrir... Deus espera-nos cada dia: no
laboratrio, na sala de operaes de um hospital, no quartel, na ctedra universitria, na
fbrica, na oficina, no campo, no seio do lar e em todo o imenso panorama do trabalho.
A vocao crist consiste em transformar em poesia herica a prosa de cada dia.
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LEITOR COMPASSIVO.- E como insistia na santificao do trabalho! Um trabalho
realizado por amor a Deus e com empenho em servir: trabalho bem feito, acabado,
caprichado nos detalhes, digno de ser colocado no altar do corao e oferecido juntamente
com Jesus-Hstia na Santa Missa. Toda a vida do cristo se converteria assim numa Missa!
MODERADOR.- , tudo isto imensamente sugestivo... Mas, mais uma vez, vou encerrar
este sero (como gostamos de falar!) sem acrescentar mais nada, porque acho que
praticamente tudo foi dito, e que todos os que aqui estamos podemos ir para a cama, hoje,
pensando: - Amanh vai comear outro dia, uma nova etapa da minha rotina diria. Mas
agora j no vou v-lo suspirando aborrecido e dizendo: mais um. Vou entrar nele com a
esperana que Jesus ps em nossos coraes, e direi, alegre: Mais uma ocasio de amar e
de servir. Vamos ver que novidades com a ajuda de Deus o meu amor vai ser capaz de
introduzir amanh na minha rotina.
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SEXTO SERO: PEDRO
(Lucas 22,55-62 e Joo 21, 15-17)
Da queda esperana
MODERADOR.- O quadro familiar que meditvamos no ltimo dia, contemplando Jesus
sentado beira-mar com os Apstolos, todos participando de uma cordial refeio de peixe
fresco na brasa, prolonga-se numa cena comovente, qual vale a pena dedicar um sero
inteiro. Como das outras vezes, procuraremos focalizar a cena devagar, imaginando que
estamos l presentes, olhando e participando de tudo, e tratando de penetrar no corao dos
protagonistas, que agora so s dois: Jesus e Pedro.
LEITOR PENSATIVO.- Quer que comecemos a ler o que diz o Evangelho?
MODERADOR.- Claro! Pode comear, faa o favor.
pasc 40
LEITOR PENSATIVO.- O Evangelho conta que, no fim da refeio praiana, iniciou-se um
dilogo pessoal, a ss, entre Jesus e Pedro. No sabemos se estavam sentados, olhando para
o lago, ou se conversavam caminhando (parece que passeavam); mas sabemos como foi a
conversa. Tendo eles comido diz So Joo -, Jesus perguntou a Simo Pedro: Simo,
filho de Joo, amas-me mais do que estes? Tambm sabemos que Jesus repetiu trs vezes
essa mesma pergunta. Podemos imaginar a cara de Pedro. No esperava essas palavras, mas
entendeu-as perfeitamente, pois mexeram numa ferida muito funda do seu corao e a
ungiram como com um blsamo...
LEITOR COMPASSIVO.- A pergunta de Jesus trs pedidos de amor - trouxe-lhe
memria, de golpe, aqueles momentos amargos da Paixo em que trara a amizade de Jesus
com trs negaes, trs atos de desamor, trs pecados graves. Como lhe doera na alma ter
sido to covarde, to egosta, capaz de renegar Jesus e at de falar depreciativamente dele,
para salvar a pele...
LEITOR FELIZ.- Aquela foi uma noite muito amarga, l no ptio da casa do sumo
sacerdote, onde Cristo estava preso, manietado, com as faces roxas de pancadas e sujas de
escarros e a alma dilacerada por insultos e calnias, e to precisado de carinho, de consolo,
de amizade.... Justamente nessa noite Pedro o rejeitara, e negara conhec-lo. Mas, ao
mesmo tempo, foi uma noite muito bonita. Eu me emociono muito quando me lembro de
que, depois da terceira negao de Pedro, quando o galo j havia cantado como Jesus
predissera -, diz so Lucas que voltando-se o Senhor, olhou para Pedro. Ento Pedro
lembrou-se da palavra do Senhor: Hoje, antes que o galo cante, me negars trs vezes.
E, saindo fora, chorou amargamente.
LEITOR COMPASSIVO.- Corao machucado do pobre Pedro! Como deve ter sido
aquele olhar de Jesus sofredor! Nele no houve nada de recriminao, nada de
ressentimento. S carinho. Apenas estava a dizer a Pedro, com os olhos: Eu te amei com
predileo e, apesar de tudo o que acabas de fazer, continuo a amar-te, pobre amigo, pobre
filho meu. Era um olhar de misericrdia, que a expresso mais bela e profunda do amor
que Deus nos tem, amor mais forte do que a morte diz Joo Paulo II -, mais forte do que
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o pecado. E ainda acrescenta: So infinitas a prontido e a fora do perdo de Deus.
Nenhum pecado humano prevalece sobre esta fora e nem sequer a limita. Ser que
percebemos bem a enorme fonte de confiana, a inesgotvel fonte de esperana que , para
o pecador para todos ns, que somos pecadores -, a misericrdia de Deus? to imensa
que nos desarma...
MODERADOR.- Foi o que aconteceu, depois daquele olhar de Jesus. O bom Pedro
lembrou-se ento, com certeza, do momento em que Jesus o escolhera por puro amor,
confiando totalmente nele, para ser seu Apstolo, o chefe dos Apstolos, a pedra
fundamental da sua Igreja. Lemb