Cruz Filipe[1]

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    CRUZ-FILIPE

    Tratado da solido virtuosa

    Ftima Lambert

    CAMINHOS DA ARTE PORTUGUESA NO SCULO XX

    Direco de Bernardo Pinto de Almeida e Armando Alves

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    (*) As imagens indicadas no texto a negrito so as reproduzidas no fim do livro. A refern-cia numrica corresponde ao nmero de ordem cronolgica da obra e ao ano de execuo.

    (1) Este retrato, pertena do acervo do Museu de Arte Antiga, Lisboa, atribudo a JacopoPontormo; cr-se ter sido pintado depois de 1534. Trata-se de um leo sobre madeira dechoupo, de dimenses mdias: 101 x 82 cm. Cf. Catlogo do Museu Nacional de Arte Antiga,Lisboa, Edies Inapa, 1999, p. 176.

    (2) Jos Lus Porfrio, A pilhagem e os despojos, catlogo da Exposio Cruz-Filipe1996/2001, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, Abril/Maio 2001: Esta realidade nova,tem, imagem a imagem, mesmo sem o crescendo metodolgico que esta exposio , umaenorme analogia com o Museu, lugar da incompletude e do fragmento, contexto novo criadopara objectos que so fragmentos fora do seu tempo e fora do seu espao.

    (3) Cf. Jos Lus Porfrio, Entre dois silncios pintura, fotografia, cinema trscontinentes para um labirinto de imagens, Expresso, 23 de Dezembro, 1995.

    1. 1.o MOMENTO FOTOGRAFIA VERSUS PINTURA

    Ricardo da Cruz-Filipe apresentou os seus trabalhos pela primeiravez, em 1957, numa mostra realizada na Galeria Prtico. A partir de1966, expe com regularidade. Em 2001, na exposio concebida parao Museu de Arte Antiga, confrontou-se com Jacopo Pontormo emRetrato de Alexandre de Mdicis(1); decidiu uma obra, uma realidadenova, talhada a partir de uma matria-prima que a imagem, a imagemna pintura e o corpo da pintura melhor (2).

    Os primeiros trabalhos revelam uma familiaridade com as linguagensvigentes poca, referindo igualmente uma postura, herdeira da tradio

    modernista europeia: cubismo escalonamento de planos; dadasmo colagens e fotografias intermitentes; surrealismo, imagtica doparadoxo que homenageia Ren Magritte coute distante (76/77),LOmbre des ailes I(105/80) (*) entre outras remisses do sculo XX.Mas, o seu projecto inaugural radicou na duplicidade tcnico-artstica,onde pintura e fotografia se tornaram cmplices; ambas se superam erevigoram, atravs das remisses e fundamentos histricos, advindos daprpria histria da pintura ocidental.

    Entre 1956 e 1966, as experincias de Cruz-Filipe incidiram numa

    abordagem pictural, cuja temtica contempla um paisagismo urba-no(3), progredindo para certa abstraccionalizao situacional: per-ceptveis aproximaes ao tratamento plstico de Georges Rouault caso das telas: Npoles Luzes (a/56); Anoitecer no Tejo (b/56).Noutros, a definio do tecido urbano mais ntida na afirmaopormenorizada, como nos trabalhos relativos a Paris: Place du Tertre(a/62); Montmartre(c/63) ou Praa St. Andr des Arts(d/63).

    A transfigurao comea a desenhar-se em alguns dos trabalhos queseriam apresentados na mostra individual de 1966: O Ninho (f/65), Os

    Pssaros Vermelhos(i/65), Onda(m/65) ou Combate (a/66).Nos augrios de transfigurao da sua linguagem, o pintor introdu-

    ziu emanaes zoomrficas e botnicas, conformando a figuraoatravs de espcies animais e vegetais. A vida, nas pulsaes aparente-mente distanciadas do homem, ocupa uma espcie de respirao doritmo pictrico. O prprio espao urbano contm uma dimenso an-mica palpitante, que brilha em tais dissimulaes estruturais.

    Nous avons coutume, sagissant deshommes, de dduire beaucoup dechoses de leurs mains et tout de leurvisage, o se voient comme sur uncadran les heures qui supportent etsouprent leur me. Or, le paysage estl sans mains et na point de visageou bien il est tout entier visage et, parla grandeur et limmensit de ses traits,il a sur lhomme un effet formidable et

    crasant.(Rainer Marie Rilke, Worpswede)

    A pintura de Cruz-Filipe, rasgando oespao como os passos misteriosos do

    feiticeiro, cria verdadeiramente umLugar-outro inquietante onde se produzuma tormenta perturbadora.

    (Antnio Tabucchi: Carta a Cruz-Filipe

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    (1) A partir do aparecimento da colagem, a pintura de Cruz-Filipe no pode j ignorar odualismo desenho-matria em que se est a processar, determinando o desenvolvimento denovo valor de profundidade cnica, de ironia equvoca. Se os fundos permanecem opacos,tal opacidade clarifica-se progressivamente. A figurao justape-se s superfcies, sem criardimenses de realismo ilusionstico, que antes prolongando-se em extenso, por ecrssucessivos de seccionamento linear. A, as figuras, os interiores, plasmam-se romanticamente,silhuetas ou fantasmas, ora sobrepondo-se ora esvaindo-se no vazio envolvente, coisificado.,Fernando Pernes intexto para a Exposio na Galeria da Cooperativa rvore, Porto.

    (2) O artista procedeu em referenciao ao recurso afecto tradio vanguardista dacolagem, na linha de Duchamp, Man Ray, Hannah Hoch ou Magritte.

    (3) Os conhecimentos musicais do pintor como autor de artigos e textos publicados,assim o demonstram.

    (4) O drama romntico de Verdi, a lrica representao das situaes vivenciais dePuccini (verismo), tambm as produes barrocas...

    Em 1968, Cruz-Filipe passa a integrar colagens nos quadros; gera-seum dualismo entre o desenho-matria, como assinalou FernandoPernes(1). Nesses, e nos trabalhos sequentes (2), estabeleceu uma dissi-

    metria de espaos dentro da composio, obrigando encenaodialogal entre o plano grfico e o plano matrico.Nos anos seguintes, as temticas evocam os espaos interiores, na

    inteno fotogrfica Erda(10/68) ou A Noite de Veneza (18/69), con-siderando a tomada de vista e o enquadramento. Explorou o espaointerno, fixado em breves pormenores, quase menores, que servem umsentido intimista A Janela Entreaberta(22/69).

    Tema de visitao o das naturezas-mortas, em particular, a repre-sentao de instrumentos musicais, cuja qualificao serve a finalidade

    experimentadora da linguagem. Os domnios da msica transcendem autilizao plstica, para l de solues tcnicas; refere-se tradio,persistente na histria da pintura, onde os instrumentos musicais tomamacepes: metafricas, alegricas, sublimatrias, nostlgicas, de fuga, denarcisismo...

    A msica fundamenta distintos planos afirmativos na sua obra Suitecom Violoncelo (36/70), Passagem do Silncio (41/72). Para l davisibilidade objectual dos instrumentos, da analogia dos ritmos, dassonoridades as pausas e intervalos dos planos e da linguagem crom-

    tica atendida numa perspectiva analtica, de harmonia e de estticamusical enquanto reas tericas(3). Subjacente nesta radicao concep-tual da msica destaca-se a fenomenologia de determinao do tempo.

    A pera um gnero musical privilegiado por Cruz-Filipe, onde seestabelecem ligaes efectivas da fenomenologia do tempo, articuladoao mbito cnico grandioso. A ambincia da grande pera, seurepertrio mais convencional (4) em termos musicais e do mbitocenogrfico, predomina nas suas telas dispondo uma imagtica auditivaque exige a disponibilidade de todos os sentidos.

    Em 1969 detecta-se a grande mudana na obra de Cruz-Filipe: porrecurso tela fotossensvel, o elemento colvel adquire maior flexibili-dade em termos de integrao na composio. Essa alterao tcnica veiopotenciar a pluralidade de inseres fotogrficas, em diferentes moldes doque ocorrera com as colagens propriamente ditas. Abandona entoexcertos seleccionados, recortes de imagens fotografadas, abastecendo-se

    Os Pssaros Vermelhos60 45 cmi/65Coleco particular, Cascais

    A sua dimenso cenogrfica e trgica, oseu tempo interior e a valorizao dalinha musical sobre a linha narrativa.

    Entrevista de Cruz-Filipe a JooPinharanda, Jornal da exposio

    40 Anos de Pintura,

    Porto, Fundao de Serralves,8 de Fevereiro, 1996.

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    (1) As montagens de figuras, planos e espaos que foram sempre marca da minhapintura, tm alguma analogia afinal com a montagem da narrativa cinematogrfica, no cerne

    da sua magia imagtica. Cruz-Filipe, 100 anos de cinema 1895-1995, Colquio/Artes,n.o 107, Outubro Dezembro, 1995, p. 17.

    de uma dialctica onde o intimismo e a expansividade meditica seconvertem em obra Cerimnia Secreta (27/69), A Medida Comum dasMais Humildes Coisas (46/72), Sem Limites por Dentro dos Limites

    (47/72). Aqui, o denominador comum a mulher, numa captao erticae evanescente, gerando-se uma dualidade anjo-sedutora. Tal duplici-dade endgena do feminino persistir ao longo da sua construo pictural,revestindo-se de diferentes categorizaes estticas e ticas.

    As inseres fotogrficas respeitantes s figuras femininas e seus sm-bolos imediatos On voudrait saigner le silence (51/73), Sonoritintime(45/72), focam-se na aproximao do rosto ou abrangem quase ocorpo; so alvo de um processo de seleco rigoroso. O pintor recorre montagem sucessiva, sobrepondo planos fotogrficos, isolando e

    dissuadindo os fragmentos na composio como todo A propsito deFontana (26/69); a instantaneidade fotogrfica demora certa durao,anloga fluidez dos sons que caem. fixao dos sectores fotogrficoscorrespondem temas que integram, comparativamente, a substncia deuma partitura quando executada por msicos: v-se o tempo, sente-se oespao, rompem-se as existncias, recuperadas na sua recepoesttica(1).

    Tratado do artifcio fotogrficoO questionamento da imagem categoria e entidade fundamenta

    o acesso a procedimentos e tcnicas, sua complexidade e exigncia. Osfragmentos fotogrficos, a preto e branco, passando por graus de cin-zento, propiciam um gro, uma trama, que confere um tratamento de luzfirme, que estabelece em imagem a passagem do tempo.

    As imagens fotogrficas incorporadas nas composies deste perodoincidem sobre o tema da mulher; correspondem a uma conceptualiza-

    o aferida a certo clich do feminino divulgado pelos meios de comu-nicao social; equivalem a um tipo de fotografia de autor em voga,celebrando um ideal feminino que assegurava as intenes transforma-doras da poca Bride of Stilness (50/73), Ameaa (55/73). A mulhersurge envolta numa aura, figura difana e quase transcendente, glosandoparadoxalmente forte componente erotizante Intimidade (67/75).

    Estas imagens demonstram a argumentao de Barthes em A CmaraClara, quanto substncia teatral da fotografia. Tambm a dimenso damorte subjaz s imagens fotogrficas, distante da percepo psico-est-

    tica, desprendida nessas mesmas imagens de mulher. Essa morte coin-cide com a precariedade daquele corpo, num entendimento pulsionaldo tempo irrevogvel, fantasmtico Ouvimos por Espelhos (71/76);pertencem a um tempo mltiplo, transportam marcas:

    de um gosto e de uma necessidade societria e cultural;

    A Propsito de Fontana85 115 cm26/69Coleco A. Alada Baptista, Lisboa

    A fotografia [historicamente],personalizando o homem, distinguindoo seu corpo, e sobretudo o seu rosto, do seu contributo celebrao doindivduo.

    (David le Breton, Des Visages,pp. 41-42)

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    (1) Susan Sontag, Ensaios sobre Fotografia, Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1986, p. 13.(2) De entre as artes visuais, a fotografia a arte da imagem em que a representao est,

    em termos ontolgicos, mais prxima do seu objecto, pois emanao fsica directa, sendoigualmente e ainda ontologicamente , aquela onde a representao mantm a distnciacom o objecto, onde o coloca, como objecto efectivamente separado. Esta separao talvezseja o que funda o nosso olhar sobre a imagem fotogrfica; coloca-nos e ao seu objecto noreino das sombras. Mas, as sombras supem a realidade das coisas, ainda que susceptveis detransformaes.

    (3

    ) Sigo a tipologia proposta com algumas adaptaes por Philippe Dubois, Actephotographique, Paris, Nathan, 1990.

    de um tempo subjectivo, pois, imagens de um ser vivo jdeixaram de ser o que eram, quando a fotografia se fixou;

    do tempo de que a obra de arte se apropria quando passa a ser Bride of Stilness (50/73), Reflet dun silence (60/74).

    A intensidade esttica advm da iluso percepcional patente ao con-templar as telas. O jogo de encaixe central, a que obedece a maioria dostrabalhos deste perodo, empresta as condies estruturais, ajustadas aorealce dos aspectos enunciados.

    As imagens fotogrficas so j imagens pictricas, pois a sua valnciae inteno demonstram um ditame esttico-operativo Le Chant dupossible (66/75). Cruz-Filipe recorreu fotografia, no sentido que SusanSontag garantiu: Ao ensinar-nos um novo cdigo visual, as fotografiastransformam e ampliam a noo do que vale a pena olhar e do quepode ser observado. So uma gramtica e, mais ainda, uma tica daviso.(1) So fotogramas ideogramas que avanam para a lingua-gem cinematogrfica, decorrncia de tempo e movimento. Uma escolhato manifesta, de resultados aparentemente simplificados, permite oexerccio de uma propriedade individual, crente, sobre as coisas Ideograma (53/73), Ouvimos por Espelhos(71/76).

    Nesta fase, Cruz-Filipe institui uma antologia do feminino, entre a

    objectividade fotogrfica e o ideal pictrico (2

    ). Na fase sequente, afotografia, sempre atravs da tela fotossensibilizada, significa a apropria-o da coisa fotografada; estabeleceu uma relao nica com o mundo,explorando variantes.

    Num primeiro momento, a relao ao mundo pensada como teste-munhal / documental, atravs da figura; depois, com maior acuidade,concebe-se que procura a transfigurao desse mundo. As pinturas soidealizaes (de ndice fotogrfico) do autor sobre a viso do mundo Le Lac intrieur(93/79).

    Posteriormente, a relao com o mundo situa-se na ordem do vest-gio que a fotografia viabiliza (3), rendendo-se mais absoluta pictura-lidade. No vestgio concentra-se o desejo factual, ainda que suposto oestabelecimento da metamorfose como dom e rasto remetidos pelomundo. As pinturas, por analogia s fotografias, so susceptveis derecorte, de reduo, de ampliao, de retoque; so passveis de adul-teraes e trucagens (contaminaes filosficas) Erotismo da Ausncia(79/78), Espelhos Verticais (80/78). Este aspecto intensificar-se-ia emtrabalhos ulteriores, adquirindo paroxismos extremos Ordonnance

    raisone(284/98).

    Le Chant du possible117 150 cm66/75 cmColeco do autor

    A pintura era uma forma deconhecimento do mundo. No passado

    pintar era conhecer. A arte que, nestesculo, atinge essa dimenso o

    cinema, no a pintura. Preferiria irbuscar ao cinema o meu saber de

    pintor. [...] No seria capaz de umaabstraco como a exigida pela imagem

    fotogrfica; o cinema tem outro tempoque o percorre.

    (Entrevista de Cruz-Filipe

    a J. L. Pinharanda, ob. cit.)

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    (1) Cf. Paul Auster, The Invention of Solitude, London, faber&faber, 1982.

    (2

    ) Cf. Gilles Deleuze, Francis Bacon Logique de la sensation, vol. I, Paris, Ed. de laDiffrence, 1984, nomeadamente captulo XI La peinture avant la peinture, p. 57.

    2. 2.o MOMENTO: PITTURA COLTA

    As imagens remetem para os protagonistas, coisificam as figuras; sotratadas como naturezas-mortas, pela aderncia s remisses apontadasquase desde o incio. A tradio pictrica, em Cruz-Filipe, concentra-seem dois ncleos predominantes: a pintura flamenga e a pintura italiana,articuladas definio fotogrfica e concepo cinematogrfica numa exploratria conceptual (e possessiva) de espao / tempo. A sualio de pintura envolve nomes emblemticos que servem a experimen-tao conceptual; promovem o rigor de execuo e conceito Entre aMsica das Mos e a Onda(107/80).

    Em termos cognitivos, o processo envereda por meandros epistemo-lgicos cativos de uma tica da picturalidade a esttica cruza-se coma tica da viso. As emanaes fragmentrias de Vermeer, Van Dyck ouRembrandt, paralelamente a Baschenis e Bauguin, Pontormo, Bronzino,Ticiano, Giorgione, Corregio, Caravaggio..., direccionadas para a pinturade culto francesa Chardin, Georges de la Tour, Ingres... ou para apintura ontolgica de Caspar David Friedrich... interessam pela funoautnoma que adquirem. As revises, quase inconscientalizadas, nopretendem a afirmao directa da radicao historiogrfica mas oexerccio esttico: a contemplao percepcional sublime suscitvel noespectador Elegia (259/94), Clart neuve(285/98).

    Um dos traos unitrios da sua obra consiste na envolvncia inti-mista que remete e propaga. A pintura resguarda a privacidade das figu-ras, intocveis e suspensas La porte troite (106/80), La voix desconvergences (113/81). Cruz-Filipe cria para as pinturas o que PaulAuster chamou de inveno da solido (1). As figuras submergidas natela assumem curioso parentesco com a noo do escritor americano;

    vivem ss, so protagonistas sozinhas. Opacas, todavia, sem aparnciade ocupar espao e tempo, sugerem a estaticidade, a inquieta fixao deEdward Hopper. As fronteiras definidas pelo contorno no solicitam aocupao efectiva do espao, embora dele se apropriem Conver-sation Piece (132/82); so, como diria Auster, um bloco de espaoimpenetrvel com a forma de homem!

    A imagtica de Cruz-Filipe comprova a premissa deleuzeana(2)segundo a qual a figurao existe, efectivamente um facto, prvia pintura. A figurao uma substncia picturalizvel, potencialmente

    pictrica. Perante o assdio de imagens no quotidiano, dos clichspsquicos, tanto quanto fsicos, que intercedem junto das percepes:concretizadas, fantasmticas e / ou imaginrias Gometric du silence(70/76), Na Outra Margem (136/83).

    Voc est a fazer uma cpia? pergunteiestupidamente. S a cpia de umdetalhe, respondeu ele, como pode ver s um detalhe, eu s costumo copiardetalhes

    (Antnio Tabucchi, Requiem)

    Clart neuve

    105 84 cm285/98Coleco Ant. Alfaiate, Lisboa

    O recurso a imagens clssicas tem duasorigens: um fascnio puro pela prpriaimagem e o facto de, em termos formaise grficos, existir algo de extico, algode deslocado naquelas imagens que

    lhes confere intemporalidade.

    (Entrevista de Cruz-Filipe a J. L.Pinharanda, ob. cit.)

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    No caso de Cruz-Filipe(1), os clichs no sentido deleuzeano privilegiam a existncia de memrias historiogrficas de outros autoresatravs das suas estipulaes picturais tomadas como paradigmticas.

    A funo de pintor como transfigurador assumida na amplitude exis-tencial, contextualizada em parmetros ticos, estticos e ontolgicos,desaguando na potncia artstica, quase absurda.

    Aps a absoro intelectualizada do envolvimento psicocriacional dopintor histrico, Cruz-Filipe isola as unidades da composio quecorrespondem s exigncias da estrutura pictural Conversation Piece(132/82). Os pormenores-elementos so resduos exactos, que se exce-dem em minuciosa abordagem tecnicista, provando a excelncia dainteno. Esta pintura uma aventura mental, de excelncia Les

    liaisons dangereuses(159/84). Da ordem, do rigor, Cruz-Filipe parte paraa vivncia mais profunda tambm quanto recepo esttica: Buscade um equilbrio raro entre uma dimenso racional e de rigor e umanecessidade de especulao onrica e potica. (2)

    (1) No se pretende tecer qualquer aproximao entre o teor da pintura de Bacon e ade Cruz-Filipe. Trata-se apenas de usar um enquadramento filosfico que se revelapertinente e que, esse sim, se aplica com pertinncia ao seu caso de pintura. A propsitorelembre-se o raciocnio de Eduardo Loureno: O mundo em Cruz-Filipe , ao mesmotempo, o do corpo sumptuoso e do corpo deslocado. Do anti-Bacon. At porque um corporecortado, menos na memria glorificada da sua imagem real do que no campo da presenatransfigurada e j sublime que a grande pintura lhe conferiu. In Point dorgue, Cruz-Filipe,

    ob. cit., pp. 118-119.(2) Entrevista a Cruz-Filipe por Joo Pinharanda, ob. cit.

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    3. 3.o MOMENTO: PITTURA METAFSICA

    A partir dos anos 80 e seguintes, as pinturas atingem um estdioquase inexcedvel de preciosismo tico e artstico. tal a sublimidadeque intimida a ponderao esttica dos fruidores: o olhar zanga-se atcumprir a demorada acuidade, a apreenso dos pormenores; at aceitaras estipulaes implcitas sua compreenso perceptiva, reconstruindo-aquando o pintor a procurou desmontar... Assim acontece, dada a natu-reza compsita das obras Noite despida (186/85). Persiste a adopode um modelo estrutural que intercala zonas de imagens, aparentementeestanques e destacadas entre si, que interseccionam a gestalt pictrica.

    Cruz-Filipe, aps demorado estudo dos pintores antigos, procedeu fragmentarizao dos elementos apropriados (fotogramas sucessivos),recolheu-os, retomando-os para nova condio de sua pintura Lesportes souvrent sur les miroirs(181/85).

    O espelho estratgia e fundamento uma remisso quase filo-sfica em Cruz-Filipe, no exclusivamente de valor artstico Manhque Anoitece (296/00). Serve alm dos exerccios de picturalidade deVan Dyck ou de Vermeer, autores emblemticos para a pesquisa dopintor portugus. O espelho no o reflecte a si; protagonista da suapintura. a fonte plausvel para devolver a auto-imagem e o sujeito; subterfgio para apresentar a figura, intermediria e complexamente.

    As suas composies so construes que exprimem a distncia, asoberania, a cerimnia, o enigma. Alm da fotografia e da pintura,encontra-se a acurada estratificao dos elementos a inteirar o quadro:de acordo com um modelo, sabendo o auto-engano que a arte pode ser.O quadro espao em aberto onde o pintor trabalha como encenadorde situaes metafsicas quase inatingveis. A encenao narrativstica

    envia para as projeces fantasmticas dos espectadores que delasretiram uma suspenso catrtica.O modo de trabalhar o espao na sua totalidade enfrenta os eixos

    sistematizadores da composio com adereos e protagonismos preci-sos. Tal intrnseca componente da linguagem plstica encontra-se j nasobras mais antigas, e de tal forma ntida que, quando da exposio naGaleria 111 em 1970, o director do Teatro San Carlos, Joo de FreitasBranco, convidou Cruz-Filipe para conceber cenografias para pera!

    A lio da encenao do espao na pintura metteur en scne

    tornou-se evidente quando contemplou a dimenso do espao / vaziocomo construo absoluta em Tiepolo. Em Ticiano est outra fraco detratamento do espao cnico que Cruz-Filipe foi buscar.

    O pintor portugus impe manifesto equilbrio de volumes e cores,de harmonia de contornos e linhas, de simetria dissimulada; resultandode um estudo exacerbado, salvaguardada a primazia do fragmento.A vertigem cognitiva da sua pintura cmplice da volpia hilemrfica:entenda-se que o domnio intelectivo enriquecido pela sensualidade,

    pulso, lamentos e nostalgias. O entendimento sensibilidade, intuioe imensa satisfao no acto de cumprimento da pintura. Sustenta-se da

    Manh que Anoitece131 110 cm296/00Coleco A. Santos Silva, Porto

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    meticulosidade geomtrica subjacente na obra, reunida nos eixosbasilares e subsidirios que permitem reconstituir o valor da imagemcomo todo.

    A observao de obras da grande pintura propiciou-lhe a familia-ridade suficiente revisitao de assuntos e rplicas tornadas quaseirreconhecveis. Patenteia valor ldico: joga-se a aproximao, o reco-nhecimento, a distoro e o ocultamento: acentua a dialctica, frtil emactos e resolues, progresso histrico de passado em futuro. Cruz--Filipe um actor na histria da pintura que actualiza com exactido eoriginalidade. Donde, no ser determinante esclarecer-se a fonte picto-grfica que suscitou a base estrutural da obra vista, mas o valor intrn-seco que o fragmento especfico ganha, como independente, isolado

    da pintura a que pertencia.A existncia da pintura torna-se certa, interrogada no plano da ima-gstica, da iconografia, que vai consolidando. Tomada a realidade dopassado histrico, possui-a como origem e finalidade, no que sedemonstra convico racionalizada do autor, ao quase resolver a dico-tomia entre posturas empirista e racionalista. Empirista, se atendendo aoprestamento esttico de David Hume quanto ao predomnio daprpria noo de norma de gosto que atravessa toda a obra de Cruz--Filipe. Existe, com determinao, uma axiologia do gosto que o autorintensificou, depurando e explicitando, cada vez com maior contingn-cia. Racionalista, no sentido subjectivista da crena na validade dopensar pessoal que confere a existncia do sujeito pensante, numa linhacartesiana.

    A sua viagem pela histria da pintura articula-se histria do pen-samento. Sem referncias filosficas explcitas considerem-se, todavia,as estticas implcitas dos pintores, suas ambivalncias, entre o tericofilosfico e o terico artstico, resolvidas pelo pintor nos sectores remis-

    sivos que destacou. O primado da beleza e a persistncia categorial nosublime so perseguidos com a maior conscincia e necessidade; sona ordem da necessidade interior (Kandinsky).

    A criao mental de Cruz-Filipe depende da viso com que define ahistria histria da vida privada, episdica, particular, da mentali-dade liminar que consubstancia encontros e dissidncias dos racioc-nios e dos afectos. a histria de grandes vultos figuracionais, quaseannimos, que teceram as transformaes decisivas dos tempos e suasdecises. No , sistematicamente, a histria de datas e batalhas...

    A sua histria cmplice do museu imaginrio, da bagagem iconogr-fica (e iconolgica): exterioriza imagens internas reconvertidas em toposparticulares.

    As temticas da dcada de 80 continuam escolhas anteriores: figu-ras femininas, paisagens, objectos. Mas os modelos de reconversopara pintura tornam-se mais complexificantes; as conotaes so dra-mticas, de sentido metafrico, para l das imagens mais directamentealegricas. O tratamento dos temas substancialmente diferente, em

    particular, quando remete para a figura humana que no apenas a femi-nina. Acresce-lhe uma coleco de protagonistas histricos (da pintura

    o fragmento do quadro original queme interessa; ele que me d um certo

    tipo de leitura e reinterpretao.Aproveito, hoje, um desenho antigo;

    mas fao-o segundo uma interpretaoactual. Desde logo, vejo o fragmento no

    que ele tem em si mesmo e no comoelemento da composio da obra.Penso que tudo isto uma atitude

    moderna.

    (Entrevista de Cruz-Filipea J. L. Pinharanda, ob. cit.)

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    (1) Este quadro evoca referncias de pinturas de Boltraffio (Giovanni Antonio, 1466--1516) Vierge et enfant e de Jean Cousin (c. 1500-1590) Gabrielle dEstres e aDuquesa de Villars no Banho.

    (2

    ) Jos Gil, Corpo, Enciclopdia Einaudi Soma / Psique Corpo, vol. 32, Lisboa,INCM, 1995, p. 201.

    europeia ocidental) evocados atravs de componentes visveis mos,braos, cabeas... Prs de linconnu (217/88) (1), Entirely from thePast (223/89).

    Os eixos constitutivos da trama so sobreponveis embora semuma absoro aniquiladora; afirmam-se ntidos na sua integridade sin-gular Ausncia (201/86), Lpure (208/87). Os espaos parciais den-tro da composio considerada como espao global possuemuma autonomia entre si e para o todo. Mas, simultaneamente, exigem--se para consentir a genuna leitura da imagem como todo Discoursinterrompu (189/85), Griffe de lumire (251/93). O dinamismo dareconstituio, solicitado aos espectadores, configura-se no somenteno campo dos espaos parciais mas na sucessividade linear do tempo,

    usando os retrocessos e sua marcha irrevogvel. A continuidade tem-poral, irreversvel, superada, pois Cruz-Filipe subverte os tempos;entre os espaos e os tempos reproduz uma unidade de substncia quegravita mas actuada acto do pintor e aco interna dosespectadores The Sound of Tide (233/90).

    Tratado da figura humana (continuado) pathos e rverie

    A iconografia de Cruz-Filipe transporta uma obsesso tica.Enquanto continente da pessoa individual, conforma-se no aspectocorpreo v-se integrada pelos elementos que a constituem pornatureza. A totalidade do corpo tem uma misso pessoal; tratado naparcialidade dos elementos que o compem, cumpre os vrios funcio-nalismos especficos, donde a sua implantao esttica.

    Para l da dimenso efectiva do corpo sujeito e objecto , cul-turalmente sempre lhe so atribudos significados e simbolismos. O teor

    dessa agregao de tal modo constitutivo que integra a complexidadedo indivduo e no apenas o co-habita. Quando Cruz-Filipe selec-ciona fraces do corpo dirigido pela intencionalidade plstica, qualsubjaz uma potencialidade simblica, orientada para a visibilidade.O jogo entre o conceptual e a intencionalidade psicoafectiva permiterealizao difcil que obriga reconfigurao da imagem pictrica noseu estado final: ...tudo parece formar um corpo e quisera-se que todoo grupo, associao, produo, criao, fosse assimilada a uma uni-dade corporal (2).

    O discurso da composio entrecortado. A insero da figura inesperada, precisa, pois se apropria do lugar nico em que se possuino quadro. Fica evidente a lio de Vermeer, quando evoca a confiante

    O tempo espao interior o espao tempo exterior. (Sntese dos mesmos.)Figuras temporais, etc. Espao e temponascem ao mesmo tempo. []Cada corpo tem o seu tempo cadatempo tem o seu corpo.

    (Novalis, Fragmentos)

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    (1) Em Vermeer verifica-se que a maneira de tratar os objectos, no mbito da composi-o como todo, no os torna meros acessrios: possuem uma presena figural semelhana dos protagonistas humanos. Na obra de fico, inspirada na pintura de Vermeer,Katherine Weber tece uma considerao pertinente acerca da sua viso: A Lio de Msica um instrumento de magia. Cf. da escritora, A Lio de Msica, Lisboa, Temas & Debates,1998, p. 99.

    (2) CF. Katherine Weber, ob. cit., p. 114, a propsito de Vermeer, mas que me pareceaplicar-se ao caso Cruz-Filipe com propriedade, embora exigindo-nos uma autenticidade deolhar prprio que pode ser complexa e demorada at atingir a nossa conscincia visual-cognitiva da imagem.

    (3

    ) Cf. Fernando Azevedo, texto do Catlogo da Exposio do C.A.C./MNSR, Porto, 1977.(4) Idem, ibidem, p. 14.

    presena no territrio da figura, articulada ao jogo de objectos e arqui-tecturas interiores (1).

    A afirmao da figura concorda com o ritmo da leitura das imagensfragmentadas: a mobilidade perceptiva / cognoscitiva usufrui de ritmo,uma espcie de respirao. Esta decorre da prpria respirao interrom-pida das figuras, tal como se apresentam: rompendo os planos, estabe-lecendo limites, em seus contornos, respirando num compasso secreto arevelar. Os intervalos desta respirao visual no se compadecem com apreguia do olhar. O olhar exige: deve pensar e rever-se no desvela-mento perceptivo da pintura; como se o pintor tivesse pintado a nossamaneira de ver, e no aquilo que podemos ver (2).

    Os olhos raramente so representados, salvo na primeira fase e, sub-

    repticiamente numa ou outra obras, de forma dissimulada e divergente.Nos trabalhos que directamente explicitam o olhar, rev-se a ironia e asimulao Le regard (224/89), Portrait (225/90).

    A cabea surge incompleta em corte, colocada de modo preciso,servindo como eixo para sustentao da ausncia de outros elementosna lgica anatomofisiolgica Paysage au fminin(228/90). O facto deo rosto ser ocultado no significa ausncia conceptual (ser mais do queum suporte de ausncias, nas palavras de Fernando Azevedo(3)). Nose v o prprio rosto; cada um sonha-se a si como rosto e perante osoutros; assim se permanece s, por detrs do seu rosto, como diria RenDaumel. O rosto contm um enigma; inapreensvel na sua totalidade:transporta a fragilidade e a fora da condio humana. Em cada, habitasua prpria mitologia, refgio de afectos institudo pelo arquivo de rostosde outros. O rosto revela e esconde: as metamorfoses de um rostosingular so em permanncia, embora persistam traos inapreensveisconferidores da perenidade transitiva do pessoal. Dizem a singularidadedo sujeito, transpostas as transformaes inevitveis: no somente o rosto

    interior mas o rosto na potencialidade intersubjectiva. A ausncia dorosto no negao nem limite; suscita nostalgia, diz a ambiguidade, aprecariedade. A afirmao do rosto saciada em insinuaes, desenhadana direco dos movimentos do brao, da axila, da plpebra que inventaa beleza certa do feminino Echo du voir (244/92). O rosto interiorconfirma o espao mais humano, talvez o lugar onde nasce osentimento do sagrado (4).

    Esturio67 52 cm240/91Coleco C. Moreira da Silva, Porto

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    (1) A ttulo de curiosidade veja-se, por exemplo, a pintura de Pontormo: Retrato de DoisHomens (c. 1522), Coleco Cini, Veneza; Retrato de Um Msico (c. 1718/1519), Galeria

    degli Uffizi, Florena; Retrato de Alexandre de Mdicis (c. 1534/1535), Coleco John G.Johnson, Philadelphia (cf. a nota de rodap n.o 1, p. 5).

    Os braos, sobretudo as mos, representam a finalizao figural objectivo perceptivo por excelncia. Os braos sequenciam a leituradas figuras, ultrapassando os planos de ruptura na continuidade da figura Biography of a Bird (230/90). Os braos encenam uma mobilidadeescultural, em posturas quase esteticamente rgidas Integridade doArtifcio (239/91). As mos assumem maior impacto Autre sommeil(281/99), Silncio Entretecido(282/97). A nfase adoptada na dcadade 80 conduziu a uma pintura onde se tornam elementos exclusivos,nicos. A figura humana reduziu-se s mos Ausncia (201/86) quese combinam diluio do rosto na trama fotogrfica Ordre desvisibilits (213/88); so penetradas pela paisagem Espace dabsence(242/91); irrompem, trazidas de um territrio velado Mortecor

    (249/93); atravessam paredes e comem o cu num bordado; acariciampapis e partituras, em intuito designativo a modo de Pontormo (1);fecham evanescncias do corpo do outro Andar Longe (254/93);so morte e redeno Point dorgue (257/94) e Mditation surlinquitude (327/04).

    O tronco, os seios, incompletos, significam a distncia do eu peranteo outro, sem desejo Lieux drobs (241/91), Esturio (240/91). Osombros, adivinhados e torneados, concentram a pulso, associando-a sobreposio de plissados e rendas salientes no fundo vazio e obscuro

    Le visage crit (256/94), ou explcita carnalidade do pescoo ecabelos Derrire le prsent (111/81); cumprem o cnone de belezasegundo Cruz-Filipe, incapaz de se ausentar da realidade pictural Objet de regard (272/96).

    Ao nu feminino, glosado na historiografia da arte, Cruz-Filipe rendehomenagem, abordando-o em distintos contextos e picturalidades. Veja--se On voudrait saigner le silence (51/73), obra onde o desocultamentodo corpo feminino se efectua num esplendor que contrasta o preto /

    branco da figura, destacada da intensidade cromtica do fundo que aassimila. As origens das respectivas encenaes dependem das intermi-tncias estticas: o nu ecoa na paisagem A Viagem de Vnus(192/85);concentra-se no quarto fechado Ameaa (55/73), Linha Quebrada(139/83); transparece no jogo de dissimulaes objectuais The Soundof Tide(233/90); espraia-se nas roupagens que o deixam adivinhar.

    O corpo, no pensamento mtico-potico, era modelo da representa-o do universo. O mundo das coisas (naturais ou artificiais) antropo-morfizado. Os adereos, os fragmentos, integram a iconografia do

    corpo. Nalguns casos, a aderncia, entre o modelo do corpo e as coisasque o rodeiam, to intrincada que proporciona uma expresso quaseapocalptica; a densidade do invlucro, o preenchimento so to com-pactos horror vaccui, proclamador da aniquilao do indivduo nosseus envolvimentos.

    On voudrait saigner le silence112 158 cm51/73Coleco particular, Cascais

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    (1) O ttulo do quadro Vertigo refere-se ao filme realizado por Alfred Hitchcock em1958.

    (2

    ) E mesmo nalguns casos socioantropolgicos actuais, cf. Michel Tournier, A Gota deOuro, Lisboa, Publicaes Dom Quixote, 1987.

    Na pintura feita, as roupagens e seus pormenores, demonstram umaextrema mestria, absorvendo os corpos que existem por detrs de vaziosnfimos e intervalos Ltrangre (280/97); noutros casos, os drapea-dos, as dobras, os plissados, complicam-se em funcionalidade arquitec-tnica Le double de nos songes (207/87). O tratamento do vesturiode poca contribui para a encenao compsita Carnet de bal(275/96). A obra faz-se cenrio, arquitectura da pessoa embrulhada noespao; preserva, mantm a identidade atravs de truques ilusionsticos,de simulao cuidada, sem transparecerem traos de subjectividade.

    Os veludos e as sedas encerram a gestaltdo espao; afirmam a per-cepo individuada das figuras colocadas em poses artificiosas, ao gostomaneirista Intervalle du temps (127/82), Rapports tisss (255/93) e

    Mditation sur linquitude (327/04). Os vus e as transparncias con-jugam-se na dicotomia entre o espao interior e exterior, fixado pelo cli-ch da janela aberta e vislumbrando a paisagem Vertigo(1) (179/85).

    Pintar as figuras possui-las, paradigma mgico que as imagensfotogrficas retiveram durante muito tempo (2). A posse da imagem deoutrem seria perda da auto-identidade pessoal do fotografado; na pinturade retrato, por tradio, a imagem do retratado conferia-lhe a imortali-dade visibilizada do corpreo, as lacunas da alma a penetrar a pintura Desejo Desenhado (266/95). Nos trabalhos de Cruz-Filipe, posse e

    perda so uma e mesma, pois as imagens ausentam os referentes nomi-nais e corporizam a identidade ntica Olhar Alheio (271/96).

    Tratado da memria cerimnia e culto

    As memrias revelam estruturas afectivas e cargas culturais. Deacordo com os registos societrios e antropolgicos, a amplitude simb-

    lica que as memrias contm determina o mbito de significao, paral da leitura imediata, predispondo referenciao iconolgica. A cono-tao sociocultural determina excessos de capacitao retentiva dosujeito que institui a memria de si e, igualmente, a sua extensohermenutica. A memria abarca dois sentidos primordiais do mundoem si: catalisador para recordar a prpria vida individual e estrutura arti-ficial capaz de ordenar o passado histrico.

    A memria emerge fruto de uma vontade, assegurada para um actoconsumado; surge fruto de uma aco no deliberada. Donde, a mem-

    ria ser involuntria tambm. Independente da inteno, a memria retmo vivido e expande-se em fantasmasias sem substncia factual.A memria, por analogia ao que sucede em termos tericos com a

    imaginao memria passiva e memria produtiva; matria para afantasia, para a imaginao. O imaginrio pessoal nutre-se da memria

    Os ps velozes do Tempo, que deixammarcas das coisas na memria sem que

    continuem a existir essas coisas. [...]cada um dos quais ao seu ritmo se

    move: e isto o Tempo. Respira dentrodos homens, que com o seu respirar so

    Tempo vestido de carne.

    (Antnio Tabucchi, Um dia emOlmpia, O Jogo do Reverso)

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    (1) Este trabalho remete muito aproximadamente para a pintura de Vermeer, em particularum fragmento de A Carta, Coleco The National Gallery of Ireland.

    das coisas vividas, inventadas, ambicionadas e temidas. Ganha o tecidodenso do imaginrio colectivo que agrega as construes memoriais deordem cultural, social, poltica ou ideolgica, propugnadas na histria: aestrutura da memria, as camadas da memria, o processamento damemria.

    As memrias que fundamentam, em primeiro grau, as diferentespinturas, distribuem-se em categorias complementarizadoras, definidaspor si:

    memria fotogrfica viabiliza, condensa e dispe Bride ofStilness(50/73);

    memria da pintura que rene a procura metodolgica; recolheobras emblemticas passveis de serem fonte (et origo) Coffret

    silencieux(252/93); memria fenomenal que corporaliza as conceptualizaes em

    matria pictrica, independentemente do gnero, categoria ouqualidade dos objectos / sujeitos a pintar; gerada na e pelavivncia individuada do autor, sem fugir da pertena a um mundodeterminado Inquietude(108/80);

    memria objectual radicada na matria de pintura; centra-se naafirmao das vrias categorias objectuais, decorrentes de opesvisionadas para preenchimentos da estrutura dos respectivos qua-dros Na Outra Margem (136/83);

    memria onrica fundada em imagens evanescentes, base desombras, dissimulaes e rastos representacionais LOmbre(197/86); memria surreal Distncia Interior (116/81), sntese deSalvador Dal e de pintura flamenga do sculo XVII;

    memria histrica que contm as imagens emblemticas da pin-tura; serve de base para as subverses criacionais de pinturas avir; abrange as diferentes memrias dos quadros que indiciam a

    recomposio; congela a efemeridade dos acontecimentos, a fuga-cidade das situaes Intervalle de temps(127/82) (1); memria ontolgica que questiona imageticamente a consistncia

    essencial do ser; que consubstancia as outras Wandering(278/97), Jardins Crepusculares (102/80), Anne-Marie e a Noite(100/80);

    memria da figura / memria do corpo memria do eu / sujeitoque engloba e torna inteligveis todas as anteriores; trata a cons-ciencializao perceptual do corpo nas suas precariedades e rema-

    nescncias simblicas Prs de linconnu (217/88).

    As configuraes intrnsecas contedos das memrias concen-tram a substncia da pintura nos espaos sucessivos, concatenados pelaexperincia do tempo (subjectivo e objectivo). As memrias diversifica-das renem-se na conscincia esttica de uma memria recuperadora,

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    (1) Embora sejam elementos fotogrficos que, aqui e ali, povoam a minha pintura, a suainsero num espao no-naturalista e a coexistncia na mesma pintura de vrios espaos etempos raccords fundam as suas razes obsessionais numa memria essencialmente afimdo espao cinematogrfica. Cruz-Filipe, 100 anos de Cinema 1895-1995, Colquio/Artes,n. 107, Outubro Dezembro, p. 17.

    (2) Idem, ibidem. E o pintor continua: As montagens de figuras, planos e espaos queforam sempre marca da minha pintura, tm alguma analogia afinal com a montagem danarrativa cinematogrfica, no cerne da sua magia imagtica.

    memria recuperada no tempo em termos fenomenolgicos tambm Desocultao do Espao(115/81).

    Os diferentes planos dentro da composio, na sua reconvertida uni-ficao como quadro, resultam da soma cognitiva de imagens singulari-zadas. Trata-se de uma combinatria de imagens que constitui um novoconceito de perspectiva, cruzando espaos e tempos (vividos). Atravsdos planos escalonados em profundidade, jogando com a exactido doscontornos particulares, consolida-se a constituio ontolgica da pers-pectiva pictural, no exclusivamente, na sua dimenso percepcional criture secrte (108/80). Os planos significam a desmultiplicao dasmemrias respeitadas na pessoalidade do autor, do seu espao interior,da sua projeco exterior Inventrio (246/92).

    As imagens desta deambulao histrica visual consolidam as neces-srias alteraes, modificaes evidentes ao longo dos anos. O pintorrevalida a sua metodologia pictural, a erudio conceptual e matria deprocedimento tcnico rigoroso. A memria pois memria tcnicaactualizadora, agenciadora das inventivas da pintura Portrait (220/89).Da a pregnncia da imagem cinematogrfica, na fluncia de percurso etemporalidade, que avana sobre a sistematizao fixa da fotografia, afir-mada pelo pintor (1).

    A dimenso esttica do espao cinematogrfico impregna a tempo-

    ralidade e os movimentos de recepo das pinturas de Cruz-Filipe.A relevncia do cinema, na constituio da pintura, define-se no planoconceptualizador do tempo que o pintor expressa, primeiro, no planometamrfico, pela interpenetrao de espaos e cenas, pelos raccordsentre as formas, entre os fragmentos (2) Discours interrompu(189/85).

    Cruz-Filipe criou um livro da memria, unificador de todas as ver-tentes de memria que se concebam, que haja vontade para encontrar:

    esse livro da memria compe-se de fragmentos, de intervalos, dedinamismos e de estaticidade; coordena a dialctica subjacente her-menutica inerente obra de arte como todo Recinto Sagrado(317/03).

    Tratado da sublimao dos objectos

    Na linguagem vulgar, objecto uma coisa material, inanimada e de

    pequenas dimenses; designa algo que possui determinadas funes. Emcontexto filosfico: A autenticidade de uma coisa a soma de tudo o

    A memria, a encenao do passado,converte o fluxo dos acontecimentos

    em quadros.

    (Susan Sontag, prefcio a WalterBenjamin, Rua de Sentido nico e

    Infncia em Berlim por Volta de 1900,Lisboa, Relgio dgua, 1992)

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    (1) Walter Benjamin, Sobre Arte, Tcnica, Linguagem e Poltica, A Arte na era da suareprodutibilidade tcnica (1936-1939), Lisboa, Relgio dgua, 1992, p. 79.

    (2) Cf. o captulo XII, relativo evocao do episdio que se presume ter sido verdico:O pintor estava ocupado a pintar uma mesa: um copo meio cheio de vinho tinto, umalade poisado, um caderno de msica, uma bolsa de veludo preto, cartas de jogar, a pri-meira das quais era um valete de paus, um tabuleiro de xadrez tendo em cima uma jarra comtrs cravos e um espelho octogonal parede do estdio. (p. 49). Eis a descrio do quadroOs Cinco Sentidos!

    que desde a origem nela transmissvel, desde a sua durao material aoseu testemunho histrico. (1)

    Os objectos oferecem-se na opacidade, na certeza virtuosstica; ocu-pam um lugar deliberado. So simulaes extraordinrias que confun-dem o olhar que lhes quer a vida; intrigantes, pois se especula sobre osseus desejos, soberanos e indispensveis; elementos, exactamente con-cebidos para estar ali, assumindo a sua solido objectual, todavia inter-locutores com as figuras e as paisagens uma concepo de natureza--morta, repleta de motivos que se reforam mutuamente. A cena dosobjectos capricho, enigma, ironia, mscara, imitao, citao e, muitoclaramente, certo narcisismo da obra em si, como assinatura do autor.

    A esttica das naturezas-mortas assinala princpios vlidos como

    parte integrante das composies de Cruz-Filipe Entrelaos (286/98).O papel adstrito representao das naturezas-mortas respeita a acep-o de tempo dos objectos; supe a eternalizao da sua dimenso pic-tural vejam-se autores de referncia como Baschenis e Bauguin. Osartistas, ao escolherem os objectos mais convenientes (plstica ou esteti-camente), traduzem opes. No plano da execuo pictrica, as exign-cias inscrevem-se na concentrao exclusiva dos objectos a representar.O artista concentra-se na relao entre objectos e formas abstractas, naentidade dos objectos em si Passacaglia (243/92); entre os objectos e

    o envolvimento / ocultamento parcial; na sugesto de volumetria eextenso transpostas para os demais sectores da composio. Enfim, anatureza-morta um gnero que, por tradio, permite a primazia dapintura-pura Inquietude (161/84).

    Evaristo Baschenis cultivou a iluso ptica na reproduo dos objec-tos, concedendo-lhes a abstraco metafsica, qualidades que Cruz--Filipe transps para a sua obra. Os instrumentos musicais integram, deforma frequente, as suas composies coute distante (76/77), com

    tal convico que as coisas identificam o seu significado e o prpriosignificado pessoal, no se colocando a distino real entre o eue ooutro.

    Lubin Bauguin outro pintor a evocar quanto pertinncia estticada natureza-morta relativa aos instrumentos musicais caso de OsCinco Sentidos, onde estes so simbolizados pelos cinco objectos repre-sentados. A incidncia da luz sobre os objectos, conferindo-lhes a volu-metria que a composio bidimensional procura, a presena comple-mentarizadora da partitura segura por baixo do mandolim, aproximam

    esta iconografia da de Baschenis. Em Todas as Manhs do Mundo, PascalQuignard (29), promove o encontro histrico entre o Mestre da viola da

    O homem perante o objecto estticotranscende a sua singularidade e abre-seao universo humano. [...]O objecto esttico rene os homensnum plano superior, onde, semdeixarem de ser individualidades, sesentem solidrios.

    (Mikel Dufrenne, Fenomenologia de laexperiencia esttica vol. 1 El

    objecto esttico, Valena, FernandoTorres, 1982, p. 107)

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    (1) As referncias dos objectos, segundo Caravaggio, conferem-lhes uma participaoactiva na cativao cnica; ganham a categoria de personagens, situao verificada nalgunsfragmentos de Cruz-Filipe: vasilhas, taas, cordas Plomb des cendres (265/95), explici-tando a identificao dos objectos em si, sabendo-os condio substantiva para a estipulaoda pintura. A minuciosidade figurativa de pormenores contribui para a evidenciao dossujeitos, alvos precisos da composio. Os pormenores possuem valor idntico ao da per-cepo globalizadora do todo, pois o integram; classificam o nvel ilusionstico dos elemen-tos objectualizveis: incorporam a apologia da mentira, como lhe chamou Guy Weelen.

    (2) Existe com certeza uma situao de maniera, na minha pintura. Mas no penso queo resultado do quadro se limite ao exacerbamento das qualidades rtmicas. Parece-me maisprxima das investigaes em torno do espao completo, tais como foram desenvolvidastambm pelos maneiristas e barrocos. Cruz-Filipe em entrevista a Joo Pinharanda, ob. cit.

    gamba, Senhor de Sainte Colombe e Lubin Bauguin, descrevendo umavisita ao atelier do pintor, verdadeiramente visual, tctil, em que quase seouvem os sussurros da conversa. neste ambiente que acontecem frag-mentos da pintura de Cruz-Filipe, na vivel transversalidade de tempo eespao que o seu imaginrio nos propicia Tissu du pass(77/78).

    As figuras e os objectos so genunos, to exmio o simulacro Must (117/81). Cruz-Filipe conclui o retorno s coisas em si, delasemanando essa aura que Baschenis inaugurou e o rigor simblico deBauguin. Realiza-o, pela viso perfectvel, pelo rumor quase impercept-vel, pela viso expectante Inquietude (161/84). A recuperao ima-gstica dos objectos rivaliza com as circunstanciadas memrias Lechant du possible (66/75), Questions du rel(69/76). Trata-se de uma

    esttica de dupla acepo: esttica dos objectos e esttica das figuras Encontro Adiado(288/97).Ao tratar a esttica dos objectos enquanto sujeitos (picturalidade /

    / fotografia) e dos objectos em si, subjaz o paradoxo da realidade da pin-tura versuselogio do artifcio de arte como tekn. A realidade da pin-tura situa-se no plano singular do quase irrecupervel em termos deemisso / percepo / recepo. A realidade da pintura no se exaurenas deambulaes glosadas por Cruz-Filipe sobre a substncia dos con-ceitos de real e de simulacro (1).

    Toda a composio se baseia na concretizao pretendida, logo con-voca estratgias conceptuais e pragmticas adequadas. Pormenor e tota-lidade so pertena deste plano de trompe-lil, onde a afinidade aosestilos recrutada por Cruz-Filipe: renascimento, maneirismo e barroco;tambm classicismo, romantismo, naturalismo e realismo. Convivemestilos e correntes, estabelecendo produtos autnomos que transcendemos limites especficos de respectivas caracterizaes Rapports tisss(255/93), Teatro dos Sentidos(237/91), Acender o Segredo(232/90).

    O maneirismo e o barroco so tempos de lateralidade e ciso ondese conciliavam tragdia e fico na maximizao do belo, viso virtuo-sstica, narcisismo criador, antinomia do presente, enfim, certa nostalgiapela mtica unidade do passado (2). Os fragmentos estilsticos reforamos cultos: a normatividade do renascimento e sua viso antropocntrica;a liberdade de explorao pictural dos maneiristas; a pujana dobarroco; a depurao harmoniosa do classicismo; a tragdia pulsional, aprojeco egica do mito e da paisagem romntica a sublimao do

    Must105 128 cm

    117/81Coleco Alfons Noll, Sua

    A sua obsesso neste tema, a fixao daperspectiva e da luz e a proximidade deoutros objectos (livros, frutas, pesadas e

    quase fnebres telas) so indciosseguros de uma intencionalidade

    simblica e religiosa: a vaidade dossentidos, a prpria essncia da vida e

    da morte (o corpo como instrumento aque a alma d voz e que, depois de

    morto, no seno uma forma vazia).

    (Giulio Carlo Argan,Renacimiento y Barroco vol. II,

    Madrid, Akal, 1987, p. 375)

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    (1) Por natureza pessoal, as minhas paixes culturais exercem-se na zona romntica.Por exemplo, se a msica barroca me provoca euforia, a msica romntica integra umsuplemento de melancolia e trgico que tambm me fascinam... Idem, ibidem.

    eu; a contemplao / imitao do processo natural, sua reverberao ereteno iconogrfica; a fixao verista do societrio, sua ironia artifi-ciosa e externalizada do realismo que se ultrapassa at aos camposmanifestos de um surrealismo inadiado (1). Perante os testemunhos dopintor verifica-se o genuno gosto da citao devidamente camuflada,parte integrante do virtuosismo que o alimenta.

    As influncias estilsticas garantem a inveno que as pinturas pro-vocam nos fruidores. O sublime no matria constitutiva da obra, antesdisponibilidade actuada no fruidor que vivencia a obra; assim se partepara o estabelecimento de aspectos que induzem instituio dosublime O Silncio ao Invs (262/95).

    Tratado da paisagem exaltao e lamento

    As paisagens incorporam as coisas representadas; ganham a intensi-dade dramtica dos protagonistas cativos Entrelacs du voir (212/88);so tratadas como naturezas-mortas, o que, alis, se estende a algumasfiguras tambm. As paisagens so cenrio em que decorrem histriasannimas ou episdios reconhecidos, vislumbres de humano TheEdge of the Sea (273/96).

    Nuns casos, ainda, as paisagens so objecto, meio e vontade NoiteDespida(186/85). Noutros, o quadro apenas desvela um excerto brevs-simo de paisagem, ao modo renascentista, servindo de referncia quasecifrada para significar o mundo plasmado na pintura Feu du soir surtoutes les rives(198/86).

    As paisagens, desde o incio, remetem tambm ao mar O Espelho(170/84). O mar cmplice das figuras, engole-as, supe-nas Portrait(7)(235/91), La porte troite (106/80). O mar assume-se como elemento

    primordial, carregado de uma simbologia matrica que lembraBachelard O Espelho (170/84). As mutaes, os caprichos, consti-tuem uma srie que retm as imagens do mar dentro do mar do quadro Mares (2, 3, 4, 5)(148, 150, 151, 152/83). Em 2002 e 2003, o pintorrevisitou o tema Mares 2 (313/02), Mares 6 (322/03) e Mares 3(314/02). O mar adquire uma ainda maior dramaticidade; a dinmicabarroca, a correspondente intencionalidade aberta, consolidam oolhar sobre um infinito que se delimita na superfcie pintada.

    Na paisagem espelha-se a passagem do tempo cronolgico o

    diurno e o nocturno; do tempo meteorolgico: a bonana mtica e atempestade... Water-Tales (202/86), Prtica Crepuscular (210/87).O tempo substncia coincidente com a representao da paisagem // matria onde se encontram vestgios do humano preso no tempo, agar-rado sem salvao (?) ao espao Paysage au fminin(228/90). Os sec-tores isolados da paisagem direccionam-se para a linha de horizonte,

    O Espelho36 29 cm170/84Coleco do artista

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    (1) Cf. acerca da relevncia da descoberta da pintura e gravura japonesas, designada-mente, de Hokusai, nascido a 5 de Maro de 1760 e que teria falecido a 13 de Abril de1849, a obra de Edmond de Goncourt, Outamaro Hokusai lart japonais au XVIImesicle,Paris, 1986.

    (2) Cf. Catherine Lepront, Caspar David Friedrich Des paysages les yeux ferms, Paris,Gallimard, 1995.

    mesmo quando imposta na sua verticalidade Encontro Adiado(282/97); articulam-se a elementos arquitectnicos donde se excluem,talvez, as presenas fsicas Les jardins qui me sont inconnus (290/99).

    Mais recentemente, est-se perante quadros onde as figuras induzem espiritualidade dignificante da natureza No Limiar da Paisagem(289/98). A paisagem sustentadora das figuras a paisagem que a figuradefine e justifica. Prevalece a relao entre o ser pessoal e a naturezaidealizada. Esta perspectiva retomou a lio de Caspar D. Friedrich,combinando-a ao vazio existencial, picturalmente rico da concepojaponesa Hokusai (1).

    s paisagens de Caspar D. Friedrich subjaz a tripla vivncia dotempo: o tempo necessrio contemplao das formas; o tempo interior

    para fixar em pintura o depois de ter visto, quando, seguindoSchelling, se dissipa a nebulosa que distingue o mundo real do mundoideal, de modo a pintar uma imagem do que as aparncias tenham reve-lado e, finalmente, o tempo vivido no exterior, a olhar a natureza deessncia divina todas as formas recolhidas nos seus cadernos deesboos (2).

    Embora a vertente paisagstica em Cruz-Filipe no esteja em toda aextenso da pintura, os fragmentos que nela interagem, como suporte oucomo remisso simblica da figura, usufruem da sabedoria potica

    alem. Est-se perante idntica explanao psicoafectiva e conceptual dapaisagem entidade e substncia, invlucro e actor. A sobriedaderepresentacional, a expansividade cromtica, os pormenores encantat-rios so de inspirao comum; a sacralizao da paisagem, vislumbradaem excertos divinatrios Cruz-Filipe deixa transbordar o sentimentode melancolia geradora, produtiva; aprofunda o silncio, as trevas, oabismo / vazio (intervalo). Como imagem de sonho, o discurso analgicoda paisagem em Cruz-Filipe / C. D. Friedrich assinala a opacidade doterrestre, liga-se s coisas vistas em proximidade; explora um horizonteindeterminvel; suscita uma iluminao ontolgica, articuladora de trsmundos: o terrestre / real princpio fsico, o irreal princpio metaf-sico, o simblico, onde ambos se indissociam e equilibram, gerando omundo do pintor a ser visto de dentro para fora e vice-versa, sem con-taminao ou promiscuidade de planos Daphn (269/96).

    Finalmente, a paisagem afirmao de perenidade alm das muta-es e dos ciclos que a definem. A paisagem a propriedade metafsicaque contm a certeza da existncia pessoal, atravs das geraes, seus

    mpetos, tranquilidade ou perturbao; a estabilidade de suas qualida-des narrativas, a consistncia de um cenrio que o homem participa eque o aguarda.

    O maravilhoso, porm, no surgefacilmente. Tem de romper a disciplinarigorosa das formas; -lhe imposta uma

    certa barreira. Em geral, pretendo

    entender a razo de ser das coisas, dao mtodo de realizao conceptual dasobras. O que confere maior perenidades imagens evitando o anedotrio ou a

    ilustrao.

    (Entrevista de Cruz-Filipe a JooPinharanda, ob. cit.)

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    (1) Melancolia 250/93, Cruz-Filipe, Jornal da Exposio 40 Anos de Pintura, Lisboa,Culturgest, 12 de Dezembro, 1995.(2) Veja-se a gravura de Albrecht Drer, A Melancolia, uma composio extraordinaria-

    mente complexa, em termos iconolgicos, que remete para a condio do artista, distinta dofuror melancholicus de inspirao saturnina, que sente a finidade da sua busca e fica decerto modo prostrado; este estado que se poderia designar faustiano, da condio artstica, expresso em termos figurativos bem diversos dos do cavaleiro e do S. Jernimo, UgoRuggeri, Drer, Lisboa, O Livro, 1979, p. 50. Os elementos visuais cifrados possuem umavalncia iconogrfica em vigor na poca; na gravura, apesar do ambiente de incerteza,dvida e desolao, subsiste um claro matriz visionria que aponta para umademanda da autognose.

    (3) Idem, ibidem, p. 29.

    Tratado da melancolia solilquio

    A vivncia mais pregnante a que dispe a pintura de Cruz-Filipe ade melancolia enquanto categoria esttica. O quadro do mesmo ttulo Melancolia (250/93) cruza duas referncias picturais que JooPinharanda aborda na sua anlise da obra (1): Giorgione e Ingres.Efectivamente, ao observar o auto-retrato de Ingres evidencia-se opunho da manga do casaco e a mo direccionada para a direita,enquanto no trabalho de Cruz-Filipe est orientada assimetricamente; aevocao de Giorgione procede de Os Trs Filsofos aquele quesegura o esquadro e se encontra sentado o mais novo dos trs, numapintura que representa as trs idades do homem, talvez trs diferentes

    nacionalidades. Os filsofos, como os pintores e os poetas, sero por-ventura melanclicos. Ao escutar a ausncia de rosto qualquer, no qua-dro de Cruz-Filipe, esta hiptese torna-se-me mais pertinente ainda.

    Se a melancolia categoria endgena em muitos artistas (2) e obras,talvez a convico retroceda at s afirmaes aristotlicas sobre a defi-nio do conceito enquanto talento e sabedoria.

    No perodo romntico, apontando para a cumplicidade essencialentre termos por tradio oposicionais, Novalis considerava que olugar da alma est no ponto onde o mundo interior e o mundo exterior

    se tocam. Onde eles se penetram ele est em cada ponto da pene-trao (3). A abordagem da melancolia em Cruz-Filipe est eivada domisticismo inquiridor da unidade pessoal, da constituio reunificadorado eu.

    A histria da pintura percorrida por Cruz-Filipe procura afinidades naabordagem melanclica da sua essncia, bem como na recepo poroutrem. A melancolia possui:

    expresso visvel, traduzvel em caractersticas cultural e estetica-

    mente assumidas como esteretipos artsticos, independentementede estilos ou correntes; motivao psicoafectiva, predisposio anmica, congnita, em

    termos criadores e existenciais no autor; enquadramento organizador, no plano potico, que invade e justi-

    fica posturas e actos, conferindo-lhes um aprofundamento filos-fico e tico;

    Pois o belo no seno o comeo doterrvel, que ns mal podemos ainda

    suportar, e admiramo-lo tanto porque,impassvel, desdenha destruir-nos. Todoo anjo terrvel.

    (Rainer Marie Rilke, Elegias de Duno)

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    (1) Cf. Doris Krystof, Pontormo, Kln, Kneman, 1998.(2) Achille Bonito Oliva, LIdeologia del traditore Arte, maniera, manierismo, Milano,

    Electa, 1998, p. 25.

    genuinidade profunda, de mbito psicanaltico, passvel de umaabordagem desveladora das mistificaes imagticas em causa;

    matria cultural, contextualizada na antropologia da pessoahumana, transversal a tempos e espaos, convertida segundo as

    directrizes do autor; etimologia e histria (primitiva e longnqua) que compem a sua

    prpria compreenso como substncia sociolgica e ideolgica.

    Os diferentes indicadores de posse, que consignam o conceito demelancolia, acentuam a singularidade da sua linguagem pictural:

    luminosidade versusobscuridade expandida nas pinturas, devida-mente situadas nos lugares sem stio espcie de atopia psico-

    afectiva; colocao dos elementos constitutivos do corpo, mantendo fir-meza e acentuao, provando a dignidade pessoal;

    conciliao metafsica entre figuras, paisagens e objectos nummesmo espao atpico;

    associao produtiva entre este estado anmico e a prtica artsticaque se encontram exacerbados na obsessiva exactido das formas,na estratificao dos contornos, como se a perda fosse intolervel;

    simbologia assertiva do esprito, tendncia saturnina, intrnseca smentes e corpos geradores de obra;

    desconstruo conceptual do indivduo, encenado para a suareconstituio, preenchida atravs de vazios anatmicos e fisiolo-gia representacional.

    A melancolia uma caracterstica subjacente na esttica maneirista:trata-se da acepo artificiosa da melancolia que difere na carga semn-tica (e filosfica) implcita na acepo romntica. Giorgio Vasari, na sua

    biografia de Jacopo Pontormo, integrada na segunda edio da Vida dosMais Eminentes Pintores Italianos, Escultores e Arquitectos, em 1568,criou duradoira imagem de artista como um melanclico marginal (1).A consequncia, segundo Achille Bonito Oliva, a ambiguidade moral,a queda da moral e do moralismo, da verdadeiro verosimilhana eaproximao (2). No caso de Cruz-Filipe, a melancolia artifcio est-tico e no pressupe queda, perda, antes um redimensionar preocupadoem impregnar de uma componente tica a construo visual; refora,reassegura psicoafectivamente as prprias emanaes imagticas em si.

    A melancolia no pede a apatia, a abulia ou a acdia, embora os ter-mos se confundam em certas argumentaes. A languidez das cores,volumetrizadas nos drapeados, a explanao dos tecidos arquitectni-cos ou a solidez das eficincias objectuais, conformadoras das estrutu-ras de fundo, da geometria convencionada, exprimem uma sensao de

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    (1) Kazuo Ishiguro, An Artist of the Floating World, London, faber&faber, 1987.

    nostalgia e permanncia. a melancolia maneirista e a melancoliaromntica!

    Tratado da lentido transversalidade

    O mundo complexifica-se nas acepes visuais de Cruz-Filipe. ummundo encenado, construdo como um cenrio metafsico e, simultanea-mente, funcional: continente de uma pera ou de qualquer outra dra-maturgia. um mundo pessoalizado, embora annimo, sem que aausncia seja inexistncia, antes razo de ser individual Clart neuve(285/98). um mundo de suspenso, que a respirao retm, reduzindo

    o ritmo da existncia para que persista sempre.No seu mundo pictrico as coisas acontecem devagar. Como se alentido, dos acontecimentos ou das coisas, assegurasse a fixao e pro-cessamento, mas demorado. A lentido no improdutiva, no estril:pensa a sua aco, garante os contedos, as matrias, as formas, a suacerteza. A lentido congela os movimentos das pessoas; ganha cada uma responsabilidade no que pretende ser, no que sabe ser; propicia asabedoria do indivduo que se descobre perante os outros, para si Ordonnance raisone (284/98).

    As identidades picturais, prolixas e complexas, a partir de visibilida-des tranquilas trgicas, por vezes ganham solidez na constituioque as supe. A lentido no nega a continuidade do tempo; sentidacomo estado de suspenso poch... Lembrando Kundera, dir-se-iaque a lentido est num estado de xtase, estado esse que pode igual-mente suceder com a experincia da velocidade.

    A melancolia, a lentido integram a qualificao do mundo em que oartista est num estado do mundo flutuante (1) que carece ser domi-nado, transcendido. O mundo flutuante contm as coisas melhores davida / mundo, aquelas que se juntam na noite e desaparecem com amadrugada Ton rve tappartient (293/99); todavia, as coisas domundo flutuante fixadas pela pintura, permitindo a viso de frgilbeleza, angariada pela fruio esttica.

    Num domnio onde a melancolia reina e a lentido permite, a beleza condio, como se v nas paisagens idealizadas que suportam a almadas suas figuras e o pintor. A beleza est em estado de alerta, na suagenuinidade; sem oscilao de gosto, est em plenitude, sem ser exclu-

    sivamente metafsica. A lentido contribui para a afirmao da imagticaque sustenta a obra de Cruz-Filipe, enquanto natureza-morta, paisagemou figura; associa-se visualidade de ideias convertidas em figuras, pai-sagens e objectos Arqueologia da Paisagem (297/00). Finalmente,desenvolve-se na conquista externalizada de elementos espaciais, apesarda fragmentaridade da composio. Porque existe na sua obra a len-tido, existe a unidade e fluncia.

    Quero contemplar um pouco mais omeu cavaleiro que se dirige lentamentepara a sege. Quero saborear o ritmo dosseus passos: quanto mais avana, maisos passos abrandam. Nessa lentido,creio reconhecer um sinal de felicidade.

    (Milan Kundera)

    Arqueologia da Paisagem131 105 cm

    297/00Coleco Georgina Illing

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    (1

    ) O 3 exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no Cosmos ou no homem.Sintetiza a triunidade do ser vivo, ou resulta da conjuno de 1 e 2, produzido, nesse caso,da unio do Cu e da Terra. O 3 simboliza igualmente a totalidade da ordem social,nomeadamente a composio tripartida das sociedades indo-europeias. Segundo GeorgesDumzil, essa tripartio, que se verifica em toda anlise da estrutura social na suatotalidade , apenas teria sido erigida por alguns povos numa filosofia global do mundo enuma hierarquia de valores especficas. Exprime-se em diferentes trades: o sagrado, a guerrae o trabalho; a soberania, a fora guerreira e a fecundidade; o sacerdcio, a potncia e aproduo [...] Produziu-se uma interaco entre a organizao sociopoltica e a organizaomitolgica. Ambas estruturas se reflectem mutuamente, embora nem sempre evoluam aomesmo compasso. Cf. Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt, Dictionnaire des symboles, Paris,Robert Laffont Ed., 1982.

    Tratado da beleza subterfgio e fragmento

    A beleza, matria e conceito de pintura em Cruz-Filipe surpreendempela unidade da composio. Na quase totalidade dos seus quadros,

    encontra-se uma decomposio em trs partes, distinguidas entre si,embora no se excluam. Esta forma de organizar a composio corres-ponde, por analogia, a uma forma de composio usada na composiomusical a forma ABA. O modo, de cariz barroco e clssico correspondea uma 1.a parte A, a 2.a parte B, muito diferente de A, e depois, novamenteA, com algumas diferenas relativamente 1.a parte A. Os temas, alis,so repetidos vrias vezes, permitindo ao ouvinte leigo uma certa satis-fao na medida em que lhe possvel reconhecer a frase em causa.

    Na pintura de Cruz-Filipe encontra-se um trnsito de fragmentos, cujafuncionalidade responde s partes da composio musical, que viajamde pintura em pintura, combinando-se a novos motivos, respeitandoquase sempre a tripartio. Por outro lado, como se sabe da filosofiapitagrica, na sequncia do pensamento filosfico hindu, o algarismotrs (1) portador de relevantes simbologias e significaes. Com oadvento do Cristianismo, veio o reforo semntico e simblico para oalgarismo S. S. Trindade usado como fundamento teolgico / mate-mtico para a constituio de obras de pintura, escultura e arquitectura

    tambm Le miroir fidle (268/95).A base matemtica para a configurao da beleza possui um fundoesotrico, comum histria da esttica, arte e pensamento, subsumidaem variantes socioculturais e religiosas. A beleza, para Cruz-Filipe, con-siste na conceptualizao idealizada, respeitando a normatividade docriador Fragments dune prsence(288/98).

    Num outro contexto esttico, a avaliao do conceito remete para aetimologia grega, kalos. Se por um lado, a afirmao bela conceptuali-zvel, enquanto substancializao qualitativa, diga-se, abstracta, poroutro, agrega as valncias de uma significao dirigida, singularizadapara uma coisa bela em particular. No caso dos Mares verifica-se umacombinatria entre o realismo perceptivo, a abstraccionalidade induzidae a simblica tcita. Assim se consubstancia a completude de trsacepes picturais presentes nessas obras singualares.

    A aparente ambiguidade epistemolgica do conceito de beleza, nocaso de Cruz-Filipe, chave para a resoluo ontolgica da sua obra.

    Ce quont voit dans les voyages nestjamais quun trompe lil.

    Des ombres la poursuite dautresombres. Les routes et les pays ne nousapprennent rien que nous ne sachions

    dj, rien que nous ne puissons couteren nous-mmes dans la paix de la nuit.

    (Amin Maalouf,Le Priple de Baldassare)

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    (1) A beleza dependia da harmoniosa disposio das partes. Em princpios do sculo XVI,Albrecht Drer, outro dos mestres da pintura do rigor, escrevia que na pintura sem umaproporo adequada, nenhuma figura pode ser perfeita.

    (2) Cf. Paolo dAngelo, A Esttica do Romantismo, Lisboa, Estampa, 1998, p. 115.(3) Em Novalis, os fragmentos existem em estado de fragmentos, mas esse no seria o seu

    estado definitivo, segundo alguns intrpretes do filsofo e poeta alemo, seria uma formaprovisria de comunicao, numa fase anterior sua completude definitiva.

    A beleza aparencial repe um sentido convencional que inclui produtosmentais, assim como cores e sons. No pintor, a excelncia da belezacoincide e completa-se com as exigncias ticas, pois aponta para odomnio do humano, ainda que atendendo, com preciso, a este outro

    conceito.A definio renascentista de beleza concorda com a prossecuo de

    artisticidade de Cruz-Filipe: a harmonia resultante da composio devrios membros; a beleza, segundo Leon Battista Alberti, constitudacomo harmonia e boa proporo, a consonncia e integrao mtuadas partes (1).

    Na argumentao maneirista, a regra da arte organizada peladeciso plstica de cada um, conferindo os tpicos individualizados e as

    disposies singulares que constituem as respectivas linguagens pessoais la maniera. As caractersticas e os pressupostos estticos serviram paraorganizar, fazer convergir afinidades sob uma designao conveniente Desejo Desenhado (266/95).

    O elogio do fragmento radica no pensamento filosfico e potico dosromnticos, donde se salientem duas concepes: de Schlegel e deNovalis. O fragmento, em Schlegel, no algo de transitrio; no umesboo destinado a ser ampliado ou o excerto de um qualquer estudomais alargado: no se tornou fragmento, mas nasceu como tal (2).

    A escolha do fragmento no significa renunciar sistematicidade. O frag-mento, em Novalis, autntico, verdadeiro, mas para um trabalho pos-terior, a integrar nesse grande projecto de saber que denominou porEnciclopdia(3).

    Tomando estas consideraes, o fragmento na obra de Cruz-Filipepossui uma ou outra acepo. H um momento em que o fragmento ofragmento que nasce e permanece fragmento; mas os fragmentos naobra do pintor coincidem nessa axiologia esttica especfica que confi-gura uma dimenso enciclopdica. Concilia ambas acepes de frag-mento, criando uma valncia, atribuindo-lhe uma outra identidadeepistemolgica e metodolgica Once (295/99), Mares 3 (304/02).

    A sua obra a da beleza erudita, requintada e minuciosa, da belezasensorial, voluptuosa, da beleza ideativa e racionalista, da beleza cons-trutiva, da beleza efectiva na visibilidade das coisas, da beleza comocelebrao do humano. Condensa-se na ideia, na celebrao do acto decriao que ao homem cabe aderir; um acto de culto, recolhido e dis-creto, de intuies perceptivas, desocultadas em esplendores dinmicos

    de uma viso convocada na sua perfectibilidade metafsica e humana Cadenza(302/00).

    Produo de fragmentos mutilados edemonstrao de que o fundo de todasas ideias e pensamentos efectivos, nomundo quotidiano, so fragmentos.

    (Novalis, Fragmentos, traduo de Rui

    Chafes, Lisboa, Assrio & Alvim, 1992,p. 55)

    Il voit lle, le pont, leau qui scoule,sans ge, au-del du temps, dans lalumire paisse, comme une blessureimmortelle et presque apaise force debeaut. Cest la blessure dun dieu quiprcde le temps humain, et qui luisuccdera.

    (Pascal Quignard, La Leon de musique,Paris, Hachetle, 1987)

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    Cruz-Filipe encarnou em cada pintura da sua galeria histrica.Privou, durante algum tempo com os diferentes quadros, at saciar mat-ria e esprito. Quando partiu de cada um deles trouxe os fragmen-tos que lhe possibilitam sobreviver no mundo sua procura, talvez

    como Ruben A.! Planeou e concebeu, para fazer nascer uma nova visode suas imagens interiores, reconfiguradas e seguras. Donde, por tran-quilidade e seduo, decidir presentear-nos com indcios de pintura nosprprios ttulos dos quadros: extraordinariamente exactos na sua dispo-nibilidade potica e metafsica visibilizadoras.

    A natureza particular da sua obra dispe em matria pictural o pri-mado da educao esttica do indivduo numa perspectiva schille-riana tambm; cativando-o para um panorama iconogrfico em que se

    obrigam os fruidores a procurar exceder as suas mais simplistas recon-verses estilsticas e picturais para atingir um domnio de conceitos, deideias portadoras em si da magnitude de existncia individual nummundo: Olho um quadro como uma unidade, mas habituei-me a umaanlise que no apenas formal, compositiva.

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    Ricardo Jos Minotti da Cruz-Filipe nasceu em Lisboaem 1934. Engenheiro pelo Instituto Superior Tcnico deLisboa, onde foi professor assistente de 1958 a 1968.Dedicou toda a sua vida profissional, desde Outubro de1957 ao sector da electricidade nomeadamente s

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    1957, ao sector da electricidade, nomeadamente squestes econmicas, ao planeamento, organizao e gesto de empresas, tendo sido ainda director daCompanhia de Seguros A Ptria de 1958 a 1974.De 1976 a 1988 foi administrador da Electricidade dePortugal. Desde 1971 e at 1988 representou as empre-sas portuguesas de electricidade na Union Europennepour la Coordination de la Production et du Transport delElectricit.Em Outubro de 1988 foi nomeado presidente da SecoEspecializada para Apoio s Privatizaes Ministriodas Finanas, cargo que exerce presentemente.

    Agraciado com o grau de Chevalier de lOrdre duMrite, pelo Governo francs.

    1955 Inicia a sua actividade como pintor, autodidacta.1957 Realiza a sua primeira exposio individual na

    Galeria Prtico, em Lisboa.1958 Est presente na 3.a Exposio de Artes Plsticas

    de Almada.1965 Expe no Salo de Abril da Sociedade Nacional

    de Belas-Artes, em Lisboa, sendo distinguido como Prmio Bolsa Malhoa.

    1966 Exposio individual na Galeria Divulgao, emLisboa e concorrente ao Prmio Nacional dePintura da British Petroleum.

    1970 Expe na Galeria 111 em Lisboa, com apresen-tao de Fernando Pernes, onde pela primeiravez utiliza a pintura sobre telas fotossensveis,que da em diante sempre utilizar.

    1971 Concorre Exposio Mobil, em Lisboa,sendo-lhe atribudo o Prmio Mobil e, em conse-quncia, estando representado nesse mesmo anona exposio Twenty Artists from Portugal, noHudson River Museum em Nova Iorque.

    1972 Exposio da Seco Portuguesa da AICA, SNBAem Lisboa e na exposio O Neo-Romantismo naPintura Portuguesa, tambm em Lisboa. Publica oestudo pera-hoje no n.o 6 da revista Col-quio/Artes.

    1973 Quadros seus figuram na exposio PinturaPortuguesa de Hoje, em Barcelona e Salamanca,na exposio Abstractos e Neo-Figurativos naSNBA, e ainda na mostra 34 Artistas de Hojena

    Galeria Quadrum. Expe individualmente na Galeria Buchholz, emLisboa, com apresentao de Rui-Mrio Gonal-ves.

    Publica o pequeno ensaio Fidelio no anoBeethoven, no n.o 30 de Arte Musical.

    1975 Exposio Figurao-Hoje, na SNBA. Eduardo Loureno publica o estudo Cruz-Filipe

    ou o tempo imaginrio na revista Colquio.1976 Est representado nas exposies colectivas Arte

    Moderna Portuguesa (integrada no Congresso da

    1988 Exposio individual na Casa Solar de Mateus. Representado na Fotoporto 88, na Casa de

    Serralves, e na colectiva da Galeria Neupergamaem Torres Novas.

    1989 Representado nas exposio Coleco de Pintura

    AICA em Lisboa), Arte Portuguesa Contempor-neano Muse dArt Moderne de la Ville de Paris ena Galleria Nazionale dArte Moderna em Roma.

    1977 Primeira exposio individual na Galeria Qua-drum, em Lisboa e no Centro Contemporneo do

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    p p Portuguesa 1842-1979, organizada pelo Museude Arte Contempornea no Palcio de Queluz.

    escolhido por Jos-Augusto Frana como Artis-ta do ms na revista Colquio/Artes (Setembro).

    1990 Exposio individual na Murray and IsabellaRayburn Foundation, Nova Iorque, com texto deapresentao de Hellmut Wohl.

    1992 Exposio individual na Galeria Valentim deCarvalho em Lisboa.

    1993 Representado na exposio Arte Moderna emPortugal, coleco de arte da Caixa Geral de

    Depsitos.1994 editado pela Lello & Irmo um livro, anlise dasua obra, da autoria de Bernardo Pinto deAlmeida, contendo ainda ensaios de leiturada sua pintura de Graa Moura, P. Tmen, A.Hatherly, R. M. Gonalves, F. de Azevedo, F. Per-nes, Guy Weelen, M. Acciaiuoli, J. Pinharanda, J.L. Porfrio, G. Castello-Lopes, A. M. Vcot, Ed.Loureno, J.-A. Frana, H. Wohl e F. CabralMartins.

    1995 Tem lugar uma retrospectiva da sua obraQuarenta Anos de Pintura, na Culturgest emLisboa. publicada longa entrevista no jornalO Pblico Uma esttica do fragmento, condu-zida por Joo Pinharanda.

    1996 A retrospectiva repetida no Porto, na Fundaode Serralves.

    Recebe o Prmio AICA Ministrio da Cultura,referente a 1995, prmio que lhe entregue peloministro da Cultura em 25 de Julho de 1996.

    1997 Representado na Coleco Jos-Augusto Frana,

    exposta no Museu do Chiado em Lisboa.2000/2001 Exposio individual no Museu Nacionalde Arte Antiga Cruz-Filipe 1996-2001 Natu-rezas-Mortas, Espaos, Figuras, a convite do seudirector Jos Lus Porfrio, com textos de suaautoria e de Antnio Tabucchi.

    Grava entrevista conduzida por Lusa Soares deOliveira, em Artlink.

    2003 Recebe o Grande Prmio BANIF de Pintura.

    Est representado nas coleces dos Ministrios daEducao, da Cultura, e dos Negcios Estangeiros;Centro de Arte Moderna Jos de Azeredo Perdigo daFundao Calouste Gulbenkian, Museu de ArteContempornea; Museu de Serralves, Porto; MuseuNacional de Amarante; Sociedade Nacional de Belas--Artes; MBIL; EDP; Caixa Geral de Depsitos;Millennium BCP; Banco Esprito Santo; BPI; BANIF.

    , pMuseu Nacional de Soares dos Reis, no Porto.

    Presente nas exposies Portugal Galleriernas ochgatornas Bilder no Lund Museum (Sucia), ArteContempornea Portuguesa nos Museus de Bra-slia, Rio de Janeiro e So Paulo, no Salon Grandset Jeunes dAujourdhui, Grand Palais, Paris e noPalcio de Congressos de Madrid.

    Representado na exposio A Fotografia na ArteModerna Portuguesa, da Secretaria de Estado daCultura, Porto e Lisboa.

    1978 Exposio individual na Galerie du Dme, Paris, e

    na colectiva, tambm em Paris, do Grand Palais.1979 Exposio comemorativa do 20.o aniversrio darevista Colquio da Fundao Calouste Gulben-kian.

    1981 2.a exposio individual na Galeria Quadrum, emLisboa, com texto de Fernando Azevedo, e tam-bm na Galeria Patrick Cramer em Genve, comtexto introdutrio de Vasco Graa Moura.

    1982 Exposio Fantasporto, na Galeria rvore, noPorto e na SNBA em Lisboa.

    Ana Hatherly publica na Colquio/Artes o textoRigor e ambiguidade na pintura de Cruz-Filipe.

    1983 Exposio 14 Pintores na Galeria Ana Isabel,Lisboa.

    1984 Novas exposies individuais na Galeria Qua-drum, em Lisboa, e na Galeria do Jornal de Not-cias, no Porto.

    Representado na Feira de Arte, em Kln e naGaleria A, em Munique.

    Exposio 20 anos da Galeria 111 e exposiocomemorativa do dcimo aniversrio do 25 de

    Abril, SNBA.1985 Exposio Pintura Portuguesa, das obras destinadasao Museu de Arte Moderna do Porto, na GaleriaAlmada Negreiros do Ministrio da Cultura.

    1986 Presente na III Exposio da Fundao CalousteGulbenkian.

    Expe individualmente na mesma Fundao noCentro de Arte Moderna.

    1987 Representado na exposio organizada pelaFundao Calouste Gulbenkian Azares da Expres-so ou a Teatralidade na Pintura Portuguesa.

    Exposio individual no Centre Culturel Portugaisem Paris, com texto de apresentao de Jos--Augusto Frana.

    Exposio individual no Museu Vanreekum emApeldorn, Holanda, com apresentao do seudirector Frits Bless.

    Estudo de Bernardo Pinto de Almeida Cruz--Filipe, o brilho da sombra publicado na revistaColquio/Artes.

    Maria de Ftima Lambert nasceu no Porto em Dezembro de1960.Licenciada em Filosofia, em 1982, pela Faculdade de Filosofia deBraga, da Universidade Catlica. Concluiu o Mestrado emFilosofia Moderna e Contempornea, em 1986, pela mesma

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    Filosofia Moderna e Contempornea, em 1986, pela mesma

    Universidade, apresentando a dissertao: A Esttica Pessoana noModernismo Portugus, orientada pelo professor doutor MrioGarcia.Doutorada em Filosofia Moderna e Contempornea Esttica,em Maio de 1998, pela Universidade Catlica Portuguesa,Faculdade de Filosofia de Braga, com a dissertao: FundamentosFilosficos da Esttica em Almada Negreiros.Investigadora do projecto subsidiado pela FCT (Fundao Cinciae Tecnologia) Writing and Seeing 2002-2004.Professora coordenadora na Escola Superior de Educao do

    Instituto Politcnico do Porto defendeu as provas pblicas naespecialidade de Esttica e Educao.Organizou diferentes colquios e congressos; realiza regular-mente seminrios e conferncias nos domnios da Esttica eTeoria da Arte, Esttica da Dana, Antropologia do Corpo eHistria da Arte Modernidade e Contemporaneidade.Publica igualmente artigos em revistas da especialidade e parti-cipa com comunicaes em colquios, congressos e encontrosnas reas cientficas acima mencionadas.Em 1996, publicou o livro Acerca das Tendncias Actuais da

    Escultura Portuguesa, encomenda da Comisso Instaladora doMuseu Municipal de Santa Maria da Feira.Tem colaborado com diferentes instituies e galerias portugue-sas e internacionais, desde 1987. Integra regularmente jris deseleco e premiao, em comissariados de exposies, organi-zao de catlogos e jornais de exposies, mesas-redondas, visi-tas guiadas, destacando-se:

    Porto 60/70: os Artistas e a Cidade, Porto, Museu de Serralves,Janeiro 2001 Porto 2001 Capital da Cultura;

    + de 20 Grupos e Episdios no Porto do Sculo XX, Porto,Galeria Municipal do Palcio de Cristal, Fevereiro 2001 Porto 2001 Capital da Cultura;

    Olhares e Escritas na Arte Portuguesa desde 1960, Porto,Galeria do Palcio de Cristal, 2003.

    Curadora para Portugal do Salon Europen de Jeunes Crateurs,Montrouge / Museu Amadeo de Souza-Cardoso (Amarante) desde2002.

    FALTA

    Legendas das obras reproduzidas (*)

    1. A Medida Comum das Mais Humildes Coisasli b l f l

    10. Portrait IV

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    acrlico sobre tela fotossensvel

    96 x 142 cm46/72 1972Coleco CAMJAP/FCG (Centro de Arte Moderna

    Jos de Azeredo Perdigo Fundao CalousteGulbenkian)

    2. Bride of Stilness110 x 140 cm50/73 1973Coleco CAMJAP/FCG

    3. Gometrie du silence115 x 140 cm70/76Coleco J. Botelho Moniz, Lisboa

    4. Questions du rel117 x 72 cm69/76 1976Coleco do Autor

    5. LOmbre des ailes25 x 36 cm105/80 1980Coleco do Autor

    6. Noite Despida30 x 52 cm186/85 1985Coleco do autor

    7. Prs de linconnu8 x 56 cm217/88 1988Coleco Maria Nobre Franco, Lisboa

    8. Prtica Crepuscular44 x 36 cm210/87 1987Coleco Jos Marquitos

    9. Griffe de lumire87 x 64 cm251/93 1993Coleco TRANSGS

    58 x 48,5 cm

    225/90 1990Coleco Carlos Moreira da Silva, Porto

    11. Biography of a Bird91 x 64 cm230/90 1990Coleco particular, Cascais

    12. Melancolia104 x 80 cm

    250/93 1993Coleco BPI

    13. Wandering106 x 78 cm278/97 1997Coleco J. M. Galvo Teles

    14. Point dorgue148 x 110 cm

    257/94 1994Coleco Caixa Geral de Depsitos

    15. Desejo Desenhado105 x 78 cm266/95 1995Coleco Helena Portocarrero, Porto

    16. Daphn81 x 149 cm269/96 1996Coleco BANIF, Lisboa

    17. Autre sommeil75 x 117 cm281/97 1997Coleco do Autor

    18. Ltrangre146 x 114 cm280/97 1997Coleco Fernando Saavedra, Porto

    (*) Todas as telas so a acrlico sobre tela fotossensvel.

    19. Silncio Entretecido75 x 104 cm282/97 1997Coleco Fernando Ulrich

    26. Once120 x 182 cm295/99 1999Coleco do Autor

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    20. Ordonnance raisonne105 x 90 cm284/98 1998Coleco V. Vieira de Almeida, Lisboa

    21. Entrelaos105 x 82 cm286/98 1998Coleco Carlos Moreira da Silva, Porto

    22.Fragments dune prsence130 x 102 cm288/98 1998Coleco particular, Lisboa