7
to tornar acadêmica a cultura de massas. Os estudos culturais na América têm poucas das ligações com movimentos políticos que energizaram os estudos culturais na Grã-Bretanha e poderiam ser vistos como sendo prin- cipalmente um estudo cheio de recursos, interdisciplinar, mas ainda aca- dêmico, de práticas culturais e representação cultural. Os estudos cultu- rais "têm a obrigação de ser" radicais, mas a oposição entre estudos cul- turais ativistas e estudos literários passivos pode ser mero otimismo. Os debates sobre a relação entre literatura e estudos culturais estão cheios de queixas de elitismo e acusações de que o estudo da cultura po- pular trará a morte da literatura. Em toda a confusão, ajuda separar dois conjuntos de questões. O primeiro conjunto envolve questões sobre o valor de se estudar um tipo de objeto cultural ou outro. O valor de se estudar Shakespeare ao invés de novelas não pode mais ser aceito sem discussão e precisa ser discutido: o que tipos diferentes de estudos podem conseguir, no que diz respeito ao treinamento intelectual e moral, por exemplo? Tais argumentos não são fáceis de propor: o exemplo de comandantes de cam- pos de concentração alemães que eram conhecedores de literatura, arte e música complicou tentativas de defender os efeitos de tipos específicos de estudo. Mas essas questões deveriam ser encaradas de frente. Um conjunto diferente de questões envolve os métodos para o estu- do de objetos culturais de todos os tipos - as vantagens e desvantagens de diferentes modos de interpretação e análise, tais como a interpretação dos objetos culturais como estruturas complexas ou sua leitura como sin- tomas de totalidades sociais. Embora a interpretação apreciativa tenha sido associada aos estudos literários e a análise sintomática, aos estudos culturais, cada um dos dois modos pode combinar com cada um dos tipos de objeto cultural. A leitura cerrada da escrita não-literária não implica valorização estética do objeto; tampouco fazer perguntas culturais a respeito das obras literárias implica que elas são apenas documentos de um período. No próximo capítulo, desenvolvo ainda mais o problema da interpretação. ;)1{ 4 inguagem")Sentido e Interpretação A literatura é um tipo especial de linguagem ou é um uso especial da linguagem? É linguagem organizada de maneiras distintas ou é linguagem a que se concedem privilégios especiais? Argumentei, no Capítulo 2, que não adiantará escolher uma opção ou outra: a literatura envolve tanto as propriedades da linguagem quanto um tipo especial de atenção à lin- guagem. Como esse debate indica, as questões sobre a natureza e os papéis da linguagem e sobre como analisá-Ia são centrais para a teoria. Algumas das principais questões podem ser enfocadas através do proble- ma do sentido. O que está envolvido na reflexão sobre o sentido? Tomemos os versos que tratamos anteriormente como literatura, um poema de dois versos de Robert Frost'9: THE SECRET SITS We dance round in a ring and suppose, But the secret sits in the middle and knows. O que é "sentido" aqui? Bem, há uma diferença entre indagar a respeito do sentido de um texto (o poema como um todo) e o sentido de uma palavra. Podemos dizer que dance significa "realizar uma sucessão de 39 "O SEGREDO SENTA/ Dançamos em CÍrculo e supomosJMas o Segredo senta no meio e sabe", (N,T.) .'5<)

CULLER Jonathan maior · perguntas, não têm respostas fáceis, surgem em qualquer tentativa de interpretação do poema. O que temos são contrastes, diferenças. O mesmo poderia

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Page 1: CULLER Jonathan maior · perguntas, não têm respostas fáceis, surgem em qualquer tentativa de interpretação do poema. O que temos são contrastes, diferenças. O mesmo poderia

totornar

acadêmica

acultura

demassas.

Osestudos

culturaisna

América

têmpoucas

dasligações

commovim

entospolíticos

queenergizaram

osestudos

culturaisna

Grã-Bretanha

epoderiam

servistoscom

osendo

prin-cipalm

enteum

estudocheio

derecursos,

interdisciplinar,mas

aindaaca-

dêmico,

depráticas

culturaiserepresentação

cultural.Osestudos

cultu-rais

"têmaobrigação

deser"

radicais,mas

aoposição

entreestudos

cul-turais

ativistaseestudos

literáriospassivos

podeser

mero

otimism

o.Osdebates

sobrearelação

entreliteratura

eestudos

culturaisestão

cheiosde

queixasde

elitismo

eacusações

deque

oestudo

dacultura

po-pular

traráamorte

daliteratura.

Emtoda

aconfusão,

ajudaseparar

doisconjuntos

dequestões.

Oprim

eiroconjunto

envolvequestões

sobreovalor

dese

estudarum

tipode

objetocultural

ououtro.

Ovalor

dese

estudarShakespeare

aoinvés

denovelas

nãopode

mais

seraceito

semdiscussão

eprecisa

serdiscutido:

oque

tiposdiferentes

deestudos

podemconseguir,

noque

dizrespeito

aotreinam

entointelectual

emoral,

porexem

plo?Tais

argumentos

nãosão

fáceisde

propor:oexem

plode

comandantes

decam

-pos

deconcentração

alemães

queeram

conhecedoresde

literatura,arte

emúsica

complicou

tentativasde

defenderos

efeitosde

tiposespecíficos

deestudo.

Mas

essasquestões

deveriamser

encaradasde

frente.Um

conjuntodiferente

dequestões

envolveos

métodos

paraoestu-

dode

objetosculturais

detodos

ostipos

-as

vantagensedesvantagens

dediferentes

modos

deinterpretação

eanálise,

taiscom

oainterpretação

dosobjetos

culturaiscom

oestruturas

complexas

ousua

leituracom

osin-

tomas

detotalidades

sociais.Em

boraainterpretação

apreciativatenha

sidoassociada

aosestudos

literárioseaanálise

sintomática,

aosestudos

culturais,cada

umdos

doismodos

podecom

binarcom

cadaum

dostipos

deobjeto

cultural.Aleitura

cerradada

escritanão-literária

nãoimplica

valorizaçãoestética

doobjeto;

tampouco

fazerperguntas

culturaisa

respeitodas

obrasliterárias

implica

queelas

sãoapenas

documentos

deum

período.No

próximo

capítulo,desenvolvo

aindamais

oproblem

ada

interpretação.

;)1{

4inguagem

")Sentidoe

Interpretação

Aliteratura

éum

tipoespecial

delinguagem

ouéum

usoespecial

dalinguagem

?Élinguagem

organizadade

maneiras

distintasou

élinguagem

aque

seconcedem

privilégiosespeciais?

Argumentei,

noCapítulo

2,que

nãoadiantará

escolherum

aopção

ououtra:

aliteratura

envolvetanto

aspropriedades

dalinguagem

quantoum

tipoespecial

deatenção

àlin-

guagem.

Como

essedebate

indica,as

questõessobre

anatureza

eos

papéisda

linguagemesobre

como

analisá-Iasão

centraispara

ateoria.

Algumas

dasprincipais

questõespodem

serenfocadas

atravésdo

proble-mado

sentido.Oque

estáenvolvido

nareflexão

sobreosentido?

Tomem

osos

versosque

tratamos

anteriormente

como

literatura,um

poema

dedois

versosde

RobertFrost'9:

THESEC

RET

SITS

Wedance

roundinaring

andsuppose,

Butthe

secretsits

inthe

middle

andknow

s.

Oque

é"sentido"

aqui?Bem

,há

uma

diferençaentre

indagara

respeitodo

sentidode

umtexto

(opoem

acom

oum

todo)eosentido

deum

apalavra.

Podemos

dizerque

dancesignifica

"realizarum

asucessão

de

39"O

SEGREDO

SENTA/Dançam

osem

CÍrculo

esupom

osJMas

oSegredo

sentano

meio

esabe",

(N,T.)

.'5<)

Page 2: CULLER Jonathan maior · perguntas, não têm respostas fáceis, surgem em qualquer tentativa de interpretação do poema. O que temos são contrastes, diferenças. O mesmo poderia

movim

entosrítm

icosepadronizados",

mas

oque

significaesse

texto?Ele

sugere,você

poderiadizer,

afutilidade

dosatos

humanos:

damos

voltase

andamos

emtorno;

podemos

apenassupor.

Mais

doque

isso,com

suarim

aeseu

arde

conhecimento

sobreoque

estáfazendo,

essetexto

envolveoleitor

numprocesso

dedeslindam

entoda

dançaeda

suposição.Esse

efeito,oprocesso

queotexto

consegueprovocar,

éparte

deseu

sen-tido.

Assim,tem

ososentido

deum

apalavra

eosentido

ouas

provocaçõesde

umtexto;

então,no

meio,

háoque

poderíamos

chamar

desentido

deum

aelocução:

osentido

doato

deproferir

essaspalavras

emcircunstân-

ciasespecíficas.

Que

atoessa

elocuçãoestá

realizando:está

advertindoou

admitindo,

lamentando

ouse

vangloriando,por

exemplo?

Quem

éo

nósaqui

eoque

significadançar,

nessaelocução?

Nãopodem

osapenas

indagararespeito

do"sentido",

portanto.Há

pelomenos

trêsdim

ensõesou

níveisdiferentes

desentido:

osentido

deum

apalavra,

deum

aelocução

ede

umtexto.

Ospossíveis

sentidosdas

palavrascontribuem

paraosentido

deum

aelocução,

queéum

atode

umfalante.

(Eos

sentidosdas

palavras,por

suavez,

vêmdas

coisasque

elaspoderiam

fazernas

elocuções).Finalm

ente,otexto,

queaqui

representaum

falantedesconhecido

proferindoessa

elocuçãoenigm

ática,éalgo

queum

autorconstruiu,

eseu

sentidonão

éum

aproposição

mas

oque

elefaz,

seupotencial

deafetar

osleitores.

Temos

tiposdiferentes

desentido,

mas

umacoisa

quepodem

osdizer

emgeral

éque

osentido

sebaseia

nadiferença.

Nãosabem

osaquem

o"nós"

serefere

nessetexto:

apenasque

éum

"nós"que

seopõe

aum

"eu"sozinho

ea"ele",

"ela","você"

e"eles".

"Nós"éalgum

grupoplural

indefinidoque

incluiqualquer

falanteque

pensamos

estarenvolvido.

Estáoleitor

incluídoem

"nós"ou

não?"Nós"

étodo

mundo

excetooSegredo,

ouéum

grupoespecial?

Essasperguntas,

quenão

têmrespostas

fáceis,surgem

emqualquer

tentativade

interpretaçãodo

poema.

Oque

temos

sãocontrastes,

diferenças.Omesm

opoderia

serdito

de"dançar"

e"supor".

Oque

dançarsignifi-ca

aquidepende

daquilocom

queocontrastam

os("dançar

emcírculos"

emoposição

a"prosseguir

diretamente"

ouem

oposiçãoa"ficar

parado");e"supor"

seopõe

a"saber':

Pensarsobre

osentido

dessepoem

aéum

aquestão

detrabalhar

comoposições

oudiferenças,

dando-Ihesconteúdo,

extrapolandoapartir

delas.Um

alíngua

éum

sistema

dediferenças.

Assimodeclara

Ferdinandde

()O

I

Saussure,um

lingüistasuíço

doinício

doséculo

XXcuja

obrafoi

crucialpara

ateoria

contemporânea40•

Oque

tornacada

elemento

deum

alíngua

oque

elaé,o

quelhe

dásua

identidade,são

oscontrastes

entreele

eou-

troselem

entosdentro

dosistem

ada

língua.Saussure

ofereceum

aanalo-

gia:um

trem-digam

osoexpresso

Londres-Oxford

das8:30h

-depende,

parasua

identidade,do

sistema

detrens,

talcom

odescrito

nohorário

fer-roviário.

Assim,oexpresso

Londres-Oxford

das8:30h

sedistingue

doexpresso

Londres-Cambridge

das9:30h

edo

tremlocal

deOxford

das8:45h.

Oque

contanão

sãoquaisquer

dascaracterísticas

físicasde

umtrem

específico:alocom

otiva,os

vagões,arota

exata,os

funcionários,etc.,

podemtodos

variar,assim

como

oshorários

departida

echegada;

otrem

podechegar

epartir

atrasado.Oque

dáao

tremsua

identidadeéseu

lugarno

sistema

detrens:

éesse

trem,em

oposiçãoaos

outros.Com

odiz

Saussures,obre

osigno

lingüística:"Sua

característicamais

precisaéser

oque

osoutros

nãosão':

Igualmente,

aletra

bpode

serescrita

emqual-

quernúm

erode

maneiras

diferentes(pense

nacaligrafia

depessoas

dife-rentes),

contantoque

nãoseja

confundidacom

outrasletras,

taiscom

oI,

k,oud.O

queécrucial

nãoéqualquer

forma

ouconteúdo

específico,mas

asdiferenças,

quelhe

permitem

terum

significado.Para

Saussure,alíngua

éum

sistema

designos

eofato-chave

éoque

elecham

ade

naturezaarbitrária

dosigno

lingüístico.Isso

significaduas

coisas.Prim

eiro,osigno

(porexem

plo,um

apalavra)

éum

acom

binaçãode

uma

forma

(o"significante")

ede

umsentido

("osignificado")

ea

relaçãoentre

forma

esentido

sebaseia

naconvenção,

nãona

semelhança

natural.Aquilo

sobreoque

estousentado

secham

aum

achair

(cadeira)-

mas

poderiaperfeitam

entebem

tersido

chamado

deoutra

coisa-wab

oupunce.

Éum

aconvenção

ouregra

dalíngua

inglesaque

sejaum

aenão

aoutra;

emoutras

línguas,teria

nomes

bastantediferentes.

Oscasos

emque

pensamos

como

sendoexceções

sãoas

palavras"onom

atopéicas"em

queosom

pareceimitar

oque

elarepresenta,

comobow

-wow

oubuzz.

Mas

essasdiferem

deum

alíngua

paraoutra:

emfrancês,

oscachorros

dizemoua-oua

ebuzz

ébourdonner'.

40Ferdinand

deSaussure

(1857-]913).

Lingüistasuíço,

cujasidéias

sobreaestrutura

dalinguagem

lançaramas

basesdas

ciênciaslingüísticas

noséculo

XX.Aobra

aque

Culler

serefere

éCurso

deLingüÍstica

Geral.

puhlica<!npela

primeira

vezem

1916por

doisde

seusalunos,

quereconstruíram

seupensam

entoapartir

desuas

notasde

aul;1

coutros

materiais.

(N.T.)41

BOll':\l'O

\I":latido

decao:

1m:.:.,

zumbido

oubarulho

decam

painha.(N.T.)

61

Page 3: CULLER Jonathan maior · perguntas, não têm respostas fáceis, surgem em qualquer tentativa de interpretação do poema. O que temos são contrastes, diferenças. O mesmo poderia

II,

Aindamais

importante,

paraSaussure

epara

ateoria

recente,éose-

gundoaspecto

danatureza

arbitráriado

signo:tanto

osignificante

(for-ma)

quantoosignificado

(sentido)são

elespróprios

divisõesconven-

cionaisdo

planodo

somedo

planodo

pensamento,

respectivamente.

Aslínguas

dividemoplano

dosom

eoplano

dopensam

entode

modo

dife-rente.

Alíngua

inglesadivide

"chair","cheer"

e"char"42,no

planodo

som,

como

signosseparados

comsentidos

diferentes,mas

nãoprecisa

fazerisso

-eles

poderiamser

pronúnciasvariantes

deum

únicosigno.

Noplano

dosentido,

alíngua

inglesadistingue

"chair"de

"stool"(um

acadeira

semencosto)

mas

permite

queosignificado

ouconceito

"chair"inclua

assen-tos

comesem

braçosetanto

assentosduros

quantoassentos

macios

eluxuosos

-duas

diferençasque

poderiamperfeitam

entebem

envolverconceitos

distintos.

Umalíngua,

insisteSaussure,

nãoéum

a"nom

enclatura"que

forneceseus

própriosnom

espara

categoriasque

existemfora

dalinguagem

.Essa

éum

aquestão

comram

ificaçõescruciais

paraateoria

recente.Tendem

osapresum

irque

temos

aspalavras

cachorroe

cadeiraafim

denom

earcachorros

ecadeiras,

queexistem

forade

qualquerlinguagem

.Mas,

argu-menta

Saussure,se

aspalavras

substituíssemconceitos

preexistentes,teriam

equivalentesexatos

emsentido

deum

alíngua

paraoutra,

oque

nãoéabsolutam

enteocaso.

Cada

línguaéum

sistema

deconceitos

ede

formas:

umsistem

ade

si.gnosconvencionais

queorganiza

omundo.

Com

oalíngua

serelaciona

aopensam

entoéum

aquestão

importante

paraateoria

recente.Num

extremo,

estáavisão

desenso

comum

deque

alingua

apenasfornece

nomes

parapensam

entosque

existemindepen-

dentemente;

alíngua

oferecemaneiras

deexpressar

pensamentos

pre-existentes.

Num

outroextrem

o,está

a"hipótese

Sapir-Whorf",

nomeada

apartir

dedois

lingüistasque

afirmavam

quealíngua

quefalam

osdeter-

mina

oque

conseguimos

pensar.Por

exemplo,

Whorf

argumentava

queos

índiosHopi

têmum

aconcepção

detem

poque

nãopode

sercom

preendi-da

eming

lês(e

portantonão

podeser

explicadaaq

uii).Parece

nãohaver

ummodo

dedem

onstrarque

hápensam

entosde

uma

línguaque

nãopodem

serpensados

ouexpressos

numaoutra,

mas

temos

provasmaciças

deque

uma

línguatorna

"naturais"ou

"normais"

pensamentos

queexi-

gemum

esforçoespecial

numa

outra.

42Cadeira,

aplaudirecarbonizar,

respectivamente.

(N,T.)(,2

I,

I~

ocódigo

lingüísticoéum

ateoria

domundo.

Línguasdiferentes

divi-dem

omundo

diferentemente.

Falantesde

inglêstêm

"pets"(anim

aisde

estimação)

-um

acategoria

quenão

temnenhum

correspondenteem

francês,em

boraos

francesespossuam

quantidadesimoderadas

decachorros

egatos.

Alíngua

inglesanos

obrigaaaprender

osexo

deum

bebêde

modo

ausar

opronom

ecorreto

parafalar

sobreele

ouela

(nãopodem

oscham

arum

bebêde

"it"43);nossa

línguadesse

modo

sugereque

osexo

écrucial

(daí,sem

dúvida,apopularidade

dasroupas

decor

rosaou

azul,para

sinalizararesposta

corretaaos

falantes).Mas

essamarca

lingüísticado

sexonão

éde

modo

alguminevitável;

nemtodas

aslínguas

fazemdo

sexoacaracterística

crucialdos

recém-nascidos.

Asestruturas

gramaticais,

também

,são

convençõesde

uma

língua,não

naturaisou

inevitáveis.Quando

olhamos

paraocéu

evem

osum

movim

entode

asas,nossa

línguapoderia

perfeitamente

bemperm

itir-nosdizer

algocom

o,"Está

asando"(do

modo

quedizem

os"Está

chovendo"),ao

invésde

"pás-saros

estãovoando".

Um

poemafam

osode

PaulVerlaine44joga

comessa

estrutura:"11pleure

dansmon

coeur!Com

me

ilpleut

surIaville"

(Chora

nomeu

coração,com

ochove

sobreacidade).

Dizem

os,"está

chovendona

cidade";por

quenão

"estáchorando

nomeu

coração"?Alíngua

nãoéum

a"nom

enclatura"que

forneceetiquetas

paracate-

goriaspreexistentes;

elagera

suaspróprias

categorias.Mas

osfalantes

eleitores

podemser

levadosaenxergar

atravéseem

tornodas

configu-rações

dasua

língua,afim

dever

uma

realidadediferente.

Asobras

deliteratura

exploramas

configuraçõesou

categoriasdos

modos

habituaisde

pensarefreqüentem

entetentam

dobrá-Iasou

reconfigurá-Ias,mos-

trando-noscom

opensar

algoque

nossalíngua

nãohavia

previstoante-

riormente,

nosforçando

aatentar

paraas

categoriasatravés

dasquais

vemos

omundo

irrefletidamente.

Alíngua

é,dessamaneira,

tantoamani-

festaçãoconcreta

daideologia

-as

categoriasnas

quaisos

falantessão

autorizadosapensar

-quanto

oespaço

deseu

questionamento

oudes-

fazimento.

Saussuredistingue

osistem

ade

umalíngua

(Ia/angue)

deexem

plosparticulares

defala

eescrita

(paro/e).Atarefa

dalingüística

éreconstruir

osistem

asubjacente

(ougram

ática)da

línguaque

tornapossíveis

os

43"It"·

pronome

neutroem

inglês,usado

apenaspara

sereferir

aobjetos

ouanim

ais.(N.T.)

44Paul-!'vIarie

Verlaine

(1844-1896).Poeta

líricofrancês,

umdos

maiores

nomes

doSim

bolismo.

(N,T.)

(,:~

Page 4: CULLER Jonathan maior · perguntas, não têm respostas fáceis, surgem em qualquer tentativa de interpretação do poema. O que temos são contrastes, diferenças. O mesmo poderia

eventosde

falaou

poro/e.Isso

envolvemais

umadistinção

entreoestu-

dosincrânico

deum

alíngua

(queenfoca

alíngua

como

umsistem

anum

mom

entoespecífico,

presenteou

passado)eoestudo

diocrânico,que

examina

asmudanças

históricassofridas

porelem

entosespecíficos

dalíngua.

Compreender

umalíngua

comoum

sistema

quefunciona

éexam

i-ná-Ia

sincronicamente,

tentandoexplicar

detalhadamente

asregras

econvenções

dosistem

aque

tornampossíveis

asform

asesentidos

dalín-

gua.O

mais

influentelingüista

denossa

época,Noam

Chomsky,

ofun-

dadordo

queécham

adode

gramática

gerativa-transformacional,

vaialém

,argum

entandoque

atarefa

dalingüística

éreconstruir

a"com

-petência

lingüística"dos

falantesnativos:

oconhecim

entoou

habilidadeespecífica

queos

falantesadquirem

eque

oscapacita

afalar

eentender

atémesm

osentenças

queeles

nuncaencontraram

antes.Assim

,alingüística

começo

comfatos

sobreaform

aeosentido

queas

elocuçõestêm

paraos

falantesetenta

explicá-Ias.Com

oéque

asduas

sentençasaseguir

comform

assem

elhantes-John

iseoger

top/eose

eJohn

iseosy

top/eose4S

-têm

sentidosmuito

diferentespara

osfalantes

deinglês?

Osfalantes

sabemque,

naprim

eira,John

queragradar

eque,

nasegunda,

sãoos

outrosque

oagradam

.Um

lingüistanão

tentadesco-

briro"verdadeiro

sentido"dessas

sentenças,com

ose

aspessoas

tivessemestado

erradasotem

potodo

e,lá

nofundo,

assentenças

significassemoutra

coisa.Atarefa

dalingüística

édescrever

asestruturas

dalíngua

inglesa(aqui,

postulandoum

nívelsubjacente

deestrutura

gramatical)

demodo

aexplicar

diferençascom

provadasde

sentidoentre

essassentenças.

Aqui,há

uma

distinçãobásica,

negligenciadadem

asiadofreqüente-

mente

nosestudos

literários,entre

doistipos

deprojetos:

um,modelado

nalingüística,

consideraos

sentidoscom

oaquilo

quetem

deser

explica-do

etenta

resolvercom

oeles

sãopossíveis.

Ooutro,

porcontraste,

começa

comas

formas

eprocura

interpretá-Ias,para

nosdizer

oque

elasrealm

entesignificam

.Nos

estudosliterários,

esteéum

contrasteentre

apoética

eaherm

enêutica.Apoética

começa

comos

sentidosou

efeitoscom

provadoseindaga

como

elessão

obtidos.(O

quefaz

comque

essetrecho

numrom

ancepareça

irônico?Oque

nosfaz

simpatizar

comesse

personagemespecífico?

Porque

ofinal

dessepoem

aéam

bíguo?)Aher-

menêutica,

poroutro

lado,com

eçacom

ostextos

eindaga

oque

elessig-

45John

estáansioso

poragradar

'e101111é

f<ÍciJde

agradar.(N,T.)

64

11

IiIIIIfiIIj

nificam,

procurandodescobrir

interpretaçõesnovas

emelhores.

Osmode-

losherm

enêuticosvêm

doscam

posda

leieda

religião,em

queas

pessoasprocuram

interpretarum

textolegal

ousagrado

autorizadoafim

dedecidir

como

agir.Omodelo

lingüísticosugere

queoestudo

literáriodeveria

escolhera

primeira

pista,ada

poética,tentando

entendercom

oas

obrasobtêm

seusefeitos,

mas

atradição

moderna

dacrítica

escolheuesm

agadoramente

asegunda,

fazendoda

interpretaçãodas

obrasindividuais

oclim

axdo

estu-do

literário.Na

realidade,as

obrasde

críticaliterária

freqüentemente

combinam

poéticaeherm

enêutica,indagando

como

umefeito

específicoéobtido

oupor

queum

finalparece

correto(am

basquestões

depoética).

mas

também

indagandooque

umverso

específicosignifica

eoque

umpoem

anos

dizsobre

acondição

humana

(hermenêutica).

Mas

osdois

pro-jetos

sãoem

princípiobastante

distintos,com

objetivosdiferentes

etipos

diferentesde

evidência.Adotar

ossentidos

ouefeitos

comoponto

depar-

tida(poética)

éfundam

entalmente

diferentede

buscardescobrir

osenti-

do(herm

enêutica).Se

osestudos

literáriosadotassem

alingüística

como

modelo,

suatarefa

seriadescrever

a"com

petêncialiterária"

queos

leitoresde

litera-tura

adquirem.

Uma

poéticaque

descrevesseacom

petêncialiterária

enfocariaas

convençõesque

tornampossíveis

aestrutura

literáriaeo

sentido:quais

sãoos

códigosou

sistemas

daconvenção

quepossibilitam

aosleitores

identificargêneros

literários,reconhecer

enredos,criar

"per-sonagens"

apartir

dedetalhes

dispersosfornecidos

notexto,

identificartem

asem

obrasliterárias

eiratrás

dotipo

deinterpretação

simbólica

quenos

permite

medir

aimportância

dospoem

asehistórias?

Essaanalogia

entrepoética

elingüística

podeparecer

desorientado-ra,

poisnão

conhecemos

osentido

deum

aobra

literáriada

mesm

amaneira

queconhecem

ososentido

deJohn

iseager

top/eose

e,portanto,não

podemos

tomar

osentido

comoum

dadomas

temos

debuscá-Io.

Essaécertam

enteum

arazão

pelaqual

osestudos

literáriosna

épocamoder-

nafavoreceram

aherm

enêuticaem

detrimento

dapoética

(aoutra

razãoéque

aspessoas

geralmente

estudamas

obrasliterárias

nãoporque

estãointeressadas

nofuncionam

entoda

literaturamas

porquepensam

queessas

obrastêm

coisasimportantes

adizer

edesejam

saberquais

são).Mas

apoética

nãoexige

queconheçam

ososentido

deum

aobra;

suatarefa

éexplicar

quaisquerefeitos

quepossam

oscom

provar-por

exem-

65

Page 5: CULLER Jonathan maior · perguntas, não têm respostas fáceis, surgem em qualquer tentativa de interpretação do poema. O que temos são contrastes, diferenças. O mesmo poderia

pio,que

umfinal

émais

bem-sucedido

queoutro,

queessa

combinação

deimagens

numpoem

afaz

sentidoao

passoque

outranão.

Alémdisso,

umaparte

crucialda

poéticaéum

aexplicação

decom

oos

leitoresfazem

parainterpretar

asobras

literárias-quais

sãoas

convençõesque

Ihespossibilitam

entenderas

obrascom

oeles

asentendem

.Porexem

plo,oque

chamei,

noCapítulo

2,de

"princípiocooperativo

hiperprotegido"éum

aconvenção

básicaque

tornapossível

ainterpretação

daliteratura:

asu-

posiçãode

queas

dificuldades,aaparente

faltade

sentido,as

digressõeseirrelevâncias

têmum

afunção

relevanteem

algumnível.

Aidéia

decom

petêncialiterária

focalizaaatenção

noconhecim

entoimplícito

queos

leitores(eescritores)

trazempara

seusencontros

comos

textos:que

espéciesde

procedimentos

osleitores

seguemao

responderàs

obrasda

maneira

querespondem

?Que

tipode

pressupostosdevem

serapropriados

paraexplicar

suasreações

einterpretações?

Pensarnos

leitoresena

maneira

como

elesentendem

aliteratura

levouao

queé

chamado

de"estética

darecepção",

queafirm

aque

osentido

dotexto

éaexperiência

doleitor

(umaexperiência

queinclui

hesitações,conjecturas

eautocorreções).

Seum

aobra

literáriaéconcebida

como

umasucessão

deações

sobreoentendim

entode

umleitor,

entãoum

ainterpretação

daobra

podeser

umahistória

desseencontro,

comseus

altosebaixos:

diver-sas

convençõesou

expectativassão

postasem

jogo,ligações

sãopostu-

ladas,eexpectativas

derrotadasou

confirmadas.

Interpretarum

aobra

écontar

umahistória

deleitura.

Mas

ahistória

quese

podecontar

arespeito

deum

adada

obradepende

doque

osteóricos

chamam

de"horizonte

deexpectativas"

doleitor.

Umaobra

éinterpretada

comoresposta

aquestões

postaspor

essehorizonte

deexpectativas

eum

leitordos

anos90

desteséculo

abordaHam

/etcom

expectativasdiferentes

dasde

umcontem

porâneode

Shakespeare.Toda

uma

gama

defatores

podeafetar

oshorizontes

deexpectativas

dosleitores.

Acrítica

feminista

temdiscutido

quediferença

faz,que

diferençadeveria

fazer,se

oleitor

éum

amulher.

Como,

pergun-ta

ElaineShowalter4G

,"a

hipótesede

uma

leitorafem

ininamuda

nossaapreensão

deum

dadotexto,

nosdespertando

paraaimportância

deseus

códigossexuais"?

Ostextos

literárioseas

tradiçõesde

suasinterpretações

parecemter

presumido

umleitor

masculino

einduzido

asmulheres

aler

46Umadas

expoentesda

críticafem

inistanorte-am

ericana.(N.T.)

66

~!In1I

como

umhom

em,apartir

deum

pontode

vistamasculino.

Damesm

aform

a,os

teóricosde

cinema

têmlevantado

hipótesesde

queoque

elescham

amde

olharcinem

ático(a

visãoapartir

daposição

dacâm

era)é

essencialmente

masculino:

asmulheres

sãoposicionadas

como

oobjeto

doolhar

cinemático

enão

como

oobservador.

Nosestudos

literários,as

críticasfem

inistastêm

estudadoas

diversasestratégias

pelasquais

asobras

tornamnorm

ativaaperspectiva

masculina

etêm

discutidocom

oo

estudodessas

estruturaseefeitos

deveriamudar

osmodos

deler

-para

asmulheres

assimcom

opara

oshom

ens.Ofoco

nasvariações

históricasesociais

dosmodos

deler

enfatizaque

interpretaréum

aprática

social.Osleitores

interpretaminform

almente

quandoconversam

comam

igossobre

livrosou

filmes;

interpretampara

simesm

osàmedida

quelêem

.Para

ainterpretação

mais

formal

queocorre

nassalas

deaulas,

háprotocolos

diferentes.Para

qualquerelem

entode

umaobra,

vocêpode

perguntaroque

elefaz,

comoele

serelaciona

comoutros

elementos,

mas

ainterpretaçâo

pode,em

última

análise,envolver

jogarojogo

do"sobre":

"então,sobre

oque

éessa

obrarealm

ente"?Essa

questãonão

éinspirada

pelaobscuridade

deum

texto;éainda

mais

apro-priada

paraos

textossim

plesdo

quepara

osperversam

entecom

plexos.Nesse

jogo,aresposta

devesatisfazer

certascondições:

nãopode

seróbvia,

porexem

plo;deve

serespeculativa.

Dizerque"

Ham

letésobre

umpríncipe

daDinam

arca"érecusar-se

ajogar

ojogo.

Mas"

Ham

letésobre

ocolapso

daordem

domundo

elizabetano",ou

"Ham

letésobre

omedo

queohom

emtem

dasexualidade

feminina",

ou"Ham

letésobre

anão

confiabilidadedos

signos"valem

como

possíveisrespostas.

Oque

écom

u-mente

vistocom

o"escolas"

decrítica

literáriaou

"abordagens"teóricas

daliteratura

são,doponto

devista

daherm

enêutica,disposições

dedar

tiposespecíficos

derespostas

àsquestão

desobre

oque,

emúltim

ainstância,

umaobra

é:"aluta

declasses"

(marxism

o)."a

possibilidadede

unificaçãoda

experiência"(New

Criticism

),"conflito

edipiano"(psicanálise),

"acon-

tençãode

energiassubversivas"

(novohistoricism

o),"a

assimetria

dasrelações

degênero"

(feminism

o)."a

naturezaautodesconstrutivista

dotexto"

(desconstrução),"a

oclusãodo

imperialism

o"(teoria

pós-colonial),"a

mÇltriz

heterossexual"(gay

andlesbian

studies).Osdiscursos

teóricosnom

eadosentre

parêntesesnão

sãoprim

aria-mente

modos

deinterpretação:

sãoexplicações

doque

consideramser

particularmente

importante

paraacultura

easociedade.

Muitas

dcss,ls

67

Page 6: CULLER Jonathan maior · perguntas, não têm respostas fáceis, surgem em qualquer tentativa de interpretação do poema. O que temos são contrastes, diferenças. O mesmo poderia

teoriasincluem

explicaçõesdo

funcionamento

daliteratura

oudo

discur-so

emgeral

eportanto

participamdo

projetoda

poética;mas,

comover-

sõesda

hermenêutica,

dãoorigem

atipos

específicosde

interpretaçãonos

quaisos

textossão

mapeados

numa

linguagem-alvo.

aque

éimportante

nojogo

deinterpretação

nãoéaresposta

quevocê

propõe-com

omi-

nhasparódias

mostram

,algum

asversões

daresposta

tornam-se,

pordefinição,

previsíveis.aque

éimportante

écom

ovocê

chegalá,

oque

vocêfaz

comos

detalhesdo

textoao

relacioná-Ioscom

suaresposta.

Mas

como

escolherentre

diferentesinterpretações?

Como

meus

exemplos

podemsugerir,

numdeterm

inadonível

nãohá

necessidadede

decidirse

Ham

letéem

"última

análisesobre",

digamos,

apolítica

renascentista,as

relaçõesdos

homens

comsuas

mães,

ouanão

confia-bilidade

dossignos.

Avivacidade

dainstituição

dosestudos

literáriosdepende

dosfatos

duplosde

que(1)

essesargum

entosnunca

seresolvem

.e(2)devem

-seproduzir

argumentos

sobrecom

ocenas

oucom

binaçõesde

versosespecíficas

sustentamqualquer

hipóteseespecífica.

Nãose

podefazer

uma

obrasignificar

qualquercoisa:

elaresiste

evocê

temde

se,esforçar

paraconvencer

osoutros

dapertinência

desua

leitura.Para

acondução

dessesargum

entos,um

apergunta-chave

éoque

determina

osentido.

Voltamos

aessa

questãocentral.

aque

determina

osentido?

Àsvezes,

dizemos

queosentido

deum

aelocução

éoque

alguémquer

dizercom

ela,com

ose

aintenção

deum

falantedeterm

inasseosentido.

Àsvezes,

dizemos

queosentido

estáno

texto-você

podeter

pretendidodizer

x,mas

oque

vocêdisse

realmente

significay-com

ose

osentido

fosseoproduto

daprópria

linguagem.

Àsvezes,

dizemos

queocontexto

éoque

determina

osentido:

parasaber

oque

essaelocução

específicasignifica,

vocêtem

deexam

inaras

circuns-tâncias

ouocontexto

históricono

qualela

figura.Alguns

críticosafir-

mam

,com

omencionei,

queosentido

deum

textoéaexperiência

doleitor.

Intenção,texto,

contexto,leitor

-oque

determina

osentido?

Agora,ofato

deque

seproduzem

argumentos

paratodos

osquatro

fatoresmostra

queosentido

écom

plexoeesquivo,

nãoalgo

determina-

dode

umavez

portodas

porqualquer

umdesses

fatores.Um

adiscussão

delonga

datana

teorialiterária

dizrespeito

aopapel

daintenção

nadeterm

inaçãodo

sentidoliterário.

Umartigo

famoso

chamado

de"A

FaláciaIntencional"

argumenta

que,no

casodas

obrasliterárias,

asdis-

cussõessobre

ainterpretação

nãose

resolvemconsultando

ooráculo

(o

68

·1,f1

autor).asentido

deum

aobra

nãoéoque

oescritor

tinhaem

mente

emalgum

mom

entodurante

acom

posiçãoda

obra,ou

oque

oescritor

pensaque

aobra

significadepois

determ

inada,mas,

aocontrário,

oque

eleou

elaconseguiu

corporificarna

obra.Se,

naconversa

comum

,freqüente-

mente

tratamos

osentido

deum

aelocução

como

oque

oem

itenteten-

ciona,éporque

estamos

mais

interessadosno

queofalante

estápensan-

donaquele

mom

entodo

queem

suaspalavras,

mas

asobras

literáriassão

valorizadaspelas

estruturasespecíficas

depalavras

quecolocam

emcir-

culação.Restringir

osentido

deum

aobra

aoque

umautor

poderiater

tencionadoperm

aneceum

aestratégica

críticapossível,

mas

geralmente

nosdias

dehoje

essesentido

estáam

arradonão

aum

aintenção

interiormas

àanálise

dascircunstâncias

pessoaisou

históricasdo

autor:que

tipode

atoesse

autorestava

realizando,dada

asituação

domom

ento?Essa

.estratégiadenigre

respostasposteriores

àobra,

sugerindoque

aobra

respondeapreocupações

deseu

mom

entode

criaçãoeapenas

acidental-mente

àspreocupações

deleitores

subseqüentes.Oscríticos

quedefendem

anoção

deque

aintenção

determina

osen-

tidoparecem

temer

que,senegam

osisso,colocam

osos

leitoresacim

ados

autoresedecretam

osque

"valetudo"

nainterpretação.

Mas,

sevocê

propõeum

ainterpretação,

vocêtem

depersuadir

osoutros

arespeito

dapertinência

dela,ou

entãoela

serádescartada.

Ninguémafirm

aque

"valetudo".

Quanto

aosautores,

nãoémelhor

homenageá-Ios

pelopoder

desuas

criaçõesde

estimular

reflexãoinfinita

ede

darorigem

aum

avarie-

dadede

leiturasdo

quepelo

queimaginam

osser

osentido

originalde

umaobra?

Nadadisso

épara

dizerque

asdeclarações

deum

autorsobre

umaobra

nãotêm

interesse:para

muitos

projetoscríticos,

sãoespecial-

mente

valiosas,com

otextos

ase

justaporao

textoda

obra.Podem

sercruciais,

porexem

plo,na

análisedo

pensamento

deum

autorou

nadis-

cussãodas

maneiras

pelasquais

umaobra

poderiater

complicado

ousub-

vertidoum

avisão

ouintenção

anunciada.asentido

deum

aobra

nãoéoque

oautor

tinhaem

mente

emalgum

mom

ento,tam

poucoésim

plesmente

uma

propriedadedo

textoou

aexperiência

deum

leitor.asentido

éum

anoção

inescapávelporque

nãoéalgo

simples

ousim

plesmente

determinado.

Ésim

ultaneamente

uma

experiênciade

umsujeito

eum

apropriedade

deum

texto.Étanto

aquiloque

compreendem

oscom

ooque,

notexto,

tentamos

compreender.

Discussõessobre

osentido

sãosem

prepossíveis

e,sendoassim

,oscnliilo

69

Page 7: CULLER Jonathan maior · perguntas, não têm respostas fáceis, surgem em qualquer tentativa de interpretação do poema. O que temos são contrastes, diferenças. O mesmo poderia

éimpreciso,

estásem

preaser

decidido,sujeito

adecisões

quenunca

sãoirrevogáveis.

Sedevem

osadotar

algumprincípio

oufórm

ulageral,

poderíamos

dizerque

osentido

édeterm

inadopelo

contexto,já

queo

contextoinclui

regrasde

linguagem,

asituação

doautor

edo

leitore

qualqueroutra

coisaque

poderiaser

concebivelmente

relevante.Mas,

sedizem

osque

osentido

estápreso

aocontexto,

entãodevem

osacrescen-

tarque

ocontexto

éilim

itado:não

sepode

determinar

deantem

ãooque

poderiacontar

comorelevante,

queaam

pliaçãodo

contextopoderia

con-seguir

alteraroque

consideramos

comoosentido

deum

texto.Osentido

estápreso

aocontexto,

mas

ocontexto

éilim

itado.As

grandesmudanças

nainterpretação

daliteratura

provocadaspelos

discursosteóricos

poderiam,na

realidade,ser

pensadascom

ooresultado

doalargam

entoou

redescriçãodo

contexto.Porexem

plo,Toni

Morrison47

argumenta

quealiteratura

norte-americana

foiprofundam

entemarcada

pelamuitas

vezesnão

reconhecidapresença

históricada

escravidão,eque

oscom

promissos

dessaliteratura

comaliberdade

-aliberdade

dafron-

teira,da

estradaaberta,

daimaginação

semgrilhões

-deveria

serlida

nocontexto

daescravidão,

apartir

doqual

elesadquirem

importância.

EEdward

Said48sugeriu

queos

romances

deJane

Austendeveriam

serinter-

pretadoscontra

umpano

defundo

queéexcluído

deles:aexploração

dascolônias

doImpério

queproporciona

ariqueza

parasustentar

umavida

decorosano

planodom

ésticona

Grã-Bretanha.

Osentido

estápreso

aocontexto,

mas

ocontexto

éilim

itado,sem

preaberto

amutações

soba

pressãode

discussõesteóricas.

Asexplicações

daherm

enêuticafreqüentem

entedistinguem

uma

hermenêutica

doresgate,

quebusca

reconstruirocontexto

originalde

produção(as

circunstânciaseintenções

doautor

eos

sentidosque

umtexto

poderiater

tidopara

seusleitores

originais)de

umaherm

enêuticada

suspeita,que

buscaexpor

ospressupostos

nãoexam

inadoscom

osquais

umtexto

podecontar

(políticos,sexuais,

filosóficos,lingüísticos).

Aprim

eirapode

celebrarum

textoeseu

autoràmedida

quebusca

tornarum

amensagem

originalacessível

aosleitores

hoje,enquanto

diz-semuitas

vezesque

asegunda

negaaautoridade

dotexto.

Mas

essasasso-

47Pseudônim

ode

Chloe

Anthony

Wodard

(1931-).Romancista

norte-americana,

conhecidapor

suasondagem

da

experiênciados

negros(principalm

entedas

mulheres

negras).Ganhadora

doPrêm

ioNobeI.

(N.T.)

48Edw

ardSaid

(1935).Intelectual

eativista

árabe-palestino,éum

dosprincipais

teóricosdateoria

culturaledo

dis-curso

colonialepós-colonial.

(N,T.)

70

ciaçõesnão

sãofixas

epodem

muito

bemser

invertidas:um

aherm

enêu-tica

doresgate,

aorestringir

otexto

aalgum

sentidosupostam

enteorigi-

naldistanté

denossas

preocupações,pode

reduzirseu

poder,enquanto

umaherm

enêuticada

suspeitapode

valorizarotexto

pelamaneira

pelaqual,

semoconhecim

entode

seuautor,

elenos

envolveenos

ajudaare-

pensarquestões

mom

entosashoje

(talvezsubvertendo

ospressupostos

deseu

autorno

processo).Mais

pertinenteque

essadistinção

podeser

uma

distinçãoentre

(1)ainterpretação

queconsidera

otexto,

emseu

fun-cionam

ento,com

otendo

algovalioso

adizer

(issopoderia

serherm

enêu-tica

reconstrutivaou

suspeitosa)e(2)

ainterpretação

"sintomática"

quetrata

otexto

como

osintom

ade

algonão-textual,

algosupostam

ente"mais

profundo",que

éafonte

realde

interesse,seja

elaavida

psíquicado

autorou

astensões

sociaisde

umaépoca

ouahom

ofobiada

sociedadeburguesa.

Ainterpretação

sintomática

negligenciaaespecificidade

doobjeto

-éum

signode

outracoisa

-eportanto

nãoémuito

satisfatóriaenquanto

ummodo

deinterpretação,

mas,

quandoenfoca

aprática

cul-tural

daqual

aobra

éum

exemplo,

podeser

útilpara

uma

explicaçãodaquela

prática.Interpretar

umpoem

acom

oum

sintoma

ouum

casoilus-

trativode

característicasda

lírica,por

exemplo,

poderiaser

hermenêutica

insatisfatóriamas

umacontribuição

útilàpoética.

Aisso

mevolto

agora.

71