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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO / IFSP- CAMPUS CUBATÃO CUL TURA E TURISMO AFROÉ TNICO CUBATÃO 2012

Cultura e Turismo Afroétnico

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO / IFSP- CAMPUS CUBATÃO

CULTURA E TURISMO AFROÉTNICO

CUBATÃO

2012

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CAROLINA CAMPOS GODOISVANDERLEIA BARBOSA DA COSTA

CULTURA E TURISMO AFROÉTNICO

CUBATÃO2012

Trabalho de Conclusão de Curso Superiorde Tecnologia em Gestão de Turismo, peloInstituto Federal de Educação, Ciência eTecnologia de São Paulo- IFSP- CampusCubatão. Como requisito para obtenção degraduação.Sob orientação dos professoresDr. Carlos Henriques Barroqueiro e Dr.

José Rodrigues Máo Jr.

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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO / IFSP- CAMPUS CUBATÃO

CULTURA E TURISMO AFROÉTNICO

Trabalho de Conclusão de Curso Superior de Tecnologia em Gestão de Turismo, pelo InstitutoFederal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo- IFSP- Campus Cubatão. Comorequisito para obtenção de graduação.Sob orientação dos professores Dr. Carlos HenriquesBarroqueiro e Dr. José Rodrigues Máo Jr.

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________

  Prof. Dr. Carlos Henriques BarroqueiroOrientador

________________________________Prof. Dr. Dr. José Rodrigues Máo Jr.

Orientador

_______________________________________________Helenice Nazaré da Cunha Silva

Membro da Banca

_________________________________________________Márcia do Vale Hernandes Aguiar

Membro da Banca

Aprovado em: _____/______/_____ Conceito:__________

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DEDICATÓRIA

Dedicamos esta pesquisa a todos nossos familiares e amigos, nossos ancestraise à aqueles que combatem o escravismo e genocídio étnico.

“Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha maci-

eira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos

 aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a sensí-

vel arte de viver como irmãos”.

 Martin Luther King

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos primeiramente a Deus por ter nos dado forças para chegar até esta etapa

de nossas vidas.

Às nossas famílias pelo apoio, paciência e amor. Aos nossos orientadores Carlos HenriquesBarroqueiro e José Rodrigues Máo Jr por todas as orientações e envolvimento com a pesquisa,

pelos conselhos e por toda dedicação.

 Aos nossos professores Valéria Fedrizzi, Daniel Righi Campos, Marisa Nobre, Fernanda dos

Anjos, Cláudia Damião e a coordenadora do Curso Superior de Tecnologia em Gestão de

Turismo Magda Schielemann pelo incentivo.

 Agradecemos imensamente aos nossos amigos Clara Nayane, Inaiê-Fulnio que muito nos

ajudou na elaboração do terceiro capítulo, ao historiador Marcos Atanásio Braga, Afra Régiade Lima, Sandra Veloso, Márcio, Mariane Jasisnski, Edria Esteves e Helga Boleli, ao precioso

socorro de Amália Guerra e Patricia Miljkovic, á equipe do Monumento Nacional Ruínas São

Jorge dos Erasmos em especial a Rodrigo Cristofolleti. A nossa querida amiga Magy Bower,

Marcelo Calorio pela paciência e apoio dado a Carolina Godóis, pela existência de Bianca

Costa de Magalhães, in memorian  a saudosa amiga Historiadora Eulâmpia Requejo Rocha e

ao grande amor de Vanderleia...Sílvio Pasi.

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Sumário

CAPÍTULO 1. EXPANSÃO COMERCIAL MARÍTIMA E O EUROCENTRISMOCOMO DOUTRINA ….........................................................................................................p.8

1.1 Os primeiros contatos entre portugueses e africanos.......................................................p.11

1.2 A colonização do Brasil – As diferenças culturais determinante para a redução de sereshumanos a força de trabalho...................................................................................................p.11

1.3 O negro como mão de obra escrava- A desumanização por fins econômicos.................p.15

CAPÍTULO 2. HOMOGENEIZAÇÃO CULTURAL: MANUTENÇÃO DO PODERPOLÍTICO E CONTROLE SOCIAL................................................................................p.23

2.1 A formação no nacionalismo e Estado brasileiro. As teorias de branqueamento.…......................................................................................................................................p.30

2.2 Os movimentos culturais políticos negros.......................................................................p.47

CAPÍTULO 3. CAPÍTULO 3. TURISMO E CULTURA AFRO-BRASILEIRA..........p.60

3.1 A Relação Cultura e Turismo...........................................................................................p.65

3.2 O Turismo como Vitrine da Cultura Afro-brasileira........................................................p.65

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................p.79

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RESUMO

Esta pesquisa é uma análise bibliográfica da opressão cultural imposta pelo eurocentrismo às

manifestações africanas e afro-brasileiras desde a expansão marítima até a construção donacionalismo brasileiro. Constata-se que a partir do final da década de 1920, quando osnegros brasileiros se empoderam de suas práticas culturais estes se politizam e passam aformar grupos sociais contestatórios. Em meados de século XX, a diversidade cultural passa aser valorizada em contraste com o turismo de massas, sendo a atividade um facilitador aointercâmbio cultural. A questão é como os afros poderão se utilizar do turismo paradesconstruir o preconceito referente à sua etnia e manifestações culturais.

Palavras chave: Cultura afro-brasileira, Nacionalismo, Identidade, Turismo Afro- Étnico eTurismo Cultural.

ABSTRACT

This research is a bibliographic analysis of cultural oppression imposed by Euro centrism andAfrican protest and Afro- Brazilian since the maritime expansion until the BrazilianNationalism construction. It appears that from the end of the 1920s, when Brazilian blacksempowered the cultural practices these are politicized and they form social contester group. Inmid 20th century, the cultural diversity becomes valued in contrast with the mass tourism, andis being the activity a facilitator to cultural exchange. The question is how the Afro-Brazilianscan be utilized of tourism to deconstruct the prejudice related to their ethnicity and cultural

manifestations.

KEY WORDS: Culture Afro- Brazilian, Nationalism, Identity, Afro- ethinic tourism and Cul-tural Tourism.

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INTRODUÇÃO

Desde os primeiros contatos entre os europeus e africanos que o etnocentrismo ibérico

desrespeitou e manipulou a cultura africana. Identifica-se este fato já em 1444, D. Henrique

em território senegalês gravou seu brasão na árvore Baobá que para o nativo tinha a

representação de continuidade de sua ancestralidade e que seus mestres Griots continuariam

através da árvore ser referencia a seu povo. Portanto, a violação desse símbolo foi uma afronta

aos nativos e significava que Portugal iria a partir daquele momento ditar os rumos daquelaspovoações.

No estabelecimento das feitorias, o europeu não povoou o continente africano, mas

construiu alianças comerciais com alguns nativos, que cuidariam da gestão das feitorias. Os

portugueses levaram o catolicismo ao reino do Congo, pois a ideologia etnocêntrica julgava

que sua cultura era superior e única verdade absoluta. Mantiveram contato com os congoleses

por ser a etnia com organização social mais semelhante a ibérica, o rei do Congo se converteu

ao catolicismo pois acreditava que ampliaria seus poderes. No entanto, os cidadãoscongoleses reinterpretaram o catolicismo, incorporando os símbolos católicos como amuletos

contra feitiçaria.

Quando o tráfico de escravos chegou à região de Ajudá, feitores africanos

manipularam a representação simbólica do Baobá contra africanos de diversas etnias que o

tinham como elemento de representação cultural, para desvestir esses indivíduos de sua

identidade e seus valores e os subumanizá-los. Entretanto, esses povos não permitiram que a

diáspora e a escravidão os reduzissem a condição de “coisas”, esses reinventaram novos

valores à sua árvore ancestral.

Este processo de resistência permitiu que os africanos da diáspora ao chegarem no

Brasil elevassem o estado de Pernambuco como a capital do Baobá. A árvore não é uma

espécie nativa do país, foram os africanos que trouxeram as sementes para recriarem suas

raízes onde quer que os levassem. Demonstrando assim, que a cultura pode ser resgatada e

reinventada para articular indivíduos de mesma etnia.

No Brasil, o colonizador separou famílias, grupos étnicos e muitas vezes compôs sua

senzala com indivíduos de língua, religião, cultura distintas e muitas vezes inimigas no

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continente africano. Não permitiu as praticas religiosas ancestrais, aculturou-os com o

objetivo de desarticulá-los. As mentes que engendraram o colonizador sabia da ferramenta

eficaz que era a cultura para mobilizar de forma ordenada os negros e estes com certeza

contestariam o escravismo.

No século XIX, o Brasil buscou se estabelecer como um Estado Nação, para isso

precisou homogeneizar a diversidade cultural e étnica que havia. Neste período as ideologias

europeias etnocentristas, ditavam que a miscigenação de “raças inferiores” era a degeneração

e que um povo formado por índios, negros e portugueses jamais seria um Estado Nação forte.

O Brasil ainda escravocrata e prevendo o fim da escravidão criou leis e mecanismos

que dizimavam sua população negra, índia e mestiça. Trouxe o imigrante europeu para ser o

trabalhador remunerado quando houve a abolição e buscou embranquecer a população com a

miscigenação.

No mesmo período, o país criou uma identidade cultural homogênea para formação de

um sentimento nacionalista em seus cidadãos. As diretrizes utilizadas para a formação da

cultura brasileira foram estrangeiras e elitistas. Sendo assim, a cultura negra mais uma vez foi

marginalizada e estes cidadãos foram exclusos socialmente.

No final da década de 1920, emergiu a articulação das primeiras associações, grêmios

esportivos e culturais no país, além das imprensas negras. Estas formações proporcionou a

politização dos afro-brasileiros que fundaram a Frente Negra Brasileira (FNB), que foi o

primeiro partido político negro no Brasil.

Na década de 1930, Abdias Nascimento, através da cultura. politizou e mobilizou os

afro-brasileiros contra a discriminação racial pela luta por equidade de direitos. Possibilitou

também articulação intelectual negra onde o resultado foi o 1o Congresso Científico Afro-

brasileiro.No início da década de 1960, Zumbi dos Palmares foi destacado na historiografia

como herói negro, a partir do valor associado à cultura imaterial de Zumbi os afro-brasileiros

e os movimentos negros se identificaram com os ideais de resistência do líder e sua imagem é

associada como contestatória ao racismo.

No mesmo período do resgate da cultura imaterial de Zumbi pela historiografia, a

homogeneização cultural já não era vista com tão bons olhos como outrora. O turismo é um

setor importante de muitas das economias mundiais, sempre esteve associado aos aspectos

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ambientais e culturais das localidades e a padronização destas não estava sendo benéfica para

seu desenvolvimento.

No campo cultural surgiu a necessidade de diversificação cultural, o Brasil na década

de 1930 passou gradativamente a inventariar as manifestações culturais que julgava

importantes para a formação da memória brasileira. Atualmente em 6 estados brasileiros o

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou 9 manifestações da

cultura afro-brasileira.

Desse modo, através da revisão bibliográfica de áreas da História e Sociologia foi

constatado que quando os grupos afro-brasileiros puderam vivenciar sua cultura estes

passaram a se articular tomar consciência de sua realidade e lutarem por seus direitos. Ao

levantar estudos na literatura do Turismo, foi identificado que a diversidade cultural,

ambiental, e étnica é fundamental para atender demandas específicas e atingir outras que são

influenciadas pelo perfil do turista aventureiro.

No ano de 2012, a UNESCO e a Embratur realizaram um estudo sobre o perfil do

turista de cultura e identificou que estes:

• Possuem alto índice de escolaridade.

• Utilizam meios de hospedagem convencional.

• Viajam com amigos ou família.

• A cultura é o fator de motivação da viagem;

• Se reconhecem como turistas culturais, com hábitos de consumo próprios do

segmento.

A questão a ser discutida é sabendo-se do poder que as práticas culturais têm em

politizar e da necessidade do turismo em mercantilizar a heterogeneidade cultural, como os

afro-brasileiros podem se beneficiar das suas atividades. Como deve ser o planejamento doturismo afro- étnico.

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CAPÍTULO 1. Expansão Comercial Marítima E O Eurocentrismo Como

Doutrina

1.1Os primeiros contatos entre portugueses e africanos

Os primeiros contatos entre europeus e africanos foram proporcionados pelos

muçulmanos árabes com o comércio transaariano. Este se expandiu para o Mediterrâneo e

monopolizavou as rotas marítimas que davam acesso à Europa, Ásia e África. Desse modo,antes mesmo dos europeus pisarem em território africano, já existiam escravos negros na

Europa, como também especiarias, produtos agrícolas e ouro africano.

Segundo Guimarães1, antes dos portugueses se lançarem na expansão marítima os

escravos negros já eram encontrados em Portugal devido ao comércio com o Marrocos, que

era um dos destinos das rotas caravaneiras que forneciam ouro e marfim da África

subsaariana. Além disso, havia expedições pela costa e os lusitanos adquiriam com os

africanos além dos itens já mencionados, pimenta e escravos.

As primeiras expedições marítimas portuguesas foram organizadas pelo infante D.

Henrique, sendo a primeira a conquista de Ceuta em 1415, região localizada no Marrocos,

Norte da África. Segundo Corte-Real2, neste período os lusitanos conquistaram os

arquipélagos do oceano Atlântico mais próximos de Portugal sendo estes: Porto Santo em

1418, Ilha da Madeira em 1419, Açores em 1427 e Canárias em 1436.

A conquista de Ceuta iniciou o processo de domínio da costa africana, e nesta os

portugueses passaram a realizarem negociações com diversas mercadorias, tais como seda,

marfim, ouro e escravos. Entretanto, os muçulmanos que detinham forte poder político

comercial na região, isolaram os portugueses no sistema comercial, bloqueando esta rota.

Segundo Fausto3, os portugueses possuíam diversas feitorias espalhadas pela costa,

1GUIMARÃES, Cecília Silva. O comércio de escravos na África Ocidental e Centro Ocidental – século XVI. Anais doXXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011.

2CORTE – REAL, Manuel Henrique. Na Rota da Índia. Coleção Educativa série D. Nº 7. Lisboa, 1974.

3FAUSTO, Boris. História do Brasil.História do Brasil cobre um período de mais de quinhentos anos, desde as raízes da

colonização portuguesa até nossos dias. Edusp, 1996.

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que tinham a função de ser postos fortificados de comércio, eram administradas por um feitor

que realizava compras de mercadorias dos chefes ou mercadores nativos. O feitor as estocava

até o momento em que as embarcações portuguesas as buscassem para distribuir na Europa.

Durante todo o século XV e no início do século XVI, os portuguesesconseguiram estabelecer numerosas feitorias na costa ocidental, e fazer comque a população do litoral e seus chefes participassem do comércio com oseuropeus. A partir de 1481- 1482, a fortaleza de Elmina tornou-se a feitoriamais importante da Costa do Ouro. Outras feitorias ampliaram-se,igualmente, pela região, como em Axim, Shema e Acra. Ao estabeleceremnovas feitorias, os portugueses esforçavam-se para obter a autorização doschefes autóctones e para comprar, de diversas formas, a benevolência deles.4

Os portugueses exploravam mercadorias e escravos do continente africano sem que

para isso precisassem colonizar o continente. Um dos dispositivos utilizados para isso foram

as feitorias. A primeira foi Arguim, que operou em meados do século XV, entre o fim do

século XV e início do XVI, São Tomé se tornou a base de operações acompanhando o rio dos

escravos e o Congo. Também no fim do século XV, São Jorge da Mina foi uma importante

feitoria portuguesa.

O grande atrativo era o ouro obtido pelos africanos nos cursos dos rios, cujometal era arrastado e recolhido. Com receio de perder o lucrativo negócio, aCoroa Portuguesa construiu uma fortaleza, garantindo a São Jorge da Mina aposição de “umas das zonas mais importantes do comércio português nacosta ocidental de África e o principal centro de obtenção de ouro desde osfins de século XV até 1637”, ano em que foi conquistada pelos holandeses.5

No caso do Congo, Sousa6

, relata que desde 1485 os portugueses estabeleceramrelações com os nativos devido a maior proximidade de semelhança encontrada no sistema de

organização social. A sociedade congolesa não era igualitária, as hierarquias se assemelhavam

ao sistema feudal, onde o topo era o rei e a base eram os escravos.

 Sousa afirma que devido a isso, a região foi escolhida para o início da cristianização

4 FARO, 1958, p.308. apud GUIMARÃES, Cecília Silva. O comércio de escravos na África Ocidental- século XVI. Anais doXXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, jul, 2011.

5 SOUSA, Alfredo de. Estruturas Socioeconómicas e Dialéticas de Cultura em África -II.

6 SOUSA, Alfredo de. Estruturas Socioeconómicas...op. cit. p.3.

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africana e primeiros contatos comerciais e políticos. Sendo assim, a cristianização principiou-

se com a tentativa de conversão dos dirigentes congoleses no intuito de expansão do

catolicismo para toda a sociedade e pela busca de organizar o Congo, conforme o modelo

lusitano. Alcançado esse objetivo, os congoleses se tornaram os maiores fornecedores de

escravos para Portugal.

A expansão da fé católica sempre foi a “justificativa ideológica” para as conquistas e o

sistema colonial ibérico. Sousa, afirma que a aproximação dos portugueses do reino congolês

ocorre por motivação de propagar a fé. Entretanto, de acordo com Malowist7este contato é

feito com intuito econômico. Segundo este, os portugueses encontraram sérios problemas na

África durante o século XV e XVI, por causa do crescente interesse na aquisição de escravos

o preço elevou-se. Como estratégia Portugal buscou relações com o Congo, apesar de não ter

sido encontrado na região metais preciosos, o reino congolês tinha de precioso para os

lusitanos o fornecimento de escravos a preços mais atraentes.

A exploração da África e das ilhas do Atlântico foram arrendadas a donatários, estes

pagavam tributos para a Coroa em troca da permissão de comercializar na região. Contudo,

esta exploração privada se transmutou em mercantilismo do Estado, em decorrência de uma

crise econômica que acomete a nobreza e de não haver mais meios de D. João aumentar mais

as taxas de impostos para os comerciantes sem frear o comércio. O monopólio real estabelecia

que todo ouro comercializado deveria ser cunhado em moeda na Casa Real de Moeda.

Diante das atitudes do Estado em relação ao tráfico de negros, o poder religioso

representado pela Igreja Católica não foi figura passiva, este passou a beneficiar o rei

português com bulas que outorgaram a exploração do continente africano, Martinho V,

Eugênio IV (entre 1417 e 1447). Onde a Bula Alexandrina de 14 de maio de 1493, escrita pelo

Papa Nicolau V, concedeu ao soberano de Portugal as terras da costa de Guiné até o Oriente eplenos poderes para o reino explorar as riquezas do continente africano sem nenhum

constrangimento. Em 8 de janeiro de 1455, o Papa Nicolau V legitimou a escravidão através

da bula Romanux Pontifex. Segue abaixo trecho do citado documento:

Por isso nós, tudo pensando com devida ponderação, por outras cartas nossas

7MALOWIST, M. A luta pelo comércio internacional e suas implicações para a África. In: OGOT, Bethwell Allan (orgs).

História Geral da África, V: África do século XVI ao XVIII. Brasília: UNESCO, 2010, p.1-26.

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concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, dentre outras, deinvadir, conquistar e subjugar quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de

Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à servidão e tudo aplicar emutilidade própria e dos seus descendentes. 8

Além desta intenção, a bula motivava os europeus a conquistarem o território africano,

pois “levariam a expansão do cristianismo a esses povos”. Essas ideologias religiosas da

época foram subsídios para legitimar a escravidão dos negros. Utilizando-se de interpretações

tendenciosas da Bíblia, para comprovarem que havia sido Deus que impôs a condição de

cativos aos africanos. Do livro de Gênesis, capítulo 9, versículos 18-28, fundamentaram as

ideologias católicas da época onde acreditavam que os negros seriam os descendentes deCam.

A crença da superioridade europeia em relação aos africanos, ao contráriodo que correntemente se pensa, é anterior ao Holocausto da Escravidão. Muito antesde se lançar à caça de africanos, os europeus já se consideravam humanossuperiores. A maldição de Cam, que forneceu todos os conceitos utilizados pelaIgreja Católica na justificação da escravidão, tem origem provavelmente naperseguição que, segundo a Bíblia, os Egípcios – Africanos filhos de Cam –infligiram aos Israelitas, portanto, muito anterior ao tráfico de escravos .9

Era evidente aos portugueses que o comércio de escravos com os nativos

impulsionaria conflitos internos, pois só eram escravizados os cativos prisioneiros de guerra.

Entretanto, os europeus católicos acreditavam que os negros que não se convertiam ao

cristianismo eram condenados pela eternidade com a maldição de Cam e que a escravidão

seria a salvação da alma destes.

8  O Papa Nicolau V através dessa outorga a expansão marítima e escravidão dos nativos.  IN Bula  RomanuxPontifex.

Acessada dia 05/04/2012. Disponível em: http://www.exsurge.com.br/enciclicas/textos%20enciclicas/bularomanuspontifex.htm

9 BENEDICTO, Ricardo Matheus. Sobre a Escravização dos Negros. Disponível em: http:// www.paradigmas.com.br/parad21/p21.5.htm

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1.2A colonização do Brasil – As diferenças culturais determinantes para a

redução de seres humanos à força de trabalho.

Em 1530 Portugal identificou que era necessário colonizar as terras conquistadas, pois

o rei da França não aceitou a bula  Alexandrina, que dividiu a América entre Portugal e

Espanha e indagou onde encontrava-se o testamento de Adão que exclui seu país do acesso ás

riquezas existente no Novo Mundo.

O reino português nesse período encontrava dificuldades com o comércio das

especiarias e com a crise financeira, ao identificar que poderia perder as terras conquistadas

decidiu colonizá-las, pois só assim poderia proteger seus domínios de piratas e corsários

franceses encontrando uma nova atividade econômica.

A colonização foi iniciada em 1532 na atual cidade de São Vicente, a região não foi

escolhida aleatoriamente para ser edificada como a primeira vila oficial portuguesa, pois esta

 já apresentava uma estrutura estável devido nela haver uma povoação de degredados. Os

indígenas já estavam habituados a conviverem com o europeu, devido a João Ramalho no

planalto e na costa o Bacharel de Cananeia, Cosme Fernandes, responsável pela primeira

povoação europeia em São Vicente.

Este primeiro povoado já contava com um forte de pedra de 9 metros de altura e 25m x

25, sendo este a primeira construção de alvenaria do Brasil. Segundo relatos do Navegador

espanhol Alonso de Santa Cruz, em 1530 esta povoação contava com 10 a 12 casas e um forte

de pedra com uma torre de madeira, estavam providos de porcos e galinhas da Espanha, muita

abundância, hortaliças e fartura. Além disso, a região já contava com um porto, conhecido

como Porto das Naos. De modo que a primeira Vila Oficial Portuguesa foi erguida na atual

cidade de São Vicente, devido boas condições que esta proporcionava, por ser estratégica à

rota do Rio da Prata e ser ponto final do meridiano de Tordesilhas, sendo que a localização no

sul do continente não era clara nem para os lusitanos e nem para os espanhóis.

O reino português não tinha condições de investir na colonização de toda extensão

territorial do Brasil, pois era necessário erguer toda a infraestrutura para acomodar as vilas e

gerir a atividade econômica da colônia. Para que fosse possível, foram escolhidos nobres de

Portugal que investiram seus recursos na colonização. Em 1534 a Costa brasileira foi dividida

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em capitânias hereditárias, após a partida de Martim Afonso de Souza à Índia, foram eleitos

12 donatários, porém 15 quinhões.

Doze foram os donatários: mas verdadeiramente quinze os quinhões; visto que osdois irmãos Souzas tinham só para si cento e oitenta léguas distribuídas em cincoporções separadas, e não em duas inteiriças. Foram eles, e com alguma razão, pelosserviços importantes que acabavam de prestar no próprio Brazil, os mais atendidosna partilha. 10

Os donatários além de erguerem os primeiros povoados tiveram por missão encontrar

uma atividade econômica para sua capitania, implantaram no Brasil a cultura de cana para

produção de açúcar. O produto já era cultivado e comercializado desde 1420 nas ilhas do

Atlântico. Segundo Fausto, as feitorias em São Jorge da Mina em 1554 já produziam cana em

grande escala e já possuía entre 150 e 300 escravos negros.

10VARHAGEM, Francisco Adolpho de. História Geral do Brazil. Tomo Primeiro, Imprensa de V. de Domingues, Madrid,

1854, p.86.

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Imagem 1. Capitanias hereditárias Fonte: MAESTRI 11 

As únicas capitânias que prosperaram foram as de São Vicente e de Pernambuco,

segundo Prado Jr.12, os demais donatários tiveram prejuízos, perderam todas as suas posses e

até mesmo a vida, sem conseguirem núcleo de povoamento. Ainda de acordo com o autor,

estes muitas vezes não possuíam recursos e levantaram fundos com Portugal e Holanda, sendo

que os banqueiros judeus contribuíram significativamente com o povoamento do Brasil.

Para se obter lucros com o açúcar foi necessário adquirir grandes latifúndios para

produção em grande escala, consequentemente foi necessário braços para o trabalho

compulsório que a cultura de cana demandava. Além disso, havia um acordo comercial entre

Portugal e Holanda, onde os lusitanos produziam o açúcar mascavo e os holandeses

controlavam a distribuição (transporte, refino e venda no mercado europeu).

11MAESTRI, Mário. O escravismo no Brasil. Discutindo a História do Brasil. Atual, 7ed, São Paulo,1994,p.16.

12 PRADO JR, Caio. História Econômica do Brasil. 4. Ed., Brasiliense, 1956, p.31-32.

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O comércio do açúcar foi muito mais lucrativo para a Holanda do que para Portugal,

para que a metrópole obtivesse lucros deveria produzir em grande escala.

Estes já se tinham iniciado na tarefa no período anterior da extração do pau-brasil;prestar-se-iam agora, mais ou menos benevolentemente, a trabalharem na lavoura decana. Mas esta situação não duraria muito. Em primeiro lugar, à medida que afluíammais colonos, e, portanto as solicitações de trabalho iam decrescendo o interesse dosíndios pelos insignificantes objetos com que eram dantes pagos pelo serviço.Tornam-se aos poucos mais exigentes, e a margem de lucro do negócio iadiminuindo em proporção. Chegou-se a entregar-lhes armas, inclusive de fogo, o quefoi rigorosamente proibido, por motivos que se compreendem. Além disto, se oíndio, por natureza nômade, se dera mais ou menos bem com o trabalho esporádico elivre da extração do pau-brasil, já não acontecia o mesmo com a disciplina, o

método e os rigores de uma atividade organizada e sedentária como a agricultura.Aos poucos foi-se tornando necessário forçá-lo ao trabalho, manter vigilânciaestreita sobre ele e impedir sua fuga e abandono da tarefa em que estava ocupado.Daí para a escravidão pura e simples foi apenas um passo. Não eram passados ainda30 anos do início da ocupação efetiva do Brasil e do estabelecimento da agricultura,e já a escravidão dos índios se generalizara e instituíra firmemente em toda parte13.

O colonizador defendeu por séculos que o índio era inapto ao trabalho ordenado, tanto

que o próprio historiador Caio Prado Júnior, em sua obra História Econômica do Brasil, (p.

36-37), afirmou que o índio era um mau trabalhador, que dispunha de pouca resistência físicae eficiência. Prado Júnior foi mais longe, citou como exemplo a região amazônica que até os

dias atuais não é povoada e desenvolvida em relação a outras regiões do Brasil, por o índio

brasileiro ser de uma civilização muito primitiva ao sistema e padrões culturais europeus que

segundo o autor era superior aos dos indígenas.

Varnhagem (1854), em “História do Brazil”, reproduziu em seu trabalho as ideologias

do século XIX que ainda se viam como superiores às demais etnias, este citou que os

indígenas eram idólatras, “não chegavam a um milhão”, viviam se hostilizando-se e por esse

fato estes em vez de aumentarem em número estavam reduzindo-se. O autor para enaltecer a

figura do colonizador, buscou convencer o leitor que a situação do nativo foi de degeneração,

afirmou existir uma população escassa e desconsiderava que havia diversas etnias diferentes e

que estas não se viam de forma homogênea.

Essas gentes vagabundas, que guerreando sempre povoavam o terreno-que hoje é doBrazil, eram segundo parece verdadeiras emanações de uma só raça ou grande

13 Ibid.,p.36-37.

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nação; isto é, procediam de uma origem comum, e falavam todos os dialetos ' damesma língua, que os primeiros colonos do Brazil chamaram geral, e era a maisespalhada das principais da América Meridional.14 

Estas ideologias eurocentristas até os dias atuais deixaram suas cicatrizes na sociedade

brasileira, tanto que as poucas etnias indígenas que sobreviveram ao colonialismo lutam

arduamente para terem seus direitos de cidadãos respeitados e cumpridos. Ideologias sem

embasamento, pois ao analisar que sem o conhecimento dos índios, o europeu não teria

chances de sobreviver no Brasil.

Foram os indígenas que com sua cultura orientaram o europeu sobre os espécimes de

peixes e gêneros de alimentos que eram venenosos, quais ervas serviam para curar males ealém disso o colonizador conseguiu proteção ao se aliar com determinadas etnias para se

proteger de outras. A assimilação cultural a qual os portugueses vivenciaram foi tão forte, que

os primeiros brasileiros possuíam mais características da cultura indígena do que a lusitana.

Era mais habitual o bandeirante manejar arco e flecha do que armas de fogo, devido maior

precisão. As habitações, comida e até mesmo a língua desse novo povo que surge do contato

entre as duas culturas tinha ligação estreita com a cultura nativa.

Fausto, afirma que em relação ao número de indígenas que existiam há poucos dadosque não decorrem nem da incompreensão nem do preconceito, mas da dificuldade de sua

obtenção.

Não se sabe, por exemplo, quantos índios existiam no território abrangido pelo que éhoje o Brasil e o Paraguai, quando os portugueses chegaram ao Novo Mundo. Oscálculos oscilam entre números tão variados como 2 milhões para todo o território ecerca de 5 milhões só para a Amazônia brasileira.15

Desse modo, a identidade cultural e comportamental da colônia foi construída atrelada

ao sistema político-econômico que foi implantado: o mercantilismo. A região do litoral

paulista encontrou condições de abandono em relação à metrópole, pois Portugal fornecia

escravos negros para a região do nordeste que produzia em maior escala que o sudeste, estes

traziam os escravos e reabasteciam seus navios com açúcar. Já no centro-sul, raramente havia

14VARNHAGEM, Francisco.Adolpho.História Geral do Brazil... op.cit.p.99.

15FAUSTO, Boris. História do Brasil... op. cit.p.20.

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o fornecimento de escravos negros para suprir a mão de obra ocasionando diversas vezes

perda do açúcar produzido nos engenhos.

Os engenhos de açúcar da capitânia de São Vicente não se sobressaíam devido às

condições geográficas da localidade. A plantação dos canaviais era restrita a um curto espaço

de terra, pois havia a área litorânea, de mangue e mais adiante se encontrava o planalto, ao

contrário do nordeste que o clima favorecia ao desenvolvimento da produção. Dessa forma, a

produção era muito inferior à da capitania de Pernambuco.

No sudeste brasileiro a primeira mão de obra utilizada no cultivo de cana foi a

indígena, o número de escravos negros que vinham da Europa nesse período era muito

reduzido e de alto custo. A captura de escravos internos foi a solução tomada para o

desenvolvimento da economia não só paulista como de toda colônia. Quando as bandeiras

tiveram início tinha o intuito de encontrarem metais preciosos, como essa missão não obteve

sucesso, os bandeirantes perceberam que poderiam lucrar muito fornecendo escravos

indígenas e dessa forma foi mudado o foco das bandeiras.

Imagem 2 . Família Guarani capturada por Bandeirantes. DEBRET, Jean Batist. 1830

  Até 1640, os paulistas supriram mão de obra escrava com os índios guaranis.

Contudo, neste período houve uma terrível epidemia de varíola que dizimou um grande

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número índios cativos. Os bandeirantes passaram a percorrerem maiores distâncias para

capturarem os nativos. As formas de aprisionamento a princípio eram por escambo, contudo

os métodos se tornaram mais desumanos e violentos, crianças, mulheres, idosos e doentes

eram assassinados e diversas etnias indígenas foram dizimadas.

Os jesuítas passam “a protegerem os índios” dos massacres causados pelos

bandeirantes, construíam reduções e abrigavam os nativos, catequizavam e aculturavam os

indígenas, os adaptando ao convívio com o branco e os pacificando ao comportamento servil

e resignado ao trabalho braçal que era conveniente ao bom cristão, “para que estes

usufruíssem de um lugar nos reinos dos céus”. Com essa “proteção” os missionários se

beneficiavam da agricultura e das drogas do sertão que eram produtos cultivados pelos

indígenas e comercializados pelos jesuítas.

Os indígenas que se encontravam nas reduções jesuítas eram mais atrativos aos

bandeirantes do que os que estavam em suas aldeias. Pois esses já estavam pacificados, como

“bons cristãos”, eram mão de obra já especializada. Os custos eram mais baixos que uma

bandeira, sendo assim frequentemente as reduções eram atacadas por bandeirantes.

Com o passar dos tempos, as capturas dos bandeirantes ficaram mais caras devido às

distâncias que se tornavam cada vez maiores para encontrar índios, visto que os indígenas

amedrontados se escondiam sertão adentro para na melhor das hipóteses não serem

escravizados. Os jesuítas ao perceberem que os bandeirantes não respeitavam mais as

reduções, incentivavam os índios a manipularem armas de fogo e os encorajava a manterem

seu espírito guerreiro e resistirem às invasões dos bandeirantes.

Vários fatores contribuíram para a substituição da escravidão indígena pela negra: as

doenças que os europeus transmitiam aos índios, o conhecimento da terra que estes tinham

para fugirem (e o negro neste período não, por estarem em terra estranha), a proteção dos jesuítas, e um dos motivos mais determinantes: a escravidão interna não era lucrativa para a

metrópole. Segundo Maestri16, as ideologias eurocentristas para justificarem a substituição de

etnia para escravizar alegavam:

16 MAESTRI, Mário. O escravismo no Brasil. Discutindo a História do Brasil. Atual, 7 ed,.São Paulo,1994.

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1. O índio era incapaz de realizar um trabalho contínuo;

2. Os indígenas não eram uma raça evoluída e desapareceriam de forma inevitável;

3. O negro era uma raça dócil, resistente e sem iniciativa;

4. O negro era adaptado para o trabalho penoso;

5. O negro foi talhado para a escravidão.

Estas ideias racistas foram difundidas no Brasil colônia, império e início do século

XX. Sendo assim, em 1570 a Coroa incentivou o comércio de escravos negros e coibir o de

indígenas.

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1.3 O negro como mão de obra escrava- A desumanização por finseconômicos

Segundo Caio Prado Jr (1956, p.37), a substituição da mão de obra índia pela negra foi

morosa devido ao seu alto custo. Não tanto pelo preço pago no continente africano, mas em

decorrência da alta taxa de mortandade a bordo dos negreiros, pois estes eram mal

alimentados, acumulados ao extremo para se aproveitar o máximo possível do espaço. A

viagem durava semanas e o ambiente não obtinha as mínimas condições de higiene, segundo

o autor somente 50% dos que embarcavam chegavam com vida, e muitos dos que aportavam

estavam impossibilitados para o trabalho. Desse modo, somente as regiões abastadas

financeiramente poderiam adquirir esta mão de obra.

Imagem 3: Distribuição dos escravos africanos. Fonte: HEYWOOD17

17 HEYWOOD, Linda M. Diáspora Negra no Brasil. São Paulo: Contexto,2009, p.1222

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Com a descoberta de ouro em Minas Gerais, a região sudeste passou a receber grandes

fluxos de mão de obra escrava negra. Diversas etnias foram transplantadas de sua terra para

serem utilizadas como mão de obra escrava na América. Segundo Heywood, os centro-

africanos representavam cerca de 45% ou aproximadamente 5 dos 11 milhões de africanos

vendidos como cativos entre 1519 e 1867.

A venda de africanos foi lucrativa para a metrópole, pois os navios partiam da Europa

abastecidos de mercadorias de pouco valor e estas eram trocadas com os feitores africanos por

escravos. No continente americano os mercadores de escravos trocavam grandes quantias de

produtos da colônia por negros que haviam adquirido a um baixo custo, obtendo assim

enormes lucros. Para Portugal era benéfico, por os cativos rendiam impostos quando

embarcavam na África e quando desembarcavam na América.

Outra grande vantagem para os donos de escravos no Brasil foi que ao contrário dos

indígenas, os negros no início não tinham para onde fugir, caso conseguissem. Além disso,

outra forma de melhor controlar possíveis rebeliões nas senzalas era a forma com a qual era

distribuída as etnias  dos cativos, pessoas de diversas línguas, culturas diferentes e muitas

vezes de tribos rivais na África eram postas no mesmo cativeiro.

Em 1775, devido ao grande lucro que o tráfico de escravos rendia à metrópole, a

administração lusitana proibiu a escravização do indígena e gradativamente a mão de obra

escrava colonial foi substituída pela negra

Aproximadamente durante 300 anos, várias regiões da África abasteceram osmercados de escravos direcionados para as produções americanas. Nesse período, aÁfrica entra nas rotas comerciais mercantilistas e seu principal produto deexportação era o negro africano” 18

Souza 19, citada por Bueno, classifica o comércio de escravos em três fases: entre 1440 e

1580 onde os africanos comercializados provinham da costa de Guiné, os portugueses

possuíam uma feitoria em Cabo Verde. Esta possibilitava a distribuição para a Europa, Ilhas

Atlânticas, Caribe e América espanhola; entre 1580 e 1690 África Central, com as feitorias de

18 BUENO, Cristiano Pinheiro. AQUELES A QUEM FOI NEGADA A COR DO DIA: O NEGRO NO BRASIL DOSÉCULO XIX. Trabalho de Conclusão de Curso. (Licenciatura em História). Universidade Católica de Santos. Santos, 2011,p.33.

19 BUENO, Cristiano Pinheiro. op.cit

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São Tomé e São Paulo de Luanda; 1690 a 1850 onde maior parte provinham da costa da Mina

com os centros africanos, Moçambique e angolas.

O escravo opôs-se sem cessar ao cativeiro. A sua principal forma de oposição àescravidão foi a resistência ao trabalho feitorizado.Sem poder decidir a duração dotrabalho, ele esforçava-se menos possível; dedicava-se o menos possível às tarefas;interrompia o trabalho; fazia “corpo mole”. Assim, protegia, mesmoinconscientemente, sua vida biológica. 20

Como resposta, os senhores do engenho agiam violentamente, supervisionavam o

rendimento dos escravos através dos feitores e criavam novas técnicas de tortura parapressionar os negros por meio do pavor. Por séculos o Brasil teve a produção de sua riqueza

construída na tortura e muitas vezes na morte dos escravos. Sendo que essas práticas eram

reconhecidas e apoiadas pelo Estado e pela Igreja.

Além da violência física, havia a opressão cultural, quanto mais os negros eram

aculturados, maior era o seu valor no mercado de escravos. Aqueles que ainda falavam língua

nativa e não dominavam as técnicas de trabalho imposta pelo colonizador eram classificados

como de boçais. Já os que se comunicavam em português e estava habituados a rotina servil eram

denominados ladinos.

Uns chegam ao Brasil muitos rudes e muito fechados e assim continuam por toda avida. Outros, em poucos anos saem ladinos e espertos, assim para aprenderem adoutrina cristã[...] Os que nasceram no Brasil, ou se criaram desde pequenos em casados brancos, afeiçoando-se a seus senhores, dão boa conta de si, e levando bomcativeiro, qualquer deles vale por quatro boçais.21 

Nota-se, que a cultura é mais do que padrões comportamentais, crenças, manifestações,criações materiais e imateriais que são transmitidas de uma geração a outra. E sim, que esta

fortifica e empodera um povo ou o arruína. A cultura europeia do século XVI que se colocava

como expansionista da fé cristã e evolucionista aos povos “atrasados”, tornou-se legítima a

20  MAESTRI, Mário. O escravismo no Brasil. O p. cit.,p.87

21  ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Itatiaia/ Edusp, 1982. (ColeçãoReconquista do Brasil). Texto proveniente de: Biblioteca Virtual do Estudante de Língua Portuguesa

<http://www.bibvirt.futuro.usp.br> A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo, p. 31.

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seus cidadãos e os permitiu cometerem atrocidades a outros povos que possuíam padrões

culturais diversos aos seus.

Pode ser que muitos cidadãos europeus do século XVI acreditassem que estavam

expandindo a fé católica além-mar, contudo, essas ideologias tinham objetivos puramente

expansionistas e comerciais. Para desumanizarem índios e africanos, criaram ideologias de

superioridade racial e religiosa, aculturaram, satanizaram, ridicularizaram, proibiram toda

manifestação cultural desses povos.

Os motivos de desarticulação cultural dos povos escravizados se dá pelo fato de a cultura

ser uma ferramenta de articulação política desses indivíduos e os possibilitava de promoverem

levantes e insubordinação. No caso dos indígenas, os jesuítas aculturara-os para que estes

acreditassem que se fossem trabalhadores servis e mansos alcançariam o reino dos céus,

aqueles que não se sujeitassem eram castigados fisicamente e muitas vezes dizimados para

servirem de exemplo aos demais. Mas o fator principal que beneficiou os portugueses na

escravidão indígena foi a aliança do colonizador com determinadas etnias que era inimiga de

outras, ou seja, a diversidade cultural foi uma ferramenta importante nos primórdios da

colonização.

Já no caso dos africanos, os portugueses começaram a manipulação cultural no continente

africano, um modelo foi a conversão da Rainha do Congo, império importante que foi

fornecedor de cativos para os lusitanos. Infiltraram-se na cultura africana através de

casamentos, assimilação com algumas etnias que achavam conveniente e construção de

feitorias em pontos estratégicos do continente africano. Estas eram capitaneadas por feitores

africanos.

Em algumas culturas africanas a árvore Baobá ( Adansonia digitata), era considerada uma

árvore sagrada. Símbolo da ancestralidade, pois para estes, quando o Mestre Griot , querepassava a comunidade toda cultura, história, sabedoria e tradições através da oralidade

falecesse, permaneceria com seu grupo étnico. Pois era sepultado no tronco da árvore, de acordo

com a tradição, o Griot viveria com seu povo através do Baobá. Além disso, o tronco da árvore

representava as crianças em crescimento, galhos e folhas, os adultos, sinônimo de

amadurecimento, quando as folhas caíssem retornariam ao solo, alimentariam as raízes e

continuariam o ciclo.

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O culto e respeito pela árvore Baobá, transcende admiração da espécie dos estepes

africanos, resistente as adversidades temporais. Pois ao se entender a simbologia, fica provado

que para estes seguirem os preceitos dados pelos que os antecederam, saberem suas origens e

verem sua comunidade como parte de um único sistema interligado era o que tornava esse

indivíduo um cidadão e o dava o sentimento de pertencimento a aquele grupo e a agir em prol

deste.22.

O primeiro ataque português a este símbolo cultural de algumas etnias africanas tem

registro do ano de 1444, onde navegantes lusitanos conduzidos por Gomes Piers chegaram ao

território conhecido hoje como Senegal. Há registros portugueses relatando que ao chegarem

encontraram Baobás com os brasões de D. Henrique. Portugal com essa atitude declarou que

agora as normas a serem seguidas não são mais as que os antepassados africanos deixaram,

mas sim as que o reino de Portugal ditasse.

No território conhecido hoje como Ajudá, o Baobá além de ser a árvore da ancestralidade,

tinha como crença que se as mulheres dessem sete voltas em torno do tronco e os homens

nove, estes apagariam as lembranças ancestrais, ao completarem os ciclos não teriam mais

elos com sua terra e suas memórias seriam jogadas ao limbo, o indivíduo deixaria de ter

cultura e de possuir vínculos familiares. Sendo assim, não pertenceriam a lugar algum,

poderiam ser capturado por qualquer outra etnia e por ela ser escravizados.

Como constatado anteriormente, quando os portugueses exploraram a região centro-

africana em busca de seres humanos para serem reduzidos a escravos, fizeram esta empreitada

sem que para isso necessitassem erguer núcleos de povoamento, pois possuíam feitorias

espalhadas pela costa. Estas em maior frequência eram administradas por um feitor africano

que tinha acordo comercial com os portugueses.

Sendo assim, os traficantes de escravos conheciam muito bem a cultura local, na obra deAlberto da Costa e Silva 23, o autor descreve que os comerciantes de escravos faziam com que

os cativos caminhassem longas distâncias a pé durante a noite, pois a escuridão impediria que

estes reconhecessem o caminho de retorno caso tentassem fugir.

22 COSTA, Vanderleia Barbosa. A significação do Baobá na cultura africana e suas transmutações pós contato europeu.Paradigmas: Filosofia, Realidade e Arte.n.39, ano XII. Santos, São Paulo, 2012, p.9.

23 COSTA e SILVA, Alberto da. Francisco Félix de Souza: O Mercador de Escravos. EDUERJ- Editora Nova Fronteira,Rio

de Janeiro,2004.

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Ao chegarem às feitorias de Ajudá eram confinados e acorrentados uns aos outros, fazia-

se um leilão, e após a venda cunhavam o nome do comprador na pele do escravo com ferro

em brasas. Antes de embarcarem no negreiro, os cativos eram obrigados a darem as voltas em

torno de um Baobá que havia no porto, este ritual garantia ao traficante de escravos que estes

indivíduos não se rebelassem, pois não tinham para onde voltar caso fugissem, já tinham

renegado aos seus antepassados. Dessa maneira, a cultura desses povos foi manipulada contra

eles mesmos, sua significação transmutou-se a árvore que outrora era conhecida como

símbolo da ancestralidade e vida, tornou-se a árvore do esquecimento.

A memória dos africanos preocupava os mercadores, pois estes tinham a plena consciência

que a cultura ancestral empoderava e articulava os indivíduos. Quando indivíduos se

reconhecem semelhantes em suas práticas culturais, ambiente social, histórico e político, estes

se mobilizam em prol de seus direitos graças a esses elos. Porém, quando estes elementos não

possuem identidades ou não as manifesta, estes não possuem representatividade para

mudarem sua realidade. A volta do Baobá imposta pelos traficantes de escravos foi umas das

muitas tentativas de se apagar a ancestralidade e raízes africanas.

Apesar de todos os esforços dos europeus em apagarem as memórias tradicionais

africanas para desarticulá-los, pois um povo sem cultura, referenciais e sentimento de

pertencimento a um grupo é facilmente subumanizado. O africano agora na condição de

escravo busca dá uma ressignificação ao Baobá, que se torna símbolo de resistência.

Assim, o Baobá continua a inspirar as novas gerações de africanos eafrodescendentes na afirmação de sua identidade. Mais do que uma árvore, o Baobátornou-se um símbolo civilizatório, baluarte da memória africana, no seio dos quaismuitas comunidades encontram abrigo e esperança24

Existem relatos que na região conhecida atualmente como Senegal, antes dos indivíduos

serem transportados nos tumbeiros, estes traziam escondidos consigo nos cabelos sementes do

Baobá. A ideologia era que mesmo que os retirassem de sua terra, sua ancestralidade e cultura

resistiriam, pois plantariam sua árvore da ancestralidade onde quer que os levassem.

Atualmente no Brasil Baobás são encontrados em áreas do Nordeste, pois no período colonial

24 WALDMAN, Maurício. O Baobá na Paisagem Africana: Singularidades de uma Conjugação entre Natural e Artificial.

Texto de apoio elaborado para o XIII Curso de Difusão Cultural, 2011, p.6.

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essas regiões eram produtoras de açúcar. Recife hoje é conhecida como capital do Baobá e

possui 11 árvores tombadas.

Além dessa violência cultural que foi praticada com os africanos antes de embarcarem e

das violências físicas que estes sofreram nos tumbeiros, como estupros, péssima alimentação,

falta de higiene e diversas outras atrocidades cometidas contra esses seres humanos, que

ocasionou a morte de muitos antes de chegarem ao destino. Ocorreu a separação de indivíduos

do mesmo grupo étnico em cativeiro, pessoas de dialetos, cultura, religião e muitas vezes

inimigas compartilhariam a mesma senzala. Isto impossibilitou que se comunicassem,

articulassem e levantassem motins. Nos mercados de escravos, filhos eram separados de seus

pais na mais tenra idade, cônjuges eram separados devido a venda destes membros a outros

senhores.

A saudade da terra ancestral, familiares e cultura ocasionava uma nostalgia mortal nos

africanos denominada banzo. Nelson Piletti25, faz uma análise da importância dos grupos

sociais que se encaixa perfeitamente neste estado em que ficavam os africanos [..] Só quando

segregados é que os indivíduos tendem a perceber a importância fundamental do grupo para a

vida humana. A destruição dos vínculos de grupo quase sempre leva a pessoa à morte.

Ao identificar a importância do convívio social e da identificação cultural dos indivíduos,

parte-se para a análise de como a cultura continuou ser manipulada pelo elemento opressor ao

longo dos séculos e como os oprimidos passaram a se apropriar de sua cultura para lutar

contra a desumanização e preconceito.

25 PILETTI, Nelson. Sociologia da Educação. Ática, São Paulo, 1985.p.37.27

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Capítulo 2 –Homogeneização Cultural

2.1 A formação no nacionalismo e Estado brasileiro- As teorias debranqueamento

Segundo Máo Jr,26, surgiu no século XVI e XVIII uma nova classe social dominante, a

burguesia. Que no decorrer dos tempos se tornou cada vez mais próspera devido ao sucesso

do mercantilismo. O sistema absolutista impõe altas taxas de impostos a burguesia que passou

a identificar a necessidade de derrubar o atual sistema político, no entanto percebeu que por si

só não teria forças para derrubar a monarquia e que deveria conquistar as massas para

conseguir seus intentos.

A burguesia, como forma de contemplar parte das aspirações populares, desenvolveuum conceito de nação baseado destas aspirações populares, desenvolveu umconceito de nação baseado no princípio da igualdade formal, dentro do qual, sob oponto de vista ideológico procurou-se igualar os desiguais.27

A corrente ideológica burguesa iluminista com o discurso “Igualdade, Liberdade e

Fraternidade”, conseguiu atrair os grupos sociais oprimidos e com estes ideais revolucionários

no ano de 1783 a França derrubou o absolutismo, que foi substituído pela figura de Estado

que era fundamentado na soberania popular. A revolução francesa passou a influenciar

diversos países e territórios que almejavam se tornarem um Estado.

 Maó Jr, em análise do contexto conclui; “as diversidades e desigualdades de classes e

povos, regiões e culturas foram submetidas a uma pretensa unidade nacional homogênea,

incorporando, indistintamente os desiguais e diversos numa única categoria “a de povo”. Esta

incorporação de culturas diversas na constituição das nações tem fundamentação econômica.

26 MÁO JR, José Rodrigues. A Revolução Cubana e a Questão Nacional (1868-1963). Núcleo de Estudos D' O Capital.1ªed.São Paulo, 2007

27 MÁO JR, José Rodrigues. A Revolução Cubana e a Questão Nacional (1868-1963). Núcleo de Estudos D' O Capital.1ªed.São Paulo, 2007, p.22.

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Hobsbawm28, analisa o movimento mundial na formação dos estados e as motivações da

constituição destes. Estes garantiam o direito à propriedade e legalidade dos contratos,

incentivava e regulamentava as atividades comerciais e impulsionava o desenvolvimento

econômico das nações, devido estimular a competição entra estas. Estabeleceu os parâmetros

da doutrina secular que foi fundamentada no fortalecimento Nacional através de políticas

protecionistas. Os quesitos que determinavam a legitimação de um estado mais evidentes

eram:

• A nação deveria possuir grande extensão territorial para possibilitar seu

desenvolvimento. Neste período ocorreram conquistas territoriais e povos de culturas diversas

foram submetidos a pertencerem a uma mesma nação;

• Elite culta erudita (a escrita: o desenvolvimento das ciências);

• Passado de conquistas a outros povos e seus territórios;

•  Possuir vocábulo administrativo literário escrito.

Muitos territórios que almejavam a condição de nação tiveram que se enquadrarem nesses

quesitos. Passaram a incorporar povos de língua, religião e cultura indistintamente, com o

intuito de ampliarem sua extensão territorial. Como estratégia de uniformização desses

cidadãos tão diversos em uma única condição a de “povo”, criaram a política de

homogeneização cultural e ideologia do nacionalismo.Há duas definições muito fiéis a essa mudança de paradigmas mundiais, Branco29,

designa como uma mudança de mentalidade que elege a nação no mais alto posto na

hierarquia de valores, a custo de outros valores onde cada nacionalidade se eleva como a mais

28 \ HOBSBAWM, Eric. J. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Paz e Terra, Rio de Janeiro,1990, p. 40.

29  BRANCO, Alberto Manuel Vara. O Nacionalismo nos Séculos XVIII, XIX e XX: O princípio construtivo damodernidade numa perspectiva histórico-filosófica e ideológica. Um caso paradigmático: A Alemanha. Revista Millenium.

n. 36 , maio de 2009l em: << http://repositorio.ipv.pt/handle/10400.19/343 >>. Acesso em 07/08/2012.

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correta e asfixia as demais. Já Hobsbawm30, cita Benedict Anderson” A nação moderna é uma

comunidade imaginada”. A construção destes nacionalismos tem o potencial de preencher as

lacunas emocionais que existem nas comunidades reais. O autor indaga o porquê da aceitação

dos elos criados no lugar dos reais e uma de suas hipóteses seria que os Estados nacionais

mobilizavam sentimento coletivos já existentes, em escala macropolítica que se ajusta às

nações e aos Estados modernos. No que o autor define como “laços protonacionalistas”.

No caso do Brasil, a formação de um estado foi um caso mais delicado, em tese a partir de

1822,o Brasil não era mais uma Colônia de exploração e sim um Império. Entretanto, a mão

de obra escrava ainda era vigente e permaneceu por décadas o governo permanecia

estreitamente ligado com a monarquia de Portugal. Ou seja, muito distante das políticas de

livre comércio e de um estado democrático, mesmo assim houve esforços em fazer do país um

Estado.

As ideologias vigentes impulsionavam o estabelecimento das nações, estas implicavam no

fortalecimento econômico nacional através do protecionismo. Para a legitimação de uma

nação esta deveria possuir um extenso território para que fosse viável o seu desenvolvimento.

Segundo Hobsbawm (1990, p.42), estas deveriam possuir uma elite cultural longamente

estabelecida, um vernáculo administrativo e literário escrito e histórico de conquistas a outros

povos e seus territórios, pois se enquadrando nesses quesitos estavam de acordo com o

darwinismo social.

Desse modo, para a formação destes Estados foram incorporados povos de língua, religião

e cultura diferentes sem distinção, somente por questões territoriais.

Qual podia ser a defesa dos povos pequenos, das línguas menores e das tradiçõesmenores, na grande maioria dos casos, a não ser uma expressão da resistência

conservadora ao avanço inevitável da história? Os pequenos povos, línguas eculturas ajustavam-se ao progresso apenas no caso de aceitarem um “status”subordinado a alguma unidade maior ou, caso se retirassem da batalha, para setornar um repositório de nostalgia e de outros sentimentos. 31 

30 HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Paz e Terra, Rio de Janeiro,1990, p. 63.

31 HOBSBAWM, 1990, p.53 A pud in MÁO JR, José Rodrigues. A Revolução Cubana e a Questão Nacional (1868-1963).

Núcleo de Estudos D' O Capital.1ªed. São Paulo, 2007, p.26.

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Para que fosse possível a homogeneização cultural foi criada a ideologia do nacionalismo

que segundo Branco32,“designa a atitude mental que confere à entidade nação um altíssimo

posto na hierarquia de valores. Esta tendência concedia excessiva importância ao valor da

nação, à custa de outros valores, levava a uma sobrestimação de cada nacionalidade e ao

consequente asfixiamento das restantes.”.

Para explicar esta mudança de paradigma, o Brasil desde 1822 em tese deixou de ser uma

colônia de exploração e passou à condição de império, por décadas o trabalho escravo

permaneceu como força motriz para o desenvolvimento da economia, o império possuía

estreitos vínculos com a monarquia de Portugal, portanto seu governo foi muito distante de

uma democracia. Entretanto, houve grande esforço para aplicar as ideologias europeias na ex-

colônia para que essa se elevasse à condição de Estado.

O  surgimento do Império Brasil, se destinou para atender as necessidades de sua

metrópole, este ambiente segundo os ideais europeus não se encaixava nas condições de

formação de um Estado e se apresentava muito distante da formação de uma identidade

nacional homogênea. Khaled Jr33, afirma: “a única perspectiva identitária existente, para as

próprias elites, era a portuguesa”. Sendo assim, a formação nacional do Brasil foi uma

caricatura muito distante das nações da Europa.

O que havia de identificação remetia à metrópole. Além disso, sequer havia umEstado propriamente dito e localizado em seu território, em virtude da condiçãocolonial. Como um dos fatores para a promoção de sentimento nacional é o Estado,percebe-se o. quanto o Brasil estava distante de ter um sentido próprio para oshabitantes. Isso representa um problema com que a elaboração discursiva da naçãoseja um dos elementos que por excelência legitimam uma nação é a sua antiguidade,o fato de sua existência já estar longamente solidificada pelo decurso do tempo.34

De acordo com Khaled Jr, a percepção dos índios e negros em relação à colônia não foi

importante para as elites, pois a formação de um Estado era por excelência uma invenção do

32 BRANCO, Alberto Manuel Vara. O Nacionalismo nos Séculos XVIII, XIX e XX: O princípio construtivo damodernidade numa perspectiva histórico-filosófica e ideológica. Um caso paradigmático: A Alemanha. RevistaMillenium. n. 36 , maio de 2009l em: << http://repositorio.ipv.pt/handle/10400.19/343 >>. Acesso em 07/08/2012.

33 KHALED JR, Salah H.Horizontes identitários:a construção da narrativa nacional brasileira pela historiografia doséculo XIX. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. EdiPURCS, Porto Alegre, 2010,p. 25.

34 KHALED JR, Salah H.Horizontes identitários:a construção da narrativa nacional brasileira pela historiografia do

século XIX. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. EdiPURCS, Porto Alegre, 2010,p. 25.

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Segundo Jaime e Carla Pinsky,38 no nascimento do sistema capitalista a classe burguesa

manteve forte resistência contra o acesso do proletariado a educação universal. Os autores

citam que na obra “ Nightmare Abbey”, do romancista inglês Peacock ,foi ilustrada uma cena

do reacionário Mr Flosky ,que expôs o seguinte desabafo: “Como podemos ser felizes se

estamos rodeados por um povo que lê?”39

Este desabafo retratou as ideologias da época, onde a burguesia temia que as massas

tivessem acesso aos meios educacionais, pois esta criaria a mobilidade social. No decorrer do

século XVIII e início do século XIX, as elites monopolizavam para si o conhecimento

científico.

Nunca houve tantos estudantes como hoje. Inclusive a gente do povo quer estudar.Os irmãos da religião cristã denominada  Ignoratins estão realizando uma políticafatal. Ensinam a ler e a escrever aqueles que só deveriam aprender a desenhar emanejar instrumentos e já não podem ir além do necessário para a sua ocupaçãocotidiana. Todo o homem que olha mais longe de sua rotina diária não será capaz decontinuar pacientemente e atentamente essa rotina. Entre o povo baixo é necessárioque saibam ler e escrever apenas os que têm ofícios que requeiram essa perícia.40

Este fragmento do Ministro da França nos fins do século XVIII demonstrou a preocupaçãodas classes dominantes em relação aos Frères Ignorantins, estes eram integrantes do baixo

clero francês e alfabetizavam os trabalhadores pobres. Possibilitando assim, o acesso do

proletariado a educação, benefício este fornecido somente à burguesia. O ideário da França

iluminista e positivista influenciou todos os estados nacionais, inclusive aqueles que outrora

eram colônias, e as colônias que buscavam se tornar independentes.

No Brasil colônia, em 17 de fevereiro de 1854, foi assinada a Reforma Couto Ferraz. A

finalidade foi regulamentar o ensino primário e secundário na Corte, de acordo com o modelo

francês que tinha como base as filosofias clássicas humanistas, trazidas ao Brasil pelo

Marquês de Pombal. A reforma fiscalizava as escolas no conteúdo em que estas transmitiam

para as elites e as massas.

38 PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi.História da Cidadania. Ed. Contexto, São Paulo, 2008, p..316.

39 Id., 2008, p.316. Cadaleno de Charlotais foi Ministro da França no final do século XVI.

40 PINSKY, Jaime & PINSKY, Carla Bassanezi. História da Cidadania. Ed. Contexto, São Paulo, 2008, p..316.

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Para as massas, a educação funcionava como controle social, pois o tempo gasto nos

estudos não devia exceder ao tempo destes no trabalho, segundo Pinho, os jovens que fossem

operários não deveriam ter acesso ao saber científico, já os filhos das elites dispunham mais

tempo para estudo, estes sim teriam acesso ao saber humanístico e literário. Salientando que

este decreto no artigo 69 proibia terminantemente a matrícula dos escravos. Mais adiante, em

1878 o Decreto 7.031-A declarava que os negros só poderiam estudar durante o período

noturno.

As burguesias mundiais estavam em busca do desenvolvimento de seus Estados e

pautadas em ideologias positivistas, darwinismo social, eugenia e evolucionismo e as elites

brasileiras excluíam e buscavam embranquecer sua população. De acordo com Máo Jr41,

somente a partir da segunda metade do século XIX que o componente étnico entra nos

discursos nacionalistas, dois fatores são determinantes para isso, os movimentos migratórios

maciços e a ideia de raça levantada pelas Ciências Sociais do século XIX.

Entre 1850 a 1888, o Brasil aprovou diversas leis que aparentemente beneficiaria a

população negra do Brasil, isso devido grandes transformações mundiais. A Inglaterra que era

a atual líder no sistema capitalista substituiu as formas de produção artesanal pela industrial e

precisou expandi seus mercados. Sendo assim, o sistema de colonialismo não era conveniente

e o trabalho escravo passa a ser combatido internacionalmente pela Inglaterra.

A Lei Euzébio de Queiroz proibiu a compra de escravos e o capital que era utilizado para

aquisição passou a ser investido na construção de ferrovias e possibilitou o nascimento da

indústria no Brasil. No mesmo ano de 1850 foi assinada a Lei de Terras, antes desta a terra era

concedida pela Coroa e a riqueza era avaliada pelo número de escravos que se detinha. A Lei

de Terras transmuta o valor da terra em mercadoria e indicador de privilégio e riqueza.

O tráfico negreiro, devido às pressões internacionais contrárias a esta prática, estavavivendo seu fim gradativo; até que, em 1850, a Lei Eusébio de Queirós aboliudefinitivamente o tráfico do cenário nacional. Tornava-se necessário, então, pensarna substituição do trabalho escravo. Este seria um dos argumentos utilizados nosdebates que girariam em torno das novas formas de distribuição da terra no Brasil.42 

41 MÁO JR, José Rodrigues. A Revolução Cubana e a Questão Nacional(1868-1963).Op. Cit,p.15.

42CAVALCANTI, José Luís. A LEI DE TERRAS DE 1850 E A REAFIRMAÇÃO DO PODER BÁSICO DO ESTADO

SOBRE A TERRA. Disponível em: -historica.arquivoestado.sp.gov.br. Histórica, 2005.

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A Lei de Euzébio de Queiroz e a Lei de Terras possibilitaram a vinda de imigrantes para

substituírem o trabalho escravo. A proibição encadeou-se em processo de abolição lenta e

gradual no mesmo tempo em que ocorria o incentivo de imigração. Sendo que a Lei de Terras,

impedia que os refugiados em Quilombos se tornassem proprietários das terras que ocupavam,

pois só se tinha acesso a estas por meio de compra. Simultaneamente ocorriam no país

políticas de incentivo de permanência dos imigrantes, onde o governo doava ou financiava

com condições facilitadas terras para os imigrantes.

Segundo Cavalcanti43, a burguesia colonial já previa que o trabalho escravo seria extinto e

era necessário substituir a mão de obra, a discussão do período era a respeito de através da

venda de terras custearem a imigração de mão de obra.

Neste período, o Brasil buscava seguir as ideologias desenvolvimentistas da Europa e dos

Estados Unidos, estas relacionavam desenvolvimento com os fatores raciais. Segundo Máo

Jr44., estas teorias eram aceitas como o único modelo para uma sociedade alcançar a

modernidade e desenvolvimento das sociedades industrializadas. Ainda segundo o autor, “os

intelectuais latino-americanos não ficaram alheios a esta “religião do progresso” Sendo assim

diversos pensadores das Américas incorporam essas teorias e as Ciências Sociais são

utilizadas como legitimadoras das crenças de discriminações raciais”.

As ideologias raciais determinavam que os estados americanos, exceto os Estados Unidos

eram sinônimos da barbárie, adjetivo este muito utilizado por Domingos Faustino Sarmiento.

Para Sarmiento, as Américas eram atrasadas tecnologicamente devido à formação racial de

seu povo, sendo estas a miscigenação do homem medieval representado pelos ibéricos, o

servil que eram os negros e pré-histórico que eram os indígenas. Sob o ponto de vista do

autor, estas raças eram atrasadas e não aptas para o progresso, suas teorias desqualificavam

estas etnias no seu estado autóctone, quando estas se miscigenavam o pensamento da épocapregava que era como se a humanidade retrocedesse ao desenvolvimento. Sarmiento defendia

que a única solução possível para o progresso das Américas seria o incentivo da imigração

europeia:

43 CAVALCANTI, José Luís. A LEI DE TERRAS DE 1850 E A REAFIRMAÇÃO DO PODER BÁSICO DO ESTADOSOBRE A TERRA. Disponível em: -historica.arquivoestado.sp.gov.br. Histórica, 2005.

44 MÁO JR, José Rodrigues. A Revolução Cubana e a Questão Nacional (1868-1963). Núcleo de Estudos D' O Capital.1ªed.

São Paulo, 2007

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Os imigrantes iriam oferecer com seu sangue, os elementos sociais da vida moderna,os gérmens da civilização e do progresso. Já a lavagem cerebral se daria medianteuma nova educação desses elementos autóctones, pautada nas novas filosofias e

ciências que formaram os heróis e os homens práticos da civilização.45 

De acordo com Sá Mader46, Sarmiento em sua obra conclui que a forma de resgatar as

Américas do período da barbárie estava relacionada no desenvolvimento do elemento humano

através da a imigração dos nórdicos europeus e ao acesso a educação pública tanto destes

como dos nativos. Contudo, o sistema escravista que imperava no Brasil República

inviabilizava o acesso a educação de maior parte de sua população, que neste período era

composta de negros e mestiços. Entretanto, houve a tentativa de substituir a mão de obranegra pela europeia para se adequar ao pensamento desenvolvimentista racial europeu.

No período do Brasil República entre 1850 e 1888, o escravismo estava em declínio e

houve o incentivo de imigração europeia, divulgou-se na Europa a necessidade de mão de

obra, foi feito financiamento de transporte para o imigrante e sua família para estabelecesse

residência fixa no Brasil. Entretanto, estas primeiras tentativas não foram bem-sucedidas,

devido a concorrência que havia entre o trabalho escravo e o livre. Além disto, os europeus

não se adaptaram ao clima tropical e neste período o Rio de Janeiro atravessava uma epidemia

de febre amarela que dizimou muitos imigrantes.

Em 28 de setembro de 1871 foi sancionada a Lei n° 2040, conhecida com Lei do Ventre

Livre ou Visconde do Rio Branco, esta declarava que os que nascessem no Império desde a

data da lei seriam considerados de condição livre. Entretanto, a lei desobrigava os senhores de

escravo a sustentarem os filhos de suas escravas depois dos 8 anos de idade, Após esta idade,

o escravocrata entregava a criança ao Estado e receberia indenização de $600,00 ou utilizar-

se-ia dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos.Após os 21 anos o jovem negro

deveria pagar ao escravocrata os gastos que este teve com seu sustento enquanto criança,

sendo assim continuava cativo.

Em 28 de setembro de 1885 foi assinada a Lei dos Sexagenários que desobrigava os donos

de escravos a sustentarem os escravos velhos e doentes com mais de 60 anos. Poucos

45 CARVALHO, Eugênio Rezende. In Nossa América: a utopia de um novo mundo. p.48, apud in MÁO, Jr. p.106

46 SÁ MADER, Maria Elisa Noronha de.“Olhares cruzados: Sarmiento e o Império do Brasil”.Anais Eletrônicos do VIII

Encontro Internacional da ANPHLAC. Vitória –2008.

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chegavam a esta idade, os que conseguiam seriam entregues a própria sorte, visto que após

anos de cativeiro estavam improdutivos para o trabalho.

Segundo Moura47,desde a libertação dos escravos em 1888, as elites no Brasil criaram

modelos discriminatórios, como a ideologia do branqueamento, marginalizando as camadas

não brancas nos níveis econômico, social, cultural e existencial. Ou seja, logo após a Lei

Áurea o negro foi vetado dos meios de produção e as ideologias europeias foram as fontes

impulsionadoras. Dessa forma, mais uma vez a imigração foi levantada como propulsora ao

desenvolvimento do país. Este processo ficou conhecido como imigração subvencionada,

onde segundo Moura o europeu foi idealizado como o trabalhador ideal e dessa ideologia de

branqueamento as elites buscavam dinamizar a economia através da importação de um

proletariado “superior”.

Em 1895 a ideologia de branqueamento que ocorreu no Brasil foi retratada na obra de

Modesto Brocos48, com a obra “A redenção de Cam”. Esta retrata uma senhora que representa

a África, uma mestiça que representa a América e um imigrante que representa a Europa. O

fruto do relacionamento entre o imigrante e a mestiça é uma criança de pele branca que é um

dos objetivos da imigração. Nota-se que a avó do bebê dá graças ao céu por seu neto não ter a

maldição bíblica, que de acordo com a interpretação racista da época era a cor negra.

47 MOURA, Clóvis. A herança do cativeiro. In: Retrato do Brasil, v. 10, Política, Rio de Janeiro, 1984, p.55-60 & p.109-113.

48 Modesto Broccos y Gomes. Redenção de Cam, 1895. Disponível em: http://turmaamais.blogspot.com.br/p/artes-

visuais.html

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Imagem 3 : A Redenção de Cam. Disponível em:< : http://turmaamais.blogspot.com.br/p/artes-visuais.html >

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Em 13 de maio de 1888 foi assinada a lei Áurea que finda a escravidão negra no Brasil.

Contudo, essa lei foi uma grande farsa para a população negra do país, pois foi outorgada por

pressão da Inglaterra que nesse período era contra o sistema colonial que impedia o livre

comércio. Não foi planejada nenhuma política de inclusão dos negros libertos no sistema de

trabalho assalariado, sendo assim estes se viram marginalizados e muitas vezes em condições

piores do que estavam quando escravos.

[…] se, de um lado, os negros saídos das senzalas não se incorporavamautomaticamente à classe operária, de outro, surgia no interior da própria classeoperária o preconceito de cor. O negro e outras camadas não brancas não são

incorporados a esse proletariado, mas vão compor a grande parcela demarginalizados decorrentes das relações sociais que substituíram o escravismo. Avalorização que se dá ao trabalhador imigrante, nesse processo de mudança pretere onegro, que é empurrado socialmente para os piores setores da economia.49 [...]

A escravidão negra não deixou herança somente nos ex escravos como salienta Moura,

mas seu legado permaneceu também nas elites e o europeu foi eleito como o trabalhador ideal

para a ascensão econômica e industrial do país. Desse modo, ao mesmo tempo em que o

Brasil passou pela abolição, houve a política de imigração que excluiu qualquer possibilidadede mobilidade econômica dos ex cativos.

O “branqueamento” como ideologia das elites dominantes vai refletir-se nocomportamento da grande parte do segmento não branco da sociedade que começa afugir das suas matrizes étnicas, para mascarar-se com os valores criados paradiscriminá-lo. O negro (...) entra num processo de acomodação, o que irá determinaro esvaziamento de sua consciência étnica, colocando-o assim, como simples objetosdo processo histórico. A herança da escravidão que muitos dizem estar no negro, estáao contrário, nas classes dominantes, que criam valores discriminatórios através dosquais conseguem barrar, dos níveis econômicos, social, cultural e especialmente

existencial, a emergência de uma consciência negra.50 

Essas ideologias de branqueamento das elites dominantes também contaminaram a

população negra do Brasil, pois esta passou a ter vergonha de sua cultura, matrizes étnicas e

49 MOURA, Clóvis. A herança do cativeiro. In: Retrato do Brasil, v. 10, Política, Rio de Janeiro, 1984, p.111.

50 Id., MOURA, Clóvis. 1984, p.111.

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incorporou os valores que o discriminavam. De acordo com Moura51, os “mulatos”5233, que

foram substituídos por mestiços, afrodescendentes ou afro-brasileiros, entraram em um

processo de acomodação e se esvaziaram de sua consciência étnica e a encaravam como mero

objeto histórico. Passaram a se diferenciarem por apresentar pele mais clara e se

autodeterminavam superiores, reproduzindo a ideologia de branqueamento. Ou seja, esses

elementos passaram a adotar hierarquia de cor, quanto mais clara a pele mais se julgavam

superiores aos demais. Surgiu com essa atitude novos adjetivos como “moreno jambo”,

“pardo”, “moreno claro”, e termos similares com o intuito de branqueamento de

diferenciação.

51 Id., MOURA, Clóvis. 1984, p.111.

52 Termo que hoje não é mais empregado por ser um vocábulo racista, onde o cruzamento de um burro com égua, daria a

mula um ser infértil. (Sendo assim, a ideologia racista acreditava que um branco com negro daria um ser infértil o mulato).

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  Imagem 4: Racismo brasileiro do século XIX ao XX. FONTE: MOURA Clóvis. A herança do cativeiro.  In:Retrato do Brasil, v.10, Política, Rio de Janeiro, 1984, p.55-60 & p.109-113.

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A herança da escravidão que muitos dizem estar no negro, está ao contrário, nasclasses dominantes, que criam valores discriminatórios através dos quais conseguembarrar, nos níveis econômico, social, cultural e especialmente existencial, a

emergência de uma consciência negra.53

O processo de desumanização dos índios e negros para sua redução a escravidão deixou

seu legado por séculos, não só nas vítimas como também nas classes dominantes que

impediam a mobilidade social desses grupos étnicos. Para a manutenção do trabalho servil foi

necessário mais que as torturas físicas, pois o colonizador oprimiu e desarticulou a cultura

desses povos.

Desse modo, o Brasil construiu sua identidade cultural homogeneizada com os padrõesimpostos pelas classes dominantes, sendo que esta tinha como intuito primordial dominação

econômica e controle social das classes marginalizadas. As teorias vigentes do final do século

XIX para a formação do país foram vinculadas aos fatores raciais e culturais mais do que aos

políticos e sociais.

Os sentimentos nacionalistas que emergiram no período de formação dos Estados

ignoraram a participação de massas e priorizaram a perspectiva das elites. Gellner (1993)

citado por Branco Vara54, afirma que o monopólio legítimo da cultura agora foi mais relevante

do que o monopólio legítimo da violência, ou seja a essência do nacionalismo estava

estritamente ligada ao centro político da cultura universal que era dominada pela elite.

Entretanto, um fator muito importante ocorreu com a formação dos Estados, segundo

Hobsbawm55 , na constituição de um Estado, este obrigatoriamente tinha que ouvir a opinião

dos cidadãos ou indivíduos que faziam parte deste, pois o novo arranjo político os dava voz e

para que este fosse aceito como legítimo haveria de ter a democratização política.

De acordo com Clóvis Moura (1984), entre 1833 e 1867 surgirá no Rio de Janeiro uma

“impressa mulata”, pois este grupo se autodiferenciavam dos negros por terem a pele mais

clara, estes eram adeptos do nacionalismo e em nenhum momento foram ativistas da luta por

53 Id., MOURA, Clóvis. 1984, p.111.

54 BRANCO VARA, Alberto Manuel. O Nacionalismo dos séculos XVIII, XIX E XX:o princípio construtivo damodernidade numa perspectiva histórico-filosófica e ideológica. Um caso paradigmático: A Alemanha. Homologação noDiário da República, III série, n.º 128.Portugal,1994, p.3.

55 HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismos desde 1780: programa, mito e realidade. Paz e Terra, Rio de Janeiro,1990, p.102.

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culminou o sentimento pan-africanista global e a “questão negra” teve como principal

defensor o caribenho CRL James, o líder jamaicano Marcus Mosiah Garvey que articulou o

movimento” volta para a África”, o cubano Fernando Martinez Heredia citou a necessidade de

desenvolvimento de estudos sobre os afro-caribenhos. Em relação ao anticolonialíssimo

francês se destacou o intelectual Martinica Frantz Fanon.

Enquanto isso, no Brasil até o presente momento nenhuma ação de inclusão dos ex-

escravos e descendentes aos meios de produção e cultura havia sido tomada. Em São Paulo a

expansão industrial consumia mão de obra imigrante em maior escala em detrimento da mão

de obra negra, que foi atraída pelo crescimento do Estado, e terminou por ficar em situação

deplorável. Velasco59, afirma que no final do século XIX e início do século XX uma espécie

de “morte social” afligia os negros em decorrência do descaso, imobilidade social em que se

encontravam, os fazia sentir-se inferiores e mesmo já não sendo escravos agiam como se o

fossem.

59 VELASCO, Bárbara M. de. “MORTE À RÉ...PÚBLICA” – FRENTE NEGRA BRASILEIRA: MONARQUISMOPAULISTA NO SÉCULO XX.Congresso Internacional de História. 9-11 set, Maringá, Paraná, Brasil, 2009. p. 2396.

 

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2.2 Os movimentos culturais políticos negros

O veículo que passou a organizar os afro-brasileiros e ex-escravos foi a cultura, surgiram

diversas associações e grêmios esportivos no país e grupos culturais e assistenciais. A partir

desses meios de contatos foi possibilitada a organização social em prol de direitos. Petrônio

Domingues60 (2004, p.60) cita Bastides (1951), essas associações conseguiram aglutinar um

número expressivo de negros em seus eventos. Simultaneamente, apareceu o que se

denominou posteriormente imprensa negra:  jornais publicados por negros e voltados paracomunidade negra”.

Em 1926 foi inaugurado o Centro Cívico Palmares, que através da cultura e

conscientização política, combateram a discriminação étnica. No entanto em 1929, essa

associação foi fechada por mudança de endereço do fundador, os ex-integrantes que ainda

mantinham contato por causa do jornal negro O Clarim d' Alvorada, fundaram no ano de 1931

a FNB (Frente Negra Brasileira) em São Paulo.

Na rua da Liberdade,196, foram montadas escolas primárias, de línguas e de música.“O objetivo primordial era estimular o ingresso dos negros nas escolas superiores dosaber em todos os níveis”. As palavras de Francisco Lucrécio são confirmadas pelopróprio presidente da Frente; segundo o pesquisador Petrônio Domingues, ArlindoVeiga dos Santos seria uma das primeiras vozes brasileiras a exigir da repúblicapolíticas públicas em benefício da população negra que, pela escravidão, sofreria de“entorpecimento cultural”61

A Frente Negra Brasileira tinha como liderança Arlindo Veiga dos Santos, além de atuar

em prol dos direitos civis dos negros e de sua cultura, conquistaram adeptos em diversosestados brasileiros entre estes Abdias Nascimento. De acordo com Domingues62, a FNB no

auge chegou agregar 30 mil militantes e por certo tempo foi um movimento popular.

60 DOMINGUES, Petrônio.”Paladinos da Liberdade”. A experiência do Clube Negro de Cultura Social de São Paulo.(1932-1938). Revista e História.n.50, 1 sem. 2004.p, 57-79.

61 VELASCO, Bárbara M. de. “MORTE À RÉ...PÚBLICA” – FRENTE NEGRA BRASILEIRA: MONARQUISMOPAULISTA NO SÉCULO XX.Congresso Internacional de História. 9-11 set, Maringá, Paraná, Brasil, 2009. p. 2396.

62 DOMINGUES, Petrônio.”Paladinos da Liberdade”. A experiência do Clube Negro de Cultura Social de São Paulo.

(1932-1938). Revista e História.n.50, 1 sem. 2004.p, 57-79.

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Enquanto Chefe-Geral patrianovista, Arlindo Veiga dos Santos expedia boletinspropagandísticos nos quais abertamente declarava que a culpa pelos males causadosà raça negra não seria por outro motivo que não a república implantada por uma elitefalsamente branqueada. O golpe de 1889 havia transformado o país em um“brasilzinho ridículo liberal judeo-maçônico-republicano e traidor”.63 

No ano de 1936 a FNB se tornou um partido político, Arlindo Veiga dos Santos defendia

explicitamente as ideias fascistas da Europa e sua oposição ao comunismo, neste mesmo ano

foi derrotado nas eleições. Os membros do FNB que não aceitaram os rumos fascistas do

movimento fundaram em 1932 o Clube Negro de Cultura Social (CNCS). Uma entidade

democrática que elegeu seus líderes através de eleições e possibilitou aos seus membros a

prática de esportes, música, leitura de poemas, teatro e outras atividades.

A gente lutava para conscientizar o negro que ele era quem tinha que advogar suacausa, não esperar que alguém viesse advogar sua causa, não esperar que alguémviesse advogar por ele. Já sabíamos que ninguém vinha tratar do desamparo, do erroda abolição. E não deixávamos de reivindicar os direitos que o negro tinha emdenunciar os prejuízos sofridos. A gente tinha de lutar... e foi o que a gente levou

para o Clube Negro de Cultura Social.64 

A cultura para o CNCS estava como o alcorão para o muçulmano, ou seja, era posta como

fundamental para o dia a dia da entidade, Petrônio Domingues afirmou que as práticas

culturais era uma importante tática de conscientização de seus membros. No ano de 1937,

Getúlio Vargas reprimiu diversas entidades políticas, inclusive as associações negras, pois

segundo a corrente elitista não havia racismo no Brasil, sendo assim esses movimentos eram

infundados e perigosos para a integração nacional.

Por isso, após as comemorações do Cinquentenário da Abolição, o Clube Negro deCultura Social foi arbitrariamente fechado pelos órgãos de repressão do regimeditatorial do governo de Getúlio Vargas. Na verdade, a polícia política aindapermitiu que o Clube continuasse a funcionar, mas fez duas exigências: a supressãodo termo negro e o fim das atividades políticas. Após a desmobilização dos últimos

63 VELASCO, Bárbara M. de. “MORTE À RÉ...PÚBLICA” – FRENTE NEGRA BRASILEIRA: MONARQUISMOPAULISTA NO SÉCULO XX.Congresso Internacional de História. 9-11 set, Maringá, Paraná, Brasil, 2009. p. 2401.

64  CORREIA LEITE, José,1992, p.118. Apud In DOMINGUES, 2004, p.64.

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militantes, o Clube Negro de Cultura Social foi extinto, em definitivo, meses depois.A última festividade de monta da entidade foi a comemoração de aniversário,naquele mesmo ano, de sua fundação. Primeiramente, realizou-se um sensacional

espetáculo teatral, literário e musical. A partir de meia noite aconteceu umconcorrido baile, que se estendeu até às 4 horas da manhã, no Salão do Paulistano,na Rua da Glória.65

Os movimentos negros que ganharam força no Brasil no final da década de 1920 foram

impulsionados pela capacidade de articular os indivíduos através da cultura, o grande dilema

dessas associações era o fato de serem pulverizadas por diferenças partidárias e ideológicas.

Sendo estas muitas vezes mais significativas para estes do que o que tinham em comum, a luta

contra a discriminação racial.Abdias Nascimento nascido em 14 de março de 1914 na cidade de Franca, São Paulo.

Filho de sapateiro e doceira, se destacou como poeta, pintor, escultor, ator, escritor, político,

Professor Emérito da Universidade de Nova Iorque e Doutor Honorius Causa pelas

Universidades de Brasília, Rio de Janeiro e Federal da Bahia. Sua trajetória na luta pelos

direitos dos negros foi importantíssima para a sociedade e Abdias também se utilizou da

cultura para articular militantes na causa negra.

No final da década de 1930, Abdias participou do grupo teatral Santa Hermandad 

Orquídea. No ano de 1941, quando estava em turnê pela América do Sul, no Peru assistiu a

uma peça onde o protagonista negro era interpretado por um ator branco pintado de preto.

Sentiu-se indignado e identificou que o racismo não era manifestado somente nos palcos do

país que estava visitando, mas sim em todos os países ocidentais.

Ao retornar ao Brasil, criou um grupo teatral negro, para inserir essa parcela tão excluída

dos meios culturais. Abdias resistiu a discriminação racial que encontrou em sua turnê e foi

condenado a revelia e ao desembarcar em São Paulo no ano de 1942 foi preso.

Abdias não desistiu de seu objetivo de criar um teatro para os negros, convenceu o diretor

penitenciário em aprovar seu projeto, e fundou o Teatro do Sentenciado. Os presos escreviam

os textos e os interpretava. Abdias permaneceu por cerca de dois anos em prisão.

Em 1944 fundou o (TEN) Teatro Experimental do Negro com o intuito de através das

artes cênicas valorizarem o negro. A seleção de elenco do TEN por si só já era uma quebra de

paradigmas, buscou proletários, empregadas domésticas e pessoas que viviam no lumpesinato.

65  DOMINGUES, Petrônio.”Paladinos da Liberdade”. A experiência do Clube Negro de Cultura Social de São Paulo.

(1932-1938). Revista e História.n.50, 1 sem. 2004.p, 76.

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Estes para terem condições de interpretarem nos palcos, necessitavam serem alfabetizados

pelo TEN para ensaiarem seus textos.

As aulas ocorriam no prédio da União Nacional dos Estudantes, localizado na Praia do

Flamengo, coordenadas e ministradas por Abdias Nascimento, Ironildes Rodrigues e

Aguinaldo Camargo. Os atores não aprendiam somente a ler, mas sim a ver de forma crítica o

espaço que a sociedade reservava aos afro-brasileiros.

"O recrutamento das pessoas era muito eclético. Queríamos gente sem qualquertarimba, pois tarimba de negro no teatro se restringia ao rebolado ou às palhaçadas.Veio gente humilde dos morros.”66

Segundo Flávio 67, Abdias desejava inaugurar o TEN no Teatro Municipal do Rio de

Janeiro, que era um espaço onde os negros não tinham acesso aos palcos, tampouco a plateia.

Um mestiço ou negro quando tinha acesso era como trabalhador braçal, jamais como produtor

ou consumidor de cultura. Por estes motivos, Abdias Nascimento intercedeu pela estreia no

teatro municipal do Rio no ano de 1945, à comissão de Getúlio Vargas. Deferida pelo

Presidente, a estreia foi escolhida para o dia 8 de maio de 1945.

Além da forte atuação nos palcos, o TEN se engajou na luta das mulheres negras com a

Associação das Empregadas domésticas e o Conselho Nacional de Mulheres Negras. Abdias

Nascimento publicou o jornal Quilombo, com a missão de denunciar discriminações, apoiar

organizações afro-brasileiras e o trabalho dos ativistas negras brasileiros.

Em 1950, o TEN organizou o 1º Congresso do Negro Brasileiro, como protesto aos

eventos promovidos pelos acadêmicos que inseriam o negro como objeto de estudo, sob seus

aspectos culturais, como “exóticos”. No entanto nenhuma dessas discussões mencionou a

realidade social a qual estes indivíduos se encontravam. De acordo com Nascimento (p,133),

em 1937 no 2º Congresso Afro-brasileiro, um afrodescendente que estava presente se

indignou com esta postura e trás a tona a realidade silenciada.

66  Teatro Experimental do Negro (TEN) e Abdias Nascimento. Disponível em: <http://www.ipeafro.org.br/home/br/acoes/32/43/ten/#.UB3XgWAeF75 > Acesso dia: 05/08/2012

67 FLÁVIO,Ângelo. ABDIAS NASCIMENTO: UMA UTOPIA POSSÍVEL.Repertório, n.17,Salvador, 2012. p.190-194.

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O Congresso Afro-brasileiro deveria assinalar como é lamentável a condição do

negro no Brasil. O Congresso Afro-Brasileiro deveria dizer ao negro que olinchamento social é pior que o linchamento físico. O Congresso Afro-Brasileirodeveria quebrar a algema da opressão. O Congresso Afro-Brasileiro deveria dizer aonegro que ele está morrendo de tuberculose, do trabalho pesado, de carregar fardos etristeza. O Congresso Afro-Brasileiro deveria lembrar ao negro que ele é selecionadopara as mais baixas ocupações. O Congresso Afro-Brasileiro deveria perguntar aonegro quanto tempo ele ainda quer ser escravo.68

 O Golpe Militar de 1964 permite a censura proibir as atividades do TEN e dois anos mais

tarde o movimento foi praticamente extinto. Em 1968 com o AI-5, Abdias Nascimento foi

exilado sob alegação de possuir ligação com o grupo de esquerda.Na condição de exilado Abdias passou a militar nos movimentos Pan-africanistas, foi

recebido nos Estados Unidos por Sr. Bobby Sale, presidente e fundador do movimento

Panteras Negras69  e teve contato direto com Stokely Carmichael fundador do movimento

 Black Power.70

Abdias Nascimento se reuniu com outros intelectuais como Hamilton Cardoso e Leila

Gonzáles no ano de 1978, para articularem os movimentos negros brasileiros e debaterem o

que se pretendia para o dia 13 de maio. Esses diálogos possibilitaram a unificação dosmovimentos negros do país. Essa integração foi feita com influência do movimento

nacionalista negro americano  Black Power . Ou seja, a luta contra a discriminação étnica

negra no Brasil foi gerada a partir do surgimento do nacionalismo negro norte-americano.

Essas influências estrangeiras foram positivas pelo fato de resgatarem e articularem os

indivíduos oprimidos pelo racismo institucionalizado, apesar deste despertar não ser provido

de uma identidade negra brasileira. A partir da mobilização dos movimentos negros no ano de

1978 houve a fusão destes e surgiu o Movimento Negro Unificado (MNU).

A criação do MNU tornou-se um marco na história do movimento negro no Brasil, porque

tinha como estratégia propor a unificação da luta de todos os grupos e organizações

68 UM CIDADÃO NEGRO ANÔNIMO. Apud in NASCIMENTO, Elisa Larkin. Cultura em Movimento. Matrizesafricanas e ativismo negro no Brasil. Selo Negro, São Paulo, 2008, p.133.

69 Panteras Negras foi um partido político americano, fundador em outubro de 1966 por negros da cidade de Oakland,Califórnia. Estes reivindicaram e lutavam pelos direitos dos cidadãos locais. Contestavam o racismo e a condição social aque a sociedade branca e estado os impunha.

70  Black Power nacionalismo negro americano que defendia a ideia de uma “identidade coletiva negra” acima das divisões.

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antirracistas em um movimento nacional, objetivava também agregar a luta desse movimento

unificado com a de todos os oprimidos da sociedade.

As bandeiras de luta do MNU foram a desmistificação da ideologia da democracia racial,

articulação e politização da população negra, organização dos trabalhadores negros e pobres,

inclusão da história da África e do negro no currículo escolar e a busca de apoio internacional

contra o racismo. Desde 1960, a articulação dos negros foi proporcionada por fins culturais e

ideológicos, pois a cultura e ideais em comum permite que indivíduos se politizem e

consequentemente passem a lutar por seus direitos e a serem autores de uma revolução

cultural e social.

O TEN formulou um Congresso científico para debater a situação do negro brasileiro,

contudo, sem está fundado somente com teorias, mas com enfoque em soluções. De acordo

com Nascimento71, foram convidados para investigarem a problemática não só acadêmicos,

como também líderes de movimentos sociais afros do Distrito Federal. Além de coletar dados

com a comunidade, Abdias evidenciava aos excluídos sua condição de meros objetos de

estudo, por grupos antropológicos, sociológicos e étnico-centristas. A organização de um

Congresso por negros era uma resposta ao anônimo de 1937, demonstrando que os

afrodescendentes não eram simples sujeitos passivos em análise, mas sim sujeitos ativos na

busca de dignidade e melhores condições sociais..

O Congresso Nacional do Negro Brasileiro, foi o primeiro evento científico a discutir de

forma concreta a temática negra, foram abordados assuntos relacionados a educação, saúde,

discriminação, organização trabalhista, prostituição, racismo na escola e outros.

No mesmo período de efervescência de mobilização dos movimentos sociais negros é

resgatada a memória do herói Zumbi. De acordo com Nobre72,a saga palmarina se tornou na

história brasileira um exemplo de grande significado, pois por um século e meio enfrentou aocolonialismo português com vitórias, munidos de artefatos bélicos e táticas de guerra

comparáveis a de exércitos bem estruturado de outras sociedades daquele período.

Outro fator muito interessante da sociedade palmarina, que demonstrou a importância da

cultura na articulação indivíduos de um mesmo grupo étnico foi a forma com a qual a

71 NASCIMENTO, Elisa Larkin. Cultura em Movimento.Matrizes africanas e ativismo negro no Brasil. Selo Negro, SãoPaulo, 2008

72 NOBRE, Carlos. Palmares: uma percussão política de quatro séculos na história brasileira. Revista NEGRA: Socialismo

e Liberdade. Ed 6, ano 3, Fundação Lauro Campos, agos. 2011, p.35-42.

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sociedade palmarina se integrou. Nobre (2011, p.36), cita Carneiro (Antologia de Negro

Brasileiro, 2000), segundo o autor, escravos fugitivos da etnia jaga, de angola, começaram a

estabelecerem uma povoação em um amplo território na serra da Barriga, entre Alagoas e

Pernambuco entre 1596 a 1716. Estes construíram um modo de vida alternativo ao sistema

colonial, resgataram a cultura de sua terra ancestral e se organizaram no mato por meio de

criação de choças, cultivo de mandioca e frutas, pesca e caça.

Entretanto, apesar da articulação dos fundadores de Palmares ser propiciada por

indivíduos que detinham a mesma cultura, estes não se isolavam das demais etnias. Com o

passar dos tempos a população do Quilombo em termos étnicos e culturais era completamente

sincrética, pois se encontrava africanos de diferentes etnias, afro-brasileiros, mamelucos,

índios, brancos pobres e mestiços.

É importante que indivíduos detentores de mesma cultura se reconheçam como tal e se

articulem, entretanto para que sejam bem-sucedidos é necessário que estes criem alianças com

outros grupos étnicos e sociais. Essa foi uma das estratégias de palmares, já o grupo étnico

Hauçá, de negros islâmicos que foram responsáveis pela revolta de Malês, não obtiveram

sucesso e encontram-se poucos vestígios de sua cultura em manifestações brasileiras devido

ao seu isolamento cultural.

Outro exemplo de articulação social negra contestatória ao sistema colonial escravista,

propiciada pela identificação cultural e étnica dos indivíduos e ao mesmo tempo foi sincrética

foram as congadas. Nos países América que tiveram um passado em comum de escravismo

negro, possuem reis e rainhas do congo.

No Brasil os festejos de congadas possuem nomes diversos, conforme o regionalismo

como congadas, congados, congos, cucumbus, maracatus, Moçambique e quilombos. Para os

afro-brasileiros estas manifestações são um elo entre estes, os pretos velhos e suaancestralidade.

Outrora, para os escravizados e os negros libertos, as congadas tinham o papel de

fortalecimento de laços com sua terra ancestral. Atualmente as manifestações de congos tem o

papel de resgate de memória e identidade e os liga a seus ancestrais africanos. As congadas

brasileiras, possuem características únicas só encontradas no Brasil.

Além do papel de ancestralidade e resgate cultural que as congadas representaram outrora

e atualmente continuam a representar. Esses festejos tiveram o papel de articulação social dos

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negros que contestavam o escravismo. As festividades se principiaram no século XVII, os

representantes do rei do congo eram eleitos pelas irmandades negras (as irmandades leigas

eram formadas por negros católicos). Os reis do congo tinham o papel de líder na sociedade

escrava e participavam de festejos públicos, a liderança desses reis ia além das festividades,

pois muitos eram os comandantes em rebeliões, mocambos e quilombos.

Quando certos africanos chegaram ao Brasil como escravizados o processo demisturar as culturas continuou. E essa mistura cultural nas comunidades de certosafricanos no Brasil evidencia a retenção da tradição, a tradição da adaptação dosescravizados e negros livres na sociedade brasileira formaram culturas políticascapitaneadas por um rei e organizadas hierarquicamente em torno de uma variedade

de elementos culturais e religiosos. A adaptação não destruiu a cultura africana. Pelocontrário, permitiu a cultura centro-africana prosperar –indicando a existência deuma cultura que estava prestes a desaparecer.73 

Nota-se então que é necessário o resgate e preservação cultural, entretanto essa cultura

não deve se isolar das demais e sim interagir com as demais para se manter dinâmica e ganhar

novos aliados, o que ocorre na sociedade palmarina e nos festejos de congadas. Quanto ao

sincretismo da cultura dominante católica nas congadas tinha significação diversa para

dominador e dominados.

Para o colonizado o coração dos reis do congo era um triunfo do etnocentrismo sob a

cultura africana. Pois acreditavam que o poder dos reis do Congo era fictício, generalizavam a

etnias dos reis somente a região do Congo, contudo eram diversas etnias. Associavam os

festejos a conversão do rei do Congo no século XV, o que para os europeus era a vitória do

catolicismo às religiões nativas africanas.As congadas sob o ponto de vista do dominador

representava a aceitação dos negros a condição de servidão e dominação cultural.

Para os dominados a coroação dos reis do congo representava a continuidade da cultura

centro-africana no Brasil. Conforme passa o tempo a celebração de congadas transmuta-se em

distintivo étnico e identidade afro-brasileira. Outro fato muito importante é que para os reis do

congo africano o cristianismo era interpretado como uma extensão de seus domínios, já os

congoleses entendia os objeto materiais da fé católica como talismãs que afastavam feitiçaria.

73  HEYWOOD, Linda M. Diáspora Negra no Brasil. E. Contexto. São Paulo. 2009, p.105-107.

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Essa interpretação africana sobre o catolicismo segundo Heywood (2010), não foi somente no

congo, como também em Luanda, Benguela e diversas outras regiões da África central.

No ano de 1970, Zumbi dos palmares foi personificado herói negro. Ou seja, após dez

anos da historiografia resgatar a figura de Zumbi, este se transformou em  parte da cultura

imaterial dos afro-brasileiros, pois estes passaram a relacionar a figura do Zumbi a resistência

negra a opressão social e cultural do povo negro do Brasil. Sendo assim, em 1970 o

movimento negro passou a se articular e se fortalecer e elegeu Zumbi como ícone de denúncia

ao racismo.

Como fora mencionado anteriormente, em 1978 a partir da articulação dos movimentos

negros do Brasil, surgiu o Movimento do Negro Unificado, e que instituíram o 20 de

novembro (data em que o Zumbi foi derrotado e morto por Domingos Jorge Velho), como dia

da Consciência Negra.

Em 1986, o movimento negro do partido político PDT pleiteava ao então governador do

Rio de Janeiro, Leonel Brizola um monumento a Zumbi dos Palmares. Este atende a

solicitação, foi inaugurada próxima a Central do Brasil, sendo o primeiro monumento

brasileiro dedicado ao líder negro que lutou pelos direitos dos negros escravizados. De acordo

com Nobre (2011, p.40), o nome de Zumbi e os feitos por ele ainda eram desconhecidos por

grande parcela da população brasileira.

No ano de 1988, a Abolição da Escravatura completava 100 anos. Neste ano a cultura

imaterial da figura do líder Zumbi dos Palmares foi integrada com maior intensidade pela

população afro-brasileira.

A escola de samba do Rio de Janeiro Unidos da Vila Isabel no ano de 1988 teve um

incêndio em seu barracão, perdendo carros alegóricos e fantasias. Contudo, a agremiação

mesmo com dificuldades em concorrer fez um desfile memorável, a arquibancadaemocionada acompanhava a passagem da escola e em seu coro cantavam “Valeu Zumbi”. A

Vila Isabel que neste ano fez uma homenagem a Zumbi dos Palmares com o samba enredo:

“Kizomba74-Festa da Raça” foi campeã do Rio de Janeiro.

74 Kizomba na língua da etnia quimbunda significa festa.

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Kizomba –Festa da Raça

Valeu Zumbi!

O grito forte dos Palmares

Que correu terras, céus e mares

Influenciando a abolição Zumbi Valeu!

Hoje a Vila é Kizomba

É batuque, canto e dança

Jongo e Maracatu

Vem menininha pra dançar o caxambuVem menininha pra dançar o caxambu

Ôô, ôô, Nega Mina75

Anastácia não se deixou escravizar

Ôô, ôô, Clementina

O pagode é partido popular

O sacerdote ergue a taça

Convocando toda a massaNeste evento que congraça

Gente de todas as raças

Numa mesma emoção

Esta Kizomba é nossa Constituição

Esta Kizomba é nossa Constituição

Que magia

Reza, ajeum 76

Dos orixás

Tem a força da cultura

Tem a arte e a bravura

E tem um bom jogo de cintura

Faz valer seus ideais

75 Nega Mina: Mulher negra que veio da região da Costa da Mina da África Central

76 Ajeum: É a refeição das divindades, palavra da etnia ioruba/nagô, esta palavra pode ser entendida também como

alimento.

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E a beleza pura dos seus rituais

Vem a lua de Luanda

Para iluminar a rua

Nossa sede é nossa sede

De que o Apartheid 77

Se destrua

Valeu Zumbi

Valeu Zumbi

Valeu!

Ainda em 1988, mas precisamente em 11 de maio o MNU organizou a I Marcha contra o

Racismo no Rio de Janeiro, houve articulação com movimentos comunitários, estudantis e

sindicais, entretanto foi um movimento apolítico e bandeiras que representassem partidos não

foram erguidos na marcha. O objetivo da I Marcha contra o Racismo era relacionado as

comemorações do centenário da abolição, que segundo os militantes era uma farsa. Foram

mobilizados mais de 20 mil participantes e o trajeto previsto era seguir o percurso da

Candelária à Central do Brasil.

Entretanto, mesmo após quatro anos de o Brasil ter saído do período da ditadura e ser um

Estado democrático, o I Comando Militar do Leste montou aparato repressivo com militares

das Forças Armadas e da força policial do Estado para impedir o deslocamento da Marcha.

Segundo Makaíba78, a alegação dos repressores era que os manifestantes depredariam a

estátua de Duque de Caxias (localizada na Presidente Vargas em frente à sede do I Comando

Militar do Leste). Neste período Moreira Franco era governador do Rio de Janeiro e dá ordensao secretário de polícia civil, Hélio Saboya de informar aos militantes da Marcha de que a

polícia proibia que a manifestação ocorresse.

77  Apartheid: foi um sistema discriminatório que ocorreu na África do Sul aos cidadãos negros do séc. XX, onde apopulação branca marginalizava os negros.

78 MAKAÍBA, Mario, Revista NEGRA: Socialismo e Liberdade. Ed 6, ano 3, Fundação Lauro Campos, agos.20112011,

p.46).

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Horas antes do início da marcha, os militares cercaram e puseram abaixo o palanque

montado em frente à Central, enquanto, a polícia reprimia e prendia vários militantesque saíam dos trens com faixas e cartazes, chegando ao subúrbio e da baixadaFluminense para a concentração da marcha no inicio da Presidente Vargas naCandelária, onde havia um grande número de policiais. Diante dessa situação,mesmo com a disposição dos militantes para enfrentar o cerco repressivo, no intuitode evitar um conforto com a repressão que pusesse em perigo os participantes damarcha, o comando da manifestação orientou os militantes a seguirem com apasseata somente “até onde o racismo deixar”. 79

O que, de fato, levara os militares a reprimir a nossa manifestação? Uma resposta

inicial era a perplexidade com o grau de mobilização alcançado pelo MovimentoNegro (eles possuíam informações). Dificilmente poderiam controlar o evento com aenvergadura que adivinhavam. Mas é claro que não era apenas isso. Conversasposteriores deixavam patente o racismo. A maioria deles não perdoaria a "ousadia"do Movimento Negro. Afinal, "o centenário da Abolição deveria ser festivo,comemorando a integração racial.” As reclamações desses negros não têm sentido,são antipatrióticas... Além disso, aquela postura ideológica percebia outrasimplicações. Pela primeira vez, o percurso da marcha invertera o sentido usual dasmanifestações políticas -seguíramos na mesma direção do "mar de gente" queabandona a cidade no horário do rus (da Candelária à Central), o que potencializariaa nossa manifestação, ampliando o alcance de nossas mensagens e o nosso êxito.Ainda mais que finalizaríamos, em grande estilo, no maior ponto de circulação demassa do Rio de Janeiro.80

Mesmo com toda repressão sofrida, a I Marcha contra o Racismo ocorreu em 11 de maio

de 1988 e os 20 mil manifestantes mobilizados bradavam e traziam faixas com a frase do

samba-enredo ganhador do Rio de Janeiro daquele ano “Valeu Zumbi!” A Marcha teve

repercussão nacional e internacional e a constituição de 1988 passou a encarar o racismo

como crime inafiançável.

Ao analisar a forma com a qual o negro foi reduzido a escravidão, nota-se que ocolonizador não se usa somente da violência física, ele desarticulou famílias, grupos étnicos,

proibiu e satanizou culturas e aculturou esses indivíduos. Todos esses procedimentos foram

tomados pelo fato do colonizador ter consciência de que quando os elementos se reconhecem

79 Texto publicado em 1998 pelo jornal impresso Questões Negras, do Rio de Janeiro. Disponível em:http://aldeiagriot.blogspot.com.br/2008/11/marcha-que-mudou-o-movimento-negro.html http://aldeiagriot.blogspot.com.br

80 Texto publicado em 1998 pelo jornal impresso Questões Negras, do Rio de Janeiro. Disponível em:

http://aldeiagriot.blogspot.com.br/2008/11/marcha-que-mudou-o-movimento-negro.html http://aldeiagriot.blogspot.com.br

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como portadores do mesmo grupo, mesma cultura e ideais e estes tendo a possibilidade de

praticarem suas manifestações se tornariam uma ameaça ao sistema colonial, pois os negros

se articulariam de forma organizada para contestar a escravidão.

Com o fim do sistema escravista no Brasil e com a construção da identidade nacional

brasileira, a cultura negra mais uma vez foi marginalizada. Sendo somente a partir do

surgimento das agremiações e associações culturais negras que estes indivíduos passaram a se

conscientizarem do papel que o negro tinha na sociedade, organizaram partidos políticos e

movimentos negros contestatórios ao racismo e abandono social imposto ao afro-brasileiro.

Prova-se então o importante papel da valorização e vivência da cultura para os grupos

sociais, pois o sentimento de pertencimento e identidade que as manifestações culturais criam,

nos indivíduos faz com que estes mobilizem em prol de mudanças sociais para seu grupo. A

cultura imaterial é a ferramenta mais importante para motivar esses cidadãos, ao se analisar as

revoluções que ocorreram na história da humanidade essas sempre foram movidas por

ideologias, sentimento de pertencimento a um grupo, por mitos e diferenças culturais. Sendo

assim é preciso que exista o incentivo da preservação e continuidade das diferentes expressões

culturais, mas com o cuidado de não se gerar conflitos maiores do que os já existentes.

Dessa forma é necessário que exista um veículo eficaz de comunicação entre diferentes

expressões étnicas e culturais que possibilite o intercâmbio, entendimento e identificação de

similaridades. No mesmo século em que as nações construíam seus nacionalismos e

identidades, surgiu o termo “turismo”. A partir do século XIX, os deslocamentos de

indivíduos motivados por fins culturais e de lazer foi incorporada como uma Ciência Social e

devido a esta proporcionar o contato entre diferentes povos, esta pode ser veículo de

entendimento e vitrine das diferentes culturas.

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CAPÍTULO 3. TURISMO E CULTURA AFRO-BRASILEIRA.

3.1 A Relação Cultura e Turismo

As motivações que proporcionam o deslocamento dos indivíduos e os tornam turistas são

diversas, sendo principalmente relacionadas aos atrativos que a localidade oferece, que

perpassa as características paisagísticas do ambiente e infraestrutura disponível para

permanência do visitante.De acordo com Rodrigues,81,o turismo é um produto da sociedade

capitalista industrial e se desenvolveu por inúmeros motivos, entre estes o consumo de bens

culturais. Dessa forma, o patrimônio cultural é determinante nesta escolha. Ainda de acordocom a autora “A palavra patrimônio indica uma escolha oficial, o que envolve exclusões;

também significa algo construído para ser uma representação do passado histórico e cultural

de uma sociedade”.

Ao longo da história a palavra patrimônio representou diversas significações.

Originalmente tinha relação com herança familiar de bens materiais. Na França, século XVIII,

era associada a proteção de bens públicos por parte de órgãos constituídos, quando o poder

político francês tomou as primeiras medidas de proteção aos monumentos de valor para a

história de nação, com o intuito de contribuir um passado comum para a nação.

No século XIX, o termo patrimônio se relacionava ao movimento mundial dos países que

construíam seus nacionalismos, com o intuito de alicercearem uma identidade homogênea dos

povos que ocupavam um mesmo território. Neste período foi imposta a adoção de uma mesma

língua e cultura nacional, sob ponto ideológico de uma elite dominante em detrimento dos

demais grupos étnicos, sociais e religiosos.

O Brasil, ao construir seu nacionalismo, os negros, indígenas e mestiços foram retratados

apenas como trabalhadores e não como produtores e consumidores de cultura. Criando um

grande abismo entre estes grupos e o patrimônio cultural, visto que não se reconheciam como

parte deste. Na década de 1930, Getúlio Vargas ao instituir o Estado Novo criou o Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), com intuito de inventariar os bens

culturais, nacionais e desenvolver pesquisas, tombamento e projetos que visassem proteger e

81 RODRIGUES, Marli. Preservar e consumir o patrimônio histórico e o turismo. Turismo e Patrimônio Cultural.FUNARI, Pedro Paulo e PINSKY, Jaime. Contexto, São Paulo, 2009.

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incentivar a cultura material e imaterial brasileira. Em 30 de novembro de 1937, o IPHAN foi

instituído por intelectuais brasileiros, o órgão é uma autarquia federal vinculada ao Ministério

da Cultura.

Em paralelo ao movimento nacionalista de Getúlio Vargas da década de 1930, ocorre a

articulação através da cultura dos grupos sociais negros em busca de melhores condições em

relação a situação do negro brasileiro. Enquanto estes se fortaleciam a atividade turística

passava a identificar a necessidade de ampliar sua oferta turística em incorporar gastronomia,

manifestações populares, arquitetura diversas, artesanato e outras formas de expressão

cultural.

Ao contrário do século XIX e final do século XX, a cultura passou a ser vista e almejada

de forma heterogênea. Os grupos sociais marginalizados que se articularam em decorrência de

suas identificações étnicas e culturais se politizavam e passavam a lutar pelos seus direitos de

expressão cultural e direitos sociais. A Ciência Social do Turismo que se principiou no século

XIX, acompanhou as mudanças ideológicas globais e passou a mercantilizar a cultura.

No início do século XIX o turismo era uma atividade exclusiva das elites quando

denominado cultural, era associado a cultura erudita, as ferrovias possibilitavam o

deslocamento com maior rapidez. Entretanto, os vagões dos turistas eram verdadeiros hotéis

de luxo que os isolavam de qualquer contato com outras classes sociais menos favorecidas.

Quando um visitante se aventurava a conhecer a cultura nativa, estava acompanhado de um

guia que o protegia de uma relação mais direta com os cidadãos locais, muitos desses

viajantes eram pesquisadores que estavam desenvolvendo suas teses. O resultado dessa falta

de envolvimento direto com a comunidade nativa e cultura que eram os objetos de pesquisa

foram as teorias sociais e raciais sem fundamentação que são desenvolvidas neste período.

Os meios de transporte evoluíram e permitiram que maiores distância e fronteiras fossemdesbravadas, o turismo se beneficiou desta evolução. Contudo, não houve a intenção de

intercâmbio dos empreendedores da atividade turística com as comunidades, levavam para as

localidades os padrões culturais europeus, empreendimentos turísticos foram erguidos

descaracterizando a paisagem local, a cultura do visitante foi preterida.

Da mesma forma que o cinema, a moda e a música globalizavam e padronizavam a

cultura sob o aspecto do grupo social político dominante, a atividade turística também seguiu

esse preceito. Os consumidores da atividade vivenciavam sua cultura estando em uma

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localidade completamente alheia aos seus padrões, pois ao invés do turismo propor o

conhecimento entre distintos, este objetivava ocasionar a homogeneização.

“Em seu aspecto decadente, a burguesia nacional será consideravelmente ajudadapelas burguesias ocidentais que se apresentavam como turistas enamorados doexotismo, das caçadas, dos cassinos. A burguesia nacional organizava centros derepouso e recreação, lugares de divertimento da burguesia ocidental.... Os cassinosde Havana, do México, as praias de Rio, as meninas brasileiras, as meninasmexicanas, as mestiças de treze anos, Acapulco, Copacabana, são estigmas dessadepravação da burguesia nacional... a burguesia nacional assumirá o papel degerente das empresas do Ocidente e praticamente converterá seu país em lupanar daEuropa” 82

A primeira tentativa de aproximação do Turismo com o patrimônio Cultural no

Brasil ocorreu em 1964. O Estado passou a intervir no campo cultural e em 1967 o país

participou de um encontro no Equador promovido pelo departamento de Assuntos Culturais

da Organização dos Estados Americanos (OEA).

O encontro resultou na confecção da Carta de Quito, que salientava a importância de

projetos que valorizassem o patrimônio nacional em harmonia com a atividade turística. O

Estado em 1970 mobilizou-se para recuperar o patrimônio material de cidades históricas,sendo todas essas ações motivadas com intuito de retorno econômico, pois a atividade

turística passava a ser visada como geradora de renda aos núcleos receptores. Essa primeira

tentativa não foi bem-sucedida, devido condições de preservação de muitos equipamentos e

por falta de profissionais habilitados para recepcionarem o turista, visto que nesse período a

ciência Turismo ainda “engatinhava” no Brasil.

Atualmente no site do IPHAN e do Ministério da Cultura, encontram-se inventariados os

bens culturais imateriais divididos por estados brasileiros. Todos estes patrimônios sãomanifestações culturais de grupos étnico sociais que outrora eram exclusos e não

considerados produtores da cultura. Dentre esses bens materiais, encontra-se catalogadas

manifestações de matrizes afro-brasileiras.

O IPHAN e o Ministério da Cultura83 possui um banco de dados onde o pesquisador

82 FANON, Frantz. Os condenados da terra. 1968 Apud In Máo Jr, José Rodrigues. A Revolução Cubana e a QuestãoNacional (1868-1963). Núcleo de Estudos D’O Capital, São Paulo, 2007, p. 79.

83 BRASIL. Ministério da Cultura.Disponível em:< http://portal.iphan.gov.br/bcrE/pages/indexE.jsf > Acesso

em:23/11/2012

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encontrará por estado brasileiro cada bem cultural tombado, anexos, fotos, vídeos, sons e

história de cada manifestação cultural. Dentre as manifestações afro-brasileiras, foram

inventariadas seis manifestações sendo estas:

• Maranhão – Tambor de crioula do Maranhão;

• Pernambuco – Frevo;

• Bahia – Samba de Roda do Recôncavo Baiano;

• São Paulo e Minas Gerais – Jongo no Sudeste;

Rio de Janeiro – Jongo do Sudeste, Matrizes do Samba no Rio de Janeiro, PartidoAlto, Samba de Terreiro e Samba enredo.

Apesar de os afro-brasileiros possuírem diversas manifestações culturais que não estão

inventariadas, o tombamento destas nove foi um avanço importantíssimo. No entanto, para

preservar a cultura material e imaterial faz-se necessário mais que criação de leis, e registros

destas manifestações em livros. O que realmente fará com que uma cultura seja resgatada e

preservada é a vivência desta por seu povo.

O tombamento e criação de leis que protegem os bens imateriais, somente servem como

apoio para pesquisas. A cultura imaterial é intangível e possui natureza dinâmica, a cultura

deve ser vivenciada para não se tornar extinta. Sendo assim, constata-se que para manter viva

e dinâmica uma cultura é preciso que os detentores dessa a queiram preservá-la.

Máo Jr,84 descreve que o líder cubano José Martí identifica que nenhum povo em sã

consciência deveria sentir vergonha de seu passado, por mais doloroso que esse fosse. Pelo

contrário, esses indivíduos deveriam se articular em decorrência dos elos identitários que

possuem em comum. Martí defendia a busca das raízes e criticava os grupos sociais que

renegavam suas origens.

De acordo com Bahl85, enquanto as mudanças sociais influenciavam o turismo, surgiam

oportunidades de estabelecimento de diversos segmentos oriundos do próprio turismo

84 MÁO JR, José Rodrigues.A Revolução Cubana e a Questão Nacional(1868- 1963). Núcleo de Estudos D' O Capital.1ªed. São Paulo, 2007.

85 Bahl, Miguel – Dimensão Cultural do Turismo Étnico. NETTO, Alexandre Panosso. & ANSARAH, Marilia Gomes dos.

Segmentação do mercado turístico: estudos produtos e perspectivas. Manole, São Paulo, 2009, p.121-140

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cultural, aliado a uma temática mais específica como etnias e ancestralidade da localidade

como atrativos. Dessas transformações emergiu a faceta de turismo étnico. Ainda segundo

Bahl, o turismo étnico é vinculado ao turismo cultural, pois se utiliza de elementos sociais

provindos de um contexto social e cotidiano de uma comunidade.

Sabendo-se das transformações nos meios culturais, sociais e das novas necessidades do

turismo, a grande questão é como as comunidades afro-brasileiras poderão se apropriar destas

mudanças e se beneficiarem delas para exporem sua cultura e derrubar preconceitos. Desse

modo, o turismo torna-se um meio de comunicação, criando o intercâmbio entre turista e

comunidade.

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3.2 O Turismo como Vitrine da Cultura Afro-brasileira

Observei as culturas de todas as terras soprarem ao redor da minha morada e

outros ventos espalharam as sementes da paz, pois a viagem é a linguagem da paz.

Mahatma Gandhi

O turismo proporciona mais do que lazer ao praticante, pois ao estar longe de seu local de

origem irá se deparar com povos e culturas distintas e estará mais aberto para conhecer toda

essa diversidade. Essa experiência será mais intensa, quando a modalidade turística é étnicaou cultural, pois esses segmentos incorporam manifestações de grupos sociais que outrora

eram marginalizados.

De acordo com Pellegrini Filho,86, na década de 1980 houve conscientização da

preservação do patrimônio cultural. Este processo foi revolucionário, pois não só preservou a

cultura das elites, mas também incluiu a cultura dos indígenas, negros, ciganos, imigrantes do

final do século XIX e no início do XX e outros grupos, etnias e religiões.

Essa transformação nos meios culturais influenciou também a sociedade queconsequentemente espelhava essas mudanças ideológicas no turismo. A Ciência do Turismo

identificou que precisava de novos produtos turísticos, devido aos perfis de turistas que

surgiam, o que originou o segmento de turismo cultural.

Segundo Costa87,o conceito mais amplo que define o turismo cultural é a análise da

motivação de deslocamento do visitante, as características do objeto e seu público, segundo

estudos da autora, na literatura há quatro conceitos distintos que definem o turismo cultural:

• Núcleo 1 - Turismo cultural como a visita de locais de interesse cultural: museus, sítios

arqueológicos, festas populares folclóricas, religiosas, deslocamentos com intuito de

86 PELLEGRINI Filho. A. A problemática do patrimônio Natural e Cultural no Brasil. Turismo em análise. São Paulo,ECA/USP, v.1, n.1, p.55-61, maio 1990.

87 COSTA, Flávia Roberta. Turismo e Patrimônio Cultural: interpretação e qualificação.  Senac, São Paulo, p.49,2009. 

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conhecimento de bens culturais materiais e imateriais, visitas com motivações de interesse

histórico, artístico, científico, de determinado grupo, região ou instituição. A finalidade desses

turistas é adquirir conhecimento;

• Núcleo 2 - Visões distorcidas de turismo cultural: composta de autores com visões

distorcidas do turismo cultural, que segundo estes são deslocamentos a locais de cultura

erudita. Costa (2009. p.42) cita que Coelho expõe que o que impede de a cultura popular seja

inserida ao turismo cultural não é somente preconceito a estas expressões, mas a ausência de

ferramentas ilustrativas que permitam o aprendizado do visitante;

Núcleo 3 - Turismo cultural como ferramenta de aprendizado cultural: defendem que oturismo cultural está baseado não só em visitação, mas também na vivencia e contato direto

com outras culturas;

• Núcleo 4 - Turismo cultural como ferramenta de aprendizagem: “O turismo cultural

objetiva principalmente a pesquisa e conhecimento, a informação, aliando tudo isso ao prazer

e bem-estar”.

De acordo com Richards88, 65% dos turistas de turismo cultural são de mulheres jovens,

entre 20 e 29 anos, onde 40% possuem idade menor de 30 anos, mais de 50% possuem nível

superior. O turista cultural permanece maior tempo na localidade e tem um maior gasto  per 

capita em suas viagens. A partir destes dados é notório que desenvolver turismo cultural é

benéfico para os gestores de turismo como também para as comunidades receptoras, o que

mais precisamente seria o turismo étnico.

Para as comunidades afro-brasileiras essas mudanças foram benéficas, pois possibilitaram

que as manifestações fossem dinâmicas ao serem incorporadas na atividade turística. Além

disso, o turismo tem o potencial de valorizar a cultura afro-brasileira para os próprios negros.

Ao constatarem que suas manifestações são o motivo de deslocamento do turista, permite que

tenham maior orgulho de suas tradições. Outro fator muito importante é que o turismo pode

ser utilizado como uma ferramenta de comunicação entre visitante e anfitrião.

88 RICHARDS, Greg. Nuevos Caminos para el turismo cultural? Association for Tourism and Leisure Education(ATLAS).  p.1-14, 2004.

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Um exemplo positivo de valorização cultural e orgulho étnico cultural nas comunidades

afros proporcionadas pelo turismo, ocorre na comunidade quilombola Monte Alegre,89,

localizada no estado do Espirito santo. Os planejadores da atividade turística trabalham em

comunhão com a comunidade e despertam a autoestima étnica racial dos moradores.

Os membros mais velhos do Quilombo Monte Alegre, transmitem para as crianças as

tradições e cultura ancestral, o que permite que as novas gerações mantenham a cultura viva.

Os planejadores turísticos realizaram um estudo de campo com os moradores mais antigos da

comunidade, onde coletaram dados biográficos, lendas e peculiaridades que são fundamentais

para o resgate e preservação cultural, como era realizada a dança ancestral do caxambu, a

culinária ancestral e diversas singularidades daquele povo que estavam se perdendo.

A apropriação desses saberes pela atividade turística, trouxe resultados benéficos para a

comunidade Monte Alegre. Estes passaram a assimilarem sua cultura como resistência a

escravidão e discriminação étnica, o interesse dos turistas pelas manifestações fez com que

estes se sentissem valorizados.

Quando o assunto é relacionado às manifestações negras do Brasil, ainda existe muito

preconceito devido às ideologias que foram erroneamente construídas ao longo da história.

Sendo assim, muitas vezes o turista chega na localidade imbuído de “pré-conceitos”

associados a cultura negra. Neste sentido o turismo pode aproximar o turista e o deixar mais

aberto para olhar o outro, onde o contato com o diferente possibilita a compreensão e até

mesmo a identificação de similaridades na cultura que denominava como inferior a sua.

As viagens tornaram-se uma das grandes forças do nosso tempo em prol da paz e do

entendimento. À medida que as pessoas de deslocam pelo mundo e aprendem a se

conhecer, a compreender os respectivos costumes e apreciar as qualidades dos

indivíduos de cada nação, criam um grau de entendimento internacional que poderá

melhorar consideravelmente o clima geral em favor da paz mundial.90

É importante também que os grupos culturais afro-brasileiros ao exporem sua cultura para

atividade turística, tenham preocupação em planejá-la para que esta não perca a sua raiz e

89 Para maiores informações sobre o turismo cultural étnico que resgatou o orgulho dos quilombolas de Monte Alegre,Espírito Santo, há o documentário disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ou-3K-Vp4KY

90 

JOHN, F. Kennedy, The Saturday Review, 5 de janeiro, 1963; Apud   In VAR, Turgut 2 AP, John. THEOBALD, Willian F.

Turismo Global. Senac, 2ed, São Paulo, 2002, p. 68).

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ancestralidade e se torne um mero espetáculo para turista, devido aos possíveis impactos

negativos da influência do visitante no destino.

Na comunidade quilombola de Monte Alegre, as atividades culturais que são expostas aos

turistas são realizadas de forma natural e espontânea. Caso não haja essa medida e as

manifestações sejam teatralizadas, os efeitos seriam desagradáveis tanto para os turistas, como

para os quilombolas.Quando a cultura é formatada como produto turístico, as manifestações

devem possuir alto valor ideológico para a comunidade detentora do saber, pois o contrário

disso não seria um resgate, mas uma encenação. Também pelo motivo de a demanda que

busca este segmento do turismo, buscar o autentico.

Bahl91, discrimina vários benefícios que o turismo voltado a etnicidade traz aos grupos

envolvidos, sendo estes:

• Estimular e resgatar a cultura de uma localidade bem como sua autoestima e

manifestações dos grupos sociais, étnicos e religiosos;

• Incentivar a conservação e manutenção dos bens materiais;

•  Resgatar e valorizar a gastronomia, folclore e tradições;

• Fomentar e desenvolver programas educativos e de esclarecimento às populações

locais e regionais;

• Normatizar e fiscalizar o uso do patrimônio urbano e cultural.

No segmento de turismo étnico, o planejamento e as decisões nos resultados econômicos

da atividade não devem ser feitos somente por um profissional de turismo. Pois o planejador

para entender a realidade e necessidades daquele grupo étnico, social ou religioso, deverá se

envolver de forma visceral com a comunidade, para compreender a identidade dessa

comunidade.

O planejamento do turismo étnico, não pode ser executado por um membro da

comunidade se este não for um profissional do Turismo. Pois este planejamento não demanda

91 BAHL, Miguel. Fatores ponderáveis do turismo. Protexto, Curitiba 2004, p.40-42.

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somente do conhecimento da cultura, mas necessita de conhecimentos técnicos. Sendo assim,

o planejamento do turismo étnico requer a junção de um gestor de turismo e da comunidade

envolvida para que a atividade seja desenvolvida de forma harmônica.

Além da junção entre comunidade e gestor turístico é necessária a aliança estratégica com

agentes colaboradores, sendo estes órgãos governamentais para regulamentar, fiscalizar,

fomentar o desenvolvimento social e preservar o espaço ambiental e a cultura local. Essas

preocupações pouco ocorrem quando a infraestrutura da localidade é gerenciada por empresas

privadas, que tem como meta a maximização dos lucros, muitas vezes em detrimento do meio

e do social. A aliança governamental com o turismo étnico – cultural é benefício pois

possibilita o acesso a linhas de créditos. Para as comunidades desenvolverem a atividade

turística.

Pearce92, cita sobre comunidades ou ONG’s que representam os interesses da comunidade.

“Contudo o seu direto, de comentar as propostas não deve ser ignorado, uma vez que o

próprio ato de manifestar opiniões é frequentemente terapêutico e construtivo”. Nota-se que

ainda ao desenvolver o turismo com as comunidades, grupos étnicos e religiosos, muitas

vezes o gestor por ter a habilidade técnica se coloca como em condição superior aos

detentores do atrativo. Devido a esta forma de proceder a atividade turística não se torna

desejável e benéfica aos grupos sociais, pois o planejamento deve ser feito de forma

equivalente entre gestor de turismo e comunidade local, salientando que o Turismólogo deve

“mergulhar” na cultura e cotidiano dos envolvidos para compreender o contexto.

 Pearce (2002, p. 152), analisa que para que uma comunidade seja anfitriã do turismo, ela

deve receber qualificação e informação dos impactos positivos e negativos que a atividade

pode gerar. Como também deve haver a capacitação do visitante, com a informação sobre as

práticas culturais e sociais da comunidade que está visitando. Nesta formação turista-residente, surge a necessidade de junção de um gestor de turismo e comunidade que

proporcionará a formatação de produtos turísticos culturais imbuídos de valores espirituais,

culturais e ideológicos que sensibilizem e transformem seu consumidor.

  O Turismo Cultural Afroétnico (denominado desta forma para delimitar a qual grupo

étnico cultural tratar-se a atividade, pois o termo turismo étnico é muito amplo) orientado por

92 PEARCE, Philip L. A relação entre residentes e turistas: Literatura sobre pesquisas e diretrizes de gestão. THEOBALD,

Willian F. Org. Turismo Global. Senac 2a ed, São Paulo,p.162, 2002.

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estas diretrizes possibilita que os grupos afros utilizem-se da atividade como vitrine de

conscientização e valorização de suas manifestações a demais etnias e classes que conhecerão

seu patrimônio. O segmento de Turismo Cultural incorpora um perfil de turista que anseia

mais que lazer e sim desenvolver real conhecimento antropológico da comunidade que está

visitando.

O Ministério do Turismo (Mtur), em 10 de junho de 2010, realizou na cidade de Registro-

SP, o I Encontro Nacional de Turismo em Comunidades Quilombolas. Sendo os apoiadores do

evento: Ministério do Turismo (Mtur), Ministério do Meio Ambiente (MMA), da Cultura

(MINC), do Desenvolvimento Agrário (MDA), da Educação (MEC), Secretaria de Políticas

Públicas de Promoção e Igualdade Racial (SEPPIR), Instituto Socioambiental, Sebrai (SP),

Fundação Palmares e Fundação Instituto de Terras. O intuito foi articular comunidades

quilombolas para discutir, planejar e desenvolver turismo etnossustentável nestas. Os

objetivos específicos do evento foram:

• Formatar políticas públicas para desenvolvimento de atividade turística nas

comunidades quilombolas;

• Promover intercâmbio entre as comunidades;

• Integrar as comunidades quilombolas.

As comunidades quilombolas participantes foram: Aleluia (RJ); André Lopes (SP);Bairro

João Surá (SP); Barra do Turvo (SP); Boitaracá (BA); Bombas (SP); Cacau (PA); Cambucá

(RJ); Campinho da Independência (RJ); Cangume (SP); Cedro (GO); Comitê das Associações

Quilombolas do Vale do Ribeira Comunidade (PR); Quilombolas de Jesus (RO); Fazenda

Machadinha (RJ); Guajará-Miri (BA); Iporanga (SP); Itamatatíua (BA); Ivaporanduva (SP);

Jatimane (BA); Lagoa das Emas (PI); Lagoa Santa (BA); Largo da Vitória (BA); Mandira

(SP); Maria Rosa (SP); Mituaçu (PA); Monte Alegre (ES); Monte Bonito (RS); Morro Seco

(RS); Mumbuca Lalapão (TO); Nhunguara (SP); Pedro Cubas (SP); Pedro Cubas de Cima

(SP); Peropava (SP); Pilões (SP), Porto Velho (SP); Quilombo Lagoas (PI), Restinga Seca

(RS), Retiro (ES); Rio Grande (RS); Santa Maria de Itacoã-Mirim (BA); Santa Rosa (SP); São

Pedro (SP); Sapatu (SP); Tabacaria (AL).

A articulação destas comunidades e órgão públicos, discutiu os itens necessário para haver

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a atividade turística benéfica para as comunidades, onde proporcionaria renda, valorização e

preservação das manifestações culturais, contudo de maneira sustentável. Pois a atividade

turística não poderia impactar e degradar o meio ambiente, tampouco influenciar de forma

negativa o modo de vida tradicional dos receptores. Foi identificado neste primeiro encontro

que apesar da peculiaridade de cada comunidade, todas demandavam de capacitação para

receber o visitante, atrair os jovens e crianças da comunidade no desenvolvimento do produto

turístico com a vivência das tradições culturais, envolvimento dos membros antigos do

quilombo, seus saberes e história oral fundamentais, porém esse conhecimento ancestral

precisou ser dinamizado, ou seja vivenciado, transmitido aos mais jovens e praticados para

que continuassem vivos. Houve a necessidade de envolvimento dos jovens e crianças para

dinamizarem a cultura e o turismo pode contribuir devido a geração de renda e na autoestima

destes.

No entanto, essas comunidades não se preocupavam somente em capacitarem seus

membros, como também os seus visitantes, muitas das práticas culturais como por exemplo o

artesanato foi e é ensinado em oficinas aos visitantes. Em muitas das comunidades, o turista

se hospeda nas residências locais, conhece a culinária, as danças, as manifestações

apresentadas ao turista tem seu significado revelado para que o visitante compreenda e se

permita sentir a cultura. Neste aspecto, o que estas culturas afro-brasileiras tradicionais

desenvolvem em seu turismo, diverge do turismo de massa, pois seu público é específico e

diferenciado.

A interação turista-residente é um exemplo específico mas variado de interação deculturas, normalmente os turistas ficam nas comunidades visitantes por períodos detempo muitos curtos e cuidadosamente estruturados. Suas motivações de viagem osisolam dos outros hóspedes temporários intelectuais e sua prosperidade é flagrantecomparada à dos habitantes locais [...] concede-se aos turistas imunidade comrelação a muitas restrições legais e culturais locais e eles podem atravessar apaisagem numa pequena bolha cultural da própria nacionalidade.93

A citação acima, descreve o comportamento do turista de massa e o seu distanciamento da

realidade sócio – cultural da localidade que está visitando. Esta condição de alienação o autor

denomina de “bolha cultural”, perfil de turista que não é o do consumidor do turismo

93 PEARCE, Philip L. A relação entre residentes e Turistas... op.cit.p. 147

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afroétnico. As comunidades convergem no pensamento de atrair o público que quer interagir,

se hospedar, conhecer sua tradição, artesanato, culinária e para isso o visitante demanda

permanecer mais tempo na localidade.

  O I Encontro Nacional de Turismo Quilombola discutiu como captar recursos para

proporcionar infraestrutura para receber o turista, sem que haja a descaracterização das

comunidades. Chegou se a conclusão que a infraestrutura necessária seria o título de terras,

visto que até hoje muitas áreas quilombolas ainda não conseguiram esse direito, construção de

restaurantes, da utilização das rotas de acesso históricas aos quilombos como trilhas e no

percusso a sensibilização do visitante tanto no aspecto étnico cultural como ambiental, para

que isso seja possível é necessário dar condições de visitação às mesmas.

Ainda em relação a infraestrutura necessária foi identificado nas comunidades

quilombolas a necessidade de sinalização turística, estrutura básica como fornecimento de

energia elétrica, leitos, telefones, acesso à internet e pousadas. Existe a necessidade de

investimentos, mas essa adequação para recepcionar não deve descaracterizar a paisagem

local.

Apesar de muito ser debatida a prática de atividade turística nas comunidades tradicionais

quilombolas, a segmentação não fica restrita a agir somente nesses espaços. Haja visto, que no

processo histórico pós abolição maior parte dos ex escravos ocuparam os espaços urbanos.

Sendo assim, estes cidadãos também contribuíram com suas manifestações, nas cidades são

encontrados grupos de capoeiras, maracatus, centros religiosos, a culinária ancestral como as

baianas do acarajé, grupos de dança, samba e diversas formas de expressões culturais de

matrizes africanas. Contudo, atualmente esses grupos detentores de cultura estão pulverizados

nos grandes centros urbanos e pouco tem a oportunidade de interagirem.

Neste caso, caberia o incentivo de criação de eventos que proporcionasse encontros dessesgrupos culturais, sendo essas ações desenvolvidas por ONGs (Organizações não

Governamentais), iniciativa popular e de políticas públicas, como por exemplo o engajamento

das SEPPIR (Secretaria Promoção e Igualdade Social) regionais para que haja esse

intercâmbio. Cabe as secretarias de turismo e cultura se articularem para o a divulgação das

atividades dentro e fora do município.

Entretanto, não é somente articular os grupos culturais de matrizes africanas, se demanda

divulgar o evento pelos diversos modais de mídia e captar apoio de políticas públicas para que

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ocorra em espaços urbanos o turismo afroétnico. Também,que seja pensado como se fará a

exposição das manifestações culturais ao visitante que não conhece a cultura que está sendo

exposta, o que se que transmitir, o que significa tal manifestação para os detentores dela. E

não simplesmente promover o evento ou produto turístico e o apresentar, pois desta maneira o

turismo afroétnico não cumpriria sua missão que é sensibilizar o consumidor.

Um exemplo é a festa de Iemanjá que ocorre no município de Praia Grande-SP, nos meses

de dezembro. A festa é o maior evento em homenagem ao orixá do estado de São Paulo,

ocorre na cidade desde o ano de 1969 quando o então atual prefeito da época Dorivaldo Loria

Jr, liberou os 23 km de areia das praias para que várias confederações realizassem o culto.

Segundo o setor de eventos da Prefeitura de Praia Grande, no ano de 2012 o evento reuniu

mais de 90.000 devotos em dois finais de semanas.

Os praticantes de candomblé realizaram uma passeata e convidaram todos que não

conheciam sua cultura para que prestigiassem o evento. Foi feita visita no evento do ano de

2012. Nesta foi identificada que existe na religião muitos elementos que reportam a cultura

indígena, portuguesa, cigana e negra. Contudo, há certos simbolismos e manifestações que o

vistante que nunca teve contato não compreenderá o que ocorre no evento. Os praticantes se

mostraram receptivos e explicavam tudo o que lhe era indagado, no entanto nem todo

visitante fica a vontade de questionar. Como o evento se tornou parte do calendário turístico

do município e é aberto para todos, deve-se pensar na inserção de guias interpretativos para

recepcionar aqueles que prestigiarão o evento e que não compartilham de mesma cultura.

Esse apoio ao visitante, como mencionado no exemplo das comunidades quilombolas,

deve ser feito por um praticante da cultura que tenha formação em recepcionar turistas. Essa

organização de como será feita a abordagem, a linguagem utilizada, o que deve ser

evidenciado da cultura e o que quer se passar de interpretação aos expectadores demanda deplanejamento do gestor de turismo em harmonia com os grupos detentores da cultura.

A mesma necessidade que há na gestão do turismo afroétnico em comunidades

tradicionais quilombolas, existe em espaços urbanos, onde os grupos culturais estão

pulverizados. Ambos necessitam que o planejador turístico ao incorporar a cultura na

atividade turística, sensibilize o visitante da importância destas manifestações, do valor

simbólico, espiritual e ideológico. Também se demanda que o turista possua certo

conhecimento antropológico

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 Estas diretrizes permitem que os grupos afros utilizem-se do turismo como vitrine de

conscientização e valorização de suas manifestações as demais etnias que conhecerão seu

patrimônio.

O público específico das segmentações de turismo cultural, étnico cultural e afroétnico

possuem motivações particulares, tem maior nível de escolaridade, não demanda de muita

infraestrutura pois sente prazer em hospeda-se em pousadas e na própria comunidade que está

visitando, aprecia a gastronomia nativa e consome o artesanato local.

Em meados da década de 1990, pesquisadores das áreas de Sociologia e Antropologia

passaram a investigar a área de Turismo e identificaram a emergência de um crescente público

de turistas que buscavam viagens com o intuito de enriquecimento cultural. Fator este, que

muito contribuiu para a expansão e diversificação da oferta turística com teor cultural e maior

interação entre visitante e visitados.

Segundo Plog,94 os aventureiros buscam localidades desconhecidas por turistas confiáveis,

ou de massa, uma vez que se auto intitulam de não turistas, o perfil aventureiro é desbravador

e quando voltam para seu local de origem influenciam outros perfis a conhecerem o destino.

Movimentam a economia, não descaracterizam a identidade local, e o comentário de suas

experiências atraem outros perfis a essa localidade se propagando o real significado das

manifestações e permitindo a quebra de preconceitos.

Além do turismo cultural étnico ser formatado, pensando-se em transmitir diálogo entre

diferentes culturas e valorização da cultura afro-brasileira, este também deve ser consumido

pelo próprio negro, uma vez que o mesmo pode resgatar seus valores ancestrais. Na década de

1960, o Brasil migrou da condição rural para a urbana, houve também mudanças sociais.

Possibilitou maior acesso aos meio educacionais que reduziram as discrepâncias que havia

entre as diferentes classes.Segundo Sansoni,95  surgiu uma classe média negra não satisfeita com as ideologias

impostas referente não só a sua cultura, mas também a sua existência. A sociedade ainda os

denominava como uma classe baixa e incapaz de consumir símbolos de status, e se os

consumissem era de modos grosseiros.

94 PLOG, Stanley C. Por que a preservação do destino tem sentido econômico. THEOBALD, Willian F. Turismo Global.Senac, ed.2, São Paulo, 2002 p. 271.

95 SANSONI, Lívio. Os objetos da identidade negra: consumo, mercantilização, globalização e a criação de culturas negras

no Brasil. Mana. V. 6, n.1, 2000, p. 97.

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[...] um número pequeno, mas crescente de negros americanos está visitando oBrasil. Com sua presença, eles conferem status e uma imagem de “negritudemoderna” a diversas festas e celebrações que, de outra forma, seriam vistas, namaioria dos casos, como expressões não étnicas da cultura afro-brasileira tradicionale/ou do catolicismo popular (a Festa da Boa Morte, em Cachoeira, na Bahia, é nessesentido exemplar). Esses turistas negros também estão presentes — e sãoreconhecíveis — nas multidões do carnaval baiano. Utilizando os serviços de umpequeno número de agentes de turismo locais especializados em mostrar aos turistasnegros aspectos da cultura afro-brasileira, eles acabam trazendo consigo formas dese vestir, de se movimentar, de falar e até de pensar que, certamente, seduzem umaparte dos negros brasileiros. Afinal, eles são negros  E modernos, bem-vestidos,prósperos, saudáveis, tecnológicos, viajados e etnicamente afirmativos. Acima de

tudo, eles consomem ostentosamente.96

O planejamento da segmentação turística afroétnica é uma “faca de dois gumes”, pois

resgata a cultura dos povos afros e das demais etnias. As manifestações culturais que serão

expostas na atividade turística devem possui valores para a comunidade receptora e estes

devem desenvolver a interpretação espiritual ou ideológico de sua cultura para o visitante.

Para a atividade turística, quando mais diversa for a oferta e sua segmentação, maiores

serão os perfis atraídos para a localidade e o seu tempo de permanência. No destino, avantagem peculiar do nicho de turismo cultural é que este não possui sazonalidade, ocorrido

durante todo o ano. Desse modo identifica-se a importância do desenvolvimento do turismo

cultural e de suas diversas facetas, sendo uma destas o turismo afroétnico.

Além do planejamento democrático entre profissional de turismo e dos cidadãos

possuidores das manifestações, faz-se necessário o envolvimento de técnicos de outras áreas,

como antropólogos, sociólogos, historiadores, arqueólogos, educadores e de demais ciências

que abrangem o campo cultural. Cada um desses profissionais possuem suas singularidades,contudo, estes através de dialogo para estabelecimento de objetos e metas convergentes, são

determinantes para o desenvolvimento do nicho de turismo afroétnico.

96 SANSONI, Livio. Os objetos da identidade negra:...op.cit.p.104.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise historiográfica referente as manifestações de matrizes africanas no

Brasil, foi identificado que desde os primeiros contatos entre colonizador e africanos, o

dominador estudou a significação de alguns símbolos culturais africanos para manipular,

aculturar, satanizar e reprimir ao extremo. Devido compreender que os indivíduos estando

desvestidos de sua cultura, estariam mais vulneráveis a desarticulação e mais facilmente

seriam escravizados. Uma das consequências do desligamento brusco do negro de suas

tradições ancestrais, foi o banzo, estado de depressão que causou o suicídio de diversos

indivíduos cativos.

Já nas colônias, os donos de escravos separaram famílias, etnias, congregaram na mesma

senzala pessoas de línguas distintas e muitas vezes inimigas, proibiram manifestações

religiosas e culturais, impuseram o idioma português e o catolicismo. Dessa forma, os negros

encontraram dificuldades em ser articularem. Foi constatado que a cultura despertava o

sentimento de resistência ao dominador e os indivíduos se articulavam em consequência dos

elos identitários e passavam a reagirem e lutarem pelos direitos de seu grupo.

O quilombo de Palmares foi um exemplo magnífico de empoderamento social a partir da

ligação de pessoas com mesma identificação, este manteve seu movimento contestatório

sólido e vitorioso diante do sistema colonial devido atração e simpatia de outros grupos

étnicos, culturais e minorias sociais excluídas. Sendo identificado que é importante manter um

povo de mesma cultura a vivenciando e a preservando. Palmares para ter representação e

força política na sociedade teve que se abrir para o outro e promover o intercâmbio cultural.

Foi evidenciado nessa análise bibliográfica que as maiores conquistas do afro-brasileiros

em direitos e igualdade, aconteceu quando estes formaram as primeiras associações esportivase culturais negras. Este processo emergiu no final da década de 1920 e culminou no final da

década de 1960. Neste período a cultura negra passou gradativamente a ser inventariada como

patrimônio material e imaterial brasileiro, Zumbi de Palmares foi edificado como o herói

negro e símbolo de resistência. No ano de 1988 a significação do heroísmo negro e a luta

contra a discriminação étnica foi contada com o samba enredo da Unidos da Vila Isabel,

“Kizomba-Festa da Raça”.

Poucos meses, após o espetáculo da campeã do carnaval do Rio de Janeiro em 1988, os

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movimentos negros brasileiros se articularam e organizaram a “Marcha contra o Racismo”. A

cultura imaterial do líder negro revestiu os militantes de orgulho étnico e mesmo com toda

repressão sofrida, a marcha teve impactos transformadores, o racismo passou a ser

considerado crime na Constituição Brasileira.

A revisão bibliográfica das áreas da História, Sociologia e turismo possibilitaram a

identificação da importância da cultura para continuidade e mobilização social dos afro-

brasileiros, como também a constatação de que heterogeneidade cultural e ambiental deve ser

incentivada para maior segmentação do turismo. Para as comunidades negras, o turismo

afroétnico possibilitaria o resgate e a continuidade de suas tradições, além da atividade

despertar a valorização da cultura para esses indivíduos. Primeiro porque este ao ver que suas

tradições são o motivo de deslocamento do turista teria mais orgulho de sua identidade.

Segundo, os negros que não se reconhecem como pertencentes a etnia ou tem vergonha de

suas manifestações a partir do turismo poderiam se reconhecerem como negros.

Além do despertar da identidade cultural, o turismo afroétnico dissemina mais que cultura

e história dos povos afrodescendentes, tem o potencial de mobilizador social. Se a cultura por

si só tem a função de politizar e transformar, o turismo como propiciador de contato de

diferentes culturas e classes é uma ferramenta de intercâmbio cultural. Ou seja, o consumidor

deste segmento por ser um perfil que deseja o contato com os nativos da localidade está

aberto para compreender o outro, a atividade turística étnica cultural perpassa o lazer, tem a

função de propiciar conhecimento de diferentes formas de ver e interpretar o mundo.

Para os afros brasileiros, o turismo afroétnico é uma ferramenta disseminadora de

desconstrução da discriminação étnica e cultural que por séculos sofreu a etnia. O perfil que é

atraído pelo nicho é também um propagador dessas desconstruções, pois o turista aventureiro

influência outros perfis. Sendo assim, ao constatar da importância da cultura em transformar edo turismo em disseminar e conscientizar é benéfico para os grupos sociais e culturais se

beneficiarem da atividade turística. O turismo é uma ferramenta capaz de reduzir as

discriminações étnicas, culturais e sociais devido sua característica de promover o contato

entre diferentes.

Conclui-se que se faz necessário o despertar para desenvolvimento do nicho do turismo

cultural afroétnico, pois este é mais que um gerador de recursos para a comunidade receptora

e muito além de diversificação da oferta turística, mas sim uma forma de reparação das visões

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distorcidas construídas por séculos, referente a cultura afro-brasileira. Ou seja, o incentivo de

políticas públicas para que haja a atividade é uma forma singela de buscar dar visibilidade e

inserção do negro em todos os espaços sociais, inclusive no fomento da diversificação da

oferta turística e a atividade turística como vitrine da cultura negra além de conscientizar e

sensibilizar o visitante é potencialmente um veículo de politização e articulação social dos

grupos afros brasileiros.

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http://www.ipeafro.org.br/home/br/acoes/32/43/ten/#.UB3XgWAeF75 > Acesso dia:05/08/2012