127
Rio de Janeiro 2020 Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande Estratégia Brasileira ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO Ten Cel Inf FABIO GOMES BARBOSA

Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

Rio de Janeiro

2020

Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande

Estratégia Brasileira

ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO

Ten Cel Inf FABIO GOMES BARBOSA

Page 2: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

Tenente-Coronel FABIO GOMES BARBOSA

CULTURA ESTRATÉGICA NACIONAL: UM ESTUDO SOBRE A GRANDE ESTRATÉGIA BRASILEIRA

Dissertação submetida à Banca de Defesa para o Mestrado Acadêmico em Ciências Militares, enquadrado pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Instituto Meira Mattos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro – RJ.

Orientador: Tenente-Coronel Rafael Soares Pinheiro da Cunha - Dr

Rio de Janeiro 2020

Page 3: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

B238c Barbosa, Fábio Gomes

Cultura estratégica nacional: um estudo sobre a grandeestratégia nacional. / Fábio Gomes Barbosa. 一 2020.

124 f. : il. ; 30 cm.

Orientação: Rafael Soares Pinheiro da Cunha .Dissertação (Mestrado em Ciências Militares) 一 Escola de

Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2020.Bibliografia: f. 119-124.

1. BRASIL. 2. PRIMEIRA REPÚBLICA. 3. GRANDEESTRATÉGIA. 4. CULTURA ESTRATÉGICA. 5. POLÍTICANACIONAL DE DEFESA. I. Título.

CDD 355.4

Page 4: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam
Page 5: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

Ao meu primeiro filho, Gabriel, e a minha

esposa, Raquel, pela perda de horas de

lazer juntos em prol da consolidação deste

trabalho.

Page 6: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter me dado força e saúde para superar todos

os obstáculos.

Agradeço à minha companheira e amada esposa, Raquel Firmino Magalhães

Barbosa, que me apoiou de maneira incondicional, possibilitando a conclusão deste

trabalho.

Aos meus pais, pela minha educação e formação, me mostrando sempre o caminho

do bem, através do exemplo de suas condutas como cidadãos e, também, pela

dedicação à família.

Ao Exército Brasileiro e à Escola de Comando e Estado-Maior, pela oportunidade em

realizar uma dissertação de mestrado, ampliando meus conhecimentos.

Ao meu orientador, o Tenente-Coronel Rafael Pinheiro, por suas orientações, por seu

inestimável apoio e pela dedicação ao meu trabalho.

Page 7: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

“Graças a minha leitura, eu nunca fui pego

de surpresa em nenhuma situação, sem

prejuízo para como qualquer problema foi

abordado antes (com sucesso ou sem

sucesso). Não me dá todas as respostas,

mas ilumina o que é, muitas vezes, um

caminho escuro à frente” (General James

Mattis).

Page 8: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

RESUMO

O objeto desta pesquisa concentra-se na cultura estratégica, tendo como objetivo geral identificar traços da Cultura Estratégica Nacional, a partir da influência da Grande Estratégia praticada na Primeira República (1889-1930) na condução da Grande Estratégia Brasileira da atualidade. O referencial teórico apresenta os conceitos modernos de Estratégia, Grande Estratégia e Cultura Estratégica necessários ao esclarecimento de pontos-chave que guiaram a execução do trabalho. Assim, a cultura estratégica foi categorizada tendo por base o conhecimento formulado por três gerações que representam o início e a evolução desta literatura, aquele que busca explicar o comportamento das nações pela observação da política em ação (grande estratégia). Na sequência, o período da Primeira República foi o laboratório de onde se observou a grande estratégia nacional do passado para conectá-la a do presente, destacando sua influência na cultura estratégica brasileira. Como forma científica de descortinar o atual estado da arte sobre o assunto, foi realizada uma pesquisa sistemática levando-se em conta artigos científicos de relevância publicados e de acordo com os querryies/strings definidos na pesquisa. Por fim, a Política Nacional de Defesa (PND) foi posta em perspectiva sob o foco cultural. O ponto de comparação entre passado, Primeira República, e presente, da apresentação da PND ao Congresso Nacional (2012) aos dias atuais, foi o cultural, tendo como indicadores os componentes da estratégia adotada pela República (objetivos, meios, modo ou ação). A base de comparação foram as primeiras décadas da República, por tal período representar o início das grandes mudanças estruturais das instituições nacionais. Para isso, buscou-se apoio em Colin Gray (2015), Beaufre (1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam o pensamento moderno sobre a Estratégia e suas adjetivações. Para a compreensão das mudanças políticas do pós-Guerra Fria, foram levadas em consideração as estruturas estabelecidas por Huntington (1996; 1998) e Buzan & Hansen (2009). As questões nacionais da Primeira República foram analisadas a partir do ponto de vista de Carvalho (2005), McCann (2009) e Coelho (2000), além de pesquisa nos Relatórios do Ministério da Guerra e das Relações Exteriores. Quanto à proposta metodológica, esta caracteriza-se como um estudo de caso comparativo, de caráter exploratório e qualitativo, com levantamento de dados bibliográficos, sendo seus resultados apresentados de forma mista (artigos científicos e revisão histórica). Assim, pode-se observar as alterações, as similitudes e os eventuais padrões de continuidade no pensamento nacional, destacando características presentes em decisões e contribuindo para o entendimento das linhas gerais e estruturantes do pensamento estratégico nacional. Palavras-chave: Brasil; Primeira República; Grande Estratégia; Cultura Estratégica; Política Nacional de Defesa.

Page 9: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

ABSTRACT The object of this research focuses on strategic culture. Having as its general objective to identify traces of the National Strategic Culture, from the influence of the Grand Strategy practiced in the First Republic (1889-1930) in the conduction of the present Grand Brazilian Strategy (2012) up to the present day. The theoretical framework presents the modern concepts of Strategy, Grand Strategy and Strategic Culture necessary to clarify key points that guided the execution of the work. The strategic culture was categorized based on the knowledge formulated by three generations. They represent the beginning and evolution of that literature that seeks to explain the behavior of nations by observing the policy in action (Grand Strategy). Following this, the period of the First Republic was the laboratory from which the grand national Strategy of the past was observed to connect it to the present, highlighting its influence on the Brazilian strategic culture. As a scientific way to unveil the current state of the art on the subject of this research, systematic research was conducted taking in account relevant scientific articles published and according to queries/strings defined in the research. Finally, the National Defense Policy was put into perspective under the cultural focus. The point of comparison between past, First Republic, and present, from the presentation of the National Defense Policy to the National Congress (2012) to the present day, was the cultural one, having as indicators the components of the Strategy adopted by the Republic (objectives, means, way or action). The basis of comparison was the first decades of the Republic, for such a period to represent the beginning of the significant structural changes of the national institutions. For this, support was sought from Colin Gray (2015), Beaufre (1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) and Silva (1981). , since they represent the modern thinking about the Strategy and its variations. To understand the post-Cold War political changes, the structures established by Huntington (1996; 1998) and Buzan & Hansen (2009) were taken into account. National issues of First Republic were analyzed from the point of view Carvalho (2005), McCann (2009) and Coelho (2000), as well as research in the Ministry of War and Foreign Relations Reports. As for the methodological proposal, it is characterized as a comparative, exploratory and qualitative case of study, with bibliographic data collection, and its results are presented in a mixed way (scientific articles and historical review). Thus, it is possible to observe changes, similarities and eventual patterns of continuity in national thinking, highlighting characteristics present in decisions and contributing to the understanding of the general and structuring lines of national thinking. Keywords: Brazil; First Republic; Grand Strategy; Strategic Culture; National Defense Policy.

Page 10: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figuras

Figura 1: o paradigma estratégico ............................................................................ 23 Figura 2: delineamento da pesquisa ......................................................................... 26 Figura 3: validação dos dados .................................................................................. 30

Quadro

Quadro 1: categorias de análise, indicadores e tipo de pesquisa ............................. 28 Quadro 2: técnica empregada para identificação das obras relevantes ................... 29 Quadro 3: Ministros da Guerra entre 1889 e 1910 ................................................... 37

Tabela

Tabela 1: aumento dos efetivos ................................................................................ 57

Page 11: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 9

1.1 APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................... 9

1.2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................................... 10

1.3 PROBLEMA ................................................................................................................................ 12

1.4 OBJETIVO GERAL ...................................................................................................................... 13

1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ....................................................................................................... 13

2 REFERENCIAL TEÓRICO................................................................................................................. 14

2.1 ESTRATÉGIA, GRANDE ESTRATÉGIA E CULTURA ESTRATÉGICA ..................................... 14

2.2 RELAÇÕES ENTRE CIVIS E MILITARES .................................................................................. 25

3 REFERENCIAL METODOLÓGICO ................................................................................................... 25

3.1 PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA .......................................................................................... 26

3.2 ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO ............................................................................................ 27

3.3 MÉTODO DE PESQUISA ............................................................................................................ 27

4 RESULTADO E DISCUSSÃO ........................................................................................................... 30

4.1 OS ANOS INICIAIS DA GRANDE ESTRATÉGIA NACIONAL NA REPÚBLICA ......................... 30

4.1.1 Conflitos internos .......................................................................................................... 33

4.1.2 Conflitos externos ......................................................................................................... 34

4.1.3 A Grande Estratégia na Política dos Governadores .................................................. 36

4.1.4 A Estratégia do Poder Naval ......................................................................................... 38

4.1.5 A Estratégia Terrestre ................................................................................................... 42

4.1.6 A Volta dos Militares, A Primeira Guerra Mundial, A Lei do Serviço Militar

Obrigatório e a Missão Francesa .............................................................................................. 49

4.1.7 A Grande Estratégia na implosão da Primeira República ......................................... 60

4.2. ELABORAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS ............................................................................ 63

ARTIGO 1: PESQUISA SISTEMÁTICA SOBRE CULTURA ESTRATÉGICA BRASILEIRA ...... 63

ARTIGO 2: A POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA SOB O PONTO DE VISTA CULTURAL ...... 92

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 115

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 119

Page 12: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

9

1 INTRODUÇÃO

1.1 APRESENTAÇÃO

Em linhas gerais, esta pesquisa visa apresentar alguns elementos da cultura

estratégica brasileira com base no entendimento de seu caráter nacional e de sua

identidade. Foge do lugar comum da visão puramente realista do equilíbrio de poder

e busca novas perspectivas para explicar a lógica brasileira para a elaboração de sua

Grande Estratégia. Pretende estabelecer a ligação entre as experiências estratégicas

ocorridas no período da Primeira República e o que foi consolidado no DNA nacional,

vindo a influenciar a Grande Estratégia brasileira atual.

O interesse no desenvolvimento de tal pesquisa surgiu durante as aulas da

disciplina eletiva de Cultura Estratégica do Curso de Comando e Estado-Maior

(CCEM) da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), quando

algumas questões foram formuladas e careciam de uma explicação mais apurada, tais

como: “qual seria a vocação brasileira - marítima ou terrestre?”; “a política nacional foi

feita de maneira acertada?”; e “o Brasil tem um projeto estratégico?”, dentre tantas

outras instigantes inquietudes.

A metodologia da pesquisa priorizou o estudo de caso comparativo entre dois

períodos de consideráveis mudanças - Primeira República e período posterior à

publicação da Política Nacional de Defesa (PND). Assim, poderão ser observadas as

alterações, as similitudes e os eventuais padrões de continuidade no pensamento

nacional, destacando características presentes em decisões e contribuindo para o

entendimento as linhas gerais e estruturantes do pensamento nacional.

Para isso, o referencial teórico traz os conceitos modernos sobre Estratégia,

Grande Estratégia e Cultura Estratégica. O capítulo de resultado e discussão inicia-

se com uma revisão histórica dos elementos da grande estratégia praticada na

Primeira República; na sequência, os resultados de uma pesquisa sistemática sobre

a cultura estratégica nacional são apresentados; e, finalmente, a PND foi analizada

sob o foco cultural.

Na revisão histórica da Primeira República, buscou-se relacionar, sob a ótica

da grande estratégia, os meandros dos principais desafios internos e externos que

acometeram o País, ficando gravados no subconsciente nacional, no período de 1889

a 1930; a revisão sistemática foi apresentada em forma de artigo científico acerca da

Page 13: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

10

cultura estratégica nacional, o seu foco foi identificar o modo como esta temática tem

sido trabalhada no meio acadêmico; e, por último, outro artigo científico pôs em

perspectiva a PND, parte simbólica da grande estratégia brasileira, sob o enfoque

cultural.

O estudo enquadra-se na linha de pesquisa Estudos da Paz e da Guerra do

Programa de Pós-graduação em Ciências Militares (PPGCM) da ECEME, uma vez

que o tema central relaciona-se à Grande Estratégia e à Cultura Estratégica nacionais.

1.2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como conceitos iniciais, postula-se que a Grande Estratégia deve ser

entendida como a política em ação, ou seja, a preparação e o emprego (ação/way) do

Poder Nacional (meios/resources) para atingir os interresses nacionais (objetivos/aim)

(MARTEL, 2015). Cultura Estratégica, por sua vez, representa o conjunto de atitudes,

crenças e comportamentos que influenciam a política de poder de determinado país

(BLACK, 2012).

No escopo de uma Grande Estratégia, entende-se que esforços devam ser

conjugados com o intuito de garantir a soberania, a segurança e o desenvolvimento

nacional a fim de proporcionar maior liberdade de ação ao país ante o sistema

internacional. Para tanto, faz-se necessário amplo debate que tenha alcance nas

políticas externa e de defesa do Brasil (objetivo nacionais), levando em consideração

seu entorno estratégico, suas relações interestatatais, a cultura estratégica (o DNA do

modo/way de agir), contando com o knowhow adquirido, e suas estruturas de Poder

para a Segurança Nacional, tomando-se por base os meios disponíveis (militares ou

não).

Barcelos (2016) comenta que a Doutrina de Góes Monteiro, dos anos de 1930,

concebia uma noção de Grande Estratégia a ser executada pelo Estado Brasileiro

com o auxílio das Forças Armadas, a partir de uma visão própria do desenvolvimento

e da ampliação do poder nacional.

Corrêa (2014) afirma que, nos últimos anos, o Brasil tem se tornado um ator

internacional de relevância crescente e que, nesse escopo, o século XXI é marcado

por antagonismos e incertezas. O País procura afirmar-se como potência regional e

projetar-se no cenário internacional, tendo passado por reformulações notáveis no

que tange aos documentos de Defesa e de Estratégia no sistema internacional.

Page 14: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

11

Estudos sobre a Grande Estratégia Brasileira, em cenário prospectivo e

comparativo, têm notável relevância no ambiente acadêmico nacional. Góes (2008)

analisou a construção sistemática da Grande Estratégia, destacando as principais

diferenças entre a formação norte-americana e a brasileira. Comparou, portanto, os

conceitos de Segurança Nacional, a formulação conceitual de Política e Estratégia,

colimando para a relevância da formulação de um modelo estratégico genuinamente

sul-americano.

Ademais, estudos que buscam identificar detalhes sobre a Grande Estratégia

Brasileira não se limitam a pesquisas realizadas dentro das fronteiras nacionais. Cita-

se, por exemplo, a pesquisa de Brands (2010), realizada no Strategic Studies Institute

do Army War College, em que analisou a Grande Estratégia durante os oito anos de

governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Mais recentemente, a Grande Estratégia do Brasil é comentada a partir de

discursos, artigos e entrevistas, durante a gestão de Celso Amorim no Ministério da

Defesa, entre os anos de 2011 e 2014. O compilado reuniu os principais

pronunciamentos acerca da política de defesa, apresentando a visão de uma Grande

Estratégia de defesa do interesse nacional e de contribuição para a paz, em que as

políticas, externa e de defesa, conjugam-se em uma sociedade plural e democrática

(AMORIM, 2016).

Martins e Oliveira (2015) entendem o Conceito Estratégico Nacional como o

"princípio organizacional segundo o qual se dá forma e direcionamento para o poder

nacional". Complementam a ideia sugerindo que a compreensão de que a defesa

nacional depende das infraestruturas econômica, geográfica e tecnológica,

proporcionando suporte ao aparato militar.

Kalout e Degaut (2017), em Relatório de Conjuntura que pressupõe o Brasil

como um país em busca de uma Grande Estratégia, discutem a necessidade de

relançar-se um projeto de política externa coerente e que seja capaz de alcançar

resultados adequados às aspirações e potencialidades do País. No documento,

apresentam tópicos relacionados à Cooperação Sul-Sul e à Reforma da Organização

das Nações Unidas (ONU); ativismo comercial fora do eixo; integração sul-americana

e as ambições globais do Brasil; e Defesa, Segurança e Inteligência. Concluem,

afirmando que todo país que se propõe a assumir um papel global ou exercer

liderança em sua região precisa de um projeto estratégico de Estado, focado no longo

Page 15: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

12

prazo, mas que também seja capaz de dar coerência e coesão aos projetos atuais.

Para eles, o Brasil carece de um projeto integrado, particulamente em política exterior.

1.3 PROBLEMA

No contexto da atual ordem internacional, não há sinais de arrefecimento de

conflitos militares, gerados pelos mais diversos motivos, por acesso a recursos

estratégicos e ainda pela ascensão de novas ameaças, tais como o terrorismo e os

ataques cibernéticos. Assim, a situação de pouca definição no sistema internacional

canaliza a conjugação de esforços para que o Brasil mantenha uma Grande Estratégia

coerente com suas necessidades, resiliente e atualizada, adequando os seus meios

aos interesses nacionais. Desta forma, é necessário haver sinergia e coordenação

entre setores sociais e instituições nacionais de modo a maximizar o potencial do

Poder Nacional.

Adicionalmente, a Nova Era Mundial1 trouxe problemas complexos para a

Defesa Nacional, onde a ameaça nuclear, a bipolarização e o inimigo interno já não

fazem mais sentido, dando espaço ao multilateralismo, às novas ameaças, ao

conceito de desterritorialização, à maior interdependência entre os Estados e à

ampliação do conceito de segurança2, onde o conceito de defesa está inserido.

Nesta nova ordem, os Estados-nações continuam sendo os mais importantes

na arena mundial, porém seus interesses, alianças e conflitos são moldados por

fatores culturais e civilizacionais (HUNTINGTON, 1998). Assim, cada Estado deve

encontrar sua própria estratégia e interagir de forma individual com os demais para

atingir os seus objetivos nacionais.

Neste sentido, faz-se importante para o Brasil reafirmar a sua identidade

nacional para melhor se enquadrar ao lado das potências ocidentais, quer seja como

representante legítimo de tal cultura, quer seja como uma subcultura3 integrante

1 Define-se nova era mundial, ou nova ordem mundial, como o período compreendido entre o fim da Guerra Fria e os tempos atuais, onde a ordem bipolar foi substituída por uma ordem ainda não definida. 2 Com o fim da Guerra Fria houve uma ampliação do conceito de Segurança, onde não só os problemas de guerra e paz entre os Estados eram importantes, mas também as vertentes da coesão societal (ou identitária), humana, alimentar, dentre outras (BUZAN e HANSEN, 2012). 3 Termo usado no sentido de: “[...] indicar a cultura que é própria da área de uma parte dividida da Cristandade, precisamos ter cuidado em não supor que uma subcultura é necessariamente uma cultura inferior; lembrando também que, embora uma subcultura possa sofrer perda ao se separar do corpo principal, o corpo principal também pode ser mutilado pela perda de um membro seu” (ELIOTT, 1988, p.95).

Page 16: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

13

daquela. Em busca de tal reafirmação, o período, de aproximadamente quarenta anos,

que se seguiu à Proclamação da República, foi crucial para o amadurecimento das

instituições republicanas, e sem dúvidas o espelho adotado foi, no primeiro momento,

europeu, embora a Constituição Nacional tenha se baseado na República Americana

(MAcCANN, 2009).

Assim, a substituição do imperador pelo presidente, embora tardia para os

padrões ocidentais, a laicização do Estado com fulcro no pensamento positivista, os

dois grandes conflitos internos de cunho religioso (Canudos e Contestado), a

consolidação das nossas fronteiras, legalizando anos de expansão para o oeste, a

participação na Primeira Guerra Mundial ao lado do ocidente, os primeiros contatos

com a doutrina comunista, a vinda da Missão Francesa e a imposição de Vargas como

presidente, entre diversos outros episódios, marcaram os momentos iniciais da jovem

república brasileira com reflexos para os anos seguintes.

Neste sentido, traçou-se o seguinte questionamento: em que medida a Grande

Estratégia Nacional praticada no período da Primeira República (1889-1930)

influenciou a formulação da PND (Grande Estratégia Brasileira da atualidade)?

1.4 OBJETIVO GERAL

O objetivo da pesquisa será identificar a influência da grande estratégia

adotada na Primeira República para a formulação da Grande Estratégia Brasileira da

atualidade. Assim, pôde-se destacar os padrões de mudanças e de continuidade, fruto

de amadurecimento histórico ou do particularismo político vigente, e as continuidades,

mais afetas ao caráter nacional.

1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

A maneira brasileira de conduzir suas questões dá um tom nacional à sua

Grande Estratégia, motivado pelo seu entorno estratégico, pela sua história militar,

sua evolução política e pelas características de sua população.

Destarte, a forma brasileira de conduzir “a guerra”, ou o processo de condução

da solução de conflitos, aliada às novas ameaças, demandam mecanismos modernos

e eficientes para gerar as capaciddades necessárias.

Page 17: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

14

Tendo em vistas estas premissas acima elencadas, foram estabelecidos,

respectivamente, os seguintes objetivos específicos:

1. Compreender os aspectos gerais do pensamento estratégico ocidental

acerca da Estratégia, Grande Estratégia e Cultura Estratégica;

2. Estudar a Grande Estratégia praticada pelo Brasil durante a Primeira

República (1889-1930);

3. Identificar a influência da cultura estratégica na Grande Estratégia da

atualidade (2012 aos dias atuais) com base na PND, e

4. Comparar a Grande Estratégia adotada no período da Primeira República

com a Grande Estratégia Brasileira da atualidade, ressaltando aos padrões de

mudança e de continuidade a fim de identificar a influência da cultura estratégica

nacional na formulação da Grande Estratégia Brasileira, seja ela escrita ou praticada.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

De acordo com Creswell (2009), o capítulo referente à teoria pode ser

empregado para explicar alguns termos fundamentais para a compreensão da

pesquisa, apresentar o modelo teórico a ser comprovado ou negado durante a mesma

ou para defender um novo modelo teórico proposto. Para fins deste trabalho, adotou-

se o primeiro modelo.

2.1 ESTRATÉGIA, GRANDE ESTRATÉGIA E CULTURA ESTRATÉGICA

Falar sobre estratégia não é tarefa fácil. Geralmente requer muitos anos de

estudos e uma boa experiência em setores do Estado envolvidos com a mesma. No

entanto, não se pode ter dúvidas quanto ao seu principal propósito e, muito menos,

medo de abordar o assunto, correndo o risco de se perder sua essência, que é

fundamental para a defesa de um país (PROENÇA JR; DINIZ; RAZA,1999).

A Estratégia do presente herdou as mesmas características do passado,

quando se fala em teoria, porém suas ferramentas, o ambiente e as mudanças

culturais causaram imensas transformações nos tipos de ameaça, objetivos nacionais

e meios disponíveis para atingi-los. Para Gray (2016):

Os gregos e, depois, os romanos necessitaram de segurança, e a maneira como tais necessidades foram, ou não, atendidas pode ser vista sob a lente de uma teoria geral da estratégia. Como teoria, a estratégia é capaz de lidar

Page 18: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

15

tanto com as galerias a remo ou as lanças pontiagudas como com as armas

nucleares e convencionais de precisão dos dias de hoje.

Algumas considerações são cruciais para entender o pensamento atual acerca

do assunto. A partir deste ponto, serão apresentadas algumas ideias fundamentais

para o entendimento da evolução e do funcionamento da Estratégia na atualidade, a

saber: 1) o surgimento dos principais aspectos da Estratégia e os momentos em que

os mesmos foram incorporados ao pensamento moderno; 2) a Grande Estratégia, que

é o produto final da evolução da própria estratégia;e 3) a Cultura Estratégica, o “DNA”

nacional formado a partir de um framework de acontecimentos, decisões e

experiências únicas de cada Estado, sendo um contraponto à visão puramente

armamentista e realista.

2.1.1 Estratégia

A partir do século XVIII, a europa presenciou a consolidação da ciência e o

surgimento de diversas áreas do conhecimento, tais como a matemática, a física, a

geometria e a astrologia, todas baseadas nas ciências naturais, aquelas que eram

provadas pela observação. As ciências militares, até então, não passavam de um

conjunto de regras/conselhos a serem seguidos, tais como formas de recrutamento,

tipos de formações, movimento de tropa, e etc.

Foi o caráter filosófico da obra de Clausewitz (1832), Vom Krieg, refletindo o

pensamento prussiano da época e utilizando ferramentas Hegelianas, no que tange à

dialética e ao determinismo histórico – que fez com que surgisse uma ciência militar

com ferramentas importantes para a compreensão de um pensamento superior e o

desenvolvimento de ferramentas (ciência) para se aperfeiçoar e melhor compreender

uma arte: a estratégia. A maneira como o pensamento científico da época influenciou

o trabalho de Clausewitz (1832) é resaltada por Howard (1983, p.12):

A idéia dos filósofos britânicos Berkeley e Hume, de que o homem não observava e absorvia passivamente os conhecimentos, mas que, ao invés disto, através do processo de observação criava esses conhecimentos e moldava o mundo através da sua própria percepção, exerceu uma grande influência na Alemanha. Clausewitz não precisou ler os trabalhos do seu contemporâneo Kant (e não há qualquer indício de que o tenha feito), para tornar-se familiarizado com essas idéias que formavam a base da filosofia daquele autor. Ele assimilou também aqueles autores que haviam reintroduzido o pensamento filosófico com o restabelecimento do Helenismo e que tanta influência exerceram no trabalho de Hegel.

Page 19: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

16

Os estudos sobre estratégia, durante todo o século XX e XXI, tiveram algum

embasamento na obra-prima de Clausewitz (1832). Suas profundas análises sobre a

condução das operações militares, principalmente aquelas empreendidas durante o

período napoleônico, foram responsáveis pelo sucesso da unificação alemã através

das campanhas de 1866/70 (contra a Áustria e a França), e isso foi evidenciado pela

afirmação de Moltke4 e Bismarck5 de que “fora a Bíblia e Homero, Clausewitz era o

autor cuja obra mais o havia influenciado” (HOWARD, 1983, p. 53).

Vom Kriege foi escrito através da observação de Clausewitz sobre as vitórias

e derrotas prussianas e francesas durante a chamada Era Napoleônica. Marcada pela

Revolução Francesa, essa era rompeu com todo tipo de ação estratégica adotada até

então, inaugurando uma época de grandes manobras com grandes efetivos aliada a

mente de um general oriundo de uma arma técnica (artilharia) e apoiada nas ciências

(balística), Napoleão Bonaparte.

A referida obra permanece como ponto de partida para novos pensadores, pois

o produto do profundo e instigante esforço filosófico foi o surgimento de conceitos que

permitiram o desenvolvimento de novas teorias. Conceitos como guerra abstrata e

guerra absoluta, a existência da fricção, o duelo de duas vontades, guerra limitada e

guerra total, centro de gravidade e ponto culminante, dentre outros conceitos

empregados até a presente data, se transformaram em ferramentas importantes para

a articulação da estratégia. A partir da nova linguagem introduzida por Clausewitz

(1832) a teoria continuou sendo desenvolvida.

O ponto de toque entre a teoria da estratégia desenvolvida por Clausewitz

(1832) e a Grande Estratégia está relacionado às suas reflexões finais, quando já

possuia um entendimento político mais apurado. Assim, a subordinação do poder

militar ao político e suas observações sobre a natureza da guerra, materializada no

camaleão6 e na trindade7, já apontam para a necessidade de um entendimento maior

e mais amplo sobre as esferas que influenciam a estratégia, aquela que transcede o

4 Marechal-de-Campo prussiano, responsável pelas vitórias prussianas nas Guerra contra a Áustria

(1866) e a França (1870) 5 Primeiro Ministro do Reino da Prússia (1871) e primeiro Chanceler do Império Alemão (1890) 6 A guerra é como um “camaleão” que muda sua aparência/natureza/características para cada situação configurada de acordo com a trindade. (CLAUSEWITZ, 2010) 7 A teoria da guerra orbita entre as três forças, representadas pelo povo, forças armadas e governo, mas não há a necessidade de um equilíbrio entre elas. “Eventos no campo de batalha têm influenciado as pessoas e os líderes políticos, enquanto os fatores populares e políticos, por sua vez, afetam a performance do Exército” (VILLACRES; BASSFORD, 1995, p.13).

Page 20: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

17

campo puramente militar e representam a vontade política ou a política em ação – a

Grande Estratégia.

Clausewitz (1832) percebeu que o poder militar e o poder político estavam

configurados em Napoleão Bonaparte, e o quão esta situação foi maléfica para a

França, pois a guerra começou a se alimentar de mais guerra e não houve o interesse

em diferenciar a estratégia militar da estratégia política, pois o exercício das mesmas

estava nas mãos de uma só pessoa. Fruto desta percepção, nasceu a ideia de

subordinação do poder militar ao político e o uso da força como instrumento deste,

mesmo sendo o último recurso. Tal pensamento, embora tenha causado algum

desconforto pela má interpretação do que seria a tal subordinação, gerou variados

modelos de relações entre civis e militares. Em suma, segundo Fuller (2002, p.65), a

grande contribuição de Clausewitz (1832) para a teoria da arte militar é sua insistência

nas relações da guerra com a política.

A compreensão mútua acerca das responsabilidades e das tarefas dos poderes

militar e politico é fundamental para o alinhamento dos objetivos de cada nação e para

o sucesso de qualquer conflito. Na história das duas grandes guerras mundiais essa

compreensão amadureceu com os erros e acertos. Mas as relações entre civis e

militares, fruto da subordinação, é dinâmica e depende da personalidade de cada

autoridade envolvida. Segundo Hart (1991, p. 319–320):

Muitas vezes soldados tiveram a absurda intenção de subordinar a política aos interesses das operações militares e, principalmente nos países democráticos, os políticos procuraram ultrapassar seu campo de ação para interferir no emprego do instrumento militar. [...] Por outro lado, o governo responsável pela formulação da política de guerra, precisa adaptá-lo ao curso das operações e pode, legitimamente, interferir nos planos militares já elaborados, porém somente para substituir o comandante responsável pela execução ou para modificar seus objetivos. Embora não deva jamais interferir diretamente nas operações, deve indicar, claramente, as tarefas a serem cumpridas.

Gray (2015) põe a subordinação da guerra à política de maneira metafórica,

por intermédio da ponte estratégica. Esta tem a função de ligar a política militar aos

objetivos políticos. Sem a capacidade de construí-la os esforços não poderão ser

estrategicamente conduzidos para alcançar o propósito político.

Embora seja clara a relação entre a guerra e a política, em momentos do passado a política foi um instrumento da guerra, ao menos temporariamente. Em vez de a estratégia servir de ponte para superar o rio tenebroso que

Page 21: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

18

separa a política das esferas militares, trabalhando de maneira construtiva em ambas as encostas – o establishment militar e a sociedade com sua política que deveria ser protegida por aqueles – isso pode ser um severo desafio. Em alguns casos a ponte estratégica simplesmente não funcionou – de fato, ela pode nem ter existido. O maior exemplo disto foi o caso da Alemanha nas duas grandes guerras. Nem em 1914 – 1918, ou em 1939 – 1945, a Alemanha teve uma instituição responsável pela estratégia capaz de guiar o combate de acordo com o senso político. O que aconteceu foi que em ambas as guerras os alemães lutaram com grande habilidade e determinação, mas felizmente eles não foram dirigidos pela estratégia para atingir um razoável propósito político. O que faltou, ou foi impossível, para a Alemanha Imperial e a Nazista foi a construção e o emprego de uma ponte estratégica (GRAY, 2015, p.28).

Uma estratégia pode dar errado e sair do controle, civis podem, e sempre o

fazem, criticar uma estratégia adotada, principalmente se for puramente militar e der

errado, mas isso não quer dizer que ela não esteja subordinada a política, e que não

tenha sido uma escolha dentre várias disponíveis (MARTEL, 2015).

A direção política da guerra ou conflito e a influência cultural de cada escolha,

garante as características políticas da estratégia. O caráter essencialmente político da

estratégia é ressaltado por Gray (2015):

Independentemente dos detalhes técnicos e culturais específicos, a estratégia deve ser regida por um processo político superior. Isso não é discricionário. Violência, organizada ou de outro tipo, sempre, e em todos os lugares, tem algum significado político (GRAY, 2015, p.5).

O seu caráter político a torna ambígua, pois a estratégia é a maneira com que

a elite que está no poder acha melhor par atingir os objetivos que lhe atendem de

certa forma, encontrando, assim, sempre um opositor pronto para criticar e apresentar

alternativas que, de fato, são estratégicas mas seguem em outra direção, a da

oposição (MARTEL, 2015).

A Estratégia é paradoxal – si vis pacem, para bellum – e o paradoxo causa

confusão sendo de difícil entendimento para políticos, cujo pensamento é linear,

simplesmente pelo fato de não agregar votos em tempos de paz. No entanto, no

campo da estratégia, a citação romana faz total sentido. Para Luttwak (2009, p.18):

Por que essa ruidosa contradição é tão facilmente aceita? Considerar o absurdo de fato equivalente em qualquer outra esfera de vida que não a estratégica seria: se você deseja A, lute por B, seu opositor; ou se você deseja perder peso, coma mais; ou ainda se você deseja tornar-se rico, ganhe menos – certamente rejeitaríamos todas essas proposições. É apenas no campo da estratégia que engloba a conduta e as consequências das relações humanas no contexto do conflito armado real ou possível, que nós aprendemos a aceitar proposições paradoxais como válidas.

Page 22: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

19

Outras questões paradoxais são: um meio mais rápido de se chegar a um

determinado objetivo, nem sempre é uma reta; milhões gastos com armamento

nuclear, objetivando ter superioridade na guerra, porém o que se consegue é: a mútua

destruição, que nunca foi objetivo estratégico; e inviabilidade de um conflito ou

incapacidade de ameaçar dada a força desproporcional da mesma. Em países menos

desenvolvidos, gastos com estratégias são contestados ao passo que pessoas vivem

na pobreza e não se consegue justificar o investimento alto em defesa (LUTTWAK,

2009).

Gray (2015) sinaliza a importância de um contexto cultural para maior

aceitabilidade de uma estratégia, além de ela se relacionar sempre com as

ansiedades atuais da sociedade, estando impossibilitada de ser produzida em

ambiente isolado (abstrato), mas sim influenciada pelo futuro próximo. O autor

recomenda que se faça uma consideração acerca do passado histórico de cada

nação, a fim de separar as ações que podem ser impulsivas daquelas que realmente

tiveram efeito para determinada nação.

Até a Primeira Grande Guerra, o foco ainda era a estratégia pura, aquela

destinada ao poder militar, pois os outros poderes nacionais ainda não estavam tão

desenvolvidos institucionalmente ao ponto de decidirem um impasse (MARTEL,

2015).

2.1.2 Grande Estratégia

Com a industrialização, o poder econômico virou o centro da estratégia,

fazendo com que sua base fosse social. Assim, a sociedade virou a mola propulsora,

fornecendo não somente recrutas, mão de obra, capacidades tecnológicas, e suporte

político dentro de suas fronteiras, mas também, direcionando parte desse arsenal,

bem como bombas voadoras, para alvos civis do outro lado da fronteira. Ou seja, na

época da Segunda Grande Guerra, os Estados industrializados possuíam uma gama

de potencialidades que eram mais atinentes a sociedade (MARTEL, 2015, p. 25).

Coutau-Begarie (2010) corrobora a ideia de Grande Estratégia como a política

em ação, que surgiu como uma ideia anglo-saxônica nos anos 1920, cujo propósito,

definido por Hart (1990), era de “coordenar e dirigir todos os recursos da nação ou de

uma coalizão, a fim de atingir o objetivo político da guerra” (COUTAU-BÉGARIE, 2010,

Page 23: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

20

p. 101). Assim, as responsabilidades de defesa recaíram também sobre a economia

e a diplomacia que já começavam a fazer a diferença no campo internacional.

De acordo com Gray (2015), o termo “Grande Estratégia” pode ser entendido

de um ponto de vista mais elevado e, hierarquicamente falando, como sendo a

estratégia do topo, aquela que engloba todas as outras e que é materializada.

Existe uma ambiguidade quando se fala sobre Grande Estratégia, pois ela

constantemente é usada tanto para especificar uma abordagem geral para a política

(Policy) como políticas específicas (politics) que um Estado deve perseguir em tempos

de paz ou de guerra (MARTEL, 2015).

Segundo o mesmo autor, o processo de implementação da Grande Estratégia

consiste em duas capacidades: primeiro, organizar os fundamentos domésticos do

poder nacional para fortalecer os interesses domésticos a longo prazo, e segundo, a

habilidade do Estado equilibrar meios e objetivos.

Os objetivos são traduzidos em interesses e aspirações do grupo nacional,

tendo em vista a sua própria sobrevivência como grupo, isto é, asseguradas as três

condições básicas de autodeterminação, integração crescente e prosperidade, dentro

do quadro especial, seja imposto pela tradição histórica, seja requerido por condições

julgadas essenciais àquela mesma sobrevivência. A elaboração dos objetivos

nacionais permanentes (ONP) é, por assim dizer, instintiva e resultante naturalmente

do processo histórico através do qual o grupo adquire e plasma uma sociedade

nacional (SILVA, 1981, p. 251–252).

Ainda no tocante aos objetivos, é interessante ressaltar a diferença entre

objetivo nacional e objetivo militar. Para que não fique a ideia de que determinado país

devesse conduzir uma guerra simplesmente pela guerra, mas sim, em perseguição

de sua política. Os dois são diferentes embora não estejam separados. Hart (1991,

p.338) diferencia objetivo nacional (object) de objetivo militar (aim), postulando que o

primeiro visa o propósito da política (e deve ser em termos da paz que se deseja além

do conflito), enquanto o último, o modo como as forças militares são direcionadas em

serviço da política (em termos de conquista física e geográfica).

Quanto aos meios, “para ser grande, a estratégia precisa ser capaz de

mobilizar qualquer um dos ativos da comunidade” (GRAY, 2015, p.15).

Como os fins condicionam os meios, é necessário fazer uma reflexão sobre

onde queremos chegar (objetivos) para nos assegurarmos da adequabilidade, ou não,

Page 24: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

21

dos meios. Silva (1981) faz uma interessante inversão desta ordem, voltada para

países como o Brasil, onde o Poder Nacional é limitado e, objetivando obtê-lo, põe o

desenvolvimento dos meios como sendo os fins para, em um segundo momento,

poder almejar mais alto.

Buzan e Hansen (2009) discorreram sobre novos componentes da Grande

Estratégia Nacional por intermédio da obra “A Evolução dos Estudo de Segurança

Internacional”, introduzindo o conceito de segurança e o seu uso pelos Estados para

atingir seus objetivos políticos a partir do pós-Segunda Guerra Mundial. Diversas

interpretações a respeito da referência a ser securitizada hifenizaram tal conceito de

maneira que servissem aos diversos propósitos. Os Estudos de Segurança

Internacional, tendo como conceito-chave “segurança” e não mais defesa ou guerra,

segundo Buzan e Lene (2009, p.24), “ampliou o estudo para um conjunto maior de

questões políticas, incluindo a importância da coesão societal e a relação entre

ameaças e vulnerabilidades militares e não militares”. Assim, as questões que

estruturaram os Estudos de Segurança Internacional (1.estadocentrista; 2.ameaças

internas e externas; 2.expansão da segurança para além do setor miltar e do uso da

força; e 4. Dinâmica de ameaças, perigos e urgência) repercutiram de alguma forma

na eleboração das diversas estratégias nacionais a partir do fim da 2ª Guerra Mundial.

2.1.3 Cultura Estratégica

O esforço para entender e o carimbo dado por Liddel Hart (1991) ao modo de

fazer guerra britânico, através de um estudo abrangente de História Militar, nos

fornece um quadro sequencial e deliberado que ressalta a estratégia indireta daquele

país. Muito tempo depois, durante a Guerra Fria, o cientista político Jack Sydney veio

com a ideia de que os russos não pensavam da mesma maneira que os americanos,

em relação à destruição mútua assegurada, ele supunha que os russos pensavam

diferentemente da teoria da escolha racional (SONDHAUS, 2006), em função de os

dois países terem diferentes culturas estratégicas. Esses conceitos, modo de guerra

e cultura estratégica, abriram o caminho para a relevância da cultura no

comportamento estratégico, não em oposição à visão realista, mas em complemento

a ela.

Segundo o mesmo autor, durante longos períodos, os dois corpos de literatura,

historiadores e cientistas políticos, seguiram caminhos distintos entre si. Percebendo

Page 25: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

22

a importância de um ponto de vista amplo, compreendendo outras disciplinas como

sociologia e geopolítica, por exemplo, Sondhaus (2006) explica em sua obra "Strategic

Culture and Ways of War" os aspectos culturais da Europa, dos americanos, da Ásia

e da África, sendo mais específicos com algumas potências como Inglaterra, Rússia,

Estados Unidos e Alemanha e mais genérico em relação a países como o Brasil, na

América do Sul e o Paquistão, na Ásia. No entanto, todos os países têm um papel

crucial em suas respectivas regiões, e a compreensão a respeito da cultura

estratégica do Brasil, em particular, pode contribuir para a continuidade da paz na

zona mais desmilitarizada do globo.

Com Snyder (1977) e Gray (1999), a primeira geração de cultura estratégica

veio das análises do comportamento entre os Estados Unidos e a União Soviética

durante a Guerra Fria. Snyder (1977) concluiu que ambas as nações tinham culturas

diferentes e isso influenciaria em sua mentalidade sobre o uso de armas nucleares.

Em sua maior parte da teoria, a cultura estratégica tem um papel crucial na formação

do comportamento do estado. Segundo Sondhaus (2006), Gray foi responsável pela

evolução da literatura, tendo suas definições mais abrangentes surgidas de sua

resposta a Johnston em 1999.

O surgimento da segunda geração, como uma oposição a primeira, ressaltou

a separação radical entre cultura estratégica e estratégia declarada. Assim, a cultura

estratégica é vista como uma ferramenta para a consolidação da política hegemônica

do ponto de vista das decisões estratégicas. Enquanto a cultura estratégica visa

reforçar a hegemonia política de determinado grupo no poder, a estratégia declarada

“apresenta diversas orientações para a violência e os modos como o Estado pode

legitimar o seu uso contra inimigos em potencial” (KLEIN, 1988, p. 136). O interesse

dos decisores, mais que a cultura estratégica, é que molda e limita a escolha

estratégica (SONHOUS, 2006, p.8). Neste ponto, “foi palpável a produção política de

hegemonia articulada teoricamente pela concepção Gramsciana” (KLEIN, 1988).

Para Johnston et al. (1995), um representante da terceira geração, se um

estado tem uma diversidade de particularidades que podem moldar seu

comportamento - experiências geográficas, políticas, culturais e estratégicas - é válido

assumir que esta situação pode produzir diferentes culturas estratégicas. O autor

defende uma noção de cultura estratégica que poderia ser “falsiable” ou que pudesse

ser “distinguível das variáveis não culturais”. Ele define a cultura estratégica com uma

Page 26: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

23

“suposição básica sobre um conjunto de símbolos” 8 que trabalham juntos para

apresentar uma estratégia de acordo com eles. Em seu modelo há três eixos principais

a serem considerados, resultando em uma resposta (estratégia), figura 1.

Figura 1: o paradigma estratégico

Fonte: Johnston (1995)

A existência da “Estratégia dos Símbolos”, como estratégia operacional, não

exclui uma “Estratégia Simbólica”, como documento protocolar para formalizar,

dissuadir ou até suavizar uma linha de ação agressiva que parte de uma interpretação

particular dos símbolos. “A declarada (abstrata) doutrina nuclear representa o que os

tomadores de decisões estratégicas desejam que suas decisões sejam, embora

possam diferir da doutrina operacional (absoluta ou real)” (JOHNSTON et al.1995, 57).

Gray (1999), em resposta a Johnston (1995), afirma que a imortalidade da

cultura estratégica reside em ser ela uma das dimensões da estratégia, englobando

ideias persistentes, atitudes, tradições e hábitos da mente, ou mesmo métodos

preferenciais de operações que pertencem a uma "comunidade de segurança"

particular com características geográficas e particularidades históricas. Embora cada

dimensão possa ser analisada isoladamente, todas elas funcionam sinergicamente

8A cultura estratégica como um "sistema de símbolos" compreende duas partes: a primeira consiste

em suposições básicas sobre a ordenação do ambiente estratégico, isto é, sobre o papel da guerra nos assuntos humanos (se ela é inevitável ou uma aberração), a natureza do adversário e a ameaça que ele representa (soma zero ou soma variável) e sobre a eficácia do uso da força (sobre a capacidade de controlar resultados e eliminar ameaças, e as condições sob as quais a força aplicada é útil) (JOHNSTON, 1995, p.90).

Page 27: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

24

para formar a estratégia como um todo. Para o autor, a unidade entre influência

cultural e ação política nega a existência de causa e efeito. Ele destaca que as

particularidades de um país dizem muito sobre suas atitudes, como no caso da Guerra

Fria, onde algumas das ações foram realizadas por motivos internos e não pela

necessidade de equilíbrio das forças. Gray concorda com Johnston em algum

aspecto, quando ele diz: as escolhas estratégicas são levantadas de acordo com as

percepções de seus oponentes e de si mesmo; a cultura influencia e é influenciada

pelo contexto; e uma escolha estratégica pode negar uma cultura predominante, e

uma comunidade de segurança pode ter mais de uma cultura estratégica.

Black (2012) nos recorda da característica dinâmica da cultura tal como a

realidade e o processo analítico, considerando a problematização da mesma. Em seu

ponto de vista, as Ciências Sociais entenderam essa questão, enquanto a História

Militar continua menos refinada. O autor destaca que é útil apresentar a cultura como

ela própria mutável e não como uma força constante que impõe um conjunto de

práticas aos seus sujeitos. Para ele, existem diferenças entre respostas culturais e

respostas a circunstâncias funcionais específicas. Uma situação específica no

passado, isolada, não pode refletir a cultura atual de um Estado. Outra questão

essencial é que a tendência de separar o modo de guerra ocidental do não ocidental

ou os cristãos dos muçulmanos comete o erro de não considerar a individualidade que

compõe essas partes do mundo. Esta última consideração pode ser vista na variedade

de culturas estratégicas islâmicas, e na capacidade dos Estados desenvolverem suas

próprias opções estratégicas.

Por razões que garantem a classificação da Grande Estratégia como cultural,

a cultura estratégica pode ser categorizada de acordo com ela. Um padrão de

confiança em um ou alguns dos instrumentos da Grande Estratégia caracterizaria uma

cultura estratégica específica. De acordo com essa ideia de Gray (2016), este estudo

é baseado, tentando entender os padrões de continuidade existentes em uma Grande

Estratégia em particular ao se pôr em perspectiva as estratégias do passado lado a

lado com as do presente, sem, no entanto, acreditar que em todas as ocasiões o

comportamento ocorrerá da mesma maneira.

Page 28: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

25

2.2 RELAÇÕES ENTRE CIVIS E MILITARES

A partir da prudente premissa clausewitziana da subordinação do poder militar

ao poder político e segundo Hungtinton (1996, p.76), “Clausewitz também contribuiu

com primeira justificativa teórica para o controle civil”. Desta forma, toda formulação

estratégica e as decisões tomadas por um país passavam por um jogo de interesses

entre civis e militares.

Em sua obra “O Soldado e O Estado”, Samuel Hungtinton (1996) ressalta dois

tipos de controle civil mais importantes: o controle civil subjetivo e o controle civil

objetivo. O primeiro é amplamente negativo, com envolvimento de militares na política

e com domínio de “grupos civis” sobre os militares, além de haver um boicote da força

militar com graves consequências para sua operacionalidade. Já o segundo, vem com

maior profissionalização dos militares e ausência de interferências externas na política

militar. As ferramentas da teoria (controle objetivo, controle subjetivo e relações entre

civis e militares) de Hungtinton (1996) para medir tais relações dicotômicas serão

empregadas para se entender o peso dessas relações passadas nas decisões

tomadas e na atual Grande Estratégia Nacional.

3 REFERENCIAL METODOLÓGICO

Este tópico tem o objetivo de definir a maneira como a pesquisa foi realizada e

a metodologia empregada. Assim, foram delineados os parâmetros metodológicos

mais adequados ao tipo de pesquisa a ser realizada.

Foi empregado o modelo de Creswell (2009) como parâmetro para o

delineamento da pesquisa, conforme a Figura 2 onde estão em vermelho as escolhas

da Epistemologia, das Estratégias, do Delineamento da Pesquisa e do Método de

pesquisa que serão utilizados.

Page 29: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

26

Figura 2: delineamento da pesquisa

Fonte: Creswell (2009, p.5), adaptado pelo Autor

3.1 PERSPECTIVA EPISTEMOLÓGICA

A epistemologia, ou visão de mundo empregada, foi a social-construtivista, onde,

segundo Creswell (2009), busca-se a compreensão do mundo em que vivemos e

trabalhamos, bem como desenvolve-se significados subjetivos de experiências

adquiridas, direcionando o entendimento de certos objetos ou coisas. Tal teoria

baseia-se na história e nas experiências vividas pelos indivíduos que, interagindo,

formam uma maneira própria de agir e pensar. A perspectiva social-construtivista,

ainda, permite trabalhar melhor ideias complexas e abertas tal como o é o tema

proposto.

Epistemologia Pós-positivista Social Construtivista Participatória Pragmática

Estratégias Qualitativas (ex., Estudo de caso) Quantitativa (ex., experimental) Misto (ex., sequencial)

Método de pesquisa Questões Coleta de dados Análise dos dados Interpretação Escrituração Validação

Delineamento da Pesquisa Quantitativa Qualitativa Mista

Page 30: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

27

3.2 ESTRATÉGIA DE INVESTIGAÇÃO

Para Creswell (2009), as estratégias de investigação são modelos qualitativos,

quantitativos ou mistos que dão uma direção específica aos procedimentos em um

delineamento de pesquisa.

Na presente pesquisa, realizou-se uma comparação por meio de um estudo de

caso, pois tal método “pode ser usado como base para desenvolver tipologias ou

modelos dos diferentes modos que países ou culturas se organizam ou pensam sobre

eles mesmos” (MATTHEWS; ROSS, 2010, p.131).

Um estudo de caso comparativo entre a grande estratégia desenvolvida no

período da Primeira República e a observada na atualidade – a partir da apresentação

da Política Nacional de Defesa ao Congresso Nacional, em 2012 – pode revelar os

padrões de mudança e continuidade desta última em relação à primeira. Observando

tais padrões, pode-se avaliar a Cultura Estratégica Nacional, objeto desta pesquisa.

3.3 MÉTODO DE PESQUISA

A pesquisa foi do tipo exploratória, pois proporcionou a familiaridade com uma

temática pouco explorada, oferecendo subsídios para apontar aproximações e

distanciamentos sobre o que foi estudado e analisado (GIL, 2008).

Levando em consideração que o método de pesquisa a ser empregado “deve

ser baseado na questão de pesquisa e na natureza dos dados a serem coletados e

analisados para responder tal questão” (MATTHEWS; ROSS, 2010, p.113), foi

adotada uma abordagem plurimetodológica, do tipo qualitativa, devido à

complexidade e à abrangência temporal do tema. Para tanto, foram realizados os

seguintes tipos de pesquisa sobre o tema pesquisado: histórica, sistemática e

documental.

Na pesquisa histórica, buscou-se elencar os principais desafios enfrentados

pelo País nas décadas iniciais da República. A pesquisa sistemática, por sua vez, teve

por finalidade descobrir o atual estado da arte do objeto de estudo, visando, também,

qualificar a produção literária, prover referenciais teóricos e metodológicos, além de

proporcionar uma visão de pontos a serem esclarecidos e ou pesquisados. Por fim, a

pesquisa documental pôs em perspectiva a PND.

Page 31: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

28

Assim, as principais bibliografias referentes às categorias de análise (Quadro 1)

foram exploradas sob a lupa dos indicadores desta pesquisa. Abrangeu, também,

busca em documentos primários, por intermédio dos Relatórios do Ministério da

Guerra, referentes ao período da Primeira República (1889-1930), existentes no

Arquivo Histórico Nacional. Foram utilizados, também como fonte primária, os atuais

documentos estratégicos nacionais. Deste modo, buscou-se, a todo momento, a

qualificação dos indicadores delineados no Quadro abaixo.

Quadro 1: categorias de análise, indicadores e tipo de pesquisa

Tipo de pesquisa

Categorias de análise Indicadores Resultado

Revisão histórica

Grande Estratégia da Primeira República

Ameaças Objetivos e Interesses

Preparação do Poder Nacional Ações

Caracterização da Cultura Estratégica Nacional pela identificação de traços de continuidade na atual Grande estratégia Nacional pela influência do Período da Primeira República.

Pesquisa sistemática

Pesquisa

documental

Grande Estratégia Atual

Fonte: o Autor

Os resultados da pesquisa foram apresentados em forma de uma revisão

histórica e dois artigos científicos, intitulados respectivamente: Os anos iniciais da

Grande Estratégia Nacional na República; Pesquisa Sistemática Sobre Cultura

Estratégica Brasileira; e A PND Sob Ponto de Vista Cultural.

Para a pesquisa histórica, partiu-se da literatura básica que trata sobre o Exército

e a sociedade nos primeiros anos da República (ALSINA JUNIOR, 2015; CARVALHO,

2006; CARVALHO, 2009; MAcCANN, 2009; VINHOSA, 2015; COELHO, 2009), além

da leitura de relatórios do Ministério da Guerra. O produto foi a categorização temporal

de episódios importantes para o imaginário nacional (cultura estratégica).

Já na pesquisa sistemática, foi realizada uma busca na literatura disponível nas

principais bases de dados da Seção de Publicação, Divulgação e Catalogação

(SPDC) - Biblioteca "31 de Março" da ECEME, com o acesso ao Portal de Periódicos

da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

empregando unidades semânticas com seus sinônimos e adjetivos relacionados no

Quadro 2.

Page 32: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

29

Quadro 2: técnica empregada para identificação das obras relevantes

Unidade Semântica Idioma Palavras-chave

Estratégia (E) Português estratégia AND (militar OR defesa) AND Brasil

Inglês strategy AND (military OR defense) AND Brazil

Cultura (C)

Português cultura AND (militar OR defesa OR segurança) AND

Brasil

Inglês culture AND (military OR defense OR security) AND

Brazil

CRITÉRIOS COMUNS DA PESQUISA

Limitadores

Analisado por pares

Tipos de documentos

Revistas acadêmicas

Exibição

Por representatividade

Fonte: o Autor.

Os dados bibliométricos (avaliação do estrato do periódico, segundo o Qualis

CAPES, ano de publicação, autores e revistas) foram catalogados com o intuito de

qualificar os trabalhos encontrados. Para isso, a pesquisa sistemática seguiu o

esquema bottom-up da Figura 3, onde os dados bibliográficos foram extraídos das

bases de dados citadas acima, organizados com o emprego do software EndNoteX9

(correção de dados, organização, leitura e seleção); após o levantamento e

preparação dos artigos, empregou-se o software IRAMUTEQ para a definição das

temáticas encontradas; e, por fim, os conteúdos foram inter-relacionados,

interpretados e descritos.

No artigo destinado à análise da PND, empregou-se o software de análise de

dados ATLAS ti para categorizar o conteúdo da PND, pondo os objetivos e as

orientações constantes no corpo do referido documento em perspectiva para inferir

sobre a influência da cultura estratégica na Grande Estratégia Nacional.

Page 33: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

30

Figura 3: validação dos dados

Fonte: Creswell (2009, p. 185), adaptado pelo Autor.

4 RESULTADO E DISCUSSÃO

Os resultados foram apresentados em forma de uma revisão histórica e dois

artigos científicos a serem formatados de acordo com a revista escolhida, ainda não

definida.

4.1 OS ANOS INICIAIS DA GRANDE ESTRATÉGIA NACIONAL NA REPÚBLICA

Fator decisivo para a queda do antigo regime no Brasil foi a insatisfação militar

com todo o desprestígio experimentado durante grande parte do período Imperial. A

chamada “política de erradicação” 9 do Exército com o intuito de, indiretamente,

enfraquecer o poder central, havia ido longe demais.

Segundo o próprio Ouro Preto, em conversa com Deodoro da Fonseca, o

mesmo declarou que:

No meio do mais profundo silêncio, certificou-me de que se pusera à frente do Exército para vingar as gravíssimas ofensas recebidas do Governo (...) só o Exército, afirmou, sabia sacrificar-se pela Pátria, e, no entanto, maltratavam-no os homens políticos que até então haviam

9 A política de erradicação, que se nutre de atitudes hostis à existência de uma força armada permanente e oficial, consiste em aplicar à organização militar a máxima do conformar-se ou perecer (COELHO, 2000, p.49).

Validação dos dados

Interpretação do Significado dos Temas/Descrições

Interrelacionamento dos Temas/Descrição

Tema Descrição

Codificação dos dados

(computador)

Leitura dos dados

Organização dos dados para análise

Dados primários e bibliográficos

Page 34: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

31

dirigido o país, cuidando exclusivamente dos seus interesses pessoais (JÚNIOR, 2015).

Esta fala de Deodoro resume todos os motivos que levaram o componente

militar a iniciar esta intervenção na política nacional, o desprestígio do Exército

Brasileiro. Soma-se a isso a existência da Guarda Nacional cujo recrutamento

concorria com o Exército de maneira a desprestigiar este último, como observa

Carvalho (2006):

O piso da renda para o serviço na Guarda excluía dela praticamente todos os cidadãos que eram normalmente recrutados para o Exército e a Marinha. A Guarda incorporava os grupos de renda mais alto do país, ao passo que o Exército não se ligava a esses grupos nem mesmo pela oficialidade, como em parte o fazia a Marinha. Criou-se assim um verdadeiro divórcio entre o Exército e a elite civil (CARVALHO, 2006, p.21).

O subemprego do Exército, também foi ponto de ruptura com o antigo regime,

pois por muito tempo a Força Terrestre estava sendo empregada para caçar escravos

fugitivos, situação pouco louvável e que suscitou movimentos contestatórios e ações

indisciplinadas contra a ordem dos superiores. Tal situação foi parar na Câmara dos

Deputados, na declaração de Joaquim Nabuco: “O Governo está empregando o nosso

Exército em um fim completamente estranho a tudo que há de mais nobre para o

soldado. O Governo está empregando os soldados brasileiros como capitães-do-mato

na pega de negros fugidos!” (McCANN, 2009, p.30).

Com o seu protagonismo na Proclamação da República, os vínculos primários

que o ligavam a sociedade civil numa relação de dependência absoluta foram

rompidos e a força terrestre iniciaria um movimento para a obtenção de uma

identidade baseada na crença da deterioração da ordem civil e na superioridade da

ordem militar (COELHO, 2009).

Fundada a República, chega-se a fase do governo. Agora sem o poder

moderador, apoiado no Senado Vitalício e no Conselho de Estado, o Exército seria o

fio de Ariadne, condutor do novo regime pelos labirintos da "República Velha”. O

problema, porém, consistia no modelo a ser adotado. Moderador ou Regenerador da

sociedade? Ambos foram empregados para justificar a atuação dos militares na

Grande Estratégia Nacional.

Page 35: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

32

A via Moderadora, com suporte na Constituição de 1891, justificou as

intervenções sob cooptação das elites civis, notadamente a paulista. A regeneradora

estava mais presente na mentalidade militar, porém de maneira vaga (COELHO,

2009). De qualquer forma, a profissionalização da força foi deixada de lado enquanto

crescia nas elites civis a necessidade do controle destes sobre os militares.

Embora de inspiração americana, a constituição teve em seu Art. 14, referente

às forças armadas, origem positivista e garantidora da intervenção militar, quando

necessária, de acordo com as observações de Faoro (2012):

Um decreto de 14 de abril de 1890 define, nos consideranda, a posição do militar na sociedade política: “o soldado, elemento de força, deve ser de hoje em diante o cidadão armado – corporificação da honra nacional e importante cooperador do progresso como garantia da ordem e da paz públicas, apoio inteligente e bem intencionado das instituições republicanas, jamais instrumento servil e maleável por uma obediência passiva e inconsciente que rebaixa o caráter, aniquila o estímulo e abate o moral”. A doutrina que o decreto revela, acusada de introduzir no direito o militar político, vestíbulo do militarismo, obra de Benjamin Constant evoluiu para a cláusula do artigo 14 da constituição de 1891: “A força armada é essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos a sustentar as instituições constitucionais” (FAORO, 2012, p.612).

O grande desafio à grande estratégia nacional da Primeira República seria

manter coeso um país tão dividido pela existência de verdadeiras ilhas de

desenvolvimento sem a devida infraestrutura para conectá-las ao poder central.

O perigo do regionalismo, em um país sem partidos políticos nacionais

amadurecidos, descambar para a fragmentação era grande e, assim, o ideal liberal-

federalista se fez presente nas escrituras da Constituição Federal de 1891, pelas

mãos de Rui Barbosa, dando certa autonomia aos estados, mas mantendo os

mesmos conectados.

A fórmula para o funcionamento da República foi a instauração de

Governadores de estado alinhados ao Presidente, e assim surgiram as intervenções

federais, a política dos governadores e a política das salvações, única forma de

governar um país regionalizado. Como suporte a tais estruturas figurava o Exército

Nacional como garantidor da lei e da ordem que ora se impusera ao país.

Page 36: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

33

4.1.1 Conflitos internos

A inabilidade política de Deodoro, aliada às denúncias de irresponsabilidade

fiscal, fizeram o mesmo fechar o congresso nacional, desencadeando uma guerra civil

envolvendo a Armada Nacional com o apoio dos federalistas do sul do país. Fica claro

que o estamento do Exército Brasileiro, por si só, não seria suficiente para governar o

país, mesmo com uma ditadura.

Substitui Deodoro, o seu vice, Floriano e o movimento jacobino, simpatizante

de um governo central forte com apoio popular, ganha força neste momento. Porém,

a Revolta da Armada feriu fundo o início dos primeiros anos da República.

A ajuda veio do irmão do Norte, dos Estados Unidos da América, a famosa

Frota Flint veio em socorro do General Floriano, neutralizando as influências inglesas

e francesas na baía de Guanabara.

As divergências entre os militares eram grandes e não havia concordância

sobre qual modelo seguir para ditar a atuação das Forças Armadas na República.

Para se conseguir consenso, expurgos e expulsões foram desencadeados. Em alguns

casos, a situação se reverteu como ocorreu com o reformador General Mallet e com

os conspiradores das Escolas Militares em 1895, 1897 e 1904 que foram anistiados.

Mas exemplo maior de expurgo foi o que ocorreu com o manifesto dos 13 generais:

O manifesto dos 13 Generais do Exército e da Armada ao Presidente Floriano pedindo que fizesse cessar a “desorganização em que se achavam os estados, devido à indébita intervenção das Forças Armadas nas deposições dos respectivos governadores” (CALMON, Apud JÚNIOR, 2015) foi severamente combatido pelo Presidente com prisões de generais, altos oficiais, congressistas, jornalistas e outros adversários, os mandando para a cidade de Tabatinga, na Amazônia, conhecida como a “antessala do inferno” (McCANN, 2009, p.50-51).

Findo o Governo de Floriano, o primeiro governo civil de Prudente de Morais

encontraria muita resistência para se firmar. O conflito que se iniciou em seu governo

e que foi imortalizado no imaginário nacional, quer seja pela obra de Euclides da

Cunha, mostrando uma nova identidade nacional, o sertanejo, quer seja nos relatórios

militares do Ministério da Guerra, Canudos reduziu a capacidade operacional do

Exército, fortalecendo o apoio ao Presidente civil, por ocasião da tentativa de

assassinato que resultou na morte do Ministro da Guerra, General Bittencourt.

Page 37: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

34

O pecado original da República, na opinião de José Murilo de Carvalho, foi a

exclusão do povo na ocasião da própria proclamação e nas decisões políticas que se

seguiram e moldaram este regime de governo no Brasil, pelo menos até a década de

trinta, quando o número de eleitores começou a figurar significativamente

(CARVALHO, 2017).

Assim, sem representatividade, num governo onde as elites locais ditavam as

regras, Canudos (1895) e, futuramente, Contestado (1914-1917) representaram um

massacre para a população religiosa do interior do país, órfãos do sistema patriarcal,

católico e quase feudal que a Constituição de 1891 pôs fim, pelo menos em teoria.

4.1.2 Conflitos externos

4.1.2.1 Ocupação Inglesa da Ilha da Trindade (1895)

A ocupação da Ilha da Trindade pelos britânicos, em 1895, foi mais um caso de

ameaça externa que pôs à prova a nova República. Por acharem a ilha desocupada,

pensaram em instalar ali uma base para um cabo submerso. As notícias sobre a

ocupação só chegariam ao Brasil seis meses mais tarde.

Após inflamados discursos no parlamento nacional e forte campanha midiática,

tanto na imprensa inglesa quanto na brasileira, optou-se pelo arbítrio de Portugal. O

desfecho final foi um misto de desinteresse inglês e apoio português, pois:

A descoberta de problemas técnicos para a implantação do cabo submerso levou a Inglaterra ao desinteresse e, assim, não houve contestação quando o Reino de Portugal se pronunciou, em 1896, favoravelmente ao retorno da soberania do território contestado ao Brasil (JÚNIOR, 2015).

O imperativo naval começava a ameaçar a nova República, porém iniciativa

para a modernização da esquadra brasileira só viria com a chegada de um

monarquista à pasta das relações exteriores, o Barão de Rio Branco.

4.1.2.2 A Questão das Missões

Com o evento do 15 de Novembro, e a negação de tudo produzido no Império

como forma de altruísmo positivista, é assinado o Tratado de Montevideu (1890) que

formalizou a partilha da área em litígio em partes iguais para os dois países, três

meses e oito dias após a proclamação da República (CARVALHO, 2012, p.91).

Page 38: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

35

Após acentuada pressão da opinião pública e em sessão da Assembleia

Constituinte, o tratado foi revogado por larga margem de votos e recorreu-se ao

arbitramento, vencendo nesta situação a cultura estratégica moldada pelo Itamaraty,

como enfatiza Carvalho (2012, p.96):

Quando no dissídio das Missões, o Império apela para o arbitramento, não é essa decisão um ato espontâneo e isolado de José Francisco Diana, então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros. É o espírito do Itamaraty. Também quando o famigerado Tratado de Montevideo é rejeitado, não há a menor dúvida de que são os patriotas da Constituinte Republicana os agentes do ato salvador. Mas transluz na coragem, elevação e acerto da decisão, agindo, como devera agir, o espírito do Itamaraty. É esse espírito que se manterá inalterável e, no decorrer dos tempos, fixará então um azimute de invariável orientação: a solidariedade americana e a aproximação do Brasil, cada vez maior, com os Estados Unidos da América do Norte, mercê das afinidades que unem as grandes repúblicas, ambas com elevada autossuficiência de território e recursos naturais, nascidas com acentuado espírito jurídico e providencial vocação histórica para os altos ideais da civilização.

O desfecho veio em 1895. O parecer foi favorável ao Brasil, após confirmação

dada pelo Presidente americano (Grover Cleveland) em Washington, onde estavam

presentes os dois delegados. Ao fim, Zeballos levanta-se, estende a mão e

cumprimenta o Barão pela vitória. Mais tarde diria que “Este fallo era, sin embargo,

justo, lo esperaba y no me surpreendió” (CARVALHO, 2012, p.106).

Tamanha foi gratidão ao apoio prestado pelos Estados Unidos na solução dos

impasses da República brasileira que ela pode ser lembrada pela existência das

cidades na faixa de fronteira, em Santa Catarina e no Amapá, com o nome de

Clevelândia, em homenagem ao Presidente americano, Cleveland. Além da

declaração do 4 de julho como feriado nacional, o congresso mandou cunhar moedas

com as efígies de Cleveland e Floriano.

Em síntese, os anos iniciais da república foram muito turbulentos. O Exército

assumira uma tarefa árdua de organizar os primeiros anos da República, com graves

consequências para o mesmo como organização militar. Ao passo que procurou zelar

pelas coisas da caserna, melhorando o aparato nacional de defesa, acabou, também,

sendo atraído pelas benesses dos cargos políticos e pela cooptação de alguns

políticos mal-intencionados.

Com tal envolvimento dos militares no governo, o entendimento da grande

estratégia nacional passa pela compreensão da dinâmica da atuação dos militares.

Page 39: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

36

Esta, diversa, vai amadurecendo, num primeiro momento, entre a concepção

“moderadora”, codificada, no art 14 da CF 1891, e a concepção “regeneradora” da

sociedade, que ganhará força mais a frente com a implantação do serviço militar

obrigatório, visando uma ampla homogeneização da sociedade segundo princípios

cívicos e patrióticos encontrados na caserna.

O saldo foi pesado: uma guerra civil com envolvimento da Armada Nacional e

potências mundiais (EUA, França e Inglaterra); um atentado contra o Presidente da

República; Canudos; expurgos no Exército; e revoltas nas escolas militares. Após a

tempestade, seguiram-se tempos de calmaria e estabilidade política, tempos de

amadurecimento das instituições republicanas, porém com a possibilidade de

intervenção do Exército, sempre presente como alternativa para garantir a lei e a

ordem, conforme preconizado na Constituição Federal de 1891.

4.1.3 A Grande Estratégia na Política dos Governadores

Já no último ano do Governo de Prudente de Morais uma estabilidade iniciou-

se, primeiro em apoio a Prudente em decorrência do atentado de 1897, um tiro que

saiu pela culatra, e, depois, pela “política dos estados”, de Campos Sales a Nilo

Peçanha, o que possibilitou uma continuidade no Ministério da Guerra (Quadro 3),

permitindo às Forças de mar e terra iniciarem uma reorganização.

É nesse período que as oligarquias se fortaleceriam localmente, elegendo seus

parlamentares e apoiando o presidente, mas o povo continuava sem representação

parlamentar. Tal regionalismo foi o principal retardador da Grande Estratégia

Nacional, pois:

Não existia uma economia nacional integrada; o que havia eram economias regionais, cada qual exportando seus principais produtos para mercados europeus e americanos. A carência de sistemas de transporte inter-regionais tolhia a integração econômica interna, a coesão política e a eficiência militar. Cada região funcionava em ritmo próprio (MAcCANN, 2009, p.2013).

Foi também uma época onde a diplomacia brasileira ganhou destaque, sob a

bandeira do direito internacional, aliada ao emprego da força ou à ameaça dele para

a garantia da soberania nacional e ao alinhamento à Doutrina Monroe, americana.

Page 40: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

37

Quadro 3: Ministros da Guerra entre 1889 e 1910 Governo Ministros

Deodoro da Fonseca

(1889 a 1891)

Benjamin Constant

Eduardo Wandenkolk

Floriano Peixoto

Antônio Nicolau Falcão da Frota

Floriano Peixoto

(1891 a 1894)

José Simeão de Oliveira

Custódio de Melo

Francisco Antônio de Moura

Antônio Eneas Gustavo Galvão

Bibiano Sérgio Macedo da Fontoura

Costallat

Prudente de Morais

(1894 a 1898)

Bernardes Vasques

Dionísio Cerqueira

Francisco de Paula Argolo

Carlos Machado de Bittencourt

José Tomás de Cantuária

Campos Sales

(1898 a 1902) João Nepomuceno de Medeiros Mallet

Rodrigues Alves

(1902 a 1906) Francisco de Paula Argolo

Afonso Pena

(1906 a 1909) Hermes da Fonseca

Nilo Peçanha

(1909 a 1910) José Bernardino Bormann

Fonte: o Autor

Ao final do século XIX, as forças militares, tanto a Marinha como Exército,

estavam em frangalhos. Canudos e a Revolta da Armada reduziram a capacidade de

combate de ambas as forças. Já no século XX, com uma certa estabilização política,

o General Mallet iniciaria uma série de estudos, amparado pelo Estado-Maior, no

intuito de implantar as reformas necessárias para nivelar o Exército aos países

europeus, sem, contudo, esquecer as peculiaridades nacionais.

Mallet queria mudar a composição das unidades, centralizar as nomeações, reorganizar a educação militar, enfatizar a importância do treinamento de tiro ao alvo, executar manobras rotineiras, regularizar o planejamento, melhorar os critérios de promoção e elevar o nível intelectual do corpo de oficiais (McCANN, 2009, p.106).

A ocupação do Ministério das Relações Exteriores pelo Barão do Rio Branco,

que assegurara duas vitórias consecutivas para o Brasil na garantia de suas fronteiras

(Missões e Amapá), foi uma grande aquisição para formulação da Grande Estratégia

Page 41: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

38

Nacional republicana, que não contara mais com o Conselho de Estado e o Senado

Vitalício. Estas duas sendo os órgãos consultivos mais importantes da Império,

compostos por personalidades ilustres e experimentadas.

Sua experiência em Berlim, acompanhando a competição entre as marinhas

inglesa e alemã, mostrou a importância dada pelas potências europeias ao poder

naval. O Exército não ficaria de fora das observações do Barão, pois o mesmo foi o

responsável pela aproximação do Presidente Hermes da Fonseca do Kaiser

Guilherme II.

4.1.4 A Estratégia do Poder Naval

Quando de sua chegada ao Brasil para assumir o cargo no Itamaraty, Rio

Branco discursou no Clube Naval e suas palavras davam ao Brasil uma roupagem do

zeitgeist da época: “(...) sua visão de um Brasil forte e respeitado, em que a política

externa estaria insulada das querelas partidárias, servindo antes de mais nada como

instrumento do Estado em prol do engrandecimento nacional” (LINS, 1965, p. 262,

apud JÚNIOR).

O estabelecimento da grande estratégia está nas mãos da elite dirigente do

país e só pode ser realizado, de maneira proativa, se houver planejamento e

antecipação, do contrário, surgem as estratégias ad hoc e o resultado, pode ser

frustrante. O Barão entenderia isto quando da necessidade do emprego do

componente militar brasileiro.

Durante as tratativas para a solução das questão do Acre e do Peru, o Barão

teria sugerido ao Ministro da Marinha, almirante Noronha, a aquisição de belonaves,

inclusive com indicações diretas de modelo, tonelagem e país vendedor, porém o

referido almirante já tinha um plano ambicioso para alavancar a Marinha Brasileira,

não levando em conta a sugestão do Chanceler. A resposta, no caso do Peru, foi

evasiva “responde querer com urgência, adquirir novos navios e couraçados capazes

de colocarem a nossa força naval em situação de não recear dos nossos vizinhos

ou de bem defender a integridade da pátria” (JÚNIOR, 2015).

As Intervenções militares na América do Sul, com amplo emprego do poder

naval, desafiaram a grande estratégia brasileira para este subcontinente e mostraram

a nulidade da Marinha Brasileira perante os tradicionais oponentes do antigo império

e contra as forças extra-regionais.

Page 42: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

39

A crise na Venezuela, durante o período de 1903-1904 - resultado do bloqueio

naval envolvendo Reino Unido, Alemanha e Itália ao país sul-americano até que o

mesmo saldasse as dívidas adquiridas por Caracas -, representou uma possível

ameaça à Doutrina Monroe, pois Alemanha e Reino Unido eram as potências navais

maiores que os EU, sendo que a Alemanha não reconhecia a tal Doutrina Monroe e

poderia contar com o apoio das colônias tedescas do sul do Brasil (JÚNIOR, 2015).

A ameaça alemã na américa do sul esteve atrelada à influência germânica no

Brasil, pela existência de colônias prussianas desde a década de 1820, e à existência

na Argentina, Chile e Peru de uma missão alemã anterior à chegada dos jovens turcos

ao Brasil.

O caso da canhoneira alemã que aportou em Itajubá, Santa Catarina, e,

contando com autoridades locais, conduziu diligências com o intuito de capturar um

desertor em 1905, é muito reveladora da fragilidade brasileira frente à uma potência

naval europeia.

A situação demográfica 10 da região sul do país causava preocupações.

Colonizada por imigrantes europeus, era possível encontrar descendentes de

alemães, nascidos no Brasil e falantes de alemão que se consideravam cidadãos

alemães e não brasileiros. Relatos de autoridades durante a Guerra do Contestado

dão uma mostra da situação:

Quando procuravam controlar as entradas e saídas de pessoas nas áreas rebeladas durante essa pequena guerra, as autoridades constataram que descendentes de levas anteriores de imigrantes, teuto-brasileiros nascidos no Brasil, ainda reconheciam a Alemanha como sua Pátria; só falavam alemão, e era difícil convencê-los de que eram cidadãos brasileiros (McCANN, 2009, p.173).

A necessidade de alinhar-se aos americanos levou o Brasil, ainda preocupado

com a questão do Acre e apoiador do Corolário Roosevelt da Doutrina Monroe, a não

aderir a chamada “doutrina Drago11”, cuja essência era contra a cobrança de dívidas

de maneira coercitiva por esta violar o direito internacional. E na II Conferência de Paz

de Haia:

10 Só a título de comparação, no distrito de Palmas, por ocasião da disputa das Missões com a

Argentina, a população estrangeira era de “54 alemães, 16 italianos, 10 russos, nove portugueses, oito argentinos, cinco franceses, cinco austríacos, cinco uruguaios, três espanhóis e 14 de outros países” (CARVALHO, 2012, p.101). 11 Luis Maria Drago, ministro das relações exteriores da Argentina à época da crise venezuelana.

Page 43: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

40

(...) apenas Brasil e Panamá (nação criada e tutelada pelos EUA), dentre todos os países latino-americanos, não apoiaram a tese da proscrição completa das possibilidades de emprego de meios militares para forçar o cumprimento de obrigações financeiras (SOUZA, 2008, p.1 apud JÚNIOR).

O Barão tinha a exata noção da importância dos Estados Unidos para sua

política externa e não se preocupava com o Corolário, pois esse só puniria aqueles

que deviam, e esse não seria o caso do Brasil. O reconhecimento, desde cedo, do

papel que o EUA desempenharia no mundo e o alinhamento com os mesmos desde

o início da República brasileira foi fundamental para a manutenção da influência na

América do Sul, contando com apoio americano.

Em 1903, o mundo assistiria a sucessão da província colombiana do Panamá.

Após a falência da empresa encarregada de construir o canal interoceânico, os

Estados Unidos resolveram intervir na província fomentando a separação,

desencadeando uma operação anfíbia com emprego dos meios navais do Pacífico no

Caribe e a presença de marines para isolar a província de qualquer interferência

mexicana. Dessa forma surgiu um novo Estado e os Estados Unidos, por intermédio

de contrato perpétuo, passaram a administrar o canal e constituir protetorado no

Panamá.

Já em 1904, ocorreria a revolução do Paraguai. Neste episódio, seria frustrante

para o Barão do Rio Branco, acostumado a narrar as decisões brasileiras após a

Guerra do Paraguai naquela parte do mundo, o desfecho da revolução. A situação

sensível das forças armadas nacionais, notadamente as forças navais, faria decrescer

a influência brasileira no Paraguai em comparação com as de Buenos Aires.

Também em 1904, viria a solução do caso do Pirara com a Guiana Inglesa

(submetido à arbitragem do rei da Itália em 1901) dando vantagem para a potência

naval inglesa. Baseado no fundamento jurídico dos termos do congresso de Berlim de

1884, destinado à partilha da África, o brasil perdeu três quintos da área em litígio.

Foi dentro deste contexto de ameaças externas e apoio do Chanceler no

parlamento que a Marinha do Brasil conseguiu emplacar os dois Programas Navais

de 1904 e 1906, associados aos seus ministros, Noronha e Alexandrino. Porém, entre

ajustes, adaptações, aprovação de orçamento e equilíbrio de poder com a Argentina

e o Chile, a frota naval brasileira só estaria pronta em 1910.

Page 44: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

41

Do ponto de vista da percepção de ameaça e início da reação, vê-se aqui um

grande lapso temporal ou estendido tempo de reação. Não é certo se o primeiro

programa foi estabelecido para cobrir uma transição hegemônica da Inglaterra para

os Estados Unidos, para se opor à uma possível ameaça europeia ou norte-americana

ou para equilibrar o poder na América do Sul, porém para todos os efeitos a

consecução de tais planos viriam só em 1910, com a chegada do Minas Gerais à Baía

de Guanabara.

Grande repercussão na América do Sul surgiu entre Argentina, Brasil e Chile

no intuito de frear o programa naval brasileiro. Inclusive com retóricas de ameaças

entre as elites portenhas, caso o Brasil não retroagisse na questão naval, e abandono

do acordo de limitação naval entre Chile e Argentina no contexto dos Pactos de Mayo

(1902)12.

Em abril de 1910, chegaria à Baía de Guanabara a mais potente embarcação

militar do mundo, o dreadnought Minas Gerais, e grande parte da esquadra

encomendada pelo Brasil no exterior. O equilíbrio de poder na América do Sul começa

a inclinar a favor do Brasil.

Quanto às deficiências estruturais da nova esquadra, a falta de pessoal

qualificado para mobiliar tais embarcações culminaria no episódio da Revolta da

Chibata e da Revolta do Batalhão Naval, em 1910. A primeira, contra castigos físicos

e melhores condições de trabalho. A segunda, contra o decreto13 que mitigou a anistia

dada pelo congresso aos primeiros revoltosos.

Estavam, assim, manchadas as relações entre oficiais e praças da Armada

brasileira. Dos dreadnoughts foram retiradas as culatras e as munições para que não

mais representassem risco à população. De 20 a 40% dos efetivos da marinha teriam

sido afastados, representando uma grande perda para a operacionalidade desta

Força Armada.

A anistia aos rebelados da Revolta da Chibata, recurso esse cultural e

amplamente empregado pelo Congresso Nacional, enfraqueceu as relações entre

superiores e subordinados, e as represálias aos subordinados diminuíram ainda mais

a mão de obra qualificada para operar as belonaves.

12 Tratado de equivalência naval, paz e amizade. 13 Decreto Nr 8.400, de 28 de novembro de 1910.

Page 45: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

42

A grande aquisição de material de ponta não se traduziu em ganho tecnológico

para o país e, muito pelo contrário, custaria muito a manutenção de tais embarcações,

pois toda ela era feita contando com mão de obra estrangeira, legando ao Brasil a

total dependência das grandes potências para fins de aquisição de armamento para

uso imediato. O desfecho final foi um estado de sucateamento observado quando da

preparação da Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG) como relata Gilberto

Amado (JÚNIOR, 2015):

De nosso havia nele apenas a encomenda...o ato do Governo, o contrato com a firma construtora. Entretanto, o povo urrava em explosões que traduziam o que refletidamente o País publicava. Se o Minas fosse uma afirmação do Brasil, produto de sua ciência, da sua riqueza, da sua técnica! Se o Minas fosse mais do que um empréstimo!

Somente na década de 1920, os dois dreadnoughts (Minas Gerais e São Paulo)

seriam enviados aos Estados Unidos para uma potencialização, que, novamente,

geraria desconfianças entre Brasil e Argentina.

4.1.5 A Estratégia Terrestre

No tocante ao Exército Brasileiro, a sequência de três ministros da guerra,

General Mallet, General Argolo e General Hermes da Fonseca, sendo que este último

fora eleito Presidente, favoreceu o início de uma reforma mais estrutural.

O relatório do Ministro da Guerra, General Cantuária, em 1898, ressalta as

dificuldades enfrentadas pelo país com a guerra de Canudos que segundo ele “(...)

assolou o interior do heroico estado da Bahia, trazendo sobressaltada a alma

republicana” (BRASIL, 1898, p.5).

Internamente, a ligação entre Canudos, a revolta da Escola Militar da Praia

Vermelha, em 1897, e o atentado contra a vida de Prudente de Morais, “atentado

ainda sem precedentes na nossa história de povo civilizado” (BRASIL, 1898, p.7),

estão associados às disputas pelo poder político do país e o envolvimento dos

militares nesta trama.

No plano internacional, o mundo presenciava o surgimento de um Japão

militarmente organizado de acordo com a escola alemã e vencedor das campanhas

sino-japonesa (1895) e russo-japonesa (1905), a Guerra dos Bôeres (1899) e a Guerra

Page 46: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

43

hispano-americana (1898), além das memórias da guerra franco-prussiana estarem

bem presentes na cabeça dos interessados na arte da guerra.

Com tantas dificuldades internas e a existência de novas ameaças introduzidas

pelas guerras imperialistas, a Grande Estratégia Nacional se voltou para a

implantação de um modelo mais eficiente, reorganizando o Exército Brasileiro, pela

centralização de seus corpos, implantação do serviço militar universal, pela reforma

da Lei do Sorteio Militar de 1874 e pela reforma do ensino nas escolas militares,

tentando torná-las menos teóricas e mais práticas.

A pendência de um alistamento eficiente para que se pudesse realizar o sorteio

militar, previsto já em 1874, foi alvo de reclamações constantes do Ministério da

Guerra. Quanto à Lei do Serviço Militar que se arrastava por anos sem condições de

ser efetivada:

Urge, portanto, providenciar a respeito, e por isso julgo de meu dever insistir nas reclamações feitas por meus antecessores, certo de que o Poder Legislativo, por seu patriotismo e sabedoria, não deixará de tomá-las em consideração, dotando o País com uma boa lei de alistamento militar; para o que bastará melhorar a de Nr 2556 de 26 de setembro de 1874, até hoje considerada letra morta, pelas dificuldades que opõem-se à sua execução (BRASIL, 1898, p.11).

O Serviço militar encontrou dificuldades administrativas para implantação, pois

o registro civil, ainda recentemente introduzido pela república em substituição aos

instrumentos do direito canônico, ainda não estava adequado e encontrava

resistências, não possibilitando a realização de alistamento militar para proceder ao

sorteio (BRASIL, 1899).

Importante organismo, já mundialmente consagrado, seria criado para ser a

cabeça pensante do Exército: o Estado-Maior. Porém, a sua implantação ainda estaria

por vir, pois o seu decreto de criação, de 1896, não fora possível dar execução em

1898.

Com o General Mallet no Ministério da Guerra (1899-1901), a reestruturação

sairia da inércia. Centralização e composição das unidades, reorganização da

educação militar, prática do tiro, regulamentação dos planejamentos e melhoria dos

critérios de promoção estiveram no chamado “Projeto Mallet”, que guiaria as reformas

até o começo da Primeira Guerra Mundial. Da análise da Criação do Estado-Maior,

Lei Nr 403, de 24 de outubro de 1896, verifica-se que o órgão teria que ser capaz de

Page 47: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

44

implementar tais inovações e ser a base para o planejamento da Grande Estratégia

Nacional, pois suas seções deveriam realizar:

a. O estudo estatístico e histórico dos exércitos nacional e estrangeiros, especialmente os americanos e tudo quanto possa interessar à mobilização e concentração das forças militares; b. A organização de paz e de guerra, recrutamento, instrução geral, teórica e prática; tática e estratégia, serviço de estado-maior, missões militares, direção da revista militar e publicações; c. O estudo dos teatros prováveis de operações de guerra, organização de planos de campanha; meios de defesa do país, grandes exercícios e campos de manobras, mobilização, concentração e serviços da retaguarda; d. A organização da carta geral da República, mapas geográficos e topográficos das fronteiras e estatística militar; levantamentos geodésicos e topográficos de operações militares; plano de viação geral da República sob o ponto de vista militar, estradas em geral, linhas estratégicas; emprego das vias-férreas quanto ao preparo e direção dos transportes militares; telegrafia e telefonia militares; criptografia, semáforos, todos as sistemas de sinais - aerostação, pombos-correios; e. A codificação e consolidação da legislação militar, administração, economia, disciplina, justiça militar, licenças, transferências, organização e publicação do almanaque, registro militar do estado civil dos oficiais, assentamento dos generais e oficiais do estado-maior, informações anuais de todos os oficiais do Exército; aquisição de livros, revistas militares e técnicas que possam desenvolver a instrução dos oficiais e praças do Exército, material e arquivo do mesmo (BRASIL, 1896, p.34).

O projeto de reestruturação do exército, encomendado ao Estado-Maior14, a

mando do General Mallet e sob sua supervisão semanal, se deu pela adoção da

ordem ternária na organização das unidades, mantendo-se os distritos militares sem,

contudo, criar os grandes comandos, que exigiriam maior aproximação dos corpos.

Motivado pela importância de um bom manejo das armas individuais, verificada

nos conflitos internacionais, notadamente na Guerra dos Bôeres, bem como no

Conflito de Canudos, onde o sertanejo infringiu pesadas perdas ao Exército pela ação

do tiro certeiro, pugnou-se pela criação de campos de instrução e manobras militares

e, ainda, o Congresso Nacional aprovou em 1899 a criação de sociedades de tiro

14 Criado pela Lei Nr 403, de 24 de outubro de 1986, foi organizado e inaugurado, de acordo com o regulamento de 6 de janeiro de 1899, sob a direção do general de divisão João Thomas Cantuária, a 23 deste mês e ano (BRASIL, 1900).

Page 48: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

45

nacional, instituindo prêmios pecuniários e honoríficos a serem conferidos anualmente

em concurso solene aos melhores atiradores. Mais tarde, seriam criados os “Tiros de

Guerra, como instituição auxiliar na preparação das reservas do Exército. A instituição

do Tiro Nacional visava ministrar instrução completa do tiro de armas portáteis a

militares e civis” (MAGALHAES, 2001, p.322).

Este mecanismo serviu de propaganda para aprovar a lei do serviço militar

(1908), sendo utilizado como ferramenta de relações públicas, por contar com os

tenentes, instrutores e pelos civis que faziam parte do corpo de atiradores. Entre 1906

e 1907, as páginas dos jornais eram repletas de reportagens e fotos acerca das

paradas e concursos de pontaria nos Tiros.

A situação precária dos efetivos mostrou-se bem evidente quando do

surgimento da questão do Acre, momento em que se fazia necessário reforçar a

guarnição do Mato Grosso e Amazonas.

O importante papel do Estado-Maior do Exército na Grande Estratégia Nacional

ficava cada vez mais nítido. Em 1903, o estudo do plano de viação geral da República,

sob o ponto de vista militar, era encargo do Estado-Maior do Exército, deliberando

sobre o traçado que devia ser adotado, inclusive (BRASIL, 1903).

O envolvimento dos oficiais na política pública se tornou um grande problema

para a Força terrestre. Segundo Argolo (1904), os oficiais acostumavam ser eleitos

para cargos de membros da Câmara e intendências estaduais, ficando fora da

jurisdição das autoridades militares, porém recebendo os vencimentos e concorrendo

com os seus camaradas nas promoções por merecimento, somando-se, em 1904,

trinta e cinco oficiais deputados e senadores estaduais e oito intendentes municipais,

além daqueles que eram membros no Congresso Federal.

O relatório do General Argolo, de 1905, relativo ao ano anterior, retrata a

fragilidade da Força Terrestre no seu componente humano e aponta para uma cultura

influenciada por anos de escravidão, onde associou-se:

(...) inseparavelmente no espírito nacional a submissão e a obediência à condição de escravo, levando-nos a uma extravagante noção de liberdade, em que essas duas virtudes, que fizeram a grandeza de Sparta e constituem o segredo do formidável poder militar japonês, são substituídas por uma predisposição mórbida a discutir e criticar todas as ordens, procurando iludir a sua execução, a sofismar e tentar burlar todas as leis (BRASIL, 1905, p.4).

Page 49: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

46

Aliada a essa característica estavam associados a formação militar acadêmica,

onde o civil entrava na escola militar e tinha uma carga teórica excessiva, tornando-o

arredio às lides castrenses. O resultado era um oficial sensível às provocações da

imprensa e das raposas políticas, como observa o Ministro da Guerra:

Além da resistência espontânea do indivíduo à modificação moral e intelectual que se lhe impõe, temos de lutar com a ação funesta do meio que se exerce pela influência anarquizadora de alguns homens políticos e parte da imprensa diária, e que infelizmente não encontra uma reação suficientemente enérgica para nulificá-la (BRASIL, 1905, p.5).

Com relação a Revolta da Escola Militar de 1904, em alinhamento com a

Revolta da Vacina, o relatório de 1905 observa que os artigos da imprensa

influenciando a desordem interna eram constantemente lidos e comentados nos

quarteis por oficiais e praças. E ainda “não há prestígio de autoridade, força moral de

chefe que possa resistir à ação persistente desse trabalho demolidor, que preparou e

fez surgir a revolta com que tivemos de arcar nos lutuosos dias de novembro último”

(BRASIL, 1905, p.7).

A influência de um ambiente anarquizante se fez presente nas escolas

militares, onde a disciplina deveria ser ponto de honra. Greves e destruições do

patrimônio público e incêndios de veículos de transporte foram praticados na Revolta

da Vacina, que teve a participação ativa de chefes militares e alunos das Escolas

militares.

O relatório do General Cantuária faz uma apreciação do estado geral de coisas

que chegou a relação entre civis e militares no jogo da disputa de poder na República,

onde o componente militar tem sido jogado no meio das disputas, causando fortes

distúrbios internos em vez de se manter neutro. Como materialização de toda

desordem na caserna, cita o “caso mais recente do 9° Batalhão de Infantaria na Bahia,

em que o batalhão revoltado saiu do seu quartel para a cidade, tendo à sua frente

unicamente um alferes que acabava de assassinar o comandante!” (BRASIL, 1905,

p.7).

Com o objetivo de treinar as tropas, uma concepção desenvolvida pelo General

Mallet, iniciou-se os treinamentos centralizados. Como comandante do 4º Distrito

Page 50: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

47

Militar, General Hermes da Fonseca, deu início a grandes exercícios anuais que foram

cobertos pela imprensa nacional e cujos relatórios se mostraram alarmantes da

situação precária da instrução e do material do Exército à época.

Sob seu comando, a guarnição do Rio de Janeiro marchou ao som de música marcial para o Campo dos Cajueiros em Santa Cruz, estado do Rio, e ali, por dezoito dias, em setembro e outubro de 1905, seus soldados viveram em barracas, treinaram ataques simulado, marcharam e posaram para fotógrafos, esforçando-se para parecerem soldados. O Exército não fazia nada parecido desde os primeiros tempos da República (McCANN, 2009, p.139).

Com a aprovação na lei de orçamento da guerra para o envio de militares à

Europa, abria-se uma importante janela para a modernização do Exército. Em 1909,

no intuito de aperfeiçoamento da instrução militar, seis oficiais foram nomeados para

servirem arregimentados no exército alemão.

Hermes da Fonseca pressionou para o aumento dos efetivos e a execução do

sorteio, demandando também a necessidade de quarteis higiênicos e campos de

instrução. Com a conscrição, os corpos ficariam esparsos nas cidades tendo cada um

o seu campo de instrução. No Distrito Federal as unidades se concentrariam na

Fazenda Sacopemba, constituindo uma Vila Militar.

No relatório de 1907, o General Hermes da Fonseca, faz menção ao projeto de

lei do Serviço Militar, que “(...) apresentado no ano passado à Câmara dos Deputados

satisfaz em princípio aos reclamos do Exército, que são os da própria Nação.”

(BRASIL, 1907, p.4). Assim, uma nova lei sobre a organização do Exército e o Serviço

Militar fora aprovada em 4 de janeiro de 1908, no Congresso Nacional.

A formação de uma carreira de tiro foi iniciada no Rio de Janeiro, atraindo mais

civis do que militares, resultando na criação de uma federação de tiro organizada por

civis e licenciada pelo Congresso Nacional. No Rio, foi formado o “Tiro 7”, que se

juntou aos das outras regiões, formando um batalhão de atiradores de elite. “Os Tiros

eram a propaganda viva do Brasil armado preconizado por Hermes da Fonseca e pelo

Ministro do Exterior, Barão do Rio Branco” (McCANN, 2009, p.141).

Ainda na vigência de Hermes da Fonseca, tornou-se “(...) obrigatória a

instrução militar em colégios secundários. No ano seguinte, já havia 50 sociedades de

tiro organizadas, com um total de 13 511 membros” (CARVALHO, 2006, p.22).

Page 51: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

48

A criação de um Conselho Superior de Defesa para deliberar sobre a criação

de posições fortificadas, para atender a Marinha ou ser mobiliada pelo Exército, foi

proposta por Hermes da Fonseca. O órgão seria composto pelos dois ministros e

pelos dois chefes do Estado-Maior da Marinha e do Exército, com o chefe da casa

militar como secretário. O conselho deliberaria sobre a instalação de defesas na

Amazônia, pois:

A vastíssima rede fluvial que serve aos estados do Pará e do Amazonas e ao território nacional do Acre, navegável na sua maior parte por embarcações do calado regular, oferecendo em seus rios passagem completamente franca ou por numerosos canais, tudo ali parece indicar para a sua defesa eficaz o estabelecimento de uma divisão fluvial da marinha de guerra, capaz de levar a proteção dos seus canhões aos pontos ameaçados e tornando inúteis, salvo em Óbidos e Tabatinga, quaisquer obras de fortificação permanente a serem custeadas pelo Exército (BRASIL, 1908, p.9).

O General Hermes da Fonseca procurou estender ao Exército as reformas que

buscara no 4º Distrito Militar, sendo bem claro em seus relatórios quanto às

necessidades do Exército. As regiões deveriam ter suas vilas militares e a do Rio de

Janeiro serviria de modelo; a administração do Exército deveria ser reformada, por ser

desproporcionalmente grande e deficiente no topo; desonerou o Estado-Maior das

atividades administrativas; criou cinco brigadas estratégicas e 13 inspetorias

regionais; e extinguiu o corpo exclusivo de oficiais de Estado-Maior, o qual passou a

ser preenchido por oficiais de qualquer área. Para o Estado-Maior:

O modelo foi o sistema alemão, no qual os oficiais de estado-maior deviam ter conhecimento em primeira mão das condições das unidades de linha. Hermes esperava que o Estado-Maior do Exército brasileiro, como no da Alemanha e no Japão, se tornasse o próprio cérebro do Exército, o organizador da vitória (McCANN, 2009, p. 143).

O General Bernardino, em 1909, reclama a impossibilidade de reorganizar o

Exército com o total fixado em lei para as tropas terrestres, sendo pelo menos 30.500

um número razoável para implantar a reorganização. “Todo o nosso pequeno Exército

não constitui uma divisão dos exércitos das potências militares europeias” (BRASIL,

1909, p.4).

Page 52: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

49

4.1.6 A Volta dos Militares, A Primeira Guerra Mundial, A Lei do Serviço Militar

Obrigatório e a Missão Francesa

4.1.6.1 O Governo de Hermes da Fonseca (1910-1914)

Hermes da Fonseca deixou a pasta do Ministério da Guerra para se candidatar

à presidência da República motivado pelos desentendimentos entre paulistas e

mineiros e, assim, mais uma vez recorria-se à caserna para resolver os impasses da

política.

Durante sua candidatura sofreu forte oposição de Rui Barbosa, que atacou o

“militarismo”, usando seu prestígio de ex-ministro das finanças de Deodoro da

Fonseca e ex-chefe da delegação brasileira na segunda conferência de Haia, em

1907. Rui Barbosa alertou sobre o perigo de se ter um general no poder e quanta

ameaça isso poderia representar aos credores internacionais, coisa que acontecera

com os países hispano-americanos dominados por militares.

Na presidência de Hermes da Fonseca, o envolvimento de militares na política

aumentou, trazendo o Exército para o centro das atenções. Hermes tinha sido o

Ministro da Guerra e a sua eleição à presidência marcou o início da influência deste

ministério na política dos estados e da nação, ocasionando graves incidentes

envolvendo o emprego de força militar para apoiar os militares indicados pelo

Presidente nos estados. Segundo MAcCANN (2009):

Sua preocupação com a proficiência militar e a disposição para ver os oficiais individualmente e o Exército como um todo envolvido na política seriam um evento influente nos anos vindouros. E como se pode dizer de todos os outros oficiais no século XX, exceto os que serviram na Segunda Guerra Mundial, sua experiência de combate foi contra brasileiros (MAcCANN, 2009, p.139).

A política salvacionista pôs em lados opostos os militares interessados em

tornar o Exército profissional e apolítico e aqueles que apoiavam o caráter

intervencionista da força para manter a lei e a ordem. Foi com os “jovens turcos” que

os contornos da estratégia nacional iam se desenhando. No período em que Hermes

da Fonseca esteve a frente da pasta do Ministério da Guerra, enviou as turmas de

oficiais para estudarem na Alemanha, com o retorno de tais oficiais, os mesmos

lançaram a revista “A Defesa Nacional” e passariam a estimular os debates em torno

deste tema.

Page 53: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

50

Embora preocupados com a defesa externa, admitiam a intervenção militar na

sociedade entre os papéis do Exército, declarando a necessidade da assistência da

força na formação e no desenvolvimento da sociedade. Assim, o Exército teria a

função de educar e organizar a população nacional (McCANN, 2009, p.217).

Enquanto o Presidente, Hermes da Fonseca, e seus ministros da guerra

aprofundavam as interferências dos oficiais superiores na política nacional, o general

José Caetano de Farias, Chefe do Estado-Maior (1914 a 1915) e Ministro da Guerra

(1914-1918), organizou as mudanças no Exército brasileiro, apoiado pelos

reformadores vindos da Alemanha.

O relatório de 1913 traz a preocupação de se coordenar, em um nível mais alto

e de maneira mais prolongada, as atividades de emprego simultâneo da Armada e do

Exército. Esta seria as origens de um Estado-Maior Conjunto, cuja finalidade era:

Traçado o plano geral, indicadas as prováveis bases de operações e fixados os objetivos a alcançar, em cada circunstância em que tenha de haver simultaneidade de ação das forças de mar e terra, o estado-Maior do Exército e o da Armada terão assim claramente delineada a missão cujo desempenho lhes cabe, neste particular (BRASIL, 1913, p.5).

Os reclames em termos de efetivos autorizados baixos vinham no sentido de

os mesmos não permitirem o cumprimento da lei de 1908 que reorganizou o Exército

Nacional. Uma rápida análise comparada dos principais países beligerantes à época

foi mencionada no relatório de 1913:

Enquanto no México há em tempo de paz 2,2 soldados para cada milhar de habitantes; 4,6 na Inglaterra; 3,5 no Japão; 6,1 na Itália; 7,2 na Áustria; 13,5 na França; 8,7 na Alemanha e 6,5 na Rússia, o Brasil com uma população de cerca de vinte e um milhões de habitantes e um território extensíssimo, possui apenas um pequeno exército de vinte e cinco mil homens, ou seja cerca de 1,1 por milhar de habitantes (BRASIL, 1913, p.6).

Em relação à artilharia de costa, a lei de reorganização do Exército ainda

silenciava, enquanto países como os Estados Unidos da América davam total atenção

a esta nova realidade:

Nos Estados Unidos da América a Artilharia de costa constitui uma verdadeira arma, subordinada um departamento de Coast Artillery a que os poderes públicos dessa grande república dedicam cuidados

Page 54: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

51

especiais. Os diversos corpos dessa arma têm ali um efetivo de 1.195 oficiais e 29.027 praças, não incluídas nestes números as reservas que têm um total de 18.547 homens (BRASIL, 1913, p.11).

Em 1915, nova “remodelação” é dada à Força Terrestre. Assim, nasceu o

projeto para a criação das Regiões Militares, em substituição às inspetorias regionais,

que se baseou no imperativo de organizar os efetivos do Exército e suas reservas; o

modelo divisional, composto por tropas de infantaria, cavalaria, artilharia e os trens,

visava a organização em tempo de paz vis-à-vis aos tempos de guerra. O modelo

divisional adotado foi de inspiração japonesa na guerra contra a Rússia, duas razões

foram apontadas para isso:

(...) a primeira é que o efetivo de um exército deve ser tal que permita, sem destruir a coesão da tropa, incorporar reservistas em número bastante para que a primeira linha tenha força suficiente para opor-se às primeiras operações do adversário, em caso de guerra (...) a segunda é que o exército do tempo de paz deve ser constituído de modo que possa passar ao pé de guerra pela inserção de reservistas, sem criação de unidades ou órgãos novos (...) é esta uma fórmula clássica cujo desprezo constituiu uma das razões principais do insucesso da Rússia na guerra contra o Japão (BRASIL, 2015, p.4).

A aviação nacional se mostrou promissora desde o pioneirismo de Santos

Dumont, embora tivesse um começo difícil. Nosso único aviador, o tenente de

cavalaria Ricardo Kirk, morrera durante um voo de reconhecimento na campanha do

Contestado. Em 1915, o General Farias, então Ministro da Guerra, ressaltou a

necessidade de se recomeçar o projeto da Escola de Aviação, devendo-se:

encarar o problema como se ele fosse inteiramente novo entre nós, mandar oficiais e operários mecânicos à Europa aprender aviação militar, e organizar depois o primeiro parque; se for necessário contatar-se-á um especialista estrangeiro para dirigir sua instalação (BRASIL, 2015, p.15).

Grande parte dos estudos realizados pelo Estado-Maior durante o período de

Hermes da Fonseca encontraria caminho aberto para a implantação em 1915,

principalmente pelas questões da Primeira Guerra Mundial. Ambiente favorável aos

trabalhos de reorganização do território foi, assim, relatado pelo Ministro da Guerra,

General José Caetano de Farias: “Tive a felicidade de ver consignada na lei do

orçamento para este ano uma série de autorizações que permitiram meu trabalho, e

Page 55: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

52

suavizaram um pouco a dureza dos cortes nas verbas orçamentárias” (BRASIL, 2015,

p.3).

4.1.6.2 A Primeira Guerra Mundial

Pode-se considerar a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial de caráter

independente, uma vez que os debates internos a respeito de tal guerra foram

intensos e variados. Porém, ao mesmo tempo em que o respeito ao direito

internacional era uma bandeira brasileira, a influência alemã no brasil era

considerável, quer seja pelas colônias ao sul do país, quer seja pela recente influência

do Barão do Rio Branco e de Hermes da Fonseca, partidários do espírito alemão, na

grande Estratégia Nacional.

Quando da invasão alemã à Bélgica, a resposta brasileira foi imediata e

pioneira nas américas, uma moção em 8 de agosto foi realizada na Câmara dos

Deputados, 4 dias após a invasão, aprovada por ampla maioria e contrária à violação

de tratados e à desconsideração das leis internacionais. Soma-se a isso, a fundação

da Liga Nacional pelos Aliados, em 7 de março de 1915, em prol da entente e que

teve como membro diversas autoridades de destaque nacional (VINHOSA, 2015).

Famoso e imortalizado nos anais do Congresso Nacional ficou o discurso de

Ruy Barbosa, quando das comemorações do centenário da independência da

Argentina na Faculdade de Direito em Buenos Aires. Dentre vários assuntos tratados,

abordou o novo conceito de neutralidade:

Demos, sem embargo, senhores, como eliminadas as convenções de Haia, e suponhamos que nada tinham as nações não beligerantes com a liquidação de contas entre os beligerantes, em relação às transgressões, reais ou imaginárias, das leis da guerra. Ainda assim, há um ponto em que a diferença dos neutros não poderá deixar de cessar: é, pelo menos, o que refere às violações do direito dos neutros, cometido pelos beligerantes. Todo e qualquer ato dessa natureza constitui uma negação geral dos direitos da neutralidade, e interessa, por conseguinte, a todos os neutros (VINHOSA, 2015, p.29).

A imprensa nacional se aqueceu com propaganda e artigos pagos pelos

beligerantes. Os jornais “A Noite” e o “Jornal do Comércio” eram pró-aliados; “A

Tribuna”, pró-Alemanha; “O Correio da Manhã” e o “Jornal do Brasil” se mantinham

na neutralidade. A propaganda serviu de catequese para os países neutros, porém

Page 56: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

53

as versões pró e contra um lado ou outro fomentaram o entendimento acerca da

guerra, dando voz aos diferentes pontos de vista nacionais.

No Ministério das Relações Exteriores, Lauro Muller criticou a defesa de Ruy

Barbosa, sinalizando que o Brasil deveria “conservar para com todos a mesma

amizade”. Jornais pró-Alemanha, criticavam os altos gastos efetuados por Ruy

Barbosa em Buenos Aires, por ocasião de sua representação no centenário da

independência daquele país; enquanto os pró-aliados acusavam Lauro Muller de

germanófilo. O debate foi aquecido e bastante amplo.

A posição de alguns componentes da sociedade brasileira seguiu claramente

suas simpatias para com a França e a Inglaterra, sem, contudo, olhar do ponto de

vista nacional. Eram intelectuais que respiravam os bons ares da Europa francesa e

britânica, desenraizados, cujas coisas nacionais lhes eram estranhas, sendo capazes

de levar, “(...) serenamente o país a uma Guerra da França e da Inglaterra contra a

Groelândia ou outro país bárbaro (...)” (BELLO, 1956, apud VINHOSA, 2015, p.40).

O deputado Dunshee de Abranches, pró-Alemanha e presidente da Comissão

de Diplomacia da Câmara, declarava que a guerra era comercial e o único propósito

era destruir a supremacia comercial alemã. Deixou claro seu pensamento de que

“para nós, como para os argentinos, os chilenos, e os demais povos sul-americanos,

o nosso grande amigo e aliado no continente devem ser os Estados Unidos, na Europa

a nação de que mais nos devemos aproximar é a Alemanha [...]” (VINHOSA, 2015,

p.35).

O sociólogo e ensaísta político Alberto Torres, que já fora presidente do Rio de

Janeiro, Deputado Federal e membro do Supremo Tribunal Federal, tinha uma visão

diferenciada da guerra, para ele, o melhor resultado seria o empate, pois só assim as

potências imperialistas se enfraqueceriam, favorecendo nações como o Brasil.

A grande estratégia inglesa provocou a entrada do país na guerra. A primeira

embarcação torpedeada pode ser considerada como um ardil inglês para levar o Brasil

à guerra, pois havia sido vendida; não contava com tripulantes nacionais; fazia o

transporte de Oslo para Londres; carregava mercadoria de guerra; e estava com a

bandeira brasileira hasteada. Tudo isso, seguindo ordens inglesas.

O torpedeamento da embarcação (MACAE, ex-Palatio) que levou o País a

declarar guerra à Alemanha poderia ser evitado ou desconsiderado, pois sabíamos

Page 57: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

54

das restrições à navegação na Europa e a nacionalidade da embarcação era alemã,

sendo utilizada pelo Brasil sem a devida legitimação.

O total de embarcações torpedeadas pelos submarinos alemães foi de oito,

sendo elas Rio Branco, Pará, Tijuca, Macaé, Guaíba, Acari, Taquari e Maceió. Grande

parte destas embarcações poderiam ter sido preservadas não fosse a teimosia

brasileira de testar a paciência germânica, o que ficou comprovado pelas trocas de

correspondências entre as duas embaixadas.

Finalmente, e com saída de Lauro Muller da pasta das Relações Exteriores, o

Brasil declarava quebra de sua neutralidade e, mais a frente, guerra aos alemães,

aliando-se, assim, aos irmãos do Norte na luta contra o agressor germânico

Com a declaração de guerra, as divisões navais iniciaram o patrulhamento da

costa brasileira e de seus portos. Era sabido que para ter peso nas futuras

negociações de paz e na anunciada Liga das Nações, a participação brasileira teria

que superar o simples fornecimento de gêneros alimentícios e matérias-primas.

Assim, segundo Frota (1987), foi oferecido aos aliados uma Divisão Naval em

Operações de Guerra para reforçar o patrulhamento na área compreendida entre

Dacar, Cabo Verde e Gibraltar. Entre oficiais e praças, o total de voluntários era de

1515 homens, que sofreram toda sorte de acontecimentos, sendo acometidos pela

gripe espanhola e perdendo 464 homens. A precariedade dos navios brasileiros,

despreparados que estavam para receber os novos armamentos e enfrentar as novas

ameaças (minas e submarinos) revelou toda a falta de sorte pela qual a Armada

Nacional vinha passando. Embarcações a vapor, contratorpedeiros projetados para

terem o apoio em terra, sistema de armas ultrapassado – as bombas de profundidade

eram improvisadamente ancoradas no navio – segundo o Estado-Maior da Armada

“os navios brasileiros não possuíam hidrofones e as bombas eram ineficientes, sem

terem as belonaves uma maneira adequada de lançá-las” (VINHOSA, 2015, p.164).

Exemplo de inadequabilidade do armamento e ao mesmo tempo da força de

vontade e heroísmo dos nossos homens foi observado durante as operações da

DNOG e uma desses exemplos destacamos aqui, segundo Frota (1987):

Em uma das manobras normais de reabastecimento, uma bomba de profundidade desprendeu-se da popa do PARAIBA caindo ao mar; com rapidez, o cabo José de Souza Oliveira atirou-se na água, segurando a bomba e impedindo que ela, chegando ao fundo,

Page 58: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

55

explodisse danificando o navio e ceifando vidas (FROTA, 1987, p.328).

A DNOG retorna ao Brasil, após ter cumprido a sua missão com o sacrifício de

156 brasileiros enterrados em Dacar. No dia 9 de junho, com o Bahia à frente, chega

à Baia da Guanabara, sendo recebido pela cidade do Rio de Janeiro. Os 156 corpos

enterrados em Dacar foram, em 1928, exumados, repatriados e sepultados no

Cemitério São João Batista.

A Missão Militar Médica Brasileira, chefiada por Nabuco de Gouveia e

composta por 131 combatentes de saúde teve papel de destaque na Franca, onde

chegou em 24 de setembro de 1918. Chegando em Paris, foram distribuídos por

diversos pontos para “[...] auxiliarem no serviço contra uma epidemia de gripe que

dizimava a população civil, enfraquecia a linha de frente e prejudicava a ação de

retaguarda” (BENTO; GIORGIS, 2014, p.377).

Esta mesma missão foi responsável pela montagem do Hospital Brasileiro, em

um antigo convento jesuíta na rua Vaugirad. A brilhante atuação dos brasileiros neste

hospital foi elogiada pelas autoridades de saúde francesas que não pensavam achar

ali um hospital tão bem montado, tal fato rendeu aos seus auxiliares diretos a medalha

“Legião de Honra”.

Quanto ao envio de aviadores brasileiros para a Inglaterra, Vinhosa (2015,

p.170) diz o seguinte:

A conclusão que chegamos consultando a correspondência diplomática entre Londres e o Rio de Janeiro foi que os aviadores brasileiros, em número de nove, seguiram para a Inglaterra não para participarem do conflito, mas para receberem treinamento (...) resultado de um equívoco que o governo inglês não pode desfazer (...) as autoridades inglesas estavam persuadidas de que eles foram lá para se instruir, enquanto o governo brasileiro insistia que eles foram para combater (...) após o armistício de 11 de novembro, o governo inglês cobrou do governo brasileiro 1.000 Libras por cada um dos sete aviadores que lá permaneceram até o final do conflito (...).

Como destaca o mesmo autor, “a solidariedade do Brasil seria dar-lhes nosso

apoio moral, político e econômico, excluída apenas a cooperação militar, por causa

da exiguidade de efetivos de que dispúnhamos e a presença da colonização alemã

em alguns Estados do sul do país.”

Page 59: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

56

A realidade da guerra alertou para a necessidade de equipar a tropa com o

armamento necessário, estimulando a fabricação de pólvora, cartuchos e a siderurgia

nacionais, além da provisão de fardas, armamentos, alojamentos e materiais diversos.

A dificuldade para se obter tais materiais motivou a criação da Diretoria de Material

Bélico para coordenar a produção dos arsenais e fábricas militares.

A revista “A Defesa Nacional” contribuiu para enriquecer os debates acerca da

fabricação nacional das munições, alertando sobre a necessidade de estar

independente do estrangeiro em matéria de produto nacional de defesa (PRODE),

pois uma guerra na América do Sul poderia isolar o Brasil no suprimento de tais

produtos.

A questão sobre a criação de uma siderurgia nacional pautou diversas

publicações da revista “A Defesa Nacional”, destacando a necessidade imperial de se

ter tal indústria, pois o mundo já se dera conta que importância do ferro e do aço em

uma guerra já havia se igualado à do ouro. Uma publicação de um artigo americano

na revista militar destacara a importância de tal siderurgia tanto na guerra quanto em

tempos de paz. Assim, é notória a participação dos militares na discussão nacional a

respeito de tal indústria e isto refletiria mais tarde em influência militar na construção,

com apoio americano, da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda

(McCANN, 2009).

4.1.6.3 O funcionamento da Lei do Serviço Militar

A lei do serviço militar, a de 1874 e a de 1908, não surtiu os efeitos esperados.

Somente após o início da Primeira Guerra Mundial e por conta dos horrores da guerra

que, inclusive, atingiu o comercio nacional, se voltaria a discutir o serviço militar

obrigatório em termos nacionais e com a força política necessária à sua implantação.

A entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial contribuiu para mais que

triplicar os efetivos do Exército (Quadro Nr 2), embora o perfil dos recrutas não tenha

mudado até a Segunda Guerra Mundial e a dificuldade encontrada para se efetivar o

pessoal sorteado fosse grande.

Page 60: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

57

Tabela 1: aumento dos efetivos

Fonte: adaptação de Coelho (2000)

A mola propulsora das mudanças viria a ser o funcionamento do serviço militar

obrigatório. Porém, essa só seria possível após intensa campanha nacional e ativa

atuação dos “Jovens Turcos15” na administração do General José Caetano de Faria

no Ministério da Guerra e na atualização no perfil profissiográfico dos oficiais,

resultado das reformas curriculares. Quanto ao perfil dos oficiais, segundo McCANN

(2009, p.216):

Em fins de 1914 o segundo-tenente Francisco de Paula Cidade observou satisfeito que o “doutorismo” exagerado estava em declínio e que restavam poucos tarimbeiros da velha guarda ainda na ativa. Mesmo assim muitos oficiais resistiam passivamente à modernização porque se sentiam ameaçados pela mudança ou porque as inovações estavam sendo propostas e executados por oficiais subalternos.

O Exército contou ainda com a ajuda do poeta Olavo Bilac que iniciou uma

campanha nacional de incentivo ao serviço militar obrigatório, com palestras nas

principais capitais do país para convencer, principalmente, os citadinos e os políticos.

Olavo Bilac entendia que a classe média teria um papel fundamental na direção

do país ao lado dos militares. Para a classe média, as oligarquias procuravam manter

a sociedade dividida e segregada entre os imigrantes, que viviam isolados e falavam

outra língua, e as classes mais baixas isoladas pela ignorância, analfabetismo,

superstições e fanatismos.

O serviço militar obrigatório seria uma salvação para o país, elevando a classe

mais baixa e nivelando a classe alta por intermédio do ensino de patriotismo, da

disciplina e da ordem.

Estes dois pensamentos, serviço militar obrigatório e liderança da classe

média, se misturaram para formar as bases da reforma tanto militar como social, com

15 Apelido dado aos 34 oficiais subalternos que foram enviados à Alemanha, em três turmas, por Hermes da Fonseca para servirem arregimentados naquele país, entre 1905-1912, e trazerem as reformas necessária ao país daqueles que já haviam reformado com sucesso o Japão e a Turquia.

Ano Efetivo índice de Crescimento

1889 13.000 100

1892 27.013 207,8

1907 30.066 231.3

1920 45.405 349,3

Page 61: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

58

reflexos até os dias atuais. Diversos “jovens turcos” ocuparam cargos proeminentes

nas décadas seguintes e Olavo Bilac se tornou o patrono do Serviço Militar, sendo

que no dia do seu nascimento, 16 de dezembro, comemora-se o Dia do Reservista.

Quanto ao funcionamento da lei do serviço militar:

Só veio a ser implementada graças a esforços conjuntos de oficiais militares e da classe média. À medida que mais filhos das famílias de classe média foram ingressando no corpo de oficiais, as visões dos militares e da classe média sobre os objetivos e meios nacionais foram-se tornando cada vez mais semelhantes (McCANN, 2009, p.131).

Após forte lobby do Alto-Comando junto aos congressistas e aos governos

estaduais e a atuação da Liga da Defesa Nacional, tendo à frente Olavo Bilac e outras

celebridades nacionais, e como Presidente e vice, respectivamente, Venceslau Brás

e o general José Caetano de Farias, o sorteio, previsto na lei do serviço militar de

1908, seria posto em prática entre 10 a 17 de dezembro de 1916.

Depois de alguns protestos e objeções de toda natureza por parte dos

sorteados, o Supremo Tribunal Federal declarou, por unanimidade, que a lei era

constitucional em fins de janeiro de 1917. Desde então, o Exército iniciara sua

profissionalização com recrutas vindos de diversos setores da sociedade, que seriam,

agora, cidadãos-soldados.

4.1.6.4 A Missão Francesa

Com a eleição de um paulista, Rodrigues Alves, enfim criava-se condições para

a definição de uma missão francesa, o que agradaria os políticos paulistas pelos

vínculos já estabelecidos com este país. O próximo passo seria nomear um Ministro

da Guerra favorável a vinda de tal missão.

Com a autorização do Congresso, a escolhida para liderar tal missão fora a

França. A reação à decisão foi variada, com adeptos e opositores. Porém, as

principais lideranças reformistas logo tentaram acalmar os ânimos e se inscreverem

nos cursos de revisão.

Em linhas gerais, a missão francesa designou instrutores para a Escola de

Estado-Maior, criou a Escola de Aperfeiçoamento de Capitães, contribuiu para a

reformulação dos manuais doutrinários, auxiliou o Estado-Maior em suas atribuições

Page 62: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

59

de direção e aprimorou o processo das promoções pela implantação do mérito. A

influência na Escola Militar foi limitada, pois lá já se encontrava a missão indígena.

O país já havia criado o Estado-Maior como órgão de planejamento, mas foi

com a Missão Francesa que veio a formação de bons oficiais de Estado-Maior. “(...)

Embora criado na última década do século XIX, não exercera sua verdadeira função

de formulador de política de defesa nacional. Na verdade, não existiam planos

nacionais de defesa [...]” (CARVALHO, 2006, p.29). Com a reforma do Estado-Maior,

por influência da Missão Francesa, o planejamento da preparação do Exército e da

defesa nacional foi facilitado pela centralização das ações neste órgão de cúpula.

Assim:

A nova concepção de defesa abrangia todas as dimensões relevantes da vida nacional, desde a preparação militar propriamente dita até o desenvolvimento de indústrias estratégicas como a siderúrgica. É significativo que já em 1927, por influência da missão, foi criado o Conselho de Defesa Nacional, cujo objetivo era planejar a mobilização nacional para a defesa, incluindo aspectos psicológicos e econômicos (CARVALHO, 2006, p.29).

O desconforto da missão veio pela necessidade do idioma francês e alguns

oficiais se irritaram por ter que falar outro idioma em seu próprio país. O mero fato de

se contratar uma missão estrangeira já era achada por alguns como uma admissão

de inferioridade. Outro ponto desconcertante fora a coordenação da missão, pois as

regras diziam que “o chefe da missão será adido ao Estado-Maior do Exército na

qualidade de assistente técnico e terá a supervisão de todas as atividades designadas

aos oficiais da missão (...) deveria prestar contas unicamente ao ministro da Guerra”

(McCANN, 2009, p.268-269).

Problemas com o material francês também foram usados para protestos dos

insatisfeitos com a missão. Oficiais de artilharia consideravam a metralhadora alemã

melhor que a francesa, o canhão francês Saint-Chamont inferior aos velhos canhões

Krupp e os canhões que os franceses queriam incorporar às divisões brasileiras eram

pesados demais para serem transportados pelo território nacional; os oficiais que

foram treinar nos Estados Unidos durante a guerra garantiam que a artilharia de costa

americana era superior à dos franceses; a cavalaria considerava os blindados ingleses

superiores a todos os outros; a infantaria estava insatisfeita com os novos fuzis

automáticos, preferindo os antigos Mauser de repetição; os oficiais achavam

Page 63: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

60

desnecessária a compra de máscaras contra gases e, até, atribuíam os numerosos

acidentes na escola de aviação do Exército aos velhos e defeituosos aviões franceses

(McCANN, 2009).

Com a eleição de um civil, Pandiá Calógeras, para o Ministério da Guerra, um

sentimento de descrédito tomou conta do Exército. Assim, o desprestígio do Estado-

Maior do Exército, sob liderança do general Bento Ribeiro Carneiro Monteiro, em favor

das ingerências da Missão Francesa, notadamente no que referia às promoções, foi

o estopim para o aumento das hostilidades e atos de indisciplina. Principalmente

quando da substituição de Bento Ribeiro no Estado-Maior do Exército sem as

formalidades requeridas da passagem de função. Tal fato gerou descontentamento

entre os oficiais, manifestações nas Mídias e transferência de oficiais partidários do

antigo chefe do Estado-Maior.

Quanto a doutrina, tudo se baseava na experiência francesa da Primeira Guerra

Mundial. Tendo por base a Divisão como unidade básica e a defesa balizada por

grandes fortalezas. Não valorizaram a “guerra de movimento” e a importância do carro

de combate, mesmo com as tentativas de De Gaulle, além do emprego da aviação,

em profundidade, em apoio das ações terrestres.

4.1.7 A Grande Estratégia na implosão da Primeira República

A Grande Estratégia adotada pela República foi a responsável pela implosão

que provocou o fim da Primeira República. O famoso movimento revolucionário

chamado “tenentismo” foi o resultado de uma serie de condicionantes dentro e fora do

Exército. Descontentamentos com as morosas promoções, que inchavam a base da

pirâmide hierárquica do Exército, oposição de ideias entre germanófilos e francófonos,

a reincorporação de anistiados de revoltas passadas, descaso para com os oficiais do

Exército e crise financeira foram o pano de fundo para o movimento revolucionário da

década de 1920.

A oficialidade da década de 1920 era basicamente composta de tenentes16 e

aproximadamente metade deles serviam no Rio de Janeiro em estrita relação e

convivência com os civis, usando as mesmas linhas de bonde, igreja, mercados,

16 65,1% dos oficiais eram segundos ou primeiros-tenentes, e 21,3% eram capitães. Muitos dos tenentes já estavam aos quarenta anos e com 14 e 18 anos de serviço (McCANN, 2009, p.276).

Page 64: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

61

escola e lendo os mesmos jornais. Os Tiros punham os oficiais em contato

institucional com os civis das melhores classes em âmbito nacional. Isso fazia com

que tais oficiais fossem afetados pelos problemas financeiros e pelas decisões mal

tomadas pelos políticos junto à sociedade civil. Compartilhando as mesmas

aspirações dos citadinos, industrialização, baixa dos preços e etc.

A origem diversa de tais oficiais, dada a existência de mais de uma escola de

formação em diferentes estados (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Ceará), refletia

diretamente na ausência do espírito de corpo entre as diferentes turmas de formação

e muitos deles estavam contaminados com as ideias filosóficas dos primeiros anos da

República, pois foram expulsos durante as revoltas nas escolas militares, anistiados

e matriculados novamente. Mesmo após a modificação dos currículos e da

centralização da formação, a existência de tais oficiais corroeu a disciplina na Escola

Militar com efeito spill over para outras unidades do Exército.

A reforma do sistema de proteção dos militares no final da década de 1920

resultou na ida para a reserva de diversos oficiais no último posto da carreira para não

perder os benefícios da lei antiga. Até 1928, a lei garantia que após 30 anos de serviço

o oficial poderia se aposentar com os vencimentos de um posto acima, os que

tivessem 35 anos de serviço recebiam uma promoção real ao posto acima e os que

tinham 40 ou mais eram promovidos e recebiam um posto acima. Com a mudança,

“apenas o oficial mais antigos em cada posto, que se aposentaria depois de trinta

anos com a patente e os vencimentos da graduação acima da sua, ou, tendo servido

por quarenta anos, subiria duas graduações” (McCANN, 2009, p.313). Tal situação

enfraqueceu a estrutura de comando numa época conturbada pelos movimentos

tenentistas.

As constantes críticas dos editoriais de “A Defesa Nacional” aos empecilhos ao

desenvolvimento social, profissionalização da força e melhoria nas condições de

defesa nacional como um todo que o sistema político vigente proporcionava gerou

dois distintos grupos: os legalistas e os revolucionários. Os primeiros, acreditavam na

mudança através do serviço militar obrigatório, da modernização do ensino, do

aperfeiçoamento do Exército como escola de civismo, criando naturalmente uma

mentalidade de defesa da pátria na sociedade. Já o segundo grupo, formado por

antigos revoltosos, eram adeptos da revolução, embora acreditassem nas mesmas

Page 65: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

62

ideias dos legalistas, achavam que as mesmas só poderiam ser implantadas pela

revolução.

Problemas envolvendo a missão francesa e o Estado-Maior do Exército,

chefiado pelo general Bento Ribeiro Carneiro Monteiro, aumentaram a tensão no

governo de Epitácio Pessoa. Os franceses se intrometeram nas promoções deste

órgão, buscando promover pelo mérito ao invés do favoritismo e da influência privada,

gerando descontentamento por parte do general e protestos junto ao Ministro da

Guerra, Calógeras apoiou os franceses.

A partir de então, houve um contínuo enfraquecimento de Bento Ribeiro à frente

do Estado-Maior, culminando com um incidente na Escola Militar envolvendo um

oficial francês, enviado por um dos assessores de Calógeras para lecionar aulas de

equitação, e o Capitão Pantaleão Pessoa, que se recusara a ter aulas, por se

considerar um exímio cavaleiro. Tal fato provocou a demissão do general Bento

Ribeiro e viria a prejudicar a disciplina no Exército.

Na onda de tais acontecimentos, o Clube Militar nomeou o ex-presidente e ex-

Ministro da Guerra Hermes da Fonseca para a Presidência da entidade. Com a

publicação das cartas falsas de Arthur Bernardes pelo Correio da Manhã, no Rio de

Janeiro, insultando o general, a tensão aumentou enquanto discutia-se a

autenticidade das cartas. Mais uma vez a questão militar foi pivô de mudanças e, em

julho de 1922, os tenentes rebeldes tomaram o Forte de Copacabana, jogando ao mar

o novo canhão leve de 75 mm francês, dando início ao fim da República Velha.

Page 66: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

63

4.2. ELABORAÇÃO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS

ARTIGO 1: PESQUISA SISTEMÁTICA SOBRE CULTURA ESTRATÉGICA

BRASILEIRA

Fabio Gomes Barbosa

Instituto Meira Mattos – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

[email protected]

Rua Felipe de Oliveira 18, apto 501, Copacabana – Rio de Janeiro-RJ

CEP 22011-030

Rafael Soares Pinheiro da Cunha

Instituto Meira Mattos – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

[email protected]

RESUMO Este trabalho tem como objetivo verificar o atual estágio dos estudos acadêmicos na área da cultura estratégica brasileira e, por consequência, a influência cultural na Grande Estratégia Nacional. Trata-se de uma pesquisa sistemática, realizada na base de dados CAPES através de querries pré-definidas. Os artigos foram selecionados e organizados com o auxílio do EndNote X9, esta mesma ferramenta auxiliou, ainda, na meta-análise dos dados bibliométricos. Os resumos dos artigos foram transformados em conteúdos textuais para a análise de similitude do IRAMUTEQ. Após a obtenção dos artigos científicos, os mesmos foram explorados no intuito de identificar aspectos culturais relacionados à influência da cultura estratégica na Grande Estratégia brasileira, sendo identificadas quatro temáticas: Política e estratégias internacionais do Brasil; Política militar, Políticas Públicas, e Segurança. A pesquisa empregou, ainda, o programa ATLAS ti para a escrituração dos achados e a organização dos materiais da pesquisa em uma única unidade hermenêutica. Como resultado, os dados bibliométricos foram expostos de forma quantitativa para que se tivesse uma ideia da relevância dada ao assunto e dos gaps, ainda existentes. Obteve-se, ainda, um panorama do atual estado da arte sobre o assunto e uma revisão de literatura relacionada ao tema. A conclusão foi que os aspectos culturais moldam a cultura estratégica nacional, e esta, por sua vez, influencia as tomadas de decisões no campo estratégico (Grande Estratégia Nacional). Palavras-chave: Cultura Estratégica; Grande Estratégia Nacional; Brasil; Pesquisa Sistemática.

Page 67: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

64

ABSTRACT This paper aims to verify the current stage of academic studies in the area of Brazilian strategic culture and, consequently, the cultural influence on the Grand National Strategy. This is a systematic research, performed in the CAPES database through predefined queries. The articles were selected and organized with the help of EndNote X9, this tool also helped in the meta-analysis of bibliometric data. The abstracts of the articles were transformed into textual content for the similarity analysis of IRAMUTEQ. After obtaining the scientific articles, they were explored in order to identify cultural aspects related to the influence of strategic culture in the Brazilian Grand Strategy, and four themes were identified: Brazil's politics and international strategies; Military Policy, Public Policy, and Security. The research also employed the ATLAS ti program to record findings and organize research materials into a single hermeneutic unit. As a result, the bibliometric data were quantitatively exposed to give an idea of the relevance given to the subject and the gaps that still exist. It was also obtained an overview of the current state of the art on the subject and a literature review related to the theme. The conclusion was that cultural aspects shape the national strategic culture, which in turn influences decision making in the strategic field (Grand National Strategy). Keywords: Strategic Culture; Grand National Strategy; Brazil; Systematic research.

INTRODUÇÃO

A pesquisa sistemática é uma ferramenta para o levantamento de informações

relevantes acerca de determinado tema. Difere-se da pesquisa exploratória1 e das

revisões narrativas ou tradicionais2 pelo seu caráter objetivo e empírico, com fontes

abrangentes e estratégia de busca bem definida e explícita, podendo ser reproduzida

por outros pesquisadores.

O objetivo da pesquisa foi verificar o atual estado da arte no que tange à cultura

estratégica brasileira e sua influência na Grande Estratégia Nacional. Além disso,

como um dos subprodutos da pesquisa sistemática, obteve-se uma visão mais ampla

da temática em tela, pela leitura dos artigos produzidos.

Os estudos culturalistas ganharam impulso na década de 1970 com Snyder e

sua teoria de que a antiga União Soviética não tinha o mesmo entendimento que os

Estados Unidos a respeito da destruição mútua assegurada, pelo emprego das armas

nucleares, devido a fatores nacionais próprios da cultura russa (SNYDER, 1977).

1 Procedimentos de amostragens e técnicas quantitativas de coleta de dados não são costumeiramente aplicados nestas pesquisas (GIL, 2008, p. 27). 2 Segundo Galvão e Pereira (2014): “[...] as revisões sistemáticas diferem das revisões narrativas ou tradicionais. Essas são amplas e trazem informações gerais sobre o tema em questão.”

Page 68: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

65

Desde então, surgiram três gerações de estudiosos da cultura estratégica. A

primeira geração ampliou demais o sentido da cultura estratégica, supervalorizando a

influência doméstica na Grande Estratégia. Já a segunda geração, acredita que os

interesses particulares das elites dirigentes contam mais do que a própria cultura

estratégica na tomada da decisão. Os adeptos da terceira geração propõem que para

ser válida a cultura estratégica tem que ser contestável e para isso tem-se que limitar

a sua definição (SONDHAUS, 2006).

Assim, levando em consideração o amplo espectro da cultura estratégica, esta

pesquisa teve como base as premissas elencadas acima para analisar os artigos

encontrados, destacando, quando possível, as características culturais que

influenciam a grande estratégia nacional.

Os resultados obtidos foram concentrados em quatro grandes temáticas:

Política e estratégias internacionais do Brasil; Política militar, Políticas Públicas, e

Segurança.

A redação do texto seguiu o modelo IMRD (Introdução, Método, Resultados e

Discussão) sugerido por Galvão (2015) e foi empregado o check list “PRISMA”

(Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis)3, com sua

devida aproximação teórica já que tal protocolo se destina aos trabalhos da área de

saúde, pioneira neste tipo de pesquisa.

MÉTODO

Para a sua elaboração foram seguidas as seguintes fases: elaboração do

problema de pesquisa, que coincide com o objeto deste trabalho; desenvolvimento de

um protocolo, onde se tem a definição da estratégia de busca (query) e dos limitadores

(strings); identificação dos trabalhos; avaliação da qualidade; extração dos dados e

monitoramento do progresso, e síntese dos dados.

A busca por artigos em periódicos científicos foi priorizada, dada a notoriedade

deste instrumento para a produção de conhecimento, já que o mesmo cumpre a

importantíssima função de definir e legitimar novas disciplinas e campos de estudo,

institucionalizando o conhecimento (MIRANDA; PEREIRA, 1996).

3 O check list e outras ferramentas relacionadas estão disponíveis no site PRISMA: http://www.prisma-statement.org

Page 69: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

66

A estratégia de busca foi submetida à base de dados da CAPES, já que a

mesma é composta por diversas outras bases e tem “uma inteligência na busca de

artigos”, além de sua interdisciplinaridade. Após isso, buscou-se o acesso aos dados

importantes, e não disponíveis, em outras fontes como o Google Acadêmico e a Web

of Science, sem executar nessas bases uma nova busca, apenas para encontrar os

artigos pesquisados na CAPES e não disponíveis lá.

Nesta pesquisa, serão utilizados o IRAMUTEQ, o EndNote X9 e o Atlas ti para

o tratamento e a análise dos dados. O IRAMUTEQ (Interface de R pour les Analyses

Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) e desenvolvido na linguagem

Python e utiliza funcionalidades providas pelo software estatístico R, foi empregado

para identificar áreas temáticas e agrupar os artigos nos temas correspondentes. O

EndNote X9 é um gerenciador de referências com a capacidade de geração de dados

bibliométricos e a verificação dos mesmos (identificação de duplicidade, correção de

erros ortográficos, qualificação dos dados, obtenção e coleta dos artigos), além do

gerenciamento das citações. Já o Atlas ti, esse foi empregado para agrupar os artigos

em uma unidade hermenêutica e facilitar a confecção dos relatórios.

O emprego de ferramentas de análise de dados tem revolucionado a pesquisa

qualitativa, essa vem aumentando em quantidade e possibilidades dos autores. Entre

as facilidades proporcionadas por tais ferramentas estão a rapidez na organização e

separação de informações, o aumento na eficiência do processo a facilidade para se

localizar o texto e a agilidade na codificação. (SOUZA; THULER; LOWEN, 2018).

Quanto as limitações do uso de tais ferramentas está a tendência a uma

descrição pura dos fatos; uma crença de que o software realizará o trabalho

interpretativo sozinho; e a perda da visão holística do fenômeno em virtude da

fragmentação.

Page 70: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

67

O protocolo aplicado para o tratamento dos dados foi o seguinte:

Fonte: o Autor

CRITÉRIOS DE ELEGIBILIDADE

Para o desenvolvimento da pesquisa, priorizou-se os artigos científicos

analisados por pares no idioma português e inglês, já que, no primeiro caso, tal

característica agrega mais confiabilidade na metodologia empregada em tais

documentos; e no segundo, empregou-se o idioma usado para a comunicação entre

os países, contemplando assim as publicações em nível internacional. O recorte

temporal abrangeu o ano de 2010 a 2017 e o principal objetivo fora limitar a busca nas

últimas publicações, permitindo uma pesquisa que englobasse debates atuais sobre

o assunto no âmbito científico.

Na sequência, passa-se para a elaboração da estratégia de busca, definindo

as palavras-chave do tema e a utilização dos operadores booleanos para a junção

das palavras ou sentenças.

Para o estudo em questão, utilizou-se, por exemplo, os termos military AND

defen?e, procurando cada uma das palavras respectivamente, e contendo as duas

Definição das

Palavras-Chave (PC)

Lista

de

PC

Definição dos bancos

de dados

Obtenção dos Artigos

Google

Web of

Science

CAPES

Lista de

artigos

Verificação dos resultados,

ajustes da PC e exclusão de

artigos não alinhados

Nova

lista de

artigos

Lista de PC

e queries

Leitura dos resumos e

nova avaliação

Nova relação de

Artigos

Limpeza dos dados

com o EndNote X9

Análise do conteúdo

com a ferramenta

IRAMUTEQ

Nova lista de artigos Extração de dados

bibliométricos

Extração das

definições

encontradas e dos

novos conceitos com o

Atlas Ti (codificação,

citação)

Análise dos dados

coletados

(bibliográficos e

conteúdo dos artigos)

1º Resultado

Análise propriamente dita

Figura 1: protocolo de pesquisa

Protocolo de Pesquisa Ajustes finos

Page 71: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

68

sentenças pelo uso do operador booleano AND. O caractere “?” vai localizar tanto as

palavras escritas com “s” como aquelas escritas com “c”, dependendo do idioma,

britânico ou americano. A estratégia de busca se deu conforme o Quadro 1 e 2.

Quadro 1: palavras-chave

Unidade Semântica Idioma Palavras-chaves

Estratégia

Português Estratégia, Segurança

Defesa

Inglês

Strategy

Security

Defen?e

Cultura Português Cultura

Inglês Culture

Brasil Português Brasil

Inglês Brazil

Fonte: o Autor.

Quadro 2: querries

Unidade Semântica Idioma Queries

Estratégia (E) Português estratégia AND (militar OR defesa) AND Brasil

Inglês strategy AND (military OR defen?e) AND Brazil

Cultura (C) Português cultura AND (militar OR defesa OR segurança) AND Brasil

Inglês culture AND (military OR defen?e OR security) AND Brazil

CRITÉRIOS COMUNS DA PESQUISA

Limitadores

Analisado por pares

Tipos de documentos

Revistas acadêmicas

Exibição

Por representatividade

Fonte: o Autor

FONTES DE INFORMAÇÃO

A base de dados empregada foi bastante ampla já que a CAPES possui

acessibilidades às diversas plataformas disponíveis, além do emprego do Google

Acadêmico, ampliando ainda mais o tamanho da amostra a ser pesquisada. O escopo

da pesquisa foi de 2010 a 2017 e, além dos dados obtidos durante a investigação,

buscou-se outras fontes pela análise das referências encontradas, incorporando

Page 72: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

69

novas bibliografias, quando pertinentes, bem como a literatura cinza4, obtida nas

obras produzidas e não abarcada nas pesquisas.

BUSCA

Estabelecidas as palavras-chave e as queries de busca (Quadros 1 e 2), as

mesmas foram aplicadas em pesquisas no site da CAPES. Uma vez submetida, os

limitadores do buscador foram ajustados para mostrar os resultados pertinentes à área

pretendida. Assim, delimitações foram feitas para incluir áreas, idiomas e revistas que

representem o objeto da pesquisa.

A seguir, será exibida a estratégia completa de busca eletrônica para as bases

disponíveis na CAPES, como recomendado no Check List “PRISMA” (Fig 2, 3, 4 e 5).

Figura 2: emprego da querry “estratégia AND (militar OR defesa) AND Brasil”

Fonte: o Autor

4A literatura cinzenta é a literatura não controlada por editores científicos ou comerciais, tais como

relatórios governamentais, teses, dissertações e resumos publicados em anais de congressos.

Recomenda-se incluir a busca por literatura cinzenta nas revisões sistemáticas (PEREIRA E GALVÃO

, 2014).

Page 73: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

70

Figura 3: emprego da querry “strategy AND (military OR defense) AND Brazil”

Fonte: o Autor

Figura 4: emprego da querry “cultura AND (militar OR defesa OR segurança) AND Brasil”

Fonte: o Autor

Page 74: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

71

Figura 5: emprego da querry “culture AND (military OR defense OR security) AND Brazil”

Fonte: o Autor

SELEÇÃO DE ESTUDOS

Após definir a estratégia de busca e inserir as queries na base de dado da

CAPES, obteve-se resultados da segunda coluna da Tabela 1 (1). Após isso, fez-se

um filtro a partir da leitura dos títulos, das palavras-chaves e dos resumos, resultando

nos dados da terceira coluna (2). Obteve-se os artigos incluídos, após a leitura

completa dos trabalhos apresentados nesta última coluna (2). Por último, as listas das

referências dos artigos selecionados (3) foram escrutinadas em busca de materiais

não abarcados pela busca nas bases de dados. O espaço “outras fontes”, na Tabela

1, foi destinado ao registro da literatura cinzenta.

Tabela 1: resultado da pesquisa

Resultado da pesquisa, artigos lidos na íntegra e artigos escolhidos

Estratégia de busca Resultado da pesquisa

(1)

Artigos relevantes para

ser lidos (2)

Artigos incluídos (3)

Estratégia AND (militar

OR defesa) AND Brasil 92 38 7

Strategy AND (military

OR defen?e ) AND Brazil 64 21 11

Page 75: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

72

Cultura AND (militar OR

defesa OR segurança)

AND Brasil

188 4 2

Culture AND (military OR

defen?e OR security)

AND Brazil

104 17 5

Subtotal 448 80 25

Outras fontes (literatura

cinza) 3 3 3

Total de documentos lidos 28

Fonte: o Autor

Neste campo, ainda, foram apresentados dados relevantes dos resultados da

Meta-Análise5 realizada com a bibliometria encontrada. Neste processo, os dados

coletados são sistematizados nas seguintes categorias: revistas encontradas e

distribuição dos artigos pelas mesmas; distribuição temporal dos artigos encontrados;

relevância dos trabalhos; e temáticas contempladas.

REVISTAS ENCONTRADAS E DISTRIBUIÇÃO DOS ARTIGOS PELAS MESMAS

Durante a busca na base de dados CAPES, as revistas que mais publicaram

assuntos relacionados à temática da pesquisa (Gráfico 1) foram, respectivamente:

Revista Brasileira de Política (9), Latin American Perspectives (4) e Latin American

Research Review (3). Porém, é nítida a discussão desta temática no âmbito da

América Latina, pois nove artigos foram publicados em quatro diferentes revistas

latino-americanas no período considerado, embora o número de artigos publicados

seja igual ao publicado na Revista Brasileira de Política (9).

5 Meta-análise se refere ao uso de técnicas estatísticas em uma revisão sistemática para integrar os resultados dos estudos incluídos (MOHER; LIBERATI; TETZLAFF, 2015).

Page 76: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

73

Fonte: o Autor

DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DOS ARTIGOS ENCONTRADOS

A distribuição dos artigos por ano mostra um aumento do interesse no assunto,

pois as publicações saltaram de uma (2011) para sete (2017), embora não se tenha

registrado publicações em 2013. Provavelmente este interesse foi ocasionado pelo

fato de o Brasil sediar grandes eventos mundiais em 2014 (Copa do Mundo de

Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos), ficando no centro das atenções mundiais.

Fonte: o Autor

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Revista Brasileira de Política

Latin American Perspectives

Latin American Research Review

America Latina Hoy

Insight Turkey

Journal of Politics in Latin America

Meridiano 47

Revista de Administração Pública

Revista de Estudios Sociales

Revista de Sociologia e Política

Sinais

Third World Quarterly

Gráfico 1: distribuição dos artigos por ano

1

2

4 4

7 7

2011 2012 2014 2015 2016 2017

Gráfico 2: artigos distribuídos pelas revistas

Page 77: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

74

RELEVÂNCIA DOS TRABALHOS

As Revistas do portifólio da pesquisa cujo Qualis - índice utilizado para

classificar a produção científica nos programas de pós-graduação no que se refere

aos artigos publicados em periódicos científicos - foi A1/A2 foram as seguintes:

Revista Brasileira de Política (A1), Revista de Sociologia e Política (A1), Third World

Quarterly (A1), Revista de Administração Pública (A1), Latin American Perspectives

(A2), Latin American Research Review (A2), America Latina Hoy (A2), e Revista de

Estudios Sociales (A2). Os artigos do Quadro 3 foram os mais citados nestas Revistas.

Quadro 3: lista dos artigos mais citados do portifólio

Autores Total de citações

Revista

Bresser-Pereira (2015) 76 Latin American Research Review (A2)

Carrillo (2014) 20 Latin American Perspectives (A2)

Darnton (2012) 15 Latin American Research Review (A2)

Saraiva (2017) 15 Revista Brasileira de Política (A1)

Garcia (2014) 9 Third World Quarterly (A1)

Jorge (2015) 9 Revista de Sociologia e Política (A1)

Weyland (2016) 9 Journal of Politics in Latin America (B1)

Fonte: o Autor

TEMÁTICAS ENCONTRADAS

Após submeter os artigos obtidos ao IRAMUTEQ e realizar uma análise de

similitude, chegou-se à Fig 6, de onde as seguintes áreas temáticas emergiram:

Política e estratégia internacional brasileira, que abarca questões estratégicas mais

abrangentes e concernentes ao papel do país no cenário internacional; Políticas

militares, atinentes ao controle político das forças armadas; Políticas públicas, relativa

às questões internas e inerentes às estruturas da sociedade que moldam a política; e

a temática relativa à segurança, onde a percepção de (in)segurança modela as

estratégias de defesa nacionais.

Page 78: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

75

Figura 6:análise de similitude do IRAMUTEQ

Fonte: o Autor

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a análise bibliográfica, vista acima, uma análise mais profunda dos

resumos foi realizada e, quando da ausência de informações relevantes neste recurso

bibliométrico, recorreu-se ao corpo do artigo para melhor esclarecimento acerca do

conhecimento existente no artigo. Assim, o próximo tópico apresenta as dimensões

da cultura estratégica encontrada na bibliografia selecionada.

POLÍTICA E ESTRATÉGIA INTERNACIONAIS DO BRASIL

A Política Externa de uma nação está associada à sua grande estratégia. A

partir desta (seus objetivos, suas ações e seus recursos empregados), pode-se

deduzir a identidade estratégica do Estado. Embora a Constituição Federal Brasileira

delegue ao Presidente da República total responsabilidade da condução da Política

Page 79: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

76

Externa Brasileira (PEB) e este represente parcela da elite dirigente, todos são

influenciados pela mesma cultura estratégica.

As experiências vivenciadas ao longo dos anos servem como um

subconsciente, onde o Estado recorre, sempre que preciso, para a tomada de decisão

estratégica. Esta decisão pode ser pensada, e nesse caso, há uma tendência ao

aperfeiçoamento e à integração de estratégias diversas disponíveis para melhor

endereçar uma solução. Ou pode ser ad hoc, quando se faz necessário agir rápido

por falta de planejamento ou de uma visão mais prudente ou estratégica.

Da análise do subconsciente nacional e de sua PEB, pode-se chegar a grandes

conclusões sobre a postura adotada no plano internacional. Para o Brasil, em termos

de política externa, três grandes áreas se apresentam importantes e ligadas ao

passado estratégico nacional, cada uma delas requerendo posturas distintas: América

do Sul, Estados Unidos e Europa.

Do ponto de vista da governança existente nos mecanismos de segurança

regionais na América do Sul, pode-se dizer que os mesmos funcionam de maneira

dicotômica (VILLA, 2017). Ao mesmo tempo que os estudiosos apontam a regra do

equilíbrio de poder nas práticas de segurança entre o Brasil e seus vizinhos sul-

americanos, outros enfatizam a necessidade da democracia, da cooperação e da

solução pacífica dos conflitos. Segundo Villa (2017), existe um sistema híbrido nas

relações entre o Brasil e seus vizinhos, porém os mecanismos de equilíbrio de poder

se sobrepõem.

Parts of the political elite may share the military’s statist-nationalist strategy in line with the balance of power thinking. On the other hand, over time significant cohorts within the military might turn into proponents of an internationalist line with the security community logic (…) two divergent ‘grand strategies’ along which government leaders define their states’ relationship to the regional context: an ‘internationalist grand strategy’ where leaders prefer economic and security cooperation, and a ‘national-statist grand strategy’, where actors see more benefits in military competition (…) (VILLA, 2017, p.17).

Considerando as mudanças ocorridas no sistema internacional, onde a

bipolaridade abriu espaço para as relações multilaterais, viu-se uma tendência a

formação de blocos econômicos. Assim, surgiram o MERCOSUL e a UNASUL.

Porém, da análise da estratégia internacional da PEB, feita por Weyland (2016),

chega-se à conclusão de que há uma forte tendência da cultura Realista que se

sobrepõe às visões Liberal Institucional e Construtivista. O autor realça que,

Page 80: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

77

independente de governo ou regime político, a PEB vem se caracterizando pela busca

de vantagens políticas, especialmente em relação à sua ascendência internacional.

Embora a UNASUL e seu conselho de defesa (SADC) tenham sido criados no

contexto de uma maior cooperação regional, ainda há uma forte demanda por

cooperação entre os membros dessa organização. Do ponto de vista do Realismo

Estrutural e Neoclássico, Vaz (2017) mostra como a mudança nas formas como as

ideias domésticas são desenvolvidas e no equilíbrio de poder regional contribuíram

para a rápida obsolescência destes palcos de concertação política. Para o autor, a

formação da Grande Estratégia Nacional (cultura estratégica) dos países envolvidos

tem relação direta com o sucesso ou o fracasso da cooperação.

Muito revelador é a proposição de Darnton (2012) de que a cultura de

hostilidades existente no Ministério das Relações Exteriores e nas Forças Armadas

de ambos os países (Argentina e Brasil) invalidaram uma aproximação no período de

Aljandro Agustin Lanusse a Emilio Garrastazu Medici. O autor sinaliza que os

interesses burocráticos destas instituições dependiam da continuação das rivalidades.

Deduzindo que uma cooperação entre antigos rivais depende não só de uma vontade

das lideranças, mas também de uma verdadeira mudança de mentalidade nas

instituições nacionais.

A negociação com os países da União Europeia confirma o caráter Realista

dominante na PEB, uma vez que as trocas multilaterais encontraram obstáculos

crescentes, ao passo que os acordos bilaterais foram bem mais facilitados (SARAIVA,

2017).

Dentro da ideia do modelo adotado pelo Brasil nessa nova ordem mundial, a

conduta Realista é, novamente, sinalizada na busca de aliados entre os países em

desenvolvimento, como a Turquia. Dessa forma, Lazarou (2014) discute as ideias por

trás dos movimentos em direção aos acordos bilaterais, característica mais realista

que construtivista.

Tem-se associado a conduta do Brasil, no estabelecimento de uma influência

política mais efetiva, ao smart power - uso inteligente dos recursos do Estado na

obtenção de influência. Muxagato (2016) explica que o país adotou o princípio da não

diferença, desde o ano de 2002 em diante, e busca afirmar sua capacidade de

mediação nos conflitos regionais e extra regionais. Porém, com a chegada à

presidência de uma nova Presidente, Dilma Rousseff, observou-se uma mudança de

Page 81: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

78

postura, pois “o tom diplomático energético e proativo dos anos Lula, por exemplo,

com a proposta de bons ofícios no conflito israelita-palestino6 ou o intento de mediar

no assunto iraniano, foi substituído por uma diplomacia de inanição” (MUXAGATO,

2016, p.100).

Do ponto de vista das relações Brasil-Estados Unidos, nota-se que, embora o

País soubera aproveitar os dividendos desta relação, quando a mesma se

apresentava vantajosa, também se distanciou, quando foi necessário. Dos Santos

(2015) apresenta bem essa relação levando em conta a decisão brasileira de votar a

favor da resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em torno da equiparação

do Sionismo ao racismo. Embora divergisse da opinião americana, um possível

embargo às exportações de petróleo vindas dos países árabes do Oriente Médio

pesou na tomada da decisão.

Em síntese, a literatura encontrada replicou as relações históricas que

envolveram o Brasil desde sua independência. Influência na América do Sul, (des)

alinhamento com Washington e suas relações com os países europeus. Em todos os

casos, fica nítida a autonomia buscada pelo Brasil em suas Política Externa e a

postura realista adotada.

POLÍTICA MILITAR

Este tópico intitulado “política militar” discorrerá sobre os objetivos postos para

a modelagem das Forças Armadas, segundo as ameaças percebidas, os interesses

do Estado e a utilidade da força (Grande Estratégia).

Muito do que foi achado na literatura pesquisada é reflexo dos desafios

encontrados ao longo das difíceis relações civis-militares na história do País. Tais

desafios, embora usem uma nova roupagem, têm íntima ligação com os desafios

enfrentados no passado: controle civil das forças armadas, modernização dos meios

militares, desenvolvimento de tecnologia nacional e emprego da força, interna e

externamente.

O pleno controle dos civis sobre as forças armadas, serviços secretos e polícias

militares é alegado por Garcia (2014) como necessário para o estabelecimento de

6 Em 3 de dezembro de 2010, as autoridades brasileiras tomaram a decisão simbólica de reconhecer as fronteiras de 1964 do Estado Palestino (MUXAGATO, 2016, p.98).

Page 82: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

79

uma democracia plena. A ausência de tal controle é justificada por cinco fatores: falha

constitucional na instituição do controle civil; percepção cultural em relação à

instituições de segurança; transformação jurídica e institucional fragmentada com

pouca intervenção civil nas Forças Armadas; continuidade das grandes estruturas das

forças singulares; e ausência de participação plena da sociedade civil no setor de

segurança por intermédio da mídia e da academia.

O elemento conflituoso nas relações entre civis e militares quanto ao papel do

componente secular e religioso, existentes nos governos militares (1964-1985),

possibilitou uma legitimação do mesmo pela simples compreensão do fator cultural,

unindo as crenças seculares existentes na sociedade civil com o intuito comum de

defender a civilização cristã ocidental (CATOGGIO, 2011).

No passado esse componente foi explosivo, pois religião e razão foram postas

em lados opostos, Canudos e Contestado não nos deixam esquecer. Porém, a

compreensão dessa ambivalência na sociedade brasileira, do mesmo modo na

ocidental, onde religioso e secular se complementam, resultou em uma política cultural

de alianças que possibilitou a legitimação do governo naquele contexto.

A questão do submarino com propulsão nuclear e todos os procedimentos que

envolvem o projeto, tratados setorialmente pela Marinha do Brasil, suscita discussões

sobre uma abordagem mais ampla e política, envolvendo outros setores da sociedade,

deste recurso estratégico. Para Costa (2017), o projeto envolve salvaguardas para a

não proliferação nuclear, gerando preocupações internacionais.

A questão nuclear está presente na estratégia nacional. Seu desenvolvimento,

no passado recente, permitiu a sua utilização como recurso energético, o

enriquecimento de urânio para fins comerciais e, num futuro próximo, permitirá a

posse de submarino de propulsão nuclear.

A decisão de aderir ao tratado de não proliferação de armas nucleares (TNP),

embora vista como um retrocesso por alguns, não constituiu obstáculo para o

desenvolvimento de tal tecnologia por parte do Brasil. Quanto às condições para a

assinatura do referido tratado, Duarte (2017) sinaliza que a colaboração entre Brasil e

Argentina foi crucial para afastar desconfianças e uma corrida nuclear na região,

porém os dois países só assinaram o TNP (Argentina em 1995 e Brasil em 1998) após

atingirem uma expertise razoável no manuseio nuclear para fins pacíficos.

Page 83: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

80

Do ponto de vista tecnológico, a inexistência de investimentos na modernização

das forças armadas na década de 1990, responsável pelo sucateamento do poder

militar, segundo De Souza (2016), se deu pela lógica do “oportunismo tecnológico”,

segundo a qual os investimentos nas forças armadas dependem de quanto tal

estratégia vai beneficiar os estadistas.

O autor assinala, ainda, os motivos para o alto investimento nas forças armadas

a partir de 2002: regionalmente, influência sobre a América do Sul no intuito de criar

uma cultura de defesa centrada na liderança brasileira; sistemicamente, o

aproveitamento da nova ordem mundial, com o surgimento de novas centralidades,

para aumentar o protagonismo nacional e pleitear um assento permanente no

Conselho de Segurança da ONU; e, localmente, a necessidade de proteção de vastos

recursos naturais e energéticos, principalmente após a descoberta do pré-sal.

Para Alsina (2017), a participação do Brasil em diversas Operações de Paz ao

redor do mundo deveria ser incorporada na grande estratégia nacional como um fator

de modernização das forças armadas e de profissionalização de seus claros. O autor

vê, ainda, a grande estratégia nacional ameaçada pelas diversas clivagens internas,

ressaltando a importância de estudos no sentido de viabilizar o controle civil das forças

armadas.

Em suma, alguns fatores negativos do histórico das relações civil-militar no

Brasil ainda não foram erradicados. E a consequência foi a ausência de investimentos

nas Forças Armadas durante o período que sucedeu ao dos governos militares,

notadamente nos anos 90.

A persistência, até os dias atuais, da ideia de “controle civil das forças armadas”

como solução para os problemas relativos à grande estratégia e como uma garantia

para a democracia reforça a continuidade dos ressentimentos e a falta de

compreensão da instrumentalidade do componente militar por parte da política. O

próprio emprego do primeiro, como último recurso do segundo, já demonstraria uma

falha do componente político que gerou o uso do instrumento militar.

O histórico de hostilidades e a corrida armamentista da década de 1910 pela

supremacia do poder naval entre Brasil e Argentina serviu como ensinamento para

aquisição conjunta, cooperativa e pacífica de tecnologia nuclear.

Enfim, as iniciativas para a modernização das forças armadas ocorridas a partir

de 2002 se basearam no atendimento das condicionantes de continuidade dos

Page 84: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

81

imperativos da cultura estratégica nacional (influência na América do Sul e defesa da

soberania nacional) e de mudança no cenário mundial, que ensejaram um maior

protagonismo brasileiro.

POLÍTICAS PÚBLICAS

Dado o tamanho do País e os variados graus de desenvolvimento entre as

regiões, as políticas públicas têm importante papel na melhoria das expressões

nacionais no sentido de equacionar tais diferenças, harmonizando as discrepâncias

existentes.

Sendo responsável diretamente pelo equilíbrio interno, eliminando conflitos no

seio da sociedade cujas consequências são as mais danosas ao País - maior mesmo

que as ameaças externas - as políticas públicas se relacionam com o novo conceito

de segurança, onde o de defesa está inserido, e, portanto, têm direta influência na

grande estratégia brasileira.

Da análise da literatura pesquisada, vê-se o difícil processo de se desvencilhar

do passado e quão danoso isto é para a implantação das mudanças necessárias. Por

outro lado, entendendo o papel da cultura na sociedade e como ela age permite-se

criar ferramentas para prever possíveis cenários e estabelecer uma estratégia que

realmente tenha uma conotação de prudência.

Um framework da dinâmica social brasileira ao longo da história nacional é

explicado por Bresser-Pereira (2015) que afirma serem as elites burguesas, políticas

e intelectuais brasileiras contraditórias no que diz respeito às questões nacionais e,

por tal motivo, surgem os pactos sociais (formais) e os pactos informais com o intuito

de alavancar uma estratégia de desenvolvimento.

Por conta disso, o Brasil vivenciou cinco pactos políticos em três ciclos

desenvolvimentistas (Quadro 4) e, após 1990, as elites nacionais adotaram uma

postura neoliberal, totalmente nova para os padrões nacionais. Porém, “desde o

começo do século XXI elas têm redescoberto a ideia de nação”, onde um novo pacto

democrático-popular tem surgido sob um novo ciclo (socioambiental) “que constituirá

uma síntese do ciclo chamado de Nação e desenvolvimento e do chamado ciclo da

democracia e justiça social.

Page 85: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

82

Quadro 4: ciclos e pactos do Brasil

Ciclos da sociedade estatal Pactos políticos

Integração estatal e

territorial

1822 até 1889: período

Imperial

Período de transição 1889 até 1930: Primeira

República

Nação e desenvolvimento

1930 até 1964: nacional-

popular

1964 até 1977: autoritário-

modernizante

Democracia e justiça social

1977 até 1991: democrático-

popular

1991 até 2005: liberal-

dependente

2005 aos dias atuais:

democrático-popular?

Fonte: Bresser-Pereira (2017), adaptado pelo autor

A influência da mentalidade das elites para a formação de um modelo vigente

é fundamental. Viera (2014) defende que mudanças transformativas nas instituições

políticas ocorreram por ação de grupos de interesse. Ressalta a importância de um

enfoque histórico e não instrumental das instituições que possa explicar as estratégias

das elites que “rotinizaram” a administração pública, consolidando o novo regime

republicano.

O autor dá um enfoque histórico às mudanças ocorridas nas instituições

públicas no Brasil e mostra o atual debate sobre o processo de transformação

institucional. Analisando o caso de mutação institucional ocorrida na substituição do

sistema monárquico pelo republicano, explica as formas empregadas para consolidar

as alterações ao passo que enfatiza o caráter de tendência à continuidade existente

nas instituições e como tais modelos existentes moldaram as ações dos atores

políticos.

Page 86: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

83

A dinâmica interna das instituições na determinação de políticas públicas, com

reflexos dentro e no entorno do Estado, tem peso relevante contra o planejamento

deliberado (estratégico). Os interesses das elites na formação das políticas são

enfatizados por Marques (2012) em sua pesquisa sobre o que o autor chama de “o

tecido do Estado”. A importância de laços pessoais, informais e não intencionais pode

explicar grande parte das questões resilientes das instituições, tornando-as previsíveis

e baseadas nas percepções de seus componentes, percepções essas influenciadas

pela cultura existente na elite dirigente.

A cultura do autoritarismo político nacional existente no Brasil tem sido

camuflada por “signos aparentemente democráticos”, segundo De Oliveira Soares

(2016). Da análise do sistema bipartidário dos governos militares, o autor conclui

sobre o caráter antipartidário e antidemocrático nacional, questionando se há uma

cultura democrática em formação no Brasil ou se a “democracia” seria uma simples

ferramenta da engenharia política institucional empregada para a eleição de supostos

representantes do povo.

Corroborando tais ideias de continuidade com mudança verifica-se que a

despeito da política desenvolvimentista desta última década, onde se procura um

crescimento inserido globalmente e ajustado ao potencial interno, ao mesmo tempo

que diversificado internacionalmente, a observação de Carrillo (2014) é de que a

política industrial empregada favoreceu empresas de setores tradicionais,

aumentando a dependência nas matérias primas.

Uma análise da radiodifusão - rádio, televisão e outros veículos da mídia

eletrônica - no processo de democratização das comunicações no Brasil revela uma

concentração deste setor nas mãos de um oligopólio e de atores com interesses

divergentes (DA SILVA, 2014). O processo democratizante que ocorreu em outros

setores da sociedade não foi incorporado na política pública para as comunicações

brasileiras. Vê-se aqui um padrão de continuidade com efeitos depreciativos para a

democracia.

Outro sinal de continuidade das ideias das instituições nacionais é dado pela

observação de Schneider (2016) de que a produção cultural relativa à interpretação

da ação do Estado na repressão aos movimentos revolucionários durante os governos

militares é muito rica e, para a surpresa do autor, “no contexto brasileiro, ela reforça a

moldura reconciliadora criada pela anistia”. Talvez por este instrumento ter sido

Page 87: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

84

amplamente empregado para pacificar as relações entre civis e militares ao longo de

toda história republicana.

Em termos de composição social e influência no pensamento nacional, a ideia

de branqueamento do País pela recepção das teorias realistas de origem europeia

como parte dos esforços de modernização, no início do século XX, segundo Santana

(2016, p.37), está preservada no senso comum brasileiro, citando:

(...) alguns exemplos do cotidiano nacional, reveladores das persistências dos conjuntos ideológicos descritos, presentes no imaginário nacional. O carnaval, que outrora foi acentuadamente negro, hoje surpreende com suas rainhas de bateria — um dos destaques das escolas de samba, cargo concorrido — na maioria, brancas e, em geral, celebridades instantâneas, presentes em seus desfiles; outro exemplo é o costume nacional de reclamar a ascendência europeia e omitir a negra ou indígena.

Do exposto, verifica-se que as políticas públicas no brasil, em linhas gerais,

seguem uma continuidade de ideias existentes nas instituições nacionais e adquiridas

ao longo do tempo. Todo esforço, no sentido do estabelecimento de políticas públicas,

acaba sendo moldado, de alguma forma, pela “máquina formatadora” existente nas

atuais instituições, nas relações entre elas e nos indivíduos que às compõem. O

resultado é uma tendência natural à continuidade e a excepcionalidade para

mudanças nas estratégias nacionais de desenvolvimento, com reflexo na grande

estratégia nacional.

SEGURANÇA

A segurança de um Estado pode ser considerada, em termos práticos, o

tratamento dado às ameaças com que os Estados se deparam e as respostas que

eles podem ou deveriam adotar para defender a si próprios (Grande Estratégia).

Segundo a Escola de Copenhague, a securitização acontece quando um objeto é

posto como uma emergência que deve ser endereçada o mais rápido possível e essa

securitização tem como suporte uma retórica discursiva que possa convencer os

atores políticos da necessidade de emergência (BUZZAN, 2012).

Dentro deste contexto de securitização, será tratado neste tópico a maneira

como o Brasil securitizou as duas “novas ameaças” à sua soberania nacional, o

Page 88: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

85

terrorismo e cibernética, vencendo os contraditórios da cultura nacional, porém

preservando suas próprias idiossincrasias.

A percepção da ameaça terrorista no Brasil não foi modifica pelos eventos do

“onze de setembro7”. Lasmar (2015) verificou que não havia legislação adequada para

lidar com essa nova ameaça e que as propostas não correspondiam às reais

necessidades deste problema.

Embora a Constituição Federal deixe claro o repugno ao terrorismo (art. 4º,

VIII), a carência de uma definição mais clara do que se configura “terrorismo” e o

estabelecimento de medidas proativas para lidar com essa nova ameaça para o País

não existiam. Muito provavelmente, o texto da Constituição Cidadã abarcou de

maneira bem generalizada o assunto pela proximidade com um regime militar onde

as práticas terroristas foram ferramentas adotadas pelos partidos de esquerda nas

cidades e áreas rurais e não haveria ambiente propício para as discussões sobre um

tema tão perturbador à época, embora a anistia tivesse acalmado os ânimos de ambos

os lados.

(...) não podemos deixar de mencionar que vários políticos da alta cúpula governamental estiveram envolvidos em atividades ou grupos que se utilizaram da violência política durante a ditadura militar brasileira a fim de combatê-la, chegando mesmo a serem perseguidos e, em alguns casos torturados (LASMAR, 2015, p. 55).

Com a proximidade dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro (2016),

iniciou-se campanha dos órgãos de segurança pública e forças armadas, no

Congresso Nacional, para a definição do crime de terrorismo e os pormenores para

lidar com essa nova ameaça para o Brasil. Porém, a assinatura da Lei Antiterrorismo

só se deu em março de 2016, às vésperas do início dos Jogos Olímpicos e motivada

pela urgência do evento.

Uma análise mais aprofundada da Lei Antiterrorismo revelaria uma

preocupação em não taxar como terrorismo atos praticados com fulcro político e que,

hora ou outra, é verificado em manifestações nacionais de cunho político (queima de

ônibus, invasão de prédios públicos ou atos de vandalismo contra o patrimônio

público). Seria isso uma silenciosa confirmação do uso de tais ferramentas por parte

7 Ataque terrorista às Torres Gêmeas nos Estados Unidos da América.

Page 89: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

86

de alguns grupos nacionais já verificado em tempos passados? Uma proteção para

futuras ações?

Por outro lado, a cibernética, vem aumentando de importância à medida que

comércio e serviços de infraestrutura se tornam dependentes do domínio virtual e, por

esse ângulo, o uso do ciberespaço é visto como uma ameaça à segurança nacional.

Desde 2012, com a aprovação pelo Congresso Nacional da Estratégia Nacional

de Defesa, o espaço cibernético é considerado um problema estratégico de

responsabilidade do Exército. Nos anos que se sucederam, foi criada uma estrutura

de suporte para o setor e outras agências foram incorporadas ao problema.

No entanto, a militarização do setor cibernético apresenta perigo para uma área

onde existem vários objetos de referência (indivíduos, infraestrutura básica, dados

estatais, serviços públicos e privados). O problema da militarização é “desenvolver

segurança cibernética em termos de estratégia militar e focar em contramedidas,

ataques cibernéticos, defesa cibernética ou dissuasão cibernética” (LOBATO, 2015).

Para o referido autor, a criação de um setor específico para lidar com a

cibernética permitiria uma melhor análise dos diversos atores integrantes do

problema, identificando padrões de hipersecuritização promovido pelo Estado e

permitindo reconhecer uma dinâmica diferenciada para cada subárea.

A militarização desse setor se mostrou ineficiente quando não conseguiu evitar

as ações denunciadas, em 2013, por Snowden referentes à espionagem americana

contra a multinacional brasileira de petróleo (PETROBRAS) e a Presidente da

República, Dilma Rousseff, no qual passa-se a abordar agora.

A política externa do Brasil, no tocante à internet, engrossa a coalisão que se

opõe ao controle da rede mundial pelos Estados Unidos e advoga por um maior

protagonismo da ONU e mais espaço para representantes de movimentos sociais e

ativistas.

Por outro lado, a política interna de ameaça à neutralidade da rede debatida no

Congresso Nacional com a contestação de diversos artigos do Marco Civil da Internet

representou uma instabilidade interna nas discussões sobre o tema. As contradições

internas no tocante às restrições do uso da internet eram diversas. Desde um possível

acordo, por parte da Presidente Dilma, com o dono do Facebook para facilitar o acesso

à internet da população mais carente casada com o acesso dos mesmos à

Page 90: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

87

determinados sites até a censura por parte de parlamentares às publicações que

pudessem manchar suas imagens.

A criação do Marco Regulatório, ironicamente, veio como uma defesa contra

ingerências do Estado no sentido de aumentar a vigilância sobre o uso da internet em

2007. Os protestos brasileiros a favor do controle da Internet por grupos sociais

vinham desconectado da realidade brasileira onde o Exército gerenciava os crimes

cibernéticos que envolviam uma gama de atividades (espionagem, cibercrime e

vigilância interna).

A denúncia de Snowden sobre o programa da Agência Nacional de Segurança

americana (NSA) expôs a fragilidade brasileira no tocante à segurança na internet.

Mais uma vez, teríamos uma reação tardia à uma “nova” ameaça. Embora o Brasil

tivesse promovido, nas Nações Unidas, resoluções sobre privacidade na internet,

liberdade de expressão, além de sediar importantes conferências e submeter o marco

regulatório da internet, tal iniciativa decorreu por parte de ativistas nacionais e de uma

rede de funcionários (SANTORO, 2017). Sob pressão externa e interna, após as

denúncias de Snowden, houve uma securitização do tema e uma prioridade na

aprovação do Marco Civil da Internet.

Desta forma, a Grande Estratégia Nacional para os dois grandes desafios desta

década, terrorismo e cibernética, foi moldada pelas percepções internas a respeito

dessas novas ameaças. O primeiro, terrorismo, contou com a aversão de

parlamentares que estiveram envolvidos na violência política que marcou o período

dos governos militares. Sobre segundo, institucionalizado em 2012 na Estratégia

Nacional de Defesa, ainda divide opiniões no Congresso Nacional e se encontra no

campo das liberdades individuais, tendo sido posto sobre tutela militar, o que não

ajuda, pois aumenta as desconfianças e pode não ser a solução mais adequada.

Em ambos os casos, a decisão tomada não se mostrou eficiente. Na primeira,

somente às vésperas dos Jogos Olímpicos, uma pressão significativa, definiu-se o

crime de terrorismo, ainda com restrições. No segundo, a ameaça concreta de

espionagem americana sobre o Governo e as Empresas Estatais de peso demandou

pressa na solução. Porém, tais medidas ad hoc, notadamente, terão de ser

implementas.

Page 91: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

88

CONCLUSÃO

A pesquisa encontrou material diverso sobre variados assuntos relacionados

com a Grande Estratégia, embora nem sempre diretamente tratados por este ângulo

pelos autores. As dimensões da cultura estratégica encontradas na bibliografia

pesquisada foram postas sob perspectiva em quatro áreas temáticas – Política e

Estratégia; Política Militar; Políticas Públicas e Segurança. Portanto, para extrair os

dados necessários buscou-se olhar para os artigos sob a ótica da teoria sobre Cultura

Estratégica vigente, destacando os pontos-chave encontrados e obtendo-se os dados

a seguir.

Do ponto de vista da política e da estratégia, foi destacada a influência cultural

ainda existente nas instituições nacionais que fazem com que problemáticas passadas

ganhem uma nova roupagem, porém, concentram-se nas mesmas bases políticas e

estratégicas do passado: equilíbrio de poder na América Latina; pragmatismo em

relação aos Estados Unidos da América; e, ações bilaterais com os países da União

Europeia.

Na política militar, o controle civil das forças armadas ainda é tratado como

condição necessária para a estabilidade democrática ao passo que ingerências na

área militar por alguns dirigentes civis se tornam cada vez mais constantes e nem

sempre adequadas. A cultura de hostilidades entre Argentina e Brasil ainda encontra

eco nas instituições envolvidas (Ministério das Relações Exteriores e Ministério da

Defesa), porém um passo importante foi dado na questão nuclear com dividendos

para ambos os países.

Em termos de políticas públicas, a diversidade cultural e regional do país se

reflete na diversidade de ideias e na dificuldade do consenso. Porém, há uma tácita

tendência a aceitação de um certo autoritarismo em forma de consenso entre as

classes burguesas, aristocráticas e intelectuais. A vontade das elites se manifesta

através do “tecido do estado”, uma teia de relações interpessoais, informais e não

intencionais baseada em suas percepções e que modelam as ações do Estado com

grande reflexo para a Grande Estratégia Nacional.

Quanto as questões de segurança apontadas pela pesquisa, estas focaram as

mais novas ameaças para o Brasil (terrorismo e cibernética), descortinando a forma

como elas foram securitizadas e como a experiência nacional (Cultura Estratégica),

Page 92: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

89

no primeiro caso, e a falta dela, no segundo, modelaram as decisões tomadas (Grande

Estratégia).

Por fim, verifica-se que fatores culturais de diferentes magnitudes têm grande

influência em diversas áreas relacionadas, direta ou indiretamente, com a Grande

Estratégia Nacional. Tais fatores podem ser, assim, inseridos no escopo da cultura

estratégica, sendo que a existência de um NDA nacional é mais importante como uma

compreensão das nossas estruturas decisórias do que como determinantes da

maneira nacional de agir.

REFERÊNCIAS ALSINA, J. P., JR. Grand Strategy and Peace Operations: the Brazilian Case. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. BRESSER-PEREIRA, L. C. State-society cycles and political pacts in a national-dependent society: Brazil. Latin American Research Review, v. 50, n. 2, p. 3, 2015. ISSN 0023-8791. BUZAN, B.; HANSEN, L. The Evolution of International Security Studies. New York: Cambridge University Press, 2009. CARRILLO, I. R. The New Developmentalism and the Challenges to Long-Term Stability in Brazil. Latin American Perspectives, v. 41, n. 5, p. 59-74, 2014. ISSN 0094-582X. CATOGGIO, M. S. Religious Beliefs and Actors in the Legitimation of Military Dictatorships in the Southern Cone, 1964–1989. Latin American Perspectives, v. 38, n. 6, p. 25-37, 2011. ISSN 0094-582X. COSTA, E. P. L. D. Brazil's Nuclear Submarine: A Broader Approach to the Safeguards Issue. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. DA SILVA LOPES, I. Political Culture and the Democratization of Communications in Brazil. Latin American Perspectives, v. 41, n. 5, p. 129-140, 2014. ISSN 0094-582X. DARNTON, C. A false start on the road to Mercosur: reinterpreting rapprochement failure between Argentina and Brazil, 1972. Latin American Research Review, v. 47, n. 2, p. 120, 2012. ISSN 0023-8791. DE OLIVEIRA SOARES, A.; TAUIL, R. M.; COLOMBO, L. A. O bipartidarismo no Brasil e a trajetória do MDB. Revista Sinais, 1, n. 19, 2016. ISSN 1981-3988. DE SOUZA, D. R. O.; DE OLIVEIRA, M. A. G. Analysis of the Modernizations Efforts of Military Instruments in Brazil, China, India and The Brazilian Strategic Projects.

Page 93: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

90

Meridiano 47, v. 17, n. 47, 2016. ISSN 1518-1219. DE SOUZA, Marli Aparecida Rocha et al. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 52, p. e03353-e03353, 2018. DOS SANTOS, N. B.; UZIEL, E. Forty Years of the United Nations General Assembly Resolution 3379 (XXX) on Zionism and Racism: the Brazilian vote as an instance of United States-Brazil relations. Revista Brasileira de Política, v. 58, n. 2, p. 80, 2015. ISSN 0034-7329. DUARTE, S. D. Q. The role of Brazil in multilateral disarmament efforts. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. FERENHOF, H. A.; FERNANDES, R. F. Passo-a-passo para construção da Revisão Sistemática e Bibliometria. Revista ACB, v. 3.04, 2016. GALVÃO, T. F.; PEREIRA, M. G. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 23, n. 1, p. 183–184, 2014. GALVÃO, T. F.; PEREIRA, M. G. Redação, publicação e avaliação da qualidade da revisão sistemática. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 24, n. 2, p. 333–334, 2015. GARCIA, D. Not yet a democracy: establishing civilian authority over the security sector in Brazil – lessons for other countries in transition. Third World Quarterly, v. 35, n. 3, p. 487-504, 2014. ISSN 0143-6597. GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2008. LASMAR, J. M. A legislação brasileira de combate e prevenção do terrorismo quatorze anos após 11 de Setembro: limites, falhas e reflexões para o futuro. Revista de Sociologia e Política, v. 23, n. 53, p. 47-70, 2015. ISSN 1678-9873 1015-9016 LAZAROU, E. Brazil-Turkey relations in the 2000s: deconstructing partnership between emerging powers. (Report). Insight Turkey, v. 18, n. 1, p. 123, 2016. ISSN 1302-177X. LOBATO, L. C.; KENKEL, K. M. Discourses of cyberspace securitization in Brazil and in the United States. Revista Brasileira de Política, v. 58, n. 2, p. 23, 2015. ISSN 0034-7329. MARQUES, E. State institutions, power, and social networks in Brazilian urban policies. Latin American Research Review, v. 47, n. 2, p. 27, 2012. ISSN 0023-8791. MIRANDA, D. B. DE; PEREIRA, M. DE NA. F. O periódico científico como veículo de comunicação : uma revisão de literatura. Revista Ciência da Informação, v. 25, n. 3, p. 375–382, 1996.

Page 94: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

91

MOHER D, LIBERATI A, TETZLAFF J, A. D. Principais itens para relatar Revisões sistemáticas e Meta-análises: A recomendação PRISMA. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 24, n. 2, p. 335–342, 2015. MUXAGATO, B. El smart power y la no diferencia como nuevos principios directores de la politica exterior brasilena. America Latina Hoy, v. 72, n. 72, p. 89, 2016. ISSN 1130-2887. PEREIRA, M. G.; GALVÃO, T. F. Etapas de busca e seleção de artigos em revisões sistemáticas da literatura. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 23, n. 2, p. 369–371, 2014. SANTANA, N. M. C.; DOS SANTOS, R. A. Projects of modernity: authoritarianism, eugenics and racism in 20th century Brazil. Revista de Estudios Sociales, v. 58, n. 58, p. 28, 2016. ISSN 0123-885X. SANTORO, M.; BORGES, B. Brazilian foreign policy towards internet governance. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 1, 2017. ISSN 0034-7329. SARAIVA, M. G. The Brazil-European union strategic partnership, from Lula to Dilma Rousseff: a shift of focus. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 1, 2017. ISSN 0034-7329. SCHNEIDER, N.; ATENCIO, R. J. Reckoning with Dictatorship in Brazil: The Double-Edged Role of Artistic-Cultural Production. Latin American Perspectives, v. 43, n. 5, p. 12-28, 2016. ISSN 0094-582X. VAZ, A. C.; FUCCILLE, A.; REZENDE, L. P. UNASUR, Brazil, and the South American defence cooperation: A decade later. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. VIEIRA, D. M.; CAMARA, L. M.; GOMES, R. C. Between the decline of the empire and the affirmation of the Republic in Brazil: gradual and transformative institutional change. Revista de Administração Pública-RAP, v. 48, n. 3, p. 531, 2014. ISSN 0034-7612. VILLA, R. D. Brazilian Hybrid Security in South America. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. WEYLAND, K. Realism under hegemony: theorizing the rise of Brazil. Journal of Politics in Latin America, v. 8, n. 2, p. 143, 2016. ISSN 1868-4890.

Page 95: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

92

ARTIGO 2: A POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA SOB O PONTO DE VISTA

CULTURAL

Fabio Gomes Barbosa

Instituto Meira Mattos – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

[email protected]

Rua Felipe de Oliveira 18, apto 501, Copacabana – Rio de Janeiro-RJ

CEP 22011-030

Rafael Soares Pinheiro da Cunha

Instituto Meira Mattos – Escola de Comando e Estado-Maior do Exército

[email protected]

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar a influência da cultura estratégica nacional na Política Nacional de Defesa (PND). Como metodologia, apropriou-se da teoria fundamentada para a análise do conteúdo da PND, utilizando o Computer-Assisted Qualitative Data Analysis (CAQDA), por intermédio do programa ATLAS ti, para a codificação do texto, categorização das temáticas e análise dos dados. O resultado pôs em perspectiva o documento de mais alto nível de defesa, onde se verifica padrões de mudança e continuidade característicos da cultura estratégica. A conclusão que se chega é que a PND se baseou no histórico/imaginário nacional, ou seja, em um framework próprio, que foi o fio de Ariadne para orientar a defesa nacional. Palavras-chave: Política Nacional de Defesa; Cultura Estratégica; e Grande Estratégia Nacional

ABSTRACT

This paper aims to analyze the influence of national strategic culture on the National Defense Policy (PND). As a methodology, it adopted the grounded theory for the analysis of the content of PND, using Computer-Assisted Qualitative Data Analysis (CAQDA), through the ATLAS ti program, for text coding, categorization of themes and data analysis. The result put into perspective the highest-level document of defense, where there are patterns of change and continuity characteristic of the strategic culture. The conclusion that is reached is that the PND was based on the national historical / imaginary, that is, on its own framework, which was Ariadne's thread to guide national defense. Keywords: National Defense Policy; Strategic Culture; and Grand National Strategy

Page 96: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

93

INTRODUÇÃO

Este artigo se destina à análise da Política Nacional de Defesa (PND) enviada

à apreciação do Congresso em 2012, sob a ótica cultural, ou seja, dos elementos

presentes no imaginário nacional, adquirido pelas experiências ao longo dos tempos

(Cultura Estratégica) e que se fazem presentes, de alguma forma, no documento de

mais alto nível da defesa e que guia a Grande Estratégia Nacional.

É importante frisar que existe uma ambiguidade quando se fala sobre Grande

Estratégia, pois ela constantemente é usada tanto para especificar uma abordagem

geral para a política (Policy) como políticas específicas (politics) que um Estado deve

perseguir em tempos de paz ou de guerra (MARTEL, 2015). Para esclarecer e dirimir

tal ambiguidade, o presente artigo tratou da Grande Estratégia como política

específica (simbólica), encarando a Política Nacional de Defesa como parte integrante

da Grande Estratégia Nacional sem, contudo, deixar de relacioná-la à Policy

(Estratégia Operacional).

Cabe ressaltar, também, que a estratégia não é mais vista como um apanágio

dos militares, tornou-se totalmente aberta e conduzida nos domínios político,

econômico, diplomático e militar. O lado positivo é que, perdendo o caráter exotérico

e especializado, “(...) ela poderá tornar-se o que são as outras disciplinas e o que ela

sempre deveria ter sido: um corpo de conhecimentos cumulativos, que enriquece a

cada geração, em lugar de um redescobrimento perpétuo, ao azar das experiências

vividas” (BEAUFRE, 1998, p.20).

E, ainda, com a industrialização, o poder econômico virou o centro da

estratégia, fazendo com que sua base fosse social. Assim, a sociedade virou a mola

propulsora, fornecendo não somente recrutas, mão de obra, capacidades tecnológicas

e suporte político dentro de suas fronteiras, mas também, direcionando parte desse

arsenal, bem como bombas voadoras, para alvos civis do outro lado da fronteira. Ou

seja, os Estados passaram a possuir uma gama de potencialidades cada vez mais

atinentes à sociedade (MARTEL, 2015).

Coutau-Begarie (2010) corrobora a ideia de Grande Estratégia como a política

em ação, que surgiu como uma ideia anglo-saxônica nos anos 1920, cujo propósito,

definido por Hart (1990), de “coordenar e dirigir todos os recursos da nação ou de uma

coalizão, a fim de atingir o objetivo político da guerra (COUTAU-BÉGARIE, 2010,

P.101).

Page 97: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

94

Para Gray (2016), do ponto de vista cultural, a estratégia tem o seu futuro

garantido, não só porque é motivada pela razão, como no caso das estratégias

nucleares, mas porque mantém alguma continuidade cultural também. Para o autor,

“[...] as experiências históricas estratégicas das sociedades deixam o que equivale a

uma marcação cultural, e até assinatura, em seu DNA estratégico" (GRAY, 2016,

p.179).

A Política Nacional é responsável por traçar e perseguir os objetivos nacionais

permanentes e estes só fazem sentido quando analisados do ponto de vista nacional.

A elaboração dos Objetivos Nacionais Permanentes1 é, por assim dizer, instintiva e

resultante naturalmente do processo histórico através do qual o grupo adquire o

plasma uma sociedade nacional (SILVA, 1981, p. 251-252). Por consequência, é

razoável supor que uma política nacional voltada para defesa sofre influência desse

processo histórico (cultura estratégica).

Ultimamente, um ingrediente perdido é um sistemático framework – outra

maneira de se dizer Grande Estratégia – que ajuda o público e os políticos a articular

os princípios que governam as políticas de Estado (MARTEL, 2015). Visando

estabelecer este framework, empregou-se o computer-assisted qualitative data

analysis system (CAQDAS) para categorizar o conteúdo da PND e pôr sob perspectiva

o texto desse documento de mais alto nível, tendo sempre em mente a seguinte

pergunta: como a cultura estratégica nacional influenciou a Política Nacional de

Defesa?

METODOLOGIA

A multidisciplinaridade do objeto da pesquisa – estratégia – reflete também na

gama de referenciais metodológicos desenvolvidos por pesquisadores das Ciências

Sociais, Filosofia, Relações Internacionais, História, Antropologia e outras disciplinas

afins. Esta realidade dificulta a vida dos acadêmicos na hora das escolhas

metodológicas para a realização de novas pesquisa.

1 Derivam de processos histórico-cultural e emergem naturalmente à medida que as necessidades e interesses da comunidade cristalizam-se na consciência nacional, representando aspirações que, independente de classes, religião, credo religioso, ideologias políticas, origens étnicas ou outros atributos, a todos irmanam em torno de um ideal (ESG).

Page 98: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

95

Com o complexo quadro de mudanças causadas pela era da informação, “os

resultados (das pesquisas) também traduzem algumas limitações que indicam a

dificuldade de percorrer novos caminhos para compreender a totalidade dos

fenômenos observados em contextos tão diferentes e complexos que exigem uma

releitura das opções metodológicas mais frequentemente utilizadas” (BLEY;

CARVALHO, p.1).

Desta feita, foi necessária a adoção de mais de uma abordagem, empregando,

em conjunto, mais de uma metodologia. Assim, buscou-se realizar uma pesquisa

qualitativa, documental e bibliográfica, onde os elementos metodológicos da

Grounded Theory e da metodologia de codificação de dados de Saldaña (2013),

denominada de “Ciclos de Codificação”, foram empregadas para codificação e análise

dos dados. A metodologia de codificação foi realizada por meio do CAQDAS e com o

programa ATLAS ti.

Para Creswell (2009), Grounded Theory gera uma teoria abstrata sobre um

processo, ação ou interação tendo como pano de fundo a visão dos participantes. O

processo envolve múltiplos estágios da coleta de dados e do refinamento e conexões

entre as categorias da informação.

Bandeira-de-Melo e Cunha (2003) explica que, embora haja divergências, “a

Grounded Theory é um método científico (...) para gerar, elaborar e validar teorias

substantivas sobre fenômenos essencialmente sociais, ou processos sociais

abrangentes”. O autor ainda destaca:

Outro aspecto digno de nota, é a capacidade de o método proporcionar explicações sobre fenômenos relacionados à estratégia relevantes para o contexto brasileiro. Pode-se expor as limitações das teorias gerais, geralmente estrangeiras, e apresentar propostas fiéis ao contexto pesquisado, com maior relevância e controle (BANDEIRA-DE-MELO; CUNHA, 2003, p. 17).

Para realizar a coleta e refinamento dos dados, Saldaña (2013) estabelece dois

ciclos de codificação e um ciclo intermediário. O primeiro ciclo é dividido em sete

approaches de acordo com o tipo de pesquisa; o segundo ciclo representa um desafio

maior, pois requer habilidades de análise para classificar, priorizar, integrar, sintetizar,

abstrair, conceituar e construir a teoria. O ciclo intermediário, nem sempre obrigatório,

é uma preparação para o segundo ciclo, onde o objetivo “não é passar para o segundo

Page 99: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

96

nível, mas voltar ao ciclo anterior para, estrategicamente, adicionar nova codificação

e métodos de análise qualitativa dos dados” (SALDAÑA, 2013).

Para facilitar esse complexo trabalho empregou-se o CAQDAS que “consiste

em consecutivas fases, onde os dados são preparados, um arquivo de projeto é criado

e os dados são codificados com o uso de software para selecionar e estruturar os

dados e questioná-los com o intuito de descobrir padrões e relações” (FRIESE, 2019).

Figura 1: Ciclos de Codificação

Fonte: Saldaña (2013), adaptado por Bley & Carvalho (2019, p.4)

É interessante ressaltar que o desenvolvimento de uma teoria original não é

sempre o resultado de uma pesquisa qualitativa, mas o conhecimento das teorias pré-

existentes dirige toda a pesquisa, e isso é independente da vontade do pesquisador

Page 100: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

97

(SALDAÑA, 2013). No presente artigo, intencionalmente, o foco cultural guiou o

processo de codificação, ressaltando os aspectos que possam contribuir para

responder à pergunta da pesquisa.

PRIMEIRO CICLO DE CODIFICAÇÃO (HOLISTIC CODING)

Este ciclo inicial visa à exploração dos dados e uma preliminar codificação

antes de um maior refinamento que será aplicado nos ciclos subsequentes. Como

método exploratório, adotou-se o Holistic Coding, associando palavras-chaves que

dessem significados mais englobantes para os parágrafos ou frases do documento

(SALDAÑA, 2013).

O resultado foi uma lista com 208 códigos (Fig 2), agrupados em 7 categorias

com densidade total de 49 (subcategorias), como se vê na Fig 3. Durante este

processo, algumas categorias foram sendo criadas para englobar subcategorias de

acordo com o nível de relacionamento entre elas.

Figura 2: lista de códigos gerados

Fonte: o Autor

Page 101: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

98

Figura 3: lista de categoria e subcategorias

Fonte: o Autor

SEGUNDO CICLO DE CODIFICAÇÃO (DIAGRAMAS)

DIAGRAMAS OPERACIONAIS

Diagramas são boas ferramentas para ajudar com a categorização analítica e

com a resposta para nossa pergunta de pesquisa. Programas para CAQDAS podem

ajudar a mapear ou diagramar as sequências emergentes das redes de códigos e

categorias relacionadas à pesquisa de maneira sofisticada (SALADAÑA, 2013). Os

diagramas ajudam, ainda, a explicar as relações existentes entre os códigos, pela

visualização gráfica delas, facilitando a escrituração do fenômeno observado.

Levando-se em consideração que a estratégia vai estar sempre relacionada

com as ansiedades atuais da sociedade, não podendo ser produzida em um ambiente

isolado (abstrato), mas sim influenciada pelo futuro próximo (GRAY, 2016), as

análises feitas, por intermédio dos diagramas, tendo como ponto central as categorias

“3. O Ambiente Internacional”, “4. O Ambiente Regional e o Entorno Estratégico” e “4.

O Brasil”, podem esclarecer a influência do componente cultural para a Grande

Estratégia Nacional. Abaixo, um exemplo do diagrama centrado na categoria “3. O

Ambiente Internacional”:

Page 102: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

99

Fonte: o Autor

RESULTADOS E DISCUSSÕES

CAPÍTULOS INICIAIS

O preâmbulo da Política Nacional de Defesa (PND) destaca a importância do

incremento da inserção internacional do País, traz como propósito da PND a

conscientização da sociedade e que a mesma (PND), sendo voltada para as ameaças

externas, bem como, estabelece objetivos e orientações para o preparo dos setores

civis e militares como primordiais para a defesa nacional.

O modelo de desenvolvimento da defesa, presente na PND, associa-se à

intensificação da projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em

processos decisórios. Neste ponto, verifica-se que o histórico da participação positiva

do País no ambiente internacional lastreou a elaboração da PND na continuação de

tal inserção internacional.

Sendo enfática na destinação precípua das Forças Armadas (FA) para a defesa

externa e expondo o aprofundamento do conceito de segurança, adota um modelo

Figura 4: Diagrama da categoria “3. O ambiente Internacional” e suas subcategorias

Page 103: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

100

realista e focado no emprego das Forças Armadas em prol do Estado e

prioritariamente para a defesa externa.

Porém, o discurso da defesa externa, existente na PND, foi complementado

pela necessidade da garantia da lei e da ordem (GLO), tão presente no imaginário

nacional. O histórico do emprego das forças armadas na GLO, no contexto do artigo

142 da CF 1988, garantiu a citação dessa missão subsidiária na PND dado o perigo

em potencial de um conflito interno nos moldes daqueles já vivenciados pelo País.

Percebe-se que, excluindo-se as duas grandes guerras mundiais, grande parte dos

conflitos que abalaram a República, com emprego das Forças Armadas, foram de

cunho interno, enquadrados na GLO, cuja legitimidade encontra-se presente em todas

as constituições federais republicanas.

Assim, este documento de defesa ao tentar dar solução aos conflitos internos,

menciona a necessidade de lei específica para a garantia da lei e da ordem (GLO),

separando os assuntos de segurança dos de defesa e desassociando a PND da antiga

Doutrina de Segurança Nacional.

Embora o conceito de segurança tenha abrangido o de defesa em muitos

países, a denominação de Política Nacional de Defesa e não de Política de Segurança

Nacional, como adotado em outros países é notória. Vê-se assim, um esforço em

dissociar a PND da antiga doutrina de segurança nacional, tão vinculada aos

Governos Militares durante a Guerra Fria, onde “(...) a segurança nacional era, de

forma mais apurada, uma fusão da segurança do Estado e da segurança da nação: a

nação apoiava um Estado poderoso que, em troca, devolvia o favor protegendo

lealmente os interesses e valores de sua sociedade (...)” (BUZAN, 2012, p.37). A

definição de segurança e defesa são assim tipificadas na PND:

Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e integridade territorial, promover seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos o exercício de seus direitos e deveres constitucionais. Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2012).

Cabe ressaltar que a experiência nacional anterior a Política Nacional de

Defesa foi a Doutrina de Segurança Nacional, muito influenciada pelos Estados

Page 104: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

101

Unidos e fomentada na Escola Superior de Guerra (ESG). A própria criação da ESG

foi um esforço para preparar os civis e “congregar civis e militares no estudo de

problemas referentes à estratégia de Defesa e Poder Nacional, numa linha de

preocupação que já tinha levado Clemenceau a afirmar que a guerra é coisa muito

séria para ficar sob responsabilidade apenas de generais” (COIMBRA, 2002).

Segundo Coimbra (2012), a doutrina de defesa nacional foi revista com o fim

da Guerra Fria, surgindo a Doutrina de Segurança Nacional. Hoje, vemos esta

doutrina sendo reformulada e voltando a pensar a Defesa Nacional, porém fatores de

mudança e continuidade (características da Cultura Estratégica) estão presentes na

PND, por exemplo, no passado o lema era “segurança e desenvolvimento nacionais”,

hoje a PND prega que não há “desenvolvimento sem defesa”.

Levando-se em consideração que as elites podem redefinir os limites do

possível e “reformular uma agenda específica como mais apropriada a uma

determinada realidade coletiva ou (...) reformular a própria realidade estabelecendo

um (novo) equilíbrio credível entre o conhecido e o desconhecido” (CRUZ, 2000,

p.278), nota-se uma postura progressista na PND, visando uma mudança estrutural

no imaginário nacional, a partir do topo.

Porém, a despeito de diferenças de nomenclatura, a PND mantém o caráter

realista, embora reconheça a expansão do conceito de segurança para outros objetos

de referência, além do Estado.

O conceito dominante nos Estudos de Segurança Internacional é aquele de segurança nacional/internacional, dos Estudos Estratégicos realistas (...) este conceito de segurança define o Estado como objeto de referência, o uso da força como objeto central, ameaças externas como principais, a política de segurança como empenho em relação a perigos extremos e a adoção de medidas de emergência (...) (BUZAN, 2012, p.52).

As percepções nacionais que moldam a grande estratégia nacional, de maneira

geral, são apresentadas em três níveis, e podem ser enquadrados dentro da análise

multifatorial defendida por Buzan (2012): o local ou doméstico (Brasil), o regional (o

ambiente regional e o entorno estratégico) e o internacional ou sistêmico (o ambiente

internacional). Tais níveis serão tratados a seguir.

Page 105: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

102

O AMBIENTE INTERNACIONAL

É no ambiente internacional que surgem os desafios de maior complexidade

com suas principais ameaças. Estas últimas podem ser classificadas em duas

vertentes: os novos desafios, aqueles associados à tecnologia, ao meio ambiente, às

mudanças climáticas e ao aumento das disputas por áreas marítimas, domínio

aeroespacial e fontes de água doce, alimentos e energia cada vez mais escassos; e

os antigos desafios, ocasionadas pela assimetria de poder entre os países do mundo,

principalmente entre países fronteiriços.

Os novos desafios estão mais conexos com o ambiente externo ao entorno

estratégico, enquanto os antigos, à América do Sul, que vem separada do entorno

estratégico, sendo este composto pelo Caribe, Atlântico Sul, África Ocidental e

Antárctica.

É neste ambiente que a projeção do Brasil e sua maior inserção em processos

decisórios, possibilidade de um assento permanente por exemplo, e a contribuição

para a manutenção da paz e da segurança internacionais figuram como objetivos

nacionais de defesa.

Historicamente, Alsina (2017) ressalta a participação ativa do Brasil em

missões de Paz da ONU e outras atividades menores tais como oficiais de ligação,

Estado-Maior e observadores militares. De 1957, quando assumiu o comando

operacional da UNEF I no Canal de Suez, até 2004, data que começou a liderar as

tropas militares na MINUSTAH (Haiti), houve uma grande diversificação geográfica da

participação do Brasil.

Do ponto de vista facilitador de um assento permanente no Conselho de

Segurança, o autor é unânime em descartar qualquer possibilidade viável calcada na

participação em missões sob a égide da ONU. Portanto, como a própria PND afirma,

o componente histórico da participação brasileira em operações militares

internacionais, por si só, pesou para continuar presente na Grande Estratégia

Nacional.

A globalização e o choque entre as civilizações, apontados na PND, ressaltam

as considerações culturais no ambiente internacional. O último abarca a temática que

ficou famosa com o culturalista Samuel Huntington (1998), refletindo na PND pelas

novas ameaças de caráter religioso e étnico que podem ocasionar a fragmentação

dos Estados. Porém, a ideia de uma América Latina como subdivisão mundial, de

Page 106: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

103

acordo com Huntington (1998), não é, claramente, aceita pela PND em sua totalidade,

pois a ênfase da integração recai na América Sul pela necessidade de mitigar as

vulnerabilidades regionais perante o sistema internacional. Do ponto de vista da

Globalização, países em desenvolvimento se unem para promover uma inserção

positiva no mercado mundial, sendo que, na América do Sul, os principais

mecanismos são o MERCOSUL e a UNASUL, ambos de iniciativa brasileira.

Quanto ao meio ambiente o Brasil se enquadra na cobiça internacional por ser

detentor de "grande biodiversidade, enormes reservas de recursos naturais e imensas

áreas para serem incorporadas ao sistema produtivo mundial". (BRASIL, 2012). A

securitização do meio ambiente pode ser empregada para violar a soberania nacional

em função dos interesses das potências mundiais. Neste sentido, o número crescente

de demarcações indígenas geradas a partir do período denominado

“redemocratização” e coincidentes com grandes áreas detentoras de recursos

naturais não encontra limitação na PND.

A população indígena no Brasil é estimada, pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em cerca de 470 mil pessoas, o equivalente a pouco mais do que 0,2% da população total do país. Cerca de 60% desta população vive hoje na região designada como Amazônia Legal. Já o censo demográfico de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), identificou 734.127 pessoas se autoidentificando como “indígena”, elevando esse percentual para 0,4% da população do país. Essa população representa uma diversidade linguística que ultrapassa o número de 180 línguas, classificadas em 35 famílias linguísticas. Estima-se existir no Brasil um total de 220 povos indígenas, vários deles submetidos a jurisdição de mais de um Estado-Nação, como é o caso dos Guarani (Argentina,

Bolívia, Brasil e Paraguai), Yanomami (Brasil e Venezuela), Tukano (Brasil e Colômbia) e Tikuna (Brasil, Colômbia e Peru). Os indígenas estão presentes em todos os estados da Federação e seus territórios (“terras indígenas”, no linguajar jurídico do Estado brasileiro) somam aproximadamente 110,6 milhões de hectares – o equivalente a aproximadamente 13% do território nacional e 21% da Amazônia brasileira (VERDUM, 2009).

A Constituição Federal de 1988 reconheceu, em seus artigos 231 e 232, aos

povos indígenas “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e

os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam” e “os índios, suas

comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa

de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do

processo” (BRASIL, 1998).

Page 107: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

104

Tal particularidade pluricultural e multiétnica da sociedade brasileira, onde 13%

do território destinado aos povos indígenas, associada à tendência internacional à

securitização da temática ambiental e das mudanças climáticas, colocam o País em

situação de vulnerabilidade perante a comunidade internacional e não encontra

solução na PND.

O AMBIENTE REGIONAL

No campo regional, uma postura diferenciada é observada quando comparada

as “antigas” rivalidades regionais na América do Sul (AS). Desta forma, a PND salienta

a necessidade de desenvolver integração e harmonia na AS, dada a situação

geopolítica do Brasil (fronteira com dez dos doze países sul-americanos). Sinaliza um

entorno estratégico que extrapola a AS (Antártica, Caribe, Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa e países africanos lindeiros ao Atlântico Sul). Alerta que, embora

o ambiente seja relativamente pacífico - pela ausência de armas nucleares -, a

continuidade dos processos democráticos, as soluções negociadas e a integração

regional devem continuar.

Embora a percepção do ambiente regional seja a da necessidade de

integração, quando se olha para os objetivos traçados (Figura 5), estes se encontram

nitidamente negligenciados, limitando-se a “contribuição para a estabilidade regional”.

E a única orientação (Figura 6) vai no sentido de “integrar a indústria de defesa sul-

americana” como uma oportunidade de desenvolvimento mútuo e de aquisição de

novas tecnologias.

Villa (2017) identifica uma paz híbrida na América do Sul e ressalta a antiga

rivalidade criada pelo equilíbrio de poder entre as nações deste subcontinente.

Recentemente, tal rivalidade teve conexão com a necessidade nacional de aumentar

os investimentos militares (representando 55% do total regional) no intuito de, não só,

equilibrar a balança com a Venezuela, mas também a imposição de defender vasto

território nacional, rico em recursos naturais e, possivelmente, um dos cinco maiores

produtores mundiais de petróleo a partir de 2020, por conta do pré-sal.

Observa-se, então, no campo regional, a existência de duas posturas distintas:

uma direcionada pela busca de acordos bilaterais com países europeus, buscando

fortalecimento militar e estabelecimento de (des) equilíbrio de poder regional, alinhada

Page 108: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

105

com as tradições brasileiras para o continente; e, outra, guiada pela percepção da

necessidade de integração da AS escrita na PND, porém fracamente operacionalizada

em termos de objetivos e orientações no mesmo documento.

Vê-se, assim, uma diferença entre a percepção escrita/simbólica da

necessidade e a ação no sentido de endereçar tal percepção. Para Johnston (1995),

a existência de uma “estratégia dos símbolos” (Cultura Estratégica), normalmente

observada, não exclui uma estratégia simbólica (documento escrito) para formalizar,

dissuadir, ou até amenizar uma agressiva linha de ação verificada pela interpretação

dos símbolos (cultura).

Figura 5: objetivos por níveis de análise

Fonte: o Autor

Lantis (2002) lembra que a possibilidade da Cultura Estratégica mudar ao longo

dos tempos é reconhecida pela terceira geração de estudos da Cultura Estratégica,

sendo que:

Page 109: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

106

(...) Na cultura política pode ser entendida como uma forma de consenso ou narrativa histórica que se torna estabilizada e legitimada pelas gerações subsequentes de líderes políticos. Essas ideias representam um passo em direção ao refinamento de modelos culturais estratégicos (LANTIS, 2002, p.110).

A mudança de postura muitas vezes vem acompanhada de um turning point,

ou um entendimento de que a mudança é necessária para evitar um mal maior. No

caso brasileiro, Duarte (2017) lembra que a questão nuclear dos países em

desenvolvimento entrou em cheque por ocasião dos acordos de Não Proliferação de

Armas Nucleares, onde as potências nucleares tentaram impor uma limitação do uso

de tal tecnologia ao demais países, com forte resistência de Brasil e Argentina.

As posturas do governo e da mídia nos dois principais estados possuidores de armas nucleares e seus aliados procuraram retratar as críticas do Brasil e da Argentina ao projeto do Tratado de Não Proliferação (TNP) como uma indicação de um esforço dessas duas nações em adquirir armas nucleares devido a uma rivalidade supostamente irreconciliável, como se os principais países de cada região estivessem inevitavelmente condenados a imitar a desconfiança e a animosidade existentes entre as duas superpotências (DUARTE, 2017, p.10).

Assim, embora a década de 1970 trouxesse desconfiança para alguns setores

argentinos quanto aos reais interesses brasileiros com a tecnologia nuclear, por conta

talvez de termos um Presidente militar, Brasil e Argentina reuniram esforços para

manterem o desenvolvimento de tecnologia e as explosões nucleares para fins

pacíficos numa profunda parceria que rendeu bons dividendos, principalmente no

enriquecimento de urânio como combustível.

Page 110: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

107

Figura 6: orientações por níveis de análise

Fonte: o Autor

Tais necessidades emergenciais de defender os ativos nacionais e equilibrar a

balança de poder levam o país a buscar acordos bilaterais para solucionar gaps

tecnológicos e de defesa. Assim ocorreu com a necessidade de proteção da costa

brasileira e de seus recursos naturais. Para atender essa demanda “emergencial”,

pragmaticamente, buscou-se ajuda na Europa (França e Suécia) por intermédio da

adoção de acordos bilaterais para o fornecimento de aeronaves e submarinos,

imprescindíveis à defesa nacional.

O AMBIENTE DOMÉSTICO

O nível doméstico é foco de maior atenção da PND, cujos gargalos antigos

aparecem, ainda, como problemas a serem resolvidos. Assim, a problemática da

defesa tendo em vista a complexidade do território nacional e as prioridades de defesa

Page 111: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

108

(áreas de grande concentração de poder político e econômico, Amazônia e Atlântico

Sul) continuam a desafiar o país.

A ratificação do artigo 4° da Constituição Federal (repúdio ao terrorismo,

princípios de autodeterminação, não intervenção, igualdade entre os Estados e a

solução pacífica dos conflitos), vem ao encontro de uma trajetória nacional de respeito

e promoção do direito internacional, iniciada em 1907, na Conferência de Haia, e

confirmada pela participação nacional em diversos mecanismos de solução de

controvérsia, internacionais ou regionais, "fortalecendo o multilateralismo, o respeito

ao Direito Internacional e os instrumentos para a solução pacífica de controvérsias”

(BRASIL, 2012).

Desde sua emancipação como nação independente, em 1822, o Brasil busca reconhecimento como um ator importante no mundo por causa de sua dimensão física e tamanho de sua economia e população, além de estabelecer laços diplomáticos precoces com seus vizinhos e vários outros países. Na Conferência de Paz de Haia, em 1907, a República em desenvolvimento fez uma contribuição substancial para a organização de assuntos internacionais, defendendo o princípio da igualdade soberana das nações e posteriormente participou da Liga das Nações. O Brasil trabalhou ativamente na elaboração da Carta das Nações Unidas e da Carta da Organização dos Estados Americanos como membro fundador original de ambas as entidades (...) Em 1948, o Brasil apoiou o estabelecimento de um pacto de segurança coletiva continental através do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, assinado no Rio de Janeiro em 1948 (...) Todas as fronteiras do Brasil com seus dez vizinhos contíguos foram estabelecidas por negociação e/ou arbitragem independente. No campo multilateral, o Brasil mantém relações amistosas com todos os estados (DUARTE, 2017, p 5-6).

Do ponto de vista nacional, a soberania, o patrimônio nacional e a integridade

territorial dizem respeito à segurança do Estado em relação ao espaço delimitado por

suas fronteiras. Porém, é assegurado também os interesses, as pessoas os bens e

os recursos brasileiros no exterior.

Ainda no nível doméstico, a coesão interna se faz necessária e considera-se

fortemente o emprego das FA com este intuito (garantido pela Constituição Federal).

A conscientização da sociedade a respeito da necessidade de defesa é tida como

fundamental para se definir uma estratégia de defesa. E mais, o fortalecimento das

Page 112: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

109

Forças Armadas vem pela mobilização nacional e pelo desenvolvimento de doutrinas

baseadas em capacidades e não em um inimigo definido. Para atingir o primeiro é

necessário desenvolver o potencial de logística de defesa e de mobilização nacional,

enquanto o segundo, desenvolver a indústria nacional orientada para a obtenção de

autonomia tecnológica.

O emprego das FA para a coesão interna, assegurado pelo Art. 142, de origem

positivista, desde a CF de 1891, está presente no imaginário nacional desde os

primeiros anos da República. Canudos e Contestado, só para citar os maiores

exemplos, marcaram o uso da Força para a GLO, o conhecimento destas duas

campanhas é objeto de estudo como requisito prévio para a entrada na Escola de

Comando e Estado-Maior do Exército até os dias atuais (McCANN, 2009).

Localmente, as orientações contidas na PND podem ser agrupadas em seis

áreas: razões para o emprego das Forças Armadas; recursos empregados; ameaças;

capacidades requeridas; e ações necessárias para viabilizar tais capacidades.

Como razões apontadas para o emprego das forças armadas, a ameaça contra

à soberania nacional e à indissolubilidade da unidade federativa são as principais,

complementadas pela garantia do nível adequado de segurança, tanto na paz como

na guerra. Os recursos empregados serão prioritariamente militares em caso de

agressão externa, porém prevê o emprego de todo poder nacional para enfrentar as

crises internacionais de natureza político-estratégica.

O texto traz o terrorismo “internacional” e os ataques cibernéticos como novas

ameaças ao País, além das já tradicionais ameaças à Amazônia e à Garantia da Lei

e da Ordem. Porém, aspectos culturais delimitam a maneira brasileira a respeito da

melhor solução para essas novas ameaças.

Lasmar (2015) ao tratar sobre legislação brasileira de combate e prevenção ao

terrorismo, catorze anos após o “Onze de Setembro”, ressalta as amarras nacionais

que limitaram as medidas de defesa contra esta notável ameaça à paz mundial.

(...) não podemos deixar de mencionar que vários políticos da alta cúpula governamental estiveram envolvidos em atividades ou grupos que se utilizaram da violência política durante a ditadura militar brasileira a fim de combatê-la, chegando mesmo a serem perseguidos e, em alguns casos torturados (LASMAR, 2015, p.55).

Page 113: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

110

Lobato (2015) lembra que a política externa do Brasil, no tocante à internet,

engrossa a coalisão que se opõe ao controle da rede mundial pelos Estados Unidos

e advoga por um maior protagonismo da ONU e mais espaço para representantes de

movimentos sociais e ativistas. No entanto, a militarização do setor cibernético

apresenta perigo para uma área onde existem vários objetos de referência (indivíduos,

infraestrutura básica, dados estatais, serviços públicos e privados).

Quanto às capacidades das FA, estas se fundamentam na mobilização

nacional, associada à capacidade de comando, controle, monitoramento e sistema de

inteligência que permitam exercer vigilância, controle e defesa do território nacional,

águas jurisdicionais e espaço aéreo. Sendo para isso, importantíssimo o

desenvolvimento de três setores estratégicos: o cibernético, o espacial e o nuclear.

Para viabilizar tais capacidades, o envolvimento da indústria, governo e

academia se fazem essenciais para a produção científica tecnológica e inovadora,

sendo fundamental a continuidade na alocação de recursos, bem como a interação

com outras políticas governamentais, principalmente aqueles referentes à

infraestrutura.

Por fim, e não menos importante, é a questão do Serviço Militar Obrigatório

que, segundo a PND, cumpre dois objetivos ao mesmo tempo: garantir a participação

de cidadãos na defesa e contribuir para o desenvolvimento da mentalidade de defesa

no seio da sociedade. A implantação do Serviço Militar Obrigatório foi objeto de

calorosos debates e ponto chave para a defesa nacional, amplamente presente nos

relatórios do Ministério da Guerra, nas duas primeiras décadas de existência da

República e nos protestos da revista militar “A Defesa Nacional”.

O único recurso de que se dispões e que pode e deve utilizar para obter essa base moral indispensável a qualquer organização é a lei do serviço militar obrigatório. Desde que se ponha em prática, o Exército fundir-se-á com o povo, que então será o primeiro a nobilitar e dignificar uma classe a que todos têm o dever de pertencer (BRASIL, 1906, p.5).

O Exército contou ainda com a ajuda do poeta Olavo Bilac que iniciou uma

campanha nacional de incentivo ao serviço militar obrigatório, com palestras nas

principais capitais do país para convencer, principalmente, os citadinos e os políticos.

Page 114: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

111

Olavo Bilac entendia que a classe média teria um papel fundamental na direção do

país ao lado dos militares. O serviço militar obrigatório seria uma salvação para o país,

elevando a classe mais baixa e nivelando a classe alta por intermédio do ensino de

patriotismo, da disciplina e da ordem. Diversos “jovens turcos” ocuparam cargos

proeminentes nas décadas seguintes e Olavo Bilac se tornou o patrono do Serviço

Militar, sendo que no dia do seu nascimento, 16 de dezembro, comemora-se o Dia do

Reservista (McCANN, 2009).

CONCLUSÃO

A Política Nacional de Defesa, componente simbólico da Grande Estratégia

Nacional, apresenta soluções calcadas nas experiências nacionais, sem, contudo, ser

totalmente desconexa com as orientações governamentais, ou seja, das elites

dirigentes.

Seu caráter realista foca a defesa externa com o emprego prioritário das Forças

Armadas e do Poder Nacional, sendo que o seu passado interno conflituoso faz com

que a mesma considere o emprego das Forças Armadas em GLO, sendo esta

atividade regulada em documento específico. Ao diferenciar “segurança” de “defesa”,

confirma o caráter realista das duas definições, tentando se distanciar da antiga

Doutrina de Segurança Nacional, porém mantendo padrões de mudança e

continuidade com a mesma.

O protagonismo brasileiro no campo do direito internacional ao longo dos anos,

e principalmente durante a República, foi amplamente recepcionado na PND.

Largamente empenhado em missões de paz, desde 1957, em Suez, e o único país da

América Latina a participar das duas grandes guerras mundiais ao lado dos aliados,

não poderia deixar de orientar suas FA pelo objetivo de “manutenção da paz e

segurança internacionais”.

Embora reconheça a existência da teoria do choque das civilizações, de

Huntington (1998), percebe-se a fraca identificação do Brasil com a América Latina.

O destaque maior é dado à AS, pelo histórico de conflitos de demarcações de

fronteiras, e aos países da África Ocidental e aos falantes da língua portuguesa, pelos

laços históricos e culturais.

Page 115: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

112

O desafio do meio ambiente não encontra uma tentativa de solução na PND. A

existência de grande biodiversidade se vê fragilizada diante de possível securitização

do setor ambiental, facilitada pela particularidade pluricultural e multiétnica do Brasil e

a destinação de aproximadamente 13% do território nacional às demarcações de

terras indígenas.

No campo regional, nota-se a existência, ainda, de uma política diferente da

retórica ou estratégia simbólica diferente da estratégia dos símbolos. Assim, uma paz

híbrida reinante na AS é resultante de anos de rivalidades calcadas no (des) equilíbrio

de poder regional.

Porém, uma grande mudança cultural é percebida entre Brasil e Argentina no

tocante a uma maior aproximação entre os dois países quando do gerenciamento, no

nível internacional, da manutenção do direito ao uso de tecnologia nuclear para fins

pacíficos, transformando anos de rivalidade que foram postos de lado em prol de um

objetivo comum e maior de desenvolvimento no campo nuclear para os dois países.

As antigas parcerias europeias no campo de defesa ainda persistem. França

foi o país escolhido como parceiro para a produção dos submarinos, inclusive um de

propulsão nuclear, e a SAAB (sueca), a escolhida para o caça da Força Aérea. Tais

equipamentos de guerra vêm num esforço para a defesa dos recursos naturais do pré-

sal e para o equilíbrio de forças na AS.

Terrorismo e cibernética surgem como novas ameaças para o Brasil, porém as

peculiaridades nacionais moldaram as ações nacionais voltadas para tais ameaças.

No caso do terrorismo, as amarras nacionais dificultaram as ações efetivas de

combate dada a identificação de parcela da elite dirigente nacional com as atividades

subversivas e contrárias ao período dos governos militares. No tocante à cibernética,

enquanto a política externa do Brasil se opõe ao controle da rede mundial pelos

Estados Unidos da América, a questão da defesa cibernética, uma área com diversos

objetos de referência (indivíduo, infraestrutura, dados estatais, serviços públicos e

privados), foi militarizada e securitizada pala PND.

Questão fundamental é a do Serviço Militar Obrigatório para a mobilização

nacional. Ponto fundamental para remodelar a defesa nacional da República e

amplamente requisitado pelos ministros da guerra, a importância do Serviço Militar

Obrigatório para a conscientização da sociedade e como principal recurso de

mobilização nacional está consolidada na PND.

Page 116: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

113

Por fim, conclui-se que a Cultura Estratégica Nacional tem influência sobre a

Grande Estratégia Nacional, quer seja modelando a estratégia simbólica (PND) pela

confirmação de experiências passadas, quer seja pela tentativa das elites dirigentes

de modificar suas características, ou até mesmo pela necessidade de se manter uma

retórica apaziguadora e que promova uma mudança positiva de comportamento,

mesmo que ainda distante da prática da Cultura Estratégica.

REFERÊNCIAS

ALSINA JUNIOR, J. P. S. Grand Strategy and Peace Operations: the Brazilian Case. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 60, n. 2, 2017. BANDEIRA-DE-MELLO, R.; CUNHA, C. J. C. de A. Operacionalizando o método da grounded theory nas pesquisas em estratégia: técnicas e procedimentos de análise com apoio do software Atlas/ti. In: 3Es, 1., 2003, Curitiba. Anais... Curitiba: Anpad, 2003. BEAUFRE, A. Introdução à Estratégia. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1998. BLEY, D.H.P.; CARVALHO A.B.G. Ciclos de Codificação e o software ATLAS TI: uma parceria criativa para análise de dados qualitativos em pesquisa sobre o uso de tecnologias digitais no campo da educação. Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana, v. 10, n.1, 2019. ISSN 21779309. BRASIL. Ministério da Defesa. Política Nacional de Defesa. Brasília, DF, 2012. BRASIL. MINISTÉRIO DA GUERRA. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, 1906. 248p. (Ministério da Guerra). BUZAN, B.; HANSEN, L. The Evolution of International Security Studies. New York: Cambridge University Press, 2009. COIMBRA, C. Doutrina de Segurança Nacional e produção de subjetividade. Clínica e Política: subjetividade e violação dos direitos humanos, p.25-38, 2002. COUTAU-BÉGARIE, H. Tratado de Estratégia. Rio de Janeiro: Escola de Guerra Naval, 2010. 55-115. CRESWELL, J. W. Research Design: Qualitative, Quantitative and Mixed Approaches. 3 ed. Thousand Oaks: Sage, 2009. CRUZ, C. Identity and persuasion: How nations remember their pasts and make their futures. World politics, v. 52, n. 3, p. 275-312, 2000.

Page 117: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

114

DUARTE, S. de Q. The role of Brazil in multilateral disarmament efforts. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 60, n. 2, 2017. FRIESE, S. Qualitative Data Analysis With ATLAS.TI. 3 ed. London: Sage, 2019. GRAY, C. S. The Future Of Strategy. Cambridge: Polity Press, 2015. HUNTINGTON, S. P. O choque de civilizações. 2 ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2016. JOHNSTON, A. I. Thinking about Strategic Culture. International Security, v. 19, n. 4, p. 32-64, Spring 1995. LANTIS, J. S. Strategic culture and national security policy. International studies review, v. 4, n. 3, p. 87-113, 2002. LASMAR, J. M. A legislação brasileira de combate e prevenção do terrorismo quatorze anos após 11 de Setembro: limites, falhas e reflexões para o futuro. Revista de Sociologia e Política, v. 23, n. 53, p. 47-70, 2015. LIDDELL HART, B. H. STRATEGY. 2. São Paulo: IBRASA, 1991. LOBATO, L. C.; KENKEL, K. M. Discourses of cyberspace securitization in Brazil and in the United States. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 58, n. 2, p. 23-43, 2015. MARTEL, W. C. GRAND STRATEGY IN THEORY AND PRACTICE: The Need For An Effective American Foreign Policy. United States: Cambridge University Press, 2015.

MCCANN, F. D. Soldados da Pátria: A História do Exército Brasileiro 1889-1937. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2009. SALDAÑA, J. The Coding Manual for Qualitative Researchers. London: Sage, 2013. SILVA, G. D. C. E. Conjuntura Política Nacional: O poder Executivo & Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Olympio, 1981. 273-273. VERDUM, R. Povos Indígenas no Brasil: o desafio da autonomia. Povos Indígenas: Constituições e reformas Políticas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2009. VILLA, R. D.. Brazilian Hybrid Security in South America. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 60, n. 2, 2017.

Page 118: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

115

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A visão de Góes Monteiro, observada na década de 1930, de que a grande

estratégia deveria estar centrada no desenvolvimento dos poderes nacionais continua

presente na PND, ou seja, em pleno século XXI, ainda não alcançamos as condições

materiais necessárias para assegurar o atingimento dos objetivos nacionais de

defesa.

Quanto à estratégia simbólica brasileira (PND), vê-se que a mesma foi moldada

pela cultura estratégica nacional, ou estratégia dos símbolos na definição de Johnston

(1995), quando a mesma ressalta pontos importantes do passado histórico. Não se

vê na PND uma escolha estratégica que negue a sua cultura, todas estão associadas,

de alguma forma, às suas experiências e necessidades. Até para atender as

exigências modernas da era da informação (setores cibernético e aeroespacial),

necessidades antigas como estratégia da presença, desenvolvimento sustentável da

Amazônia e aquisição de tecnologias são associadas as mesmas.

As características dinâmicas da cultura, citadas por Black (2009), também

estão presentes na grande estratégia brasileira da atualidade. O que no passado

representou o domínio do mar pelos grandes dreadnoughts comprados à Inglaterra e

rapidamente sucateados pela ausência de tecnologia nacional para manutenção, hoje

foi substituído pela capacidade de negação do uso do mar com a aquisição de

submarinos convencionais e de propulsão nuclear com desenvolvimento de

tecnologia própria.

A pesquisa mostrou que embora haja uma tendência regional à colaboração

entre os países da América do Sul, aspectos de equilíbrio de poder, fortemente

vivenciado em épocas passadas, ainda se fazem presentes nas RI entre o Brasil e os

países sul-americanos.

Embora as elites dirigentes tenham grande peso nas decisões estratégicas,

privilegiando seus pontos de vista e suas preferências estratégicas, as instituições,

principalmente Ministério das Relações Exteriores e Ministério da Defesa, ainda

guardam suas memórias institucionais e suas prioridades, influenciando, de certa

forma, as decisões no mais alto nível.

Em relação às clivagens em favor ou em desacordo com o pensamento de

Washington, a histórica relação entre os dois países (Brasil e EUA) é marcada pelo

jogo de interesses entre os dois gigantes das Américas. Cada um dos dois obedeceu

Page 119: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

116

a sua política interna para a tomada de decisões, sendo que o Brasil soube aproveitar

bem os momentos de aproximação e de preocupação americana com o destino do

subcontinente sul-americano quando este esteve ameaçado pelas potências

europeias.

As questões de controle das forças armadas são apresentadas por

determinados segmentos da sociedade como fundamentais para a garantia da

democracia. Baseado no histórico de interferências militares na política e na grande

estratégia nacional, onde buscou-se, por um lado, o controle das forças armadas, por

aqueles que estavam no poder, e, por outro, a cooptação, por aqueles que almejavam

a tomada, legal ou ilegal, do poder, entende-se que as Forças Armadas têm um peso

político ao mesmo tempo que não podem ser politizadas.

O controle civil, muitas vezes, é mal apresentado ou mesmo compreendido.

Segundo Huntington (1998), não há controle civil das Forças Armadas, o que pode

existir é o controle de parte dos civis (classe dirigente) sobre as mesmas. No atual

estágio republicano, o Presidente é o comandante supremo das Forças Armadas, ao

mesmo tempo em que as Forças Armadas são destinadas “à defesa da Pátria, à

garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei da

ordem” (Artigo 142 da CF de 1988). Desta forma, o caso brasileiro, consagrou um

modelo objetivo de controle das mesmas.

Anos de influência das Forças Armadas na política nacional serviram de

aprendizado para moldar a participação militar na Grande Estratégia Nacional. Desta

forma, a execução do Serviço Militar Obrigatório, a profissionalização das Forças,

inicialmente pelos Jovens Turcos e mais tarde pela Missão Francesa, e a participação

na Primeira Guerra Mundial contribuíram sobremaneira para modelar os mecanismos

de violência nacionais, moldando os alicerces para o desenvolvimento de uma

indústria militar de base e criando uma maior identificação entre Forças Armadas e a

nação brasileira à medida que a sociedade amadurecia também.

Na atual PND, o Serviço Militar Obrigatório é ponto chave na identificação da

sociedade com as Forças Armadas, fornecendo efetivos para a defesa nacional e

desenvolvendo a mentalidade de defesa na sociedade. O documento de mais alto

nível da defesa recepciona toda a problemática enfrentada no início da Primeira

República com relação ao serviço militar.

Page 120: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

117

Por outro lado, o contínuo emprego dos meios militares em conflitos internos,

muitas das vezes por motivações políticas, têm desprestigiado os militares e desviado

os mesmos de suas atribuições precípuas. A história militar nacional tem mostrado o

quão perigoso foi o desprestígio para com os militares e deveria servir como

laboratório para guiar as ações futuras. O uso das Forças Armadas em missões de

garantia da lei e da ordem tem se intensificado nas últimas décadas e os propósitos

têm sido bem questionáveis no âmbito das mesmas.

Ainda sobre os conflitos internos, vê-se uma forte influência das fissuras na

sociedade brasileira verificada em diversos conflitos internos do passado com reflexos

na PND. Coesão interna e indissolubilidade da unidade federativa continuam alvo da

PND já que as ameaças às mesmas continuam presentes na sociedade.

A questão nuclear, embora pudesse causar um desequilíbrio de poder na

América do Sul, foi tratado com cautela entre Brasil e Argentina, evitando os

transtornos causados durante a política “rumo ao mar” do Barão do Rio Branco na

década de 1900. Uma postura diferenciada em relação a esse recurso estratégico

gerou muitos dividendos aos dois países que conjuntamente desenvolveram

condições de confiança mútua, aprendendo com os erros do passado.

A Amazônia, local de disputas por demarcação de fronteiras e cobiça

internacional, não deixou de ser priorizada na PND. A defesa dos recursos naturais

conta agora com a vivificação das fronteiras e desenvolvimento sustentável, porém o

suporte na presença militar ainda prevalece.

Em todos os conflitos externos do período da Primeira República, a dissuasão

militar, de alguma forma esteve presente. Porém, em todas elas também, houve um

gap entre o necessário e o existente em termos de efetivo, armamento e tecnologia

de ponta para enfrentar as ameaças. Desta forma, foram cruciais as relações cordiais

com o irmão do Norte sobre as quais o Brasil afastou as ameaças europeias. A PND

ainda traz um grande foco no desenvolvimento dos Poderes Nacionais em detrimento

dos níveis regional e internacional que foram pouco incrementados.

A PND é bem clara no uso do poder militar em questões de ameaça externa,

considerando o uso de todos os poderes nacionais em situação de crises político-

estratégicas. Ao mesmo tempo que ressalta o compromisso ao Direito Internacional e

à solução pacífica de controvérsias, herança da gestão Rio Branco no Itamaraty.

Page 121: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

118

Pela primeira vez, o País tem uma ferramenta norteadora da defesa (PND) e

que contempla as experiências nacionais vivenciadas no passado. Embora muito dos

problemas enfrentados continuem sem solução, agora eles estão postos a limpo e

codificados em documento do mais alto nível de defesa. Algumas soluções continuam

seguindo o mesmo padrão do passado, notadamente os conflitos internos onde as

Forças Armadas continuam sendo empregadas. É preciso evoluir, aproveitando os

ensinamentos passados para acertar no futuro. Outras soluções já apresentam um

amadurecimento, como no caso dos submarinos, onde as mesmas ameaças estão

presentes, porém com uma solução sustentável, moderna e integrada.

Por fim, pode-se observar as alterações, as similitudes e os eventuais padrões

de continuidade no pensamento nacional, destacando características presentes em

decisões e contribuindo para o entendimento das linhas gerais e estruturantes do

pensamento estratégico nacional.

Page 122: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

119

REFERÊNCIAS

ALLISON, G. T.; ZELIKOW, P. The Essence of Decision: Explaining the Cuban Missile Crisis. Pearson Education, 1999. ALSINA JUNIOR, J. P. S. Grand Strategy and Peace Operations: the Brazilian Case. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. ALSINA JUNIOR, J. P. S. Rio Branco: Grande Estratégia e Poder Naval. Rio de Janeiro: FGV, 2015. AMORIM, C. A Grande Estratégia do Brasil. Brasília, DF: Editora UNESP, 2016. BARCELLOS, J. M. V. A Doutrina de Segurança Nacional e a ideia de Grande Potência no pensamento militar brasileiro. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DE DEFESA, 9, 2016, Florianópolis. Forças Armadas e Sociedade Civil: Temas e Agendas da Defesa Nacional no Século XXI. Trabalhos completos. Florianópolis: UFSC. BEAUFRE, A. Introdução à Estratégia. [Tradução de Luiz de Alencar Araripe]. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, p.23-60, 1998. BENTO, C. M. (Org); GIORGIS, L. E. C. Brasil: Lutas contra invasões, ameaças e pressões externas. Resende: FAHIMTB/IHTRGS, 2014. BLACK, J. War and Cultural Turn. Cambridge: Polity Press, 2012. BLEY, D. H. P.; CARVALHO, A. B. G. Ciclos de Codificação e o Software ATLAS TI: uma parceria criativa para análise de dados qualitativos em pesquisas sobre o uso de tecnologías digitais no campo da Educação. Revista de Educação Matemática e Tecnológica Iberoamericana, v. 10, n. 1, 2019. ISSN 2177-9309. BRASIL. Lei nº 403 de 24 de outubro de 1896. Cria o Estado-Maior do Exército e a Intendência Geral da Guerra, e dá outras providencias. Coleção de Leis do Brasil, p. 34, v. 1, 1896. BRASIL. MINISTERIO DA GUERRA. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, 1898. BRASIL. MINISTERIO DA GUERRA. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, 1899. BRASIL. MINISTÉRIO DA GUERRA. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, 1900.

Page 123: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

120

BRASIL. MINISTERIO DA GUERRA. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, 1903. BRASIL. MINISTERIO DA GUERRA. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, 1905. BRASIL. MINISTERIO DA GUERRA. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, 1908. BRASIL. MINISTERIO DA GUERRA. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Imprensa Nacional, 1909. BRESSER-PEREIRA, L. C. State-society cycles and political pacts in a national-dependent society: Brazil. Latin American Research Review, v. 50, n. 2, p. 3, 2015. ISSN 0023-8791. BUZAN, B.; HANSEN, L. A Evolução dos Estudos de Segurança Internacional. [Tradução de Flávio Lira]. São Paulo: Unesp, 2012. CARRILLO, I. R. The New Developmentalism and the Challenges to Long-Term Stability in Brazil. Latin American Perspectives, v. 41, n. 5, p. 59-74, 2014. ISSN 0094-582X. CARVALHO, J. M. de. Forças Armadas e Política no Brasil. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. CARVALHO, A. D. Rio Branco: Sua Vida, Sua Obra. 3 ed. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2012. CARVALHO, J. M. D. O Pecado Original da República: debates, personagens e eventos para compreender o Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2017. CATOGGIO, M. S. Religious Beliefs and Actors in the Legitimation of Military Dictatorships in the Southern Cone, 1964–1989. Latin American Perspectives, v. 38, n. 6, p. 25-37, 2011. ISSN 0094-582X. CLAUSEWITZ, C. V. Da Guerra. [Tradução: Maria Teresa Ramos]. São Paulo: WMF Martins Fontes, Livro I, 2010. COSTA, E. P. L. D. Brazil's Nuclear Submarine: A Broader Approach to the Safeguards Issue. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. COELHO, E. C. Em Busca de Identidade: O Exército e a Política na Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Record, 2009.

Page 124: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

121

COUTAU-BÉGARIE, Hervé. Tratado de Estratégia. [Tradução de Brigitte Bentolila de Assis Manso et al.]. Rio de Janeiro: Escola de Guerra Naval, p. 80-115; 319-348, 2010. CRESWELL, J. W. Research design: Qualitative, quantitative, and mixed methods approaches. Califórnia: SAGE Publications, 2009. DA SILVA LOPES, I. Political Culture and the Democratization of Communications in Brazil. Latin American Perspectives, v. 41, n. 5, p. 129-140, 2014. ISSN 0094-582X. DARNTON, C. A false start on the road to Mercosur: reinterpreting rapprochement failure between Argentina and Brazil, 1972. Latin American Research Review, v. 47, n. 2, p. 120, 2012. ISSN 0023-8791. DE OLIVEIRA SOARES, A.; TAUIL, R. M.; COLOMBO, L. A. O bipartidarismo no Brasil e a trajetória do MDB. Revista Sinais, 1, n. 19, 2016. ISSN 1981-3988. DE SOUZA, D. R. O.; DE OLIVEIRA, M. A. G. Analysis of the Modernizations Efforts of Military Instruments in Brazil, China, India and The Brazilian Strategic Projects. Meridiano 47, v. 17, n. 47, 2016. ISSN 1518-1219. DE SOUZA, M. A. R. et al. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 52, p. e03353-e03353, 2018. DOS SANTOS, N. B.; UZIEL, E. Forty Years of the United Nations General Assembly Resolution 3379 (XXX) on Zionism and Racism: the Brazilian vote as an instance of United States-Brazil relations. Revista Brasileira de Política, v. 58, n. 2, p. 80, 2015. ISSN 0034-7329. DUARTE, S. D. Q. The role of Brazil in multilateral disarmament efforts. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. FAORO, R. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro.5. ed. São Paulo: Globo, 2012. FERENHOF, H. A.; FERNANDES, R. F. Passo-a-passo para construção da Revisão Sistemática e Bibliometria. Revista ACB, v. 3.04, 2016. FROTA, G. A. Panorama da Historia do Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: Ed. Detalhes, 1987. GALVÃO, T. F.; PEREIRA, M. G. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 23, n. 1, p. 183–184, 2014. GALVÃO, T. F.; PEREIRA, M. G. Redação, publicação e avaliação da qualidade da revisão sistemática. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 24, n. 2, p. 333–334, 2015. GARCIA, D. Not yet a democracy: establishing civilian authority over the security

Page 125: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

122

sector in Brazil – lessons for other countries in transition. Third World Quarterly, v. 35, n. 3, p. 487-504, 2014. ISSN 0143-6597. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008. GÓES, G. S. Por Onde Andará a "Grande Estratégia" Brasileira? (Estados Unidos e Brasil em estudo comparado). Revista da Escola Superior de Guerra. v. 24, n. 50, jul/dez, 2008. GRAY, C. S. The Future of Strategy. Cambridge- UK, Polity Press, p.163-266, 2015. GRAY, C. S. Strategic culture as context: the first generation of theory strikes back. Review of international studies, v. 25, n. 1, p. 49-69, 1999. ISSN 1469-9044. HART, B. L. As Grandes Guerras da História. 3.ed.[Tradução de Aydano Arruda]. São Paulo: IBRASA, 1982. HUNTINGTON, S. P. O Soldado e o Estado: Teoria e Política das Relações entre Civis e Militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1996. HUNTINGTON, S. P. O Choque de Civilizações. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1998. JOHNSTON, A. I. Thinking about Strategic Culture. International Security, v. 19, n. 4, p. 32-64, Spring 1995. KALOUT, H.; DEGAUT, M. Brasil um país em busca de uma Grande Estratégia: Relatório de Conjuntura nº 01. Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, Brasília-DF, 2017. LASMAR, J. M. A legislação brasileira de combate e prevenção do terrorismo quatorze anos após 11 de Setembro: limites, falhas e reflexões para o futuro. Revista de Sociologia e Política, v. 23, n. 53, p. 47-70, 2015. ISSN 1678-9873 1015-9016 LAZAROU, E. Brazil-Turkey relations in the 2000s: deconstructing partnership between emerging powers. (Report). Insight Turkey, v. 18, n. 1, p. 123, 2016. ISSN 1302-177X. LOBATO, L. C.; KENKEL, K. M. Discourses of cyberspace securitization in Brazil and in the United States. Revista Brasileira de Política, v. 58, n. 2, p. 23, 2015. ISSN 0034-7329. MAcCANN, F. Soldados da Pátria. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. MARQUES, E. State institutions, power, and social networks in Brazilian urban policies. Latin American Research Review, v. 47, n. 2, p. 27, 2012. ISSN 0023-8791. MARTINS, M. A. F.; OLIVEIRA, E. L. Méritos e ilusões de uma política de defesa. Intellector. v. 12, n. 23, jul/dez, 2015.

Page 126: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

123

MATTHEWS, B.; ROSS, L. Research methods: a practical guide for the social sciences. New York: Pearson Longman, 2010. MIRANDA, D. B. DE; PEREIRA, M. DE NA. F. O periódico científico como veículo de comunicação : uma revisão de literatura. Revista Ciência da Informação, v. 25, n. 3, p. 375–382, 1996. MOHER D, LIBERATI A, TETZLAFF J, A. D. Principais itens para relatar Revisões sistemáticas e Meta-análises: A recomendação PRISMA. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 24, n. 2, p. 335–342, 2015. MURRAY, W.. Thoughts on grand strategy. In: MURRAY, Williamson; SINNREICH, Richard Hart; LACEY, James [Org.]. The Shaping of Grand Strategy. New York: Cambridge University Press, 2011, p. 1-33. MUXAGATO, B. El smart power y la no diferencia como nuevos principios directores de la politica exterior brasilena. America Latina Hoy, v. 72, n. 72, p. 89, 2016. ISSN 1130-2887. PARET, P. Construtores da Estratégia Moderna. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, p.256-292, 2001. PEREIRA, M. G.; GALVÃO, T. F. Etapas de busca e seleção de artigos em revisões sistemáticas da literatura. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 23, n. 2, p. 369–371, 2014. PROENÇA JR, D.; DINIZ, E.; RAZA, S. G. Guia de estudos de estratégia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. SANTANA, N. M. C.; DOS SANTOS, R. A. Projects of modernity: authoritarianism, eugenics and racism in 20th century Brazil. Revista de Estudios Sociales, v. 58, n. 58, p. 28, 2016. ISSN 0123-885X. SANTORO, M.; BORGES, B. Brazilian foreign policy towards internet governance. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 1, 2017. ISSN 0034-7329. SARAIVA, M. G. The Brazil-European union strategic partnership, from Lula to Dilma Rousseff: a shift of focus. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 1, 2017. ISSN 0034-7329. SCHNEIDER, N.; ATENCIO, R. J. Reckoning with Dictatorship in Brazil: The Double-Edged Role of Artistic-Cultural Production. Latin American Perspectives, v. 43, n. 5, p. 12-28, 2016. ISSN 0094-582X. SILVA, G. D. C. Conjuntura Política Nacional: O poder Executivo & Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: Olympio, 1981. SMITH, R. The Utility of Force. New York, Alfred A. Knopf, p. 253-307, 2007.

Page 127: Cultura Estratégica Nacional: Um Estudo Sobre a Grande ......(1998), Paret (2001), Luttwak (2008), Couteau-Bégarie (2010), Hart (1954) e Silva (1981), já que os mesmos representam

124

SNYDER, J. L. The Soviet Strategic Culture. Implications for Limited Nuclear Operations. Rand Corp Santa Monica Calif. 1977 SONDHAUS, L. Strategic Culture and Ways of War. 1. ed. New York: Routledge, 2006. VAZ, A. C.; FUCCILLE, A.; REZENDE, L. P. UNASUR, Brazil, and the South American defence cooperation: A decade later. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. VIEIRA, D. M.; CAMARA, L. M.; GOMES, R. C. Between the decline of the empire and the affirmation of the Republic in Brazil: gradual and transformative institutional change. Revista de Administração Pública-RAP, v. 48, n. 3, p. 531, 2014. ISSN 0034-7612. VILLACRES, E.J.; BASSFORD, C. Reclaiming The Clausewitzian Trinity. Parameters 9-19, 1995. VILLA, R. D. Brazilian Hybrid Security in South America. Revista Brasileira de Política, v. 60, n. 2, 2017. ISSN 0034-7329. VINHOSA, F. L. T. O Brasil e a Primeira Guerra Mundial: a diplomacia brasileira e as grandes potências. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2015. WEYLAND, K. Realism under hegemony: theorizing the rise of Brazil. Journal of Politics in Latin America, v. 8, n. 2, p. 143, 2016. ISSN 1868-4890.