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Currículo e Formação - esec.pt · Um estudo de caso na ... Crise de poder: quem manda ... só uma sólida formação poderá sustentar esse novo paradigma. Um paradigma que, para

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Currículo e Formação

Currículo e FormaçãoMaria de Lurdes Cró (Org. / Coord.)

Colecção: Práticas – Conhecimento – Pensamento

Edições IPC | Inovar Para Crescer

Instituto Politécnico de Coimbra

Título: Currículo e Formação

Autores: Amarílis Rocha, Anabela Sousa Pereira,

Carlota Fernandes Tomaz, Carolina Siva Sousa,

Graciete Campos, Idália Sá-Chaves, Isabel P. Martins,

José Tavares, Lívia Christina Andreucci,

Mafalda de Castro

Maria de Lurdes Cró (Org. / Coord.)

Maria do Céu Roldão, Paula Maria Costa Neves,

Ramiro Marques, Sara Monteiro

Edição: Instituto Politécnico de Coimbra

Edições IPC | Inovar Para Crescer

Colecção: Práticas – Conhecimento – Pensamento

Maio de 2009

Tiragem: 500 exemplares

Concepção Gráfica: Go Up design

Paginação, impressão e acabamento: SerSilito – Maia

Depósito legal: 295973/09

ISSN da Colecção: 1645-8672

ISBN: 978-989-95440-6-2

Morada: Avenida Dr. Marnoco e Sousa , nº 30

3000-271 Coimbra

Internet: www.ipc.pt

Endereço electrónico: [email protected]

Sumário

Nota prévia _______________________________________________________ 9

O envolvimento parental na intervenção terapêutica da criança com paralisia cerebralCarolina Silva Sousa, Graciete Campos __________________________________ 13

Função docente: natureza e construção do conhecimento profissionalMaria do Céu Roldão _______________________________________________ 31

Formação de professores e desenvolvimento de competênciasMaria de Lurdes Cró, Lívia Christina Andreucci ___________________________ 47

Transversalidades curriculares no ensino básico e novo regime jurídico de habilitação para a docênciaRamiro Marques ___________________________________________________ 59

Promoção da resiliência no pré-escolar: estudos comparativos entre Portugal e BrasilLívia Andreucci, Anabela Pereira, Maria de Lurdes Cró, Amarílis Rocha _________ 67

Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores. Um estudo de caso na Universidade de AveiroCarlota Fernandes Tomaz, Idália Sá-Chaves, Isabel P. Martins __________________ 81

Promoção do sucesso académico no ensino superior: o caso particular dos serviços de aconselhamento psicológicoSara Monteiro, José Tavares, Anabela Pereira ______________________________ 99

Comportamentos compulsivos de cidadania organizacional na população docente portuguesaPaula Maria Costa Neves_____________________________________________ 119

Bolonha: um novo menu de competênciasAnabela Sousa Pereira _______________________________________________ 131

Perspectivação de um currículo em contexto educativo de crecheMaria de Lurdes Cró, Mafalda de Castro ________________________________ 141

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Nota prévia

O presente livro reúne um conjunto de textos trabalhados a partir de comunicações apresen-tadas num Colóquio promovido pela Escola Superior de Educação do IPC (Instituto Politécnico de Coimbra) e pelo CIDInE (Centro de Investigação, Difusão e Intervenção em Educação), em Março de 2007. Como Presidente da Assembleia-Geral da Associação CIDInE, quero deixar aqui expressos os meus agradecimentos ao Instituto Politécnico de Coimbra por ter acolhido a pro-posta de publicação que lhe foi apresentada pela sua Escola de Educação.

Tal aceitação e subsequente publicação comprova uma atitude de acolhimento face às ini-ciativas de divulgação dos questionamentos e dos saberes deles emergentes que, longe de se confinarem às instituições em que ocorrem, se devem facultar a todos os potenciais interessados para, a partir deles, terem possibilidades de reflectir, concordar, discordar ou reconstruir.

O tema escolhido para o Colóquio, o qual se constituiu como título do livro, associava Cur-rículo e Formação. E o Colóquio aconteceu no momento em que as instituições de formação de professores preparavam as propostas de currículos dos seus cursos no enquadramento do chamado Processo de Bolonha. Não admira, pois, que parte dos textos reflicta as expectativas e os desejos, as frustrações e as apreensões relativas aos novos enquadramentos.

Algum tempo passou; mas não o suficiente para que seja legítimo fazer um balanço cientifi-camente sustentado das modificações introduzidas e, muito menos, do impacto dessa formação na concretização do currículo e na qualidade da formação nas nossas escolas. Oxalá o balanço venha a ser positivo, pois a educação atravessa uma profunda crise. Crise de identidade: o que é educar? Crise de poder: quem manda na educação? Crise de saber: como educar, hoje? Crise de orientação: para onde queremos ir?

É nos momentos de crise que se sucumbe ou se renasce. Acredito no “renascimento” através da formação geradora do conhecimento. Talvez nunca como hoje se tenha falado tanto em conhe-cimento profissional e em formação, o tema, aliás, da conferência de abertura do Colóquio, repro-duzida neste livro. Num tempo em que parecem diluir-se as fronteiras profissionais, assim como as disciplinares, e cada vez mais se apela à interprofissionalidade colaborativa para fazer face à comple-xidade dos actos que praticamos, só uma sólida formação poderá sustentar esse novo paradigma. Um paradigma que, para além de uma formação consolidada na área de especialidade compreendida na sua natureza e nas relações que estabelece com as outras áreas do saber, reclama uma profunda capacidade de atender ao outro e às suas circunstâncias e um forte sentido de responsabilidade cívica e de co-construção de soluções a partir de análises correctas das situações enfrentadas.

Isabel Alarcão

O envolvimento parental na intervenção terapêutica da criança com paralisia cerebral

Carolina Silva Sousa, Graciete Campos

Carolina Silva Sousa, Graciete Campos

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O envolvimento parental na intervenção terapêutica da criança com paralisia cerebral

Carolina Silva Sousa1, Graciete Campos2

1. Introdução

Nos últimos anos, tem-se assistido a um crescente reconhecimento do imprescindível papel dos pais na reabilitação dos filhos e tem sido prestada uma atenção cada vez maior à importância educativa das actividades que têm lugar no próprio contexto familiar envolvente da criança e do jovem com paralisia cerebral, pelo que parece pertinente investigar os factores implicados no desenvolvimento de capacidades nas famílias, de modo a que os seus membros possam contribuir para responder às necessidades específicas dos indivíduos com deficiência que as integram.

De facto, do ponto de vista sistémico o sistema relacional no qual o indivíduo se desenvolve é o melhor espaço para compreender os seus comportamentos, uma vez que o contexto dá significado às situações. Numerosos estudos têm evidenciado que as crianças não são apenas afectadas pelo comportamento dos adultos mas também elas próprias afectam o comportamento desses adultos (Hornby, 1992; Leitão, 1994; Boavida, 1995). Na verdade, as crianças são elemen-tos activos nas interacções que estabelecem com as pessoas que as rodeiam. Assim sendo, este estudo levou-nos a analisar as repercussões negativas que pode ter junto dos pais a constatação de que o seu filho apresenta paralisia cerebral no que concerne à qualidade do seu envolvimento no processo de reabilitação.

Como refere Baker (1989), ninguém se encontra preparado para ser mãe ou pai de uma criança deficiente ou em risco de vir a apresentar problemas ou atipicidades em termos desenvol-vimentais. Para além deste autor, também Bronfenbrenner (1979, 1979b), Sameroff & Chandler (1975), e Hornby (1992), sublinham que o nascimento de uma criança com deficiência pode destruir as expectativas dos pais relativamente ao filho desejado e pode trazer consigo uma multiplicidade de desafios à família e inúmeras alterações à sua dinâmica.

O interesse pela problemática escolhida prende-se com o facto de considerarmos particu-larmente importante o papel da família na intervenção terapêutica, tanto mais que trabalhamos desde há muitos anos na área da reabilitação da criança e do jovem com paralisia cerebral e

1 Professora Coordenadora da Universidade do Algarve.2 Directora da APPC de Faro.

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temos sentido a necessidade crescente de conhecer mais aprofundadamente o impacto da defi-ciência nos membros da família.

Nos últimos anos, o papel atribuído aos pais tem sido alvo de progressivas modificações preconizando um envolvimento cada vez maior e mais participativo na reabilitação dos seus filhos, ao mesmo tempo, que favorece o desenvolvimento das capacidades das suas famílias para responderem às necessidades e dificuldades que possam surgir no seu quotidiano familiar.

Sendo assim, a ênfase é colocada na asserção de que, só através de um reforço de autono-mia e de competências dos pais e do desenvolvimento do seu estatuto como responsáveis no processo reabilitativo do filho, será possível facilitar o desenvolvimento de soluções adequadas às necessidades quer da criança, quer dos próprios pais cujos efeitos perdurem de uma forma prolongada e generalizada.

O estudo aqui apresentado representa uma tentativa de conhecer e compreender o pensa-mento, as percepções e as concepções dos pais de crianças com paralisia cerebral. Para melhor as conhecermos, recorremos a uma metodologia de investigação de natureza qualitativa, que “enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das percepções pessoais” (Bogdan & Biken, 1994: 11).

Primeiramente, sentimos necessidade de, à partida, recolher indicadores no sentido de averiguar-mos se o nascimento de um filho deficiente é um factor desencadeador de alterações no comporta-mento dos pais e nas suas respectivas redes de relações. Neste contexto, foi aplicado um conjunto de questionários de opinião, construídos e/ou adaptados ao universo dos pais de crianças com idades compreendidas entre os seis meses e os quatro anos de idade, que frequentam a APPC.

Após a aplicação do questionário, bem como quantificados e analisados os seus resultados, passou-se à selecção de uma pequena amostra com a qual foi realizado o estudo qualitativo. Essa amostra é constituída por três pais de crianças com paralisia cerebral comprovada, tendo-se recorrido à entrevista semi-estruturada tendo em vista captar e compreender melhor o pensa-mento e as ideias que estes pais manifestam, relativamente à situação que vivem. Nesse sentido, e de acordo com a problemática que delineámos, constituem-se os seguintes objectivos desta investigação: (i) Identificar algumas das consequências negativas do diagnóstico de paralisia cere-bral nos pais das crianças com esta deficiência; (ii) Procurar conhecer o impacto da destabilização dos pais e suas repercussões na alteração da rede de relações familiares; (iii) Compreender as necessidades de suporte dos pais por parte dos serviços de apoio de modo a conseguir integrá-los no processo de reabilitação do seu filho; e, (iv) Caracterizar as respostas que os serviços de apoio têm actualmente para fazer face a estas necessidades dos pais, de forma a introduzir eventuais alterações que possibilitem a promoção de um efectivo envolvimento parental.

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Dos objectivos deste estudo, determinantes da problemática a abordar, surgem as seguintes questões de pesquisa:

1. Será que as circunstâncias em que é feita aos pais a comunicação do diagnóstico de paralisia cerebral (por elementos da equipa com formação adequada ou não) têm uma importância notória nas alterações de comportamento dos pais: 1.1. Relativamente à atitude que assumem face à própria criança (não a escondendo, aceitando-a na sua diferença, reformulando os seus sonhos e objectivos em reacção a esse filho, etc.)? 1.2. Relativamente à sua capacidade de promover adequadamente uma interacção familiar satisfatória (marido e mulher, mãe -filhos, pai -filhos, pai e mãe – família alargada, etc.)? 1.3. Relativamente à equipa terapêutica (mostrando uma atitude receptiva e colaborante, não evidenciando excessiva dependência nem agressividade, procurando informar-se e aprender a trabalhar directamente com a criança)?

2. Será que o desequilíbrio dos pais, sobretudo se afectar a família (divórcio dos pais, isolamento dos irmãos, integração mais ou menos permanente da criança deficiente junto de um membro da família alargada a pretexto de que fica mais perto, etc.) se traduz numa alteração nos resultados que a intervenção terapêutica consegue promover junto da criança? 2.1. Será que os pais que conseguem um adequado envolvimento parental e participam de uma forma positiva na reabilitação do seu filho ligam esta situação às circunstâncias em que ocorreu a comunicação do diagnóstico de paralisia cerebral, referenciando atitudes profissionais adequadas e apoiantes? 2.2. – Será que por seu turno, aqueles pais que entraram em ruptura familiar, após o diagnóstico, mencionam situações traumáticas e falta de apoio generalizado ou atitudes negativas de desvalorização e incompreensão por parte de elementos das equipas de intervenção terapêutica?

Na tentativa de encontrar algumas respostas ou quiçá outras interrogações, passamos a apre-sentar o enquadramento conceptual em torno do qual as mesmas se inserem.

2. O envolvimento parental na intervenção terapêutica da criança com paralisia cerebral

O envolvimento no processo de intervenção nem sempre foi preconizado. Foi durante a década de 70 que alguns autores manifestaram novamente essa necessidade apelando a algumas vantagens dessa participação. Honing (1982), preconizava que o envolvimento poderia aumentar o nível de consciência dos pais relativamente às dificuldades e capacidades do seu filho, adequar o seu nível de expectativas e ainda facilitar o desenvolvimento de atitudes ainda mais eficazes.

Ao mesmo tempo Honing (1982) salienta que os pais não são apenas os primeiros e mais consistentes “professores” dos seus filhos, mas também aqueles que lhes fornece uma base

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emocional securizante e pistas motivadoras importantes, reforçando assim, a necessidade do seu envolvimento no processo de intervenção.

Uma das primeiras formas de envolvimento dos pais na intervenção terapêutica consistia na criação de programas de estimulação ou terapias centradas na criança e administrada pelos pro-fissionais onde não era atribuído nenhum papel específico aos pais, era apenas enfatizado o papel técnico/criança sem qualquer função participativa dos pais. A intervenção terapêutica em crianças com paralisia cerebral limitava-se a tratar, até a um passado recente, essencialmente os problemas biológicos ignorando a influência da dinâmica familiar, tornando-se ela própria, diversas vezes um factor importante no aumento ou manutenção das incapacidades da criança.

Nos anos 70, com o reconhecimento dos direitos e vantagens do envolvimento familiar na intervenção terapêutica, os pais surgem como membros da equipa de intervenção. A função do profissional é o de ajudar a família com base nas suas preocupações a identificar as necessidades e as formas de as ajudar a solucionar. O levantamento das necessidades é feito pelo técnico, tendo sempre em linha de conta a influência dos valores e crenças pessoais na determinação das preo-cupações ou problemas de cada um. Neste modelo de intervenção os pais são envolvidos desde o início no programa terapêutico/pedagógico do seu filho. Contudo a natureza desse envolvimento não estava clara e objectivamente definida pelo que variava de programa para programa.

Numa terceira fase, o envolvimento familiar é formalizado através do treino de membros da família os quais aprendem a estimular e reforçar respostas adaptativas e a inibir ou extinguir com-portamentos inadequados. A este tipo de aprendizagem experimental alguns autores chamaram “treino de pais”, Baker (1989, 1991; Hornby, 1992b). A asserção principal referia a possibilidade do comportamento poder ser modificado pela manipulação das consequências, o que implicava que os pais aprendessem a estruturar os objectivos.

Por último, nos anos 80, as famílias começaram a ser vistas como importantes e legítimas uti-lizadoras dos programas de intervenção. Esta mudança obrigou a repensar os anteriores modelos e a desenvolver novos instrumentos que permitissem a avaliação das necessidades, dos recursos e das aspirações da família, instrumentos esses praticamente inexistentes até esta data.

Para se dar resposta às necessidades e aspirações de cada família, de um modo eficaz e indi-vidualizado, é imprescindível assegurar um leque variável de opções e serviços.

Hanson & Lynch (1989) apresentam no âmbito da intervenção precoce, cinco principais tipos de serviço destinados às famílias que podem ser aplicados aos programas terapêuticos desenvol-vidos com crianças com paralisia cerebral, a saber. (i) Informação geral: reporta-se à necessidade que os pais têm de informação permanente sobre: diagnóstico e prognóstico, alimentação, sono e higiene; (ii) Apoio e aconselhamento: relaciona-se com a criação de estruturas de apoio formal destinadas a ajudar os pais na sua função parental. Este tipo de serviço muitas vezes é desen-

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volvido sobre a forma de apoio domiciliário, o qual tenta resolver essencialmente as dificuldades que a família sente a nível de tempo, recursos logísticos e financeiros e rede de apoio informal (vizinhos, amigos e familiares); (iii) Educação/Treino: prende-se com a ajuda que é prestada aos pais com a finalidade de eles apreenderem a criar situações de estimulação e de reforço de res-postas adaptativas, que facilitem o desenvolvimento dos seus filhos; (iv) Interacção Pais/Criança: está relacionada com a ajuda que é prestada aos pais num sentido de melhor compreenderem e interpretarem os comportamentos do filho, e ao mesmo tempo desenvolver situações pro-piciadoras de interacção pais/filhos; (v) Utilização de recursos comunitários: tem a ver com a colaboração dos serviços na disponibilização de informação prestada à família sobre o tipo de variedade de serviços existentes na comunidade e a forma de acesso a eles.

A família de uma maneira geral, e mais especificamente os pais, ao longo dos tempos têm sido os primeiros prestadores de cuidados, os modelos de comportamento, os educadores e os principais agentes de socialização, cabendo-lhes o papel de professores dos seus filhos. No entanto, segundo Baker (1989), ninguém está preparado para vivenciar o papel de pai (e mais precisamente o de professor) de uma criança com problemas no seu desenvolvimento.

Da investigação efectuada, sobre os programas de apoio directo aos pais de crianças com problemas no seu desenvolvimento, a delimitação conceptual da intervenção e a sua natureza, nem sempre é muito clara, sendo os programas, designados como:

Treino parental (Baker, 1989, 1990; Hornby, 1992b). Educação parental (Hornby, 2000). Aconselhamento parental (Hornby, 1992a).

Segundo Schaeffer e Briesmeister (1989) os programas de treino e educação parental são coincidentes em muitos pontos, seja em termos de estratégias como de conteúdos, distinguindo-se principalmente pelos seus objectivos e populações a que se destinam. Os programas de treino de pais têm como principal objectivo a resolução de problemas relacionados com o compor-tamento da criança, enquanto os programas de educação de pais têm uma dimensão essencial-mente preventiva, tentando evitar o aparecimento dos referidos comportamentos.

O conceito treino parental aparece com mais frequência no âmbito de intervenções dirigi-das a crianças com mais de quatro anos ou a jovens com distúrbios graves de comportamento, enquanto que o conceito educação parental surge associado a intervenções destinadas a crianças de baixa idade que apresentam problemas desenvolvimentais. Os programas de aconselhamento parental, estão muito relacionados com o apoio emocional prestado aos pais, numa perspec-tiva psicoterapêutica Hornby (1992b). Os principais objectivos deste tipo de programas estão relacionados com o fornecimento de ajuda psicológica, orientação e informação prática aos pais das crianças sobre os temas modificação de comportamentos da criança; melhoria da interacção

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criança/pais; desenvolvimento de competências parentais; organização do envolvimento como facilitador das aprendizagens da criança; ajuda na resolução de problemas pessoais ou familiares.

Os conceitos, atrás referidos, de treino parental, educação parental e aconselhamento paren-tal parecem apontar para valências distintas, apresentando-se o conceito de formação/educação parental estará mais ligado a uma valência preventiva, que privilegia um processo de aquisição de conhecimentos por parte dos pais Powell (1988a) e Hornby (2000). Os conceitos de aconse-lhamento e treino parental estão mais relacionados com uma valência terapêutica que pretende essencialmente atenuar o sofrimento dos pais (Powell, 1988a); contribuir para a adaptação dos pais à deficiência do seu filho (Hornby, 2000) e facilitar a adaptação dos pais às dificuldades comportamentais da criança (Hornby, 1992b).

Na perspectiva de Gallagher & al. (1994), o envolvimento pressupõe a comunicação entre todos os componentes da equipa e implica que na intervenção o plano estabelecido funcione tanto para a criança como para a família. Para atingir esse objectivo, é necessário que se com-preenda o processo dos grupos, a forma como os indivíduos funcionam em grupo e, por fim, é necessário que se passe da compreensão da forma que a intervenção assume à implementação do processo em si mesmo.

Segundo Dunst & al. (1994), o envolvimento inclui práticas que proporcionam aos pais opor-tunidades para discutir diferentes formas de intervenção, benefícios e limitações das diferentes opções, colaboração e partilha na tomada de decisões e, de um modo geral, o envolvimento activo e significativo dos pais na relação de ajuda e em todo o processo terapêutico do sujeito com paralisia cerebral.

2.1. Paralisia cerebral

Todas as crianças com paralisia cerebral têm uma certa incapacidade no controle motor, havendo toda uma diversidade no que concerne às formas e à gravidade da deficiência. A lesão cerebral, ao dar origem a distúrbios motores, pode também ocasionar uma diversidade de difi-culdades associadas como: deficits sensoriais, epilepsia, perturbações da linguagem, alterações perceptivas e, ainda, atraso no desenvolvimento cognitivo e na adaptação social e emocional. Assim, sob a designação de paralisia cerebral, há crianças com uma grande variedade de defici-ências (Abercrombie, 1964; Cahuzac, 1977).

A este propósito, Leitão (1983) e Cahuzac (1977) assinalam que, quando a deficiência men-tal domina o quadro clínico e o deficit motor é nulo ou secundário, deve-se utilizar o termo encefalopatia.

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A deficiência motora da criança com paralisia cerebral é, assim, uma perturbação da aquisição do padrão normal do movimento devido a vários factores: um atraso na aquisição das várias eta-pas do desenvolvimento, uma persistência de reflexos primitivos, alterações do tónus, da força, da coordenação, e existência de movimentos involuntários.

As diversas formas de paralisia cerebral podem classificar-se pelos efeitos funcionais e pela topografia corporal. Do ponto de vista dos efeitos funcionais, os quadros clínicos mais frequentes são a espasticidade, a atetose, a ataxia e uma forma mista, variando consoante a predominância da formação nervosa atingida (Cahuzac, 1977; Leitão, 1983).

Como refere Cahuzac (1977), podem-se descrever diversas formas de paralisia cerebral pela topografia corporal, segundo a área de predominância do problema motor:

– Aspectos etiológicosAs diversas manifestações clínicas na paralisia cerebral estão ligadas não só à etiologia, depen-

dendo sobretudo da topografia da lesão, da sua maior ou menor extensão e gravidade, bem como da fase etária, precoce ou tardia, em que se verifica o distúrbio na evolução do sistema nervoso central. Estes diferentes factores irão condicionar o grande número de variantes clínicas, mais ou menos graves, e, consequentemente, surgem ligados a menores ou maiores possibilidades terapêuticas (Leitão, 1983).

O conhecimento das causas, que podem conduzir a uma lesão, mais ou menos importante do sistema nervoso central, é importante, por diversos motivos: em primeiro lugar, dado que possibilita uma acção preventiva que procura evitar as causas das lesões cerebrais; em segundo lugar, porque permite saber qual o risco que o feto e o recém-nascido correm.

A etiologia da paralisia cerebral é, essencialmente, multifactorial, podendo os factores locali-zarem-se no tempo, consoante a lesão ocorreu durante a gestação (pré-natais), durante o parto (péri-natais) ou após o nascimento (pós-natais).

Andrada (1986) acrescenta ainda que, aproximadamente vinte por cento dos casos de crian-ças com paralisia cerebral, são de etiologia desconhecida. Não se trata pois de uma doença hereditária mas, em alguns casos, pode estar presente uma predisposição genética.

– Factores de riscoDeaver (1952 cit. in França, 2000) identificou os seguintes factores predisponentes, a saber: a

paralisia cerebral é mais frequente nas crianças prematuras; nos primeiros filhos; entre os recém- -nascidos com um peso mais elevado; no caso de gravidez múltipla; quando o parto é demorado e difícil.

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Este autor considera, ainda, que os rapazes são mais atingidos que as raparigas, e que os casos são mais frequentes nos recém-nascidos filhos de mães idosas. Esta situação poderá decorrer, por um lado, do facto de as mulheres com mais idade terem, em geral, bebés mais pesados; por outro lado, os rapazes são, normalmente, mais pesados que as raparigas à nascença. Este autor refere igualmente que parece não existir uma predisposição económica, social ou geográfica para a incidência da paralisia cerebral.

Já Stanley (1984b) é de opinião que há factores sociais e biológicos que predispõem a mulher para um elevado risco para ter um filho com paralisia cerebral. Todavia, a eventual relação causal existente não está ainda clara nos estudos que se têm vindo a desenvolver. Para o autor, isto poderá dever-se ao facto de existir uma multiplicidade de variáveis em análise, tais como o peso da criança à nascença e a idade da mãe, entre outros, cuja interferência não é controlada. Con-tudo, a gravidade da situação está muitas vezes relacionada com a classe social, uma vez que, de um modo geral, há casos mais graves nas classes sociais baixas, o que se ligará provavelmente a presença de factores de risco acrescidos, designadamente ao nível dos cuidados pré-natais.

Estudos efectuados em Portugal mostram que a prevalência de casos com paralisia cerebral é sempre mais elevada no sexo masculino. Por exemplo, Andrada, (1986) menciona a existência de uma percentagem de 57,8% de rapazes para 42,2% de raparigas.

Por sua vez, Stanley (1984b) inclui nos factores genéticos, para além desta componente, a presença simultânea de uma certa vulnerabilidade para outros problemas associados à paralisia cerebral, bem como complicações na gravidez, em especial problemas da placenta numa fase tardia da gestação.

Do exposto, podemos constatar que a designação de paralisia cerebral abrange uma diversi-dade de estados patológicos de etiologia e manifestações bastante diferenciadas.

Segundo França (2000), a paralisia cerebral é uma das deficiências mais frequentes na infância em Portugal. Embora a sua incidência seja difícil de determinar, pensa-se que existem no nosso país cerca de cem mil indivíduos atingidos (Borges et al., 1987). Esta dificuldade em precisar o número exacto deve-se não só ao facto de muitas famílias não recorrerem ou não terem conhe-cimento dos centros especializados, mas também à complexidade desta deficiência que levanta muitas dificuldades no estabelecimento de um diagnóstico precoce e atempado.

2.2. As famílias das crianças com paralisia cerebral e o paradigma sistémico

Temos vindo a assistir, nos últimos tempos, a uma mudança conceptual no âmbito da inter-venção precoce, que resultou na passagem dos modelos centrados na criança, para modelos centrados na família, o que veio consolidar e dar corpo ao progressivo reconhecimento do envol-

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vimento mais activo dos pais na intervenção precoce. Assim, a intervenção precoce foi buscar os constructos e modelos, que estão na base da abordagem sistémica da família, do contexto da terapia familiar e reformulou alguns dos seus conceitos e dimensões, tomando-os como quadro de referência para todos aqueles que pretendem investigar ou intervir nesta área.

A ruptura epistemológica, introduzida pela teoria geral dos sistemas e pela pragmática da comunicação humana, permite uma certa forma de abordagem dos processos psicológicos do indivíduo centrada na vertente da compreensão psicopatológica.

Como afirmam Marc e Picard (1984: 123), “a perspectiva sistémica conduz a uma noção renovada do normal e do patológico, pondo em causa a própria noção de normalidade (...). Chamamos “normal” a tudo o que nos é familiar e “louco” a tudo o que não compreendemos portanto, a perspectiva sistémica permite “ver diferente para pensar diferente”.

De facto, como refere Hoffman (1981), é este o paradigma que julgamos mais apropriado para interpretar a saúde/doença em geral. Por outro lado, a emergência do modelo sistémico torna possível reorientar concepções e o estudo da família, perspectivando intervenções terapêuticas inovadoras.

Na perspectiva do modelo sistémico, a família constitui um sistema aberto em que os seus elementos com histórias e individualidades diferenciadas, mas com uma história e com um futuro comum, interagem entre si e com o meio em retroacção contínua. A este propósito é interes-sante referenciar Gameiro (1994) e Forest-Divonne (1988), que mencionam as definições de família como um sistema aberto, cujos elementos são os indivíduos, e as relações operam-se nas interacções vividas ao longo da vida em comum. Como sistema aberto que é, na família, cada um dos elementos está em permanente ligação com os outros e com o exterior, exercendo-se também uma influência retroactiva entre o sistema como um todo e o meio exterior. A família é, assim, como afirma Andolfi (1988: 20), “um sistema entre sistemas”, em que cada elemento da família participa em diversos sistemas e subsistemas, ocupando em simultâneo diversas papéis em diferentes contextos, que implicam outros estatutos, funções e tipos de interacções, com variados e, por vezes, antagónicos graus de autonomia, (...) (Relvas, 1996).

Consoante o lugar que ocupa na hierarquização sistémica, cada parte, sistema ou subsistema, é um todo que simultaneamente constitui uma parte integrante de outro sistema de uma diferente ordem (Minuchin & Fischman, 1988).

A família enquanto sistema é pois um todo complexo, sendo os elementos que a compõem aquilo que a torna una e única (Relvas, 1996), todavia, é preciso não esquecer que é também parte integrante de outros sistemas mais vastos. Ela é na verdade uma “unidade feita de corpos separa-dos” (Relvas, 1996: 8) em que é possível articular o que há de individual com o que há de global.

De facto, de acordo, com a perspectiva ecológica do desenvolvimento humano (Bronfenbren-ner, 1979), todo o indivíduo se desenvolve enquadrado numa série de contextos ou sistemas

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ecológicos que interagem entre si e com o indivíduo num processo de mútua interacção e em constante evolução.

Deste modo, para que a intervenção seja eficaz deve visar a família como um todo e não apenas a criança, uma vez que as famílias constituem o elemento fundamental no desenvolvi-mento da criança.

Para Relvas (1996; 2000) a família enquanto sistema é um todo organizado cujos mem-bros estão em interdependência; efectivamente, a família possui um dinamismo próprio que lhe confere autonomia e que assegura a sua individualidade. Assim, a família integra as influências externas no seu funcionamento, sem estar contudo dependente delas, assim como reage não só às pressões do meio mas sofre também a influência de forças internas. Possui igualmente uma capacidade auto-organizativa que lhe confere coerência e consistência e assegura um equilíbrio dinâmico no decurso da interacção com o meio. Por outro lado, os padrões de interacção no seio do sistema família são circulares e não lineares; com efeito, o sistema familiar tem características homeostáticas que permitem manter a estabilidade dos seus padrões de interacção. Ao longo da sua existência, a família tem necessidade de evoluir de se transformar, de mudar perante as vicissitudes da vida.

O sistema familiar é composto por subsistemas separados por fronteiras e governado por regras e padrões de interacção que estão em constante evolução e mudança. Cada um desses subsistemas – o individual, o parental, o conjugal, o fraternal e o extra-familiar – organizam-se e estabelecem relações no seu interior e com os outros subsistemas, configurando uma certa estrutura familiar dotada de uma certa identidade que a torna singular e irrepetível. As relações que os subsistemas mantêm, entre si e com os sistemas que os integram, estabelecem-se de um modo tanto mais aberto, quanto as suas fronteiras ou limites, “à semelhança das membranas semi-permeáveis, permitem a passagem selectiva da informação, tanto entre a família e o meio, como entre os diversos subsistemas familiares” (Relvas, 1995a: 9).

Como temos vindo a referenciar, as perspectivas ecológica e sistémica são de extrema utili-dade pois, mais do que a identificação dos indivíduos ou da composição familiar, facilitam a com-preensão das relações destes no contexto, bem como o modo como se articulam para formar um todo e as influências a que essa unidade se encontra sujeita.

Qualquer que seja o modelo de funcionamento familiar – Modelo transaccional (Sameroff, 1983, 1987; Sameroff & Chandler, 1975; Sameroff & Fiese, 1992; Boavida, 1995), Modelo eco-lógico (Bronfenbrenner, 1979, 1979b) e Modelo familiar sistémico (Relvas, 1996; Hornby, 1992; Sousa, 1993; 1994) todos consideram o impacto que uma criança com necessidades especiais tem na sua família e vice-versa.

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3. Considerações finais

No âmbito da intervenção terapêutica, e tendo por base os pressupostos conceptuais em que o estudo assenta, defendemos a necessidade de uma colaboração estreita entre pais e profissio-nais bem como as vantagens da partilha de informações com o objectivo dos pais participarem activamente no processo de intervenção dos seus filhos. De facto, as características dos pais e o seu relacionamento com os filhos permanecem um factor ambiental bastante significativo na determinação do tipo de pessoa que virá a ser esta criança com paralisia cerebral. O comporta-mento parental não se apresenta unidimensional e não consiste, por conseguinte, em variações ao longo de um único eixo; os pais podem amar os seus filhos e rejeitá-los; ser amorosos e negligentes; calmos e ansiosos; confiantes e inseguros; ajustados e perturbadores.

Pode-se constatar, pela análise dos dados, que 66,67% dos pais do nosso estudo, participam com alguma regularidade no processo de intervenção do seu filho, envolvendo-se nas actividades levadas a cabo no programa de reabilitação. Este estudo, também nos leva a inferir e a interrogar-nos até que ponto ao envolverem-se na reabilitação do seu filho, estes pais melhoram as suas competências parentais, modificam algumas das suas atitudes e comportamentos e sentem-se melhor em termos psicológicos e contribuem quiçá, para uma intervenção terapêutica mais adequada e consistente.

Outro dado importante de salientar, é que estes pais mantêm com os terapeutas uma relação colaborante e apoiante, não evidenciando relações de excessiva dependência nem de agressivi-dade.

Parece-nos, portanto, não existir qualquer relação com as circunstâncias em que é feita aos pais a comunicação do diagnóstico de paralisia cerebral e o seu envolvimento no processo de intervenção, bem como na relação desenvolvida com a equipa terapêutica.

De realçar, que com a realização do estudo, se verifica que estes pais demonstram alguma dificuldade em aceitar o termo “paralisia cerebral” no diagnóstico do seu filho, evitando proferi-lo e muitas das vezes aplicando outra terminologia ao referirem-no.

Um exemplo ilustrativo desta situação, aconteceu nas respostas aos questionários, onde os pais riscavam o conceito “paralisia cerebral” que se encontrava explícito nas perguntas, e subs-tituíam por “epilepsia” e “ disfunção motora”, e alguns deles não responderam mesmo a per-guntas relacionadas com o diagnóstico por considerarem que o seu filho não tinha este tipo de deficiência. Gostaríamos de salientar, todavia, que todas estas crianças, possuem o diagnóstico de paralisia cerebral plenamente confirmado.

O envolvimento parental na intervenção terapêutica da criança com paralisia cerebral

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Pensamos, que esta reacção dos pais pode estar directamente ligada ao significado “marcante” destas duas palavras, paralisia no cérebro, e que poderá ser explicado pelo estigma social que tal condição implica (Fewell, 1986).

De facto, com base na revisão de literatura que efectuámos, vimos que quando uma criança nasce com uma deficiência os pais têm que passar por um processo de adaptação (Meyer, 1996) que pode ser visto como um contínuum de reacções que se iniciam com o momento do diagnóstico (Hornby, 1992).

Tivemos também a oportunidade de verificar que os resultados que a criança alcança, em ter-mos desenvolvimentais, se revelam fortemente dependentes dos padrões de interacção familiares, como é salientado por Guralnick (1997b), em que a qualidade das interacções pais-criança, o tipo de experiências e vivências que a família proporciona à criança, assim como, os aspectos com os cuidados de saúde básicos, surgem como determinantes do seu desenvolvimento.

Quando a criança nasce com uma deficiência, esses padrões poderão ser afectados em função da conjugação de vários factores que podem ser atenuantes ou potencializadores das dificuldades sentidas por esses pais perante tal situação. Desse conjunto de factores, para além das carac-terísticas da deficiência da criança, surgem outros, eventualmente mediados pelas características pessoais dos pais bem como pelos recursos intra ou extra familiares que estas famílias dispõem para fazer face a estas situações stressantes.

Outro aspecto que para nós se tornou mais evidente com a realização desta investigação foi o apoio social, quer este se apresente sobre a forma de redes sociais formais ou sobre a forma de tipo informal, prestado por familiares ou amigos, e se constituir como um recurso extremamente importante (Crnic & al., 1983; Minnes, 1988; Dunst, Trivette & Jodry, 1997) para estas famílias no seu processo de adaptação à situação.

Outra constatação a que chegámos prende-se com os variados tipos de apoio formal dispo-níveis, designadamente o apoio dos profissionais no âmbito do modelo de atendimento – Inter-venção Precoce – que surge como uma forma mais eficaz de prestar apoio à família e à criança. Por outro lado, apercebemo-nos que estes apoios conseguem potenciar o envolvimento activo dos pais na intervenção, tal como defendem Simeonsson & Bailey (1992).

Com base na análise dos dados recolhidos no presente estudo, passaremos a destacar alguns dos aspectos que consideramos mais relevantes.

Relativamente às circunstâncias em que é feita a comunicação do diagnóstico, os dados parecem admitir que não existem grandes alterações no comportamento dos pais relativamente à criança. Parece-nos, de facto que os pais que constituíram a amostra deste estudo, apesar do choque, da tristeza e dos sentimentos de fracasso perante o diagnóstico, concentram as suas preocupações no bem-estar da criança, aceitando-a na sua diferença. Os dados também nos

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levam a inferir que os mesmos fazem um esforço para reagir e que são perfeitamente capazes de realizar as tarefas de ajuda ao seu filho.

No que concerne às repercussões na interacção familiar, podemos constatar que a deficiência do filho acarretou problemas nas relações familiares, nos pais da amostra da nossa investigação, o que está de certo modo de acordo com a revisão da literatura (Hornby, 1992; Fewell, 1986), que referem que os casais com filhos deficientes experimentam dificuldades conjugais devido aos cuidados extra que estas crianças exigem. Relativamente aos avós os dados parecem sugerir-nos uma interacção favorável a esse nível, o que parece confirmar os estudos de Fewell (1986), de Hornby (1992), de (Sandler (1998) que salientam que os avós constituem uma grande fonte de apoio para as famílias nestas circunstâncias.

Como refere Beckwith (1992) os pais assumem inúmeras funções e papéis como protectores, reguladores biológicos, objectos de amor, professores e mediadores do envolvimento ao mesmo tempo que têm que lidar com múltiplas relações no seio da família e fora dela. A tarefa é exigente e no caso destes pais, ainda mais o é, o que poderá contribuir para a necessidade que estas famílias têm de fontes de suporte disponíveis.

Os dados parecem confirmar, também, o papel importante que assume na intervenção tera-pêutica, a relação pais/terapeutas. Tomando os dados do nosso trabalho em que os pais caracte-rizam a relação como colaborante e apoiante, parecem-nos responder ou corresponder às neces-sidades de desenvolvimento pessoal de cada um (Ausloos, 1991; 1996). O valor do afecto, das características de cada indivíduo, dos aspectos da personalidade desenvolvidos num ou noutro sentido ou mesmo das falhas existentes estão presentes nesta relação. Ou seja, os pais, no caso concreto do estudo, as mães passam a acreditar que têm capacidade para controlar uma série de tarefas e exigências relacionadas com a sua função parental, desde que lhe sejam proporcionadas oportunidades para aprender e desenvolver as suas competências.

Outro aspecto que nos parece ser possível evidenciar, é que não existe relação entre as circunstâncias em que ocorreu a comunicação do diagnóstico e o envolvimento destes pais na reabilitação do seu filho. Os dados sugerem-nos que estes pais participam activamente no modelo de intervenção do seu filho e também evidenciam que estes pais parecem ter alguns resultados positivos em termos da promoção de sentimentos de competência relativamente ao desempe-nho da sua função parental, o que vai ao encontro do estudo desenvolvido por Myers (1982).

Referindo, ainda, Gallagher (1992) a participação dos pais em programas de intervenção, parece ajudá-los a aperceberem-se de pequenas evoluções dos seus filhos, promovendo, assim, níveis superiores de motivação na intervenção, ao mesmo tempo que apoiam as famílias no acesso aos recursos e serviços comunitários relevantes.

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Esperamos, que o presente estudo, apesar das suas limitações, dado que se trata de uma investigação de carácter exploratório, possa trazer alguns contributos para a investigação/inter-venção em Psicologia da Educação, em particular na área das necessidades educativas especiais, designadamente, no envolvimento dos pais de crianças com paralisia cerebral na intervenção terapêutica.

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Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional

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Resumo

Neste texto analisa-se a especificidade da função de ensinar enquanto caracterizadora da actividade do professor. Examina-se a evolução e pluralidade de sentidos associados ao con-ceito de ensinar e suas implicações no desenvolvimento profissional dos docentes ao longo da evolução histórica da actividade.

Analisa-se num segundo momento, a natureza do conhecimento específico necessário ao desempenho da função de ensinar, procurando dar conta das teorizações existentes acerca desse conhecimento, e propondo e discutindo um conjunto de caracterizadores distintivos desse saber que a autora designa como geradores de especificidade. A análise proposta situa-se no quadro de uma valorização da dimensão analítica e teorizadora da acção de ensinar por parte do professor, no sentido de desenvolvimentos futuros da docência que possam reforçar a afirmação social da profissionalidade dos docentes.

1. Ensinar enquanto especificidade profissional do professor

A questão prévia que norteia a análise que neste texto se procurará desenvolver é a seguinte: Que é um professor? O que o distingue de outros actores sociais e de outros agentes profissionais? Qual a especificidade da sua acção, o que constitui a sua “distinção?” (Reis Monteiro, 2000). Será a partir da discussão da natureza da função específica do professor que se procurará contribuir para a análise das questões do conhecimento profissional docente, na medida em que estas duas dimensões se configuram como interdependentes.

A questão enunciada, tal como as possíveis tentativas de resposta, não existe per se, como sabemos; trata-se de uma construção histórico-social em permanente evolução. Todavia, em cada tempo e contexto, a consciência da mutabilidade, historicidade e relatividade dos conceitos, papéis e funções sociais e profissionais, não impede – antes exige – que, no tempo e no contexto

1 Universidade do Minho, Centro de Estudos da Criança.

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em que se vive, sejamos capazes de a ler com a clareza possível à luz do conhecimento e dos referentes disponíveis. É nesta perspectiva que se avançam as ideias defendidas neste texto.

Assim, o caracterizador distintivo do docente, relativamente permanente ao longo do tempo, embora contextualizado de diferentes formas, é a acção de ensinar. Mas coloca-se a este respeito um conjunto de questões, quer históricas quer conceptuais: por um lado, importa saber o que se entende por ensinar, o que está longe de ser consensual ou estático; por outro, o reconheci-mento da função não é contemporâneo do reconhecimento e afirmação histórica de um grupo profissional associado a ela. Pelo contrário, a função existiu em muitos formatos e com diversos estatutos ao longo da história, mas a emergência de um grupo profissional estruturado em torno dessa função é característico da modernidade, mais propriamente a partir do século XVIII.

No que respeita à representação do conceito de ensinar, a sua leitura é ainda hoje atravessada por uma tensão profunda (Roldão, 2005c)2 entre o “professar um saber” e o “ fazer outros se apropriarem de um saber” – ou, melhor, “fazer aprender alguma coisa a alguém”. No limite, e simplificando, tem-se associado à primeira leitura a postura mais tradicional do professor trans-missivo, referenciado predominantemente a saberes disciplinares, e à segunda uma leitura mais pedagógica e alargada a um campo vasto de saberes, incluindo os disciplinares.

Na verdade, essa dicotomia, com típicos movimentos pendulares fortemente ideologizados nas práticas das administrações e das escolas e professores, tem sido, na nossa perspectiva, eminentemente redutora. Do nosso ponto de vista, a dialéctica do ensino transmissivo versus o ensino activo faz parte de uma história relevante, mas passada, e remete, na sua origem, para momentos e situações contextuais e sócio-históricas específicas. À luz do conhecimento mais actual, importa avançar a análise para um plano mais integrador da efectiva complexidade da acção em causa e da sua relação profunda com o estatuto profissional daqueles que ensinam: a função específica de ensinar já não é hoje definível pela simples passagem do saber, não por razões ideológicas ou apenas por opções pedagógicas, mas por razões sócio-históricas.

O entendimento de ensinar como sinónimo de transmitir um saber deixou de ser socialmente útil e profissionalmente distintivo da função em causa, num tempo de acesso alargado à informa-ção e de estruturação das sociedades em torno do conhecimento enquanto capital global. Num passado mais distante, pelo contrário, essa interpretação de ensinar assumia um significado social-mente pertinente, quando o saber disponível era muito menor, pouco acessível, e o seu domínio limitado a um número restrito de grupos ou indivíduos. Nesses contextos − que, de um modo global, caracterizaram o desenvolvimento da escolaridade até finais da primeira metade do século

2 Ver o desenvolvimento deste conceito em Roldão (2005c).

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XX − era socialmente justificada a associação da ideia de ensinar com a de passar conhecimento, de “professar” o saber, de torná-lo público, de “lê-lo”3 para os outros que o não possuíam.

A função de ensinar, nas sociedades actuais, e retomando uma outra linha de interpretação do conceito4 é, antes, caracterizada, na nossa perspectiva, pela figura da dupla transitividade e pelo lugar de mediação. Ensinar configura-se assim, nesta leitura, essencialmente como a especialidade de fazer aprender alguma coisa (a que chamamos currículo, seja de que natureza for aquilo que se quer ver aprendido) a alguém (o acto de ensinar só se actualiza nesta segunda transitividade corporizada no destinatário da acção, sob pena de ser inexistente ou gratuita a alegada acção de ensinar) (Roldão, 2005a).

Tal não significa que nos possamos satisfazer com esta proposição conceptual para analisar o que é ensinar, e muito menos tomar qualquer destas tentativas exploratórias do conceito e da função como definitivas ou definidoras... Avançamo-las, sim, como uma hipótese de trabalho que nos parece potenciadora de alguma clarificação no debate científico sobre a profissionali-dade docente. Como Shulman (1986, p. 29) bem sublinhou, “teaching is a beautifully ambiguous term”.

A história recente dos professores, na sua constituição gradual como grupo profissional, ou pré ou semiprofissional (Gimeno Sacristán, 1995), desenvolve-se num processo complexo de profissionalização que Nóvoa (1995) organiza num modelo de análise clarificador5. No conjunto de factores complexos cuja relação esse modelo nos permite interpretar, entendemos destacar, na perspectiva que aqui adoptamos, a ligação particular desse caminho para a profissionalização do professorado a dois processos sociais, distintos mas complementares:

a) Um, extrínseco, de natureza político-organizativa: a institucionalização da escola como orga-nização pública, e do currículo que a legitima no plano social, a partir da necessidade de: (a) alfabetizar a população, incluindo a trabalhadora, na pós-Revolução Industrial; e (b) viabilizar um maior grau de politização das populações, necessário mesmo para os níveis mínimos de participação na vida pública nas sociedades pós-antigo regime; é assim a afir-mação social da instituição escola que vai funcionar como alavanca principal, ainda que não única, do processo gradual de afirmação dos docentes como grupo profissional socialmente identificável;

3 Veja-se o termo “lente”, que se aplicava em Portugal, num passado não muito distante, ao professor catedrático, expoente máximo da posse de um saber, e do consequente poder de o distribuir, apresentar, professar.4 Este entendimento de ensinar como “conduzir” o outro a aprender remete para as origens do termo pedagogo – etimologicamente, aquele que conduz (ago) a criança (paidos) ao conhecimento e à cultura –, associadas, como sabemos, à prática de ensino cometida a escravos gregos na antiga Roma, tornados educadores dos filhos dos romanos vencedores.5 Ver Nóvoa (1995, p. 20). O modelo aí desenvolvido organiza-se em quatro etapas evolutivas e em torno de duas dimensões: (a) corpo de conhecimentos e de técnicas e (b) conjunto de normas e valores, em cujo cruzamento se estabelece como eixo estruturante, em cada momento, o estatuto social e económico dos professores. Ver também Nóvoa (2005), para a dimensão histórica da construção da profissão.

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b) Outro, de natureza intrínseca, associado à necessidade de legitimar esse grupo social dos docentes pela posse de determinado saber distintivo: a afirmação de um conhecimento profissional específico, corporizado, e, por sua vez, estimulado pelo reconhecimento da necessidade de uma formação própria para o desempenho da função, reconhecimento que constituiu um dos grandes passos, no início do século XX em particular, para o reco-nhecimento social dos docentes enquanto grupo profissional.

Tal processo de profissionalização não é, contudo, linear nem unidireccional. Como sublinha Nóvoa (1995, p.21), alternam na história dos professores desde o século XIX períodos de profis-sionalização e desprofissionalização, pautados por conflitos de interesses e actores: “A afirmação profissional dos professores é um percurso repleto de lutas e de conflitos, de hesitações e de recuos. […] A compreensão do processo de profissionalização exige, portanto, um olhar atento às tensões que o atravessam”.

Vive-se de novo, actualmente, um momento particularmente crítico deste processo de desen-volvimento do grupo profissional, em que se joga, quanto a nós, a afirmação ou esbatimento da profissionalidade docente, por força de factores como a massificação escolar, com a consequente expansão e diversificação dos públicos escolares, a imobilidade persistente dos dispositivos orga-nizacionais e curriculares da escola geradora do seu anacronismo face às realidades actuais, a pressão das administrações e dos poderes económicos para uma funcionarização acrescida dos docentes, todavia também largamente alimentada pelos próprios professores, prisioneiros de uma cultura que se instalou ao longo deste processo e que contradiz a alegada reivindicação – no discurso político e no discurso dos próprios docentes – de uma maior autonomia e decisão, desejavelmente associadas a um reforço de profissionalidade.

Neste quadro de contradições e tensões, partimos do pressuposto da absoluta centralidade do conhecimento profissional, embora enquadrado na teia de todos os outros elementos, como factor decisivo da distinção profissional, na fase do processo de evolução histórica da profissão que se atravessa, claramente marcado pela tensão entre o salto para um nível mais consistente de profissionalidade ou o risco de recuo para situações de proletarização e funcionarização reforçadas (Apple, 1997).

2. O lugar do conhecimento na definição da profissionalidade docente, ou da urgência da delimitação de um saber específico

Todas as profissões que construíram ao longo do tempo o reconhecimento de um estatuto de profissionalidade plena (médicos, engenheiros, arquitectos, entre outros), se reconhecem, se

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afirmam e são distinguidas, na representação social, pela posse de um saber próprio, distinto e exclusivo do grupo que o partilha, produz e faz circular, conhecimento esse que lhe legitima o exercício da função profissional em causa (Rodrigues, 1997). Por isso insistimos anteriormente na clarificação da função de ensinar: é que existe uma estreitíssima ligação entre a natureza da função e o tipo de conhecimento específico que se reconhece como necessário para a exercer.

No caso dos professores, quer a função quer o conhecimento profissional se têm mutua-mente contaminado, por um lado, por uma tendência para a difusão envolvida de uma discur-sividade humanista abrangente, que não permite aprofundar a especificidade da função nem do saber; por outro lado, e no extremo oposto, por uma orientação para a especificação operativa, associada à redução do ensino a acções práticas que se esgotam na sua realização, em que o saber é mínimo e a reflexão dispensável, e que acabam traduzindo-se numa tecnicização da actividade. Nenhuma destas tendências se constitui em produtora credível de desenvolvimento e afirmação profissional.

Por isso afirmámos noutro local ser o conhecimento profissional o “elo mais fraco” da profis-são docente (Roldão, 2005a), aquele em que importa investir como alavanca capaz de reverter o descrédito, o desânimo, o escasso reconhecimento – factores repetidamente identificados na investigação sobre professores e desenvolvimento profissional (Roldão, 2005b).

Para discutir o conhecimento profissional docente e analisar o seu peso no desempenho da actividade dos docentes, com implicações evidentes no estado de desenvolvimento ou esbati-mento, presente e futuro, da sua profissionalidade, e no sentido de isolar uma vertente dentro da complexidade da problemática, decidimos situar esta análise não nas questões da construção e uso desse conhecimento6, mas a montante, na tentativa de clarificação da sua natureza.

3. Da natureza do conhecimento profissional docente: o teórico e o prático, ou talvez não…

As dificuldades na clarificação da especificidade do conhecimento profissional docente resul-tam de vários factores. Entre esses factores conta-se a própria complexidade da função, como anteriormente se referiu. Outros factores de complexidade ligam-se à inevitável miscigenação de elementos pessoais e profissionais no desempenho docente, agravados com o peso da história e dos multi-significados que ensinar assumiu em contextos tão diversos como o da missionação, ou o do perceptorado, miscigenação essa que dificulta por vezes a clarificação da natureza da acção docente. Tal indefinição, acrescida da influência de correntes teóricas diversas, umas de

6 Da clarificação da natureza do conhecimento profissional docente – articulada com a sua construção e o seu uso – decorrem as principais implicações para as questões da formação. Ver Roldão (2006a).

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matriz personalista, ou subsidiárias da não directividade, outras orientadas pelos conceitos do behaviourismo ou da educação eficaz nos seus formatos mais radicais, empurram a função de ensinar ora para a indefinição ora para a tecnicização, na esteira do que Mark Holmes (1991, p. 65) identificava como o efeito do balanço pendular entre uma perspectiva tecnocrática e uma perspectiva terapêutica relacional, ambas, na sua óptica, subversivas da educação.

Outros factores de dificuldade, e de não menos importância, resultam da pré-existência his-tórica da acção de ensinar face à formalização da formação para ensinar, que vem a articular os corpos de saber necessários à formação de alguém que ensina. Lourdes Montero (2005, p. 19) sublinha a este propósito a complexidade da “conversão de um campo de prática profissional num campo de conhecimento”, conversão que, segundo Honore (1980, p. 18) se configura mediante um processo de reflexão.

A actividade de ensinar – como sucedeu com outras actividades profissionais – praticou-se muito antes de sobre ela se produzir conhecimento sistematizado. Estas profissões transportam por isso uma inevitável “praticidade” que, a não ser questionada/teorizada, jamais transformaria a actividade em acção profissional e mantê-la-ia prisioneira de rotinas não questionadas e inca-pazes de responder à realidade. Todavia, a progressiva teorização da acção, neste como noutros domínios, foi gerando, por sua vez, novos corpos de conhecimento, que passam a alimentar – e a transformar – a forma de agir dos profissionais em causa.

Esta anterioridade/interacção da prática face à sua teorização, comum às actividades socioprá-ticas (De Castell, Luke & Luke, 1989) como a medicina ou o ensino, carreia toda a complexidade daquilo que o jargão académico invoca como a relação teoria–prática. É aí de facto que se joga grande parte da dificuldade de estabelecer a natureza do conhecimento profissional docente e de configurar os modos e identificar os actores da sua produção e uso. É justamente neste interface teoria-prática que se jogam, julgamos, as grandes questões relativas ao conhecimento profissional docente que hoje estão na agenda da formação e da profissionalização dos professores, questões que adiante nos propomos discutir.

A formalização do conhecimento profissional ligado ao acto de ensinar implica a consideração de uma constelação de saberes de vário tipo, passíveis de diversas formalizações teóricas – cien-tíficas, científico-didácticas, pedagógicas (o que ensinar, como ensinar, a quem e de acordo com que finalidades, condições e recursos) –, que contudo, se jogam num único saber integrador, situado e contextual – como ensinar aqui e agora –, que se configura como “prático”.

Importa distinguir, contudo, no uso dos termos teórico e prático, os limites com que aqui os abordamos. Trata-se, em ambos os casos, da possibilidade de uma dupla aproximação, já que podemos nos referir : 1) ao saber teórico produzido e formalizado pela investigação sobre a prática de ensinar, ou 2) ao conhecimento teórico produzido ou mobilizado pelos actores na

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prática de ensinar (que não exclui a anterior, mas a utiliza noutra sede). Por seu lado, ao refe-renciar o conhecimento dito “prático”, podemos designar : a) o “saber-fazer” apenas (resultando num praticismo ou num tecnicismo simplista), ou, pelo contrário, b) o saber fazer, saber como fazer, e saber porque se faz. Em ambos os conceitos, é a segunda opção a que aqui adoptamos e procuraremos discutir. Consideramos que a clássica fórmula relação teoria-prática transporta uma conceptualização simbólica que pode ser pouco operativa, ocultando a íntima dependência de um campo face ao outro. De facto, tal formulação vem sendo apropriada no sentido de uma visão destes dois campos como entidades separadas no seu desenvolvimento, cuja interligação se traduziria apenas em processos de aplicação – da teoria à prática. É essa leitura aplicacionista que se evidencia como dominante entre os docentes, tal como a investigação nos dá conta (Roldão, 2006a). Requer-se assim, julgamos, na situação específica dos saberes sociopráticos, como é o caso do conhecimento específico subjacente à função de ensinar, um esforço de reconceptuali-zação da proclamada relação teoria-prática.

Relativamente à natureza do conhecimento profissional docente, é abundante a teorização produzida, de que Montero (2005) nos oferece uma extensa e profunda análise crítica e posi-cionamento próprio. Na vasta produção sobre o conhecimento profissional docente, é possível identificar, segundo a autora, duas linhas dominantes, ainda assim admitindo múltiplas versões no seu interior e aproximações entre si: uma linha que se aproxima dos estudos de Lee Shulman (1986, 1987) e Shulman e Shulman (2004), que operam sobretudo pela desmontagem analítica dos componentes envolvidos no conhecimento global docente (do conhecimento do currículo ao conhecimento dos alunos, do conhecimento científico ao conhecimento didáctico do conteúdo e ao conhecimento científico-pedagógico); e uma outra que, na linha de Freema Elbaz (1983) e Connelly e Clandinin (1984), da corrente teórica do “pensamento do professor” desenvolvida a partir dos anos oitenta do século XX e, sobretudo, sob a forte influência de Donald Schön e da sua epistemologia da prática (1983, 1987), se centra na construção do conhecimento profissional enquanto processo de elaboração reflexiva a partir da prática do profissional em acção.

Segundo Fenstermarcher (1994, p.15), o primeiro grupo de teóricos acentuaria mais o carác-ter normativo do conhecimento profissional docente – procurando estabelecer o que os profes-sores devem saber para ensinar bem −, ao passo que os investigadores mais ligados à linha do conhecimento prático privilegiam a vertente descritiva/interpretativa do saber profissional, anali-sando o conhecimento que manifestam os professores que ensinam bem. Preferimos distingui-los pelo predomínio de uma vertente analítico-conceptual nos primeiros, e pela valorização de uma vertente holística e contextual nos segundos. Contudo, a análise mais detalhada indicia inúmeros pontos de contacto entre ambas as teorizações. Note-se que a abordagem de Shulman inclui aproximações claras ao modelo do professor investigador (Stenhouse, 1991) e do prático refle-

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xivo (Schön, 1987), e que o conhecimento resultante da prática não se reporta à legitimação de uma qualquer prática, mas ao conhecimento que resulta da reflexão analítica de professores competentes – reflexão e competência que implicitamente convocam, de forma integrada, as categorias que em Shulman aparecem na forma de componentes.

Não pretendemos simplificar a multiplicidade e a riqueza da investigação produzida a duali-dades redutoras. Lourdes Montero sublinha que em ambas as correntes referenciadas existe um ponto comum importantíssimo: são amplamente sustentadas por estudos de caso que funda-mentam e iluminam as suas teorizações respectivas, ou seja, alimentam-se, de facto, do conheci-mento expresso pelos professores em situação real. Muitos autores procuram produzir sínteses das diversas abordagens teorizadoras do conhecimento profissional docente, entre os quais a própria Montero (1995, p. 218), que sistematiza da forma seguinte o seu conceito de conheci-mento profissional: o conjunto de informações, aptidões e valores que os professores possuem, em consequência da sua participação em processos de formação (inicial e em exercício) e da análise da sua experiência prática, uma e outras manifestadas no seu confronto com as exigên-cias da complexidade, incerteza, singularidade e conflito de valores próprios da sua actividade profissional; situações que representam, por sua vez, oportunidades de novos conhecimentos e de crescimento profissional.

Da reflexão anterior pode concluir-se que, no plano da clarificação da natureza do conheci-mento profissional docente, se configuram duas tendências interpretativas predominantes: uma centrada na análise das suas componentes, outra centrada na valorização da prática profissional reflectida como sua fonte primeira. Tendências que divergem na matriz de análise, mas conver-gem na interpretação da práxis e do conhecimento que a sustenta – ainda que uma enfatizando o conhecimento prévio necessário, outra valorizando o conhecimento emergente da prática e da reflexão sobre ela.

Para os propósitos que anteriormente enunciámos, é-nos, julgamos, indispensável retomar ambas: por um lado, a vertente que alguns considerarão analítica e mais normativa porque, no plano epistemológico, nos parece possível e necessário desocultar a natureza desse conhecimento parti-cular que é o conhecimento profissional docente através da desmontagem das suas componentes; por outro lado porque se reconhece a valia da epistemologia da prática enquanto iluminadora da sustentação nuclear do conhecimento profissional na reflexão antes, sobre, na e após a acção.

Mas, para além da questão das fontes e dos modos de construção e desenvolvimento do conhecimento profissional que neste texto não incluímos, ao tentar clarificar a natureza desse conhecimento detemo-nos preferencialmente sobre aqueles aspectos que, na nossa perspectiva, são os geradores de especificidade, e que funcionam como agregadores dos outros elementos já teorizados e que antes brevemente recordámos.

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A questão que nos move situa-se na compreensão do que há de específico e distintivo neste conhecimento profissional que “deve” (dimensão normativa) caracterizar o conhecimento pro-fissional − que, por sua vez, é o conhecimento que subjaz, com mais ou menos articulação, ao que os bons professores fazem e como o fazem (dimensão descritiva). Aparentemente, já quase tudo terá sido dito sobre aquilo que o constitui ou sobre a sua construção no desenvolvimento da prática profissional. Contudo, e se comparamos com o saber definidor de outras profissões, talvez não nos baste o jogo lógico da dimensão analítica e da dimensão narrativa e contextual-reflexiva. Onde se joga afinal a especificidade desse conhecimento que permite exercer funda-mentadamente a função de ensinar?

Em forma tentativa, e tendo em conta que esta análise tem implicações para os processos de formação inicial e contínua, e respectiva sustentabilidade, propomos um conjunto de caracte-rizadores que concebemos como agregadores e factores de distinção do conhecimento profissional docente. Decorrem simultaneamente de uma lógica normativa – explicitar o “saber ideal” face à função de ensinar e sua eficácia – e de uma lógica interpretativa da prática real – na medida em que se apoiam em investigação sobre práticas docentes e experiências de formação (Roldão, 2006a).

Um primeiro aspecto do conhecimento profissional docente que o distingue é a sua natureza compósita, que é diferente de composta. Não se trata de um conhecimento constituído de várias valências combinadas por lógicas aditivas, mas sim por lógicas conceptualmente incorporadoras – o que também se distingue da ideia de simples integração. Nas práticas de qualidade, verificamos que não basta que se integrem os conhecimentos de várias naturezas, mas que eles se transfor-mem, passando a constituir-se como parte integrante uns dos outros. Por exemplo, o conheci-mento didáctico de conteúdo incluirá, modificando-o, o conhecimento de conteúdo. Não basta ao professor conhecer, por exemplo, as teorias pedagógicas ou didácticas e aplicá-las a um dado conteúdo da aprendizagem, para que daí decorra a articulação desses dois elementos na situação concreta de ensino. Há que ser capaz de transformar conteúdo científico e conteúdos pedagó-gico-didácticos numa acção transformativa, informada por saber agregador, perante uma situação de ensino − por apropriação mútua dos tipos de conhecimento envolvidos, e não apenas por adição ou mera aplicação. Ou seja, um elemento central do conhecimento profissional docente é a capacidade de mútua incorporação, coerente e transformadora, de um conjunto de componen-tes de conhecimento (tomando as categorias shulmianas como referente dessas componentes). Esta capacidade de agregação implica necessariamente que cada uma dessas componentes tenha sido previamente apropriada com profundidade, mas vai para além dessa apropriação prévia, num processo de conhecimento transformativo.

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Outro elemento que consideramos, nesta proposta de análise, “gerador de especificidade” do conhecimento profissional, é a capacidade analítica, aspecto que a linha da prática reflexiva vem também acentuando. Tal exercício permanente da capacidade analítica opõe-se directamente ao agir docente rotineiro, ainda que este possa assentar em conhecimento técnico ou mesmo artís-tico, tantas vezes convocados para legitimar o saber docente no quotidiano. Não é a perícia téc-nica da aula, tampouco a pura inspiração criativa, que fazem a especificidade do saber docente.

E, contudo, o conhecimento profissional (do professor, do médico, entre outros) exige sem dúvida o rigoroso domínio de muito saber técnico (como fazer) e o domínio de uma componente improvisativa e criadora face ao “caso”, à situação”, que podemos chamar de “artística”. Mas só se converte em conhecimento profissional quando, e se, sobre tais valências (técnica e criativa) se exerce o poder conceptualizador de uma análise sustentada em conhecimentos formalizados e/ou experienciais, que permite dar e identificar sentidos, rentabilizar ou ampliar potencialidades de acção diante da situação com que o profissional se confronta.

Um outro elemento que consideramos “gerador de especificidade” do conhecimento pro-fissional docente é a sua natureza mobilizadora e interrogativa – frequentemente ausente da cultura e das práticas dos professores, com consequências no respectivo sucesso do seu ensino. Em todo o processo de ensinar7 se joga constantemente a componente da mobilização – das componentes categoriais de Shulman, aqui tomadas como referente possível, de situações vividas, de semelhanças e diferenças com outros casos/situações observadas. Mobilizar implica convo-car inteligentemente, articulando elementos de natureza diversa num todo complexo. De igual modo, e em paralelo com a mobilização, o conhecimento profissional docente, pela singularidade e imprevisibilidade das situações e das pessoas, requer o questionamento permanente, quer da acção prática (mas não só dela, como induzem algumas leituras do senso comum relativamente ao paradigma reflexivo), quer do conhecimento declarativo previamente adquirido, quer da expe-riência anterior. Como na construção do conhecimento científico formal, também aqui estas duas valências se configuram como essenciais ao desenvolvimento bem sucedido de uma acção socioprática tão complexa como ensinar.

Outro “gerador de especificidade” do conhecimento profissional docente, relacionado com a capacidade de questionamento, é a meta-análise, requerendo postura de distanciamento e autocrítica, implícita nos pressupostos de uma prática reflexiva, mas que, sublinha-se, não pode prescindir dos contributos dos vários tipos do conhecimento formal que constituem o saber docente, do conteudinal ao pedagógico-didáctico.

Finalmente, a construção de um conhecimento profissional docente implica um outro “gera-dor de especificidade”: comunicabilidade e circulação. Será talvez esta a dimensão que mais afasta,

7 Adopto como significado de ensinar, promover intencionalmente a aprendizagem de alguma coisa por outros. Ver Roldão (2005a).

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na realidade dominante das práticas actuais de ensino, os docentes da posse de um conhecimento profissional pleno, na medida em que a acentuação da representação da vertente prática do conhecimento docente tem sublinhado as componentes tácitas de conhecimento que de facto a integram. Mas sobre esse conhecimento tácito importa saber exercer, pela meta-análise refe-rida, a desconstrução, desocultação e articulação necessárias à sua passagem a saber articulado e sistemático, passível de comunicação, transmissão, discussão na comunidade de pares e perante outros – sem o que o seu desenvolvimento resulta impossível ou diminuto, perdendo-se infin-dáveis energias e progressos relevantes do conhecimento produzido pelos docentes, por força desta limitação, muito forte na classe, e explicável entre outros factores, pelo praticismo que historicamente se associou à representação social do professor.

4. Relação teoria-prática? Ou o saber profissional como a teorização da prática?

Não nos parece, pois, muito produtiva a eterna discussão acerca do peso relativo da teoria e da prática no exercício da função de ensinar – e na respectiva formação. Na perspectiva em que nos colocamos neste texto, a função de ensinar é socioprática sem dúvida, mas o saber que requer é intrinsecamente teorizador, compósito e interpretativo. Por isso mesmo, o saber profissional tem de ser construído – e refiro-me à formação – assente no princípio da teorização, prévia e posterior, tutorizada e discutida, da acção profissional docente, sua e observada noutros.

Prefiro, assim, em vez de prática docente, falar da acção de ensinar, enquanto acção inteligente, fundada num domínio seguro de um saber. Esse saber emerge dos vários saberes formais e do saber experiencial, que uns e outro se aprofundam e questionam. Torna-se saber profissional docente quando e se o professor o recria mediante um processo mobilizador e transformativo − em cada acto pedagógico, contextual, prático e singular. Nessa singularidade de cada situação o profissional tem de saber mobilizar todo o tipo de saber prévio que possui, transformando-o em fundamento do agir informado, que é o acto de ensinar enquanto construção de um processo de aprendizagem de outros e por outros – e, nesse sentido, arte e técnica, mas fundada em ciência.

Dominar esse saber, que integra e mobiliza, operando a convergência que permite ajustá-lo a cada situação, é sim alguma coisa de específico, que se afasta do mero domínio dos conteú-dos como da simples acção relacional e interpessoal. (Roldão, 2006b) O professor profissional – como o médico ou o engenheiro nos seus campos específicos – é aquele que ensina não apenas porque sabe, mas porque sabe ensinar. E saber ensinar é ser especialista dessa complexa capacidade de mediar e transformar o saber conteudinal curricular (isto é, que se pretende ver

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adquirido, nas suas múltiplas variantes) – seja qual for a sua natureza ou nível8 − pela incorporação dos processos de aceder a, e usar o conhecimento, pelo ajuste ao conhecimento do sujeito e do seu contexto, para adequar-lhe os procedimentos, de modo que a alquimia da apropriação ocorra no aprendente – processo mediado por um sólido saber científico em todos os campos envolvidos e um domínio técnico-didáctico rigoroso do professor, informado por uma contínua postura meta-analítica, de questionamento intelectual da sua acção, de interpretação permanente e realimentação contínua. Aprende-se e exerce-se na prática, mas numa prática informada, ali-mentada por velho e novo conhecimento formal, investigada e discutida com os pares e com os supervisores − ou, desejavelmente, tudo isto numa prática colectiva de mútua supervisão e construção de saber inter pares. (Roldão, 2005c).

Saber produzir essa mediação não é um dom, embora alguns o tenham; não é uma téc-nica, embora requeira uma excelente operacionalização técnico-estratégica; não é uma vocação, embora alguns a possam sentir. É ser um profissional de ensino, legitimado por um conhecimento específico exigente e complexo, de que procurámos clarificar algumas dimensões.

Defendo, com Ivor Goodson (1999), a afirmação do investigador educacional como um “intelectual público” e julgo legítimo estender essa condição ao profissional de ensino, capaz de investigar e teorizar a sua acção docente. Nem por isso menos “prático”, porque é de acção e interacção que se trata no ensino − mas acção assente num poderoso conhecimento em cons-tante actualização. A ênfase praticista, que tem dominado a cultura profissional dos professores, não contribui para o crescimento desta profissão, tanto mais necessária quanto o mundo actual, dito sociedade da informação, está longe de ser um mundo do conhecimento, e muito menos de conhecimento para todos. Que a informação se torne conhecimento e que o conhecimento seja algo democraticamente acessível, num mundo em que conhecer é poder, depende em larga medida deste novo salto na profissionalização dos professores: a afirmação e o reforço de um saber profissional mais analítico, consistente e em permanente actualização, claro na sua especifi-cidade, e sólido nos seus fundamentos.

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8 Recordo a conhecida afirmação de Jerome Bruner, em 1960, de que é possível ensinar seja o que for em qualquer idade, desde que se utilizem processos intelectualmente honestos.

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Formação de professores e desenvolvimento de competências

Maria de Lurdes Cró, Lívia Christina Andreucci

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Maria de Lurdes Cró, Lívia Christina Andreucci

Formação de professores e desenvolvimento de competências

Maria de Lurdes Cró1, Lívia Christina Andreucci2

Resumo

Partindo da constatação do lugar que Portugal ocupa no conjunto dos países da OCDE (Relatório PISA), no que concerne à literacia em matemática, e à literacias em leitura e cien-tífica; a presente comunicação pretende reflectir um dos factores (conscientes de que há uma multiplicidade de outros) que poderá ser explicativo de um tal fenómeno: insucesso dos alunos e abandono escolar:

– Como está a ser desenvolvida a formação de professores nas instituições de ensino superior;– Como poderia ser desenvolvida, tendo como perspectiva uma Educação que promova,

quer a auto-formação, quer a construção do conhecimento pedagógico, isto é que desen-volva determinadas competências no aluno, futuro professor, que lhe permitam desempe-nhar a sua profissionalidade docente com convicção, eficacidade e bem-estar.

Palavras-Chave: Formação de professores; construção do conhecimento pedagógico; auto--formação; programa de formação

1. Introdução

A imagem do educador como pessoa que corresponde a um papel, isto é encarregado de educar/ensinar, de formar, de orientar, continua ambivalente. Para uns, o papel do educador não mudou, porque a função permanece idêntica a ela mesma (educação, formação, orientação); para outros se a função geral permanece a mesma, na prática, o papel mudou, em função das exigências presentes e portanto, das tarefas a realizar.

É finalmente em relação a uma determinada perspectiva do papel do educador que se pode-rão distinguir três alternativas na caracterização do “bom educador” e por este mesmo facto determinar as condições da sua avaliação: as características da sua personalidade, as competência (de ordem diversa), os estilos de ensinar, tudo isto subjacente à definição de uma função conce-bida na perspectiva de objectivos a desenvolver e que é necessário especificar.

1 Professora Coordenadora c/ Agregação da ESE/IPC.2 Doutoranda da Universidade de Aveiro.

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Os traços característicos da personalidade, e que permitem distinguir, segundo os defensores da teoria, aqueles que serão os “bons educadores” daqueles que se pode esperar com uma certa probabilidade que sejam “maus” no plano das “performances “ de ensino/educação com tudo o que isso implica, constituiu durante anos um campo de estudo; procedeu-se à elaboração de questionários, ou de provas temáticas que se aplicavam aos educadores/professores para caracterizá-los, e fazer a sua confrontação com o modelo. Os “bons” eram-no em referência a certos critérios-opinião dos “inspectores” e directores da Escola.

A ténue relação, frequentemente duvidosa ainda, entre os traços de personalidade do educa-dor e a sua produtividade profissional veio suscitar o questionamento da própria concepção de educação ou de intervenção pedagógica que servia de base teórica a este género de estudos.

À caracterização do bom educador pelos traços de personalidade, substitui-se pois o treino das competências.

Estas levam-nos a pensar espontaneamente em atitudes, construídas sob medida, se assim nos podemos expressar, que permitiriam ao educador intervir de forma adequada em relação aos objectivos da educação, de forma tão eficaz e completa quanto possível. Tendo em conta a diversidade das disciplinas, dos níveis, das situações físicas e culturais... que tipo de competências devemos encarar para caracterizar os educadores e portanto, para fazer a sua avaliação?

Caracterizar o bom educador, avaliá-lo, supõe a percepção duma relação, na qual temos de situar o educador.

2. O processo ensino/aprendizagem

Uma análise do processo ensino/aprendizagem revelaria ao observador que o educador é ele mesmo elemento dum sistema: ele vive uma relação entre pessoas, tal como os alunos, os colegas, os superiores, os directores, com quem tem contactos ou trocas muito específicas; ele vive também uma relação com o contexto, isto é, com o meio: instituição escolar, sistema adop-tado, enquadramento social e cultural. Assim sendo, para além dos princípios, o bom profissional não pode ser definido no absoluto. É no meio duma relação pedagógica que se identificarão os critérios da eficacidade do educador e no concreto das situações que se encontrarão os sinais particulares ou comportamentos que pertencem as diversas categorias de variáveis significativas ou pertinentes a partir das quais se pode proceder a uma verdadeira avaliação.

Face a uma concepção estática da formação de educadores existe então uma outra, mais dinâ-mica, baseada na construção racional da aptidão, da capacidade, da competência. Efectivamente uma sociedade em mudança como a nossa, a dinâmica de formação dos educadores e professo-res tem que ser outra que lhes permita adaptarem-se às mudanças e mesmo reconverter-se para

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fazer face ao imprevisto (Tavares, J., 1996). Na medida em que o educador é percebido como uma pessoa encarregada de organizar, numa classe, uma situação de relação intervindo sobre os factores em presença, com origem das inter-relações e interacções no mundo que o rodeia (pessoas-contexto pedagógico …), o papel do educador releva de uma concepção de educação que vê nele uma Ecologia com tudo o que isto implica.

O conceito de competência na formação dos professores e dos educadores tem sido usado de modo ambíguo e genérico (Borich, 1979; Medley, 1985), e segundo este último a competência em sentido estrito pode ser reservado aos casos em que pode ser determinada a relação entre o comportamento docente, o desempenho do professor e os resultados dos alunos.

De qualquer forma passando em revista os investigadores quer nacionais que se ocuparam deste assunto: Alves, 1991; Carrilho Ribeiro 1989; Estrela, A. 1990; Rodrigues Lopes 1991; quer os estrangeiros: Borich 1979, 1986; Piper e Houston 1980; Medley 1985; o conceito esclarece-se sobretudo ao nível das implicações de competência do professor. Por outras palavras competência é um conjunto de conhecimentos, de saberes-fazer e atitudes que são indispensáveis para definir o professor competente (Estrela, A., 1991).

Por outro lado, apesar da controvérsia que a noção gera fica-nos a ideia de que uma prepa-ração dos professores e dos educadores quer em formação inicial quer em formação contínua e permanente ao longo da sua carreira é uma tarefa complexa.

Que modalidades de preparação ou de formação serão adequadas ao desempenho de tais funções. Que competências construir?

Um breve estudo centrado na concepção da formação em competências permitir-nos-á cir-cunscrever no seu conjunto, o problema relativo à concepção duma formação de professores e educadores fundada na construção de competências. Trata-se sobretudo da natureza das com-petências a construir :

É possível precisar ou especificar os domínios (funções, tarefas, actividades) nos quais poderia desenvolver-se uma competência de ensino/educação?

Em que medida a análise das tarefas da educação derivadas da função do educador determina a identificação das competências?

Por exemplo numa certa experiência de formação, as competências situam-se nos seguintes domínios: definição dos objectivos de aprendizagem, selecção e uso de materiais pedagógicos, adequação meios-objectivos, afinamento do comportamento dos alunos, da atitude do educador ou dos meios utilizados em função dos resultados registados.

Podemos definir os critérios de uma competência de ensino constituída?

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Formação de professores e desenvolvimento de competências

É preciso situar os critérios propostos em relação a uma taxonomia em função da qual esses critérios são concebidos (isto é por exemplo os critérios do saber, da relação afectiva e do saber fazer que evocam bastante a taxonomia de Bloom).

Em última análise, parece interessante estabelecer um nível de coerência entre o tipo de infor-mações recebidas pelos educadores em formação e os princípios de base da formação baseada na construção de competências.

3. A educação permanente do educador enquanto educador

A óptica construtivista das aptidões para o ensino/educação tende a promover novas políticas do ensino visando uma adaptação quase permanente dos sistemas de ensino com a evolução filosófica, económica e tecnológica das sociedades. Até aqui, distinguia-se normalmente dois perí-odos na formação dos educadores: a Formação Inicial completa, que preparava intensamente para as actividades de ensino e as reciclagens para períodos de crise, carência inicial grave, mudança rápida e profunda dos conhecimentos e atitudes, que faziam apelo a ajustes e soluções de urgên-cia. Hoje esta distinção clássica já não existe.

A ideia de continuidade na formação, ao longo da carreira do educador está cada vez mais difundida. Deve preconizar-se uma continuidade orgânica na formação, desde o começo dos estudos até ao fim da carreira: a “Formação Contínua” seria assim integrada na actividade do Educador e permitiria formas variadas e diferentes segundo o contexto (Tavares, J. 1996: 23).

Para assegurar esta continuidade de formação, seria preciso encarar uma reorientação e um desenvolvimento consideráveis de suporte profissional para oferecer aos professores/educadores.

A continuidade da formação fará provavelmente eclodir ou alargar os locais de formação. A ideia de uma formação superior ao nível de licenciatura para todos os professores e educadores, ganha cada vez mais terreno.... Mas a vontade de realçar o prestígio científico e social do educa-dor não se opõe à diversificação dos locais de formação. Se se quer que o educador beneficie de conteúdos e de métodos de formação suficientemente variados, será necessário pô-lo em contacto com centros de investigação, com escolas-laboratórios autónomas que ao lado das instituições de ensino superior (Politécnicos e Universidades) reconhecidas como lugares de aquisição de uma cultura e de um método científico, deveriam permitir ao professor/educador uma verdadeira autonomia nas suas futuras tarefas.

Modificação do papel da Escola, modificação das relações e dos métodos pedagógicos, tal será a regra. Cada vez mais se afirma o modelo sistémico em que a relação objectivos-meios-resultados serve de quadro metódico de intervenção. O desenvolvimento desta relação pretende que se tente optimizar cada componente em função do conjunto para obter uma produtividade

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máxima neste conjunto. Mas esta preocupação não teria efeitos benéficos senão num esforço de integração de todos os aspectos da educação.

Compreender-se-á pois claramente que as transformações do papel da escola e dos métodos pedagógicos têm de ser acompanhados de uma modificação do papel do Educador.

Por princípio a formação do educador deve ser a que fará dele aquilo que esperam os sistemas que, hoje, deriva da concepção de educação, da pedagogia, face a uma concepção do homem e da sociedade.

4. Objectivos de formação dos professores/educadores

Assegurar os valores que o homem hoje procura é um dos objectivos: jamais o desejo de liberdade e vontade de libertar os sujeitos foram afirmados como hoje, com tanto vigor como nos nossos dias. Até aqui o homem sentia-se subjugado pela natureza, pela sociedade e as suas pressões. Quanto mais o homem aspira a ser ele próprio num mundo que ele crê ser convidado a construir, tanto mais a mudança incessante do meio é aceite como condição indispensável para ele afirmar a sua pessoa, os seus poderes de exploração, de observação e de construção.

Deve facilitar-se ao educador esta tomada de consciência do seu valor profissional, de lhe fornecer meios e instrumentos de acção e uma formação sempre contínua.

Esta formação far-se-á em função de tarefas esperadas, diríamos. Será essencialmente ques-tão de considerar as competências de ordem diversa que se separam da análise das próprias actividades do educador.

A formação será a mais humana possível, a fim de oferecer à sociedade uma geração de educadores que responda adequadamente às expectativas do homem de hoje. Assim, devem ser tidos em conta os seguintes aspectos: a) Formação intelectual pondo a tónica nas compe-tências de ordem cognitiva; b) Formação social, pondo a tónica na aquisição das competências de ordem afectiva, de colaboração, de cooperação e de trabalho em equipa; c) Formação para a auto-formação, pondo a tónica nas qualidades de organização, de estruturação, de invenção e de criatividade. Importância da exercitação das competências.

Sem dúvida que a formação dos educadores é uma resposta à questão: como educar? Mas, para além desta questão, há uma outra: “para quê educar?”. E o papel do educador define-se então: é aquele que, com todo o seu empenho, toda a sua vontade, toda a sua arte e todas as suas competências, trabalha na realização de um projecto educativo com a ajuda daqueles que também estão implicados e aproveita os recursos materiais ou tecnológicos e humanos suscep-tíveis de tornar o processo pedagógico mais eficaz e optimizador. “Trabalhar a partir das poten-

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Formação de professores e desenvolvimento de competências

cialidades dos aprendentes numa dinâmica de pesquisa, de estudo de reflexão... [é] o caminho a seguir para uma aprendizagem... de excelência.” (Tavares, J., 1996: 48).

O processo ensinar/aprender é complexo e implica que o educador conheça os seus meca-nismos, o funcionamento, os factores, a fim de que, por uma acção apropriada possa suscitar mudanças.

Rejeitando a imagem de um educador ou professor transmissor passivo de ordens vindas de cima, o contexto pedagógico actual entende reconhecer ao educador e ao professor o direito a uma reorganização dos programas, o direito a um arranjo dos objectivos, tendo em conta as situações reais vividas num determinado contexto.

Podemos pois supor que as instâncias oficiais de educação deverão dar as linhas essenciais do programa. Cabe no entanto ao educador repensar este “programa” em função do concreto onde vai desenvolver-se a sua intervenção.

5. Mudança pedagógica

O progresso em educação implica mudança pedagógica, mais precisamente um contínuo pôr em causa, uma forma de interrogar os conteúdos da educação, mas ainda e sobretudo das con-cepções, das estruturas, dos métodos. A disponibilidade para a mudança é uma das qualidades exigidas ao educador.

Cada vez mais vamos tomando consciência, hoje, que toda a reforma pedagógica deveria começar ao nível dos educadores/professores. Numa crítica cerrada à educação americana, R. J. Fisher, enumera uma quantidade de respostas para resolver o problema da crise em educação: programas novos, dispensas acrescidas, novos métodos de ensino, financiamento.... A despeito de tudo a educação americana permaneceu tão confusa, rígida e frustrante, porque os professores americanos não mudaram (Fisher, R. J., 1972). Montessori tinha já tido um discurso semelhante: “Pour résoudre le problème de l’éducation, le premier pas ne doit être fait vers l’enfant, mais vers l’adulte educateur” (1938).

Qualquer que seja a diversidade das tomadas de posição sobre educação, o educador, a escola, é reconhecido, podemos dizê-lo, que o educador permanecerá o guia de uma educação, e de cada um dos seus alunos no que ele tem de estritamente individual e nas suas relações com o grupo e cada um dos membros deste grupo; esta educação é hoje concebida como condição, para todos e cada um, auto-educação, auto-avaliação ou auto-gestão.

Assim o educador é convidado a fazer prova de novas competências requeridas, por objectivos novos; estes últimos, expressos em termos de comportamentos observáveis, redefinirão a sua

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função... a do “educador” sempre, mas em vista de que se tem novas exigências concretas. A função permanece, mas a tarefa a cumprir é diferente globalmente e em detalhe.

Depois dos trabalhos de controlo e de validade levados a cabo por MEDLEY e MITZEL e por ROSENSHINE (Medley, D. M., 1973), chegámos à conclusão que há ausência de correlação signi-ficativa entre as opiniões do público e ou dos “experts” e a eficacidade efectiva dos professores.

Como os estudos de eficacidade, fundados sobre os traços de personalidade, as investigações sobre eficacidade fundadas sobre os processos estão fortemente associados a uma concepção fixista do “bom professor”, e da sua eficacidade. Todos eles fazem crer que existe um conjunto determinado de traços de personalidade ou de processos, que certos professores e educadores possuem, os “bons” e que outros não possuiriam os “maus”. Nesta óptica simplista, os professo-res ou os educadores eficazes praticariam em todo o lado sempre os mesmos actos de ensino/educação, teriam as mesmas atitudes, e procederiam da mesma maneira no seu ensino. A efica-cidade pedagógica seria assim, uma noção absoluta.

6. Que programa de formação

A fim de assegurar a plena eficacidade do professor/educador, eficacidade concebida na óptica da relação pedagógica, a formação fundada na aquisição das competências propõem-se três objectivos principais: promover uma formação humana, uma formação pluridimensional, uma formação realista e prática.

Formação Humana: isto é, individualizada e personalizada. Um programa destinado a indivi-dualizar a formação do professor e do educador consiste principalmente em seguir cada aluno-professor, como se ele fosse o único a formar, a fim de lhe assegurar uma formação em confor-midade com o seu nível de aquisições, o seu temperamento e as suas aspirações profissionais.

Um programa personalizado consistirá além do mais na iniciação do aluno, futuro professor ou educador em deter o domínio da sua própria formação sob a orientação do formador. Um tal programa, deixa ao estudante uma grande margem de iniciativa na aquisição das competências relativas ás tarefas de ensino/educação, com intenção manifesta de promover no futuro professor ou educador o sentido da responsabilidade pessoal na sua profissão.

Formação Pluridimensional: reprova-se nalgumas investigações querer praticar ou favorecer uma formação de professores ou educadores frequentemente unidimensional, fundada nomea-damente no aspecto verbal da interacção professor-aluno. O programa de formação baseado nas competências propôs-se cultivar o conjunto das dimensões humanas susceptíveis de influenciar o processo ensino/aprendizagem. Os factores internos e externos, formais e não formais deter-

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Formação de professores e desenvolvimento de competências

minam as dimensões interculturais, afectivas e pragmáticas que serão tidas em consideração na formação e preparação do professor e do educador.

Formação Realista e Prática: O programa da formação baseado nas competências não se contentará apenas com o sucesso dos alunos, futuros professores, nos cursos teóricos e em determinadas matérias. Implica a aquisição efectiva, pelos futuros professores e educadores de competências que se devem poder demonstrar no decurso da sua preparação como ao longo da sua carreira, isto é, na prática educativa, pois é de práticos em educação que estamos a formar.

7. Conclusão

A investigação pedagógica nascida do movimento a favor de uma formação baseada na construção de competências, tende com efeito, a apreender o processo ensinar-aprender como um todo complexo onde podemos descobrir a importância das inter-relações e das interacções múltiplas e variadas entre professores ou e educadores e alunos, métodos, meio físico, meio psicológico, etc. ... Deste contexto de relações nasceu uma imagem renovada do ensino; este aparece como agente principal dos ajustes previstos, planificados e racionalizados na sequência das decisões que é capaz de justificar. Este novo papel do professor e do educador não pode ser ignorado pelos formadores de professores e de educadores, nem o seu comportamento abandonado ao acaso das improvisações. Uma nova pedagogia da preparação de professores e dos educadores impõe-se sobretudo e invade um grande número de instituições de formação nos Estados Unidos sobretudo e em certos países da Europa, isto é, uma formação de professores fundada sobre a aquisição de competências.

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Transversalidades curriculares no ensino básico e novo regime jurídico de habilitação para a docência

Ramiro Marques

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Ramiro Marques

Transversalidades curriculares no ensino básico e novo regime jurídico de habilitação para a docência

Ramiro Marques1

Resumo

Com esta comunicação pretende-se definir o conceito de transversalidade curricular e analisar o modo como as áreas curriculares não disciplinares se podem constituir em eixos centrais na procura da transversalidade. Será feito um cruzamento entre as áreas de transver-salidade e o novo regime jurídico da habilitação para a docência e será posto em evidência os obstáculos e dificuldades acrescidas que o novo regime bietápico de formação vem introduzir na formação de educadoras de infância e de professores para os primeiros quatro anos de escolaridade. Por último, será feita uma proposta que permita corrigir os obstáculos introdu-zidos pelo novo regime bietápico de formação de educadores de infância e professores para os primeiros quatro anos.

1. O conceito de transversalidade

No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa a transversalidade é definida como o “carácter do que atravessa ou está colocado perpendicular ou transversalmente” e “carácter do que é colateral, do que não é em linha recta”.

A transversalidade pode ser entendida como uma forma de organizar e gerir o currículo em torno de competências e saberes multidisciplinares, centrados em projectos que atravessam várias áreas curriculares, exigindo o contributo de equipas docentes. Em vez da tradicional dispersão curricular pelas disciplinas, assiste-se a uma organização do currículo em torno de clusters de saberes e competências. Uma tal organização pressupõe a criação de equipas docentes e uma organização curricular em torno de projectos transdisciplinares. Exige, também, novos modos de ensinar e novos modos de avaliar (1).

A organização curricular do 1º ciclo do Ensino Básico aproximava-se deste modelo, mas, recentemente, as novas directivas curriculares provenientes do ME vieram criar novos obstáculos à transversalidade. Com efeito, essas novas directivas curriculares exigiram aos professores que

1 Professor Coordenador c/ Agregação da ESE/IPS.

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Transversalidades curriculares no ensino básico e novo regime jurídico de habilitação para a docência

dediquem um determinado número de horas semanais ao ensino da Matemática e da Língua Portuguesa e remeteram a área das Expressões para fora da componente lectiva do currículo, afastando-as para a componente extra-lectiva. O que passou a acontecer é que, com esta direc-tiva, as professoras do 1º ciclo do Ensino Básico passaram a leccionar apenas as áreas da Mate-mática, da Língua Portuguesa e do Meio Físico e Social e deixou de haver uma articulação entre esses saberes e os saberes e competências acrescentados pelas Expressões. Desta forma, o ME reforçou os seus poderes curriculares sobre as escolas, diminuiu a autonomia pedagógica das escolas e desarticulou ainda mais o currículo, tornando mais difícil uma gestão curricular integrada promotora da transversalidade. Veremos mais adiante como o novo regime jurídico de habilitação para a docência reforça, também, essa desarticulação e é ele próprio veículo de uma posição epistemológica favorável à desarticulação e à disciplinarização curricular no que diz respeito aos primeiros quatro anos de escolaridade.

Nas últimas duas décadas, a formação das educadoras de infância e dos professores do 1º ciclo do Ensino Básico tem vindo a reforçar a defesa da transversalidade e isso é visível na exis-tência de muitas unidades curriculares nos planos de estudos que, em termos de conteúdos, são cruzamentos e integração de saberes. Contudo, o reforço da centralização pedagógica, curricular e administrativa do ME sobre as escolas, ocorrido sobretudo em 2006 e 2007, veio criar tremen-dos obstáculos à transversalidade curricular. O novo regime jurídico da formação de professores constitui mais um instrumento no processo de centralização e controlo administrativo do ME sobre o currículo, as escolas e a formação inicial de professores. Neste sentido, é mais uma peça no reforço da actual vaga regulamentadora que assolou o ME e tem vindo a sacudir a vida das escolas e dos professores.

2. Regime jurídico de habilitação para a docência

O novo regime jurídico da habilitação para a docência, ao espartilhar o plano de estudos por áreas de Docência, áreas das Didácticas, área da Formação Educacional e área da Prática Profis-sional, e ao criar duas etapas distintas de formação, um 1º ciclo em Educação Básica e um 2º ciclo de formação profissional, reforçou uma tendência que vai no sentido do currículo espartilhado por áreas disciplinares. Após três décadas de formação integrada de educadoras de infância e de professores do ensino básico, assiste-se à recuperação de um modelo que fora posto em causa no princípio da década de 70 do século, reintroduzindo o conceito e a lógica da dispersão curricular, da desarticulação formativa e da desintegração pedagógica.

A este respeito, importa referir que o citado regime jurídico introduz, na formação de pro-fessores, mestrados de 2ª, de 3º e de 4º categorias. Em caso algum se prevê um mestrado de

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1ª, isto é, com tese. Para o 1º perfil, formação de educadoras de infância, o grau de mestre tem apenas 60 ECTS. É um mestrado de 4ª. Para o 3º perfil, formação de educadoras de infância e professoras do 1º ciclo do Ensino Básico, o grau de mestre tem 90 ECTS. É um mestrado de 3ª. Para o 4º perfil, formação de professores do 1º ciclo do Ensino Básico e professores do 2º ciclo do Ensino Básico, a formação de 2º ciclo (mestrado) tem entre 90 e 120 ECTS, ou seja, estamos perante um mestrado de 2º.

A agravar tudo isto, o novo regime jurídico introduz a figura do professor para o 1º ciclo e do 2º ciclo do Ensino Básico (Perfil 4), perfil esse destinado a formar professores para lecciona-rem simultaneamente o 1º ciclo do Ensino Básico e as áreas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia de Portugal e Ciências da Natureza do 2º ciclo do Ensino Básico, numa clara violação do artigo 8º, alínea b da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 49/2005), a qual refere que “o 2º ciclo de ensino básico se organiza por áreas disciplinares em regime de profes-sor por área”. Ora, o Governo deveria ter proposto à Assembleia da República a alteração da LBSE e só, depois, ter aprovado o novo quadro jurídico da habilitação para a docência. Não se percebe, também, como é que o Presidente da República pode promulgar um decreto-lei com um articulado claramente violador da LBSE.

Com isto, não estou a colocar em causa a bondade da criação do perfil 4. A existência de um professor generalista no 2º ciclo do Ensino Básico, que assegure a leccionação da Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia de Portugal e Ciências da Natureza, é uma opção seguida em vários países da União Europeia e pode trazer duas importantes vantagens: a) reduz a segmentação curricular, e ao fazê-lo abre caminho para uma maior transdisciplinaridade, e b) permite uma transição mais suave do 4º para o 5º ano de escolaridade. Tenho dúvidas, no entanto, sobre se o número de créditos necessários para a conclusão do mestrado (entre 90 e 120 créditos) é suficiente. Parece-me que não é. A opção por 120 créditos permitiria uma maior exigência e rigor na formação. Permitir que se opte por 90 ou 120 créditos é abrir a porta a uma formação de 90 créditos que será manifestamente insuficiente. Aliás, o princípio dos 120 créditos para o mestrado deveria ser comum a todos os perfis. A reserva de apenas 25% de horas para a formação na área da docência e 20% na área das Didácticas parece escassa, atendendo ao facto de estes profissionais irem leccionar todas as áreas curriculares do 1º ciclo do Ensino Básico, mais a de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia de Portugal e Ciências da Natureza do 2º ciclo do Ensino Básico. Corremos o risco de ter professores de perfil 4, habilitados para lec-cionarem Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia de Portugal e Ciências da Natureza (para além de todas as áreas do 1º ciclo do Ensino Básico) sem terem frequentado a disciplina de Matemática ou a disciplina de Biologia no ensino secundário, para já não falar da disciplina de Química. Sabendo nós que a maioria dos alunos que se candidatavam aos cursos de professores

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Transversalidades curriculares no ensino básico e novo regime jurídico de habilitação para a docência

do 1º ciclo provinham da área das Humanidades e que a esmagadora maioria, senão a totalidade dos cursos, não exigia as disciplinas de Matemática e Biologia como provas de ingresso, é de supor que o mesmo vá acontecer com o curso de Licenciatura em Educação Básica. É de prever, então, que a esmagadora maioria dos futuros professores do perfil 4 não tenham frequentado as disciplinas de Matemática e de Biologia no Ensino Secundário e fiquem habilitados para leccionar essas áreas no 2º ciclo do Ensino Básico, com as consequências nefastas previsíveis.

Está fora da economia deste ensaio analisar as implicações colocadas pelos 17 perfis. Con-tudo, não poderei deixar de fazer uma breve referência ao perfil 11 (Professores de História e Geografia do 3º ciclo e do Ensino Secundário). Como é possível habilitar, simultaneamente, para o ensino da História e da Geografia com apenas 160 créditos no conjunto das duas áreas discipli-nares, sendo que de Geografia se exige apenas 60 créditos? Por outro lado, será que o legislador pensou no que vai acontecer aos milhares de professores de História e de Geografia que estão no sistema e que, ou tiveram formação em História ou tiveram em Geografia, e nenhum deles teve formação, em simultâneo, nas duas áreas? De novo, um enorme retrocesso. Com efeito, há mais de um século que a História e a Geografia se tornaram duas áreas científicas distintas, percorrendo, cada uma, caminhos diferentes.

Em relação à formação de 1º Ciclo, a chamada Licenciatura em Educação Básica (180 ECTS), o panorama é, ainda mais, desolador. Por um lado, trata-se de uma formação sem competências profissionais. Ou seja, a Licenciatura em Educação Básica, se não for seguida por um mestrado em formação de professores, não dá qualquer competência acrescida para entrar no mercado de trabalho. Por outro, a distribuição dos 180 créditos pelas quatro componentes de formação mostra que não se trata de uma Licenciatura em Educação. Na verdade, é uma licenciatura em coisa nenhuma. Senão vejamos: a) a formação educacional geral está reduzida a 15 a 20 créditos. Se compararmos o número de horas curriculares das Licenciaturas em Educação de Infância e em Professores do 1º Ciclo (pré-Bolonha) com os créditos atribuídos à Licenciatura em Educa-ção Básica, verificamos que houve um decréscimo, na maior parte dos casos, em dois terços da formação educacional. As horas dedicadas à formação em Psicologia, em Gestão Curricular, em História da Educação, em Filosofia da Educação, em Sociologia da Educação e em Ética e Deon-tologia ficaram reduzidas a quase nada. Por seu turno, a formação nas áreas de docência fica com os créditos quase todos (entre 120 a 135 créditos), acrescidos, ainda, de 15 a 20 créditos para as Didácticas. A Iniciação à Prática Profissional fica com 15 a 20 créditos, ou seja, quase nada, por comparação com as cargas horárias dos estágios dos cursos pré-Bolonha. Por fim, para piorar ainda mais as coisas, o regime jurídico “enfia” as Metodologias da Investigação e a Ética e Deon-tologia nos créditos atribuídos à Formação Educacional Geral ou à Iniciação à Prática Profissional. A consequência disso é que, em muitos casos, deixou de haver espaço no currículo para ambas.

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Ramiro Marques

Constitui um enorme retrocesso formar professores sem que, ao longo do Curso, eles tenham tido a oportunidade de frequentarem uma unidade curricular ou um módulo em Metodologias de Investigação e uma unidade curricular ou um módulo em Ética e Deontologia Profissional.

3. Áreas transversais ou guetos?

Há décadas que se fala em transversalidade curricular e pouca coisa se tem feito para a tornar uma prática generalizada no ensino básico. Se exceptuarmos a introdução da área de formação pessoal e social, considerada pela LBSE como uma área transversal, bem como a criação das áreas curricu-lares não disciplinares de Educação Cívica, Trabalho de Projecto e Estudo Acompanhado, mais nada aconteceu. Contudo, estas áreas curriculares não disciplinares são mais “áreas gueto” do que áreas transversais, uma vez que todo o restante currículo se manteve inalterado na sua lógica disciplinar. Os professores foram induzidos a pensarem que a Educação Cívica se faz nos tempos especialmente dedicados à Educação Cívica, em vez de se prepararem para fazer Educação Cívica em todas as áreas curriculares. O mesmo se poderá dizer do Estudo Acompanhado e da Área de Projecto. Com efeito, tanto o Estudo Acompanhado como a Área de Projecto devem estar presentes em todas as áreas curriculares. Não se percebe a razão por que se criaram espaços curriculares específicos. A criação desses espaços contribuiu para reforçar a segmentação e a dispersão curriculares. Com a criação de espaços curriculares específicos transmitiu-se a mensagem aos professores de que existem alguns professores que ensinam Educação Cívica, fazem Estudo Acompanhado e desenvolvem a Área de Projecto, em vez de se exigir que essa seja uma tarefa de todos os professores e de todas as áreas curriculares. Verifica-se, então, que, embora bem intencionada, a criação destes guetos curriculares, chamados de não disciplinares, veio acentuar a dispersão curricular e criar novos obstáculos à transver-salidade no currículo. Em vez disso, os professores deveriam ser formados e incentivados a trabalharem e a leccionarem em equipas, centradas em projectos, com o concurso das várias áreas curriculares.

4. Conclusão

É possível e desejável reforçar a transversalidade no currículo. O reforço não se faz pela adição de novas parcelas ou de novos espaços onde se faça transversalidade. O reforço faz-se orga-nizando o currículo em torno de projectos transdisciplinares que sejam espaços de confluência e de cruzamento de vários saberes. Esse cruzamento exige uma nova maneira e ensinar e uma nova maneira de avaliar. Essa nova maneira de ensinar pressupõe a criação de equipas docentes que trabalhem em conjunto e que ajudem aos alunos a conceber e a realizar projectos. Essa

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nova maneira de avaliar passa pela exibição pública de trabalhos e relatórios e pela realização de portfolios, a par, claro, dos tradicionais testes escritos.

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Nota 1: Ver a este propósito o Modelo Paideia (Mortimer Adler), em http://www.eses.pt/usr/ramiro/index.htm

Promoção da resiliência no pré-escolar: estudos comparativos entre Portugal e Brasil

Lívia Andreucci, Anabela Pereira, Maria de Lurdes Cró, Amarílis Rocha

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Lívia Andreucci, Anabela Pereira, Maria de Lurdes Cró, Amarílis Rocha

Promoção da resiliência no pré-escolar: estudos comparativos entre Portugal e Brasil

Lívia Andreucci1, Anabela Pereira2, Maria de Lurdes Cró3, Amarílis Rocha4

1. Introdução

O desenvolvimento integral do indivíduo implica não só o desenvolvimento do nível cognitivo, físico, afectivo e social, mas também saber lidar com as adversidades. As mudanças fazem parte do quotidiano e exigem constantes esforços de adaptação.

Segundo Garmezy (1993), a resiliência é a capacidade de recuperar o padrão de funciona-mento após experienciar situação adversa, sem se deixar ser atingido por ela.

Grotberg (1993abc) salienta que a resiliência permite às pessoas, grupos ou comunidades pre-venir, minimizar ou superar os efeitos danosos das adversidades. É uma capacidade universal.

Lindström (1998) estabeleceu um conceito de resiliência composto por quatro componentes que formam um banco de recursos que protegem o indivíduo: factores individuais, contexto ambiental, acontecimentos ao longo da vida e factores de protecção.

Cyrulnik (2001) apresenta a resiliência como a arte de navegar sobre as tormentas e o seu desenvolvimento se inicia muito antes da aquisição das palavras e da linguagem. Para Pereira (2001), a resiliência se desenvolve a partir das relações que a criança estabelece com o meio, e a maneira de lidar com as situações difíceis (coping) se vai desenvolvendo e adquirindo ao longo das diferentes etapas do ciclo de vida.

Tavares (2001) evidencia que a resiliência é a capacidade das pessoas, individualmente ou em grupos, resistirem às situações adversas, sem perderem o equilíbrio inicial. Pode ser fortalecida com o desenvolvimento do auto-conceito e da auto-estima, para que o indivíduo se torne mais forte, mais eficaz e colabore para uma sociedade menos violenta.

Yunes (2001) refere que no dicionário da língua inglesa se encontram dois raciocínios para o termo: o primeiro se refere à habilidade de voltar rapidamente ao seu usual estado de saúde ou de espírito depois de passar por doenças, dificuldades; a segunda definição é a habilidade de uma substância retornar à sua forma original quando a pressão é removida: flexibilidade. Esta

1 Doutoranda da Universidade de Aveiro.2 Universidade de Aveiro, Departamento de Ciências da Educação.3 Professora Coordenadora c/ Agregação da ESE/IPC.4 Universidade de Aveiro, Departamento de Ciências da Educação.

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Promoção da resiliência no pré-escolar : estudos comparativos entre Portugal e Brasil

última remete-nos ao conceito original de resiliência atribuída à física, que busca estudar até que ponto um material sofre impacto e não se deforma. O termo se pode aplicar tanto a materiais quanto a pessoas.

Actualmente, a promoção da resiliência vai na perspectiva de dotar o indivíduo de recursos e estratégias que lhe permitam lidar com os seus problemas e adversidades da vida.

A nível de educação, já se começam a evidenciar programas promotores da resiliência em diversas fases da vida, da infância à idade adulta. Destacaremos neste trabalho, a resiliência em crianças na fase pré-escolar.

Existem vários programas estrangeiros para que se possa activar e aumentar o grau de resili-ência nessa faixa de idade, de entre os quais se destacam o Devereux Early Childhood Assessment Program (DECA), da Carolina do Norte, desenvolvido por LeBuffe & Jack A. Naglieri (1999) e o Strong Start, da Universidade do Oregon (Merrell e colaboradores, 2008),

Em Portugal, as investigações realizadas por Andreucci e Pereira (2008) identificaram lacunas ao nível dos instrumentos de avaliação sobre resiliência pelo que foi traduzido e adaptado o Pro-grama Strong Start para o português de Portugal (Andreucci e Pereira 2008) e para o Português do Brasil, Andreucci (2008).

O programa STRONG START, dos 3 aos 5 anos de idade, faz parte de um projecto abran-gente, que também conta com o Programa STRONG KIDS (para crianças dos 5 aos 14 anos de idade) e STRONG TEENS (dos 14 aos 18 anos de idade). É breve e apresenta um conjunto de conteúdos práticos ao nível do curriculum de aprendizagem social-emocional, designado para crianças em idade pré-escolar. Tal programa tem como finalidade ensinar aptidões sociais e emo-cionais, promover a resiliência, reforçar o que já se possui e aumentar as estratégias de coping nas crianças. Os objectivos destes programas são uma intervenção precoce e também de carácter preventivo e com várias áreas de aplicação. Este programa pode ser utilizado efectivamente em várias situações e com diferentes crianças tais como crianças de risco ou com alunos considerados com distúrbios comportamentais e emocionais.

A presente investigação tem como objectivo fazer um estudo comparativo entre Brasil e Portugal, em crianças pré escolares, em relação à promoção de competências e aptidões para a resolução de problemas, ao nível da resiliência, onde foi utilizado o Programa Strong Start Pre K. São identificados os objectivos e a metodologia do programa.

São apresentados também os resultados de dois estudos exploratórios, sendo o primeiro realizado na zona Centro de Portugal, entre Abril e Maio deste ano e o segundo, em uma escola no interior do estado de São Paulo, no Brasil, entre Agosto e Setembro do mesmo ano,

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Lívia Andreucci, Anabela Pereira, Maria de Lurdes Cró, Amarílis Rocha

2. Metodologia

O presente trabalho é um estudo piloto comparativo em Portugal e no Brasil, do tipo quasi--experimental, longitudinal, com um grupo experimental (submetido ao Programa Strong Start Pre K para a avaliação da resiliência) e um grupo controlo (não submetido ao Programa), com medi-das pré e pós testes em ambos os grupos e em ambos os países. Esses grupos foram avaliados antes (pré-teste) e depois (pós-teste) da manipulação da variável independente.

2.1. Amostra

A amostra deste estudo comparativo consiste em 76 portuguesas e 151 brasileiras, de ambos os sexos, dos 3 aos 5 anos, que vivem no meio rural, e frequentam a pré-escola em Portugal e no Brasil.

Em Portugal, foram seleccionadas crianças que vivem em localidades da zona rural da Região Centro e o estudo exploratório ocorreu entre Maio e Junho de 2008.

As 76 crianças estavam distribuídas em localidades da zona rural da Região Centro e o estudo foi realizado entre Maio e Junho de 2008. Do total da amostra, o grupo etário mais representativo é o dos 5 anos de idade, com 46,1%, e o menos representativo o grupo dos 3 anos, com 21,1%. A maioria dos rapazes e raparigas apresentam idades correspondentes aos 5 anos de idade, com 42,5% e 50%, respectivamente.

A idade mínima é dos constituintes da amostra é de 3 anos e a máxima de 5 anos, corres-pondendo-lhe uma média de 4,25 anos (DP=0,785). Para o sexo masculino, a média de idades é 4,23 anos (DP=0,768) e para o sexo feminino a média de idades é de 4,28 anos (DP=0,815), sendo a média de idade das raparigas mais elevada que a dos rapazes.

Do grupo brasileiro, fizeram parte do estudo realizado entre Julho e Agosto do mesmo ano, 151 crianças. Do total da amostra, o grupo etário mais representativo é o dos 5 anos de idade, com 45,7 %, e o menos representativo o grupo dos 3 anos, com 19,2%. A maioria dos rapazes e raparigas apresentam idades correspondentes aos 5 anos de idade, com 58,6% e 34,6 %, res-pectivamente.

A idade mínima é dos constituintes da amostra é de 3 anos e a máxima de 5 anos, corres-pondendo-lhe uma média de 4,26 anos (DP=0,763). Para o sexo masculino, a média de idades é 4,44 anos (DP=0,735) e para o sexo feminino a média de idades é de 4,11 anos (DP=0,758), sendo a média de idade dos rapazes mais elevada que a das raparigas.

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Promoção da resiliência no pré-escolar : estudos comparativos entre Portugal e Brasil

Tabela 1. Distribuição da amostra portuguesa e da brasileira segundo a idade o e sexo

Portugal Brasil

Sexo Masculino Feminino Total Masculino Feminino Total

Idade N % N % N % N % N % N %

3 8 20 8 22 16 21,1 10 14,3 19 23,5 29 19,2

4 15 37,5 10 28 25 32,8 19 27,1 34 42 53 35,1

5 17 42,5 18 50 35 46,1 41 58,6 28 34,6 69 45,7

Total 40 100 36 100 76 100 70 100 81 100 151 100

2.2. Instrumentos

2.2.1. Programa Strong Start Pre KA finalidade do programa é ensinar aptidões sociais e emocionais, promover a resiliência,

reforçar o que já se possui e aumentar as estratégias de coping nas crianças. O objectivo desse programa é uma intervenção precoce, de carácter preventivo e pode ser utilizado efectivamente em várias situações, com crianças de risco ou com alunos considerados com distúrbios compor-tamentais e emocionais.

O programa têm uma estrutura curricular que inclui 10 sessões, de aproximadamente 25 a 40 minutos cada, e pode ser conduzido por uma educadora de infância ou profissional de saúde mental.

As dez sessões contidas no manual apresentam os seguintes temas e conteúdos: “O grupo dos exercícios dos sentimentos/emoções”; “Perceber os teus sentimentos/emoções 1”; “Perceber os teus sentimentos/emoções 2”, “Quando estás zangado ou com raiva; Quando estás feliz”; “Quando estás preocupado (nervoso) ”, “Perceber os sentimentos/emoções das outras pessoas; “Ser um bom amigo”, “Resolver os problemas das pessoas” e “Conclusão”.

Os manuais Strong Start são complexos e minuciosos, incluem todos os materiais necessá-rios para o ensino das referidas sessões, bem como programa de avaliação para crianças, pais e professores.

2.2.2. Teste WeBeSTPara medir a capacidade de resiliência na criança em idade pré-escolar, aplicámos o teste

WeBeST – Well-Being Screening Tool. Este teste foi igualmente desenvolvido na universidade de

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Lívia Andreucci, Anabela Pereira, Maria de Lurdes Cró, Amarílis Rocha

Oregon, nos Estados Unidos da América, pelo Departamento de Educação Especial e Ciências Clínicas e, posteriormente, traduzido, depois de solicitada autorização ao autor, adaptado por Andreucci (2008) para as crianças brasileiras e por Andreucci e Pereira (2008) para as crianças portuguesas.

O WeBeST mede sintomas de afectos negativos, problemas emocionais e sociais, resiliência em crianças de jardim-de-infância e 1º e 2º ano do 1º ciclo de Ensino Básico. Neste estudo foi aplicado somente às crianças em idade pré-escolar, individualmente e directamente pelas inves-tigadoras, antes e após a implementação do programa Strong Start Pre-K, às crianças do grupo experimental e de controlo.

É constituído por 22 questões fechadas com 3 opções cada (Não; Mais ou menos e Sim), pontuadas segundo o método de Likert. Recebem pontuação de 0 a 2, obtendo-se um score máximo de 44 e um score mínimo de 0. Sendo que este é um teste de aferição negativa, quanto maior o score obtido do somatório das respostas, menor a capacidade de resiliência da criança e vice-versa.

2.3. Procedimentos

Após solicitação e autorização junto aos órgãos responsáveis, procedemos ao envio de pedido de autorização aos pais e ou encarregados de educação para que os alunos pudessem participar neste estudo.

O programa foi implementado em ambos os países durante o segundo semestre de 2008. Em cada sessão foi enviado um boletim com a informação referente aos conteúdos que apren-deram e actividades que desempenharam naquele dia, para que o programa fosse reforçado e estimulado em casa, e assim, obter o apoio e colaboração dos pais.

A recolha de dados foi realizada através do instrumento anteriormente descrito através de pré-teste (antes do emprego do programa Strong Start Pré K) e pós teste (após a aplicação do Programa) a todas as crianças da amostra, em ambos os países, individualmente.

Para a análise estatística dos dados foi utilizado o programa estatístico SPSS, versão 16.0.

3. Resultados e discussão

Resultados comparativos Portugal e Brasil:Iremos salientar muito sinteticamente alguns resultados que constituíram o primeiro estudo

português e brasileiro com o programa STRONG START PRE K. O presente trabalho insere-se num projecto de investigação mais abrangente sendo que este estudo preliminar contou com a cola-

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Promoção da resiliência no pré-escolar : estudos comparativos entre Portugal e Brasil

boração de uma equipa de excelentes investigadoras e profissionais de Enfermagem portuguesas (Amarílis Rocha, Cristina Ferreira, Liliana Loureiro, Patrícia Oliveira e Tânia Pereira), da Região Centro, e uma equipa brasileira, pedagógica e multidisciplinar de educadoras de infância, psicó-logas, directoras de escola, coordenadoras pedagógicas e médicas de duas instituições brasileiras, localizadas na cidade de Botucatu, estado de São Paulo, com uma população sócio culturalmente desfavorecida, cujos resultados finais serão divulgados de uma forma mais detalhada.

Este programa psico-educativo teve como objectivos promover a resiliência em crianças por-tuguesas e brasileiras através do ensino e treino de aptidões sociais e emocionais bem como ensinar a lidar com as situações adversas aumentado a eficácia dos mecanismos de coping (estra-tégias para lidar adequadamente com as situações difíceis).

3.1. Grupo experimental e grupo controlo português e brasileiro

No grupo experimental português, o mais representativo é o dos 5 anos, com 44,7%. No grupo experimental brasileiro os mais representativos são os de 4 e 5 anos, com 39% cada um. Em ambos os grupos, os menos representativos são os de 3 anos, com 15,8% (grupo experimen-tal português) e 22,1% (grupo experimental brasileiro),

No grupo controlo os mais representativos são os dos 5 anos, tanto em Portugal (47,4%), quanto no Brasil (52,7%).

No grupo experimental português a média é de 4,29 anos (DP=0,732). No grupo controlo, a média é de 4,21 anos (DP=0,843).

No grupo experimental brasileiro a média é de 4,17 anos (DP=0,768). No grupo controlo, a média é de 4,36 anos (DP=0,751).

Tabela 2. Distribuição do grupo experimental e do grupo controlo segundo a idade

Portugal Brasil

Grupo Experimental Controlo Total Experimental Controlo Total

Idade N % N % N % N % N % N %

3 6 15,8 10 26,3 16 21,1 17 22,1 12 16,2 29 19,2

4 15 39,5 10 26,3 25 32,8 30 39 23 31,1 53 35,1

5 17 44,7 18 47,4 35 46,1 30 39 39 52,7 69 45,7

Total 38 100 38 100 76 100 77 100 74 100 151 100

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Lívia Andreucci, Anabela Pereira, Maria de Lurdes Cró, Amarílis Rocha

No grupo experimental português há 17 raparigas (44,7%) e 21 rapazes (55,3%). No grupo controlo, a distribuição da amostra é de 50% para cada um dos sexos, com 19 elementos cada sexo.

No grupo experimental brasileiro há 42 raparigas (54,55%) e 35 rapazes (45,45%). No grupo controlo a distribuição da amostra é de 39 raparigas (52,7%) e 35 rapazes (47,3%).

Tabela 3. Distribuição do grupo segundo o sexo

Portugal Brasil

GrupoExperimen-

talControlo Total Grupo Experimental Controlo Total

Sexo N % N % N % Sexo N % N % N %

Mascu-lino

17 44,7 19 50 36 47,4Mascu-

lino35 45,45 35 47,3 70 46,4

Femi-nino

21 55,3 19 50 40 52,6Femi-nino

42 54,55 39 52,7 81 53,6

Total 38 100 38 100 76 100 Total 77 100 74 100 151 100

4. A resiliência nos grupos experimental e controlo português e brasileiro

No grupo experimental português (submetido ao programa de resiliência), relativamente ao pré-teste, o score mínimo observado foi de 7 e o máximo de 27, sendo a média de 14,42 (DP=4,768). No pós-teste, o score mínimo observado foi de 4 e o máximo de 33, com uma média de 12,16 (DP=5,217).

No pré-teste do grupo de controlo português, o score mínimo observado foi 2 e o score máximo 24, sendo a média 13,84 (DP=5,558). Relativamente ao pós-teste, o grupo de controlo apresenta um score mínimo de 5 e score máximo de 24, com uma média de 11,82 (DP=4,741).

No grupo experimental brasileiro, (submetido ao programa de resiliência), relativamente ao pré-teste, o score mínimo observado foi de 1 e o máximo de 24, sendo a média de 10,12 (DP=4,896). No pós-teste, o score mínimo observado foi de 0 e o máximo de 16, com uma média de 5,79 (DP=3,446).

No pré-teste do grupo de controlo, o score mínimo observado foi 1 e o score máximo 25, sendo a média 10,97 (DP=5,584). Relativamente ao pós-teste, o grupo de controlo apresenta um score mínimo de 4 e score máximo de 36, com uma média de 13,92 (DP=6,339).

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Promoção da resiliência no pré-escolar : estudos comparativos entre Portugal e Brasil

Como resultados totais das amostras, o score mínimo do pré teste português foi 2 e o máximo 27, sendo a média 14,13 (DP=5,152); quanto ao pós-teste, o score mínimo foi 4 e o máximo 33, com uma média de 11,99 (DP=4,954).

Quanto aos resultados totais obtidos pelo grupo brasileiro, score mínimo do pré teste foi 1 e o máximo 25, sendo a média 10,54 (DP=5,244); quanto ao pós-teste, o score mínimo foi 0 e o máximo 36, com uma média de 9,77 (DP=6,495).

Tabela 4. Estatísticas descritivas relativas ao grupo experimental e controlo brasileiro quanto à resiliência

Grupo País N Min Max–

DPX

Experimental Pré Teste

Portugal 38 7 27 14,42 4,768

Brasil 77 1 24 10,12 4,896

Controlo Pré Teste

Portugal 38 2 24 13,84 5,558

Brasil 74 1 25 10,97 5,584

Experimental Portugal 38 4 33 12,16 5,217

Pós Teste Brasil 77 0 16 5,79 3,446

Controlo Pós Teste

Portugal 38 5 24 11,82 4,741

Brasil 74 4 36 13,92 6,339

Total Portugal 76 2 27 14,13 5,152

Pré Teste Brasil 151 1 25 10,54 5,244

Total Portugal 76 4 33 11,99 4,954

Pós Teste Brasil 151 0 36 9,77 6,495

Para avaliar a resiliência entre o pré-teste e o pós-teste em função do grupo, utilizamos o teste de Wilcoxon.

Tanto no grupo controlo português, quanto no brasileiro, verificámos não haver diferenças significativas entre as pontuações dos grupos controlo. Nos grupos experimentais, as pontuações do pós-teste são superiores à do pré-teste em ambos os grupos. Sendo que o valor da pro-babilidade é estatisticamente significativa, indica que o programa de intervenção realizado teve efeito positivo tanto nas crianças portuguesas (p=0,043) e também nas brasileiras (p=0,00) em idade pré-escolar.

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Lívia Andreucci, Anabela Pereira, Maria de Lurdes Cró, Amarílis Rocha

Estes resultados indicam que quando comparados o grupo experimental e o grupo controlo de Portugal e do Brasil, a evolução da resiliência foi bem sucedida ao nível do grupo que se submeteu ao Programa Strong Start Pre K nos dois países, sendo tais valores indicadores de que estas crianças melhoraram a sua capacidade de resiliência. Especificamente ao nível do controlo das suas emoções e no lidar com os problemas e as emoções próprias e dos outros, e também a nível da empatia.

Tais resultados são muito semelhantes aos estudos exploratórios realizados pela equipa de investigadores que compõe o projecto do Strong Start Pre K de Kenneth Merrell (2008) da ORP, sediada na Universidade do Oregon, nos Estados Unidos.

Para além dos estudos que estão em progresso na América, não temos estudos comparativos que nos permitam servir de referência e fazer uma discussão mais detalhada.

Estudos de Grotberg (1993ab), bem como Linsdtröm (1998) e Garmezi (1993), Yunes (2001), têm vindo a salientar a importância da intervenção ao nível dos factores de protecção, tais como a aposta na promoção da auto-estima, do auto-conceito, do desenvolvimento de competências pessoais e sociais e no lidar adequadamente com as emoções próprias e dos outros e não só a nível dos factores de risco. Os factores de protecção citados foram marcos importantes na construção, elaboração e na implementação do programa por nós delineado e aplicado.

A realização desta investigação comparativa que envolveu vários técnicos de diferentes for-mações desde professores, psicólogos, educadores de infância, técnicos de assistência social, enfermeiros e médicos foi bastante exigente e desgastante em termos pessoais e profissionais. Contudo, foi altamente gratificante observarmos os resultados positivos e o progresso verificado nas crianças e no modo como elas desenvolveram as suas competências.

5. Implicações

Através deste estudo, pretendemos dar a conhecer os resultados da implementação do Pro-grama Strong Start Pre K, tanto em Portugal, como no Brasil de um programa de intervenção para a promoção da resiliência e estratégias de coping através da aposta na melhoria da auto-estima, do auto-conceito, da empatia em crianças em idade pré-escolar, futuros jovens e adultos que farão parte da comunidade, tornando-os mais resilientes (para enfrentar as duras situações da vida quotidiana), mais equilibrados, mais justos, mais felizes, mais compreensivos e tolerantes, mais responsáveis, mais solidários, com melhor qualidade de vida, que terão certamente implicações ao nível do bem-estar da criança, bem como ao nível do sucesso escolar.

Este trabalho, de natureza exploratória, com as limitações inerentes a este tipo de estudo, envolveu um programa de intervenção aqui descrito de maneira breve e sintética, como já foi

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Promoção da resiliência no pré-escolar : estudos comparativos entre Portugal e Brasil

dito anteriormente, foi para nós muito gratificante e acreditamos, de grande utilidade ao nível da promoção da resiliência em crianças em idade pré-escolar.

Os resultados globais desta intervenção directa com as crianças permitiram-nos salientar a importância dos princípios, objectivos e adequabilidade das metodologias utilizadas, bem como sugerir a continuação da aplicação desse programa de intervenção em contextos escolares, em crianças em idade pré-escolar e escolar, visando a promoção da saúde e do bem-estar de crianças e jovens.

Este estudo pioneiro e único a nível comparativo entre as realidades portuguesa e brasileira, será um incentivo e uma necessidade para que mais estudos sejam realizados de uma forma comparativa não só a nível de Portugal e Brasil, bem como ao nível de outros países que falam a língua portuguesa.

Por fim, julgamos de toda a pertinência que a formação básica e contínua dos profissio-nais que trabalham na área da educação e saúde contemple no seu curriculum a promoção da resiliência e o estudo das emoções e sentimentos para uma melhor compreensão do mundo e das pessoas à nossa volta, e o saber lidar com as adversidades e mudanças que fazem parte do nosso quotidiano.

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Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores.

Um estudo de caso na Universidade de AveiroCarlota Fernandes Tomaz, Idália Sá-Chaves, Isabel P. Martins

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Carlota Fernandes Tomaz, Idália Sá-Chaves, Isabel P. Martins

Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores. Um estudo de caso na Universidade de Aveiro

Carlota Fernandes Tomaz1, Idália Sá-Chaves1, Isabel P. Martins1

Resumo

Esta comunicação emerge de um projecto de investigação mais abrangente e que tem como título “Supervisão Curricular e Cidadania: Novos desafios à Formação de Professo-res”. Este estudo teve como principal objectivo aprofundar o conhecimento sobre a formação inicial de professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, nomeadamente (i) quanto à construção do conhecimento profissional dos alunos futuros professores e (ii) quanto ao desenvolvimento das suas competências de reflexão crítica e de intervenção curricular de modo a que os mesmos possam imprimir à sua acção uma intencionalidade estratégica e socialmente transformadora. Dá-se particular relevo à compreensão das concepções subjacentes a essa mesma intervenção curricular na área da educação para a cidadania.

A recolha de dados decorreu no âmbito das actividades de formação e supervisão relativas à disciplina de Prática Pedagógica do 4º ano da Licenciatura em Ensino Básico – 1º Ciclo, da Uni-versidade de Aveiro durante o ano lectivo de 2002/2003 e teve como participantes seis alunos, futuros professores, organizados em dois núcleos de estágio, as respectivas supervisoras coope-rantes e a supervisora institucional que foi, de forma concomitante, a investigadora principal.

Esta investigação desenvolveu-se de acordo com uma abordagem de natureza qualitativa e interpretativa. De forma a ser possível construir uma visão integrada e complexa, que o objecto de estudo pressupõe, foi utilizado um conjunto diverso e complementar de procedimentos investigativos, nomeadamente, a utilização de questionários e de entrevistas semiestruturadas. Como fontes de informação complementar, recorreu-se aos portfolios reflexivos individuais construídos pelos alunos, futuros professores, aos registos em vídeo de algumas intervenções dos formandos e ao portfolio de formação/investigação do investigador.

Nesta comunicação apresentam-se alguns dos resultados preliminares relativamente às concepções de currículo e de educação para a cidadania dos alunos futuros professores.

1 Universidade de Aveiro / Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF).

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Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores

1. Introdução e enquadramento

As grandes mudanças e transformações que se fazem sentir na sociedade actual contribuí-ram para a emergência do debate em torno dos conceitos de cidadania e de educação para a cidadania, num processo que se tem vindo a acentuar sobretudo a partir da década de 90 do século passado.

Tendo a escola uma função educativa e social, e sendo também um contexto privilegiado para a formação de cidadãos, torna-se necessário que a mesma seja capaz de proporcionar e de garantir aos seus alunos quer os instrumentos fundamentais de aprendizagem, quer os conheci-mentos, os valores, as atitudes e as competências necessárias para que estes possam compre-ender a complexidade do mundo em que vivem e exercer plenamente a sua cidadania (Tomaz, 2007). Com efeito, uma educação para a cidadania que permita formar cidadãos capazes de dar resposta a esta complexidade terá de ser uma educação baseada no conhecimento, que se requer interdisciplinar e integrado, nos valores, fortemente imbuídos de uma visão focada no bem comum (Kennedy, 1997) e no desenvolvimento de novas competências cognitivas, ético-afectivas, sociais e de acção (Audigier, 2000).

Por outro lado, e conforme faz notar Santos (2005), a década de 90 do século XX foi tam-bém a década que fez do direito à educação uma importante meta internacional, direito este, que só será atingido plenamente quando uma educação de qualidade se tornar extensiva a todos, e ao longo de toda a vida de cada um, como documentam as próprias conclusões da conferência mundial sobre educação para todos (UNICEF, UNESCO, PNUD, Banco Mundial, 1991).

É tendo por base este contexto de mudança e, por outro lado, a necessidade de garantir a uma população escolar cada vez mais diversa uma educação de qualidade, que consideramos que a educação para a cidadania se constitui como um inquestionável desafio para as práticas curriculares dos professores. Torna-se, assim, fundamental que estes sejam reconhecidos, e se reconheçam a si próprios, como profissionais de acção e como um co-construtores e gestores das propostas curriculares nacionais, reconfigurando-as através de um processo de intervenção, de reflexão e de adequação às especificidades de cada realidade pedagógica, através de processos e estratégias socialmente transformadoras, de modo a tornar essas mesmas propostas significa-tivas para aqueles que as vão viver (Alonso, 1994; Roldão, 1999; Sá-Chaves, 2000; Leite, 2001). Este facto remete-nos para novas perspectivas relativamente ao conceito de currículo, deixando este de ser percebido como simples plano de estudos ou programa, como tradicionalmente tem sido, para passar a ser considerado como um projecto marcado pelo seu carácter processual, dinâmico, flexível e participado (Pacheco, 1996).

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Carlota Fernandes Tomaz, Idália Sá-Chaves, Isabel P. Martins

Tendo como referência este quadro de mudança social e conceptual, também em Portugal, no âmbito dos processos de reforma educativa e de reorganização curricular, foram tomadas um conjunto de medidas das quais apenas destacamos o Decreto-Lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro, que aprova a reorganização curricular do ensino básico. Neste normativo, reafirma-se a nova conceptualização do conceito de currículo, atribuindo-se uma importância acrescida à Educação para a Cidadania, procurando-se, assim, criar condições para que a escola seja capaz de dar res-posta às necessidades sociais emergentes em cada contexto. Neste documento, a necessidade da escola básica assegurar a formação integral dos alunos é reforçada, devendo para isso perceber-se colectivamente como comunidade aprendente e reflexiva (Alarcão, 2001) e assumir-se como um espaço privilegiado cujo objectivo fulcral é o de educar em, na e para a cidadania (Santos, 2005) ou o educar para aprender a ser (Unesco, 1996).

Considerando que a qualidade das respostas educativas proporcionadas pela escola depen-dem, em grande medida, da qualidade pessoal e profissional dos profesores que a integram (Este-ves, 2004; Sá-Chaves, 2000), tornou-se, para nós, necessário dar uma especial atenção à qualidade da formação que é proporcionada a estes mesmos professores, tornando-se importante repensar a própria filosofia de formação subjacente aos programas de formação e às práticas de supervisão dessa mesma formação. Assim, também a este nível é fundamental um novo entendimento do conceito de formação valorizando-se um conjunto de dimensões formativas e de princípios dos quais se destacam (Tomaz, 2007):

a) A valorização da dimensão de pessoalidade dos alunos futuros professores (Nóvoa, 1992; Sá-Chaves, 1994 /2002) e da individualização da formação (Marcelo, 1999), reconhecendo-se a importância da vertente afectiva que determina em grande medida o sucesso da actividade formativa.

b) A valorização de uma sólida formação científica, académica, pedagógica e didáctica a partir de uma abordagem de natureza integrada (Marcelo, 1999), dando-se particular relevo ao conhecimento pedagógico do conteúdo, proposto por Lee Shulman.

c) A valorização de uma abordagem formativa de matriz crítica, reflexiva e ecológica (Alarcão e Sá-Chaves, 2000; Sá-Chaves, 1994 / 2002), orientada para a mudança de concepções e de atitudes e para a transformação das práticas e dos contextos de intervenção, sustentada por atitudes de questionamento permanente e de reflexão continuada na, sobre e para a acção com vista à construção contextualizada do conhecimento profissional (Schön, 1987; Alarcão e Tavares, 1987 / 2003).

d) A valorização da ligação da formação inicial aos contextos reais de trabalho (Alonso e Silva, 2005; Alarcão, 2006) através da construção de parcerias estáveis com as escolas

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Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores

cooperantes na prática pedagógica, enquadradas por princípios de formação partilhados e através de um trabalho de co-responsabilidade e de colaboração.

e) A valorização da relação interpessoal e de práticas colaborativas (Sá-Chaves, 1999; Alonso, 2000; Alarcão, 2001; Alonso e Silva, 2005; Tedesco e Fanfani, 2004) com vista à passagem de uma cultura de cariz individualista e de isolamento ao nível do exercício da actividade docente e do desenvolvimento profissional para uma cultura de profissionalismo pensado como experiência colectiva, numa perspectiva de comunidade aprendente.

f) A valorização da dimensão intercultural da educação (Zeichner, 1993; Marcelo, 1999; Antu-nes, 2005) valorizando-se as diferentes culturas e o diálogo entre elas.

g) A valorização do paradigma de aprendizagem ao longo da vida (Marcelo, 1999; Sá-Chaves, 2000, 2002; Ponte et al, 2001; Alonso e Silva, 2005; Antunes, 2005) de modo a articular a formação inicial, entendida como uma primeira fase de um longo processo, com o desen-volvimento pessoal e profissional permanente.

Tendo por base este referencial de formação desenvolveu-se um estudo que tem como título “Supervisão Curricular e Cidadania: Novos desafios à Formação de Professores” e no qual se admite, como hipótese mais geral do estudo, que as estratégias de formação e de supervisão que estimulam capacidades de reflexão crítica e de intervenção curricular se revelam mais capa-zes de potenciar e de desenvolver competências de cidadania nos alunos futuros professores e, indirectamente, nas crianças com as quais estes interagem nas suas práticas lectivas.

Reconhecendo que os contextos e as concepções que informam os modelos de formação condicionam as práticas curriculares dos futuros professores (Bronfenbrenner, 1979 / 1994; For-mosinho e Niza, 2001; Sá Chaves, 2002) e admitindo também que a qualidade da formação dos futuros professores depende muito do papel e da acção do supervisor cooperante (Jacinto e Sanches, 2002), definimos os seguintes objectivos que orientaram o processo investigativo2:

Identificar as concepções de educação para a cidadania e de currículo dos alunos, futuros professores do 1º ciclo do Ensino Básico e dos supervisores cooperantes que supervisionaram as suas práticas pedagógicas.

Analisar as práticas de desenvolvimento e gestão curricular dos mesmos alunos no que diz respeito à área da educação para a cidadania.

Identificar e analisar as estratégias de formação e de supervisão dos supervisores cooperan-tes que informam as práticas desenvolvidas pelos alunos futuros professores, reflectindo-se de forma integrada sobre a influência do supervisor cooperante e das características ecológicas dos ambientes de trabalho: – no desenvolvimento das concepções de educação para a cidadania e

2 No âmbito desta comunicação apenas serão apresentados os resultados relativos ao primeiro objectivo específico, no que diz respeito às concepções de educação para a cidadania e de currículo dos alunos futuros professores.

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Carlota Fernandes Tomaz, Idália Sá-Chaves, Isabel P. Martins

de currículo dos alunos futuros professores; – e na qualidade da acção curricular e formativa por eles desenvolvida nesse mesmo âmbito.

2. Contextualização do estudo

Este estudo inscreve-se no contexto da formação inicial de professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, incidindo sobre as actividades de formação e de supervisão desenvolvidas no âmbito da disciplina de Prática Pedagógica do 4º ano do Curso de Licenciatura em Ensino Básico – 1º Ciclo, da Universidade de Aveiro.

De acordo com o plano de Estudos desta licenciatura, a disciplina de Prática Pedagógica tem a duração de um ano lectivo organizado em dois semestres. Esta organização semestral permite que os formandos, organizados em grupos de três ou quatro elementos, desenvolvam as suas experiências de prática, num semestre, com alunos do 1º ano de escolaridade e noutro semestre com alunos do 3º (ou 4º) ano, possibilitando deste modo o desenvolvimento de competências de intervenção que lhes permitam trabalhar quer com crianças em diferentes níveis do seu desenvolvimento, quer com conteúdos específicos de várias áreas curriculares e com diferentes níveis de complexidade. Por outro lado, e de acordo com os princípios da abordagem ecológica (Bronfenbrenner, 1979 / 1994), a colocação dos grupos nas escolas prevê o seu exercício pré-profissional em contextos distintos do distrito de Aveiro (urbano, semi-urbano e rural), sendo, por isso, colocados em escolas pertencentes a agrupamentos diferentes nos dois semestres.

Esta estratégia permite que cada aluno futuro professor tenha oportunidade de ser orientado por dois supervisores cooperantes com perfis pessoais e profissionais distintos e de desenvolver as suas experiências de prática pedagógica em dois contextos de trabalho também eles dife-renciados, aspectos organizacionais que se consideram poder ser enriquecedores para os seus quadros de referência. De igual modo este tipo de experienciação diversificada permite e estimula também processos cognitivos de comparação e de valoração de diferentes formas de intervenção por parte dos supervisores o que naturalmente cria a possibilidade de poderem “vir a construir o seu modo pessoal de conhecer, agir e de ser professor através de um processo de reflexão consciente, fundamentada e crítica” (Sá-Chaves, 1994 / 2002: 234).

3. Metodologia de investigação

O processo investigativo desenvolveu-se de acordo com uma abordagem de natureza qua-litativa, interpretativa e complexa, na qual se relevam os princípios de totalidade (os fenómenos em estudo percebidos como sistema global, aberto e dinâmico) e de recursividade (pressupondo

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Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores

uma relação dialéctica entre os subsistemas integradores), princípios esses, subjacentes à análise de tipo sistémico e de transformabilidade (admitindo a hipótese de melhoria da qualidade e desenvolvimento do próprio sistema e de das pessoas que o integram).

Por se centrar num caso particular de formação de professores para este nível de escolaridade (Universidade de Aveiro) o estudo configura-se como estudo de caso (Yin, 1994; Bogdan e & Biklen, 1994; Sá-Chaves, 1994 / 2002) na sua variante multicaso.

O estudo teve como participantes seis formandos organizados em dois grupos de três ele-mentos cada (Grupo A e Grupo B), duas supervisoras cooperantes (SC1 e SC2) e uma super-visora institucional que foi, de forma concomitante, a investigadora principal responsável pelo estudo, tal como se pode observar no fluxograma seguinte:

Fluxograma nº 1. Distribuição dos núcleos de prática pedagógica em cada semestre pelas escolas e supervisoras cooperantes

Supervisora Institucional

Supervisoras Cooperantes

Escola 1

Escola 2

SC 14.º ano

SC 21.º ano

Grupo AA1 A2 A3

Grupo AA1 A2 A3

Grupo BB1 B2 B3

Grupo BB1 B2 B3

1.º Semestre 2.º Semestre

{{

(Fonte: Tomaz, 2007)

A recolha dos dados foi feita durante todo o ano lectivo de 2002/2003 e teve como finali-dade compreender a natureza da evolução dos alunos futuros professores no que diz respeito às suas concepções e à gestão curricular das suas práticas no que se refere à educação para a cidadania.

O objecto de estudo desta investigação e os seus objectivos conduziram à opção por um modelo conceptual que organiza e integra estratégias formativas e investigativas, cruzando-as sem no entanto as confundir. Trata-se, com efeito, segundo Delprat (1986), referida por Sá-Chaves

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(2002), de uma unidade de modelização dupla na qual se procura compreender a relação entre as estratégias de formação e de supervisão dos supervisores cooperantes e o desenvolvimento das concepções e práticas curriculares dos futuros professores, neste caso, no âmbito da educa-ção para a cidadania.

De forma a ser possível construir uma visão integrada da complexidade das dinâmicas de for-mação em estudo foi utilizado um conjunto múltiplo, diverso e complementar de procedimentos e instrumentos investigativos específicos dos quais se destacam a utilização de questionários e de entrevistas semi-estruturadas.

A inquirição por questionário foi usada com os alunos, futuros professores, e com os respec-tivos supervisores cooperantes, tendo tido como finalidade a caracterização dos participantes e a identificação das suas concepções acerca dos conceitos em análise no estudo. No caso dos alunos futuros professores, o questionário foi administrado duas vezes, em momentos distanciados (no início e no final do ano lectivo), tendo como principal objectivo verificar a existência (ou não) de indícios, indicadores de mudança nas concepções dos futuros professores, do primeiro para o segundo momento, tal como já foi referido anteriormente.

Quanto à utilização de entrevistas estas foram feitas aos supervisores cooperantes no final de cada um dos dois semestres e tiveram como finalidades:

(i) Compreender melhor a sua opinião acerca do processo desenvolvido pelos alunos futu-ros professores no que se refere às suas práticas de gestão curricular no âmbito da educação para a cidadania.

(ii) Identificar as estratégias de formação e de supervisão promovidas pelos respectivos supervisores cooperantes nesse mesmo processo e

(iii) Compreender de que modo os supervisores cooperantes e os contextos de intervenção influenciaram o desenvolvimento das concepções dos alunos futuros professores e a qualidade da acção curricular e formativa por eles desenvolvida no âmbito da educação para a cidadania.

Como fontes de informação secundárias, recorremos ainda:

(i) Aos portfolios reflexivos individuais construídos pelos alunos futuros professores ao longo de todo o ano lectivo.

(ii) Aos registos em vídeo de algumas das intervenções dos formandos em situação educativa no interior da sala de aula para retenção da informação para futura revisão nos casos em que se revelasse necessário.

(iii) Ao teaching portfolio do investigador principal no qual foram sendo feitos registos sobre o processo de formação de cada grupo de estágio, registos estes efectuados pela inves-

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Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores

tigadora na sua qualidade de supervisora institucional. Deste modo, o teaching portfolio integra registos das observações efectuadas às intervenções dos alunos futuros professo-res em contexto de sala de aula e registos das reflexões realizadas nas sessões semanais de reflexão intra e/ou inter-núcleos, da responsabilidade da supervisora institucional.

Estas fontes, embora secundárias, constituíram-se como um suplemento de informação impor-tante, permitindo ao investigador complementar, contextualizar e melhor compreender e inter-pretar os dados recolhidos através dos instrumentos investigativos específicos.

Os dados recolhidos a partir dos primeiros instrumentos (questionário e entrevista) foram objecto de tratamento através da técnica de análise de conteúdo, tendo para tal sido construído e validado um sistema de categorias. Este sistema de análise foi construído de forma progressiva, integrando de modo articulado categorias definidas a priori, em função dos pressupostos que enquadram e fundamentam o estudo e das questões de pesquisa e dos objectivos da investigação subjacentes aos questionários e ao guião das entrevistas, assim como, outras categorias que foram emergindo à medida que a reflexão e análise foi sendo desenvolvida.

No que diz respeito à validade e fidelidade do sistema de categorização, optou-se por, numa fase avançada do processo, sujeitar o instrumento a um painel de peritos, especialistas reco-nhecidos nas áreas da Cidadania, do Currículo e da Supervisão, tendo sido aceites as sugestões disponibilizadas.

4. Resultados

No âmbito desta comunicação centraremos a nossa apreciação apenas nas concepções de Educação para a Cidadania e de currículo dos alunos futuros professores a partir da análise dos dados recolhidos através dos questionários.

De acordo com a análise dos dados, e no que diz respeito à existência (ou não) de indícios indicadores de mudança nas concepções dos alunos futuros professores, constata-se que, do primeiro para o segundo momento, não se verificaram profundas mudanças nas concepções relativas a estes constructos por parte dos alunos futuros professores, apenas se salientando, em um ou outro caso, alterações em aspectos pontuais.

Esta conclusão poderá encontrar justificação no facto das suas concepções apresentarem desde o início da sua prática pedagógica, coincidente com o primeiro momento de inquirição, um já elevado nível de consistência teórica. Para isso, poderá ser considerada a natureza da forma-ção inicial destes alunos nesta área, proporcionada quer através da frequência de uma disciplina semestral específica no 3º ano do seu plano de estudos (Ética e Educação para a Cidadania),

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quer através de outras disciplinas, nas quais, as dimensões inerentes à educação para a cidadania são abordadas de forma explícita, como é o caso das disciplinas de Teoria e Prática Curricular e Prática Pedagógica e Projectos Educativos, centrando-se sobretudo numa abordagem de natureza ecológica, axiológica e crítico-reflexiva relativamente à intervenção curricular e aos contextos de acção.

Relativamente às concepções de educação para a cidadania verifica-se que todos os alunos futuros professores valorizam muito a finalidade socializadora (Figueiredo, 2002) de educação para a cidadania, perspectiva esta centrada essencialmente na consciencialização dos direitos e dos deveres e no desenvolvimento e apropriação dos valores e saberes necessários à vida em sociedade. Do seu discurso transparecem também algumas evidências que remetem para uma ideia de cidadania cuja finalidade é mais transformadora, (Wilkins, 2000; Figueiredo, 2002, 2005) percebida, essencialmente como processo de aprendizagem ao longo da vida e como prática activa, à qual está inerente a possibilidade de participação no processo de tomada de decisões e de implicação pessoal na construção e transformação da sociedade (Praia, 1999). Contudo, é de salientar que estas evidências não surgem com igual expressividade no discurso de todos os formandos. De acordo com estes resultados globais parece ser possível concluir que os alunos futuros professores atribuem uma dupla finalidade a esta dimensão da formação, evidenciando, por parte dos mesmos, uma clara compreensão da dimensão social, educativa e transformadora inerente à sua função docente.

Quanto ao modo de implementação desta área curricular, tanto os alunos futuros professores como os supervisores cooperantes, privilegiam de forma unânime uma abordagem de natureza transcurricular e experiencial enquadrada por uma perspectiva de educação pela ou através da cidadania (Santos, 2005). Trata-se de uma abordagem que abrange o clima e a organização curri-cular da sala de aula e da escola, bem como as vivências dos alunos subentendendo-se, por isso, a ideia de que as competências inerentes a esta área se desenvolvem em “situação” (Figueiredo, 2002), ou seja, a partir da própria vivência democrática e da participação dos alunos, deixando claro a importância que a ecologia dos contextos assume neste processo.

No que diz respeito às concepções de currículo, e com o objectivo de verificarmos, se na opinião destes formandos as decisões curriculares ao nível do contexto de realização (Pacheco, 1996) deveriam estar, ou não, abertas à participação de outros actores educativos para além do professor da turma, foi-lhes solicitado que indicassem das alternativas possíveis, e conforme se pode observar no Quadro I, as opções que melhor correspondessem à sua opinião, tendo-lhes sido dada, também, a oportunidade de indicarem outros parceiros que não tivessem sido con-templados nas alternativas apresentadas.

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Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores

Quadro I. Quem deve tomar as decisões curriculares

Alunos futuros

professores

O professorO professor em colabo-

ração com os alunos

O professor em cola-boração com outros

professoresOutro

1º M 2º M 1º M 2º M 1º M 2º M 1º M 2ºM

A1 X X X X

A2 X X

A3 X X X

B1 X X X

B2 X X X X

B3 X X X X

De acordo com a informação do Quadro I, verifica-se que, seja no primeiro ou no segundo momento (à excepção de A2), estes alunos futuros professores consideram que as decisões cur-riculares ao nível do contexto de realização deverão ser tomadas pelo professor em colaboração com outros colegas. No que diz respeito à possibilidade dos alunos participarem no processo de tomada de decisões, constata-se que, a globalidade dos formandos, se mostra receptiva quanto à possibilidade de participação dos seus alunos nas decisões curriculares ao nível da turma. O facto de admitirem a possibilidade de participação dos seus alunos nas decisões curriculares sugere o reconhecimento, por parte dos mesmos, de um dos direitos básicos de qualquer cidadão, como é o caso do direito à participação, contemplado na própria Convenção dos Direitos da Criança3. Deste modo, subentende-se uma concepção curricular em que o conceito de currículo é enten-dido como um processo de construção participado revelando-se coerente com as concepções de educação para a cidadania apresentadas anteriormente.

Relativamente às decisões que o professor tem que tomar ao nível da planificação curricular, verificamos que, de acordo com a análise do Quadro II, tanto no primeiro como no segundo momento, estes formandos consideram que os programas do 1º ciclo do Ensino Básico deverão constituir-se como guia principal para a tomada de decisões, devendo o professor recorrer, muito pontualmente, a mediadores curriculares tais como os manuais escolares. Concluímos, deste modo, que os mesmos não parecem vir a constituir-se como um instrumento de referência com vista à orientação das práticas curriculares destes formandos.

3 Adoptada pela Assembleia-geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989, e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990.

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Quadro II. Estratégias curriculares ao nível da planificação

EstratégiasMomento

Respostas

Planificação a partir Sempre Quase sempre Raramente Nunca

do manual1º A1, A2, A3

B1, B2, B32º

do Currículo Nacional/programas1º A1, A2, A3

B1, B2, B32º

do conhecimento dos alunos1º B1, B2 A1, A2 A3

2º B2A1, A2, A3,

B3

do conhecimento dos contextos1º B2

É igualmente de referir que, nesta questão, também lhes foi dada a oportunidade para indi-carem outros aspectos que, na sua opinião, deveriam ser tidos em consideração no processo de tomada de decisões curriculares. Assim, da análise dos dados, emergiram alguns indicadores reve-ladores da importância que atribuem ao conhecimento das necessidades e interesses dos alunos como uma das dimensões a ter em consideração na tomada de decisões curriculares. Salienta-se ainda o facto de B2 indicar também a necessidade do professor conhecer os contextos de acção. Subentende-se, deste modo, uma concepção de currículo percebido como processo de gestão flexível, cabendo ao professor a responsabilidade de adaptar e contextualizar as propostas pro-gramáticas oficiais às especificidades de cada realidade pedagógica concreta, procurando, assim, respostas educativas promotoras de uma aprendizagem significativa, resultados estes, que eviden-ciam também uma compreensão e um reconhecimento do seu papel enquanto co-construtores (Roldão, 1999) do currículo.

Quanto ao Quadro III, e no que diz respeito às estratégias curriculares de ensino-aprendiza-gem centradas no aluno, verifica-se que, de uma forma global, consideram, nos dois momentos de inquirição, que o professor deve recorrer preferencialmente a um trabalho individual diferenciado em função das características individuais dos alunos em detrimento de um trabalho individual igual para todos. Esta opção maioritária sugere uma preocupação, por parte dos formandos, em criar condições para que todos os seus alunos possam realizar as aprendizagens com sucesso, subentendendo-se, uma vez mais, um conceito de currículo como processo de gestão flexível.

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Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores

Quadro III. Estratégias curriculares centradas no aluno

Estratégias MomentoRespostas

Sempre Quase sempre Raramente Nunca

Trabalho individual igual para todos os alunos

1º A1, A2 B1, B3 A3, B2

2º A2, B2 A1, A3, B1, B3

Trabalho individual diferenciado1º A2, A3, B2, B3 B1 A1

2º A2,A3,B2 A1, B1, B3

Trabalho independente (em que o aluno decide o que vai fazer)

1º B1, B2, B3 A1, A2, A3

2º A2, A3, B1, B2, B3 A1

Trabalho de pesquisa1º B1, B2 A1, A2, A3, B3

2º B2 A1, A2, A3, B1, B3

Trabalho em pequeno grupo (igual para todos os grupos)

1º A1, B1, B2 A2, A3, B3

2º A2, B1, B2, B3 A1, A3

Trabalho em pequeno grupo (diferente por grupos)

1º A1, A2, A3, B1,B2,B3

2º A1, A3, B1,B2,B3 A2

Trabalho de pares igual para os dois elementos

1º A3, B1, B2, B3 A2

2º A1, A2, A3, B2, B3 B1

Trabalho de pares (tutor/aprendiz1º A3, B3 A1, B1, B2 A2

2º A2 A3, B1 A1, B2, B3

Debate1º A1, B1 A2, A3, B1, B2

2º A2, B1, B2 A1, A3, B3

Diálogo interactivo1º A2, B1, B2 A1, A3, B3

2º A1, A2, B1, B2 A3, B3

Trabalho de projecto1º A1, A2 A3, B1, B2, B3

2º A1, A2, B1, B2 A3

Outras1º

Ainda de acordo com o Quadro III, verifica-se também que as estratégias de ensino-apren-

dizagem que os alunos futuros professores consideram que devem ser promovidas com maior frequência (sempre ou quase sempre) são o diálogo interactivo entre professor e alunos, o debate e o trabalho de projecto.

Salienta-se também o facto do trabalho de pesquisa e do trabalho de grupo, principalmente o trabalho de grupo diferenciado, serem igualmente percebidas como estratégias importantes, do mesmo modo que o trabalho de pares igual para os dois elementos do grupo. Trata-se, com efeito de um conjunto de estratégias activas, socializadoras e facilitadoras do desenvolvimento, nos alunos, de atitudes de responsabilidade e de respeito para consigo próprio e com para com os outros.

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No que se refere às estratégias potencialmente promotoras da autonomia dos alunos na aprendizagem, como é o caso do trabalho independente, ou mesmo o trabalho de pares, em que um aluno assume o papel de tutor e o outro de aprendiz, observa-se que estas são menos valo-rizadas pelos futuros professores, em particular esta última, considerando-se como uma possível hipótese explicativa a possibilidade dos próprios desconhecerem as estratégias em causa.

Quanto à organização e gestão da sala de aula, e tal como se verifica no Quadro IV constata-mos que, nos dois momentos de recolha de dados, a negociação, com os alunos, de regras para o funcionamento democrático da sala de aula se constitui como uma estratégia que, na perspectiva dos formandos, deverá ser a mais valorizada pelo professor.

Quadro IV. Estratégias de gestão de sala de aula

Estratégias MomentoRespostas

Sempre Quase sempre Raramente Nunca

Plano diário1º B1, B2, B3 A1, A2, A3

2º A2, B2 A1, A3, B1, B3

Assembleia Turma1º A1, A2, B2 A3, B1, B3

2º A1, B1, B2 A2, A3, B3

Diário de Turma1º A2, B1, B2 A1, A3, B3

2º A3, B1, B2 A1, B3

Negociação de regras1º

A1, A2, A3B1, B2, B3

2ºA1, A2,A3

B1, B2B3

Quadro de tarefas1º B1, B2 A1, A2, A3, B3

2º A1, A2, B1 A3, B2, B3

Outras1º

Verifica-se igualmente que estratégias como a assembleia de turma, o plano diário e o qua-dro de tarefas são também percebidas como importantes para a gestão da sala de aula, assim como o diário de turma, embora com menor expressividade. Trata-se, de facto, de um conjunto de estratégias que parecem permitir criar condições para que os alunos possam participar nas decisões que à turma dizem respeito, contribuindo para a apropriação do verdadeiro significado da vida em democracia, vivendo-a. Deste modo, inerente às opções dos formandos, e conforme já se referiu, parece ser possível subentender-se uma ideia de educação para a cidadania pers-pectivada como um processo que visa a participação activa na tomada de decisões, bem como para um conceito de currículo entendido como um processo de gestão participado, suportado por atitudes e valores democráticos. Este aspecto está também em consonância com a aborda-

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Concepções de educação para a cidadania e de currículo de alunos futuros professores

gem de natureza transcurricular e experiencial apontada anteriormente por estes alunos futuros professores, como o tipo de abordagem a privilegiar na implementação curricular da área da educação para a cidadania.

5. Conclusões

De acordo com os resultados parece, assim, ser possível concluir que as concepções de educação para a cidadania e de currículo dos alunos futuros professores remetem, de uma forma global, para uma concepção abrangente e concordante com as perspectivas actuais para esta área apontadas na literatura da especialidade e nos documentos oficiais, evidenciando os participantes uma clara compreensão do seu papel, não apenas como agentes socializadores, mas também como agentes de mudança e de transformação social, contrariando assim uma lógica mais tecnicista e reprodutora.

Por outro lado, estas conclusões parecem apontar para alguma eficiência do programa de formação em estudo quer na sua dimensão instituída (plano de estudos) quer na sua dimensão instituinte (formação e supervisão do processo formativo). Relativamente a esta última dimen-são, e embora não tenha sido objectivo desta comunicação, salienta-se que dos dados emergem indicadores que evidenciam a clara influência das supervisoras cooperantes no desenvolvimento das competências de reflexão crítica dos alunos futuros professores e de mobilização dos seus conhecimentos teóricos no âmbito da educação para a cidadania para a intervenção curricular através da utilização, pelas mesmas, de múltiplas estratégias de formação e de supervisão inten-cionais e que remetem para diferentes cenários de supervisão (Alarcão e Tavares, 1987 / 2003; Sá-Chaves, 2002).

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aconselhamento psicológicoSara Monteiro, José Tavares, Anabela Pereira

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Sara Monteiro, José Tavares, Anabela Pereira

Promoção do sucesso académico no ensino superior: o caso particular dos serviços de aconselhamento psicológico

Sara Monteiro1, José Tavares1, Anabela Pereira1

Resumo

Com o presente trabalho, pretendemos tecer algumas considerações teóricas a propósito da promoção do sucesso académico no ensino superior, enfatizando a importância dos serviços de aconselhamento psicológico. Num primeiro momento, apresentamos algumas considerações gerais acerca do ensino superior em Portugal, passando em seguida para a conceptualização do (in) sucesso académico. Posteriormente, algumas medidas de promoção do sucesso académico são apresentadas, com destaque para as iniciativas implementadas na Universidade de Aveiro e finalmente, é feita referência aos serviços de aconselhamento psicológico no ensino superior. Desta forma, pretendemos chamar a atenção de alunos, professores, investigadores, técnicos e outros profissionais para a temática do (in) sucesso académico e para o papel fundamental que os serviços de aconselhamento psicológico desempenham na promoção do mesmo.

1. Ensino superior em Portugal: considerações gerais

O ensino superior em Portugal tem sofrido, nos últimos 30 anos, alterações profundas na sua estrutura e configuração. Muitos são os factores que poderão estar na origem dessas alterações, designadamente: a formulação de novas expectativas e aspirações sociais acerca das funções e papéis das universidades, as alterações nos sistemas de financiamento, o desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico, as novas estratégias de desenvolvimento interno das orga-nizações, a influência das políticas educativas nacionais, o aumento e diversificação da população estudantil, entre outros. De todos estes fenómenos, o aumento e a diversificação da população estudantil é o que tem tido maior visibilidade no ensino superior (Tavares, Santiago, & Lencastre, 1998).

De facto, a análise da evolução da população estudantil no ensino superior torna evidente o aumento verificado nos últimos anos. Se em 1960, o ensino superior em Portugal abarcava cerca de 25000 alunos e menos de 50000 em 1970, na década de 90 o número de alunos aumenta

1 Universidade de Aveiro, Departamento de Ciências da Educação.

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Promoção do sucesso académico no ensino superior : o caso particular dos serviços de aconselhamento psicológico

para 350000 (ME-DGES, 1999). Por outro lado, o processo de democratização da sociedade portuguesa contribuiu para que indivíduos oriundos de todas as classes sociais pudessem aceder ao ensino superior, conduzindo à heterogeneização progressiva da população estudantil (Grácio, 1986; Nico, 1996). Neste sentido, estudos diversos têm sido realizados com o objectivo de conhecer a origem e características dos estudantes que frequentam o ensino superior, seja ao nível das suas trajectórias escolares, como ao nível das classificações de entrada, objectivos, moti-vações e expectativas face à frequência do ensino superior (e.g., Almeida, Vasconcelos, Machado, Soares, & Morais, 2002; Balsa, Simões, Nunes, Carmo, & Campos, 2001; Bessa & Tavares, 2002; Nico, 2000; Santiago, Oliveira, & Terça, 1995; Soares & Almeida, 2002; Tavares et al., 1998; Taveira, 2000).

Paralelamente, assiste-se a um interesse crescente, quer da parte dos investigadores e pro-fissionais da educação superior, quer da parte dos políticos e empregadores, acerca do papel e funções da educação superior (para uma revisão, cf. Gonçalves e Cruz, 1988). Obviamente, a preocupação e o debate em torno da missão e finalidades do ensino superior não é indepen-dente da constatação da heterogeneidade do estudante que frequenta este grau de ensino, o que requer uma reflexão sobre as implicações da democratização no acesso ao ensino superior (Herr, Rayman, & Garis, 1993).

A missão pública de educação e formação, a construção e difusão do conhecimento científico e tecnológico, a participação no desenvolvimento económico, social e cultural dos cidadãos e da sociedade e a construção local de práticas e políticas de qualidade, são alguns dos principais desafios colocados às instituições portuguesas de ensino superior (Santiago, Tavares, Taveira, Lencastre, & Gonçalves, 2001).

Neste sentido, é necessário que a universidade se reinvente, numa nova organização, englo-bando e alterando a forma como a sociedade produz, cria e difunde os seus valores, de forma a promover a melhoria da condição humana nas suas diversas dimensões (Pereira, 2005; Tavares, 2002). Para tal, é necessário que as instituições de ensino superior repensem e reformulem os conteúdos de ensino ministrados, a organização curricular, os métodos de ensino e o perfil de competências a desenvolver.

No contexto actual, de globalização e competitividade internacional crescentes, as instituições de ensino superior, cuja missão quase exclusiva foi, durante muito tempo, o desempenho de funções de ensino e investigação, têm agora que se assumir como instituições com relevância social e económica, contribuindo para a resolução de problemas e para a evolução das sociedades (Silva, 2002; UNESCO, 1998).

Sendo assim, as instituições de ensino superior devem formar e preparar os estudantes “pro-porcionando-lhes a obtenção de graus, fornecendo-lhes saberes que lhes permitam integrar-se na

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vida activa de forma a exercer tarefas diferenciadas para o desenvolvimento económico e social” (Crespo, 2003, p. 41). No mesmo sentido, a UNESCO (1998) chama a atenção para que, apesar das missões tradicionais dos sistemas de ensino superior (educar, realizar investigação e fornecer serviços à comunidade) continuarem válidas, actualmente a sua principal missão é educar cidadãos responsáveis e fornecer um espaço aberto para as aprendizagens superiores e a aprendizagem ao longo de toda a vida. Neste contexto, o alargamento da compreensibilidade dos fenómenos de sucesso e de insucesso académicos é essencial, no sentido de haver uma definição clara e precisa dos factores que estão na sua origem, para posteriormente implementar medidas consistentes de combate ao insucesso académico e de promoção do sucesso académico.

2. Conceptualização do (in) sucesso académico

Um dos problemas que a democratização do ensino superior implicou foi efectivamente o desajuste entre um sistema de ensino estruturado para um grupo de elite, mais homogéneo, e um novo modelo de ensino, mais adequado à população estudantil numerosa e heterogénea, carac-terizada por uma enorme diversificação etária, sociocultural, económica e étnica. Neste sentido, é solicitado às instituições de ensino superior que adeqúem as suas respostas às características desta nova população estudantil, nomeadamente ao nível da cultura académica e do conheci-mento científico e tecnológico. De acordo com Tavares et al. (1998) algumas dessas respostas relacionam-se com os problemas colocados pelo aumento das dificuldades de aprendizagem e do insucesso académico.

Efectivamente, os dados publicados pelo Observatório da Ciência e do Ensino Superior, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (OCES/MCTES), relativos, por exemplo, ao ano de 2004/2005, revelam taxas de insucesso elevadas merecedoras de atenção. Referem que a taxa de insucesso foi de: 35.2% no Ensino Superior Público, 30.2% no Ensino Superior Militar e Policial e de 31.9% no Ensino Superior Não Público. De salientar que no Ensino Politécnico, a taxa de insucesso (38.2%) foi superior à verificada no Ensino Universitário (32.9%) e que existem instituições com taxas de insucesso superiores aos 50%. No caso específico da Universidade de Aveiro, a taxa de insucesso verificada foi de 32.30% no Ensino Universitário e de 48.10% no Ensino Politécnico.

Se é verdade que em 1998, na realidade portuguesa, “os estudos sobre o sucesso/insucesso dos alunos do Ensino Superior são ainda muito escassos ou quase inexistentes” (Tavares et al., 1998, p. 13), desde então o fenómeno do insucesso académico tem vindo a tornar-se numa área de interesse na investigação pelos responsáveis de educação, não só ao nível dos ensinos básico e secundário, mas também ao nível do ensino superior, sentindo-se uma necessidade urgente de

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analisar, avaliar e fundamentalmente de intervir, dadas as elevadas taxas de insucesso verificadas neste contexto de formação. Esta preocupação é bastante visível nos inúmeros estudos, teóricos e empíricos, que têm vindo a ser realizados sobre o insucesso/sucesso dos alunos no ensino superior (e.g., Alarcão, 2000; Bessa, 2006; Cabral, 2003; Correia, 2003; Gonçalves, 2000; Jardim, 2007; Pereira, 1999, 2005; Monteiro, Tavares, & Pereira, 2008; Monteiro, 2008; Monteiro, Tavares, Pereira, & Silva, 2008; Tavares, Pereira, et al., 2006; Tavares, Santiago, et al., 1998).

Numa tentativa de conceptualização dos fenómenos de insucesso/sucesso escolares no ensino superior, Alarcão (2000) elabora um quadro de referência na base do qual pretende que se pos-sam analisar as diversas situações de insucesso, defendendo que “muito raramente, o fenómeno do insucesso se pode atribuir a uma só causa. Normalmente, ele acontece na encruzilhada de vários factores que interactivamente o ocasionam, o que confere ao conceito de causalidade uma dimensão difícil de operacionalizar” (p. 15). Assim, a autora sistematiza os factores intervenientes no fenómeno do insucesso em quatro grandes categorias, referentes: ao aluno, ao professor, ao currículo e à instituição.

Os factores referentes ao aluno incluem aspectos relacionados com a transição ecológica do estudante do ensino secundário para o ensino superior em termos psicossociais (desenraiza-mento familiar e social, sentimentos de emancipação e libertação, conflitualidade de valores entre os vários registos de vida), metodológicos (absentismo às aulas, aceitação da reprovação como normal, dispersão por demasiadas actividades, desajuste nos métodos de estudo), de integração institucional (medo da praxe, ter entrado num curso em primeira opção mas involuntariamente, não ter sido colocado no curso que desejava) e condições familiares, profissionais e socioeconó-micas (problemas pessoais, dificuldades económicas, condição de trabalhador-estudante, conflito de valores).

Os factores relativos ao professor referem-se à preparação para a função de ensino (distan-ciamento em relação aos alunos, fraca competência científica e pedagógica, cultura de eliminação dos menos capazes, desajuste entre ensino e avaliação, fraca despistagem de desajustes e dificul-dades) e incluem também aspectos de natureza estatutária (despistagem por diversas actividades e pouca valorização das actividades pedagógicas para efeitos de progressão na carreira).

Na terceira categoria, referente ao currículo, incluem-se factores como o desajuste entre níveis de ensino, insuficiência ou pouca qualidade de recursos didácticos, inflexibilidade curricular, desarticulação vertical e horizontal entre conteúdos, integração deficiente das componentes teó-rica e prática, demasiado tempo despendido em exames em detrimento do tempo que devia ser dedicado ao ensino e à aprendizagem, má organização de horários e calendários de testes.

Finalmente, a quarta categoria, referente à instituição, inclui aspectos relacionados com as condições físicas e instrumentais (falta de espaços de estudo, falta de equipamentos ou outros

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instrumentos de trabalho, más condições laboratoriais), organizacionais (turmas demasiado gran-des, descoordenação de serviços e órgãos de gestão, inadequado funcionamento dos conselhos pedagógicos) ou com condições de má integração institucional dos estudantes (fraca clarificação das regras, deveres e direitos, condições deficientes de aconselhamento, má clarificação do que se espera deles, pouca capacidade de recuperação dos menos capazes).

Alarcão (2000) chama ainda a atenção para a necessidade de integrar as categorias referidas anteriormente, assim como os elementos que delas fazem parte, no enquadramento macrossis-témico constituído por ideologias, valores e preconceitos vigentes.

De forma similar ao que aconteceu para o fenómeno do insucesso académico, também no que se refere ao fenómeno do sucesso académico, Alarcão (2000) apresenta os factores intervenientes agrupados nas mesmas quatro categorias: o aluno, o professor, o currículo e a instituição. Nas suas palavras, “os factores de sucesso são o espelho positivo dos factores de insucesso” (p. 20).

No mesmo sentido, Taveira (2000) sugere que os fenómenos de insucesso/sucesso no ensino superior devem ser encarados como o resultado de um processo complexo e abrangente, que envolve diversos factores, individuais e contextuais.

Os factores individuais englobam aspectos biodemográficos (estatuto socioeconómico e defi-ciência), académicos (motivação para a realização académica, importância relativa atribuída ao papel de estudante/trabalhador, atribuições de auto-eficácia escolar, competências de escrita), de personalidade (capacidades, valores profissionais, interesses profissionais, celeridade, nível, fre-quência e persistência na interacção com o ambiente, perfeccionismo social associado a stress, individualismo-colectivismo, ansiedade-traço, disposição para o optimismo, vigor, locus de con-trolo, perspectiva temporal de futuro, auto-estima, identidade do ego, estilo de autoridade, estilo de adaptação aos ambientes, atitude exploratória) e papéis (género).

Os factores do contexto incluem o contexto universitário (ambiente no campus, ambiente nas residências universitárias, apoio psicológico), o contexto familiar (autonomia, práticas educativas e valores familiares, divórcio dos pais) e, por último, o contexto dos pares (suporte social).

Os fenómenos de insucesso/sucesso escolares no ensino superior têm sido assim conceptuali-zados como processos complexos, abrangentes e multidimensionais, que têm na sua origem uma grande variedade de factores (Alarcão, 2000, Taveira, 2000). Em face deste circunstancialismo, torna-se óbvio que a definição de insucesso/sucesso académico ultrapassa largamente a noção de rendimento escolar, havendo necessidade de uma visão mais abrangente e contextualizada destes fenómenos. Neste sentido, a promoção do sucesso académico no ensino superior terá que passar por uma perspectiva multidisciplinar e transversal que envolva políticas educativas, instituições, currículos, alunos e professores (Arroteia & Martins, 1998; Tavares, 2003).

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3. Promoção do sucesso académico no ensino superior

Medidas recentes do Ministério da Educação comprovam a relevância da implementação de estratégias de promoção do sucesso académico no ensino superior. O Despacho nº 6659/99 (2ª série do Diário da República), de 5 de Abril, lançou as bases de um programa de combate ao insucesso escolar no ensino superior, distinguindo “situações de insucesso escolar persistente”, traduzidas em elevadas taxas de reprovação em determinadas áreas científicas e motivadas por causas estruturais ou conjunturais, de “outras situações” que se traduzem em reprovações resul-tantes do desinteresse individual, do absentismo e da ausência de esforço efectivo por parte dos estudantes. Propôs-se: 1) às instituições que, no prazo de seis meses, promovessem a identifica-ção das situações de insucesso escolar persistente e a definição de medidas correctivas a tomar, bem como a apresentação à tutela de programas concretos com vista à celebração de contratos de qualidade nas situações que o justificassem; e 2) à Direcção-Geral do Ensino Superior que, no mesmo prazo, promovesse a preparação dos contratos de qualidade tipo a adoptar. A Lei nº 1/2003, de 6 de Janeiro, que aprovou o regime jurídico do desenvolvimento e da qualidade do ensino superior, especificou que competia ao Estado, no domínio do ensino superior, pro-mover a avaliação da sua qualidade científica, pedagógica e cultural (Artigo 1º), sendo função do Governo criar mecanismos que assegurassem essa avaliação (Artigo 2º). Ainda, a Lei nº 37/2003, de 22 de Agosto, estabeleceu novas bases de financiamento do ensino superior, que se deveria processar, a partir de então, “de acordo com critérios objectivos, indicadores de desempenho e valores padrão relativos à qualidade e excelência do ensino ministrado” (Artigo 1º), prevendo a celebração de contratos-programa destinados, entre outros fins, à promoção do sucesso escolar, devendo neles as instituições participar com um montante mínimo de 20% (Artigo 7º).

Em resultado destas medidas, diversos projectos de investigação e intervenções dirigidas à promoção do sucesso académico, foram definidos e implementados (e.g., Alarcão, 2000; Bessa, 2006; Cabral, 2003; Correia, 2003; Gomes, 2006; Gonçalves, 2000; Huet e Silva, 2005; Jardim, 2007; Pereira, 1999, 2005; Pereira, Vaz, Patrício, Campos, & Pereira, 1999; Monteiro, Tavares, & Pereira, 2008; Santos & Almeida, 2002; Soares, 2003; Tavares, 2002, 2003; Tavares, Pereira, et al., 2006; Tavares, Santiago, & Lencastre, 1998; Tavares, Santiago, Taveira, et al., 2000).

Apresentamos seguidamente algumas destas estratégias de investigação-acção, implementadas na Universidade de Aveiro, direccionadas para quatro vectores de formação – a instituição, o currículo, os professores e os alunos – visando a maximização do sucesso académico.

Um dos primeiros projectos realizados sobre a temática dos factores de insucesso/sucesso dos alunos do ensino superior denominou-se Factores de sucesso/insucesso no 1.º ano das licencia-turas em Ciências e Engenharia do Ensino Superior, tendo sido iniciado na Universidade de Aveiro

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por José Tavares e apoiado financeiramente pelo Programa PRAXIS XXI, um dos sistemas de financiamento à investigação promovidos pela FCT (Tavares et al., 2000). Este projecto, que decorreu de 1996 a 1998, focalizou-se em objectivos de diagnóstico, com vista à identificação dos factores de sucesso e de insucesso dos alunos do 1.º ano, e de intervenção, através do desenvolvimento de programas de acções psicopedagógicas.

Com o objectivo de dar continuidade ao trabalho desenvolvido pelo projecto referido ante-riormente, iniciaram-se os projectos Estratégias de Promoção do Sucesso Académico no Ensino Superior (EPSAES) e Laboratório de Estudo e Intervenção no Ensino Superior (LEIES), ambos coor-denados pela Universidade de Aveiro.

O projecto EPSAES, decorrido entre 2001 e 2005, teve como principal objectivo a investiga-ção-acção junto dos estudantes, professores, currículos e instituições aos níveis micro, meso, exo e macro, contemplando ainda o objectivo do diagnóstico. Contou com a participação de diversos pólos, designadamente: a Universidade do Algarve, a Universidade de Aveiro, a Universidade do Minho, a Universidade de Lisboa e a Universidade do Porto (Tavares, 2003).

O projecto LEIES, decorrido entre 2002 e 2004 enquanto projecto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, teve como objectivo geral a promoção do sucesso académico no ensino superior através de acções de diagnóstico e de intervenção e como objectivos específicos os seguintes: (1) recolher dados sobre as características educativas, científicas e pedagógicas em instituições do ensino superior no âmbito da transição e progressão académica, (2) conceber novos instrumentos de diagnóstico e intervenção, (3) equacionar a qualidade educativa, científica e pedagógica das práticas institucionais, dos seus agentes, processos e mecanismos de ensino/ aprendizagem, (4) reflectir sobre e propor estratégias de intervenção e inovação, (5) promover a discussão sobre as problemáticas da transição, pedagogia universitária e sucesso académico, envol-vendo alunos, professores, responsáveis político-educativos, gestores académicos, investigadores, técnicos e outros profissionais, (6) recolher dados sobre características pessoais, competências, atitudes, comportamentos e experiências de alunos e professores, e (7) identificar e fazer a análise de diferentes práticas curriculares.

Apesar do LEIES ter surgido em 2002 enquanto projecto financiado, acabou por se tornar num “estaleiro” de investigações e projectos que lhe deram continuidade, apoiado no Centro de Investigação em Educação e Ciências do Comportamento (CIECC) que até 2007 era denominado de Unidade de Investigação Construção do Conhecimento Pedagógico nos Sistemas de Formação (CCPSF), entre os quais merecem realce, os projectos de investigação Ensino Superior. Um Estar entre Duas Transições: Ensino Secundário e Vida Profissional (ESEDTESVP) e Pesquisa, Análise, Com-preensão e Gestão da Informação (PACGI), o espaço de divulgação on-line d@es – Docência e

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Aprendizagem no Ensino Superior e a rede de investigação Docência, Aprendizagem, Desenvolvi-mento e Avaliação no Ensino Superior (DADAES).

O ESEDTESVP está em funcionamento desde 2003 e pretende reunir e potenciar todo um esforço de investigação já realizado e em curso por elementos do CIECC, incidindo em três eixos: transição para o ensino superior, estar e envolver-se durante a permanência nas instituições do ensino superior e a transição para a vida profissional e mercado de emprego configurados nas tarefas de investigação centradas no desenvolvimento, na aprendizagem, na docência e respectiva avaliação.

Por outro lado, partindo do pressuposto que a pesquisa, a análise, a recuperação, a compre-ensão e a gestão da informação são competências que têm de ser promovidas nos alunos com vista ao sucesso académico e a uma inserção mais eficiente e eficaz na vida activa e no mundo do trabalho, desenvolveu-se o PACGI, a decorrer desde 2006, com o principal objectivo de aproveitar, reutilizar e reciclar instrumentos, dados e resultados de investigações realizadas e em realização pelos vários membros da equipa do projecto.

Com o objectivo de potenciar e optimizar o esforço realizado por muitos investigadores e articular os muitos trabalhos de investigação realizados e em curso, constituiu-se, em 2004, a d@es, e em 2005, a DADES. A DADES é uma rede de investigação em que participam investiga-dores de várias instituições, entre elas a Universidade de Aveiro, com enfoque nos processos de docência, aprendizagem, desenvolvimento e avaliação no ensino superior. De entre os objectivos desta rede, destacam-se os seguintes: interligar investigadores nacionais e internacionais, fazer o ponto da situação dos trabalhos realizados a nível nacional e internacional, desenvolver projectos de investigação conjuntos, incentivar a publicação dos trabalhos levados a cabo, realizar materiais de aprendizagem, desenvolvimento, docência e avaliação e construir conhecimento em contexto. O desenvolvimento desta Rede baseia-se no pressuposto de que a docência, a aprendizagem, o desenvolvimento e a avaliação são realidades que se implicam mutuamente, pelo que a sua compreensão deve ser feita à luz deste mesmo pressuposto e dos variados contextos em que se realizam.

Merece ainda destaque a implementação da disciplina (em formato de opção livre) Estratégias de Promoção do Sucesso Académico no Ensino Superior na Universidade de Aveiro, desde o ano lectivo 2004/2005, cujo objectivo principal é levar os alunos a reflectir sobre as suas próprias estratégias de estudo, de trabalho, de aprendizagem, de lazer e de bem-estar físico, biológico, social, cultural, e humano, no sentido de mobilizar todas as suas capacidades numa perspectiva de sucesso académico (Tavares et al., 2006).

Noutra ordem de considerações, passamos a referir algumas estratégias com objectivos claramente interventivos, visando o incremento do sucesso académico através da intervenção

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nos desequilíbrios emocionais, da promoção do desenvolvimento pessoal e da educação para a saúde.

O projecto L.U.A. – Linha da Universidade de Aveiro, a primeira experiência de peer counselling em contexto de ensino superior, desenvolveu-se na Universidade de Aveiro, no ano lectivo 1994/1995. Este programa de aconselhamento de pares constituiu-se como a primeira linha de apoio a alunos universitários por universitários, em funcionamento todas as noites, entre as 8h da noite e as 8h da manhã, tendo tido como principal objectivo ajudar os alunos a lidarem com os seus problemas, através de apoio emocional e de escuta activa (Pereira, 2005).

Como resultado da experiência anteriormente descrita, foram desenvolvidas por algumas ins-tituições de ensino superior, estruturas idênticas de apoio aos alunos, nomeadamente: o projecto Apoio a Alunos por Alunos desenvolvido na Universidade de Coimbra e o projecto Elos de Apoio desenvolvido na Universidade de Évora.

De destacar ainda a realização de módulos de formação com vista à Promoção do Desenvol-vimento Pessoal e Educação para a Saúde, conduzidos na Universidade de Aveiro desde o ano lectivo de 2002/2003 e dirigidos a toda a comunidade académica (Monteiro, Pereira, Tavares, & Gomes, 2005; Pereira, Monteiro, Gomes, & Tavares, 2005; Pereira, Monteiro, Santos, & Vagos, 2007).

Efectivamente, a promoção do sucesso académico no ensino superior tem recebido uma atenção considerável e crescente em Portugal, visível no elevado número de projectos de inves-tigação e intervenções definidos e implementados, com vista à maximização do sucesso acadé-mico. No entanto e apesar da validade de todo este esforço, a verdade é que grande parte das investigações conduzidas têm sido realizadas no âmbito de projectos de investigação, dissertações de mestrado e teses de doutoramento, com uma duração e financiamentos limitados. Neste contexto, é necessário que as instituições de ensino superior apostem cada vez mais na imple-mentação de medidas de promoção do sucesso académico, aos mais variados níveis – políticas educativas, instituições, currículos, alunos e professores – para que uma transformação efectiva e consistente ocorra. Uma medida de promoção do sucesso académico que tem recebido bastante aceitação por parte das instituições de ensino superior Portuguesas diz respeito à implementação de serviços de aconselhamento psicológico, a que nos referimos em seguida.

4. Serviços de aconselhamento psicológico no ensino superior

Os Estados Unidos foram pioneiros, a nível mundial, da criação dos serviços de aconselha-mento psicológico no ensino superior. O aumento explosivo da população universitária nos anos 40, a par da preocupação crescente por parte dos investigadores, educadores e políticos com o

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bem-estar psicossocial, a saúde e o desenvolvimento holístico dos estudantes do ensino superior, estiveram na base da criação destes serviços. Desde então, a necessidade de serviços de aconse-lhamento psicológico junto das instituições universitárias tem sido enfatizada na literatura da área (Bishop, 1990; Stone & Archer, 1990; Valerio, 1996).

Em Portugal, a criação e regulamentação dos serviços psicológicos de apoio aos alunos enqua-dra-se no espírito da Resolução da Assembleia da República n.º 71/2000, de 7 de Novembro, que recai sobre a necessidade de um debate abrangente acerca dos factores e comportamentos de risco no adolescente e no jovem adulto, assim como da definição de necessidades de diagnóstico e de soluções a desenvolver. Entre estas, a “criação de gabinetes de apoio aos alunos nas univer-sidades…, ligados a centros de psicologia….”. Por outro lado, os problemas vividos pelos jovens na transição do ensino secundário para o ensino superior com repercussões ao longo do percurso académico (e.g., Bessa & Tavares, 2000; Rebelo & Lopes, 2001), assim como a preocupação com o desenvolvimento psicossocial do jovem estudante (Dias & Fontaine, 1996, 1999, 2000), fomen-taram, a par da investigação, a criação de um número crescente de serviços de aconselhamento psicológico aos estudantes do ensino superior no seio das respectivas instituições.

Assim e apesar das preocupações com o aconselhamento e acompanhamento psicológicos, no âmbito do ensino superior, serem relativamente recentes em Portugal (Gonçalves & Bastos, 1996; Gonçalves & Cruz, 1988), tem havido a aceitação destes serviços por parte de utentes e órgãos de gestão das instituições de ensino superior portuguesas. Neste momento, existe mesmo no nosso país uma Rede de Serviços de Aconselhamento Psicológico no Ensino Superior (RESAPES), que conta com a participação de 38 serviços de aconselhamento psicológico, em funcionamento em diferentes instituições de ensino superior (RESAPES, 2006).

A RESAPES constituiu-se em Novembro de 2000, como iniciativa de alguns responsáveis de serviços de aconselhamento psicológico no ensino superior e define-se como uma “associação de carácter profissional e científico, sem fins lucrativos e de duração ilimitada, compreendendo pro-fissionais envolvidos no âmbito do apoio psicológico no ensino superior”. Mais especificamente, os objectivos desta associação são: (1) trocar informações e experiências a nível nacional e internacio-nal entre os profissionais que se ocupam do apoio psicológico no ensino superior; (2) desenvolver a cooperação e intercâmbio com associações e instituições nacionais e estrangeiras, na área do apoio psicológico; (3) promover o apoio psicológico no ensino superior e sensibilizar para tal o Ministério que tutela o ensino superior, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, o Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos, as associações de estudantes e outras entidades pertinentes; (4) melhorar a qualidade e eficácia do apoio psicológico através do apoio mútuo e da cooperação na formação, a nível nacional e internacional, entre os seus associados; (5) estimular a investigação na área do apoio psicológico, publicar e divulgar os resultados, organizar seminários,

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conferências e congressos nesta área; (6) actuar conjuntamente para a definição de formas de financiamento e normas de funcionamento dos serviços de apoio psicológico no ensino superior; (7) promover a construção de um código ético e deontológico comum; (8) promover o desenvolvi-mento de critérios de avaliação dos serviços de apoio psicológico no ensino superior; e (9) fomentar a comunicação entre os membros, nomeadamente através da edição de um periódico.

Tabela 1. Serviços de apoio psicológico no ensino superior em Portugal (RESAPES, 2006)

Nome do Serviço Instituição

Apoio Psicológico dos Serviços de Acção Social Universidade Nova de Lisboa

Apoio Psico-Pedagógico – Divisão Técnico-Pedagógica do Departamento Académico

Universidade de Coimbra

Centro de Aconselhamento Psicológico e de Promoção do Sucesso Escolar

Universidade Técnica de Lisboa

Centro de Apoio Psico-Terapêutico Universidade Técnica de Lisboa

Centro de Estudos e Intervenção PsicológicaFaculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra

Clínica Psicológica Universitária do Centro de Aconselha-mento para Estudantes

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

Gabinete de Aconselhamento para a Carreira e Desen-volvimento Pessoal

Universidade Independente

Gabinete de Aconselhamento Psicopedagógico Universidade dos Açores

Gabinete de Aconselhamento Psicopedagógico dos Serviços de Acção Social

Universidade de Coimbra

Gabinete de Apoio ao AlunoFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

Gabinete de Apoio ao Estudante Instituto Politécnico do Porto

Gabinete de Apoio ao EstudanteFaculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa

Gabinete de Apoio PsicológicoFaculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universi-dade Nova de Lisboa

Gabinete de Apoio Psicológico e Aconselhamento do Centro de Apoio ao Aluno

Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa

Gabinete de Apoio Psicopedagógico Instituto Politécnico de Portalegre

Gabinete de Apoio Psicopedagógico Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Gabinete de Apoio Psico-Pedagógico Universidade de Évora

Gabinete de Apoio Psico-Pedagógico dos Serviços de Acção Social

Instituto Politécnico de Beja

110

Promoção do sucesso académico no ensino superior : o caso particular dos serviços de aconselhamento psicológico

Gabinete de Inserção na Vida Activa Faculdade de Direito da Universidade do Porto

Gabinete de Orientação ao Aluno Instituto Superior de Engenharia do Porto

Gabinete de Psicologia dos Serviços de Acção Social Instituto Politécnico de Coimbra

Gabinete de Psicologia dos Serviços de Acção Social Instituto Politécnico de Leiria

Gabinete de Psicologia e Apoio Psicopedagógico Universidade do Algarve

Gabinete Pedagógico Universidade de Aveiro

Instituto de Orientação Profissional Universidade de Lisboa

Núcleo de Apoio Médico e PsicológicoInstituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa

Núcleo de Apoio Psicológico Instituto Politécnico do Cavado e do Ave

Secção de Integração Académica e Profissional – Gabi-nete de Apoio ao Aluno

Faculdade de Economia da Universidade do Porto

Serviço Aluno e Carreiras Universidade Católica Portuguesa

Serviço de Aconselhamento Psicológico dos Serviços de Acção Social

Instituto Politécnico de Setúbal

Serviço de Apoio Psicológico e Aconselhamento do Gabinete de Saúde Escolar

Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa

Serviço de Atendimento a UniversitáriosFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Serviço de Atendimento Psicológico do Núcleo Cognitivo-Comportamental

Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Serviço de Carreiras e de Apoio ao AlunoEscola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica

Serviço de Consulta Psicológica e Desenvolvimento Humano

Universidade do Minho

Serviço de Integração Escolar e de Apoio Social Universidade do Porto

Serviço de Psicoterapia e de Orientação VocacionalFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto

Unidade para a Orientação e Integração – Área de Apoio Psicológico

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Embora cada um destes serviços de aconselhamento apresente objectivos específicos, pode-mos referir que todos visam a promoção do sucesso académico dos estudantes do ensino superior, através do apoio ao processo educativo e da promoção do desenvolvimento pessoal e prevenção de comportamentos de risco.

É de destacar que a avaliação do trabalho de intervenção dos serviços de aconselhamento psicológico em Portugal tem vindo a ser objecto de investigação empírica, sugerindo resultados

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Sara Monteiro, José Tavares, Anabela Pereira

encorajadores. Os efeitos positivos das intervenções, quer ao nível da promoção do bem-estar psicológico e desenvolvimento pessoal dos estudantes, quer ao nível da promoção do seu ren-dimento académico têm sido revelados de forma evidente (e.g., Azevedo, Dias, & Conceição, 2000; Dias, 1988; Dias & Almeida, 1991; Gonçalves, 1997; Welling & Silva, 2000). Ainda, dados provenientes dos Estados Unidos indicam que os estudantes que recorrem aos serviços de aconselhamento psicológico desistem dos seus cursos, em média, 50% menos que a generalidade da população estudantil e terminam os seus estudos em menor número de anos (RESAPES, 2002).

Também a satisfação dos estudantes com a qualidade dos serviços prestados no âmbito dos serviços de aconselhamento tem sido avaliada (McIntyre et al., 2001; Pereira et al., 2005). Num estudo conduzido pelo Serviço de Consulta da Universidade do Minho, em 2001, com uma amostra representativa aleatória do seus utentes, verificou-se que 46.30% dos utentes avaliaram os cuidados como “Muito Bons”, outros 46.30% como “Bons” e 7.30% como “Razoáveis”. Apesar de todas as dimensões terem sido avaliadas positivamente, as dimensões com as quais os utentes se encontravam mais satisfeitos foram os aspectos interpessoais da consulta, assim como a qua-lidade técnica dos psicólogos (McIntyre et al., 2001). Pereira et al. (2005) conduziram um outro estudo respeitante à avaliação de módulos de formação realizados na Universidade de Aveiro, com vista à promoção do desenvolvimento pessoal e educação para a saúde. Estes módulos de formação versaram diversos temas, designadamente: controlo de stress e ansiedade aos exa-mes, pensamentos automáticos negativos, higiene do sono, gestão das emoções, expressividade corporal e actividades promotoras de bem-estar, e foram avaliados em diferentes âmbitos (e.g., actualidade, utilidade, dinâmica). Salienta-se o facto de a avaliação dos participantes acerca da utilidade dos módulos se situar em torno do “Bom” e do “Muito Bom”.

De uma forma geral, é possível referir que os serviços de aconselhamento psicológico, imple-mentados em contexto de ensino superior, desempenham um papel de importância primordial no desenvolvimento académico, social e emocional dos estudantes, através de estratégias mul-tifacetadas e de parcerias várias. Segundo a RESAPES (2002), as questões abordadas no âmbito destes serviços podem englobar “as políticas e procedimentos académicos, as competências e atitudes face ao estudo, as estratégias de gestão do tempo, o desenvolvimento de competências de comunicação e de relacionamento, o pluralismo cultural, a redução do stress, a saúde e o bem-estar, a exploração vocacional, a preparação para a inserção no mercado de trabalho, o estabelecimento de objectivos de vida, a motivação, o desenvolvimento pessoal e os proble-mas do foro psicopatológico” (p. 14). De salientar ainda que diferentes valências poderão ser desenvolvidas no âmbito destas estruturas de apoio aos estudantes, nomeadamente: (1) prestar serviços remediativos – que consistem essencialmente na psicoterapia, dirigida a estudantes que

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Promoção do sucesso académico no ensino superior : o caso particular dos serviços de aconselhamento psicológico

apresentam problemas de adaptação merecedores de atenção profissional imediata; (2) prestar serviços preventivos – objectivando a diminuição de determinados problemas, mediante a iden-tificação e controlo dos factores de risco; (3) prestar serviços ao nível da realização de acções de desenvolvimento pessoal – que consistem na implementação de acções de promoção e optimização do desenvolvimento psicológico; e, finalmente, (4) investigar acerca dos processos de transformação e desenvolvimento humanos – visando o avanço do conhecimento acerca dos mecanismos reguladores desses mesmos processos (Gonçalves & Cruz, 1988).

5. Considerações finais

Sintetizando, as instituições de ensino superior que apoiam e sustentam a existência de ser-viços de aconselhamento psicológico para os seus alunos assumem a função de promoção do bem-estar do estudante, condição essencial aos processos de aprendizagem e sucesso acadé-mico. Desta forma, parece-nos que seria importante que todas as instituições de ensino superior, nomeadamente a Universidade de Aveiro, disponibilizassem aos seus alunos, à semelhança do já verificado em muitas outras instituições de ensino superior (cf. Tabela 1), um serviço de aconse-lhamento psicológico. No caso particular da Universidade de Aveiro, muito embora exista já um Gabinete de Apoio Pedagógico e uma Consulta de Psicologia, através da implementação de um serviço de aconselhamento psicológico que actuasse em valências distintas como a prestação de serviços remediativos e preventivos, a realização de acções de desenvolvimento pessoal e a con-dução de investigação acerca dos processos de mudança e desenvolvimento humanos (Gonçalves & Cruz, 1988), o apoio fornecido ao estudante seria mais abrangente e efectivo. No mesmo sentido, recomendamos fortemente que as instituições de ensino superior abracem cada vez mais medidas de promoção da saúde mental da comunidade estudantil, à semelhança dos módulos de formação que têm vindo a ser realizados com vista à promoção do desenvolvimento pessoal e social e educação para a saúde e bem-estar na Universidade de Aveiro (Monteiro et al., 2005; Pereira & Monteiro, 2004; Pereira, Monteiro, Gomes et al., 2005; Pereira, Monteiro, Santos et al., 2007), os quais têm sido avaliados positivamente pelos participantes (Pereira et al., 2005).

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Comportamentos compulsivos de cidadania organizacional

na população docente portuguesaPaula Maria Costa Neves

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Paula Maria Costa Neves

Comportamentos compulsivos de cidadania organizacional na população docente portuguesa

Paula Maria Costa Neves1

1. Enquadramento teórico

Os sistemas de educação têm-se reformado e, consequentemente, têm-se introduzido altera-ções na profissão de professor dentro do contexto da organização escola. O papel dos profes-sores tem-se estendido a novas esferas de responsabilidade e tarefas e têm sido encorajados a trabalhar de forma colegial, a implementar mudanças no seus trabalhos, a ser responsivos perante a comunidade, etc.

No entanto, as novas exigências a que as escolas estão sujeitas, leva muito frequentemente a que as mesmas sejam dependentes de professores que, comprometidos com os objectivos e valores da escola, estão dispostos e exercem consideráveis esforços para além do mínimo exigido pelas suas funções. Este esforço traduz-se na execução voluntária de comportamentos não incluí-dos nas suas funções e pelos quais não são formalmente recompensados. Estes comportamentos extrapapel foram inicialmente designados como comportamentos de cidadania organizacional (CCO) (Organ, 1988), como comportamentos voluntários, não formalmente recompensados, mas que contribuem para a eficácia da organização.

Mais tarde Organ (1997) reconceptualiza o conceito e considera que CCO são actividades que não estando directamente relacionadas com as principais funções são importantes porque modelam o ambiente em que as actividades inerentes às funções são desempenhadas (Organ, 1997). No caso das escolas, são comportamentos que podem ser dirigidos aos alunos, aos colegas ou à escola como um todo. São executados por iniciativa pessoal e de forma voluntária com o objectivo expresso de contribuir para alcançar dos objectivos da organização. Exemplos de CCO em escolas incluem, apoiar os alunos fora do seu horário de trabalho, oferecer-se para integrar grupos de trabalho, ajudar os novos professores na escola entre outros.

A investigação no âmbito dos CCO tem fornecido dados que permitem dizer que, as organi-zações onde há uma forte peso em comportamentos de cidadania organizacional, são mais sau-dáveis e têm mais sucesso se comparadas com organizações onde não há este clima (Podsakoff,

1 Professora Assistente da ESE/IPC.

120

Comportamentos compulsivos de cidadania organizacional na população docente portuguesa

MacKenzie, Paine, & Bachrach, 2000). CCO são comportamentos críticos para o funcionamento da organização porque reduzem a necessidade de alocar os recursos, muitas vezes escassos, em tarefas de manutenção (Organ 1988; Bolino, 1999) libertando-os para tarefas mais complexas e produtivas como é o caso do planeamento. Na prática são comportamentos que os superiores gostariam que os subordinados executassem, mas que não lhes podem exigir por não fazerem parte das tarefas.

Neste sentido os gestores, conscientes das vantagens dos CCO para a organização, tentam, a todo o custo, encorajar este tipo de comportamentos. Quando este tipo de encorajamento é feito por meios legítimos como é o caso da melhoria do clima de trabalho, aumento do sentido de justiça ou melhoria da comunicação entre membros, os CCO são realmente promovidos. No entanto, em muitos casos as hierarquias usam formas menos lícitas e aceitáveis, que podem mesmos ser consideradas abusivas e exploradoras. Em muitas situações verifica-se um abuso do poder e da autoridade dos superiores que forçam o trabalhador a desempenhar actividades que ele, de outra forma, nunca empreenderia (Vigota-Gadot , 2006).

É neste contexto que Vigota-Gadot (2006) sugere a existência de comportamentos extrapa-pel que, ao contrário dos CCO convencionais, não são baseados na boa vontade espontânea do indivíduo. São comportamentos que, embora sendo executados voluntariamente, são alicerçados em outros motivos que não a boa vontade, e não são de iniciativa pessoal. Têm a sua génese em situações em que os superiores hierárquicos, num espaço e num tempo em que o sujeito não está em condições de recusar, pressionam os subordinados para o desempenho de tarefas, que estão claramente fora das funções do seu posto de trabalho e do sistema de recompensas formais da organização. Nestas situações, mesmo quando a pressão não é hostil, o trabalhador pode sentir uma verdadeira necessidade de aceder ao pedido do superior por medo de, em caso negativo, poder vir a sofrer algum tipo retaliação futura. Inicialmente este tipo de comportamento é involuntário mas, a pressão continuada para a sua execução, pode levar a que os mesmos sejam aceites e interiorizados como normas. Neste caso passam a ser executados de forma voluntária e continuadamente. Não foram desencadeados por iniciativa pessoal e não têm subjacente uma motivação de boa vontade, resultam apenas do comportamento abusivo por parte dos superio-res directos. A este tipo de comportamentos o autor chama comportamentos compulsivos de cidadania organizacional (CCCO).

Para o autor, os comportamentos voluntários extrapapel devem ser equacionados num contí-nuo com dois extremos. Num dos extremos estão os CCO convencionais: os comportamentos espontâneos, voluntários, de iniciativa pessoal com o objectivo claro de ajudar, quer seja os colegas ou a organização. No outro estão os CCCO: actividades iniciadas de forma coerciva e não voluntária que embora tentem também promover ideais e interesses construtivos são conse-

121

Paula Maria Costa Neves

quência da pressão ou coação de outros, para o investimento de tempo e esforço para além dos seus deveres. São actividades que implicam um esforço extra no desempenho do trabalho, mas que, numa situação de total liberdade de opção (ou seja, ausência de comportamento abusivo e explorador por parte do superior) não seriam desenvolvidas espontaneamente pelos trabalhado-res. Frequentemente os superiores (e também os pares) alargam a abrangência das obrigações formais para áreas informais de boa-vontade e colocam uma pressão injusta nos subordinados (e colegas) para aceitarem uma sobrecarga de trabalho. Estas actividades, não só não se enquadram na noção de boa vontade dos indivíduos, como podem também ter efeitos nocivos nos resulta-dos colectivos da organização. Se os trabalhadores são coagidos a desempenharem tarefas que eles consideram como extra-função é provável que os resultados sejam de menor qualidade.

Cada vez mais as organizações (escolas incluídas) sentem pressão para serem mais eficazes e oferecerem melhores serviços aos seus clientes. No caso das escolas é provável que os professo-res enfrentem frequentemente uma forma de pressão social e da hierarquia para desenvolverem informalmente actividades para além das formalmente previstas. Por outras palavras, CCCO pode ser um fenómeno prevalente nas instituições educativas e ser experienciado pessoalmente, ou no seu espaço de trabalho imediato, por um número significativo de professores. Vigota-Gadot (2007) testou esta hipótese em escolas de Israel, realizando o primeiro estudo empírico sobre esta problemática. Utilizou a única escala de CCCO conhecida e sugerida pelo próprio Vigota- -Gadot (2006) num trabalho anterior. O autor testou a utilidade e a qualidade da escala para estudar os CCCO, e a relação dos CCCO com atitudes no trabalho e desempenho dos profes-sores. A investigação, realizada numa população de 206 professores do sistema de ensino público de Israel, sugeriu bons indicadores acerca da solidez do instrumento e identificou a presença de CCCO nesse sistema de ensino. Mais de dois terços dos participantes relatam a existência destes tipos de actividades nas suas escolas e consideram inaceitável recusarem-se a fazer. Concluiu tam-bém que a disseminação destes comportamentos tem consequências negativas nomeadamente: elevados níveis de stress e burnout, maiores intenções de abandonar a escola, maior tendência para comportamentos negligentes, baixos níveis de satisfação no trabalho, de inovação e de desempenho do seu papel formal (Vigota-Gadot, 2007).

2. Objectivos

O objectivo deste trabalho é adaptar e testar a adequação para a população docente por-tuguesa da escala de comportamentos compulsivos de cidadania organizacional e identificar a prevalência deste tipo de comportamento em escolas do 2ºe 3º ciclos e escolas secundárias portuguesas.

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Comportamentos compulsivos de cidadania organizacional na população docente portuguesa

– MétodoA tradução da escala de comportamentos compulsivos de cidadania organizacional foi feita

por um tradutor profissional. Posteriormente foi apresentada a três professores para aferirem da sua compreensibilidade. Foram introduzidas alterações, nomeadamente nas designações das estruturas hierárquicas.

A escala tem cinco itens onde é pedido aos sujeitos que assinalem a frequência com que os comportamentos considerados acontecem na escola onde actualmente leccionam. A frequência é considerada em 5 níveis, nunca, raramente, às vezes, com frequência e sempre. A cada um destes níveis é atribuída uma cotação que varia entre 1 (nunca) e 5 (sempre). A pontuação da escala total é obtida calculando a média das pontuações de cada um dos itens.

Os itens da escala são os seguintes:

1 – Sinto que a expectativa é a de que eu invista neste emprego muito mais do que estaria disposto, excedendo as exigências formais das tarefas que me competem.

2 – Nesta escola, existe uma pressão social para que se trabalhe mais horas que as obrigató-rias, apesar da inexistência de quaisquer gratificações formais.

3 – Sinto-me forçado/obrigado a ajudar outros professores para além das minhas obrigações mesmo quando tenho pouco tempo e me sinto cansado.

4 – A gestão desta escola pressiona os professores a desenvolverem actividades extra, para além das suas funções como profissionais.

5 – Sinto-me forçado/obrigado a auxiliar o meu coordenador, mesmo contra a minha vontade e para além das minhas obrigações profissionais.

3. Amostra e procedimentos

A amostra obtida foi uma amostra de conveniência. Foi recolhida junto de docentes que se encontravam a frequentar cursos de especialização, formação em serviço ou de actualização, e através de redes informais. Aos docentes contactados pediu-se que levassem para as suas escolas e que solicitassem colaboração aos colegas.

Foram recolhidos 215 questionários válidos que constituem a amostra do nosso trabalho. O questionário era anónimo e não pedia a identificação da escola, pelo que não é possível identificar a quantidade e a origem geográfica das mesmas.

A amostra é constituída por 215 professores, sendo que 155 (72.1%) leccionam numa escola EB23 (com ou sem secundário) e 59 (27.4%) numa escola secundária (com ou sem 3º ciclo). Dos 215 docentes inquiridos 70 (32.6%) são do sexo masculino, 145 (67.4%) são do sexo feminino.

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Paula Maria Costa Neves

Relativamente ao tempo de serviço, 18 (8.8%) têm até 3 anos de serviço, 15 (7.0%) entre 4 e 6 anos; 88 (40.9%) entre 7 e 18 anos e 87 (40.5%) mais de 19 anos. Relativamente ao tempo de serviço na escola actual, 76 (35.5%) está na actual escola há menos de 3 anos e 132 (61.4%) há mais de 3 anos. A média de idades dos respondentes é de 42 anos (DP= 9) sendo que 27 (12.6%) têm menos de 30 anos, 104 (48.4%) têm entre 30 e 40 anos e 79 (36.7%) têm mais de 40 anos. Relativamente ao tipo de vínculo, 166 (78.2%) são efectivos, sendo que 148 (68.8%) são quadros de escola e 18 (8.4%) são quadros de zona pedagógica. Dos professores que não pertencem a nenhum quadro, 44 (20.5%) são contratados e 4 (1.95) são estagiários. Os pro-fessores inquiridos tinham uma idade média de 41.89 (DP= 6.566) anos, um tempo de serviço médio de 16.99 anos (DP = 9.765), e em média estavam há 7,94 (DP = 9.765) anos na escola onde actualmente leccionam. Como se constata são professores na sua maioria experientes e que conhecem bem a escola onde se encontram.

A amostra apresenta uma distribuição simétrica (Skeweness/Std Error g1 = 0.279/.166= 1.68 <1.96) achatada platicúrtica (Kurtosis/ Std Error kurtosis= -.406/.330 = 1.23 <-1.96)

4. Apresentação e discussão dos resultados

Análise factorial

O rácio entre o número de sujeitos e os itens (215/5), os indicadores fornecidos pelo teste KMO =.759 (considerado médio) e pelo teste de esfericidade de Bartlett ( p < .000), indicam-nos a viabilidade do uso da análise factorial. Na observação da matriz anti-imagem encontramos valores na diagonal principal que oscilam entre .687 e .886, que apontam também para a viabili-dade do uso da analise factorial.

Foi realizada uma análise factorial das componentes principais (AFCP) com rotação varimax utilizando o critério de Kaiser. Os resultados evidenciam uma estrutura unifactorial com um valor próprio de 2.555 capaz de explicar 51.105 % da variância. A saturação factorial dos itens varia entre .507 e .819. O índice de consistência interna (α) é .757 ( Cf. Quadro 1).

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Comportamentos compulsivos de cidadania organizacional na população docente portuguesa

Quadro 1. Itens, saturação factorial e comunualidades da análise factorial das componentes principais com rotação varimax ( N= 215)

Itens Saturação factorial h 2

1. Sinto que a expectativa é a de que eu invista neste emprego muito mais do que estaria disposto, excedendo as exigências formais das tarefas que me competem

.507 .257

2. Nesta escola, existe uma pressão social para que se trabalhe mais horas que as obrigatórias, apesar da inexistência de quaisquer gratificações formais

.798 .636

3. Sinto-me forçado/ obrigado a ajudar os outros professores para além das minhas obrigações, mesmo quando tenho pouco tempo e me sinto cansado

.731 .535

4. A gestão desta escola pressiona os professores a desenvolverem actividades extra, para além das suas funções como profissionais

.819 .670

5. Sinto-me forçado/obrigado a auxiliar o meu coordenador, mesmo contra a minha vontade para além das minhas obrigações profissionais

.676 .457

4.1. Estatística descritiva

A pontuação média obtida pelos professores na escala CCCO é M = 2.49 (DP =.756). Sendo a valor máximo possível 5, este valor indicia que de uma forma geral os professores desta amostra não parecem sentir muita pressão para desempenhar tarefas que não fazem parte das suas funções.

A comparação das médias obtidas pelos diferentes sub–grupos (sexo, idade, tempo de ser-viço, tempo de serviço na escola, tipo de vínculo) não identificou diferenças significativas em nenhum grupo pelo que estamos na presença de um grupo homogéneo. No gráfico 1 apresenta-se a distribuição percentual dos resultados médios na escala.

Gráfico 1. Distribuição percentual das pontuações médias da escala total

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Paula Maria Costa Neves

A distribuição percentual dos valores médios da pontuação total da escala distribui-se por quase todas as pontuações embora se verifique uma grande concentração de pontuações (78,4%) no intervalo entre – 1 DP e + 1 DP em torno da média ( 2.40).

Se considerarmos as médias das pontuações obtidas em cada um dos itens (Cf. Gráfico 2) verificamos que há diferenças a considerar entre os itens.

Gráfico 2. Médias de cada um dos itens

A pontuação média obtida no item 5 (1.77) é quase 50% inferior à pontuação do item 1 (3.2). Estes dados indiciam que os professores consideram residual a existência de pressão por parte dos coordenadores directos, (item 5) mas sentem que há uma expectativa (embora não identificada) de que os professores invistam mais do que estão dispostos, nomeadamente exce-dendo as exigências formais da profissão.

Esta expectativa externa de maior investimento é sentida por 78.4% dos respondentes que a sentem (às vezes, com frequência ou sempre) (Cf. Quadro 2). Relativamente ao item 2, o valor médio das respostas obtidas (2.95) também é superior à média indiciando que uma parte dos pro-fessores (62.8%) sente, na escola onde lecciona, uma pressão social (às vezes, frequentemente ou sempre) para que trabalhem mais horas que as obrigatórias, sem qualquer recompensa formal.

Ao contrário quando a origem da pressão é identificada, item 3 (pressão para ajudar colegas), item 4 (pressão por parte da gestão) e item 5 (pressão exercida pelo coordenador directo) a tendên-cia das respostas inverte-se, ou seja é maior o número de professores que refere que esta pressão ocorre raramente ou nunca. Concretamente, 64.2% no item 3, 61.0% no item 4 e 82.7% no item 5. (Cf. Quadro 2). Em suma estes dados parecem indiciar que os professores sentem na escola uma pressão social e uma expectativa para que desempenhem tarefas para além do seu papel formal, mas não identificam essa pressão como vinda dos pares, dos coordenadores ou da gestão da escola.

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Comportamentos compulsivos de cidadania organizacional na população docente portuguesa

Quadro 2. Frequências das respostas obtidas em cada item

Frequências %Média(DP)Itens Nunca Raramente

Às vezes

Com frequência

Sempre

1. Sinto que a expectativa é a de que eu invista neste emprego muito mais do que estaria disposto, excedendo as exigências formais das tarefas que me competem

6.5 14.4 38.6 32.1 7.43.20

(.999)

2. Nesta escola, existe uma pressão social para que se trabalhe mais horas que as obrigatórias, apesar da inexistência de quaisquer gratificações formais

12.6 24.7 28.4 24.2 10.22.95

(1.18)

3. Sinto-me forçado/ obrigado a ajudar os outros professores para além das minhas obrigações, mesmo quando tenho pouco tempo e me sinto cansado

29.3 34.9 20.5 13.5 1.92.24

(1.07)

4. A gestão desta escola pressiona os pro-fessores a desenvolverem actividades extra, para além das suas funções como profissionais

27.0 34.0 20.9 14.9 2.82.32

(1.11)

5. Sinto-me forçado/obrigado a auxiliar o meu coordenador, mesmo contra a minha vontade, para além das minhas obrigações profissionais

47.4 35.3 9.3 5.6 1.41.77

(.936)

Total2.49

(.756)

N = 215

α = .757

Na análise das frequências verifica-se que o fenómeno dos CCCO não parece ser muito pre-valente entre a população docente. No entanto os aspectos onde os professores sentem maior pressão “não têm rosto” ou seja a pressão é colocada de uma forma geral numa pressão social e na expectativa. Eventualmente se poderá pensar que dentro desta pressão social e expectativas dos outros se integrem a pressão da comunidade em geral, mas principalmente dos pais que têm cada vez mais participação na vida da escola.

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Paula Maria Costa Neves

5. Conclusão

Escala de CCCO com uma estrutura unifactorial com um valor próprio de 2.555 capaz de explicar 51.105 % da variância. Com índice de consistência interna α =. 757.

Incidência de CCCO na população de professores estudada é relativamente baixa. No entanto verificam-se discrepâncias consideráveis nas respostas aos diferentes itens, indiciando fontes de pressão não identificadas. Os docentes sentem uma pressão social e uma expectativa (com origem não identificada) de que invistam na sua profissão, mais do que estão dispostos. Não é identificada pressão específica por parte do coordenador, da gestão ou dos colegas. Este dado sugere que talvez fosse importante introduzir outros itens na escala no sentido de identificar concretamente a origem da pressão. Coloca-se a hipótese dos pais poderem ser uma grande fonte de pressão, não considerada na escala original.

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Bolonha: um novo menu de competênciasAnabela Sousa Pereira

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Anabela Sousa Pereira

Bolonha: um novo menu de competências

Anabela Sousa Pereira1

Resumo

O presente trabalho tem como objectivo reflectir sobre a necessidade de serem desenvol-vidos novas competências a nível da formação em contextos de ensino superior.

É salientada a imperiosa necessidade de mudanças de paradigmas devendo tais mudanças ser implementadas a nível de formação e das práticas de forma que a aprendizagem seja cen-trada no aluno e incentive a sua autonomia e independência.

Do novo menu de competências salientam-se não só as ligadas ao desenvolvimento e gestão eficaz do currículo de formação mas também as estratégias específicas a desenvolver nos professores e alunos. Para que esta mudança ocorra, temos de acrescentar e aperfeiçoar novos ingredientes tais como o e-learning/e-teaching podendo este articular-se com o ensino baseado na resolução de problemas e na evidência.

Estratégias de intervenção colaborativa e cooperativa deverão ser incentivadas quer a nível dos professores quer nos alunos, merecendo aqui destaque o apoio e suporte dos pares. A nível dos professores o peer teaching é já uma realidade. Por seu lado, a participação activa dos alunos no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem tem vindo a a ganhar adep-tos: veja-se por exemplo as várias experiências de peer teaching, peer tutor e peer counselling conduzidas na Universidade de Aveiro.

Desafios de Bolonha

O Processo de Bolonha constitui um desafio e uma oportunidade para o ensino superior. O desafio consiste na criação de processos e dinâmicas nas instituições de ensino superior no sentido de as adaptar aos novos problemas decorrentes da criação de um espaço europeu de ensino superior. As Universidades e Institutos Politécnicos que não forem céleres e eficazes na procura de respostas para esses problemas irão ter algumas dificuldades em sobreviverem, uma vez que a competição entre instituições vai aumentar como consequência dos mecanismos de mobilidade. A par da retracção demográfica, visível no decréscimo verificado nos últimos 5 anos

1 Departamento de Ciências da Educação, Universidade de Aveiro.

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Bolonha: um novo menu de competências

no número de alunos que frequentam o ensino superior em Portugal, tem-se assistido a um aumento da oferta formativa, bem como a uma maior disposição dos estudantes para procura-rem cursos e instituições de ensino superior fora das suas regiões de origem e até mesmo no estrangeiro. Daí que as Universidades e Politécnicos estejam a disputar alunos que têm uma ampla oferta formativa disponível e uma variedade enorme de possibilidades de escolha. Aumentar e facilitar essa escolha, através da mobilidade e da comparabilidade dos cursos, constitui um dos objectivos da Declaração de Bolonha.

Numa primeira fase, o Processo de Bolonha será percepcionado como um período de crise, dadas as tensões geradas entre os departamentos e dentro dos departamentos e áreas científicas como consequência dos processos de adequação curricular, alterações curriculares, abandono de certos cursos e criação de novos. Esses processos de reestruturação curricular criam desequi-líbrios na forma como as lideranças ocupam e gerem os seus territórios curriculares, havendo áreas científicas que perdem influência e outras que aumentam o seu poder de intervenção na instituição. Por outro lado, as instituições de ensino superior que olharem para o Processo de Bolonha como um mero instrumento de compactação e redução das cargas horárias dos cursos terão sérias dificuldades em captarem alunos, numa época de retracção demográfica e financeira, pelo que é provável que saiam a ganhar as instituições de ensino superior que aproveitarem Bolo-nha para procederem a verdadeiras alterações nas formas de ensinar, aprender e avaliar, tendo em conta que o ensino deverá centrar-se no desenvolvimento de competências e na criação de espaços e estratégias de aprendizagem autónoma (Ferreira Gomes, 2002). Outro aspecto a ter conta e do qual dependerá a sobrevivência das instituições é a relevância social das formações que oferecem, tendo em consideração as taxas de empregabilidade dos diplomados e a forma como os cursos se articulam com o mundo empresarial e a sociedade civil. Os dados referentes a taxas de empregabilidade e relevância social das formações oferecidas passarão a ter maior visibilidade e a constituírem-se em critérios importantes nos processos de avaliação externa das instituições e nos processos de acreditação dos cursos.

Objectivos do Processo de Bolonha

O primeiro objectivo da Declaração de Bolonha (1999) é a criação de um espaço europeu de ensino superior até 2010. Para que essa finalidade principal seja atingida é necessária a reali-zação de vários objectivos intermédios que foram sendo traçados e definidos gradualmente em sucessivas iniciativas europeias, de que destacamos o Comunicado de Praga (2001), o Comuni-cado de Berlim (2003), e o Comunicado de Bergen (2005).

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Anabela Sousa Pereira

Pese embora o facto de a opinião pública associar a Declaração de Bolonha a reestruturações curriculares que reduzem a duração das licenciaturas e dos mestrados, bem como à existência de um sistema de créditos (ECTS) comuns ao espaço europeu de ensino superior que facilitem a mobilidade de estudantes e profissionais, a verdade é que o Processo de Bolonha é muito mais do que isso. É certo que visa a mobilidade no espaço europeu e que a criação de um 1º ciclo de estudos, com 6 semestres de duração e um máximo de 180 ECTS, e de um 2º ciclo de estudos, com um máximo de 4 semestres e 120 ECTS, são uma condição essencial para que os estudantes possam mudar de instituição de ensino superior com facilidade e possam exercer as suas actividades profissionais, depois de diplomados, sem terem necessidade de procederem a processos complexos e morosos de equivalências e de reconhecimento de diplomas. A con-secução desses objectivos intermédios vai facilitar a internacionalização das Universidades e dos Institutos Politécnicos, a cooperação e intercâmbio de docentes e de investigadores e a criação de redes nacionais e transnacionais de formação, desenvolvimento, inovação e investigação. Embora essa internacionalização e fomento da cooperação e intercâmbio de docentes já existissem antes da Declaração de Bolonha (1999), eram poucas as Universidades que o faziam e raramente de forma continuada e sistemática.

Por outro lado, importa realçar o facto de o conceito da aprendizagem ao longo da vida e a utilização de novas tecnologias terem vindo a ocupar um lugar de destaque nas políticas educativas europeias. O conceito de aprendizagem ao longo da vida veio substituir a noção de cursos longos, já que o que se pretende é uma formação contínua que começa com o início da escolarização e acaba apenas com a morte. Com a rapidez das mudanças económicas, culturais e tecnológicas, não faz sentido apelar para formação iniciais longas uma vez que as aprendizagens tendem para a desactualização rápida caso não sejam seguidas de retornos frequentes e contínuos à escola e à Universidade, como a melhor maneira de o profissional poder acompanhar a evolução do seu campo tecnológico científico e profissional ou de proceder a uma reconversão profissional. Desta forma, o 1º ciclo de estudos (licenciatura) passa a ser entendido como a primeira etapa de um processo longo de formação que deve ser articulado com formações de 2º e de 3º ciclos e for-mações de especialização e de actualização, em formato quer presencial quer em e-learning ou a uma mistura dos dois formatos. A este propósito, é conveniente exemplificar com a experiência da Universidade de Aveiro, onde estudos conduzidos por Tavares e colaboradores ao nível da docên-cia e da investigação (Tavares et. al 2006), têm vindo a pôr em prática de forma cada vez mais articulada, as sessões de contacto, sejam elas colectivas, do tipo aula, ou tutorias, com o uso de uma plataforma on line, onde alunos e professores interagem em tempo real e através de e-mails e forums e chats e onde estão disponíveis grande parte dos materiais auxiliares de aprendizagem. Em complemento, a Universidade de Aveiro faz uso crescente do ensino cooperativo, do peer teaching

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Bolonha: um novo menu de competências

e do peer tutoring, tanto com pares de alunos como com professores, possibilitando a captação de novos públicos, nomeadamente estudantes-trabalhadores e criando condições para melhorar as taxas de sucesso escolar (Pereira, 2004, 2005; Tavares et al.; 2002, 2006). O uso de portfolios na formação (Sá-Chaves, 2002), bem como recentemente a utilização de portfolios electrónicos tem permitido, igualmente, fazer apelo a novas formas e instrumentos de avaliação facilitadores da captação de novos públicos e da mobilidade de professores e de estudantes.

Da Declaração de Bolonha (1999) à actualidade

Embora a Declaração de Bolonha tenha sido aprovada em 1999, passaram-se alguns anos sem que uma parte significativa das instituições do ensino superior traçassem planos para alcançar os objectivos definidos. Dois anos depois, em 2001, foi aprovada a Declaração de Praga, na qual se reforça a tónica na mobilidade dos estudantes entre instituições nacionais e transnacionais e se procura acentuar a atractividade das instituições do ensino superior, nomeadamente na captação de novos públicos, de forma a garantir a sustentabilidade financeira das mesmas e a elevar os níveis de qualificações dos cidadãos europeus.

Um ano mais tarde, foi aprovada a Declaração de Berlim, na qual se reforça o papel dos doutoramentos (formações de 3º ciclo) e a sinergia entre o espaço europeu do ensino superior e o espaço europeu de investigação. Decorre daí, a intensificação das parcerias internacionais entre Universidades e a criação de redes de investigação transnacionais e a constituição de unidades de investigação em rede. A par da tendência da internacionalização e da investigação em rede, há uma pressão no sentido da concentração de laboratórios e outras unidades de investigação, com o objectivo da melhoria da qualidade da investigação produzida, bem como da sua partilha e visibilidade internacionais. Como resultado desta política, o número de doutorados, em Portu-gal, triplicou, nos últimos 8 anos, segundo dados do Observatório da Ciência e Ensino Superior divulgados em Março de 2007.

Em 2005, foi aprovado o Comunicado de Bergen (2005), no qual se adopta: os padrões e linhas directrizes para a garantia de qualidade das instituições de ensino superior, o quadro europeu de qualificações, a definição de estratégia para a dimensão externa do espaço europeu de ensino europeu, os princípios básicos para os estudos de doutoramento e a melhoria do reconhecimento de competências para desenvolver a aprendizagem ao longo da vida.

Estamos, então, perante um processo de convergência que, contudo, não é sinónimo de uniformi-zação. O espaço europeu de ensino superior é constituído por muitos países e nações que coexistem na afirmação de diferentes culturas e tradições. O problema que se coloca é como convergir a diver-sidade do ensino superior dos vários países europeus num espaço europeu de ensino superior?

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Anabela Sousa Pereira

Há vários vectores que são comuns e que asseguram a convergência e a diversidade. Desde logo, a defesa da aprendizagem ao longo da vida e o recurso à aprendizagem com base nas Tecnologias da Informação e Comunicação. Por outro, a participação dos estudantes nos pro-cessos.

Novas formas de ensinar e de aprender

A aprendizagem com base nas tecnologias de informação e comunicação permite ganhos significativos em eficácia e rentabilidade visto que confere maior flexibilidade ao ensino, orienta o ensino para grupos alvo/específicos e diferenciados em termos de conteúdo, lugar, tempo e ritmo de estudo e oferece melhores oportunidades para fazer uma modelação educacional assente na flexibilidade, inovação e adaptabilidade.

A participação dos estudantes nas instituições de ensino superior constitui outro factor comum à criação do espaço europeu de ensino superior, em consonância com a tradição democrática europeia. Com esse reforço, criam-se as condições para que os estudantes defendam os seus interesses e direitos no contexto das alterações das políticas educativas e se assegure a presença da dimensão social do Processo de Bolonha que é, no fundo, a criação da igualdade de oportuni-dades no espaço europeu de ensino superior ao nível da mobilidade, apoios sociais à frequência do ensino superior, acesso ao mercado de trabalho europeu e garantia de qualidade dos cursos de 1º, 2º e 3º ciclos.

Novo menu de competências

Este cenário de profundas mudanças exige um novo menu de competências para o ensino superior de que se destacam:

a) A mudança de paradigma a nível da formação e das práticas para fomentar a autonomia e independência do aluno. Neste caso, importa referir as boas práticas já desenvolvidas em muitas instituições de ensino superior como o peer teaching, o peer counselling, as tutorias presenciais e on line e a criação de plataformas de aprendizagem electrónicas.

b) Uma gestão eficaz do currículo da formação. Neste caso, começa a ser possível a criação de equipas docentes que assegurem a formação dos alunos de forma a que as cargas curriculares sejam efectivamente asseguradas e cumpridas sem que os docentes se vejam impedidos de prosseguir nos seus projectos de investigação e fazer a divulgação dos seus papers em congressos científicos nacionais e internacionais.

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Bolonha: um novo menu de competências

c) Reorganização curricular que inclua ensinar e aprender, recorrendo ao e-learning e ao e-teaching através da plataforma on line.

d) Ensino baseado na resolução de problemas.e) Ensino baseado na evidência, isto é, continuadamente suportada pelos resultados da inves-

tigação, numa articulação evidente entre a formação e a investigação.

Estas profundas alterações curriculares obrigam à emergência de novas competências do pro-fessor e do aluno rumo à optimização do processo de ensino e aprendizagem (Alarcão e Tavares, 2003). Embora o professor não tenha de abandonar as competências tradicionais (exposição, demonstração, exemplificação, planificação e avaliação), necessita de lhes acrescentar novas com-petências por imposição das mudanças curriculares e dos novos objectivos (Cró, 2005). Saber utilizar plataformas de ensino on line; optimizar o ensino com o apoio dos pares -peer teaching, peer learning; usar estratégias de ensino colaborativo e cooperativo; promover o ensino tutorial e acompanhado; compreender as alterações no perfil dos estudantes e implementar estratégias adequadas a essas alterações no perfil (Sampson et al, 1999; Bound, Cohen & Sampson, 2001).

O papel dos pares constitui, assim, uma estratégia essencial à prossecução dos novos objec-tivos. O exemplo da Universidade de Aveiro é, neste ponto, inovador significativo, uma vez que os docentes têm vindo a pôr em prática estratégias de peer teaching, peer tutoring, peer counselling, peer monitoring e peer learning (Pereira, 1998, 2004).

Além disso, há um conjunto de novas competências no domínio das relações humanas que importa considerar. Entre elas, as estratégias promotoras de maior conhecimento das relações pessoais e interpessoais na formação, através de tutorias, e-teaching e e-learning, e as estratégias de educação para a diversidade, flexibilidade e personalização e diferenciação da educação (Pereira, 2005).

O desenvolvimento de novas competências dos professores, tanto nas formas como o ensino e a aprendizagem passam a assumir, como no relacionamento pessoal e interpessoal são condi-ções essenciais para a consecução dos objectivos do Processo de Bolonha e para a reconfigu-ração do ensino superior no contexto do espaço europeu do ensino superior. Contudo, mais importantes do que estas competências do professor são as competências para a aprendizagem ao longo da vida sem as quais as finalidade principais ficam por atingir : mobilidade dos estudan-tes, professores e restantes profissionais no espaço europeu e aprendizagem ao longo da vida. As competências para a aprendizagem ao longo da vida são múltiplas, mas, no contexto deste artigo, importa referir três competências: optimizar a formação contínua, valorizar o portfolio de aprendizagem e promover o desenvolvimento co-extensivo ao ciclo de vida -life span (Gore et.al.1997; Pascarella, 2001; Arnett, 2006).

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Anabela Sousa Pereira

Implicações da nova reconfiguração do ensino superior

O Processo de Bolonha introduz uma ruptura no ensino superior, no sentido de que estamos a assistir a uma reconfiguração inteiramente nova do ensino superior no espaço europeu. Essa reconfiguração não se limita apenas à criação de 1º, 2º e 3º ciclos organizados em unidades cur-riculares que podem ser comparáveis pelo facto de incluírem um certo número de ECTS, mas também à introdução de novos papéis do professor do ensino superior e de novas competências nos professores e nos alunos. Com essa reconfiguração ganha-se em mobilidade estudantil e profissional no espaço europeu, e ganha-se, também, no aumento das qualificações dos cida-dãos europeus, na medida em que os novos formatos de cursos e as novas formas de ensinar, aprender e avaliar permitem a captação de novos públicos e potenciam a possibilidade de uma formação e uma aprendizagem ao longo da vida.

A adaptação dos cursos aos requisitos da Declaração de Bolonha e a criação de outros for-matados de acordo com a nova legislação (MCTES, 2006), vão exigir alterações no estatuto da carreira docente, uma vez que o estatuto em vigor não prevê algumas das novas competências do professor nem algumas actividades de contacto, como, por exemplo, as tutorias, o peer teaching e o peer counselling. Mas essa será uma segunda etapa, sem a qual o espaço europeu de ensino superior ficaria incompleto e de difícil realização plena.

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Perspectivação de um currículo em contexto educativo de creche

Maria de Lurdes Cró, Mafalda de Castro

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Maria de Lurdes Cró, Mafalda de Castro

Perspectivação de um currículo em contexto educativo de creche

Maria de Lurdes Cró1, Mafalda de Castro2

Resumo

A falta de orientações pedagógicas para o contexto educativo de creche, bem como a ausência de instrumentos de avaliação destinados a crianças entre os 0 e os 3 anos impulsionou o desenvolvimento de um estudo relacionado com a avaliação do desenvolvimento pessoal e social até aos 3 anos. Aclararam-se noções de acolhimento de crianças, teorias de desenvolvi-mento infantil, orientações pedagógicas para a creche e avaliação.

Introdução

No panorama da educação de infância a observação/avaliação do desenvolvimento psicoló-gico não tem merecido destaque, verificando-se o mesmo em relação à avaliação do desenvolvi-mento pessoal e social das crianças até aos 3 anos. No entanto, é relevado por diversos autores a importância da avaliação em fases da vida posteriores e níveis de ensino seguintes.

Sendo do conhecimento comum que a criança até aos 3 anos adquire competências de impacto sólido para o desenvolvimento ulterior, não tem sido salientada a importância de serem acompanhadas, desde cedo, por educadores de infância, frequentemente substituídos por auxilia-res, sem formação. Ainda que os primeiros meses de vida sejam considerados períodos dedicados ao sono e à prestação de cuidados, o educador tem uma noção clara que se trata, também, de um período desenvolvimental extremamente rápido.

A creche como lugar onde se dá a experiência da separação, a emergência da linguagem, a construção de relações afectivas, a promoção da autonomia, entre outras aquisições, é um contexto extremamente fértil. Como primeiro espaço público habitado pela criança, para ser promotora de socialização e auto-realização, deve ser pensada com base nessas vertentes.

“ [¼] As experiências mais precoces [¼] são cruciais ao desenvolvimento cerebral. [¼] A interacção com o ambiente não é apenas um acidente de percurso no desenvolvimento

1 Doutorada em Ciências da Educação - Professora Coordenadora com Agregação da Escola Superior de Educação de Coimbra.2 Educadora de Infância - Mestre em Ciências da Educação.

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cerebral mas é um requisito fundamental. As experiências vividas [¼] nos primeiros tem-pos de vida têm um impacto decisivo na arquitectura cerebral e [¼] extensão das suas capacidades adultas” (Portugal, 2009: 38).

A primeira etapa da educação básica constitui-se fértil quando se entende que o processo de desenvolvimento de uma criança desta idade envolve cuidados de saúde, nutrição e higiene, além das aprendizagens que realiza com os adultos, com as outras crianças e os objectos presentes no meio físico.

Estudou-se a avaliação do desenvolvimento pessoal e social de crianças dos 0 aos 3 anos, em creche, a partir de grelhas de observação construídas a partir de vários autores. O objectivo da investigação pressupunha melhorar as práticas educativas dos profissionais ligados à educação de crianças de creche, incentivar um acompanhamento mais rigoroso e individualizado das mesmas e aperfeiçoar as técnicas de observação e avaliação.

Desenvolvimento pessoal e social

Zabalza (1992) considera que o desenvolvimento pessoal e social das crianças está ligado ao desenvolvimento da personalidade e implica o desenvolvimento das suas capacidades, dotá-las de instrumentos e recursos para assumir um comportamento autónomo e responsável e serem capazes de enfrentar problemas com flexibilidade e espírito inovador; e, ainda, pelo estabele-cimento de parâmetros de relação entre a criança e os outros. O desenvolvimento pessoal e social abrange aptidões para compreender e lidar com os seus sentimentos, interagir com outras pessoas e afirmar-se como pessoa.

Falar em desenvolvimento significa falar de uma mudança qualitativa de comportamentos e atitudes. Cada vez mais é reconhecida a importância dos contextos educacionais como essenciais ao desenvolvimento do indivíduo, quer nas suas relações interpessoais, quer ao nível do todo social (Cró, 2008).

Opções metodológicas

O estudo contou com a participação de educadores de infância a desempenhar funções em creche e partiu do pressuposto de que a primeira infância vai do nascimento até cerca dos 3 anos, altura em que a criança terá atingido uma autonomia mínima nas diferentes faces da personali-dade; a maioria dos educadores concebe, como principal função na creche, o desenvolvimento de competências para a autonomia; os educadores a desempenhar funções em creche avaliam o

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processo educativo e o desenvolvimento das crianças; e por fim, as grelhas de observação exigem um acompanhamento mais próximo das crianças e a activação/avaliação do desenvolvimento pessoal e social.

Amostra

Não sendo possível, por limitações de tempo, conhecer as práticas avaliativas de todos os educadores de infância a exercer funções em creche, restringimo-nos aos educadores de infância de creches de um concelho do país. Consciencializámo-nos de que não conheceríamos a sua prática avaliativa. No entanto, o objectivo era perceber que sentido atribuem ao procedimento.

Sendo a amostra constituída por 46 educadores de infância foi distribuído o mesmo número de questionários acompanhados por uma grelha de observação/avaliação do desenvolvimento pessoal e social. Considerámos válidos 36 questionários (78,3%). A amostra inicial foi reduzida, no segundo contacto com as inquiridas, e passou a ser constituída por 44 educadores. Considerámos válidos 34 questionários (77,3%).

Procedimentos e instrumentação

Recorreu-se à observação indirecta e ao inquérito por questionário. O “Questionário 1” incluiu uma parte de dados de identificação pessoal e profissional e uma segunda parte com questões referentes à presença de um educador na creche. Este grupo pressuponha conhecer a importância que os profissionais atribuem à presença do educador no contexto de creche. O terceiro bloco de questões reportava-se à avaliação do processo educativo. Por fim, o quarto grupo de questões remetia para a planificação do processo educativo.

Às educadoras, que responderam ao questionário, foi solicitado que utilizassem uma grelha de observação/avaliação do desenvolvimento pessoal e social do 0-1 ano, do 1-2 anos ou dos 2-3 anos de acordo com a faixa etária com que estivessem a trabalhar. Cada educadora utilizou uma das grelhas, seleccionando aleatoriamente quatro crianças e assinalando na grelha o desen-volvimento de cada uma. Posteriormente, responderam ao segundo questionário com o objectivo de validar o instrumento de avaliação. Constituído por três grupos de questões, cujo primeiro se referia à identificação pessoal, o segundo à utilização de um instrumento de observação/avaliação no contexto de creche e o terceiro reportou-se à grelha utilizada.

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Apresentação e análise interpretativa

Apresentação e análise interpretativa dos resultados do “Questionário 1”

Verificou-se que todos os elementos são do sexo feminino e a grande maioria considera que educador deve possuir competências e saberes específicos para trabalhar em creche. Apesar de a legislação em vigor referir que a formação do educador pode capacitar para o desenvolvimento de funções em creche, a formação inicial, de acordo com Portugal (1998), prepara os futuros educadores para a activação do desenvolvimento da criança com mais de 3 anos. Latino (2000) considera que a formação inicial deve propor ao educador um perfil que lhe permita adquirir e desenvolver competências profissionais, com vista à implementação de práticas inovadoras con-tribuindo para a valorização do seu desempenho.

Gráfico 1. Qual a função do educador na creche?

Relativamente à função do educador na creche, a maioria das educadoras concorda muito ou concorda com as afirmações apresentadas excepto com a que refere que a função é substituir a figura da mãe. A visão do profissional acerca das funções da educação de infância encontra-se ligada à formação inicial, mas também à formação contínua, que para Cró (2006) pode fazer dos educadores práticos ‘científicos’ capacitando-os para a avaliação e gestão da acção educativa.

Inquiridas acerca das dificuldades sentidas no trabalho com crianças até aos 3 anos a maioria refere o acompanhamento individualizado como a grande dificuldade, provavelmente pelo facto de o ratio adulto-criança não ser adequado. Brazelton (2004) refere que o número de crianças por adulto não deve exceder 3 ou 5 bebés, 4 nas crianças de 1 a 2 anos e 6 a 8 crianças quando

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têm 3 anos. “Em pequenos grupos o educador estabelece maior interacção social [¼]. Em grupos grandes, o educador passa mais tempo observando apenas as crianças [¼]” (Portugal, 1992: 73).

Os aspectos que as educadoras consideraram mais relevantes na prossecução da qualidade dos cuidados prestados às crianças com menos de 3 anos prendem-se com a relação entre adultos e crianças; espaços, equipamentos e recursos; e as experiências de aprendizagem pro-porcionadas. De facto, as relações sociais entre adultos e crianças têm sido destacadas por vários autores. Post e Hohmann (2003) referem que, a qualidade dessas influenciará, o desenvolvimento da personalidade e de futuras relações.

A necessidade de um currículo para a creche possuir características diferentes das de um currí-culo para o jardim-de-infância foi considerada por grande parte da amostra. Há autores a perspec-tivar que o currículo ocorre ao longo de todo o programa concretizando-se em torno das várias interacções, outros consideram que as características do currículo da creche não devem distanciar-se das do currículo para o jardim-de-infância. Assim, o currículo ideal para a creche deve atender às necessidades das crianças e à articulação entre creche e jardim-de-infância. Cipollone (1998) refere que a creche requer a garantia da racionalidade e da cientificidade do trabalho desenvolvido, con-seguida através da construção de um currículo, que assegure a dimensão educativa do contexto.

No que concerne à avaliação constitui um papel de destaque no processo educativo desen-volvido pela amostra. Bartolomeis (1981) destaca que a avaliação funciona como apreciação e conhecimento de fenómenos e comportamentos. Quando falha perde-se a orientação e, por-tanto, a direcção a seguir.

Em relação à planificação do processo educativo a maior parte das educadoras afirma fazê-lo. No entanto, apenas uma parte o efectua, com base nas avaliações realizadas.

Apresentação e análise interpretativa dos resultados do “Questionário 2”

Gráfico 2. Instrumento de observação/avaliação na creche

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Analisando o gráfico verifica-se que a maioria das inquiridas concorda ou concorda totalmente com as afirmações apresentadas. A utilização de qualquer instrumento não implica o desconheci-mento total do desenvolvimento da criança, ele torna-se relevante, precisamente, para confrontar conhecimentos científicos acerca desse desenvolvimento com os exemplos apresentados no instrumento. Para Cró (2006) os educadores que recorrem a instrumentos de observação/ava-liação devem conhecer exemplos de comportamentos possíveis, com o intuito de os perceber e classificar.

Gráfico 3. Grelha de observação/avaliação utilizada

Relativamente à grelha de observação/avaliação utilizada a maioria considera a grelha perti-nente para o trabalho em creche, refere que facilitou a organização do currículo e que permitiu reflectir acerca da própria acção e reorientá-la.

Considerações finais

A criança tem assumido um papel de destaque e cada vez mais activo. Muitos são os que se debruçam no estudo do seu desenvolvimento e, mais recentemente, nesse desenvolvimento em contextos colectivos. Dado ser nos primeiros anos de vida que se estabelecem bases para o desenvolvimento intelectual, emocional e moral afigura-se imprescindível que o acompanhamento das crianças tenha uma intencionalidade. A mãe que, após o término da licença de maternidade, tem de regressar ao seu posto de trabalho, necessita de seleccionar um dos vários tipos de acolhimento. A creche tem sido a modalidade mais procurada e tem vindo a ser encarada como um espaço educativo por excelência, a sua função já não é única e exclusivamente a ‘guarda’ de crianças.

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A qualidade desse contexto varia consoante a presença ou não de um educador de infância nas salas de creche. A sua presença torna-se indispensável porque é sensível à satisfação das necessidades das crianças e porque é especialista em educação, com conhecimentos sólidos ao fornecimento de experiências de aprendizagem significativas.

As teorias de desenvolvimento descrevem que a criança até aos 3 anos necessita da satis-fação das suas necessidades básicas, relações de confiança com adultos, respeito pela sua indi-vidualidade, ambientes seguros, oportunidades de interacção com outras crianças, tempo para explorar activamente, e oportunidades de aprendizagem significativas. Assim, uma creche com funções educativas, atende a estes elementos, adoptando um programa devidamente estruturado e integrando as dimensões: ‘cuidar’ e ‘educar’. Contudo, em Portugal, o primeiro grande obstáculo à organização programática nesse contexto é a política educativa, que não considera a infância na sua totalidade. Assim sendo, a implementação de um currículo permite valorizar e credibilizar a presença do educador na creche e à creche adquirir uma identidade própria afastada da sua função assistencial e de tipo materno.

A psicologia do desenvolvimento recorre à observação como método principal de conhe-cimento e, na prática diária da creche, torna-se um instrumento indispensável ao crescimento profissional do educador. O recurso a este método é facilitado quando se torna um hábito enraizado. É uma fonte de informação extremamente rica que permite ao educador conhecer a relação directa da sua acção face ao comportamento das crianças.

Constituindo, então, como um elemento de apoio ao desenvolvimento/regulação da acção educativa a avaliação permite analisar o percurso e perspectivar o futuro. No contexto da creche, trata-se de uma avaliação informal baseada na observação comportamental das crianças.

Relativamente à investigação realizada é possível perceber a importância que é atribuída à ava-liação no contexto de creche, que a presença de um educador de infância é imprescindível para assegurar a qualidade educativa implementando um currículo adaptado e flexível. Verifica-se que a observação/avaliação são uma prática constante das profissionais e que a grelha de observação/avaliação facultada foi considerada um eficaz instrumento de registo de dados.

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