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XI Colóquio sobre Questões Curriculares VII Colóquio Luso-Brasileiro & I Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares CURRÍCULO NA CONTEMPORANEIDADE: INTERNACIONALIZAÇÃO E CONTEXTOS LOCAIS CURRÍCULO: PRODUZINDO CORPOS (I)MENSURÁVEIS NA DANÇA Ferraz, W. 1 1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Email: [email protected] Resumo O ensino da dança se dá pelos processos de treinamento técnico e pelas possibilidades de criação artística com movimentos dançantes. Com o objetivo de mostrar possibilidades de produção de corpos mensuráveis e imensuráveis em dança, busco traçar questões sobre o dançar como aprendizado técnico e como criação. Os movimentos dançantes enquanto códigos que indicam tipos de dança darão condições para produzir corpos classificáveis, como um corpo treinado e produzido para o balé clássico, para as danças modernas, para as danças folclóricas, para todas as classificações em dança. Desse modo podem-se mensurar esses corpos e determinar identidades. Mas também há a possibilidade de produzir corpos que não sejam específicos de um tipo de dança, que não sejam somente reprodutores de códigos dançantes, mas sim, sejam corpos que tenham condições que criar movimentos sem se preocupar em atender modelos dançantes, corpos da diferença, o que chamo aqui de corpos imensuráveis, por não se encaixarem nas classificações existentes em dança. Com Corazza e Tadeu penso: O que quer um currículo? Se este quer modificar alguém, automaticamente quer mudar e constituir um corpo. Com Foucault penso o corpo como superfície de inscrição onde códigos dançantes marcam e identificam os corpos. E com Deleuze penso um corpo de acontecimento que se constitui nos encontros com outros corpos e com práticas dançantes. Para assim pensar que um corpo produzido por um currículo, pode se constituir pelas possibilidades de uma educação que indica modos de ser e agir e, também, pelas rupturas nesses processos que dão condições para criar outros modos de se constituir nas práticas dançantes. Não sendo apenas uma ou outra possibilidade, sendo as duas e tantas outras que se podem criar nesse processo de vir a ser um corpo, que hora pode-se mensurar e hora não. Um corpo que se dá por uma educação criadora. Palavras-chave: Currículo; Corpo; Dança; (I)Mensurável; Educação/Criação. 1 Dança e produções de movimentos 892 TEMA 5 CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO-FORMAL ÍNDICE DE TEMAS E ARTIGOS

Currículo: Produzindo Corpos (i)mensuráveis na Dança - Wagner Ferraz

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XI Colóquio sobre Questões Curriculares

VII Colóquio Luso-Brasileiro &

I Colóquio Luso-Afro-Brasileiro de Questões Curriculares

CURRÍCULO NA CONTEMPORANEIDADE: INTERNACIONALIZAÇÃO E CONTEXTOS LOCAIS

1

CURRÍCULO: PRODUZINDO CORPOS (I)MENSURÁVEIS NA DANÇA

Ferraz, W. 1

1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil

Email: [email protected]

Resumo

O ensino da dança se dá pelos processos de treinamento técnico e pelas possibilidades de criação artística com movimentos dançantes. Com o objetivo de mostrar possibilidades de produção de corpos mensuráveis e imensuráveis em dança, busco traçar questões sobre o dançar como aprendizado técnico e como criação. Os movimentos dançantes enquanto códigos que indicam tipos de dança darão condições para produzir corpos classificáveis, como um corpo treinado e produzido para o balé clássico, para as danças modernas, para as danças folclóricas, para todas as classificações em dança. Desse modo podem-se mensurar esses corpos e determinar identidades. Mas também há a possibilidade de produzir corpos que não sejam específicos de um tipo de dança, que não sejam somente reprodutores de códigos dançantes, mas sim, sejam corpos que tenham condições que criar movimentos sem se preocupar em atender modelos dançantes, corpos da diferença, o que chamo aqui de corpos imensuráveis, por não se encaixarem nas classificações existentes em dança. Com Corazza e Tadeu penso: O que quer um currículo? Se este quer modificar alguém, automaticamente quer mudar e constituir um corpo. Com Foucault penso o corpo como superfície de inscrição onde códigos dançantes marcam e identificam os corpos. E com Deleuze penso um corpo de acontecimento que se constitui nos encontros com outros corpos e com práticas dançantes. Para assim pensar que um corpo produzido por um currículo, pode se constituir pelas possibilidades de uma educação que indica modos de ser e agir e, também, pelas rupturas nesses processos que dão condições para criar outros modos de se constituir nas práticas dançantes. Não sendo apenas uma ou outra possibilidade, sendo as duas e tantas outras que se podem criar nesse processo de vir a ser um corpo, que hora pode-se mensurar e hora não. Um corpo que se dá por uma educação criadora.

Palavras-chave: Currículo; Corpo; Dança; (I)Mensurável; Educação/Criação.

1 Dança e produções de movimentos

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A Dança como atividade artístico ou manisfestação cultural sempre se deu por processos de educação de um “corpo” (Ferraz & Bello, 2013, p. 255), produzindo movimentos que, codificados ou não, são reconhecidos como dançantes. Mesmo quando se dança em um evento social ou sozinho na frente do espelho, se está na ordem das possibildades de um corpo produzir movimentos ritmados, com qualidades (in)determinadas para esses movimentos, e intensões de se dançar. Mas isso não quer dizer que qualquer movimento seja dança, pois me refiro específicamente às situações em que se tem há intensão de dançar, de produzir danças. Como no caso de uma dança cênica, aquela que é produzida, pensada, pesquisada, criada e ensaiada para uma cena artística, destinada ao público interessado, enredada em processos de educação de um corpo para a realização de danças, por meio de técnicas, estilos, escolhas estéticas… Tanto as danças clássicas como os “repertórios de balé, danças populares, moderna, contemporânea” (Marques, 2012, p. 34) e tantas outras que, tem por objetivo apresentar um resultado estético coreográfico, se dedicam a produzir corpos que são construidos por uma disciplina e docilização corporal por meio dessa arte, .

As danças clássicas regradas e codificadas, são potentes para disciplinar movimentos corporais. Desde a Itália do século XV até a atualidade, essas danças passaram por modificações disciplinares onde pode-se perceber uma organização do poder1 sobre o corpo. Para o balé Pierre Beauchamp (1636-1705) criou cinco posições básicas dos pés: todo e qualquer passo e movimentos iniciam ou terminam nas respectivas posições. São regras com suas verdades aplicadas à anatomia humana, uma disciplina dos gestos, das atitudes, do uso do espaço e de cálculos de tempos. Para os braços e cabeças foram, também, codificados movimentos específicos para acompanhar as posições e movimentos de pés. No todo, trata-se de um rigoroso adestramento de corpos – um treinamento, um modo de educar os corpos para essa arte por meio de técnicas –, mas, ao mesmo tempo, trata-se da construção de uma dança acadêmica com uma estética admirada até os dias de hoje e, automaticamente, produz um determinado tipo de corpo útil para sua realização, uma identidade, um corpo que se pode nomer, classificar e mensurar2.

Com passar do tempo outros corpos, que não apresentavam condições de realizar a normative dança clássica, puderam dançar por meio de outras danças com suas técnicas e regras. Me refiro aqui as Danças Modernas. São entendidas como efeito do pensamento de uma determinada época, com possibilidades para criação, mas também apresentam como característica a codificação, a padronização e a normalização de alguns movimentos que se dão através de exercícios que constituem as técnicas dessas danças.

Cronologicamente, posterior as danças modernas se dá a invenção da “dança contemporânea” (Siqueira, 2006, p.107). A dança contemporânea “não é uma escola, tipo de aula ou dança específica, mas sim um jeito de pensar a dança (Tomazzoni, 2006, s/p)”. Um jeito singular de pensar a dança a cada criação, um jeito de pensar a dança criando diferença, um modo de criar danças. Porém, essa dança ainda mantém o caráter disciplinar, com seus treinos e ensaios. Com criações de diferentes danças de estética contemporânea produzem-se modos do dançar, diferenciados podendo-se pensar em algo transitório, em devir, provocando estranhamentos. Por mais que se pense nas possibilidades de diferentes constituição de corpos com essa dança, assim mesmo é possível produzir corpos dóceis. “Foucault nos diz que um corpo é dócil quando pode ser submetido, utilizado, transformado, aperfeiçoado, exercitado” (Cardim, 2009, p. 135). E isso é possível com o balé clássico, com a dança moderna, com a dança jazz, com danças folclóricas e também com a dança contemporânea.

1 O poder aqui é, pensando com Foucault, um poder não hierárquico, mas um poder que se dá nas relações, ou como podemos dizer: Relações de poder. Não um poder de alguém que decide e outros obedecem, mas relações de poder em que se busca fazer com que os outros desejem o que se quer que eles desejem. 2 A ideia de corpos (i)mensuráveis foi tratada, brevemente, em minha na pesquisa de mestrado que resultou na dissertação “Corpo a Dançar: Entre Educação e Criação de Corpos”, orientada pelo Prof. Dr. Samuel Edmundo Lopez Bello, defendida em 30/07/2014 no Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS. A pesquisa foi financiada pela CAPES.

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2 Corpos (i)mensuráveis

O corpo, para Foucault é o local do exercício do poder onde se dá a disciplina. O poder disciplinar sobre o corpo visa o aumento de suas habilidades, tornando-o “tanto mais obediente quanto mais útil” (Foucault, 1987, p. 119), um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada dos gestos e comportamentos. “A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, ‘corpos dóceis’, aumentando as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminuindo essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)” (Idem, p. 119). O poder disciplinar adestra e fabrica indivíduos, os toma como objetos e ao mesmo tempo como instrumentos de seu exercício, não se trata de um poder triunfante, mas de um poder modesto, desconfiado e permanente.

Mas isso não significa que um corpo disciplinado seja um corpo obediente que atende, restritamente, a comandos impostos. Para Veiga-Neto fabricar corpos dóceis, nessa perspectiva, é fabricar corpos maleáveis e moldáveis, mas não se trata de uma modelagem imposta, algo que se seja forçado a fazer. “(...) Ao contrário, o que é notável no poder disciplinar é que ele ‘atua’ ao nível do corpo e dos saberes, do que resultam formas particulares tanto de estar no mundo – no eixo corporal -, quanto de cada um conhecer o mundo e nele se situar – no eixo dos saberes” (Veiga-Neto, 2007, p. 71). Com Foucault pensamos a disciplina como um modo de educação do corpo, conduzindo este, através de praticas que incidem sobre sua materialidade, a assumir determinadas condutas que estarão ligadas a formação dos contornos do corpo, a plasticidade corporal e suas possíveis modificações, e com isso se produzem representação classificáveis, que se pode enquadrar e mensurar.

Com Deleuze, e em alguns momentos em companhia de Guatarri, podemos pensar um corpo intensidade, vibração, movimento, aquilo que não está na ordem das estratificações, classificações, nomeações, numerações, mensurações... Ou seja, um corpo imensurável. Pensando com esses autores pode-se tomar o corpo como movimento infinito, no livro O que é Filosofia, ao tartar do conceito de conceito e plano de imanência, estes pensam que “o plano envolve movimentos infinitos que o percorrem e o retornam, mas os conceitos são velocidades infinitas de movimentos infinitos, que percorrem cada vez somente seus próprios componentes” (Deleuze & Guatarri, 1992, p. 62). Com isso é possível ter o movimento como aquilo que compõe o plano de imanência, algo que se dá no pensamento, que não permite estagnar em imagens representativas como única possibilidade de se pensar, mas viver o devir. Assim, trato de um pensamento que se dá corpo, um corpo anatômico, fisiológico, histórico, cultural, pensante, tudo em um plano, se movimentando e compondo, não compondo segmentações, como as que indicam que o corpo tem o seu pensamento separado de si, mas um corpo pensamento (intensidade). Falar de corpo se está tratando do pensar e, ao falar do pensar se está falando de corpo: movimento. Sendo assim, penso aqui um movimento que não se dá somente a partir de um músculo ou a partir de um músculo que só se movimenta por receber ordens do cérebro/mente. Mas trata-se de um músculo que se movimenta por existir em um corpo pensante, tendo como acionador do seu movimentar um movimento de vida, algo que o afeta.

O corpo não tem, portanto, órgãos, mas limites ou níveis. De modo que a sensação não é qualitativa e qualificada, ela possui apenas uma realidade intensiva que não determina mais dados representativos, mas variações alotrópicas. A sensação é vibração. (Deleuze, p. 2007, p.51).

A intensidade, para Vasconcellos (2005) possibilita pensar a desigualdade, como termo lógico, escapando da ordenação, do número ordinal, assim a cardinalidade explica a ordinalidade numérica. Nisso, que foi descrito, podemos pensar uma dupla face, uma ontológica: “compreendendo o desigual em si, sendo este a diferença, a intensidade afirma esta diferença. Dessa forma, a intensidade é quantitativamente implicada e qualitativamente

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diferente” (Vasconcellos, 2005, p. 159). Então a diferença é diferença de intensidade, implicando-se quantitativamente e qualitativamente, ou seja, “a diferença é essencialmente implicada, e o ser da diferença é a implicação” (Idem, p. 159).

Assim não é possível representar a intensidade ou medi-la, pois “a intensidade é o insensível e, ao mesmo tempo, aquilo que só pode ser sentido” (Deleuze, 2006, p. 325). Então se é sentida, pode ser sentida pelas faculdades do corpo, ao mesmo tempo em que produz um corpo – um corpo de intensidade. E esse corpo não pode ser visto, é informe, não é extenso, é singular, é diferença. “Deleuze compreende a essência singular como intensidade ou quantidade intensiva, o que lhe permite caracterizá-la também como grau de potência” (Silva, 2010, p. 38). A Intensidade percorre o corpo, vem a ser corpo, constiui um corpo...

O corpo não é mais o obstáculo que separa o pensamento de si mesmo, aquilo que deve superar para conseguir pensar. É, ao contrário, aquilo em que ele mergulha ou deve mergulhar, para atingir o impensado, isto é, a vida. (Deleuze, 2007, p. 227).

Pensar o corpo com Foucault pode ser pensar as possibilidades de classificação, as identidades, as representação, aquilo que se pode mensurar, se dizer o que é e, assim, indicar o lugar que se enquadra, posicionar como sujeito. E com Deleuze e Guatarri, pode-se pensar um corpo da diferença, de intensidade, imensurável, um corpo que não se tem como medir, mas que é potência para as possibilidades de se constituir de diferentes modos, de se tornar outro, de fazer de si movimento, de criar a si mesmo nas experimentações de diferentes práticas.

3 Um currículo: o que quer?

Um currículo é pensado para dar conta da produção e transmissão de conhecimento, e com isso “todo currículo quer modificar alguma coisa em alguém, o que supõe, por sua vez, alguma concepção do que é esse alguém que deve ser modificado” (Corazza & Tadeu, 2003, p. 38). Então o que quer um currículo? Ou, o que quer quem faz uso de um currículo? Ou, o que quer quem pensa um currículo? Ao pensar um currículo, o fazemos na tentativa de que alguém venha a aprender questões relativas a vida, envolvendo o trabalho, o meio ambiente, as leis de trânsito, as inquietações sobre gênero, os problemas de saúde e tantas outras questões, para assim, se tornar uma pessoa “preparada para a vida” ou para determinadas circunstâncias, com as quais pode vir a se deparar. Tudo isso, pensando modos de normalização de cada um ou como tornar “todos iguais”.

De modo geral, um currículo é constituído por saberes, e um professor normalmente está preocupado em como fazer uso desse currículo, como fazer com que esses saberes cheguem a seu aluno e produza efeitos para transformá-lo. “E se o currículo, em vez disso, fosse concebido como um encontro, uma composição? Isso não mudaria tudo?” (Tadeu, 2002, p. 55). Poderíamos então pensar o currículo não, apenas, como um documento onde se encontra uma lista de conteúdos a serem trabalhos, mas o currículo como aquilo que dá condições para movimentar um corpo, aquilo que provoca um corpo quando lhe apresenta possibilidades para agir.

Não sendo um currículo, apenas aquilo que diz o que um corpo dever ser, mas que diz que um corpo pode se movimentar por um infinito de possibilidades. “Poderíamos começar por imaginar que corpos, os mais heterogêneos, os mais disparatados, os mais improváveis (‘sorvete flambado com suspiro’), se encontram e se combinam no currículo” (Idem, p. 55). Tendo assim um corpo, no encontro com práticas disciplinares oriundas de um currículo, possibilidades de se constituir, de se tornar algo que seja efeito da composição das disciplinas e dos vazamentos produzidos nessas práticas disciplinares. Compreendendo que ao viver a experiência de diferentes disciplinas, um

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corpo produz nessas disciplinas outras possibilidades de experiências, tendo o currículo como condição para experimentar muitas práticas e, não apenas como a verdade a ser seguida de olhos fechados. Com isso podemos pensar que um currículo quer constituir corpos, quer indicar condutas a serem seguidas, quer produzir determinados movimentos, quer dizer como fazer… Um currículo pode dizer como dançar, como se tornar um corpo adequado para dançar, ou por outro lado, como potêncializar as diferenças para criar.

4 Um corpo dançante: produzido por um currículo Um corpo produzido por um currículo, pode se constituir pelas possibilidades de uma educação que indica modos de ser e agir e, também, pelas rupturas nesses processos que dão condições para criar outros modos de se constituir nas práticas dançantes. Não sendo apenas uma ou outra possibilidade, sendo as duas e tantas outras que se podem criar nesse processo de vir a ser um corpo, que hora pode-se mensurar e hora não. Um corpo que se dá por uma educação criadora. Se um currículo é condição para selecionar saberes, temas, técnicas, práticas e possibilidades de educar, então com o uso de um currículo pode realizar ações que produzam movimentos, seja no encontro da realização de modelos dançantes, seja na realizar da criação.

Um currículo para o ensino da dança pode ser pensando na educação formal, não-formal e informal, pode ser pensado para o pensar/fazer dança. Com isso os corpos dançantes produzidos, ou que se constituirão como efeitos de um currículo, poderão se tornar corpos realizadores de códigos e verdades legitimadas na dança, que busquem representar fielmente o que se toma por uma dança verdadeira de tipos especificos de danças, corpos esses que se pode classificar, mensurar. Mas também há a possibilidade de produzir corpos que não sejam específicos de um tipo de dança, que não sejam somente reprodutores de códigos dançantes, mas sim, sejam corpos que tenham condições que criar movimentos sem se preocupar em atender modelos dançantes, corpos da diferença, o que chamo aqui de corpos imensuráveis – intensidades - por não se encaixarem nas classificações existentes em dança.

Foucault contribui para pensar um corpo superfície de inscrição, onde códigos dançantes marcam e identificam os corpos, assim se sabe qual ou quais práticas, marcaram e constituiram uma materialidade corporal. E Deleuze (com Guatarri) possibilita pensar um corpo de acontecimentos que, se constitui nos encontros com outros corpos e com práticas dançantes, um corpo que não se sabe o que pode vir a ser, o corpo criador. Porém, aqui estão duas possilidades, que muitas vezes se vive mais uma do que outras, mas tantas e tantas vezes se vive as duas, um corpo disciplinado que se pode mensurar e um corpo intensidade que é imensurável. No momentos entre um e outro, há muitas possibilidades de constituição, muitas possibilidades de se tornar um corpo (i)mensurável, que não se tem como prever, só se sebará isso observando os efeitos de uma vida dançante.

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