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Página 1 de 22 CURSO CARREIRAS JURÍDICAS DATA 16/08/2016 DISCIPLINA PROCESSO PENAL PROFESSOR MARCOS PAULO MONITOR UYARA VAZ AULA 05 ___________________________________________________________________ Ementa: Ação penal: Ação penal pública; Legitimidade para a queixa-crime/titularidade para representação; Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual. 3. AÇÃO PENAL 3.2 Ação penal pública Princípio da indivisibilidade/divisibilidade: são dois ângulos diferentes do mesmo fenômeno. Imagine que se tenha A, B, C, D e E, todos os cinco concorrendo para um crime contra vítima determinada. Dos cinco, o MP reuniu justa causa contra três. Ainda assim, os cinco serão denunciados, ou somente os três? Somente os três contra os quais há justa causa. Houve uma ação penal pública cindida, pois só vai alcançar aqueles em que haja justa causa. Porém, em relação a esses três, não existe alternativa que não seja a denúncia. Sob esse ângulo a ação penal pública será indivisível. Por isso ora os tribunais mencionam a indisponibilidade da ação penal pública, ora mencionam a divisibilidade dela.

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CURSO – CARREIRAS JURÍDICAS

DATA – 16/08/2016

DISCIPLINA – PROCESSO PENAL

PROFESSOR – MARCOS PAULO

MONITOR – UYARA VAZ

AULA 05

___________________________________________________________________

Ementa:

Ação penal:

Ação penal pública;

Legitimidade para a queixa-crime/titularidade para representação;

Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual.

3. AÇÃO PENAL

3.2 – Ação penal pública

Princípio da indivisibilidade/divisibilidade: são dois ângulos diferentes do mesmo

fenômeno. Imagine que se tenha A, B, C, D e E, todos os cinco concorrendo para

um crime contra vítima determinada. Dos cinco, o MP reuniu justa causa contra três.

Ainda assim, os cinco serão denunciados, ou somente os três? Somente os três

contra os quais há justa causa. Houve uma ação penal pública cindida, pois só vai

alcançar aqueles em que haja justa causa. Porém, em relação a esses três, não

existe alternativa que não seja a denúncia. Sob esse ângulo a ação penal pública

será indivisível. Por isso ora os tribunais mencionam a indisponibilidade da ação

penal pública, ora mencionam a divisibilidade dela.

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“A ação penal pública alcança apenas aqueles contra os quais estejam

presentes as condições para o regular exercício, mostrando-se, neste aspecto,

divisível. Entretanto, em relação a estes, a denúncia se mostra indivisível”.

“A indivisibilidade somada à obrigatoriedade é o que determina o fato de a

representação formalizada contra um dos autores ou partícipes estender-se

aos demais, daí se concluindo ser ela objetiva, versando sobre o fato e não

sobre a pessoa de cada imputado”.

Na medida em que a vítima representa contra A, a ação penal pública já se tornou

obrigatória em relação a ele, mas essa denúncia não pode parar em A, devendo

alcançar todos aqueles contra os quais estejam presentes as condições para o

regular exercício da ação penal. Se houver justa causa também em relação a B, C,

D e E, aquela representação formalizada contra A, naturalmente já alcança todos os

demais, fruto da obrigatoriedade da ação penal pública, somada à indivisibilidade. A

justa causa presente em relação a um vai alcançar os demais em relação aos quais

ela também esteja presente. Ou seja, a ação penal pública há de ser ajuizada em

face de todos aqueles os quais estejam presentes as condições para o seu regular

exercício. Por esse motivo, entre divisibilidade e indivisibilidade, esta é mais

importante.

A indivisibilidade vai conhecer mitigações, que vão se referir à transação penal. Ex.:

05 indiciados com justa causa contra 03. A infração foi de menor potencial ofensivo.

A e B optam pela transação penal. Em que pese a existência de justa causa contra

03, esses 03 não serão denunciados, pois 02 acabaram transacionando. Logo,

somente haverá denúncia contra 01.

“A transação penal mitiga a indivisibilidade na medida em que, embora

apresente justa causa contra determinado número de imputados, apenas serão

denunciados os que não tiverem transacionado”.

Imagine-se que no exemplo acima, C, denunciado, venha a ser absolvido. Se o

fundamento absolutório for somente em relação a C, para por aqui. Mas se for

comum em relação a A e B, o juiz deverá estender os efeitos dessa sentença

absolutória, aplicando por analogia o art. 580, CPP, para desconstituir a transação

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penal celebrada por A e B. Para que isso ocorra, o fundamento absolutório deve ser

comum também a A e B.

Art. 580. No caso de concurso de agentes (Código Penal, art. 25), a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros.

Haveria utilidade em se estender os efeitos dessa sentença absolutória a A e a B?

Se a transação penal não é uma condenação, por si só, haveria utilidade nesse

sentido? Sim, pois ao se desconstituir a transação penal, A e B ficariam liberados do

lapso de 05 anos que teriam que cumprir para se pensar na possibilidade de uma

nova transação penal, conforme art. 76, § 2º, II, Lei 9.099/95.

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

A indivisibilidade se projeta no momento anterior ao oferecimento da denúncia.

Assim, não há que projetar, enquanto mitigações à indivisibilidade, a transação

penal incidental ao processo ou a suspensão condicional do processo. Aqui o

quadro processual é diverso, sendo certo que todos já foram denunciados. A

discussão passa a ser o segmento ou não da ação penal, o que dialoga melhor com

a indisponibilidade. Não dialogando tão bem com indivisibilidade, pois na realidade,

nesse cenário, todos já foram denunciados, não havendo ação penal partida.

O mesmo ocorre com a colaboração premiada – o art. 4º, § 4º da Lei 12.850/13 é

uma mitigação à indivisibilidade, pois à medida que o MP opta por não denunciar o

colaborador, estará rompendo com a indivisibilidade. Apesar de existir justa causa

em relação a ele, será o único que acaba não sendo denunciado.

3.3.1 – Representação:

Possui forma livre nos termos do art. 39, CPP. Isso significa que “qualquer

manifestação de vontade da vítima já vale para fins de representação, inclusive

a notícia-crime por ela veiculada”.

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Art. 39. O direito de representação poderá ser exercido, pessoalmente ou

por procurador com poderes especiais, mediante declaração, escrita ou

oral, feita ao juiz, ao órgão do Ministério Público, ou à autoridade policial.

§ 1o A representação feita oralmente ou por escrito, sem assinatura

devidamente autenticada do ofendido, de seu representante legal ou

procurador, será reduzida a termo, perante o juiz ou autoridade policial,

presente o órgão do Ministério Público, quando a este houver sido dirigida.

§ 2o A representação conterá todas as informações que possam servir à

apuração do fato e da autoria.

§ 3o Oferecida ou reduzida a termo a representação, a autoridade policial

procederá a inquérito, ou, não sendo competente, remetê-lo-á à autoridade

que o for.

§ 4o A representação, quando feita ao juiz ou perante este reduzida a

termo, será remetida à autoridade policial para que esta proceda a inquérito.

§ 5o O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a

representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a

ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.

A representação é um ato totalmente informal, mas se for veiculada por terceiro, por

meio de procuração, esta procuração há de ter poderes especiais.

Possui prazo decadencial de 06 meses, contados da ciência da autoria delitiva, com

base no art. 38, CPP. Ex.: Nos 06 meses a vítima representou, mas não houve ainda

denúncia ofertada. Será possível a retratação até o oferecimento da denúncia. Antes

de oferecida a denúncia pode haver a retratação da retratação? Há duas posições. A

posição ainda majoritária entende que sim, “podendo a retratação da retratação,

dentro do prazo decadencial de 06 meses, porque, do contrário, a primeira

teria configurado renúncia, sem previsão legal para tanto”.

“O entendimento negativo, em sentido contrário, aponta a insegurança

jurídica, pois nos 06 meses decadenciais, o Estado-repressão ficaria à mercê

das idiossincrasias da vítima”.

Começando pelo entendimento negativo (segunda posição): se admitir a retratação

da retratação dentro do prazo decadencial de 06 meses, teria que se passar a

admitir a retratação, da retratação, da retratação, enfim. Nesses 06 meses

decadenciais o Estado-repressão ficaria totalmente à mercê da vítima – representa e

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mobiliza o aparato repressivo estatal; retrata, desmobiliza-se e assim ficaria dentro

desses 06 meses, o que causaria insegurança jurídica.

Nos termos da primeira posição, majoritária, estando dentro do prazo decadencial de

06 meses, a vítima representa e retrata-se. Se ela não pudesse voltar a representar,

ou seja, retratando-se da sua retratação, no fundo, essa retratação acabaria atuando

como renúncia, sendo esta um fato impeditivo de um direito. Assim, se a vítima

representou, voltou atrás, e não pudesse voltar atrás, embora estivesse dentro do

prazo decadencial de 06 meses, na realidade teria um fato que extinguiu o direito

antes da fluência do prazo, o que equivaleria à renúncia. Não por acaso a renúncia

estar associada à preclusão consumativa, vez que o direito teria, simplesmente, se

consumido. Se verificar o CP ou o CPP, não haverá sequer um dispositivo sobre a

renúncia ao direito de representação. Por isso se admite a retratação da retratação

dentro do prazo decadencial de 06 meses.

Há duas exceções a esse modelo, pois são microssistemas em que a representação

se torna renunciável, quais sejam, Juizado da Violência Doméstica e Familiar contra

a Mulher (art. 16, Lei 11.340/06) e art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95. Nesses

dois casos não há que se falar em retratação da retratação, pois há a representação

renunciável.

No âmbito da Lei Maria da Penha, ante a renúncia formalizada em audiência, deverá

declarar extinta a punibilidade. Por outro lado, imagine que houve composição civil

celebrada entre o suposto autor do fato e a vítima, com a consequente homologação

e o pagamento do valor pactuado, mas como ainda está no prazo decadencial de 06

meses a vítima volta atrás. Não será possível, pois o Juizado Especial Criminal foi

feito para fomentar o consenso. Ou seja, nos dois casos o juiz simplesmente vai

formalizar a extinção da punibilidade.

Há ainda uma posição absolutamente minoritária, que irá sustentar a aplicação

subsidiária do CPP a esses modelos – nada mudaria pelo fato de estar no Juizado

da Violência Doméstica contra a Mulher ou pelo fato de se estar no Juizado Especial

Criminal, já que não teria nessas leis dispositivos específicos sobre o tema e,

portanto, valeria a aplicação subsidiária do CPP. É uma posição minoritária, pois

haveria sim uma diferença nesses dois sistemas, a justificar a evocação do princípio

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da especialidade. A diferença é o fato de que, diferentemente do CPP, ter a

renunciabilidade e, assim, a disponibilidade do direito de representaçãob tanto no

art. 16 da Lei 11.340/06, quanto no art. 74, parágrafo único, Lei 9.099/95.

3.3.1.1 – Natureza jurídica da representação

Nos termos do art. 5º, § 4º, CPP, sem a representação não tem como

instaurar o inquérito, iniciando a persecução penal. Assim surge como condição

especial de persequibilidade a representação, ou seja, condição para que se declare

a persecutio criminis.

Art. 5º, § 4o O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de

representação, não poderá sem ela ser iniciado.

Sem a representação também não será possível deflagrar a ação penal,

surgindo ela como condição especial de procedibilidade.

Pode ocorrer que no curso do processo uma ação penal pública que era

incondicionada passa a exigir representação. Se isso ocorrer, sem a representação

não será possível dar prosseguimento à ação penal, surgindo a representação como

condição especial de prosseguibilidade, ou seja, condição para que se prossiga em

juízo. Isso irá ocorrer em duas situações:

1ª) O Estado legislador interferindo nisso, trazendo uma novatio legis in

mellius – lei nova que torne um crime de ação penal pública incondicionada para

ação penal pública condicionada à representação. Ex.: Arts. 88 e 91, Lei 9.099/95.

2ª) Desclassificação operada pelo juízo. Ex.: Plenário do Júri – tentativa

branca de homicídio. O Conselho de Sentença diz não ao ânimo de matar,

entendendo que o réu não teria iniciado a execução do homicídio. Assim, a decisão

cabe ao juiz presidente do tribunal do Júri, entendendo que houve ameaça. Neste

caso sai de um crime de ação penal pública incondicionada para um crime de ação

penal pública condicionada à representação. A posição totalmente dominante

entende que “no caso de desclassificação de uma imputação de ação penal

pública incondicionada para outra condicionada, qualquer manifestação

anterior de vontade da vítima já vale para fins de representação, podendo ser

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de plano aproveitada. Se não houver, suspende-se o processo, notificando-a

para representar em 30 dias, sob pena de decadência, por analogia ao art. 91

da lei 9.099/95”.

Se tiver a desclassificação de um crime de ação penal pública incondicionada para

outro de ação penal pública condicionada à representação, como esta tem forma

livre, qualquer manifestação de vontade que houver nos autos já vale como

representação. Ex.: A vítima que foi à Delegacia e comunicou a ocorrência. Porém,

pode ser que não tenha isso. Neste caso, sobrestará a ação penal e notificará essa

vítima para representar em 30 dias. Se não o fizer, extingue-se a punibilidade. Se

ela não for encontrada, correspondendo à ausência, seria buscar o cônjuge,

ascendentes, descendente ou irmão, nos moldes do art. 24, § 1º, CPP. Se não

encontrar a ação penal ficará inviabilizada.

Em provas para a Defensoria Pública não se deve defender essa tese, colocando o

seguinte:

“Deve-se colher a vontade atual da vítima, porque somente após a

desclassificação tornou-se relevante juridicamente. Esse é o ponto de

convergência entre STF e STJ”.

“A solução para o STJ então seria sempre aplicar por analogia o art. 91 da lei

9.099/95, ainda que houvesse manifestação sua de vontade nos autos”.

“Já o STF entende que, se já decorrido o prazo decadencial de 06 meses, nada

mais poderia ser feito, devendo-se declarar extinta a punibilidade. A analogia

com o art. 91 da Lei 9.099/95 se mostraria indevida, pois transformaria uma

regra especial e transitória em geral e definitiva”.

A posição do STF é muito dura para a vítima, pois esta seria “punida” pelo não

exercício de um direito que até então não tinha, pois a ação penal era pública

incondicionada. O art. 91 é uma regra específica, pois veio disciplinar a transição

das lesões corporais leves e culposas, de crimes de ação penal pública

incondicionada para crimes de ação penal pública condicionada á representação. Se

desandar a aplicar, por analogia, o art. 91 a todas as hipóteses desclassificatórias de

ação penal publica incondicionada para outras condicionadas à representação, o

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que nasceu para ser especial e transitório se tornaria geral e definitivo. Assim, a

solução seria aplicar a regra geral do art. 38, CPP. Todavia, se quando da

desclassificação já tivesse se passado 06 meses, não haveria mais como buscar a

representação.

Neste ponto indaga-se: se tem um precedente do STJ e outro do STF contradizendo

a posição dominante da doutrina, porque neste caso a posição doutrinária deverá

ser a diretriz? A primeira razão é que tanto o precedente do STJ quanto o do STF

não foram veiculados como informativos de jurisprudência. Ainda, os manuais de

processo penal não nos trazem esses precedentes. Por fim, o custo político desse

entendimento é alto demais, pois a temática é mais atual do que nunca se pensar

em crimes contra a dignidade sexual, quando a vítima for maior de 18 anos, não for

vulnerável e tiver havido violência real. Com a lei 12.015, neste caso, saiu de uma

ação penal pública que era incondicionada para uma ação penal pública

condicionada à representação.

Se a desclassificação fosse de um crime de ação penal pública para um de ação

penal privada qual seria a solução? Nesse caso deverá preencher os requisitos do

art. 41 e 44, CPP. Ademais, não há como aplicar o art. 91 da lei 9.099/95 por

analogia. A premissa básica de toda analogia é ubi eadem ratio ibi eadem jus

(aplica-se a mesma disposição de direito onde houver a mesma razão). Nesse caso,

para que se promova uma nova queixa, somente se tiver ainda dentro do prazo

decadencial de 06 meses. Isso pelo fato de possuir todas as premissas que

permitem o aproveitamento da vontade anterior da vítima para fins de representação

quando se tem uma penal pública incondicionada para uma ação penal pública

condicionada à representação. Aqui essas premissas não se fazem presentes.

Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.

Art. 44. A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.

“A desclassificação de um crime de ação penal pública para outro de iniciativa

privada exige a extinção do processo sem julgamento do mérito, ou

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extinguindo-se a punibilidade pela decadência se já expirado o prazo

decadencial de 06 meses, contados da ciência da autoria delitiva. Se não

expirado o lapso temporal, nada impede a formalização da queixa-crime”.

“Como a queixa é um ato formal (arts. 41 e 44, CPP), não é possível

aproveitar a manifestação anterior de vontade. A analogia com o art. 91 da lei

9.099/95, defendida por autores como Eugênio Pacelli, mostra-se de difícil

equacionamento porque diversa a quadra, considerada a ilegitimidade ativa ad

causam superveniente”.

Se a desclassificação fosse de um crime de ação penal privada para ação penal

pública? Não é possível que isso ocorra em uma quadra legislativa. “Aproveita-se a

ação penal em andamento, promovendo a sucessão do pólo ativo da relação

processual penal, saindo o querelante e ingressando o MP”.

3.3.1.2 – Requisição do Ministro da Justiça

A requisição do Ministro da Justiça guarda uma relação íntima com a

representação, pois possuem natureza jurídica idêntica. Trata-se de ação penal

pública condicionada à representação e ação penal pública condicionada à

requisição do Ministro da Justiça.

Nos termos do art. 145, parágrafo único, CP, a requisição será exigida em

crimes contra a honra do Presidente da República e de chefes de governo

estrangeiro.

Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.

Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3

o do art. 140 deste Código.

A antiga lei de imprensa 5.250/57 (não recepcionada pela CR/88, pelo STF

em sede de ADPF) previa crimes contra a honra perpetrados por meio de imprensa.

Mas ia além, dizendo ser a ação penal pública condicionada à requisição do Ministro

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da Justiça não só quando houvesse atentado à honra do Presidente da República,

do chefe de Governo estrangeiro, mas também do chefe de Estado estrangeiro.

Quando o legislador quis incluir o chefe de Estado estrangeiro o faz expressamente.

Como não temos sobre isso posicionamento jurisprudencial, vai valer o texto legal.

Ou seja, a ação penal pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça será

exigida nos crimes contra a honra do Presidente da República e de chefes de

Governo estrangeiro. Portanto, neste caso deve ter uma postura textual.

A sua natureza jurídica é idêntica à da representação. Sem essa requisição

não se pode investigar, proceder em juízo, tampouco dar sequência, em caso de

mutação de um crime de ação penal pública para um de ação penal pública

condicionada à requisição do Ministro da Justiça. Logo, nada muda em termos de

natureza jurídica.

Contudo difere-se da representação, pois não há prazo decadencial nem

possibilidade de retratação. O legislador não esclareceu esses dois aspectos. O

entendimento dominante nos dois casos é que teria havido um silêncio eloquente do

legislador em relação à representação. A primeira razão é está-se falando de crime

contra a honra do Presidente da República e chefe de Governo estrangeiro, crimes

que têm repercussão política, quer no plano nacional, quer no plano internacional.

Deste modo, seria de todo inconveniente exigir pronunciamento definitivo do Ministro

da Justiça em apenas 06 meses, pois é um tempo muito pouco em termos de

política. Ademais, está-se falando de um ato político que parte da mais alta esfera

do Executivo Federal. Assim, se admitida fosse a retratação, isso comprometeria a

seriedade do Governo brasileiro junto aos seus jurisdicionados e perante a

comunidade internacional.

Em que pese o vocábulo requisição, neste caso não é ordem, mas uma

autorização política dada ao MP para que este haja, seja requisitando instauração

do inquérito se assim entender, seja se já dispuser de elementos para promover a

denúncia. O MP desfruta de independência funcional (art. 127, §1º, CR/88) e é o

titular privativo dessa ação penal pública, assim, essa autorização política não tem

efeito vinculante, pois não será o Ministro da Justiça que irá ditar como o MP deverá

exercer a ação penal pública, que é privativa sua. Em que pese a requisição, nada

impede que haja o arquivamento, denúncia com capitulação jurídica diversa.

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3.4 - Legitimidade para a queixa-crime/titularidade para representação

Pensando a queixa-crime como uma ação penal, deve-se pensar em

legitimidade para a queixa-crime e, em contrapartida, deve-se falar em titularidade

da representação.

Mas não estaria aproximando uma ação penal de iniciativa privada à

representação (condição especial de procedibilidade; condição vinculada à ação

penal). Essa aproximação é possível, pois se pensar nos legitimados para a queixa-

crime (arts. 30 e 31, CPP) e titularidade para a representação (art. 24, caput e § 1º,

CPP), conclui-se que serão os mesmos legitimados.

Art. 30. Ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação privada.

Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. § 1

o No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por

decisão judicial, o direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

“O responsável atua em nome próprio não havendo se falar em

representação processual. No tocante à queixa, dá margem a ilegitimidade

ativa ad causam superveniente”.

O querelante será o responsável e não a vítima menor. O legislador deu

legitimidade ad causam ao responsável quando a vítima for menor. Isso dará

margem a que se tenha uma ilegitimidade ativa ad causam superveniente, o que

ocorrerá se no curso da queixa formalizada pelo responsável, a vítima completar 18

anos. Se isso ocorrer, o juiz processante deve, nos termos do art. 60, II, CPP,

sobrestar a queixa formalizada pelo então responsável legal e notificar a vítima, que

acabou de completar 18 anos, para que no prazo de 60 dias assuma o pólo ativo da

relação processual. Se não o fizer nos 60 dias a contar da notificação, terá a

perempção a partir daí. Hipótese, portanto, de ilegitimidade ativa ad causam

superveniente no processo penal.

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Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a ação penal: II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;

O responsável não é só o legal, mas também o responsável de fato.

O mesmo ocorre, evidentemente, para fins de representação.

No caso de a vítima menor ter pais, o prazo de 06 meses começa a fluir da

ciência da autoria delitiva por parte de um deles.

“A queixa ou representação pode ser indistintamente exercida pelo pai ou pela

mãe, mas dentro do prazo decadencial único de 06 meses, contados da ciência

da autoria delitiva pelo primeiro”.

A emancipação tem reflexo nisso? A posição dominante é no sentido de a

emancipação ser somente para atos da vida civil. Seja a queixa, seja a

representação, não são atos estritamente processuais, mas processuais-materiais.

“A emancipação é só para atos da vida civil, não alcançando a representação e

a queixa por serem atos processuais-materiais, e não apenas processuais.

Ademais, haveria um descompasso, pois a vítima não poderia ser

responsabilizada criminalmente, mas apenas socioeducativamente”. Essa

posição é absolutamente dominante, mas não chega a ser unânime. André Nicolitt

entende que a emancipação habilitaria a vítima a representar, a formalizar a queixa-

crime. Ainda argumenta que se isso fosse realizado de maneira irresponsável,

dolosa, não afastaria uma responsabilização socioeducativa.

No caso de morte ou declaração judicial de ausência da vítima, esse direito será

transmitido ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Ex.: Imagine-se que a

pessoa morra depois de já terem se passado 04 meses desde a ciência por ela da

autoria delitiva. Por ter falecido, esse direito passa para o cônjuge, ascendente,

descendente ou irmão. Esses disporão de mais 02 meses ou, em relação a eles,

terá mais 06 meses? Minoritariamente, o entendimento é de que o cônjuge,

ascendente, descendente ou irmão disporá de mais 06 meses para queixa ou

representação. Contudo, está-se diante de uma transmissão e o direito é transmitido

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no estado em que se encontra. Assim, o cônjuge, ascendente, descendente ou

irmão disporá de 02 meses.

“A morte ou declaração judicial de ausência da vítima faz nascer o direito de

queixa ou de representação do cônjuge, ascendentes, descendente ou irmão,

que disporão de mais 06 meses (posição minoritária). Ocorre que a hipótese

versa sobre transmissão, logo o direito é passado adiante no estado no qual

se encontra. Logo, os sucessores terão prazo decadencial residual”.

Em princípio não haverá ordem de preferência entre o cônjuge, ascendente,

descendente ou irmão, sendo a legitimidade concorrente. Só que se mais de um,

simultaneamente, exercer o direito de representação ou direito de queixa, observar-

se-á a sequência prevista em lei, conforme prega o art. 36, CPP. Se concorrer

somente ascendentes ou somente descendentes, simultaneamente, os mais

próximos preferem aos mais remotos.

Neste caso inclui-se o companheiro? Há duas posições, que gravitam em torno do

texto do art. 226, § 3º, CR/88. “Sob uma ótica textual, não alcança o

companheiro, pois haveria uma interpretação extensiva in malam partem*. Sob

uma ótima ontológica e evolutiva, sim, porque em jogo a entidade familiar

como um todo, independentemente de ser união estável ou casamento”.

* Se a própria Constituição fala em conversão, é porque seriam relações jurídicas

distintas por mandamento constitucional. Logo, estaria ampliando a malha

repressiva estatal, ampliando os legitimados para a queixa e os titulares da

representação, pois permitiria também o companheiro.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

O companheiro estaria compreendido na menção ao cônjuge, para a maioria da

doutrina. Como o STF gosta de dizer, seria uma interpretação compreensiva da

norma.

Obs.: Neste ponto não se deve utilizar dos verbos ampliar, estender ou alcançar,

pois dá ideia de extensão, o que esbarraria na legalidade penal estrita e no devido

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processo legal. Por tanto, deve-se falar em compreender, conter. A menção ao

cônjuge compreenderia o companheiro.

O art. 34, CPP, estabeleceu, tendo como parâmetro a vítima, que se esta tiver

menos que 18 anos, a legitimação/titularidade será do responsável. Se igual ou

maior de 18 anos e menor de 21 anos, a legitimação/titularidade será concorrente

entre responsável e vítima. Por fim, se a vítima for maior de 21 anos, a

legitimação/titularidade será dela.

Art. 34. Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal.

Conclui-se por direitos distintos, titularidades diversas. Assim, não seria possível um

único prazo decadencial – cada direito teria seu próprio prazo decadencial. O da

vítima, contudo, só fluiria depois que ela completasse 18 anos, desde que o crime

não estivesse prescrito.

Por esse motivo tinha-se como reforço a regra do art. 50, parágrafo único, CPP,

dizendo que a renúncia formalizada pelo responsável não produziria efeitos se

tivesse oposição da vítima que completou 18 anos. Da mesma maneira que a

renúncia formalizada pela vítima não produziria efeitos se tivesse oposição do

responsável. Se assim o é, seriam direitos distintos, logo, prazos decadenciais

distintos.

Art. 50. A renúncia expressa constará de declaração assinada pelo ofendido, por seu representante legal ou procurador com poderes especiais. Parágrafo único. A renúncia do representante legal do menor que houver completado 18 (dezoito) anos não privará este do direito de queixa, nem a renúncia do último excluirá o direito do primeiro.

Posteriormente, no art. 52, pertinente ao perdão, ocorre o mesmo – o perdão

lançado pelo responsável não produziria efeitos se houvesse oposição da vítima que

completou 18 anos. Da mesma maneira que o perdão formalizado pela vítima não

produziria efeitos ante a oposição do responsável. Portanto, direitos distintos, com

prazos decadenciais distintos.

Art. 52. Se o querelante for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de perdão poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal, mas o perdão concedido por um, havendo oposição do outro, não produzirá efeito.

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Essa constatação desaguou na súmula 594, STF. Portanto, ainda que o responsável

não formalizasse a representação ou a queixa no prazo decadencial de 06 meses, a

vítima, ao completar 18 anos, disporia de mais 06 meses. Posição majoritária.

SÚMULA 594: Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.

Essa conclusão sempre foi criticada pela doutrina. As críticas formalizadas contra

essa posição era a ofensa ao devido processo legal e à legalidade penal estrita, pois

estaria, indevidamente, duplicando o prazo decadencial de 06 meses. Embora o art.

38, CPP, traga um prazo decadencial de 06 meses, estaria trabalhando com dois

prazos – um para o responsável e outro para a vítima, ao completar 18 anos,

ignorando que esse prazo seria uno, conforme art. 33, CPP (a lei contemplou

hipótese de divergência entre o responsável e a vítima menor de 18 anos, dando

como solução a nomeação de curador). O art. 33, CPP, seria hipótese de jurisdição

voluntária, pois o juiz criminal apenas identificaria a controvérsia, nomeando curador

à vítima, que decidiria pela representação/queixa. Se o legislador deu essa opção, é

porque teria um prazo decadencial único (posição minoritária).

Com o advento do CC/02, abalou-se o alicerce normativo por detrás da súmula 594

do STF, considerado o art. 5º, CC/02. Com o art. 5º, CC/02, a maioridade civil

diminuiu de 21 para 18 anos. A base normativa primeira da súmula 594 era o art. 34,

CPP. Se a vítima já completou 18 anos ela já é capaz, não tendo mais responsável.

Assim, o art. 5º, CC/02 mata o art. 34, CPP, que contemplava a

titularidade/legitimação concorrente entre responsável e vítima, se esta tivesse idade

igual ou maior que 18 anos e menor que 21. Ademais, se não há que se falar em

responsável, matam-se os art. 50, parágrafo único, e 52, CPP.

Essa discussão causou uma reviravolta na doutrina. Autores que se alinhavam à

súmula 594 do STF, por esse fundamento deixaram de fazê-lo, que foi o caso da

Pacelli. Hoje há duas situações:

1) Vítima menor de 18 anos – caberá a legitimação/titularidade ao responsável;

2) Vítima com idade igual ou superior a 18 anos – caberá a

legitimação/titularidade a ela própria.

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Logo, não há mais a situação intermediária. Deste modo, se o responsável tomar

ciência da autoria delitiva e deixa transcorrer o prazo decadencial de 06 meses,

haverá extinção da punibilidade. Quando a vítima completar 18 anos, não poderá

mais nada fazer.

Ante o cenário atual, alguns autores, como Guilherme da Souza Nucci, ainda vão

propor uma sobrevida à súmula 594 do STF, mas com um argumento inédito,

fraquíssimo por sinal, qual seja, não flui prazo decadencial contra incapaz. Professor

Marcos Paulo entende ser um argumento desesperado, haja vista que seria evocar

uma norma existente no Código Civil para criar uma causa impeditiva do prazo

decadencial no âmbito penal. Contudo, à luz do princípio da legalidade estrita do

direito penal, bem como do princípio do devido processo legal, isso não seria

possível. Ademais, é um entendimento que destoa do jardim de infância do direito

civil, pois parte-se da premissa de que não fluiria prazo decadencial contra incapaz,

mas contra o relativamente incapaz flui. É um entendimento que acaba por ser

demasiadamente legiferante. Por detrás desse entendimento se pretenderia uma

reconstrução legislativa do art. 34, CPP – seria falar em menoridade de 16 anos e

ainda falar em uma legitimação/titularidade concorrente quando a vítima tivesse

idade maior ou igual a 16 anos e abaixo de 18 anos. Seria uma aplicação subsidiária

in malam partem do Código Civil, no âmbito penal, para criar uma causa impeditiva

do prazo decadencial.

O STF, no primeiro semestre de 2016, trouxe um precedente inédito que, em

princípio, se tivesse partido de órgão fracionário ficaria, até segunda ordem, de

precedente isolado. Porém, partiu do Pleno do STF. A hipótese era tormentosa,

versando de crimes contra a dignidade sexual, mas a ratio decidendi desse

julgamento não ficaria restrita a esses crimes. O caso foi o seguinte: era uma

acusação de estupro mediante violência presumida. Porém, fato anterior à lei

12.015/09, ou seja, a ação penal seria de iniciativa privada. Supostamente teria

havido consentimento, não sendo possível falar em ação pública incondicionada por

violência real. A violência não partiu do pai, tutor, curador ou padrasto, hipótese em

que a ação seria pública incondicionada. A vítima não era pobre, não sendo hipótese

de ação penal pública condicionada à representação. Autor e vítima eram vizinhos.

Ele bem mais velho do que ela e, pelo que consta nos autos, supostamente houve

um flerte. Ela com 13 anos teriam tido relações sexuais. A tese da defesa, acolhida

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por 100% da doutrina, foi a decadência do direito de queixa. A ação penal foi

formalizada por denúncia do MP, mas deveria ter sido formalizada por queixa-crime

do responsável, o que não ocorreu. O entendimento do STF, que poderia tomar

como empréstimo para o caso acima discutido (súmula 594, STF), foi no sentido de

que considerando que a Constituição teve uma preocupação de tutelar não só

família, mas também as crianças e os adolescentes, qualquer crime que viesse a

atingir esse segmento teria que ser de ação penal pública incondicionada, de

maneira que precedentes em sentido contrários a esse não se mostrariam

compatíveis com a ordem constitucional de 1988.

Cuidado: não é uma situação que possa ser vulgarizada para todo e qualquer crime.

É uma solução parcial, que resolveria as hipóteses nas quais se estivesse diante de

crimes de ação penal privada ou crimes de ação penal pública incondicionada,

atentado contra vítima menores no ambiente familiar, doméstico. Ou quando o pano

de fundo for crime sexual.

Em uma prova objetiva, em que pese grande parte da doutrina ter sepultado a

súmula 594, STF, fato é que parte da doutrina evoca o Código Civil para conservá-

la. O STF não se pronunciou em sentido contrário à sumula. Logo, em prova objetiva

deve-se marcar a súmula 594, STF.

“No primeiro semestre de 2016, entendeu o Pleno do STF, por maioria (6 a 3),

que não são compatíveis com o art. 227, CR/88, preceitos que tornem crimes

contra crianças e adolescentes de ação penal pública condicionada à

representação ou de iniciativa privada, porque se é dever do Estado tutelar

esses segmentos, a ação penal só pode ser pública incondicionada, orientação

que vai além do preconizado na própria súmula 594 do STF”. Aqui há outro

exemplo de ativismo pelo STF.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

3.5 – Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual

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Quando se pensa no art. 225, CP, convém fazer um corte, qual seja, tomar

como referência a lei 12.015/09, analisando o antes e o depois.

ANTES DEPOIS

Regra: ação penal de iniciativa privada. Regra: ação penal pública condicionada.

Seria uma novatio legis in pejus.

A ação penal pública só era incondicionada

quando o crime era cometido por abuso do

poder familiar, ou na condição de tutor,

curador ou padrasto.

A ação penal pública será incondicionada se

a vítima for menor de 18 anos ou vulnerável.

Isso também traduziria, em termos textuais,

uma novatio legis in pejus*.

* Quando se fala em pai, tutor, curador e padrasto, isso sugere uma quadra de

incapacidade etária/mental da vítima. Porém, desde que se tenha no contexto um

abuso do poder familiar ou na condição de tutor, curador ou padrasto. Aqui, de outro

modo, a análise é objetiva – a vítima é menor de 18 anos ou vulnerável, o que

representa ação penal pública incondicionada. Logo, isso vale para um sujeito ativo

do crime estranho à vítima ou fora das relações acima mencionadas. Por haver um

alargamento das possibilidades, resulta em novatio legis in pejus.

Assim, se tomar como base a orientação do STF, teria havido inovação? Não, pois

se tomar como base o que o STF decidiu neste ano de 2016, primeiro semestre, se

a vítima se mostra menor de 18 anos ou vulnerável, ter-se-ia como política pública a

tutela desse segmento pelo Estado. Assim, mesmo na sistemática anterior, a ação

penal já seria pública incondicionada. Na verdade, a lei 12.015 só explicitou o que o

STF passou a entender no primeiro semestre de 2016.

Obs.: “Tomando como referência o entendimento acima do STF, a lei

12.015/09, ao estabelecer a natureza pública incondicionada da ação quando o

crime sexual alcançar vítima menor de 18 ou vulnerável, apenas explicitou o

entendimento da Corte Constitucional, sem traduzir novatio (princípio da

vedação da proteção insuficiente)”.

O cenário hoje é o de ação penal pública condicionada como regra e ação penal

pública incondicionada quando a vítima for menor de 18 anos ou vulnerável.

Entretanto, se a ação penal é publica incondicionada quando a vítima for menor de

18 anos, isso cai como uma luva para o estupro de vulnerável, considerado o caput

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do art. 217-A, CP. Ao pensar no art. 217-A, caput, CP, o tipo penal é manter

conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos. Logo, a

ação penal será pública incondicionada. Mas há também o vulnerável como vítima

para a ação penal pública incondicionada. Assim, ficar-se-ia com a tendência de

imaginar que no caso do § 1º, art. 217-A, CP, a ação penal também seria pública

incondicionada, por versar sobre a vulnerabilidade. Mas no caso do § 1º, art. 217-A,

a ação penal será pública incondicionada desde que se tenha uma vulnerabilidade

definitiva ou tendente à definitividade – prazo indeterminado. Se a vulnerabilidade for

pontual, transitória, não muda a natureza da ação, continuando a ser pública

condicionada à representação.

No art. 213 há um problema a ser resolvido. Pela lei 12.015, o que torna hoje uma

ação penal pública incondicionada é a qualidade da vítima – ter uma vitima menor

de 18 anos ou vítima vulnerável. O fato de o crime ter sido cometido mediante

violência real tornou-se um fator juridicamente neutro. O art. 213, CP, traz o crime de

estupro. Pelo caput do referido artigo, aplica-se a regra da ação penal publica

condicionada à representação. Pelo § 1º, em duas circunstâncias a ação penal seria

pública incondicionada, pela menoridade de 18 anos da vítima e quando a

qualificadora fosse lesão corporal grave. Quanto a esta última hipótese é que surge

a dúvida. Se pensar no simples fato de a lesão corporal ser grave, valeria a regra da

ação penal publica condicionada à representação. Se pensar no § 2º, estupro

qualificado pela morte, também teria uma ação penal pública condicionada à

representação, mas incidiria a regra do art. 24, § 1º, CPP (em caso de morte da

vítima, o direito de representação passaria ao cônjuge, ascendente, descendente ou

irmão).

No caso do § 2º do art. 213, CP, imagine uma vítima solteira, sem cônjuge,

ascendentes todos já falecidos, filha única e sem filhos. Com a morte dela, o que

haveria? Acabou, pois não haveria como acionar o § 1º do art. 24, CPP. Essa

perplexidade gerou um alerta vermelho em muitos autores. Se contemplar essa

possibilidade, valeria lançar para todos os estupradores do país a seguinte

mensagem: “você, estuprador, escolha uma vítima certificando que os ascendentes

já morreram todos, que seja filha única ou irmãos falecidos, que não tenha filhos e

seja solteira e, ao terminar o estupro, a mate”. Isso é o que no direito constitucional,

em matéria interpretativa, se chama de realismo ou pragmatismo jurídico, ou seja, a

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solução chega antes da fundamentação. Primeiro chega-se à conclusão de que isso

não pode ocorrer, para depois construir a fundamentação. A fundamentação

inteiramente calcada na razoabilidade sob o prisma da proporcionalidade seria o art.

101, CP. O referido artigo cuida da ação penal nos tipos complexos (tipo penal

reunindo mais de uma figura delitiva) e, nos seus exatos moldes, se uma das figuras

delitivas do complexo for de ação penal pública incondicionada, ele próprio será de

ação pública incondicionada. Isso é inerente a crimes qualificados pelo resultado.

No caso do art. 213, § 1º, CP, há um estupro e um homicídio. O homicídio, por si só,

seja doloso ou culposo, é de ação penal pública incondicionada. Deste modo, o

estupro qualificado pela morte também será de ação penal pública incondicionada.

“Pautando-se na razoabilidade sob o prisma da proporcionalidade, conjugadas

aos art. 101, CP, se o homicídio, por si só, é de ação penal pública

incondicionada, seja doloso ou culposo, o que dizer quando estiver

qualificando o estupro”.

E quando o estupro estiver qualificado pela lesão corporal grave, como proceder?

Aqui há um grande descompasso entre a doutrina e a jurisprudência. Professor

Marcos Paulo segue o entendimento da jurisprudência. A doutrina fecha muito a

questão nos crimes preterdolosos, com o entendimento de ter dolo no antecedente e

culpa no consequente. Se adotar essa orientação, no caso de estupro qualificado

pela lesão corporal grave, a ação penal seria pública condicionada à representação,

pois a lesão corporal viria a título culposo, sendo, portanto, de ação penal pública

condicionada à representação.

Todavia, se o estupro alcançasse a mulher no âmbito doméstico/familiar? A ação

penal é pública condicionada à representação, considerando o art. 88 da lei

9.099/95, inaplicável, porém, no âmbito da lei Maria da Penha, tendo uma ação

penal pública incondicionada. Mesmo assim partindo de uma condicionante, qual

seja, a de que a vedação à lei 9.099/95 alcançaria também os crimes culposos, pois

estaria falando de lesão corporal culposa.

“Se a qualificadora versar sobre lesão corporal, a ação penal pública seria

condicionada à representação, pois nos crimes preterdolosos o resultado vem

a título culposo, logo a lesão corporal seria culposa, acionando o art. 88 da lei

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9.099/95, exceto se o estupro alcançar integrante de unidade familiar ou

doméstica do sexo feminino, desde que se entenda que a vedação à lei

9.099/95 alcança também as lesões culposas (o STJ tem precedente nesse

sentido, em dissonância com a maioria da doutrina)”.

Essa orientação será adotada desde que se entenda que crime qualificado pelo

resultado seja de fato crime preterdoloso, no qual, o resultado viria sempre a título

culposo.

No entanto, não há essa linearidade nos tribunais superiores. A maior prova de que

não se tem essa linearidade encontra-se nos crimes de latrocínio. Qual o

entendimento do STF quando a subtração patrimonial se consuma, mas o atentado

à vida não se consuma? A capitulação seria de roubo mais tentativa de homicídio ou

latrocínio consumado, já que o resultado principal patrimônio foi alcançado? Nenhum

dos dois, vez que se entende por latrocínio tentado. O que é surreal se efetivamente

pensar o latrocínio como crime preterdoloso, no sentido de que o antecedente é a

título de dolo e o consequente a título de culpa. Significaria admitir a tentativa em

crimes culposos. Uma pessoa quando pratica um latrocínio não dispara

acidentalmente, mas com o intuito de facilitar ou garantir a impunidade do roubo. Se

prevalecessem os postulados doutrinários, as imputações teriam que ser sempre de

roubo mais homicídio – competência do Tribunal do Júri - o que não ocorre. A

imputação será de latrocínio, considerada a unidade espacial e temporal.

Os tribunais se aproximam no sentido de afastar um conceito puro e simples de

crime preterdoloso para potencializar o princípio da especialidade, até porque na

lesão corporal culposa a gravidade da lesão não é relevante em termos de tipologia.

Só irá sopesar a gravidade da infração enquanto circunstância judicial. Não há lesão

corporal culposa qualificada ou majorada pela gravidade da infração. Isso ocorre nas

lesões dolosas.

“Caso se entenda que estupro mais lesão corporal grave ou gravíssima

configura um crime único, em apreço ao princípio da especialidade, a lesão

corporal grave, também de ação pública incondicionada tornaria o estupro,

nesses moldes, de idêntica natureza”.

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Se a lesão corporal for dolosa, mas leve, não haveria espaço. Até por interpretação

a contrario sensu do § 1º do art. 213, CP, teria que fixar a natureza da ação como

pública condicionada à representação. Nesse aspecto, teria havido uma novatio in

mellius, pois antes da lei 12.015 tinha-se a súmula 608 do STF, estabelecendo a

natureza pública incondicionada da ação penal no estupro sempre que houvesse

violência real, mesmo que geradora de lesões leves.

“A contrario sensu, se geradora de lesões leves, a ação penal torna-se pública

condicionada, afastando-se da súmula 608 do STF”.

SÚMULA 608: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.

Conforme visto anteriormente, a violência real hoje é neutra para definir a natureza

da ação pública incondicionada nos crimes contra a dignidade sexual, já que os

referenciais são em relação à vítima – menor de 18 anos ou vulnerável. Se pensar a

contrario sensu, inclusive de todas essas posições doutrinarias trazidas, se a lesão

corporal grave passasse a tornar o crime de ação penal pública incondicionada, ao

contrário, no caso de lesão leve a ação seria pública condicionada à representação.

Só poderia fazer uma ponderação em sentido contrário, qual seja, no caso de

violência familiar ou doméstica contra a mulher (estupro praticado nesse contexto),

pela não incidência da lei 9.099/95. Todavia, nem se precisaria chegar a tanto, pois

a regra geral hoje, por lei, é que a ação penal será pública condicionada à

representação.

Essa é a hipótese em que, por força de uma alteração legislativa, uma imputação

que era de ação penal pública incondicionada passa a exigir representação,

tornando, mais do que nunca, atual a representação como condição especial de

prosseguibilidade e a possibilidade de se aproveitar qualquer manifestação anterior

de vontade dessa vítima formalizada nos autos para fins de representação.

Obs.: “Embora a lei seja de 2009, o STJ continua a aplicar a súmula 608 do

STF, ao argumento de que compete à Corte Constitucional a palavra final

sobre o tema, lembrando que se esta já teve a oportunidade de fazê-lo e não o

fez é porque, subliminarmente, manteve o enunciado”.

Hoje, em prova objetiva, continua a se aplicar a súmula 608, STF.