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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA UCB VIRTUAL CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS Autor: Marcelo Agra Souto Orientadora: Anelise Pereira Sihler RECIFE PE 2010

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB VIRTUAL

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS:

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

Autor: Marcelo Agra Souto

Orientadora: Anelise Pereira Sihler

RECIFE – PE

2010

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA

Autor: Marcelo Agra Souto

USUÁRIOS DE DROGAS E PROGRAMAS DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E

TESTEMUNHAS AMEAÇADAS: limites e possibilidades

Monografia apresentada à

Universidade Católica de Brasília,

como requisito para conclusão do

curso de especialização em

Direitos Humanos, tendo como orientadora a professora Anelise

Pereira Sihler.

RECIFE, 2010

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AGRADECIMENTOS

À psicóloga Anelise Pereira Sihler, que me orientou na elaboração do trabalho, por ter

colocado todo seu conhecimento à disposição e por todo incentivo repassado.

Ao Coordenador do curso de especialização em Direitos Humanos, Daniel Seidel, pela

atenção dispensada ao longo do curso.

Ao psicanalista José Carlos Escobar, por toda influência que teve na formação das

minhas concepções sobre a questão do uso de drogas.

Aos profissionais que trabalham e trabalharam no Provita entre os anos de 2002 e 2009,

com quem tive contatos que mobilizaram o interesse por me aprofundar no tema,

especialmente os psicólogos Douglas Assis, Gustavo Vieira e Paulo Aguiar.

À Vanessa Gazatti, minha esposa, pela sua compreensão, paciência e companheirismo,

nos muitos momentos em que precisei me dedicar à elaboração do trabalho de

conclusão de curso.

À psicanalista Rosa Pereira, por tudo que a experiência de análise pessoal tem

representado na minha vida.

Aos meus pais, por tudo que me possibilitaram ao longo da minha vida.

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RESUMO

O presente trabalho busca demonstrar que o uso de drogas, por si só, não deve significar

impedimento ao ingresso e à permanência nos Programas de Proteção a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas. Propõe estratégias para lidar com a testemunha ou familiar

que é usuário de drogas, recorrendo aos princípios da Redução de Danos e da defesa dos

Direitos Humanos para respaldar a compreensão de que é viável, em determinados

casos e respeitando alguns limites, garantir a proteção das pessoas mesmo com o uso de

drogas ainda presente. Neste sentido, questiona a obrigatoriedade do tratamento para

usuários de drogas que fazem parte da população atendida pelos Programas, defendendo

que nem todas as pessoas que fazem uso de drogas precisam se tratar e que, mesmo as

que precisam, devem ter na possibilidade de tratamento um direito e não uma obrigação.

Palavras-chave: uso de drogas, redução de danos, direitos humanos, tolerância.

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ABSTRACT

This paper seeks to demonstrate that drug use alone should not mean impediment to the

entry and permanence in the Programs to Protect Victims and Threatened

Witnesses. Proposes strategies to deal with the witness or family member who is drug

user, using the principles of Harm Reduction and the defense of Human Rights to

support the understanding of what is feasible in some instances and respecting some

limits to ensure the protection of persons even with the use of drugs still present. In this

sense, questions the compulsory treatment for drug users who are part of the population

served by the Programs, arguing that not all people who use drugs need to be treated

and that even those who need, must have the possibility of a treatment as a right and not

as an obligation.

Keywords: drug use, harm reduction, human rights, tolerance.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................07

1. DROGAS E USUÁRIOS DE DROGAS:

1.1- Drogas...uma palavra, vários sentidos...................................................................10

1.2- Visão histórica do uso de drogas............................................................................12

1.3 - Drogas na sociedade contemporânea.....................................................................15

1.4 - Classificação das drogas.........................................................................................20

1.5 - Tipos de usuários....................................................................................................42

1.6 – Prevenção...............................................................................................................49

1.7 – Formas de tratamento.............................................................................................53

2. REDUÇÃO DE DANOS: OUTRAS POSSIBILIDADES...

2.1 - Conceito de Redução de Danos..............................................................................57

2.2 - História da Redução de Danos no Brasil.................................................................62

2.3 - Redução de Danos como política estatal.................................................................65

2.4 - Redução de Danos e Direitos Humanos..................................................................71

3. USO DE DROGAS E PROGRAMAS DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E

TESTEMUNHAS AMEAÇADAS:

3.1 – Os Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e o seu

funcionamento.................................................................................................................75

3.2 - Propostas de intervenção dos Programas junto aos usuários de drogas................80

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................97

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1. INTRODUÇÃO:

O interesse por direcionar nossa pesquisa à intervenção dos Programas de

Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas junto aos usuários de drogas partiu da

constatação de que, historicamente, as Equipes Técnicas encontram muitas dificuldades

no trato com as testemunhas que estão sob proteção e fazem uso de drogas, sobretudo

quando se trata de uso de drogas ilegais/ilícitas.

Identificamos que, ao longo da sua existência, os Programas

encontraram/encontram duas formas distintas de lidar com a questão do uso de drogas

por parte dos seus usuários. Enquanto algumas poucas Equipes Técnicas trabalham

tentando inseri-lo em uma perspectiva de saúde, sendo mais tolerante ao uso e

preocupando-se com a diminuição dos danos que podem decorrer desta ação, outras

imprimem um caráter que denominamos como proibitivo, de “tolerância zero”,

oferecendo ao usuário apenas duas opções – o tratamento ou a exclusão do Programa, o

que deixa transparecer a crença de que seria viável trabalharmos no sentido de construir

um Programa livre das drogas.

Evidenciamos que a Rede Nacional de Proteção a Vítimas e Testemunhas

Ameaçadas não dispõe de uma linha de atuação definida com relação aos usuários de

drogas e, diante dessa realidade, vários usuários já foram excluídos de alguns

programas estaduais por não conseguirem/não desejarem parar de usar drogas, enquanto

que, em outros Estados, em situações semelhantes, as equipes identificam possibilidades

de permanência, conseguindo “esticar” bem mais o “elástico” da tolerância e da

compreensão com o contexto/processo que envolve uma pessoa que estabelece algum

tipo de relação com determinada droga.

Tal diferença nas intervenções entre os programas estaduais tem representado

um grande obstáculo para o fortalecimento da idéia de Rede Nacional de Proteção, já

que esta implica em conseguirmos ter diversos Programas com diretrizes bem definidas,

possibilitando a adoção de encaminhamentos semelhantes às situações que se

apresentam nos diferentes Estados onde o Programa é executado.

O objetivo do trabalho é demonstrar que o uso de drogas, por si só, não deve

significar inviabilidade de permanência no Programa, já que defendemos a idéia de que

tal ação não necessariamente implica em exposição da condição de testemunha.

Assim, pretendemos apresentar argumentação que possibilite a construção de

estratégias para lidar com o uso de drogas no âmbito dos Programas de Proteção a

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Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, estabelecendo princípios que sirvam de referência

para atuação das equipes técnicas.

Para atingirmos o objetivo referido recorremos a alguns conceitos básicos sobre

uso/usuários de drogas, assim como aos princípios da Redução de Danos, buscando uma

relação direta entre eles e a defesa dos Direitos Humanos. Assim, recorremos a autores

como Bucher, Marlatt, Zaluar, Bastos, Nery, Andrade, entre outros, por considerar que

estes apresentam reflexões que respaldam nossa convicção de que seria inviável

pensarmos em um mundo sem drogas e, portanto, em um Programa sem drogas, já que

ele está inserido na sociedade, o que significa dizer que está sujeito aos fenômenos

evidenciados nela, inclusive o uso de drogas.

Como metodologia, optamos por uma pesquisa bibliográfica e documental,

assim como procuramos dialogar com diversos(as) técnicos(as) que atuam nos

Programas, buscando situar as principais questões envolvidas na discussão sobre as

formas de intervenção das Equipes Técnicas junto aos usuários de drogas. Assim,

realizamos estudos de casos, analisamos termos de compromissos assinados pelos

usuários, fichas de atendimentos, pastas dos casos, entre outros documentos.

Tal movimento foi possível por termos um histórico de atuação no Programa e

isso, juntamente com a bibliografia e documentação pesquisada, nos proporcionou

amplo conhecimento sobre a realidade de cada programa estadual e da rede nacional

como um todo, nos aproximando das relevantes divergências existentes entre as equipes

quando o assunto é uso de drogas e Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas

Ameaçadas.

Destacamos que o trabalho não teve a intenção de avaliar a efetividade ou a

qualidade desses Programas em um sentido mais amplo, o que significa dizer que não

adentramos na análise das questões referentes ao seu formato, ao cumprimento dos

objetivos, muito menos à qualidade da participação do Estado e da Sociedade Civil no

seu planejamento e execução.

O nosso foco foi na intervenção das Equipes Técnicas junto aos usuários dos

Programas que fazem uso de drogas.

Assim, no primeiro capítulo, apresentamos o conceito de drogas, assim como

definimos diferentes tipos de drogas e de usuários de drogas, ressaltando que os seus

efeitos estão relacionados não só às suas propriedades, mas também às singularidades

de cada sujeito e ao contexto sócio-cultural em que se insere o uso.

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Posteriormente, no capítulo 2, resgatamos o conceito e a trajetória histórica

percorrida pela Redução de Danos (RD), situando-a como uma alternativa que se

apresenta diante do reconhecido insucesso das propostas tradicionais de lidar com os

usuários de drogas. Neste momento, constatamos a proximidade existente entre os

princípios da RD e àqueles que direcionam a prática dos defensores dos Direitos

Humanos.

A partir daí, no capítulo 3, detalhamos o funcionamento dos Programas de

Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, assim como explicitamos as formas que

as equipes vem lidando com a questão do uso de drogas.

Para finalizar, enfatizamos alguns princípios que devem respaldar a intervenção

das Equipes Técnicas junto às pessoas que fazem uso de drogas e que estão inseridas

nos Programas de Proteção à Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, destacando

proposições para lidar com a questão.

Concluímos que o uso de drogas esteve e estará presente no cotidiano de alguns

usuários dos Programas e que ele, por si só, não deve ser impeditivo para o ingresso ou

permanência de uma pessoa. Também constatamos que nem todo usuário de droga deve

ser encaminhado para tratamento e que este, quando necessário, deve ser visto como um

direito e não como uma obrigação. Neste sentido, destacamos que estabelecemos uma

relação direta entre as propostas de intervenção e toda construção teórica dos capítulos

anteriores.

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1. DROGAS E USUÁRIOS DE DROGAS:

1.1 - DROGAS...UMA PALAVRA, VÁRIOS SENTIDOS:

Apesar de termos construções interessantes entre os teóricos que se dedicam a

estudar as questões relacionadas ao uso de drogas, evidenciamos que o tema ainda é

permeado de desconhecimento por parte do público em geral e até mesmo entre

psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, advogados e demais profissionais que, até

mesmo em função do exercício profissional, lidam com pessoas que fazem uso de

drogas, como, por exemplo, na atuação em programas/projetos sociais ou em políticas

públicas.

A forma com que a mídia trata os assuntos relacionados às drogas, o

radicalismo, conservadorismo e o preconceito favorecem a construção e consolidação

de uma concepção distorcida sobre as drogas e sobre os usuários de drogas. Não

raramente nos deparamos com opiniões que relacionam às drogas a uma espécie de mal

do mundo e o usuário de drogas a uma pessoa invariavelmente fadada ao fracasso. Por

vezes, ainda identificamos a tentativa de relacionar à palavra droga apenas às drogas

ilícitas, apesar dos evidentes prejuízos causados por drogas como álcool e tabaco, assim

como há uma tendência a relacionar o uso de droga a uma questão de (“mau”) caráter.

A palavra droga tem vários significados e sua origem etimológica no persa

(droa= odor aromático), hebraico (rakab = perfume), holandês (droog = folha seca)

(Reghelin, 2002, p. 70).

Todo medicamento é uma droga e o termo (droga) também é comumente usado

como sinônimo de algo indesejado, contudo, o significado que nos interessa neste

momento é o de droga enquanto substância psicoativa (SPA).

Neste sentido, drogas são substâncias naturais ou artificiais, que atuam no

sistema nervoso central e são utilizadas para produzir mudanças no comportamento, nas

sensações, no grau de consciência, no estado emocional (SENAD, 2000). Na literatura

especializada, freqüentemente identificamos o termo substância psicoativa (SPA) ou

drogas psicotrópicas, em substituição à palavra droga, o que decorre da intenção de

destacar que se tratam de substâncias que agem no cérebro.

Os efeitos gerados pelo uso de drogas geralmente são prazerosos e esta é uma

questão crucial para enfrentar quando buscamos uma análise aberta sobre o fenômeno

do uso de drogas. Ou seja, não há como negar que usar droga proporciona prazer, ou,

como afirma Francisco Baptista Neto (2009), “as pessoas usam drogas porque elas dão

algum tipo de gratificação para quem as usa... Qualquer droga, lícita ou ilícita, satisfaz

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alguma necessidade do usuário. Seja pelo alívio de alguma dor física ou psicológica,

seja pela cura de uma doença, o encontro da auto-destruição, para se sentir mais

atraente, ou simplesmente por uma sensação de bem estar e prazer.”

Como afirma Kalina e colaboradores (1999): “em termos gerais, a função das

adições consiste em neutralizar uma carência ou um medo, diminuir uma ansiedade,

devolver uma esperança, reoutorgar as forças perdidas ou a ilusão de tê-las

reencontrado. Mas, acima de tudo, a adição, seja ao que for, responde à imperiosa

necessidade de desencadear artificialmente uma fantasia que é vivida como certeza por

quem a experimenta”. Mais adiante, o mesmo Kalina (1999) coloca que “ao consumir o

fumo, o fumante “supera” um instante de ansiedade que, de alguma maneira, acredita

ou concebe como insuportável. Ao ingerir álcool, o bebedor se sobrepõe à inquietação

que por um ou outro motivo o domina”.

Quando buscamos uma compreensão sobre o uso de drogas, trazemos a

importância de não resumirmos a atenção apenas à droga, ao poder da substância, por si

só, mas sobretudo “`a relação que se estabelece entre três elementos: a droga em si ( o

produto), as características do indivíduo que faz uso dessa droga e o contexto

sociocultural e econômico em que tal consumo se insere...Assim, a definição do produto

é apenas o primeiro passo para entender a relação complexa que se estabelece entre os

homens, as drogas e as suas circunstâncias”. (Manual de orientação sobre drogas.

Centro de prevenção às dependências, 1999).

Partindo desse pressuposto, concordamos com Gey Espinheira (2004), quando

afirma que “a cena da droga nunca é a mesma, assim como não o são os seus agentes e

isto não apenas no tempo, mas também nos diferentes espaços da cidade. Em outras

palavras, as formas de consumo nunca são iguais...”.

Os efeitos provocados pelo uso de determinadas substâncias não são os mesmos

para todas as pessoas, nem mesmo para a mesma pessoa em momentos de vida

diferentes. Há uma estreita relação com o contexto social/cultural/econômico em que a

droga é usada, o estado físico e psicológico, a história de vida de cada sujeito, as

expectativas criadas em torno do uso.

Esta concepção encontra respaldo em Olievenstein (1985), pois, para ele, em

todo episódio de droga devem ser analisados três elementos: a droga em si (substância),

o indivíduo que faz o uso e o contexto sócio-cultural.

Bastos (2003, p. 37) acrescenta: “nenhuma substância determina

comportamentos, mas tão somente contribui para explicitação de comportamentos e

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atitudes que já são característicos das pessoas, ou seja, não é a bebida que torna uma

pessoa agressiva, mas sim que pessoas agressivas podem se tornar explicitamente

agressivas quando alcoolizada”.

Assim, temos que a droga, em si, não é boa nem ruim, pois tal adjetivo vai variar

de acordo com a intenção de quem usa. Elas são “coisas”, substâncias, e os seus

efeitos/seus significados dependem, sobretudo, das especificidades dos contextos dos

usuários, apesar de ser inegável que cada droga tem características específicas.

Na verdade, acreditamos que quando pensamos em estudar as drogas, não

devemos prescindir de estudar simultaneamente, ou prioritariamente, o contexto do

homem que usa a droga, o que vem dar força à frase do Professor José Ribeiro do Valle,

um dos pioneiros nos estudos sobre o uso da cannabis sativa no Brasil, que afirmou:

“Estudamos a maconha que o homem usa; isso é errado, pois deveríamos estudar o

homem que usa a maconha”. Poderíamos ampliar o sentido da frase, na medida em que

temos a compreensão que se faz necessário estudar não só a droga ou o homem, em si,

mas também a sociedade que usa determinada droga, pois a “escolha” de determinadas

drogas em cada época não decorrem do acaso e tem relação direta com o modo de

funcionamento da sociedade.

1.2 – VISÃO HISTÓRICA DO USO DE DROGAS:

O fenômeno do uso de drogas não é exclusivo das sociedades contemporâneas,

estando presente desde os primeiros registros de civilização. No entanto, de forma

muito clara, ao longo do tempo, se evidencia uma significativa variação nos tipos de

drogas utilizadas, assim como nos contextos sociais e, conseqüentemente, nas

motivações que interferem na forma que as pessoas se relacionam com as drogas.

Identificamos registros de uso das substâncias psicoativas em diferentes épocas e

culturas, nos mais diversos lugares do mundo, cumprindo diferentes papéis, como, por

exemplo, o uso em rituais religiosos (álcool), para integração social (álcool, maconha),

para fins terapêuticos (morfina) e para combater efeitos da altitude (coca).

De acordo com Araújo e Moreira (2006), nossos primeiros ancestrais, que eram

herbívoros, já buscavam as plantas psicoativas para suprir necessidades neurológicas e

tolerar as adversidades do ambiente em que viviam.

Na antiguidade, encontramos registros de uso de drogas entre os egípcios e

Mesopotâmios, com finalidades médicas e profanas; esses povos, que já conheciam o

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processo de fermentação das frutas desde 3000 a.C., tinham o vinho, a cerveja e o ópio

(extraído do fruto da papoula) como sustâncias mais consumidas.

Na Índia, o hábito de usar substâncias psicoativas estava mais ligado ao fim

religioso, tendo registro de que já se fumava maconha nos primeiros tempos da

meditação budista. Existem registros de que, em 4000 a.C., o cânhamo era utilizado na

China. O hábito da população indígena das Américas de mastigar a folha da coca

remonta a quatro mil anos (Araújo e Moreira, 2006).

Na Europa da Idade Média, fragmentada em feudos que tinham a moral cristã

como principal elo de ligação entre si, o uso de substâncias psicoativas passou a ser

associado a atitudes demoníacas que podiam incorrer em penas. Eram considerados

bruxos aqueles que insistiam em manipular ervas, como a mandrágora, que tinha poder

alucinógeno.

Com o fim da Idade Média e o advento das grandes navegações, com conquistas

de novas terras, às drogas conhecidas na Antiguidade somam-se as outras, trazidas do

Novo Mundo, não só para experiências científicas, como para uso recreativo.

Destacamos que, no Brasil, existe registro do uso recreativo de éter, cocaína e

morfina pelas elites já nas primeiras décadas do século XX. A maconha era liberada,

mas considerada como “ópio de pobre” (Paixão, 1999, p. 131) e só na década de 30 foi

considerada ilegal, o que serviu de justificativa para perseguir a população negra que era

a maior consumidora da droga.

Lembramos que, a partir dos anos 50, nos Estados Unidos, é inaugurado o

“problema público” das drogas, com a “epidemia de heroína” (Paixão, 1999, p. 131).

Naquele momento, com os jovens desempregados e desmobilizados com o fim da

guerra, dá-se início à estruturação e expansão de um mercado de produção, distribuição

e consumo de drogas.

Como conseqüência, em diversos países, começa a se aprofundar uma “divisão”

das drogas em permitidas e proibidas. “Com esse novo artifício legal, qualquer negro

era estigmatizado como “maconheiro”, devendo ser abordado, interrogado ou preso

para averiguação” (REDUC, s/d).

Assim, vamos percebendo que os critérios, em alguns momentos, podem servir

para revestir uma tentativa de estigmatizar, de rotular determinados grupos de usuários

de drogas. Os critérios para situar determinada droga como legal ou ilegal,

historicamente, obedeceram (obedecem) “muito mais uma ordem histórica e moral do

que farmacológica”(REDUC, s/d). Baptista Neto (2009) vai no mesmo sentido quando

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afirma que “não conhecemos os critérios utilizados para a definição das permitidas e

proibidas”.

Diante desta constatação, é importante destacar que as razões que justificam a

inserção de uma droga no rol das lícitas ou ilícitas e, conseqüentemente, os adjetivos

que a sociedade agrega a ela (“desgraça”, “erva maldita”, “veneno”) estão relacionadas

a uma ordem moral, histórica, econômica, social e política, afinal, é difícil conseguir

encontrar justificativas técnicas para legalização de drogas como álcool e a proibição da

maconha, por exemplo.

Dizemos isso porque, apesar de todos os danos causados pelo uso do álcool,

esta droga não só é lícita como tem seu consumo estimulado de forma assustadora nos

meios de comunicação e nas próprias famílias, sendo uma espécie de “xodó” do povo

brasileiro.

Apenas para ilustrar, trazemos alguns “slogans” de bebidas alcoólicas por

entendermos que eles confirmam tal percepção, tais como: “Pitu: mania de

brasileiro”... “Deu duro, toma um Dreher... “ Cerveja Antarctica..., a boa...”.

Lembramos ainda que temos até festas que se caracterizam pelo estímulo ao uso

desenfreado de álcool, com a “Oktoberfest” e os “Festivais da Cachaça”, onde há

inclusive certo prazer em ser identificado(a) como aquele(a) que mais bebeu.

Por outro lado, no mesmo Brasil, seguindo o exemplo citado, identificamos

milhares de usuários de maconha que sentem necessidade de esconder que fazem uso da

substância, em função de toda carga de preconceito que ainda cerca o usuário de drogas

ilícitas. São pessoas que ainda hoje correm riscos para obter a droga, já que a sua

comercialização é proibida por lei específica que trata da questão.

Lembramos que as drogas podem ser classificadas como lícitas (legais), quando

têm seu consumo, distribuição e fabricação permitidos por lei; ou ilícitas (ilegais),

quando são proibidas por lei a sua produção, distribuição e consumo.

Importa frisar que exatamente em razão da influência dos fatores culturais,

sociais e econômicos, entre outros, diversas drogas consideradas ilícitas em

determinado país pode ser lícita em outros, como ocorre com a maconha, que é proibida

no Brasil, mas tem seu uso é permitido/controlado em países como Holanda, onde é

possível adquirir cigarros de maconha em estabelecimentos comerciais, constando a

opção da substância inclusive em cardápios, possibilitando a escolha dos usuários,

assim como fazemos com o álcool e cigarro no Brasil.

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Neste sentido concordamos com Bucher, quando cita que “a relatividade

cultural da presença de drogas em uma determinada sociedade é notável, o que é

demonstrado através de uma série de exemplos. Para entender o seu alcance, discute-se

a evolução histórica de uma sociedade, os seus modos de se organizar e de representar,

bem como incidências antropológicas, políticas, religiosas e psicológicas da presença

de drogas... Somente dentro desse complexo torna-se possível apreender a significação

desse consumo, com referência não só ao produto, mas também às motivações das

pessoas e ao contexto sócio-cultural no sentido mais amplo”.

Por isso, quando nos perguntamos quais seriam os motivos para uma busca tão

antiga como a própria civilização, não devemos perder de vista que estes variam de

acordo com o contexto da sociedade em que se usa a droga. Afirmamos com convicção

que os motivos que influenciavam na busca pela droga por parte dos povos mais antigos

era totalmente distinto daqueles dos dias atuais.

É perceptível que o uso que se fazia da maconha e outras drogas na época do

movimento “hippie”, por exemplo, tinha uma conotação completamente diferente das

dos dias atuais, mesmo quando colocamos em análise o uso das mesmas substâncias. O

uso de drogas na atualidade tem, portanto, outro sentido.

Para reforçar esta concepção, citamos Mourão (2003, p. 117), que afirma:

“Aquele momento em que jovens, artistas e intelectuais experimentavam alternativas

possíveis ao mundo existente, por meio da percepção propiciada pela droga, foi sendo

progressivamente substituído por uma realidade muito aquém desses líricos ideais. O

status ”revolucionário existencial” da droga na contracultura parece ter sido

rapidamente manipulado e totalmente destituído de seu estatuto simbólico”.

1.3 - DROGAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA:

Como podemos constatar, existem incontáveis exemplos que nos comprovam

que o uso de drogas atravessa fronteiras no tempo e no espaço. Para Bucher (1989), toda

sociedade é consumidora de drogas, sendo o seu cultivo, divulgação e consumo um

fenômeno estritamente humano, portanto, cultural, na medida em que, ao longo da

história, homens e mulheres buscaram (e continuam buscando) na natureza ou nos

laboratórios substâncias que possibilitassem a vivência de um estado de consciência

distinto do “normal”. Ou seja, os homens que criaram (e continuam criando) o sentido

“droga” para determinadas substâncias.

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A oferta de drogas lícitas e ilícitas não para de crescer, o que nos leva a óbvia

conclusão de que a demanda por mais e novas drogas se faz presente. Relatório do

Escritório da ONU sobre Drogas e Crime (2008) indica que 0,5% da população mundial

(cerca de 25 milhões de pessoas) estabelecem uma relação de dependência com alguma

substância ilícita. Outro relatório da mesma agência revela que 5% dos adultos da

população mundial fazem uso de SPA ilícita.

Como citamos anteriormente, “o padrão de uso de drogas de uma sociedade

revela muito do seu funcionamento”!

O padrão de consumo de drogas na sociedade contemporânea é o reflexo de

significativas mudanças econômicas e sociais dos últimos séculos. Se antes tínhamos a

maconha e a cocaína (drogas ilícitas) como concorrentes do álcool e do cigarro (lícitas)

na preferência dos usuários, hoje temos o crack e o êxtase invadindo o espaço das

drogas mais tradicionais. E isso não ocorreu por acaso, mas exatamente em razão da

“adequação” dessas SPA’s ao contexto da nossa sociedade.

As drogas foram e são “descobertas” e “revisitadas”, se apresentando em novas

versões que mais se adequam ao contexto da atualidade, a partir de estímulos gerados

pelas demandas do homem, afinal, o mercado das drogas também segue as

“tendências”. Assim como tínhamos disco vinil, CD, “walkman”, telefone sem fio, e,

hoje, temos MP3, MP4, Ipod, Iphone; (bem)antes tínhamos o vegetal que era

transformado em substância psicoativa artesanalmente, hoje temos a droga em série,

produzida em laboratório. Antes tínhamos o álcool, o cigarro, a maconha; hoje temos,

além dessas, o êxtase, a merla, o crack...e outras virão!

A relação do mercado das drogas com o mercado legal se estabelece inclusive a

partir da divisão de diversos tipos de consumidores, o que, como no mercado legal, é

definido a partir das capacidades aquisitivas e dos seus gostos.

As drogas não têm o mesmo preço e pessoas de diferentes classes sociais não

usam as mesmas drogas, pois, mesmo em momentos em que uma droga ultrapassa

fronteiras de classe e vira uma espécie de “moda” (o termo é apenas para manter a

lógica da relação existente entre os mercados ilegal e legal), o mercado se encarrega de

distinguir a qualidade, a “pureza” da droga.

Tal fato pode ser identificado facilmente quando pensamos no uso do álcool.

Alguns tomam uísque nacional, outros tomam scotch; ou com a cocaína, já que alguns

consumidores têm acesso à droga mais “pura”, com menos mistura, enquanto outros

fazem uso após ela percorrer um caminho que faz com que a suas características sejam

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sensivelmente modificadas. Divisões semelhantes acontecem quando falamos em

consumo de relógios, tênis e tudo mais que o mercado legal coloca à disposição.

Como Espinheira (apud Almeida, Nery e Tavares, 2004, p.13) cita, “Se

considerarmos os conceitos de Bauman (1988) sobre os tipos de consumidores – e aqui

não estamos falando dos que os são de drogas, embora eles também possam se incluir

na variedade dos bens consumidos – vamos verificar a pluralidade de identidades que

este mundo contemporâneo exige dos indivíduos e como eles, em suas diferenças, fazem

frente a esta demanda da sociedade de mercado.”

No mesmo sentido, concordamos com o Centro de Prevenção às Dependências

(2002a, p. 17), quando afirma que “A mudança dos hábitos em relação às drogas não

aconteceu isolada do movimento geral da sociedade. O avanço da industrialização

acarretou transformações nos meios de produção, comercialização e propagação dos

produtos, numa era de aparente opulência, em que o consumo desenfreado de novos

carros, roupas, telefones, comidas, casas e viagens tornou-se o ideal de vida de grande

parte da população. Este padrão de consumo, estimulado pela propaganda, afetou

igualmente a relação das pessoas com as drogas.Produtos recentes ou tradicionais,

lícitos ou ilícitos, conhecem novas vias de fabricação e novas regras de oferta”.

Surgiram novas motivações e novas formas de procura de substâncias psicoativas, tanto

por jovens como por adultos de todas as classes sociais.

Vivemos em uma sociedade “hipnotizada” por mudanças e consumo. Alguns

produtos que antes duravam décadas nas casas atualmente são fabricados para durar

menos tempo, até porque logo depois surgem novos modelos, novas opções. Outros

simplesmente se tornaram descartáveis. Poucas são as pessoas que conseguem aprender

a usar todas as “novidades” do seu telefone celular antes de trocá-lo por um modelo

mais novo, com mais funções, mesmo que não precise de todas elas, ou sequer consiga

ou tenha grandes interesses em aprender o que o aparelho é capaz de fazer. Tal fato gera

uma busca incessante por ganhar mais dinheiro para poder consumir mais, para, no final

das contas, ter mais que os outros e, conseqüentemente, ter a sensação de maior

reconhecimento, já que na sociedade contemporânea “ter” é sinônimo de “ser”.

Temos que consumir tudo! Entre os diversos produtos que circulam no mercado,

estão disponíveis as drogas, lícitas e/ou ilícitas, que, acompanhando o ritmo da

sociedade contemporânea, se apresentam das formas mais variadas. Pois é, o mercado

das drogas seguiu este ritmo e, a partir da demanda desta sociedade ávida por consumo,

surgiram versões diversas para as mesmas drogas, como o “Skank” (maconha com altos

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níveis de THC); o êxtase líquido, para ser usado misturado com bebidas, o ácido

lisérgico com anfetamina para satisfazer os adeptos das quase que intermináveis festas

“raves”, entre tantas e tantas novidades.

Para reforçar o que queremos explicitar, recorremos a Bauman (1988), quando

afirma que: “No mundo pós-moderno de estilos e padrões de vida livremente

concorrentes, há ainda um severo teste de pureza que se requer seja transposto por

todo aquele que solicite ser ali admitido: mostrar-se capaz de ser seduzido pela infinita

possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado consumidor, de se

regojizar com a sorte de vestir e despir identidades, de passar a vida na caça

interminável de cada vez mais intensas sensações e cada vez mais inebriante

experiência. Nem todos podem passar nessa prova. Aqueles que não podem são a

sujeira da pureza pós-moderna”.

Espinheira (apud Almeida, Nery e Tavares, 2004, pág.14) traz uma reflexão

interessante para pensarmos sobre os processos de significativas mudanças ocorridas na

sociedade, quando cita que: “Despedimo-nos da sociedade moderna que produziu um

tipo de individualidade centrada na identidade e esta como uma construção paulatina,

sólida, como uma cadeia da qual cada indivíduo era um elo. Uma sociedade com um

projeto social e o indivíduo com um projeto dentro dela e identificado por ela. A

sociedade pós-tradicional, que lhe dá seqüencia cronológica, propõe outro tipo de

individuação. Esse novo tipo humano, narcísico, está aberto às experiências

voluptuosas, pouco afeito ao sacrifício, à renúncia do prazer”.

Reiteramos que, na história da nossa sociedade, o padrão de uso das drogas foi

sendo gradativamente modificado, perdendo o seu caráter ritualístico que caracterizava

o uso por parte das sociedades tradicionais. Em outras épocas se evidenciava certo

controle social sobre o uso, que era mais coletivo, assim como a produção era feita

pelos próprios consumidores.

Na sociedade contemporânea, o uso de drogas assume um modelo consumista,

com ausência de controles instituídos no seio do tecido social e disponibilização de

várias SPA’s de forma quase que banalizada, ou seja, sem ter grandes significados

dentro de pautas culturais estabelecidas.

Como afirma Calligaris (1996, p.88): “Um olhar simplesmente constatativo

poderia nos ajudar a descobrir qual é, hoje, a nova universalidade que a nossa cultura

inventou. A única forma de controle social, o único agente regulador efetivo das

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condutas sociais que possa hoje ambicionar a palma de universalidade, é o mercado,

ou, melhor dizendo, o consumo”.

Colocando a questão sob este prisma, temos que a droga de ontem não é a droga

de hoje e certamente não será a do amanhã. As drogas eleitas por determinadas

sociedades, o sentido da busca por elas, assim como os efeitos gerados, tem

necessariamente uma relação íntima com o seu funcionamento. O padrão de uso de

drogas de uma sociedade revela muito do seu funcionamento!

Esta constante alteração na dinâmica de consumo faz com que as questões

relacionadas ao uso de drogas sejam sempre reconsideradas, repensadas, pois não se

trata de um “problema” que persiste apesar de todos os esforços, mas sim de questões

que estabelecem complexas relações com o movimento da sociedade, sofrendo

verdadeiras mutações, o que exige a fuga de visões simplistas e fechadas.

O maior exemplo disso talvez esteja expresso no esforço que os profissionais

que dedicam atenção aos usuários de drogas estão fazendo no sentido de buscar

alternativas para lidar com a invasão do crack nas cidades brasileiras. O padrão de

consumo de crack nos dias atuais tem estremecido alguns conceitos (antes)consistentes

sobre dependência química e sobre formas de tratamento.

Quando, nos dias atuais, ouvimos falar em tolerância zero às drogas, em

enfrentar a questão do uso de drogas apenas a partir de políticas repressivas, logo nos

deparamos com a incongruência destas propostas, na medida em que o mercado das

drogas segue regras semelhantes aos demais, sobretudo no que se refere à relação entre

demanda e grau de oferta, portanto, enquanto houver demanda, existirá droga

circulando.

Consideramos ilusório acreditar que é possível erradicar a demanda por drogas e

ela está (e estará) presente de forma marcante em uma sociedade na qual o avanço da

tecnologia e do processo produtivo vem acompanhado de uma valorização dos

interesses individuais e da lógica do mercado, que, contraditoriamente, ao mesmo

tempo em que gera o aumento da riqueza, gera uma profunda desigualdade e miséria, o

que implica em repercussões significativas na construção das subjetividades, que estão

sendo forjadas dentro desse contexto. Para Plastino (2000, p. 23), “A solidão e o

desespero que resultam dessa situação se exprimem no sensível aumento de consumo de

drogas (legais ou não)...”

Assim, em pleno século XXI, entendemos que não há mais que se pensar em

formas de acabar com as drogas, de eliminá-las da sociedade, inclusive porque seria um

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mero engano considerar que, acabando com as drogas que existem atualmente,

acabaríamos com os usuários de drogas. Como vimos, ao longo do tempo, o ser humano

sempre buscou em algumas substâncias o sentido droga para algumas substâncias e isso

fatalmente ocorreria com novas “descobertas”. Precisamos buscar formas de lidar com a

presença das drogas na sociedade e não tentar eliminá-las.

Não há possibilidades de acabar completamente o consumo de drogas, nem

mesmo o abuso de drogas por parte de alguns que as usam, simplesmente porque

recorrer a elas como forma de lidar com a vida é uma das tantas possibilidades do

homem, que, diante dos seus dramas, conflitos e angústias, geradas pelo próprio estar no

mundo, recorrem à substâncias como forma de lidar com a própria existência, como

tentativa de aliviar a dor do existir. Como diria a Banda “Rappa”, em uma das suas

músicas: “tô vendendo ervas que estruturam e acalmam...a clientela é vasta ... porque

os remédios normais nem sempre amenizam a pressão...”.

1.4 - CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS:

Como já dissemos anteriormente, drogas são substâncias naturais ou artificiais que

atuam no sistema nervoso central e são utilizadas para produzir mudanças no

comportamento, nas sensações, no grau de consciência, no estado emocional (SENAD,

2000).

Embora seja importante ressaltar que a experiência de usar drogas é sempre

singular, pois depende não só da substância, mas também das características do

indivíduo que usa e do contexto em está inserido, existem alguns efeitos que podem ser

esperados em razão das especificidades, das propriedades de cada droga. Assim, de

acordo com os efeitos que elas provocam, as drogas estão divididas em três grupos,

sendo eles:

Drogas depressoras: diminuem, retardam a atividade mental. Por isso, diminuem a

atenção, a concentração, a tensão emocional e a capacidade intelectual. Os seus efeitos

conduzem o indivíduo a sentirem-se relaxados, calmos, por vezes, a depender da

quantidade consumida, sonolentos. Elas reduzem a ansiedade, contribuindo no

“esquecimento” dos problemas vivenciados, provocando sensação de bem-estar. Assim,

proporcionam o que poderíamos denominar como ilusão em relação ao mundo que nos

cerca, já que passado o efeito, a realidade continua a mesma.

Exemplos: álcool, inalantes (cola), ansiolíticos (tranqüilizantes), morfina,

heroína.

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Drogas estimulantes: aceleram, aumentam a atividade mental, proporcionando

sensação de euforia, animação, disposição, ausência de sono e fome. Trazem aos seus

usuários a impressão de serem mais dinâmicos, mais fortes que os outros, já que a

pessoa sob seus efeitos não se sente tão cansada como as demais, o que gera a

possibilidade de estender as horas de trabalho ou de lazer além dos limites estabelecidos

quando não usa a droga.

Exemplos: cocaína, crack, cafeína, tabaco, anfetaminas.

Drogas perturbadoras: alteram a percepção, podendo provocar alucinações e

delírios nas pessoas que as usam. São também conhecidas como substâncias

alucinógenas. Fazem com que o cérebro funcione de forma desordenada.

As drogas perturbadoras foram popularizadas na década de 60, com o movimento

hippie, que considerava seu uso uma forma de denunciar algumas características da

sociedade industrial, sendo uma espécie de contestação ao modelo vigente à época. Seus

efeitos também são chamados psicodélicos e, se na década de 60, não se tinha muita

noção das repercussões do uso, com o avanço do conhecimento científico sobre as

substâncias, hoje em dia não há dúvidas que seu uso pode causar sérios

comprometimentos à saúde física e mental dos usuários.

Exemplos: maconha, êxtase, LSD, cogumelos e outras substâncias derivadas de

plantas.

Apenas para explicitar as características de algumas drogas, passamos a apresentar

um breve resumo sobre elas.

Drogas depressoras:

Álcool – o álcool talvez seja a droga mais antiga que se tenha registro entre os

homens e a mais difundida na cultura ocidental, juntamente como o Brasil.

Trata-se uma droga lícita, podendo ser produzida e comercializada legalmente. Por

se tratar de uma substância com enorme aceitação social, muitos não a incluem na

categoria de substância psicoativa, embora seu consumo traga modificações no

comportamento e na percepção dos seus usuários e seu abuso (alcoolismo) já há algum

tempo se inseriu no rol de problemas de saúde pública.

No Brasil, sua venda é proibida para pessoas com menos de 18 anos.

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Segundo dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas

(CEBRID), em 2005, em cidades com mais de 200.000 habitantes, 19,5% de homens e

6,9% das mulheres estabeleciam relação que poderia ser considerada de dependência.

No mesmo levantamento, se identificou que 74,6% dos homens e mulheres já haviam

feito uso de álcool ao menos uma vez na vida, o que significa cerca de 38 milhões de

pessoas. Um dado interessante obtido é que a maioria das pessoas fez referência ao

primeiro uso na própria residência, havendo estímulo dos pais.

Estima-se que 10 a 15% da população mundial desenvolvem o alcoolismo

(dependência do álcool). No Brasil, cerca de 12% das pessoas também estabelecem uma

relação de dependência após alguns anos consumindo regularmente.

Embora seja impossível precisar o tempo entre o início do consumo e a instalação

da dependência, observamos que, no caso do álcool, isso demora a acontecer, ou, em

algumas situações, já acontece, mas não é percebido pela pessoa e pelos familiares

como algo grave, já que o uso do álcool tem uma tolerância enorme da sociedade.

Assim, comumente, comportamentos que já indicam para necessidade de cuidado

com o uso são encarados como algo engraçado por amigos e pessoas próximas. Na

nossa sociedade, em diversas ocasiões, quem bebe mais é mais reconhecido em alguns

grupos. Quando nos referimos aos adolescentes do sexo masculino, beber é sinônimo de

“virar homem” e não beber é sinônimo de “ser babaca”.

O seu efeito, quando consumido em doses baixas, gera reações estimulantes, como

desinibição, euforia, perda da capacidade crítica. Assim, o álcool uma droga bastante

utilizada em festas, momentos de comemoração, pois, em certo sentido, facilita a

interação, a comunicação entre as pessoas.

Mas o álcool é considerado uma droga depressora porque quando usado em

quantidades maiores gera sonolência, sedação, diminuindo a capacidade visual,

auditiva, liberação da agressividade, assim como a coordenação motora e os reflexos.

Daí a perigosa relação entre uso de álcool e trânsito, sendo importante destacar que o

álcool era um dos principais protagonistas dos acidentes fatais nas estradas brasileiras

até bem pouco tempo atrás. Não sabemos ao certo se este número caiu em função da

maior rigidez das legislações de trânsito, que atualmente tem previsão de conseqüências

pesadas para quem for identificado conduzindo veículo alcoolizado.

Em situações de uso exagerado, pode gerar náuseas, tontura, dor de cabeça,

liberação da agressividade, diminuição da capacidade de concentração e até mesmo o

“coma”.

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Os dependentes de álcool (os chamados alcoolistas) podem vir apresentar várias

patologias, entre elas: cirrose e hepatite alcoólica. Não raramente também são

evidenciados problemas no aparelho digestivo, como gastrite, úlcera e pancreatite,

assim como no sistema cardiovascular (hipertensão, problemas no coração).

Entre os efeitos psicológicos do uso exagerado e prolongado estão tristeza,

irritabilidade, insônia e, em casos extremos, alucinações.

A síndrome de abstinência do álcool se caracteriza por um conjunto de sintomas

desagradáveis que vão desde tremores nas mãos, distúrbios gastrointestinais,

inquietação e insônia, nos casos mais leves; até o chamado delirium tremens nos casos

mais graves.

Os sintomas tendem a surgir pela manhã, em razão do tempo em que a pessoa fica

sem ingerir o álcool e tende a desaparecer com o uso do álcool. Por isso o termo tão

difundido entre os usuários de álcool – “vou beber para rebater a ressaca!”

O delirium tremens aparece cerca de seis horas após a privação do uso do álcool e

se caracteriza como o mais perigoso “sintoma” de abstinência, pois se trata de uma

espécie de episódio psicótico, inclusive podendo, no extremo, chegar a causar

alucinações visuais onde o usuário pode “ver” e “sente” insetos tocando seu corpo

gerando um estado de agitação agressiva para “se livrar” dos animais.

Obviamente o delirium tremens, por tudo que foi dito, deixa a pessoa desorientada

no tempo e no espaço, sendo sua fala de difícil compreensão. Além disso, a capacidade

de prestar atenção em qualquer coisa fica completamente prejudicada.

Inalantes ou solventes (“cola de sapateiro”, “loló”, “lança-perfume”, tiner) –

são substâncias químicas que podem ser aspiradas pelo nariz e/ou pela boca. O “mix” de

clorofórmio e éter, mais conhecido como “loló”, é muito usado no Brasil, sobretudo em

festas carnavalescas, o que acontece também com o “lança-perfume”.

A venda da cola de sapateiro é proibida para pessoas com menos de 18 anos,

assim como acontece com o álcool.

O uso de solventes (especialmente da “cola”) tem sido generalizado entre

adolescentes de 12 a 16 anos de idade, sobretudo naqueles em situação de rua. Em

cidades como Recife/PE o uso de cola pode ser “assistido” repetidamente através de um

passeio pelas ruas do centro da cidade, embora tal cena esteja ficando menos freqüente,

não em razão de políticas públicas que retiraram os “meninos” da rua, mas em razão da

chegada do crack, que “conquistou” rapidamente tal população e conduziu muitos dos

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antigos usuários de “cola” a locais mais escondidos, onde os grupos costumam usar a

“nova droga eleita”.

Em levantamento realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas

Psicotrópicas (CEBRID), em 2005, constatou que há 0,2% de pessoas dependentes dos

solventes no Brasil. Quando o assunto foi experimentar, foi encontrado o percentual de

6,1% das pessoas, o que equivale a cerca de 3 milhões de pessoas, sendo a grande

maioria do sexo masculino.

Os inalantes possuem alguns efeitos semelhantes aos do álcool, sobretudo no que se

refere à sua capacidade de, inicialmente, provocar euforia e depois depressão. Por outro

lado, tem a capacidade de provocar alucinações, o que não ocorre com o uso do álcool.

A duração dos efeitos não ultrapassa 20 a 30 minutos, o que impõe a necessidade de

uso reiterado ao longo do dia, na busca da sensação desejada.

Inicialmente o usuário é invadido por uma imensa sensação de bem-estar que é

decorrente da excitação causada pela droga, que provoca ainda um alheamento da

realidade e euforia.

Em alguns casos se identifica certa confusão mental, voz “pastosa”, perda do

controle, cefaléia e alucinações visuais e/ou auditivas. Em situações mais graves, o

usuário tem dificuldade até mesmo para caminhar e as alucinações são mais freqüentes.

Entretanto, consideramos importante destacar que a “cola” tem o poder de diminuir

a fome e geram sonolência, sendo, por isso, uma “forte” aliada das crianças e

adolescentes que vivem nas ruas das grandes cidades no sentido de ajudá-las a suportar

a falta de comida.

Os solventes podem ser fatais, pois, cheirar até ficar inconsciente pode gerar

sufocamento. Em razão dos efeitos depressivos dos solventes/inalantes, por vezes os

usuários não conseguem afastar do nariz o saco plástico onde está a “cola”, o que

implica em sérios riscos de morrer sufocado. A morte também pode ocorrer em razão da

queda da pressão arterial, que geralmente é acompanhada de diminuição dos batimentos

cardíacos e da respiração.

Além disso, o uso dos inalantes aumenta significativamente os riscos de acidentes,

já que as pessoas costumam usar nas ruas, próximas a rios, pontes e avenidas.

Considerando que a droga tende a gerar uma embriaguez mais intensa que o álcool,

embora mais rápida, torna-se óbvia a perigosa relação entre o seu uso e a ocorrência de

atropelamentos, quedas, entre outras situações.

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Neste sentido, dados do Centro de Prevenção as Dependências mostram que, no

Brasil, a cada dia morre um jovem em razão do uso ou das conseqüências do uso de

solventes/inalantes.

Ansiolíticos ou tranqüilizantes (benzodiazepínicos) – medicação produzida para

tratar ansiedade, depressão, insônia.

Entre os mais conhecidos estão o Valium, Diazepan, Rivotril, entre outros (só no

Brasil são comercializados mais de cem medicamentos derivados dos

benzodiazepínicos). Os ansiolíticos são vendidos em farmácias apenas com a

apresentação de receita, no entanto, há irregularidades na hora da prescrição e da

comercialização dos remédios. A população usa de forma indevida e os médicos

receitam de forma abusiva.

Não é ilegal portar tranqüilizantes sem estar de posse de receita, mas o fornecimento

e a venda do produto sem prescrição médica é considerada uma prática ilegal.

No Brasil, segundo dados de 2005 do CEBRID, cerca de 0,54% da população

brasileira é dependente de ansiolíticos, sendo mais utilizados por mulheres (elas usam

duas vezes mais do que os homens). Observou-se, ainda, que 1,02% das mulheres acima

de 35 anos são dependentes dos tranqüilizantes. “É a droga da dondoca!”, falou uma

pessoa em um dos grupos operativos que coordenamos com “redutoras de danos” em

presídio feminino da cidade de Recife/PE

Por ter um efeito relaxante, a substância alivia as tensões, gerando sensação de bem-

estar nos usuários e reduzindo o estado de alerta. Alguns usuários descrevem certa

descoordenação dos movimentos e falta de ar.

Um aspecto importante diz respeito ao fato dos usuários da substância

desenvolverem rapidamente a tolerância, que consiste na necessidade de usar mais

quantidade da mesma droga para obter os mesmos resultados. Daí a importância de só

recorrer aos ansiolíticos com orientação médica, pois, assim, diminui sensivelmente as

chances de um descontrole no uso, inclusive porque a pessoa não percebe que a

dependência está se instalando, o que só ocorre quando interrompe o uso e passa a sentir

irritabilidade, insônia, dor generalizada no corpo.

O uso exagerado de benzodiazepínicos pode causar queda da pressão arterial, dores

de cabeça, mal-estar e, em casos mais extremos, até convulsão. A sua combinação com

o álcool aumenta os efeitos da substância.

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Drogas estimulantes:

Cocaína - substância extraída da folha de coca ou epadú, que é uma planta

originária das regiões andinas, onde o mascar folhas de coca faz parte da tradição. A

folha é processada em laboratórios clandestinos, sendo transformada em um pó branco

que geralmente é cheirado (aspirado) com a ajuda de uma espécie de tubinho (canudo,

nota de dinheiro enrolada...). Seu uso também pode ser injetável após diluir o pó em

água. Aspirada leva cerca de 10 a 15 minutos para fazer efeito, já injetada apenas 3 a 5

minutos. Algumas pessoas também fumam a droga misturada com maconha ou mesmo

com cigarro comum. No Brasil, trata-se de uma droga ilícita.

Dados do CEBRID (2005) indicam que cerca de 1,4 milhões de pessoas já

experimentaram a droga, o que equivale a aproximadamente 2,9% da população.

Entre os principais efeitos da cocaína estão a sensação de euforia, de poder. A

pessoa sob seus efeitos não se sente tão cansada como as demais, o que gera a

possibilidade de estender as horas de trabalho ou de lazer além dos limites das

condições físicas e mentais.

É muito comum, por exemplo, um usuário de cocaína “virar a noite” usando a droga

em bares/boates, inclusive porque dormir torna-se difícil. Em razão da alta excitação

provocada, ao final da “farra”, comumente o usuário se sente muito cansado, já que a

mente e o corpo estavam em ritmo mais acelerado que o comum durante muitas horas.

Para o psicanalista argentino Eduardo Kalina, o usuário de cocaína tem a “síndrome

do Popeye”, pois é como se a droga lhe proporcionasse aquilo que o espinafre faz com

o famoso personagem do desenho animado. Ele pode tudo, ou melhor, pensa que pode

tudo.

A cocaína pode vir a causar taquicardia, febre, dilatação das pupilas, suor excessivo,

náusea e aumento da pressão. Seu uso sistemático pode afetar a saúde mental, gerando

insônia, ansiedade exacerbada, paranóia e sensações de medo.

O uso prolongado pode afetar o cérebro como um todo e também prejudica as

narinas e a estrutura que as separa. Agressividade e irritabilidade também são

identificadas em alguns usuários.

Pessoas que usam a cocaína estão sujeitas a overdose da droga, que pode advir do

consumo exagerado, mas também pode ser causado em situações em que o usuário se

depara com uma substância mais pura, sem mistura, o que não é a realidade da maioria

dos usuários, já que estes compram a droga quando ela já percorreu um caminho que

gerou modificações significativas no seu teor. Isso porque os pequenos traficantes

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misturam à droga produtos como bicarbonato, pó de giz e/ou de mármore, no intuito de

ganhar mais dinheiro com a sua comercialização.

A morte por overdose é mais comum em usuários que injetam a droga, mas não

somente neles. No Brasil, é a droga mais usada entre os usuários de drogas injetáveis

(UDI’s).

Crack – O crack é a cocaína processada em pequenas “pedras”, que tem uma

volatilidade que permite, quando aquecida, ser fumada em cachimbos simples ou

mesmo improvisados.

Chegou ao Brasil de forma mais evidente no início dos anos 90 e logo depois já era

usada em diversas cidades brasileiras. Hoje é uma droga que está não só nas grandes

capitais, mas também em cidades pequenas do interior dos Estados.

Os efeitos do crack são semelhantes aos da cocaína, no entanto, 15 segundos após

usar a droga o usuário já sente intensa euforia, prazer, e sensação de poder. O grande

problema é que, da mesma forma que rapidamente produz o efeito, rapidamente as

sensações vão embora.

Esta característica da droga gera um ciclo perigoso, pois, ao sentir o

desaparecimento das sensações (cerca de 5 minutos após o uso), o indivíduo busca

novamente a substância na expectativa de sentir o efeito novamente.

Na verdade, poderíamos dizer que este ciclo acontece com todas as drogas e é

exatamente ele que faz com que a busca pela substância se torne constante, por vezes

compulsiva, mas apenas para dar uma noção do perigo que o crack representa no

sentido de rapidamente causar danos, o efeito da cocaína que é cheirada dura cerca de

20 a 40 minutos. Um usuário de maconha, após fumar o seu baseado, dificilmente vai

querer outro em menos de uma, duas horas e, se quiser, dificilmente vai querer o

terceiro após mais uma hora, salvo raras exceções.

Com o crack é diferente, pois em duas horas o usuário precisa de muitas pedras para

manter a “lombra” (efeito da droga), o que leva algumas pessoas a consumir uma

quantidade absurda de pedras de crack ao longo do dia, precisando conseguir dinheiro

para manter este padrão de uso, até mesmo porque se trata de uma droga que

dificilmente se consegue fazer um uso responsável, controlado. Daí a relação direta

entre uso de crack e envolvimento em pequenos furtos, assim como uso de crack e

prostituição de adolescentes, já que estes, diante da fissura pela droga, fazem de tudo

para consegui-la, inclusive vender o próprio corpo.

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Segundo relatos de colegas de profissão que acompanham usuários de crack de

comunidades populares, em serviços de atendimentos a adolescentes usuários de álcool

e outras drogas, raramente tem contato com pessoas que nunca roubaram para ter a

droga. Esse fato é quase uma unanimidade. “se chegar ao extremo eles estão vendendo

até a mãe...” (relato de um psicólogo que atua em um Centro de Atenção Psicossocial).

Se fizermos uma conta descuidada, uma pedra de crack custa pouco (em Recife

cerca de R$ 8,00 a 10,00) se comparada à outras drogas como cocaína, ecstasy e a

própria maconha, mas o problema é que uma pedra representa apenas poucos minutos

de “glória”... fazendo uma conta mais cuidadosa, levando em consideração a fissura por

recorrer novamente ao uso, percebemos o tamanho do problema.

Usuários regulares de crack podem parecer nervosos, excitáveis, paranóicos e

exaustos por falta de sono. Ao interromper o uso podem se sentir depressivos e

cansados por algum tempo.

No Brasil, segundo dados do CEBRID (2005), 0,7% dos entrevistados em 108

cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes referiram já ter experimentado o

crack, o que equivale a aproximadamente 381 mil pessoas. São Paulo é o Estado onde

mais se consome crack no Brasil.

Talvez o crack seja um dos principais representantes da preocupante realidade social

que estamos inseridos no Brasil contemporâneo. Dados recentes de uma pesquisa

realizada no estado do Rio de Janeiro indicam que mais de 80% dos adolescentes que

vivem nas ruas do Estado do Rio de Janeiro estão usando crack, o que é altamente

preocupante, na medida em que evidenciamos que se trata de uma droga com alto poder

de gerar dependência e que, exatamente em razão das sensações geradas pelo seu uso,

em raras ocasiões o usuário consegue se desvincular após estabelecer uma relação de

dependência com a substância. Se os dados indicados representam de fato a realidade,

estamos diante de um problema difícil de superar.

Vale frisar que a nossa experiência em instituições pernambucanas que tratam de

pessoas que usam/abusam de drogas aponta para uma mudança no “perfil” das pessoas

que buscam tratamento nos últimos oito anos. Se antes os usuários de crack eram

raridade nas referidas instituições, atualmente, representam uma maioria.

Destacamos que aqui nos referimos à instituição particular, onde o internamento não

custa pouco, o que nos mostra que o uso do crack há algum tempo deixou de ser

exclusividade de pessoas desfavorecidas economicamente. Mas a constatação também

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se estende para instituições públicas, aonde o número de usuários de crack também tem

aumentado de forma assustadora nos últimos anos.

Cafeína – é uma substância estimulante encontrada no café, chocolate, refrigerantes

e vários tipos de chá. Sua produção, comercialização e uso são permitidos e as pessoas a

substância é usada por via oral.

Consumida de forma moderada a cafeína não produz efeitos significativos, no

entanto, é uma substância estimulante, que aumenta o rendimento físico, reduzindo a

fadiga e o cansaço. No entanto, quando usada em exagero, pode gerar insônia, agitação

e nervosismo. O uso crônico pode chegar a provocar distúrbios sensoriais, úlcera e

diarréia.

A cafeína é usada diariamente por 90% dos americanos, que são os maiores

consumidores da substância no mundo e em outros países como o Brasil faz parte da

rotina diária de milhões de pessoas.

Muitas vezes a informação de que a cafeína se enquadra no rol das drogas

surpreende muitas pessoas, já que esta associação raramente ocorre no senso comum.

Apenas para ilustrar, trazemos trecho de uma reportagem sobre drogas de revista de

grande circulação nacional: “No Brasil, porém, as drogas lícitas são muito mais

consumidas do que as ilícitas . O álcool encabeça a lista de consumo, seguido pelo

tabaco e depois pela maconha e os solventes”. Em nenhum momento a reportagem fez

referência à cafeína.

Tabaco / cigarro – o tabaco é uma planta rica em uma substância chamada

nicotina e há indícios que esta planta já era utilizada pelas sociedades nativas da

América Central por volta do ano 1.000 a. C., mascada ou fumada em rituais religiosos.

O uso do tabaco se difundiu por todo o mundo a partir dos meados do século XX

e hoje é um dos responsáveis por um mercado legal que movimenta milhões de dólares,

além de gerar altos custos sociais em razão das doenças geradas pelo uso prolongado.

No Brasil a droga é lícita, embora, atualmente, após anos e anos de total descaso

dos legisladores e da sociedade com um todo, o seu uso tem sido cada vez mais restrito

a espaços privados, sendo vedado o uso em restaurantes, bares, shoppings, boates e

demais lugares fechados. Tal medida visa impedir que o usuário do tabaco prejudique a

saúde de outras pessoas (os chamados fumantes passivos), já que esta talvez seja a única

droga que tem o poder de causar danos físicos não só a quem usa, mas também a quem

está próximo ao usuário, mesmo que nem toque no cigarro.

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Nicotina é uma droga estimulante, com efeito relaxante quando o indivíduo está

tenso e produz sensação de alerta quando o indivíduo está sonolento. O seu uso pode

produzir pequena alteração (aumento) nos batimentos cardíacos, na pressão sanguínea,

na freqüência respiratória e na atividade motora.

Para o fumante, o ato de fumar não se resume ao consumir nicotina. O prazer de

inalar e expelir fumaça, o ritual que cerca o ato de fumar um cigarro e até o estímulo

social que recebem para fumar em companhia de outros colegas fumantes estão entre os

apelos ao consumo.

A fumaça do cigarro contém elevado número de substâncias tóxicas ao

organismo, sendo a nicotina, o alcatrão e o monóxido de carbono os grandes

responsáveis pelos danos à saúde dos fumantes. O uso prolongado pode causar

problemas circulatórios, pulmonares e cardíacos. Além disso, o tabaco tem alta ação

cancerígena e aumenta a predisposição ao infarto e ao acidente vascular cerebral

(AVC).

O uso do tabaco pela mulher ao longo da gravidez implica em maiores riscos de

aborto e parto prematuro.

Como acontece com qualquer droga, o fato de saber que a substância traz

inúmeros prejuízos à saúde não é suficiente para que uma pessoa interrompa seu uso,

pois o desejo de fumar é maior que o medo das repercussões advindas do uso.

Um número relevante de usuários crônicos desenvolve tolerância à nicotina,

necessitando de quantidades cada vez maiores para conseguir os efeitos desejados. A

interrupção do uso pode gerar um desejo incontrolável de fumar, além de causar tontura,

sudorese, dificuldade de concentração, insônia e dor de cabeça.

Assim, o conjunto dos sintomas descritos caracteriza a síndrome de abstinência,

que geralmente desaparece após uma ou duas semanas sem fazer uso.

Anfetaminas - As anfetaminas são drogas estimulantes da atividade do sistema

nervoso central, já que fazem o cérebro trabalhar mais acelerado, tornando as pessoas

mais “acesas”, “ligadas” com “menos sono”, “elétricas”. É também conhecida como

“rebite”, sobretudo principalmente entre os motoristas que precisam dirigir durante

várias horas seguidas, sem descanso, para poder cumprir prazos pré-determinados pelos

contratantes. Também é conhecida como “bolinha” mo meio dos estudantes que as

utilizam para passar noites inteiras estudando, ou por pessoas que costumam fazer

regimes de emagrecimento sem o devido acompanhamento médico.

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As anfetaminas são drogas sintéticas, produzidas em laboratórios.

Existem várias drogas artificiais que pertencem ao grupo das anfetaminas e como

cada uma delas pode ser comercializada sob a forma de remédio, por vários laboratórios

e com diferentes nomes de fantasia, temos um grande número destes medicamentos,

assim como acontece com os benzodiazepínicos. Elas agem de uma maneira ampla

afetando vários comportamentos do ser humano. A pessoa sob sua ação tem insônia

(isto é, fica com menos sono) inapetência (ou seja, perde o apetite), sente-se cheia de

energia e fala mais rápido ficando “ligada”.

Assim, o motorista que toma o “rebite” para não dormir, o estudante que ingere

“bolinha” para varar a noite estudando, um gordinho que as engole regularmente para

emagrecer ou ainda uma pessoa que se injeta com uma ampola de Pervitin ou com

comprimidos dissolvidos em água para ficar “ligadão” ou ter um “baque” estão na

realidade tomando drogas anfetamínicas.

A pessoa que toma anfetaminas é capaz de executar uma atividade qualquer por

mais tempo, sentindo menos cansaço. Este só aparece horas mais tarde quando a droga

já se foi do organismo; se nova dose é tomada as energias voltam embora com menos

intensidade. De qualquer maneira as anfetaminas fazem com que um organismo reaja

acima de suas capacidades exercendo esforços excessivos, o que logicamente é

prejudicial para a saúde. E o pior é que a pessoa ao parar de tomar sente uma grande

falta de energia (astenia) ficando bastante deprimida, o que também é prejudicial, pois

não consegue nem realizar as tarefas que normalmente fazia antes do uso dessas drogas.

As anfetaminas não exercem somente efeitos no cérebro. Assim, agem na pupila

dos nossos olhos produzindo uma dilatação (o que em medicina se chama midríase);

este efeito é prejudicial para os motoristas, pois à noite ficam mais ofuscados pelos

faróis dos carros em direção contrária. Elas também causam um aumento do número de

batimentos do coração (o que se chama taquicardia) e um aumento da pressão

sanguínea. Aqui também pode haver sérios prejuízos à saúde das pessoas que já têm

problemas cardíacos ou de pressão, que façam uso prolongado dessas drogas sem o

acompanhamento médico, ou ainda que se utilizarem de doses excessivas.

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Se uma pessoa exagera na dose (toma vários comprimidos de uma só vez) todos os

efeitos acima descritos ficam mais acentuados e podem começar a aparecer

comportamentos diferentes do normal: ela fica mais agressiva, irritadiça, começa a

suspeitar de que outros estão tramando contra ela: é o chamado delírio persecutório.

Dependendo do excesso da dose e da sensibilidade da pessoa pode aparecer um

verdadeiro estado de paranóia e até alucinações. É a psicose anfetamínica. Os sinais

físicos ficam também muito evidentes: midríase acentuada, pele pálida (devido à

contração dos vasos sanguíneos) e taquicardia.

Essas intoxicações são graves e a pessoa geralmente precisa ser internada até a

desintoxicação completa. Às vezes, durante a intoxicação a temperatura aumenta muito

e isto é bastante perigoso, pois pode levar a convulsões.

Finalmente trabalhos recentes em animais de laboratório mostram que o uso

continuado de anfetaminas pode levar à degeneração de determinadas células do

cérebro. Este achado indica a possibilidade de o uso crônico de anfetaminas produzir

lesões irreversíveis em pessoas que abusam destas drogas.

Quando uma anfetamina é continuamente tomada por uma pessoa, esta começa a

perceber com o tempo que a droga faz a cada dia menos efeito; assim, para obter o que

deseja, precisa ir tomando a cada dia doses maiores. Há até casos que de 1-2

comprimidos a pessoa passou a tomar até 40-60 comprimidos diariamente. Este é o

fenômeno de tolerância, ou seja, o organismo acaba por se acostumar ou ficar tolerante

à droga.

Existem algumas pessoas que, ao interromper o uso de anfetaminas podem ficar em

um estado de grande depressão, difícil de ser suportado; entretanto, isto não é uma regra

geral. Ou seja, não aconteceria com todas as pessoas, o que torna discutível a existência

da síndrome de abstinência após a retirada da droga, já que esta se caracteriza por um

conjunto de sintomas.

O consumo de anfetaminas no Brasil chega a ser preocupante, tanto que até a

Organização das Nações Unidas vem alertando o Governo brasileiro a respeito. Apenas

para exemplificar, registramos que entre estudantes brasileiros do 1º e 2º graus das 10

maiores capitais do país, 4,4% revelaram já ter experimentado pelo menos uma vez na

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vida uma droga tipo anfetamina. O uso freqüente (6 ou mais vezes no mês) foi relatado

por 0,7% dos estudantes. Este uso foi mais comum entre as meninas. Outro dado

alarmante diz respeito ao total consumido no Brasil: em 1995 atingiu mais de 20

toneladas, o que significa muitos milhões de doses.

Drogas perturbadoras:

Maconha - nome dado no Brasil ao vegetal cannabis sativa, também conhecida

popularmente como: “marijuana”, “fumo”, “bagulho”, “coisinha”, “manga-rosa”,

“liamba”, “a massa”. Os primeiros registros da sua presença no Brasil datam do século

XVIII para a produção de fibras. No entanto, acredita-se que a planta já existe há mais

tempo, quando era utilizada pelos escravos. A planta cannabis sativa produz mais de

400 substâncias químicas. Uma delas é o THC (tetrahidrocanabinol), que é a principal

responsável pelos efeitos da maconha.

As flores e folhas secas da maconha podem ser fumadas ou ingeridas, sendo que a

forma mais comum é a fumada. No primeiro caso a maconha é absorvida por via

pulmonar e atinge o Sistema Nervoso Central (cérebro) em apenas alguns segundos. Se

utilizada por via oral sua absorção é lenta, de 30 a 60 minutos.

O “hashishe” é uma forma concentrada da maconha, com a forma de uma “bolota”.

A pessoa pode engolir a bolota ou pode fumá-la. O “hashishe” é bem mais potente que

as folhas e flores da maconha. O “skunk” nada mais é do que uma variedade da planta

que foi selecionada para produzir uma quantidade bem maior de THC. É claro, portanto,

que o “skunk” é mais potente que a maconha comum.

Os efeitos buscados geralmente com o uso são: tranqüilidade (muitos do que usam

maconha se sentem mais calmos e relaxados); diversão e descontração (a pessoa ri por

qualquer motivo); busca de um maior prazer sexual (isto não ocorre, na verdade); maior

sensibilidade ao som (ficar curtindo uma música, por exemplo), maior sensibilidade ao

gosto das comidas (a famosa "larica"); ficar "morgando" (vontade de não fazer nada);

ficar "viajando" em algum objeto, pois a sensibilidade visual fica aumentada.

A maconha é usada praticamente no mundo inteiro. A Organização Mundial de

Saúde (OMS) estima que mais de 140 milhões de pessoas faça uso de maconha no

mundo. Se nos referirmos apenas ao Brasil, temos cerca de 1,8 milhões de dependentes

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da maconha. Segundo levantamento do CEBRID (2005), 4,5 milhões de pessoas já

experimentaram a droga no Brasil.

Os efeitos físicos gerados pelo uso não são muitos: os olhos ficam ligeiramente

avermelhados, a boca fica seca e o coração dispara (os batimentos, de 60 a 80 por

minuto, podem chegar a mais de 120).

Os efeitos crônicos da maconha são mais graves. No homem, o uso prolongado de

maconha pode provocar uma diminuição da testosterona (hormônio que confere ao

homem maior quantidade de músculos, a voz mais grossa, barba, também é responsável

pela fabricação dos espermatozóides). Na mulher, pode trazer alterações hormonais

chegando até a inibição da ovulação. O uso contínuo pode afetar também os pulmões (a

fumaça é muito irritante), sendo comuns os problemas respiratórios, principalmente a

bronquite. Animais de laboratório expostos cronicamente à maconha passam a

apresentar maior incidência de câncer.

Para uma parte das pessoas, os efeitos correspondem a uma sensação de calma e

relaxamento, menos cansaço e vontade de rir. Para outras, ao contrário, os efeitos são

desagradáveis: tremor, sudorese, sensação de angústia, medo de perder o controle

mental (“bad trip”/ “má viagem”).

A percepção do tempo e do espaço fica prejudicada. Assim, uma pessoa ao dirigir

após ter usado maconha, pode facilmente calcular errado na hora de fazer uma

ultrapassagem, causando assim um acidente. Há também repercussões relacionadas a

capacidade de memorização.

Os efeitos psíquicos crônicos da maconha, provocados pelo uso continuado,

interferem na capacidade de aprendizagem e de memorização, podendo induzir a um

estado de diminuição da motivação (a chamada síndrome amotivacional). É comum

observarmos usuários de maconha se desinteressando por atividades anteriormente

habituais. Tudo parece ficar sem graça e sem importância. Há também provas científicas

de que, se o usuário tem uma doença psíquica, mas que ainda está "sob controle", ou já

se manifesta, mas está controlada por medicamento, a maconha pode agravar o quadro,

pois ela pode anular o efeito do medicamento ou ser o "estopim" que faz a doença se

manifestar.

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Os usuários regulares podem desenvolver dependência, a partir de uma necessidade

psicológica de obter os efeitos da droga. Não existem registros de sintomas físicos

significativos após a interrupção do uso, mesmo que freqüente, podendo, em alguns

casos, o usuário sentir dificuldade para dormir sem fazer uso e certa irritabilidade.

O uso contínuo da maconha pode levar ao fenômeno de tolerância. Por exemplo: se

antes a pessoa com 1(um) baseado ficava "legal", agora ela precisa fumar mais para

ficar "legal" do mesmo jeito. No entanto, a tolerância no caso da maconha demora

muito para acontecer.

A maconha no Brasil é considerada uma droga ilícita e, por assim ser, se uma

pessoa estiver usando maconha e for surpreendida pela polícia (mesmo que não esteja

causando nenhum tipo de problema ou dano a outros) ela vai ser punida pela posse, de

acordo com a lei (6368/76), que dá margem para que o usuário ainda seja enquadrado

com traficante.

Dessa forma, na prática, o que se observa no Brasil é que policiais usam esta lacuna

deixada pela lei para “jogar” com os usuários de maconha. Ou seja, quando apreendidos

pela polícia, se têm dinheiro, são pressionados para pagar a liberação; se não têm, vão

para delegacia. Neste sentido, o contato da polícia com os usuários de maconha é

facilitado por se tratar de uma droga muito usada no Brasil por jovens de todas as

classes, que circulam em seus carros fumando a substância com amigos (usuários de

classe média, média-alta), ou mesmo parados em esquinas, terrenos desocupados, ruas

mais tranqüilas e etc.

Destacamos que, no Brasil, a discussão em torno da legalização do uso da maconha

está ganhando cada vez mais espaço, havendo inclusive alguns movimentos na

sociedade que nos mostra que uma parte considerável da população já considera

realmente importante refletir sobre os ônus e bônus da legalização da maconha.

Não sabemos as razões para a proibição da maconha no Brasil e na maioria dos

países ocidentais. Mas, sobre isso, Batista Neto (2009, p.47) aponta uma interessante

reflexão, quando afirma que “não se sabe ao certo por que a maconha foi proibida no

mundo ocidental, se pelos possíveis danos que causa ao induvíduo; se porque

inicialmente era mais usada por negros escravos e pessoas consideradas inferiores; se

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por causa do relato exagerado dos seus efeitos maléficos; ou se por uma concorrência

comercial com os fabricantes de bebidas alcoólicas e de cigarros...”. Realmente soa

contraditório o fato da maconha ser proibida em uma sociedade onde o uso do álcool é

permitido e incentivado de forma escancarada.

Com relação a ilicitude ou licitude da maconha, consideramos importante registrar

que ela se tornou ilegal internacionalmente em 1925, durante a “Internacional Opium

Convention”. Em 1960, a maioria dos países ocidentais criou suas leis nacionais

proibindo o consumo e punindo os usuários.

No entanto, em 1996, a Holanda se tornou um dos únicos países onde a droga pode

ser comercializada (de forma controlada) e consumida legalmente. Curiosamente, para

quem pensava que tal medida elevaria o consumo para números absurdos, estima-se que

cerca de 5% dos holandeses fumam maconha, contra 9% de países como Estados

Unidos, por exemplo, que prioriza basicamente a repressão.

Êxtase (Ecstasy) - é uma substância que foi fabricada pela primeira vez em 1914

para ser usada como moderador de apetite (remédio para emagrecer). Atualmente, as

pessoas costumam fazer uso dessa droga para sair à noite (sair na “balada”), seja em

festas “raves” (festas “intermináveis”, realizadas geralmente em locais abertos e

afastados, onde se toca muita música eletrônica) ou em boates e clubes. Ela é uma

substância chamada MDMA (sigla para um nome bem grande: 3,4

metilenodioximetanfetamina). Porém, cada comprimido de êxtase possui quantidades

variáveis de impurezas como MDA, MDEA, cafeína, efedrina, etc.

O êxtase é um comprimido redondo, de várias cores e tamanhos. Por ser um

comprimido, precisa apenas ser ingerido para gerar os seus efeitos, o que torna a droga

de fácil uso. Existe, porém, também o êxtase sob a forma de cápsulas gelatinosas e em

pó, o qual é aspirado.

Os seus efeitos podem ser sentidos 20 minutos após o uso e podem durar até 2

horas. O sentimento é de euforia, seguido de calma e sensação de bem-estar com as

pessoas. Acentua sensibilidade para o som, cores e “toques”, alterando a percepção do

tempo e diminuindo a sensação de medo. Por outro lado, pode vir a provocar crises de

pânico e ansiedade exacerbada, sobretudo quando ingerida em altas doses.

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Não se sabe ainda no Brasil a proporção de pessoas que fazem uso dessa droga.

Suspeita-se, entretanto, que o consumo tem crescido bastante, principalmente entre

jovens da classe média, média alta e alta.

A temperatura corporal da pessoa que usou a droga sobe bastante (hipertermia), o

que, em alguns casos se torna muito perigoso. Ocorre também um aumento de

batimentos cardíacos e da pressão arterial. Com freqüência pode ocorrer também uma

desidratação, pois a pessoa além de ter um aumento de temperatura transpira muito

dançando, se movimentando, o que traz grande perda de água.

O uso crônico do êxtase pode trazer uma série de complicações. A pessoa pode ter

problemas hepáticos, tais como insuficiência e icterícia (termo médico que descreve o

estado no qual o sujeito fica com uma coloração amarelada). Pode também vir a ter

problemas cardíacos devido ao constante aumento de pressão do sangue e ao aumento

dos batimentos do coração. A pessoa que usa com freqüência também emagrece.

Esta droga junta efeitos alucinógenos (mudança na percepção da realidade) com

efeitos estimulantes (aumento da atividade física e ausência de sono). Mas o que mais

chama a atenção seriam os seus efeitos relacionados ao aumento do desejo de se

comunicar com outras pessoas/ de tocar em outras pessoas, embora até hoje ainda seja

discutido a existência real deste efeito. Talvez por isso a mídia A mídia deu ao êxtase o

rótulo de "droga do amor", mas, na verdade, a substância não aumenta a excitação nem

o desejo sexual na maioria dos indivíduos que a usam. O que parece ocorrer é que as

pessoas ficam mais sociáveis, passando a se tocar mais.

Transtornos psiquiátricos podem surgir e lesão cerebral pode ocorrer. Por exemplo,

existem evidências cientificas de que o êxtase destrói células do cérebro (neurônios) que

funcionam à base de uma substância (neurotransmissor) chamada serotonina.

Algumas repercussões no campo profissional/estudantil podem ocorrer com

facilidade com os usuários freqüentes, pois a droga altera o ciclo sono/vigília, podendo

provocar alucinações. No dia seguinte ao uso as pessoas costumam estar muito

cansadas, pois, sob o efeito da droga, se movimentaram/dançaram muito na noite

anterior. As pessoas que tomam êxtase costumam tomar junto bebidas energéticas e/ou

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fumar maconha. Mas nem todos são assim. Algumas pessoas resolvem tomar esta droga

sem misturá-la com nenhuma outra, permanecendo assim "fiéis" ao êxtase.

As pessoas que estão sob o efeito do êxtase costumam dançar muito, sem parar.

Bebem muita água também (para repor a água perdida durante a dança e também por

que a temperatura corporal aumenta muito).

O êxtase foi produzido para ser usado como um moderador de apetite, mas não

mostrou nenhuma utilidade clínica. Assim, a droga não tem nenhum efeito terapêutico

conhecido.

Ao contrário do que muitos podem pensar, existem casos de dependência de êxtase,

assim como se evidencia que os usuários desenvolvem a chamada tolerância, sendo

necessário, com o passar do tempo, consumir uma quantidade maior para conseguir o

mesmo efeito de antes.

O êxtase é uma droga ilícita no Brasil, o que significa que sua produção,

comercialização e uso são proibidos. No entanto, é muito difícil um usuário de êxtase

ser surpreendido no ato do uso, pois, como se trata de um comprimido, que é pequeno e

não deixa cheiro, as pessoas usam sem que ninguém perceba, muitas vezes na própria

pista de dança das boates ou conversando com amigos nas chamadas festas “raves”.

LSD (dietilamida do ácido lisérgico)- é uma substância que lembra outras

substâncias presentes em um cogumelo, a “Claviceps purpúrea”. Embora tenha

estrutura química semelhante, ele não é produzido (sintetizado) pelo cogumelo e, sim, é

fabricado em laboratórios. Portanto, o LSD é uma substância sintética (fabricada em

laboratórios) e não uma substância natural (fabricada ou sintetizada por uma planta). Ele

produz profundas alterações mentais chamadas de alucinações.

O LSD, também conhecido como “ácido”, é utilizado por via oral, ou seja, é

ingerido. É um líquido que não possui odor, cor ou sabor. Em geral, o usuário introduz

embaixo da língua um pequeno pedaço de papel de filtro impregnado com LSD, no qual

se verificam também vários desenhos e ilustrações. Também pode ser utilizado através

de conta-gotas, bebidas ou selos de cartas. O LSD é tão potente que pequeníssimas

doses, de 20 a 50 microgramas (um micrograma é um milésimo de um miligrama), já

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produzem alterações mentais. Para dar idéia, um micrograma, cabe na ponta de uma

agulha.

Em geral as pessoas usam alucinógenos como o LSD na intenção de ter visões e

sensações novas e coloridas. O fato de tudo parecer colorido "tornaria", por exemplo,

uma festa mais alegre e diferente. Outros usam o LSD porque acreditam que podem ter

visões reveladoras, conhecer melhor a si e aos outros.

Os adolescentes e jovens, principalmente de classes mais favorecidas, são os

principais usuários de alucinógenos, de uma forma geral, visto serem os principais

freqüentadores de festas e terem dinheiro suficiente para comprar a droga.

Esporadicamente sabe-se do uso de LSD no Brasil e raramente a polícia apreende esta

droga.

Em se tratando de uma droga ilegal, torna-se difícil especificar um número correto

de usuário de LSD. Sabe-se que no Brasil seu uso é pouco significativo. Em quatro

levantamentos sobre o uso de drogas entre estudantes de 1º e 2º graus em 10 capitais

brasileiras de 1987 a 1997, realizados pelo CEBRID de 1987 a 1997, o uso na vida de

alucinógenos (incluindo o LSD) não representa nem 1% dos cerca de 50 mil estudantes

entrevistados.

Os efeitos físicos do LSD incluem pupilas dilatadas, aumento da temperatura do

corpo, aumento dos batimentos cardíacos e da pressão arterial, suores, perda de apetite,

falta de sono, boca seca e tremores.

Mesmo doses muito grandes de LSD não chegam a intoxicar seriamente uma

pessoa, do ponto de vista físico. Mas efeitos de fadiga e tensão podem ser relacionados

ao uso crônico e podem durar vários dias.

Os efeitos aparecem de 30 a 90 minutos após a ingestão e duram aproximadamente

6 horas. Durante este período o LSD produz fenômenos alucinatórios que envolvem um

conjunto de percepções que ocorre sem a presença de um objeto. Isto significa que,

mesmo sem ter um estímulo (objeto), a pessoa pode sentir, ver e ouvir. As sensações

são "reais", provocando dor, prazer, medo, ansiedade e outras.

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Além disso, o LSD gera uma modificação na percepção de tempo, modificação da

sensação de espaço, modificação de sensações do próprio corpo. O usuário pode ter

"uma viagem boa" e ver formas coloridas ou "uma viagem ruim" com crises

depressivas. Pode ocorrer ainda uma mistura de informações sensoriais chamada

sinestesia, provocando sensações como ouvir uma cor, ver um som, ou seja, as

sensações auditivas se traduzem em imagens e as imagens se traduzem em sons.

O uso de LSD pode levar ao aparecimento de "flashbacks". Este fenômeno ocorre

algum tempo (semanas ou meses) depois do uso de LSD. É um fato de causa

desconhecida que leva a pessoa, repentinamente, a ter todos os sintomas psíquicos da

experiência anterior, sem ter tomado de novo a droga. O "flashback" pode ainda ser

desencadeado por canseira, intoxicação alcóolica ou pelo uso abusivo de maconha. Sua

ocorrência é extremamente perigosa durante a condução de um veículo, podendo gerar

acidentes graves.

Além disso, usuários crônicos de LSD podem manifestar psicoses como

esquizofrenia ou depressão profunda. Assim, o perigo do LSD não está tanto na sua

toxicidade para o organismo, mas sim no fato de que, pela perturbação psíquica, há

perda da habilidade de perceber e avaliar situações de risco. O usuário fica "fora do ar",

julga-se com capacidades ou forças irreais. Por exemplo, acha que pode voar atirando-se

pela janela ou andar sobre as águas avançando mar adentro.

Via de regra, as pessoas que "se encontram" no LSD ou outras drogas alucinógenas,

acabam por ficar à deriva do dia-a-dia, sem destino e objetivos que possam vir a

enriquecer a vida pessoal.

Dificilmente pode-se perceber tal fato por modificações da aparência física do

usuário. É possível notar, quando for o caso, alterações no humor e surgimento de

episódios psicóticos. Mas estes sintomas podem surgir por muitas causas e não são,

portanto, especificas para o LSD.

O Ministério da Saúde do Brasil não reconhece uso médico do LSD e proíbe

totalmente a produção, comércio e uso do mesmo no território nacional. A Organização

Mundial da Saúde e as Nações Unidas consideram o LSD como uma droga proscrita,

isto é, proibida.

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O LSD não leva comumente a estados de dependência, visto que não produz

comportamentos compulsivos para sua obtenção. No entanto, para certas pessoas, os

efeitos do LSD podem ser considerados como uma "experiência positiva" ou algo

"místico" e estas pessoas podem se apresentar dependentes, isto é, não mais conseguem

viver sem a droga.

A maioria dos usuários de LSD diminui ou pára o uso da droga com o tempo, por

conta própria, no entanto, o fenômeno da tolerância desenvolve-se. Ou seja, a pessoa

precisa de doses cada vez maiores para sentir os mesmos efeitos. Mas, também, há

rápido desaparecimento da mesma com a interrupção do uso.

É quase impossível surpreender alguém usando o LSD, assim como acontece com o

êxtase. Isso porque se trata de um papel minúsculo, embebido com a droga, que será

ingerido.

O usuário de LSD, sob o efeito da droga, tem as sensações centradas no "eu", não

dando atenção a nada que não faça parte dele.

Cogumelos – existem várias espécies de cogumelo que produzem alucinações no

Brasil. Geralmente, contém a droga alucinógena psilocibina. Podem ser comidos crus,

cozinhados, fervidos em chá (“chá de cogumelo”).

Provocam distorção visual e de som, intensificação de cores e mudanças no sentido

do tempo e lugar. Os seus efeitos podem ser sentidos cerca de 30 minutos após o uso,

chegando a durar cerca de 9 horas, não sendo possível interromper os efeitos depois que

eles começam.

Em alguns casos, acontecem pânico, ansiedade, mal-estar, vômito e dor de

estômago. Quando usado em grandes quantidades pode gerar alucinações, mas um dos

principais riscos do uso reside no fato de que alguns cogumelos são altamente

venenosos.

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1.5 – TIPOS DE USUÁRIOS:

Os efeitos provocados por substâncias psicoativas (droga) variam de acordo com

o tipo de droga, com a quantidade e forma de consumo (fumada, inalada, injetada), com

o contexto em que a droga é utilizada, com o “estado” do sujeito no momento, assim

como com a personalidade e história de vida de cada usuário. As motivações para o uso

também interferem significativamente nas sensações geradas pelo uso da droga.

Assim, é importante reiterarmos que mesmo em situações em que se usa a

mesma droga, cada indivíduo vai sentir seus efeitos de forma singular, única. Aliás,

mesmo quando nos referimos a uma mesma pessoa, que usa a mesma droga em

momentos de vida distintos, não há que se falar em padronização dos efeitos obtidos.

Não esqueçamos que as pessoas vivem de forma desigual as condições de vida e,

sendo assim, essa variável também reforça a crença na existência de tipos de usuários,

na medida em que a todo tempo estamos defendendo a influência do contexto e das

características individuais na dinâmica do uso de drogas.

Tomemos como exemplo o crack. Por mais que saibamos que o seu uso há muito

tempo deixou de ser exclusivo das pessoas de vivem nas ruas das grandes cidades,

sendo buscado também por jovens e adultos com alto poder aquisitivo, não podemos

negar que os adolescentes pobres que iniciam seu uso com 12, 13 anos se tornaram um

tipo de usuário completamente desprezível, como se representassem uma espécie de lixo

humano, o que pode ser constatado no relato de um membro de grupo de extermínio,

veiculado em reportagem da Revista Veja (199, p.42), como verificamos a seguir:

“Matando os nóias, que são garotos viciados em crack, a gente evita que eles sujem a

área. É como limpar um lixo da rua. Sabe quando junta aquele lixo? No ambiente que

você trabalha, não precisa arrumar as mesas? É a mesma coisa com a gente.

Precisamos limpar o ambiente de trabalho. Matar os nóias é uma obrigação. Todo dia

tem BO de um nóia. A gíria BO vem de boletim de ocorrência e significa um problema

que alguém arruma para a gente. Matar nóia é limpeza. Você derruba o cara, coloca

dentro do carro, leva na represa, rasga a barriga dele e joga dentro do rio. Quem vai

achar o cara? Ninguém acha”.

Pois é... por mais que o crack também esteja presente entre pessoas de outras

classes sociais, evidenciamos que são tipos de usuários diferentes, e, no caso específico,

a distinção do tipo de usuário se dá em função não só do tipo de relação que a pessoa

estabelece com a droga, ou dos efeitos gerados, mas também, ou, melhor dizendo,

exclusivamente, a partir das condições sociais/de vida e, conseqüentemente, do poder

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aquisitivo, afinal, alguém acredita que o mesmo tratamento é dado aos usuários de crack

que são ricos? Certamente não!

Diante do exposto, frisamos que os tipos de usuários se diferenciam pelas

características da relação que estabelecem com a droga, mas também pelas condições de

acessá-las.

Este entendimento nos ajuda a (re)lembrar que quando buscamos uma

compreensão sobre os efeitos causados pelo uso de drogas, não podemos perder de vista

a importância de levar em consideração não só as características da substância, mas

também o contexto em que se insere o seu uso, assim como as especificidades

subjetivas, as características de personalidade de cada pessoa.

Ao contrário do que muitos pensam, a droga, por si só, não detém nenhum poder

mágico de tornar uma pessoa dependente ou de determinar esse ou aquele

comportamento, pois o efeito causado pelo uso de determinada droga e a forma que a

pessoa vai se relacionar com a “sua” droga é fruto da interação entre a substância, o

indivíduo e o contexto. Seria um engano pensar que a droga está fora do sujeito, pois, ao

contrário, o sujeito é quem dá este ou aquele sentido à droga.

Bastos (2003, p. 37) reforça nosso entendimento afirmando que: “Nenhuma

substância determina comportamentos, mas tão somente contribui para explicitação de

comportamentos e atitudes que já são característicos das pessoas, ou seja, não é a

bebida que torna uma pessoa agressiva, mas sim que pessoas agressivas podem se

tornar explicitamente agressivas quando alcoolizadas”.

Por mais difícil que seja aceitar esta perspectiva, já que ela contraria um

entendimento cristalizado no senso comum, que coloca todos os usuários de drogas

como “iguais”, como se o que os distinguisse fosse apenas o tipo de droga utilizada,

para confirmá-la basta nos esforçarmos para pensar nas pessoas que fazem parte do

nosso ciclo de amizades e que bebem com freqüência.

Tomemos como exemplo a cerveja, que é quase uma unanimidade entre as

pessoas que usam álcool. Algumas pessoas bebem determinada quantidade e, a partir

disso, conversam, interagem com outras pessoas, ficam alegres, divertidas, entregam a

chave do carro para um colega que não bebeu dirigir, chega em casa e “desaba” na cama

para dormir...outras, após a ingestão da mesma quantidade, da mesma cerveja, torna-se

inconveniente, chato, fala alto, retorna para casa dirigindo de forma imprudente, chega

discutindo com todos...estamos falando da mesma droga, da mesma quantidade, mas de

efeitos distintos.

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Apenas para dar mais consistência à nossa compreensão, vejamos alguns

depoimentos de usuários de maconha:

“Fico ouvindo som, curtindo a música, embalado na filosofia da letra...faço isso

sempre que termino o dia. No trabalho sou um, depois sou eu e meus gostos...”;

“bebemos umas cervejas, dançamos um bocado e depois veio aquela vontade de

transar. Aí pegamos um fuminho e transamos, foi uma maravilha...” ; “quando fumo

maconha fico com a cabeça a mil, pensando em várias coisas ao mesmo tempo, é uma

loucura...”; “gostamos de fumar um antes de derrubar (assaltar) os “ playboy” do

shopping...” (Drogas: tempos, lugares e olhares sobre seu consumo”. Luiz Alberto

Tavares, Alba Riva Brito e Antonio Nery Filho (orgs.), 2004.

Em todas as situações a droga é a mesma (no caso específico, a maconha) e

poderíamos gastar várias páginas trazendo exemplos relacionados a outras drogas,

semelhantes aos apontados, mas consideramos desnecessário por entendermos que resta

claro o que queremos demonstrar – que são as pessoas e suas subjetividades que

interferem no efeito da droga e não uma suposta autonomia da substância.

Certa vez, um usuário de álcool que participava de um grupo informativo

coordenado por nós tentava explicar isso a outro jovem e dizia. “Por exemplo, se você

colocar um saco de cocaína aqui em cima da mesa ele vai passar vários dias aqui e eu

não vou nem tocar nele, mas se isso acontece com você seria uma desgraça...mas se

você colocar uma garrafa de cachaça aqui não teria problema para você, mas para

mim, seria um prejuízo...”. Dito de outra forma, sem a ação/intenção do indivíduo,

aquilo nada mais é que um saco contendo um pó branco, ou uma garrafa com

determinado líquido. No entanto, a partir da intenção do sujeito, aquele pó

branco/aquele líquido ganha outras dimensões.

Quando mascaramos a realidade e tentamos inserir todos os usuários de drogas

no rol dos “fracos”, doentes, fadados ao insucesso e à morte, estigmatizamos o

consumidor e damos a droga um poder, uma espécie de certificado de que ela é tão

destruidora que corrompe as pessoas de forma quase que independente. Quantas e

quantas vezes escutamos de familiares de jovens envolvidos com uso/abuso de drogas

frases do tipo: “ele é um menino tão bom...essa droga é uma peste...esses amigos

levaram ele para o mal caminho...”.

Talvez frases como estas representem a dificuldade da nossa sociedade e dos

familiares de pessoas que desenvolvem algum tipo de problema decorrente do uso de

drogas em se ver como parte nos processos que conduzem um indivíduo a estabelecer

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determinada relação com as drogas. É como se a droga estivesse fora do indivíduo, o

que termina sendo uma forma bem reducionista de entender a questão, pois coloca o ser

humano em uma posição de completa passividade e submissão à substância.

Dizendo isso, de forma alguma queremos resgatar uma visão ultrapassada que

colocava exclusivamente na família a responsabilidade pelo uso de drogas dos seus

filhos, no entanto, por tudo que falamos até aqui, não podemos deixar de ressaltar que a

subjetividade se constitui a partir das condições objetivas de vida e, sendo assim, as

relações que se estabelecem na família, na comunidade, na escola, na sociedade como

um todo, vão interferir significativamente na forma que cada pessoa vai se relacionar

com as “coisas” do mundo, entre elas as drogas.

Neste sentido, consideramos grandiosa a contribuição da clínica psicanalítica da

dependência, pois, como afirma Nery (2003), ela “desloca a droga para colocar o

sujeito em primeiro lugar: o sujeito faz a droga”.

Diante do exposto, afirmamos que a única coisa em comum entre os usuários de

drogas é aquilo que é mais óbvio – o uso de drogas. Entretanto, como defende

Espinheira (2003), “a cena da droga nunca é a mesma”.

Existe uma tendência da nossa sociedade a confundir os vários tipos de

consumo, e, ainda mais, a situar todos os usuários de drogas ilícitas como “viciados”,

“desviantes”, “mau caráter”, o que é fruto do preconceito e estigmatização que cerca os

usuários dessas drogas. Neste sentido, é importante destacar que o caráter de licitude ou

ilicitude que uma sociedade atribui à determinada substância em muito contribui na

formação desta ou daquela concepção da sociedade sobre os usuários de drogas. Como

exemplo disso, basta pensarmos na representação social que tem o usuário de maconha

e o de álcool no Brasil. O usuário de droga lícita (álcool) é visto de uma forma bem

diferente da que se apresenta para os usuários de drogas ilícitas.

Consideramos importante reiterar que, ao contrário do que normalmente se

pensa, nem todas as pessoas que usam drogas se tornam dependentes ou sequer trazem

grandes prejuízos à vida em função do uso. Ao contrário, a maioria das pessoas que

usam drogas (lícitas ou ilícitas) consegue dar continuidade às suas atividades e levar a

vida trabalhando, estudando, assumindo compromissos, convivendo com familiares e

amigos. No caso dos usuários de álcool e maconha, por exemplo, apenas um percentual

de menos de 10% desenvolverá a dependência (Silveira, 2006, p. 6).

Com isso não queremos minimizar as possíveis repercussões negativas que o uso

de drogas pode vir a trazer à vida dos usuários, até porque lembramos que, embora seja

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uma minoria, aqueles que chegam ao extremo e estabelecem uma relação de

dependência com determinada droga dificilmente conseguem evitar as conseqüências

negativas advindas do uso, que aparecem em várias esferas da vida. Além disso, a

experiência mostra que as pessoas que estabelecem uma relação de dependência

dificilmente conseguem reverter o quadro e modificar o padrão de uso, o que pode ser

comprovado com os baixos índices de “sucesso” dos tratamentos, sobretudo quando

estes balizam suas avaliações do que seja “sucesso” apenas pela abstinência total. Sobre

isso trataremos quando abordarmos “prevenção e tratamento relacionado ao uso de

drogas”.

Ademais, não podemos desprezar que algumas drogas possuem maior

capacidade de gerar dependência em razão das suas propriedades, como é o caso do

crack. Exatamente por isso, dissemos anteriormente que “O padrão de consumo de

crack nos dias atuais tem estremecido alguns conceitos (antes)consistentes sobre

dependência química e sobre formas de tratamento”. Raros são os casos de pessoas que

conseguem estabelecer com o crack uma relação que não seja de dependência, o que

também ocorre com drogas como heroína, que, no Brasil, não tem seu uso disseminado,

ao contrário do uso do crack, que está crescendo de forma assustadora e preocupante.

De toda forma, para tentar entender melhor como se caracteriza os tipos de

usuários, buscamos a classificação proposta pela Organização Mundial de Saúde

(OMS), que distingue basicamente quatro tipos de usuários de drogas, a partir da

relação que estabelecem com as drogas, sendo eles:

• Experimentador – aquele indivíduo que fez uso de determinada droga alguma

vez na vida, buscando nada mais que contato com uma experiência nova, que pode ser

estimulada pela presença em determinada festa (carnaval, por exemplo) ou outra

situação pontual. O usuário não demonstra grandes interesses em repetir a experiência;

• Recreativo ou social – aquele que utiliza um ou vários tipos de drogas de forma

esporádica, não se evidenciando nenhum tipo de problema que possa ser associado ao

uso. Não há uma busca ativa pela droga. Ou seja, o indivíduo pode ir a uma festa e usar

a droga caso esteja disponível no local, mas, caso não esteja, não há a procura, a busca.

Usar uma ou outra droga é nada mais que uma das opções, mas não a única. Nestes

casos, não se recomenda nenhum tipo de tratamento específico para questão do uso de

droga.

• Problema – aquele indivíduo que faz uso reiterado de determinada droga, já

sendo possível identificar alguns problemas decorrentes do uso, ou, melhor dizendo,

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motivados pelo uso. É aquele indivíduo que bebe e sofre acidente de carro, bebe e falta

o trabalho, usa a droga e deixa de lado alguns compromissos...isso para citar apenas

alguns exemplos. Aqui, já se evidencia necessidade de refletir sobre o uso e, portanto,

algumas medidas terapêuticas já podem ser pensadas/propostas, como acompanhamento

em ambulatório e/ou participação em grupos terapêuticos.

• Dependente – aquele indivíduo que consome a droga e não tem controle sobre

seu uso, apresentando problemas que podem ser de ordem psicológica, física e/ou

social. São pessoas que fazem da droga o ponto de partida para todas as realizações.

Para o dependente, a droga é o seu combustível, a única forma de se relacionar com a

vida. Se, no caso do usuário social/recreativo, dissemos que não há uma busca ativa

pela droga, no caso do dependente a coisa muda de figura. Nestes casos, a festa só tem

graça se tiver a droga.

É aquele indivíduo que usa a droga por uma necessidade que, a partir de

determinado momento, pode passar a ser não só psicológica, mas também física, na

medida em que a ausência da droga faz surgir sintomas da chamada abstinência. É

importante destacar que esta necessidade, com a maioria das drogas, vai se instalando

lenta e gradativamente, como ocorre com o álcool.

Neste sentido, concordamos com Silveira (1995, p.142), que, ao se referir ao

dependente afirma:

“Não se trata do desejo de consumir drogas, mas da impossibilidade de não

consumi-la. Estabelece-se, assim, um duo indissociável indivíduo-droga, onde tudo o

que não é pertinente a essa relação passa a constituir pano de fundo na existência de

dependente. Este duo permanece indissociável enquanto a droga for capaz de

proporcionar esta alteração da percepção de uma realidade insuportável, respondendo

assim pela manutenção do equilíbrio do indivíduo. Para o dependente, a droga é uma

questão de sobrevivência”.

Destacamos que, com relação ao “tempo” de instalação da necessidade pela

droga, o crack é uma exceção à regra, pois com poucas experiências de uso alguns

usuários já descrevem sensações relacionadas à esta necessidade, que gera uma busca

incessante pela repetição do prazer gerado pela droga.

Por razões óbvias, no caso do dependente, a avaliação sobre formas possíveis de

tratamento se faz imprescindível, visando interferir numa trajetória que certamente

conduzirá o indivíduo ao acúmulo de prejuízos decorrentes do uso abusivo, ou até

mesmo, em alguns casos, à morte. Assim, em determinadas situações, pode-se propor

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inclusive o internamento da pessoa, mas essas questões referentes a formas de

tratamento abordaremos no capítulo posterior.

Uma pergunta com a qual nos defrontamos e que não encontramos respostas

conclusivas até o momento é: o que faz uma pessoa passar de simples usuário social a

dependente?

Dissemos anteriormente que apenas uma minoria de pessoas que usa drogas ao

longo da vida se torna dependentes, mas também destacamos que àqueles que se tornam

dependentes dificilmente conseguem estabelecer um tipo de relação diferente com a

droga.

Esse é um ponto importante para pensar nos riscos que envolvem o uso de

drogas, pois não existe nenhuma ferramenta que possibilite a certeza de que essa ou

aquela pessoa terá problemas relacionados ao seu uso, não sendo possível precisar quem

pode usar a droga sem receio de um dia estabelecer uma relação de dependência com a

droga. Só o tempo pode mostrar...

Defendemos insistentemente ao longo do trabalho a influência do contexto em

que a pessoa está inserida no tipo de relação que ela vai estabelecer com as drogas,

então, logo concluímos que esses conceitos (dependente, usuário social...) não são

estanques, na medida em que passamos por diversas situações na vida, e, portanto,

podemos modificar o padrão de uso de acordo com algumas circunstâncias que se

apresentam em cada momento da nossa existência.

Como diz Andrade (1995, p. 125), “o fato de se usar drogas, inclusive nas

formas mais comprometedoras e arriscadas, não significa que o indivíduo tenha de

fazê-lo por toda vida”.

De toda forma, a dependência consta como doença no Código Internacional de

Doenças (CID 10), e, como qualquer outra, tem critérios estabelecidos para ser

identificada. Assim, a perda do controle sobre o uso se apresenta como um dos

principais referenciais para identificar a dependência, no entanto, o CID 10 não resume

ela a isso, apresentando um conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e

fisiológicos que caracterizam a chamada síndrome de dependência, sendo eles:

Um forte desejo de usar a droga;

Dificuldade de controlar o uso da droga;

Persistência no uso de drogas, apesar das evidentes conseqüências negativas;

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Prioridade do uso da droga. Abandono progressivo de outros prazeres e

interesses na vida;

Tolerância aumentada. Necessidade de doses cada vez maiores para conseguir

os mesmos efeitos;

Sintomas de abstinência. Diante da ausência ou diminuição da droga, surgem

reações físicas /psicológicas, que podem variar de ansiedade e distúrbios do

sono à depressão e convulsões, a depender da droga utilizada.

Ainda de acordo com o CID-10, para que haja o diagnóstico de dependência, se faz

necessária a identificação de três ou mais sintomas descritos acima.

1.6 – PREVENÇÃO:

A prevenção ao uso de drogas surge como um conjunto de ações que é oferecido à

comunidade para evitar problemas de saúde e que buscam fortalecer o indivíduo no

enfrentamento de determinada questão.

Tradicionalmente, a prevenção ao uso de drogas pode ser caracterizada em:

• Prevenção primária – intervenção feita em momento anterior ao primeiro contato

com a droga.

• Prevenção secundária - intervenção que acontece depois dos primeiros contatos

com a droga. É o conjunto de ações que procuram evitar complicações para as pessoas

que fazem uso de uma droga, mas que apresentam níveis relativamente baixos de

problemas associados a este uso;

• Prevenção terciária – intervenção para casos onde já se constata uma relação de

dependência com determinada droga. Portanto, é um conjunto de ações que procuram

evitar prejuízos adicionais aos já identificados.

Para Pereira, Bordim e Figlie (2004), existem três principais linhas de atuação,

sendo elas:

• Aumento do controle social – essa linha defende ações que visem o aumento

do controle sobre os indivíduos e a diminuição da tolerância do uso de drogas, com

proibição e extrema fiscalização;

• Oferecimento de alternativas – essa linha de ação parte do princípio de que o

uso tem sua origem em problemas e tensões sociais e que a busca pela droga aparece

como escape. Assim procura-se formar grupos de discussão e oferecer atividades

culturais, esportivas e de lazer como alternativas ao uso de drogas;

• Educação – essa linha de ação apresenta os seguintes modelos:

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- Modelo do princípio moral – interpreta e associa o uso de drogas ao campo da

moral e ética;

- Modelo do amedrontamento – expondo fundamentalmente os pontos negativos,

procura aliar o uso de drogas a fatos amedrontadores;

- Modelo do conhecimento científico – oferece informações científicas e

imparciais sobre drogas, em contraposição ao modelo anterior;

- Modelo da educação afetiva – neste modelo, o centro da atenção se volta para a

pessoa e não para a droga, buscando modificar fatores pessoais, como auto-estima, que

possam influenciar na negação do uso de drogas;

- Modelo de estilo de vida saudável – valoriza o estilo de vida saudável,

trabalhando alimentação e prática de esporte. O uso de drogas é encarado como fator de

impedimento para uma boa saúde;

- Modelo da pressão positiva de grupo – acredita na possibilidade e força que o

grupo tem de influenciar positivamente.

Já Nowlis (1997) faz referência a quatro modelos de prevenção ao uso e ao

abuso de drogas que, embora tenham como referência a interação entre o indivíduo, a

substância e o contexto, variam de acordo com a ênfase que é dada a cada uma das

categorias. Assim, ele cita:

- Modelo jurídico-moral: valoriza as drogas em si, denominando-as como

perigosas ou inofensivas, tomando como critério a noção de legalidade e finalidade

medicinal. Busca manter as drogas fora do alcance das pessoas, através da adoção de

medidas legais que dificultem/inviabilizem o acesso às substâncias;

- Modelo médico ou de saúde pública: enfatiza a valorização à droga, o

indivíduo e o contexto, ressaltando a capacidade da substância de gerar dependência,

buscando causar uma espécie de rejeição social às drogas;

- Modelo psicossocial: valoriza o consumidor, considerando a droga e o

indivíduo como fatores complexos e dinâmicos. Ressalta a relação entre efeitos e

quantidades, freqüência e modos de uso e características individuais;

- Modelo sociocultural: enfatiza o contexto. O significado e a importância da

substância dependem da forma que a sociedade define o uso e os usuários, assim como

da forma que ela reage a eles. Dessa forma, cria distinções entre a proveniência dos

comportamentos, que podem ser oriundos do próprio indivíduo ou da relação da

sociedade diante dele.

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Percebemos que, de forma geral, o modelo de prevenção adotado no Brasil

segue uma proposta médico-jurídico, já que busca reforçar em seus programas a

imagem de determinadas drogas como invariavelmente relacionadas à marginalidade

e/ou à dependência.

As campanhas de prevenção raramente trazem informações técnicas consistentes

e a abstinência é sempre colocada como único caminho. Os anúncios procuram apelar

para razão, reforçando crenças arraigadas no imaginário social, fortalecendo a

representação social do uso de drogas enquanto algo relacionado ao fracasso, à doença,

e, no extremo, buscando relacionar todo tipo de uso de drogas ao tráfico e ao crime

organizado.

Consideramos que um dos grandes equívocos dos programas de prevenção se

situa no fato que desconsideram o lado lúdico e prazeroso que também faz parte do usar

droga. Além disso, evidenciamos outra questão importante, que se refere ao fato das

campanhas não considerarem a diversidade de significados e de sentidos do usar drogas,

generalizando a droga e as pessoas que as usam.

Assim, as campanhas em geral não conseguem atingir boa parte dos usuários,

que, a partir das suas diversas experiências com algumas drogas e com pessoas que

usam drogas, percebem que existe uma enorme diferença entre o que eles vivenciam e o

que os anúncios de prevenção tentam transmitir.

Um exemplo claro disso ocorre com jovens usuários de maconha, que conhecem

várias pessoas que fazem uso sem que isso represente grandes problemas para suas

vidas e, quando em contato com os anúncios de prevenção, se deparam com uma visão

conservadora e pouco técnica, que tenta vincular o uso da droga invariavelmente à

pessoas “perdedoras”, “fracassadas”, “delinqüentes” , “desviantes, “doentes”.

Macdermott e Cohen (1995) reforçam nosso entendimento quando citam que as

campanhas parecem buscar criar uma espécie de “pânico moral” na sociedade, fazendo

uso da “exageração e a distorção para descrever um fenômeno, imbuindo os objetos

neutros de um poder simbólico, dando forma à indignação moral popular (1995, p.

258).

Neste sentido, se evidencia que a abordagem da prevenção no Brasil

desconsidera conceitos da redução de danos, que não tem na abstinência o único

objetivo a ser perseguido nas ações preventivas, valorizando principalmente a adoção de

ações mais consoantes com a realidade social e o respeito à liberdade individual,

visando identificar formas de minimizar os danos decorrentes do uso de drogas, sem

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necessariamente estimular/exigir a interrupção do uso (sobre redução de danos

falaremos no próximo capítulo).

Até os dias de hoje, não temos evidências consistentes de que este ou aquele

tipo de abordagem preventiva trouxe um resultado positivo significativo. Parece-nos

que as experiências adotadas já nos ensinaram mais sobre o que não devemos fazer, que

propriamente o que fazer para prevenir o uso de drogas.

A própria forma que terminamos o parágrafo anterior (“o que fazer para prevenir

o uso de drogas”) talvez já nos ajude a refletir sobre as formas de prevenir, pois

entendemos que precisamos, antes de qualquer coisa, saber o que realmente queremos

prevenir. Será que devemos mesmo continuar insistindo apenas em ações que visem

evitar o contato com as drogas e, portanto, “prevenir o uso de drogas”? Ou será que

devemos pensar em prevenção também no sentido de evitar que as pessoas usem drogas

de forma abusiva? Assim como hoje se busca na “redução de danos” uma alternativa ao

tratamento que tem a abstinência como único objetivo, será que não deveríamos

começar a falar naquilo que o psicanalista Tarcísio Mattos de Andrade chama de

“Prevenção de Danos”?

Para ele, as ações preventivas buscam basicamente trabalhar com a chamada

prevenção primária, sobretudo voltando-se para crianças e adolescentes, buscando evitar

que elas sejam “alcançadas” pelas drogas. “Para estas crianças e jovens, sonha-se com

um mundo sem drogas. Pintam-se as drogas ilícitas como a representação do demônio,

atribui-se a elas poderes e efeitos para além se suas possibilidades farmacológicas, e

difunde-se que elas são todas terrivelmente iguais em suas capacidades de causar

dependência. Comete-se a irresponsabilidade de, ao divulgar esta mentira entre os

jovens, estes, por se sentirem capazes de fazer uso controlado de drogas como a

maconha, concluam que se trata de uma mentira generalizada e passem ao consumo de

outras drogas como crack e cocaína, cujo consumo controlado é sabidamente mais

difícil.” (Apud Almeida, Nery e Tavares, 2004, p.89).

No mesmo sentido, Diva Reale (2006) afirma que “o “diga não às drogas” é o

estribilho dos programas de prevenção de cunho proibicionista. O público a que ele se

destina é convidado a esquecer suas próprias experiências e opiniões e submeter-se a

um pensamento único. Ao invés de propiciar um espaço para os jovens confrontarem

suas idéias com adultos vivos, honestos em suas opiniões e reais porque não ocultam ou

distorcem a realidade compartilhada, os programas proibicionistas apostam na força

do medo, da moral... A distorção da realidade, com a finalidade de provocar medo, é

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um tipo de manipulação das emoções, que configura uma proposta relacional

desrespeitosa da pessoa do jovem. E onde há distorção proposital da realidade há

desrespeito à condição adolescente levando à quebra de confiança e redução da chance

de ampliar os horizontes”.

Consideramos importante não perdermos de vista a importância da prevenção

primária, pois ela dedica atenção às pessoas que não se iniciaram no consumo de drogas

e isso tem uma importância inquestionável. No entanto, consideramos fundamental

também imprimirmos aos programas de prevenção um caráter de preocupação com a

saúde daqueles que já fazem uso, já que ela pode estar sendo comprometida em razão do

uso/abuso de drogas (a denominada prevenção de danos). Dessa forma, quebramos uma

“cultura” que insiste em separar drasticamente os usuários e os não usuários de drogas,

dedicando atenção a ambos, já que todos são merecedores de cuidados, que devem ser

consoantes com as suas realidades no que se refere ao uso de drogas.

1.7 – FORMAS DE TRATAMENTO:

A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Comissão Interamericana

para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) identificam quatro aspectos para

caracterizar um tipo de tratamento (Apud: Ribeiro, Figlie e Laranjeira, 2004, p. 484):

• Caráter da intervenção – identifica qual o tipo de intervenção utilizado em um

serviço de atendimento, podendo ser usado mais de um tipo no mesmo serviço:

- Intervenção biofísica – sem usar medicação, utiliza procedimentos físicos

como acupuntura, massagem e eletroconvulsores;

- Intervenção farmacológica – utiliza medicamentos;

-Intervenção psicológica – engloba o acompanhamento terapêutico e

intervenções psicoterapêuticas;

- Intervenção social - visa modificação do contexto social do usuário.

• Estratégias terapêuticas – são organizadas a partir de três componentes:

- tratamento profissional especializado;

- estrutura de apoio não profissional;

- atividades de ajuda mútua ou auto-ajuda.

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• Metas terapêuticas – dizem respeito ao “propósito maior” do tratamento e

englobam:

- Serviços que objetivam tratar a dependência e suas comorbidades, tendo como

base a abstinência total. Buscam a redução da demanda;

- Serviços que querem atuar sobre os fatores estimuladores e mantenedores do

consumo. Buscam a redução da oferta.

- Serviços interessados em reduzir as conseqüências do uso sem que exatamente

influa na demanda. Trabalham na perspectiva de reduzir danos.

• Filosofia do tratamento – refere-se aos aspectos ideológicos e teóricos que

norteiam o programa:

- Tratamento de orientação moral – trata o uso de drogas como “falha de caráter”

e usa a culpa como elemento reabilitador, contudo, considera que “a pessoa é um

dependente em recuperação para a vida toda” (Lacks e Quaglia, 2006, p. 129);

- Tratamento de orientação espiritual – trabalha com a religiosidade e

espiritualidade como elementos terapêuticos;

- Tratamento de orientação biológica – trata o uso de droga na sua relação com o

organismo. O dependente é incapaz de exercer controle sobre o comportamento em

razão da influência vigorosa dos fatores biológicos subjacentes (Lacks e Quaglia, 2006,

p. 129). A abstinência é o referencial para alta e “cura”;

- Tratamento de orientação psicológica – parte do princípio que a dependência é

a expressão de conflitos ou disfunções emocionais;

- Tratamento de orientação sócio-cultural – toma como referência o processo de

socialização do sujeito e considera a dependência um mau comportamento aprendido.

Segundo Lacks e Quaglia (2006), a abstinência é o maior referencial de cura.

O tratamento vem sendo oferecido aos usuários de drogas em vários ambientes

que apresentam diversos modelos de tratamento, como os mencionados por Ribeiro,

Figlie e Laranjeira (2004):

• Rede primária de atendimento à saúde – o crescente aumento do uso de drogas

e, conseqüentemente, a necessidade de tratamento, obrigou a capacitação dos

profissionais no que refere à questão dos problemas advindos desse uso e, considerando

que o usuário procura com mais freqüência o tratamento clínico na rede primária do que

o serviço especializado, esse tipo de atendimento tem sido de grande importância para o

diagnóstico e encaminhamento, quando necessário, para tratamento especializado;

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• Unidades comunitárias de álcool e droga – é uma alternativa devido ao

pequeno número de hospitais e clínicas especializadas para atender à demanda de

tratamento. Estão mais próximas das redes primárias e tentam manter maior contato

com a comunidade para, com isso, estar mais próximo da realidade do paciente;

• Unidade ambulatorial especializada – centros especializados com médicos,

psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e educadores

voltados ao atendimento de usuários de drogas. Nesta categoria se enquadram os

Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (CAPS-AD);

• Hospital geral – espaço onde hoje encontramos enfermarias de desintoxicação

(Ribeiro, Figlie e Laranjeira, 2004, p. 467) para álcool e drogas e é também um espaço

bastante utilizado por ocasião do surgimento de problemas físicos relacionados com o

uso de drogas, como, por exemplo, problemas cardíacos e acidentes. Deveria ser usado

com maior freqüência e de forma mais eficaz para motivação e orientação, para

diminuição de condutas de riscos e encaminhamento ao tratamento, quando necessário;

• Moradia assistida e albergue comum – a moradia assistida é uma opção de

ambiente terapêutico que busca proporcionar ambiente estável e protegido, por vezes

com estrutura de hotel.

• Hospital psiquiátrico – espaço ainda utilizado para tratar pacientes que

apresentam quadro extremo de agressividade e risco de suicídio;

• Hospital-dia – ambiente de tratamento que tem a vantagem de manter o

indivíduo em seu grupo de convívio, mas que oferece cuidados no controle de

medicamento e manejo de sintomas agudos;

• Grupos de auto-ajuda – com característica de grupo de “leigos” e voluntários,

normalmente são constituídos por pessoas que já apresentaram o problema e que

apresentam seus depoimentos como recurso terapêutico. O AA (Alcoólicos Anônimos),

que foi criado nos Estados Unidos em 1935, surgindo como primeira resposta ao

crescente problema do alcoolismo, é considerado até hoje como um dos esforços para

ajudar os dependentes. Na mesma linha de trabalho encontramos também o N.A.

(Narcóticos Anônimos);

• Comunidades terapêuticas – constituídas por grupo de “leigos” e voluntários,

partem da necessidade de remover o indivíduo do seu meio ambiente e promover

mudanças necessárias para alterar sua condição;

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• Sistema Judiciário / Justiça Terapêutica - em situação de contravenção penal

que tenha relação com o uso de drogas, o indivíduo pode ser encaminhado pelo juiz ao

tratamento como alternativa à punição;

• Empresas – hoje muitas empresas optam por tratar seus funcionários, ao invés

de demiti-los.

Cabe ressaltar que, no Brasil, desde a década de 90, o Ministério da Saúde, com

suas novas diretrizes governamentais para a atenção aos usuários de álcool e outras

drogas, tem o objetivo de diminuir as internações em instituições psiquiátricas por meio

da ampliação da rede ambulatorial e criação, pelos estados e municípios, de unidades

intermediárias entre o tratamento ambulatorial e a internação hospitalar, com ênfase nas

ações de reabilitação psicossocial dos usuários.

O fato é que não conhecemos nenhum dado consistente que indique para maior

“sucesso” de determinado tipo de tratamento. Algumas pessoas conseguem modificar

sua relação com a droga a partir de determinadas intervenções que não geram

“resultados” semelhantes em outras pessoas. Para Ribeiro, Figlie e Laranjeira (2004, p.

462), “a compreensão e o entendimento das possibilidades e limitações de cada

ambiente de tratamento auxiliam o processo de adequação de um serviço às

necessidades da comunidade à qual presta assistência”.

Aliás, com relação ao “sucesso” do tratamento, consideramos importante trazer

algumas reflexões, afinal, o que caracteriza este tal “sucesso no tratamento”?

Neste sentido, lembramos que até a década de 80 a abstinência era tida como

único referencial de êxito em um tratamento relacionado ao uso de drogas.

Historicamente se evidenciou que tal meta não conseguiu ser atingida pela grande

maioria das pessoas que se tratam, independentemente do modelo e das estratégias

adotadas.

Consideramos que a proposta de abstinência como único referencial de êxito em

um tratamento para usuários de drogas traz à pessoa que não consegue, ou não quer

atingir este objetivo, a sensação de que não tem jeito para o seu caso, gerando abandono

do tratamento, sobretudo quando acontece a recaída ou mesmo a percepção de que o

desejo de usar drogas permanece, já que, dentro dessa proposta, em diversas ocasiões

essas situações são encaradas como fracasso, como insucesso.

Trabalhamos com a idéia de que a recaída, quando acontece, mesmo em

tratamentos que visam à abstinência total, deve ser entendida como etapa do tratamento

e não como fracasso, na medida em que pode gerar no indivíduo uma reflexão sobre

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aquele momento, possibilitando deslocamentos na forma de compreender o seu

comportamento de usar drogas. Dificilmente identificaremos alguém que simplesmente

parou de usar drogas e nunca teve uma recaída, portanto, em algumas situações

devemos compreendê-la como parte do percurso do tratamento e não como desvio de

rumo.

Dados indicam que o “êxito” dos tratamentos que têm a abstinência como único

objetivo não atingem mais de 30 a 35% dos pacientes (Silveira, Julião e Moreira, 2006,

p. 110). Em razão disso, assim como em função de novas concepções sobre o uso de

drogas e conseqüentemente sobre as formas de lidar com ele, atualmente, mesmo que

ainda de forma tímida, evidenciamos que muitos profissionais/serviços investem no

sentido de ampliar as possibilidades de um tratamento, não o reduzindo à busca

incessante pela abstinência, mas também trabalhando no sentido de reduzir os danos

decorrentes do uso de drogas, preocupando-se com a qualidade de vida do usuário,

mesmo quando a abstinência ainda não é possível.

Entretanto, para Teixeira (2006, p. 123) “o julgamento moral, o preconceito e a

exclusão, derivados da raiz histórica de um olhar conservador e retrógrado, perduram

nos dias de hoje, contribuindo para aumentar as dificuldades na atenção aos usuários

de drogas”.

2. “REDUÇÃO DE DANOS”: outras possibilidades...

2.1 – Conceito de Redução de Danos:

Como dito anteriormente, tradicionalmente, três estratégias são utilizadas no

enfrentamento da questão do uso de drogas.

Uma delas é a busca incessante pela redução da oferta (modelo jurídico-

policial). Outra é a chamada redução da demanda (modelo médico tradicional). E a

terceira, que mais nos interessa neste momento, é a Redução de Danos.

As ações de Redução de Danos constituem um conjunto de medidas que visam

diminuir as repercussões negativas advindas do uso de drogas, sem necessariamente

buscar a abstinência como única alternativa.

O princípio fundamental que orienta as ações de Redução de Danos é o respeito

à liberdade de escolha, considerando que a experiência mostra que em muitas ocasiões o

usuário de droga não quer, ou não consegue interromper o uso.

Segundo Marlatt (1999), “representa uma abordagem pragmática, realista e

extremamente comprometida com os direitos humanos. Como princípio básico,

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reconhece a liberdade de cada pessoa de escolher as mais variadas maneiras de

obtenção de prazer, mas, acima de tudo, respeitando o direito do usuário e aceitando

que as pessoas poderão continuar a usar drogas, seja porque não conseguem, porque

não podem ou porque não querem parar”.

Andrade (2004) reforça este entendimento quando identifica três princípios

básicos na abordagem da redução de danos, sendo eles: o pragmatismo, a tolerância, e a

diversidade.

É uma abordagem pragmática porque possui objetivos bem claros. No caso de

usuários de drogas injetáveis, por exemplo, busca prevenir os riscos de infecção pelo

vírus HIV e outras doenças que podem ser transmitidas através do compartilhar

seringas. Assim, a preocupação não está centrada no uso, mas sim nas possíveis

conseqüências do uso.

Já a tolerância pode ser entendida como um princípio fundamental da Redução

de Danos, pois esta abordagem implica em respeito aos usuários de drogas pelo seu

direito de usar a sua droga “eleita”, mesmo diante dos evidentes prejuízos acumulados

em função desse uso.

A diversidade aparece na medida em que a Redução de Danos não detém

“receitas” prontas para intervir junto ao usuário de drogas, considerando sempre as

especificidades de cada uso/usuário, para que assim possa adequar as ações e os

recursos que serão disponibilizados às diferentes formas de uso e tipos de usuários.

Assim, partindo dos princípios que balizam a proposta de Redução de Danos,

temos que a intervenção relacionada ao uso de drogas não deve se limitar à

prevenção/proibição do uso, sendo fundamental pensar em formas de reduzir os danos

associados a esse comportamento (de usar drogas).

Como dito anteriormente, algumas pessoas não querem/não conseguem

interromper o uso de drogas (lícitas ou ilícitas), e, nesses casos, é necessário não perder

de vista que tal decisão/impossibilidade não retira do indivíduo o seu direito à saúde,

entre outros direitos, como qualquer outro ser humano.

Ao longo da história, temos exemplos de profissionais que, diante da negativa de

determinados pacientes em se submeter ao processo de tratamento que visa abstinência,

são enfáticos em dizer algo semelhante a: “quando quiser se tratar volte a me

procurar...”.

Como alternativa a esta postura fechada, que só admite uma possibilidade, e,

portanto, na nossa compreensão, desconsidera os significados e sentidos que a droga

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tem para cada pessoa, temos a Redução de Danos, que dedica atenção ao que pode ser

feito mesmo com o uso de drogas ainda presente. Assim, considerando o conceito de

Redução de Danos, a pergunta a ser feita talvez seja: “o que podemos fazer enquanto

você não quer/não consegue parar de usar drogas?”

Ou seja, enquanto o ideal (abstinência total) não é possível/desejado, temos que

pensar o que fazer para diminuir os prejuízos decorrentes do uso, até porque, embora

pareça óbvio, é importante lembrar que muitas pessoas já morreram em decorrência do

uso de drogas antes de conseguirem voltar ao profissional que só inicia um tratamento

quando há uma motivação/concordância explícita em buscar a abstinência total. Não

raramente a morte chega antes da vontade/aceitação de atingir a abstinência, o que nos

dá a dimensão da importância da abordagem que visa reduzir os danos e aceita o uso de

drogas como um comportamento que não inviabiliza algumas ações de cuidado com o

outro.

Para Marlatt (1999, p. 46): “Em conformidade com uma política de abstinência

total, o princípio de tolerância zero estabelece uma dicotomia absoluta entre nenhum

uso (zero) e qualquer outro uso. Essa dicotomia de tudo-ou-nada rotula qualquer uso

de drogas como igualmente criminoso (ou doentio), e não faz distinção entre o uso de

drogas mais moderado ou os graus de uso prejudicial”.

Assim, a abstinência total, em muitos casos de usuários que não conseguem

interromper o uso, torna-se uma “alta exigência”, que não raramente gera o afastamento

dos programas/das instituições que lidam com a questão. Já a proposta da Redução de

Danos, por promover acesso à serviços de “baixa exigência”, considerando cada

pequena conquista como uma verdadeira vitória, termina por atrair usuários que,

embora ainda não consigam/desejem parar de usar drogas, conseguem e querem adotar

alguns cuidados, visando diminuir os riscos advindos desse comportamento.

A maior possibilidade de aproximação dos usuários de drogas ilícitas aos

serviços é um aspecto central a se destacar quando falamos em Redução de Danos, pois,

na medida em que a pessoa passa a se sentir reconhecida enquanto usuário de droga

ilícita que não quer/não consegue interromper o uso, sendo devidamente cuidado

mesmo sem interromper o uso, as possibilidades de se falar sobre esse uso são inúmeras

e, portanto, a possibilidade de se pensar em deslocamentos na forma de usar drogas se

faz presente, podendo até mesmo chegar a uma busca pela abstinência.

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É importante reiterar que a abstinência não é o objetivo da proposta da Redução

de Danos, mas também não há nenhuma restrição a esta possibilidade. Ou seja, ela é

uma das tantas possibilidades, mas não a única.

Inegavelmente, o uso de drogas ilícitas é cercado de preconceito em nossa

sociedade, inclusive entre profissionais da medicina, psicologia, serviço social, entre

outros, e, talvez por isso, as abordagens que buscam a abstinência total como única

possibilidade sejam as que detêm maior aceitação da população em geral, na medida em

que reforçam a idéia de que é possível viver em uma sociedade sem drogas. É como se

ajudassem a manter uma fantasia!

Nesta perspectiva, de acordo com Sampaio e Campos (2003, p. 12): “A

apropriação da Redução de Danos pela coletividade e, mais importante, a

compreensão e aceitação social dessa proposta, passam pela revisão de questões

profundamente arraigadas nas formas de perceber as drogas e, conseqüentemente, das

formas de lidar com elas”.

A Redução de Danos teve origem na Inglaterra, em 1926, quando uma Comissão

Interministerial, presidida pelo Ministro da Saúde da Inglaterra, divulgou relatório

(“Rolleston Report”) que estabeleceu princípio segundo o qual o médico poderia

prescrever legalmente opiáceos para os dependentes da droga, situando tal possibilidade

como um ato médico que visava o tratamento e não um estímulo ao uso ou gratificação

da adicção.

Assim, o referido relatório “Estabeleceu o direito dos médicos ingleses de

prescrever suprimentos regulares de opiatos a adictos dessas drogas, nas seguintes

condições: como manejo de síndrome de abstinência em tratamentos com objetivo de

cura; quando ficasse demonstrado que, após prolongadas tentativas de cura, o uso

da droga não pode ser seguramente descontinuado; e quando ficasse demonstrado que

o paciente apenas é capaz de levar uma vida normal e produtiva se uma dose mínima

da droga for administrada regularmente, mas ficasse incapaz disso quando a droga

fosse inteiramente descontinuada”. (Marlatt, 1999, p. 35).

Seguindo essa linha de pensamento e defendendo transformações na política de

drogas, associações de usuários de drogas injetáveis, preocupadas com a disseminação

das hepatites virais nos anos 80, na Holanda, implementaram ações baseadas nesse

princípio, tendo como destaque a troca legal de seringas entre usuários de drogas

injetáveis (UDI).

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Ao mostrar-se uma grande aliada também na luta contra o crescimento da

disseminação da AIDS, essas ações foram ganhando força em várias partes do mundo.

É importante destacar que a Redução de Danos surgiu como uma abordagem de “baixo

para cima”, pensada por dependentes e baseada na defesa da sua saúde, que tem os

usuários e ex-usuários como seus principais parceiros na ação. Ou seja, “indivíduos

afetados são aceitos como parceiros capazes de assumir responsabilidade pela

realização de mudanças pessoais em seus comportamentos e de ajudar os outros a fazer

o mesmo” (Marlatt, 1999, p. 50).

Na Holanda, o termo Redução de Danos foi introduzido pela primeira vez em

uma publicação da Secretaria de Estado para Proteção da Saúde e do Meio Ambiente

em 1981. O sociólogo holandês Engelsman (Apud Marlatt, 1999, p. 31) afirma:

“Nos anos 80 surgiu uma nova filosofia... Cada vez mais, o governo incentiva

formas de auxílio cujo principal objetivo não era eliminar o comportamento adictivo

como tal, e sim melhorar o bem-estar físico e social dos viciados e ajudá-los a atuar

socialmente. Nessa fase, a incapacidade (temporária) do viciado de abandonar o uso

de drogas estava sendo aceita como fato. Esse tipo de assistência pode ser definido

como Redução de Danos ou, em termos mais tradicionais, prevenção secundária e

terciária. Sua efetividade só pode ser assegurada por serviços de baixa exigência e

auxílio acessível, os quais são conceitos-chave na política holandesa em relação às

drogas. Isso toma a forma de: trabalho de campo nas ruas, em hospitais e em prisões;

centros de livre circulação para prostitutas; fornecimento de metadona prescrita como

droga substituta; apoio material; e oportunidade de reabilitação social”.

Por ter surgido principalmente para ajudar a diminuir os riscos de usuários de

drogas injetáveis de contrair o vírus do HIV e da Hepatite, a proposta da Redução de

Danos ainda é vista por muitos como limitada a usuários de drogas injetáveis, como se a

abordagem resumisse sua intervenção à troca de seringas.

Mas isso é um grande engano, já que, atualmente, embora não haja dados

consistentes que atestem o seu êxito, evidenciamos que ações são implementadas junto

a usuários de outras drogas (crack, por exemplo), que podem encontrar no uso da

maconha uma forma de diminuir a “fissura” pelo crack. Inegavelmente, trocar o crack

pela maconha já representa a possibilidade de diminuir sensivelmente os prejuízos

decorrentes do uso de droga, já que a maconha é reconhecidamente menos “perigosa”

(no que se refere à sua capacidade de gerar dependência e, conseqüentemente,

prejuízos).

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As campanhas relacionadas ao uso de álcool também representam bem a nossa

percepção de que o conceito de redução de danos tem sido utilizado junto aos usuários

de diversas drogas, não se resumindo às drogas injetáveis.

Em Pernambuco, por exemplo, o Departamento de Trânsito (DETRAN), há

alguns anos, preocupado com o uso excessivo de álcool nas festas carnavalescas e a sua

estreita relação com acidentes no trânsito, desistiu de apelar para a abstinência no

período de carnaval e passou a trabalhar com a idéia de reforçar a importância de não

dirigir sob efeito do álcool. Assim, ao invés de frases como “não beba em excesso...”,

passou a assumir um discurso que é permeado pela concepção da Redução de Danos,

assumindo frases em suas campanhas publicitárias que diziam algo como “se beber não

dirija”.

O que está implícito é o entendimento de que algumas pessoas vão,

independentemente do nosso desejo, realmente beber em excesso, se embriagar,

portanto, há de se pensar em evitar os danos decorrentes dessa ação e não a ação em si

mesma. São os princípios da Redução de Danos presentes na prevenção, que

costumeiramente tende a trabalhar com o lema do “diga não às drogas”, que,

definitivamente, não alcança pessoas que já fazem uso de alguma(s) droga(s).

2.2 - HISTÓRIA DA REDUÇÃO DE DANOS NO BRASIL:

A Redução de Danos chegou ao Brasil no final da década de 80, mais

especificamente em 1989, quando houve a primeira tentativa de se fazer troca de

seringas entre os usuários de drogas injetáveis, na cidade Santos/SP. Em razão da

polêmica que envolvia esta proposta, houve uma decisão judicial proibindo a

continuidade das ações, por haver o entendimento de que a idéia da Redução de Danos,

na verdade, estimularia o uso de drogas, podendo ser enquadrada em tipificação penal

específica.

Neste sentido, a equipe de profissionais que pretendiam desenvolver estratégias

pautadas nos princípios da Redução de Danos e até mesmo o Secretário Municipal de

Saúde foram ameaçados de prisão, mas uma negociação com o Ministério Público gerou

desistência da ação, evitando a criação de precedentes que impedissem que a proposta

fosse efetivada em outros locais do país.

Vale destacar que a adoção da estratégia de Redução de Danos naquele

momento visava incidir em um índice preocupante, que indicava que uma parcela

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significativa das pessoas que contraíram o HIV na localidade eram usuários de drogas

injetáveis. Assim, enquanto uns (autoridades locais) questionavam a proposta, outros a

reconheciam como medida de cuidado. Para Trigueiros e Haiek (2006), “as ações de

redução de danos ingressaram tardiamente na nossa realidade, pois as epidemias de

HIV e hepatite C já tinham infectado muitos usuários de drogas injetáveis”.

Em 1990, uma organização não-governamental chamada Instituto de Estudos e

Pesquisas em AIDS de Santos – IEPAS foi clandestinamente às ruas e, em contato com

usuários de drogas injetáveis, passou a distribuir seringas, assim como repassava

orientações sobre manuseio seguro dos equipamentos que possibilitavam o uso de

drogas injetáveis.

Em 1991, em São Paulo/SP, o PROAD – Programa de Orientação e

Atendimento às Dependências orientou pacientes atendidos em seu programa para que

eles multiplicassem as informações repassadas, junto aos demais usuários de drogas

injetáveis que estavam nas ruas da cidade.

A partir das primeiras experiências no Brasil, outras foram acontecendo, embora

sempre cercadas de muita polêmica. Aliás, com relação a isso, consideramos que a

proposta da Redução de Danos sempre gerou grandes discussões por representar a

necessidade de revisão dos conceitos sobre o que é usar droga, sobre quem usa droga e,

sobretudo, sobre o tratamento que devemos propor aos usuários de drogas. Isso não se

faz sem uma grande quota de luta de uma parcela da sociedade.

Diante da insistência e de muitos debates mobilizados pela atuação de alguns

poucos profissionais que defendiam a proposta, sobretudo aqueles ligados à

Coordenação Nacional de DST/AIDS e os vinculados às entidades não-governamentais,

a idéia da Redução de Danos foi ganhando mais legitimidade e, em 1994, como fruto do

processo de discussão, o Conselho Federal de Entorpecentes (COFEM), órgão ligado ao

Ministério da Justiça, autorizou formalmente a troca de seringas, ressalvando que a

troca só poderia ocorrer quando associada à pesquisa.

Em março de 1995, com o apoio do Ministério da Saúde, por meio do Programa

Nacional DST / AIDS e financiamento do Governo do Estado da Bahia, surge, em

Salvador – BA, o primeiro programa oficial de Redução de Danos do Brasil e da

América Latina, no Centro de Estudos e Terapia ao Abuso de Drogas (CETAD).

Em 1996, a partir de projetos elaborados pela Coordenação Nacional DST/AIDS

- Ministério da Saúde, contando com a experiência e o apoio dos técnicos do CETAD,

seis novos Programas de Redução de Danos (PRD) foram implementados no país.

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A primeira lei estadual a legalizar troca de seringas e agulhas descartáveis entre

usuários de drogas injetáveis foi de autoria do Deputado Paulo Teixeira, sendo

sancionada no Estado de São Paulo, em março de 1998, durante a IX Conferência

Internacional de Redução de Danos. Posteriormente outros Estados e Municípios

aprovaram leis semelhantes.

A incorporação da Redução de Danos na Política Nacional sobre Drogas

(PNAD), 2001, teve seu nascimento no I Fórum Nacional Antidrogas de 1998, quando

especialistas, profissionais da área e sociedade passaram a reconhecer a estratégia como

mais uma opção para lidar com o fenômeno do uso de droga.

Vale ressaltar que o processo de organização dos usuários de drogas, das

comunidades e dos profissionais que defendem a estratégia da Redução de Danos foi

capaz de aglutinar forças no sentido de imprimir maior aceitação à proposta na

sociedade e, neste sentido, gradativamente, algumas associações nacionais foram

criadas, a exemplo da ABORDA (Associação Brasileira de Redutores de Danos) e da

REDUC (Rede Brasileira de Redução de Danos). Atualmente também contamos com

mais de 15 associações estaduais que trabalham com programas/projetos que tem a

Redução de Danos como proposta. Além disso, após muita batalha por financiamento,

foi possível colocar em prática alguns programas/projetos (em 2001 já existia cerca de

100) e, hoje, certamente temos mais de 200 deles espalhados pelo País.

Consideramos imprescindível destacar que a chegada da Redução de Danos no

Brasil e a sua incorporação à atuação de vários profissionais/projetos/programas não

esteve desvinculada de um processo maior que vivenciamos ao longo da década de 80,

de luta pela democratização e pela garantia dos Direitos Humanos, que teve sua

expressão mais clara com a Constituição de 1988.

Para Oliveira e Alesi (2005, p. 192), na ocasião, “a sociedade reencontrava as

vias democráticas de expressão e reivindicação”.

Atualmente ainda verificamos forte resistência de alguns setores da sociedade na

implementação de estratégias de Redução de Danos no Brasil. No entanto, tornou-se

factível a conquista de espaço dessa proposta nos últimos 15, 20 anos, o que pode ser

comprovado com o próprio reconhecimento, por parte do Ministério da Saúde, da

Redução de Danos como uma das possibilidades de lidar com a questão das drogas.

Este reconhecimento nos remete a uma reflexão sobre as formas de gerar

mudanças na sociedade, de influenciar grupos majoritários, pois evidenciamos que a

Redução de Danos só conseguiu se afirmar enquanto proposta efetiva a partir da luta

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incansável de grupos historicamente excluídos, que representavam uma minoria

(usuários de drogas injetáveis - UDI, pessoas que vivem com vírus do HIV...).

Neste sentido, Moscovici, com a sua “Teoria das Minorias Ativas”, nos traz

elementos interessantes para pensar no processo de conquista de espaço da Redução de

Danos no Brasil. Para ele, o processo de influência social pode advir de uma influência

e pressão social de uma minoria. Isso ocorre quando um grupo minoritário consegue

alterar os pontos de vista ou normas majoritárias, não necessitando propriamente de

serem providas de poder perante as maiorias. Assim, a influência social pode envolver a

inovação, que acontece quando um grupo consegue modificar uma norma vigente e não

apenas reforçá-lá.

Dessa forma, uma minoria tem a capacidade de romper a norma estabelecida,

produzindo incerteza na maioria; além de tornar-se visível, chamando atenção para si,

por apresentar um ponto de vista alternativo ao convencional.

Partindo desse entendimento, identificamos que vários fatos históricos podem ser

produzidos a partir da manifestação de grupos minoritários que, diante de algumas

crenças, estabelecem verdadeiras lutas para afirmar suas posições.

Citamos como exemplo a luta do movimento LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais,

travestis e transexuais), o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra), a proposta

de Redução de Danos para usuários de drogas e tantos outros, que se

afirmaram/continuam se afirmando através de um longo processo, que vai acarretando

pequenas conquistas, que, ao longo do tempo, ganham consistência e geram

transformação social. Aliás, Moscovici nos ajuda a entender que através dos

movimentos sociais, em geral, é possível inovar, modificar normas e concepções

vigentes na nossa sociedade. Assim foi (e tem sido) a trajetória percorrida pela Redução

de Danos no Brasil.

2.3 – REDUÇÃO DE DANOS COMO POLÍTICA ESTATAL:

Reiteramos que, até a década de 80, o Brasil pautava sua intervenção com

relação à questão das drogas por dois referenciais – o modelo jurídico-policial e o

modelo médico-tradiconal. Assim, ao usuário de drogas ilícitas cabia o rótulo de

“criminoso” ou “doente”. Ou seja, para o usuário de drogas ilícitas, prisão ou

tratamento!

Se refletirmos sobre as possibilidades existentes, logo percebemos que a idéia

embutida nas intervenções era de que seria possível pensarmos em uma sociedade sem

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drogas, sem “drogados”. Pois bem, a vida nos mostrou que não é possível,

independentemente do nosso desejo e/ou “julgamento moral”.

Evidenciamos dois riscos básicos na adoção desses modelos. Um deles,

relacionado ao modelo jurídico-policial, se refere à possibilidade de “jogarmos” em

presídios usuários de drogas, que, na grande maioria das vezes, não trariam nenhum tipo

de risco à sociedade. Inclusive, tal fato ocorreu nos Estados Unidos, principal defensor

da política de “guerra às drogas”, de “tolerância zero”, como pode ser constatado a

partir de relatos dos próprios agentes penitenciários americanos que chegaram a afirmar

que “hoje encarceram e vigiam simples usuários de drogas e não perigosos

criminosos” (Zaluar, 1999, p. 20).

Para Bigg (2003, p. 200), “A reação inicial da sociedade americana às pessoas

que experimentaram problemas com o uso de drogas, especialmente a condenação

moral e a opressão legal, impediu-nos de focalizar mais cedo o desenvolvimento de um

sistema de alívio de drogas, que só surgiu formalmente no século XX. Além disso, a luta

da sociedade contra um uso individual não-problemático de drogas distorceu nossa

capacidade em prevenir e tratar seus problemas, pois nossos recursos foram gastos na

utopia de uma “sociedade livre de drogas”, e não em focalizar realisticamente a

prevenção e diminuição dos danos produzidos por elas”.

A reflexão é referente à posição dos Estados Unidos, no entanto, cabe análise

semelhante ao caso do Brasil, já que o modelo americano foi o impulsionador das

nossas ações durante anos.

Não precisamos ir muito longe para encontrar respaldo para esta afirmação,

bastando para isso refletirmos quantos milhões de reais dos cofres brasileiros foram (e

ainda são) dedicados apenas à prevenção primária, que visa evitar os primeiros contatos

das crianças e adolescentes com as drogas; enquanto os recursos são escassos para

trabalhos de prevenção terciária, por exemplo, que busca atingir àqueles que já fazem

uso e manifestam prejuízos a ele relacionados. É a velha utopia de um mundo sem

drogas direcionando as ações!

Outro risco, este relacionado mais ao modelo médico-tradicional, é o de

generalização dos tipos de usuários, como se todos fossem merecedores de cuidados, de

tratamento, o que não é pertinente quando trabalhamos com a visão de que a experiência

de cada pessoa com a sua droga é singular e, portanto, a relação que o indivíduo irá

estabelecer com ela também varia de pessoa para pessoa , o que significa dizer que nem

todos que usam drogas precisam de tratamento.

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Como citamos anteriormente, apenas no final da década de 80 a Redução de

Danos surge como nova possibilidade de lidar com a questão do uso de drogas. E ela

traz uma mudança que julgamos imprescindível destacar, pois está relacionada ao lugar

do sujeito (usuário de droga) perante as intervenções técnicas. Antes, o usuário era visto

como parte passiva do processo, cabendo ao médico a condução do tratamento, que em

geral tinha a abstinência como única possibilidade. Bigg (2003, p. 205) reforça este

entendimento, afirmando que: “É tão estabelecido na crença popular que a abstinência

é o único resultado de sucesso do sistema de ajuda às drogas que ficar limpo/ficar sem

beber/sobriedade são parte e parcela de qualquer entendimento comum de tratamento.

Na verdade, as pessoas poderiam se beneficiar do sistema de tratamento pela simples

moderação em seu uso de droga ou, por outro lado, aliviando os problemas

relacionados às drogas”.

Na Redução de Danos o sujeito é encarado como parte ativa, inclusive

externando sua intenção com relação à droga, o que pode variar da abstinência ao

cuidado para não se contaminar com o vírus HIV, por exemplo, ao usar seringas

infectadas de outras pessoas com quem compartilha o uso de drogas.

Para Bastos (2003, p. 18): “Um usuário de drogas ao procurar um Programa de

Redução de Danos (PRD), pode trocar suas seringas, receber preservativos, ser

consultado e fazer exames laboratoriais, fazer curativos, ser vacinado para hepatite B

ou gripe (influenza), receber apoio quanto à sua reinserção profissional e se beneficiar

de inúmeras outras ações e iniciativas – portanto, os PRDs são programas integrados

de prevenção, assistência e promoção da saúde dirigidos à população de usuários de

drogas”.

A discussão sobre os princípios da Redução de Danos foi ganhando corpo,

mobilizando setores da sociedade civil e do Estado, sobretudo em torno de questões

como: o direito das pessoas de usar drogas, a eficácia dos tratamentos baseados na idéia

de abstinência como única possibilidade, a liberdade de escolha, o uso de drogas e a sua

relação com a defesa dos Direitos Humanos.

Atualmente os programas e projetos que atuam em conformidade com os

princípios da Redução de Danos têm não só o apoio do Ministério da Saúde, como

também o reconhecimento enquanto ação de saúde pública e promoção social. Além

disso, os programas são considerados baratos, do ponto de vista financeiro, diante dos

benefícios gerados, sobretudo no que se refere à diminuição de contaminações em razão

do uso de drogas injetáveis. “Esses valores se tornam ainda mais compensadores

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quando comparados aos custos para tratar pessoas com AIDS, câncer, hepatite e

outras infecções graves advindas dos danos causados pelo uso de drogas e aos valores

gastos com a política de repressão” (Lacerda, 2006).

Reiteramos que as estratégias de Redução de Danos são aplicadas aos usuários

de drogas injetáveis, mas não só a eles. Atualmente, se trabalha com a proposta junto a

usuários de êxtase, crack, álcool.

O Governo Federal chegou a publicar cartilha denominada “Álcool e Drogas

alteram seus sentidos...mas não altera seus direitos no Serviço de Saúde”, onde indicava

dicas básicas para diminuir possíveis prejuízos decorrentes do uso de algumas drogas.

Este fato não significa, no nosso entendimento, estímulo ou descaso por parte do Estado

com relação ao uso de droga, como alguns insistem um “acusar”. Trata-se da aceitação

da idéia de que algumas pessoas vão fazer uso de droga e, sendo assim, se o fizer, que

adotem alguns cuidados.

Outro exemplo que demonstra a inserção dos princípios da Redução de Danos na

pauta das discussões políticas no Brasil se refere ao fato de constatarmos que, no Estado

de São Paulo, existe projeto de lei que prevê a instalação de bebedouros em boates,

considerando que uma parte considerável das pessoas freqüentadoras fazem uso de

êxtasy, o que reclama a necessidade de ingestão de muito líquido como forma de evitar

a desidratação, que pode ser conseqüência após horas e horas dançando, suando...ou

seja, o uso é tolerado e visto dentro de uma perspectiva de saúde.

O “site” do Ministério da Saúde consta a seguinte afirmação: “A Redução de

Danos tem sido a política prioritária para o desenvolvimento de ações junto a usuários

de drogas e são desenvolvidas pelas três esferas de governo e também pelas

organizações da sociedade civil”

A Portaria nº 1.190, de 04 de junho de 2009 (bem atual), do Ministério da Saúde,

que institui o Plano Emergencial de Ampliação de Acesso ao Tratamento e Prevenção

em Álcool e outras Drogas no Sistema Único de Saúde – SUS (PEAD 2009-2010) e

define suas diretrizes gerais, ações e metas, consta em um dos artigos: “adoção da

estratégia de redução de danos: este deve ser um norte ético de todo e qualquer serviço

do SUS, que deve reduzir os danos decorrentes do consumo de álcool e outras drogas,

especialmente relacionados à saúde, mas não exclusivamente. Trata-se de uma diretriz

que toma como base as condições e possibilidades do usuário do SUS, em vez de partir

do que os serviços oferecem”.

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Municípios como Recife/PE, Fortaleza/CE e Salvador/BA já adotam a Redução

de Danos como política oficial. Em Recife/PE, a Prefeitura criou vários CAPS-AD

(Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas) e busca inserir a perspectiva da

Redução de Danos como diretriz para as intervenções.

Falamos em “busca inserir” porque sabemos que muitas dificuldades ainda

imperam na implementação das propostas, embora a intencionalidade de imprimir um

novo tom ao atendimento dos usuários de drogas seja claramente assumida.

Consideramos que um dos obstáculos se refere à necessária articulação dos

serviços com as demais políticas...de Saúde, de Assistência Social. Aliás, articulação

entre as políticas é algo que não faz parte da história do nosso país e não tem sido muito

diferente com as políticas que lidam com usuários de drogas.

Além disso, temos os embates jurídicos que ainda cercam as propostas de

Redução de Danos enquanto política estatal, sendo evidente o preconceito que existe

com relação aos usuários e aos chamados redutores de danos, que não raramente

trabalham ainda sob muito questionamento, com ausência de reconhecimento. A própria

legislação brasileira relacionada às drogas não está consoante com os princípios da

Redução de Danos (RD), sendo mais um instrumento que dificulta a argumentação dos

defensores da RD.

Constatamos, ainda, que muitos profissionais (psicólogos, assistentes sociais,

enfermeiras, médicos) vinculados aos serviços que estabeleceram formalmente os

princípios da Redução de Danos como norteadores do atendimento não se identificam

com a proposta e, conseqüentemente, não querem/não conseguem direcionar suas

intervenções no sentido esperado, afinal, nossas concepções de mundo e de sujeito

interferem nas nossas ações profissionais.

É verdade que existem ensaios interessantes no sentido de articular os Programas

de Redução de Danos com Programa Saúde da Família (PSF), com as ações do Sistema

Único de Saúde (SUS) e com Programas de Agentes Comunitários, no entanto, muitas

dificuldades são identificadas, como constata Lacerda(2006), quando afirma que: “O

que se verifica é que, muitas vezes por desinformação ou medo, o agente comunitário

de saúde atende o irmão, o filho, a mãe e até o próprio usuário de drogas, tratando de

outras questões de saúde, sem tocar na questão da droga, como se ela não existisse”

No intuito de superar as dificuldades identificadas, o Ministério da Saúde tem

envidado esforços para fortalecer a parceria entre os Programas de Saúde Mental,

Programa de Hepatites Virais e o Programa Nacional de DST e AIDS, objetivando

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promover a integralidade da atenção e a visibilidade da Redução de Danos como uma

política de saúde publica, que visa zelar pela saúde e dignidade dos usuários de drogas

que há muito tempo estavam à margem dos programas tradicionais de tratamento.

No intuito de tornar mais claro as principais diferenças entre a abordagem

baseada nos princípios da Redução de Danos e a abordagem tradicional, apresentamos

quadro proposto por Wodak:

Redução de Danos Redução da oferta

(abordagem tradicional)

Aceita a inevitabilidade de um dado nível

de consumo de drogas na sociedade.

Objetivo: reduzir as conseqüências adversas

desse consumo.

Parte do pressuposto de que é possível

chegar a uma sociedade sem drogas.

Objetivo: eliminar qualquer consumo.

Enfatiza a obtenção de metas “subótimas”

a curto e médio prazo. É, portanto, mais

tolerante.

Enfatiza a obtenção de metas “ótimas”

(abstinência) em longo prazo.

Percebe os usuários de drogas como membros

da sociedade e almeja reintegrá-los a ela.

Percebe os usuários de drogas como

marginais perante à sociedade, apenas

aceitáveis desde que livres das drogas.

Enfatiza a mensuração de resultados no

âmbito da saúde, da vida em sociedade e

da economia, freqüentemente, com metas

definidas e determinados objetivos.

Enfatiza a mensuração da quantidade

das drogas consumidas.

Enfatiza a efetividade e a relação custo-

benefício das intervenções

Enfatiza a obtenção de uma situação de

ausência absoluta de consumo de

drogas, independente do preço a ser

pago.

Implementa as suas intervenções com o

envolvimento relevante da população-alvo.

As intervenções são planejadas por

autoridades governamentais,

possivelmente com contribuições da

sociedade de um modo geral.

Enfatiza a importância da cooperação

intersetorial entre instituições do âmbito

jurídico-policial e da saúde.

A predominância das ações

jurídicopolíticas é absoluta, o

envolvimento das instituições de saúde

é restrito e aceito de modo relutante.

Enfatiza a prevenção e o tratamento dos

usuários de drogas, fazendo com que as

atividades de repressão se dirijam

basicamente ao tráfico de grande escala.

Enfatiza a eliminação da oferta de

drogas, com tolerância zero em relação

a todos os usuários, inclusive àqueles

que fazem uso moderado.

Julga que as atividades educativas referentes

às drogas devem ser de natureza factual, ter

credibilidade junto ao público-alvo, basear-se

em pesquisas e traçar objetivos realistas.

As atividades educativas referentes às

drogas veiculam uma mensagem única

de abstinência: “diga não às drogas!”

Inclui drogas lícitas como álcool e tabaco.

Restringe-se quase que exclusivamente

às drogas ilícitas.

Dá preferência à utilização de terminologia

neutra, não-pejorativa e científica.

Dá preferência à utilização de

terminologia veemente e valorativa.

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Fonte: Wodak (apud Reghelin, 2002, p. 76).

2.4 – “REDUÇÃO DE DANOS” E DIREITOS HUMANOS:

A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão expressa os

Direitos Humanos que constituem uma base universal de princípios e valores

relacionados às garantias de uma vida digna, à qual todos(as) seres humanos têm direito.

A realidade do nosso país aponta para um histórico de violações dos Direitos

Humanos, sobretudo quando pensamos que uma parcela significativa da sociedade não

tem acesso a bens e serviços que caracterizam aquilo que denominamos de uma “vida

digna”.

Através da avaliação de como o Estado implementa a distribuição dos serviços e

benefícios aos seus cidadãos, podemos ter um indicativo do grau de cidadania de

determinada população, já que através dela pode-se amenizar ou atenuar a exclusão de

determinados grupos historicamente excluídos, marginalizados. Não há dúvidas que o

Brasil ainda não consegue encontrar formas de garantir os direitos do seu povo, sendo

evidente o preconceito e a exclusão que recai sobre a população, negra, pobre,

homessexual, soropositivo, indígenas, entre outros.

A questão do consumo de drogas ilícitas sempre esteve também cercada de

preconceito em uma sociedade que vislumbra o ideal de um mundo sem drogas. Assim,

o seu uso passou a ser visto como uma espécie de “ato desviante”, merecedor de

reprovação, sobretudo quando não se identifica o desejo do usuário de interromper o

uso. Dessa forma, temos mais uma “categoria” desprovida de atenção do Estado – o

usuário de drogas ilícitas que não quer/ou não consegue se tratar.

Conforme Andrade (2004), “O consumo de drogas reproduz o mito de Adão e

Eva, onde agora a maçã que os faz expulsos do paraíso é a droga ilícita, às vezes um

cigarro de maconha parcialmente utilizado...ao ser descoberto como usuário de drogas

ilícitas, torna-se aos olhos da sociedade a personificação do mal...”

É como se o uso de drogas ilícitas representasse uma linha divisória entre

cidadãos merecedores e não merecedores de cuidado; pessoas que são mais cidadãs que

outras (usuárias de drogas ilícitas); o que implica em uma violação de direitos humanos,

na medida em que cria “graduações” de cidadania a partir de determinados

comportamentos/características. É como se o uso de drogas ilícitas fragilizasse a

condição de cidadão.

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A violação dos Direitos Humanos e dos Direitos de Cidadania expressa a quota

de violência e intolerância que marca as relações sociais no Brasil, demonstrando a

dificuldade da sociedade de conviver de forma democrática com a diversidade.

Com o usuário de drogas isso fica explícito na medida em que a sociedade,

historicamente, só admite duas possibilidades para que o sujeito seja reconhecido

enquanto cidadão – usar drogas lícitas (tabaco, álcool...) ou abandonar o uso de drogas

ilícitas.

Pois bem...a Redução de Danos (RD) propõe uma outra lógica, mais

democrática, mais tolerante e menos excludente, já que considera a necessidade de

reconhecemos no outro a nossa própria humanidade, mesmo diante das mais absurdas

diferenças existentes na forma de se portar no mundo. Portanto, independentemente da

relação que uma pessoa estabelece com a droga, a RD admite que o fato de usar drogas

ilícitas seja mais uma entre tantas possibilidades de estar no mundo, portanto, não pode

representar sob hipótese alguma uma perda de direitos aos quais todos(as) têm (ou

deveriam ter) acesso.

Bravo (2003, p. 273) reforça a importância da Redução de Danos como uma

ação inovadora, que exige nova leitura sobre os processos que envolvem o uso/abuso de

drogas e sobre os usuários de drogas e, conseqüentemente, sobre as formas de lidar com

os usuários, quando cita: “Algumas características das novas estratégias de prevenção

e tratamento às toxicomanias excedem uma simples intervenção técnica para constituir-

se em questionadoras de uma ideologia e uma política. Colocamos aqui a redução de

danos como representante desta revolução político-ideológica referente aos usuários de

drogas, na medida em que está centrada no resgate da cidadania e na reinserção social

dos mesmos como sujeitos e cidadãos de direitos e de deveres”.

A tolerância às diferenças está no centro da proposta de Redução de Danos, já

que ela busca garantir um princípio básico, que é do respeito ao direito de cada pessoa

de usar a sua droga, sem que isso a impeça de acessar os serviços disponíveis a todo e

qualquer cidadão. “Evitar a rotulação dos usuários de drogas e a exclusão social de

suas práticas estão na base dos Programas de Redução de Danos” (Andrade, 2004).

Quando falamos em direito a usar droga, muitos retrucam dizendo que “usar

droga é crime”. Na verdade, frases como essas só reforçam a idéia de que o preconceito

com relação ao usuário de drogas ilícitas é realmente muito presente na nossa sociedade,

já que a lei brasileira que trata de questões relacionadas às drogas em nenhum momento

situa o uso como crime, fazendo referência a verbos como “importar, exportar,

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remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer,

fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo,

guardar, prescrever, entre outros.

Assim, inclusive do ponto de vista jurídico, a vinculação do uso de droga ao

crime não é legítima e, também por isso, ninguém deveria, no Brasil, ser

penalizado/prejudicado em virtude do uso de uma droga ilícita, o que não verificamos

na prática, já que o estigma que cerca os usuários faz com que em muitas situações

sofram constrangimento ilegal, violência policial, extorsão, entre outras violações.

Inserir o uso de drogas ilícitas no rol de crimes significa em certa medida uma

restrição à liberdade individual, sobretudo por considerarmos que o uso de drogas é uma

conduta que, na maioria das vezes, não traz prejuízos a nenhum outro, senão ao próprio

indivíduo que faz uso. Assim, defendemos que a sede mais adequada para tratar das

questões relacionadas ao uso de drogas não é o Direito Penal, mas sim a Saúde Pública.

Uso de drogas é questão de saúde e não de polícia!

Para aqueles que defendem que determinadas pessoas precisam de um

tratamento para parar de usar drogas e que estes devem ser iniciados mesmo diante da

recusa do sujeito, lembramos que abstinência e tratamento não devem ser considerados

como sinônimos, pois existem muitas ações que podem ser efetivadas visando à redução

dos prejuízos decorrentes do uso, sem que necessariamente ele seja interrompido.

Os cuidados com a saúde dos usuários de drogas, propostos pela Redução de

Danos, pode vir a contribuir na percepção da sociedade sobre os direitos deles, ajudando

a diminuir a exclusão social das suas práticas e, conseqüentemente, dos próprios

usuários.

Reiteramos que a proposta de abstinência como única possibilidade de

tratamento e o preconceito/intolerância que marca a relação da sociedade com os

usuários de drogas ilícitas ajudou na construção de muros que impedem uma

aproximação do cotidiano dessa população, o que terminou por gerar, ao longo da nossa

história, um completo abandono das pessoas que fazem uso de alguma droga e não

querem/não conseguem interromper o uso.

Por outro lado, a Redução de Danos aproxima as pessoas dos Serviços de Saúde,

na medida em que estas sabem que ali podem encontrar orientação inclusive para usar

sua droga da forma mais segura possível. Assim, abre-se um espaço para o

conhecimento mais apurado da realidade dos usuários de drogas ilícitas e,

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conseqüentemente, para a proposição de estratégias que visam a melhoria da qualidade

de vida, mesmo com o uso ainda presente.

Neste movimento de reconhecimento e respeito ao outro, muitas vezes o

processo caminha para uma transformação na forma que o indivíduo se relaciona com a

droga, podendo, em alguns casos, chegar a optar pela abstinência como meta, embora

esta não fosse a proposta prioritária/inicial. Ou seja, como dissemos anteriormente, a

Redução de Danos não se coloca em oposição à abstinência, mas apenas reconhece

como legítima outras possibilidades.

A Redução de Danos admite que não existe panacéia para acabar com as drogas

na sociedade e reconhece no uso de drogas uma das formas legítimas de se estar no

mundo, de lidar com a dor da existência, que, para alguns, é insuportável sem a sua

droga. Assim, indiretamente, reconhece que a busca pela droga e pelas sensações

geradas pelo seu uso fazem parte da condição humana e “esta, infelizmente, permite

deslizes, abusos, e falhas, implica em desequilíbrios, dramas, conflitos e angústias –

mas querendo eliminá-los, elimina-se o que há de mais humano no homem, a sua

liberdade e os riscos que tem que assumir em sua existência”. (Bucher, 1989, p.29).

Ao longo deste capítulo em que tratamos da Redução de Danos citamos palavras

como reconhecimento, liberdade, livre arbítrio, respeito à diversidade, tolerância...

qualquer aproximação com os princípios dos Direitos Humanos não é mera

coincidência!

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3. USO DE DROGAS E PROGRAMA DE PROTEÇÃO:

3.1 – OS PROGRAMAS DE PROTEÇÃO A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS

AMEAÇADAS E O SEU FUNCIONAMENTO:

O programa de Proteção e Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas está

em 18 Estados brasileiros, sendo eles: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito

Federal, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará,

Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa

Catarina e São Paulo. Esses programas estaduais compõem a denominada Rede

Nacional de Proteção e Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas.

Cada Estado referido possui programa específico e tem seu

funcionamento/financiamento garantido por meio de convênio celebrado entre as

Secretarias de Justiça e/ou Segurança Pública e a Secretaria Especial dos Direitos

Humanos, que está vinculada à Presidência da República – SEDH/PR.

A partir da relação convenial que se estabelece entre os Governos Estaduais e o

Federal, cada Estado pode executar diretamente o “seu” Programa, ou estabelecer novo

convênio com determinada entidade da sociedade civil, para que esta execute as ações

relacionadas à assistência e proteção dos usuários, o que ocorre atualmente com todos

Estados onde o Programa está em funcionamento, com exceção do Rio Grande do Sul,

onde o Estado assume integralmente o Programa, inclusive as ações do seu cotidiano.

Neste sentido, vale destacar que no Rio Grande do Sul o Programa recebe a

denominação de PROTEGE, enquanto nos demais Estados se chama PROVITA.

Cada Programa que compõem a Rede Nacional de Proteção a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas tem capacidade média de atendimento de 60 (sessenta)

pessoas, entre testemunhas, vítimas e seus familiares. Portanto, a Rede tem capacidade

para atender simultaneamente cerca de 1.180 (um mil cento e oitenta) pessoas.

As situações de proteção registradas em Estados que ainda não se ncoaram

incorporaram à Rede Nacional são atendidas pelo Programa Federal, que é executado

pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos e operacionalizado por uma entidade da

sociedade civil. Desse modo, apesar de nem todos os Estados terem implantado seus

próprios programas de proteção, nos termos da Lei nº 9.807/99, existe cobertura aos

casos oriundos de todo o território nacional.

Aos usuários do Programa são destinadas ações que visam sua efetiva proteção e

assistência durante o período em que nele permanecem. Atualmente, cerca de 700

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pessoas encontram-se sob proteção da Rede Nacional, e, desde seu início, mais de 2.300

pessoas tiveram suas vidas salvaguardadas.

Os programas de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas têm a sua

operacionalização e funcionamento realizados por meio de estruturas especialmente

delineadas para tal fim, conforme prevê a Lei no 9.807/99, sendo elas: Conselho

Deliberativo, Órgão Executor/Gestor e Equipe Técnica.

Cada Programa tem como instância decisória superior um Conselho

Deliberativo, que é um órgão colegiado, geralmente composto por representantes das

Secretarias de Justiça e/ou Segurança, do Ministério Público, do Poder Judiciário, da

Defensoria Pública, além de outros órgãos públicos e entidades da sociedade civil com

destacada atuação na área de direitos humanos ou segurança pública. Ao Conselho

cumpre deliberar não somente sobre os casos de ingresso ou exclusão da rede de

proteção, mas também sobre as demais providências de caráter geral relacionadas ao

funcionamento do Programa.

Já ao Órgão Executor recai a responsabilidade de promover a articulação com as

entidades da sociedade civil do seu Estado, visando a formação e o fortalecimento da

chamada rede solidária de proteção, composta por pessoas e instituições colaboradoras

do Programa. Além disso, cabe ao órgão executor contratar e acompanhar o

desempenho dos profissionais que irão compor a Equipe Técnica, sendo esta a

responsável por realizar os atendimentos junto às testemunhas e seus familiares que

estão sob proteção. Destacamos que o órgão executor/gestor deve ser, invariavelmente,

uma das instituições representadas no Conselho Deliberativo.

O trabalho nas áreas jurídica, psicológica e social, necessário tanto para embasar

as decisões do Conselho como para realizar o atendimento e monitoramento dos

usuários do Programa, é realizado por uma Equipe Técnica, liderada por um

coordenador e composta por advogados, psicólogos, assistentes sociais e outros

profissionais (gestor financeiro, apoio-técnico), conforme a necessidade de cada Estado.

A Lei 9807/99, que regulamenta o funcionamento do Programa, atribui

legitimidade para apresentar solicitação de ingresso no Programa ao próprio interessado,

ao Ministério Público, à autoridade policial, ao Juiz e aos demais órgãos públicos e

privados com atribuições de defesa dos Direitos Humanos.

A solicitação deve ser apresentada ao órgão executor, que o remete à avaliação

do Conselho Deliberativo, instruído da manifestação do Ministério Público (art. 3º da

Lei 9.807/99) e dos pareceres jurídico e psicossocial do caso. Enquanto se desenvolve

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esse procedimento denominado triagem e dependendo da gravidade do caso, o órgão

executor pode requerer aos órgãos de segurança pública que sejam providenciadas

medidas urgentes para garantir provisoriamente a segurança dos interessados.

Decidindo o Conselho pelo ingresso da vítima ou testemunha na rede de

proteção, a pessoa é retirada de seu local de origem e inserida, com a observância de

normas de sigilo e confidencialidade, numa nova moradia, podendo antes passar por um

local de proteção provisório, conforme as particularidades de cada situação.

Valendo-se das dimensões continentais do país, a Rede Nacional possibilita a

“permuta” de usuários entre os Programas Estaduais, providenciando o deslocamento da

pessoa ameaçada para outro Estado, sendo que o sigilo do seu novo paradeiro é usado

como expediente garantidor da sua segurança e integridade.

Todos os usuários dos Programas permanecem à disposição da Justiça, das

Comissões Parlamentares de Inquérito, da Polícia e demais autoridades para que,

sempre que solicitados, compareçam pessoalmente para prestar depoimentos nos

procedimentos criminais em que figuram como vítimas ou testemunhas. Esses traslados

e deslocamentos são sempre realizados sob escolta policial e, conforme as exigências de

cada caso são utilizadas outras estratégias de segurança para garantir a preservação da

integridade física dos usuários.

Após o procedimento de triagem e análise do caso, as testemunhas, vítimas e

seus familiares são encaminhadas a local seguro na rede de proteção. A escolha do local

de proteção leva em consideração, sobretudo, os aspectos relacionados à segurança, mas

também as características sociais, culturais e psicológicas da testemunha e de seus

familiares, visando garantir que a alocação das pessoas ocorra em locais onde se

identifique reais condições de (re)inserção social.

Neste momento tem início o acompanhamento psicossocial oferecido pela

equipe técnica, o qual se concretiza por meio de contatos periódicos com os usuários.

Para garantir uma melhor qualidade de vida aos usuários que não possuam fonte

de renda1, o Programa disponibiliza, de modo geral, o pagamento das seguintes

despesas: moradia devidamente mobiliada, serviços de água e luz, alimentação,

vestuário, material escolar, medicamentos, serviços médicos e odontológicos, educação,

cursos profissionalizantes, acompanhamento psicológico. Há ainda a possibilidade do

1 No caso de servidor público civil ou militar, a Lei n

o 9.807/99 concede o direito à suspensão

temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens,

pelo período que permanecer no Programa.

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repasse de um valor adicional para cada usuário que desenvolva atividade laborativa

sem vencimentos, como treinamento, estágio profissionalizante, atividade voluntária,

devendo a pertinência desse procedimento ser avaliada sempre pela equipe técnica e

pelo Conselho Deliberativo de cada Programa.

Cuidados especiais são dispensados no acompanhamento psicológico e social

que são disponibilizados pelo Programa. Assim, no momento de ingresso dos usuários e

seus familiares, os técnicos realizam estudo detalhado sobre as características de cada

família e constroem uma planilha de custos mensais, que representa o valor que cada

usuário terá acesso ao longo da sua permanência no Programa.

Importa ressaltar que, ao realizar o estudo, as equipes técnicas levam em

consideração os hábitos alimentares e culturais de cada núcleo familiar, visando adequar

as ações do Programa à realidade dos usuários. Além disso, destacamos que, antes de

ser repassada aos usuários, a proposta de planilha deve ser submetida à análise dos

membros do Conselho Deliberativo.

O acompanhamento da equipe busca a minimização dos possíveis efeitos

traumáticos da experiência de violência vivenciada, além de proporcionar o devido

suporte para que o usuário, sempre que convocado, apresente um testemunho

qualificado, consistente, de forma que possa incidir nos rumos dos processos, visando

atingir o objetivo maior do Programa, que é contribuir com a diminuição da impunidade

no País.

A intervenção técnica visa ainda avaliar as condições de cada usuário no que se

refere à sua capacidade de aderir às normas de segurança do Programa, além de oferecer

suporte para que o usuário possa lidar da melhor forma possível com as repercussões

das inevitáveis perdas que são inerentes ao ingresso no Programa (quebra de vínculos

com o local de origem, com os amigos, com alguns familiares), contribuindo na

construção de um novo projeto de vida, de um projeto futuro. Caso seja identificada

situação que indique para necessidade de encaminhamento para profissional

especializado, a equipe técnica do Programa adota as providências necessárias.

Atualmente, existe uma enorme demanda de usuários do Programa por psicoterapia, em

razão de motivos diversos.

Embora tenha critérios de inclusão e regras de funcionamento bem definidas, o

Programa recebe pessoas com características diversas, afinal, o PROVITA/PROTEGE

está inserido na sociedade e, por assim ser, evidenciamos no cotidiano do Programa

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questões semelhantes àquelas que se fazem presentes fora do Programa. Portanto,

situações de violência doméstica, uso/abuso de drogas, pessoas que vivem com o vírus

do HIV, maus-tratos, abuso sexual, depressão, entra tantas outras, chegam ao Programa

e reclama das equipes uma intervenção qualificada não só para identificar os casos, mas

também para conduzir/encaminhar as situações de forma adequada.

A equipe técnica realiza também um acompanhamento jurídico do caso,

buscando agilizar, junto às autoridades competentes, os trâmites necessários à sua

solução, informando às vítimas e testemunhas todas as etapas dos procedimentos

criminais a elas referentes, acompanhando-as para prestar depoimentos sempre que

solicitados pelas autoridades competentes.

Enfim, a equipe técnica apóia e tenta fornecer os meios disponíveis para que os

usuários formulem e implementem projetos de vida autônomos e independentes, que

irão garantir condições para que não precisem retornar ao local dos fatos denunciados.

A permanência no Programa dura, de acordo com o previsto na lei 9807/99, dois

anos, no entanto, pode haver prorrogação em razão da manutenção das razões que

ensejaram o ingresso no Programa. Assim, diante da morosidade do judiciário, mesmo

em processos que contam com testemunhas sob proteção e das dificuldades para

garantir um processo de reinserção social consistente em apenas dois anos, muitas

pessoas têm permanecido por um tempo maior que o previsto

A lei 9807/99 estabelece alguns critérios para inclusão nos programas de

proteção, sendo eles:

1) Situação de risco. A pessoa deve estar “coagida ou exposta à grave

ameaça” (art. 1º, caput). Por razões óbvias, a ameaça não precisa ter sido consumada,

sendo suficiente a identificação de elementos que indiquem para possibilidade de risco

concreto. O risco deve ser atual.

2) Colaboração. A situação de risco em que se encontra a pessoa precisa

manter relação de causalidade com a colaboração prestada a procedimento criminal em

que consta como vítima ou testemunha (art. 1º, caput). Assim, situações em que a

ameaça ou coação seja real, mas não tenha relação com os fatos denunciados não

comportam ingresso nos programas.

3) Personalidade e conduta compatíveis. As pessoas a serem incluídas nos

programas devem ter personalidade e conduta compatíveis com as restrições de

comportamento a eles inerentes (art. 2º, § 2º), sob pena de pôr em risco as demais

pessoas protegidas, as equipes técnicas e a rede de proteção como um todo. Por esta

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razão a decisão pela inclusão nos Programas não pode prescindir do parecer técnico

elaborado pela equipe. Destacamos que os protegidos podem ser excluídos em caso de

apresentarem reiteradamente condutas incompatíveis com a proteção (art. 10, II, “b”).

4) Inexistência de limitações à liberdade. É necessário que a pessoa esteja

no gozo de sua liberdade. Por este motivo estão excluídos os “condenados que estejam

cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas

modalidades” (art. 2º, § 2º).

5) Anuência do protegido. O ingresso nos programas, as restrições de

segurança e demais medidas por eles adotadas terão sempre a ciência e concordância da

pessoa a ser protegida (art. 2º, § 3º), que serão expressas em Termo de Compromisso

assinado no momento da inclusão.

Em resumo, poderíamos dizer que os usuários dos Programas são pessoas que

estão em situação de risco em razão da colaboração prestada a procedimento criminal

em que constam como vítima ou testemunha, que estejam no gozo de sua liberdade e

que apresentem personalidade e conduta compatíveis com as limitações de

comportamento “impostas” pelo funcionamento do programa, ao qual expressam

voluntariamente vontade em aderir.

3.2 - PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO DOS PROGRAMAS JUNTO

AOS USUÁRIOS DE DROGAS:

O público dos Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas é,

em geral, formado por “pessoas que se encontram em situação de risco decorrente da

colaboração prestada a procedimento criminal em que figuram como vítima ou

testemunha, que estejam no gozo de sua liberdade e cuja personalidade e conduta

sejam compatíveis com as restrições de comportamentos exigidas pelo Programa, ao

qual deseja aderir voluntariamente”. (Série Legislação em Direitos Humanos,

Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, 2001).

Partindo dessa definição, temos basicamente dois “tipos” de testemunha. Um

deles é aquela pessoa que estava no lugar errado, na hora errada e que, por acaso,

presenciou determinado crime, se dispondo (ou sendo convocado) a testemunhar. Outro

é aquele indivíduo que sabe o que sabe exatamente porque fazia parte de grupo

criminoso, ou por ter se envolvido em atividades ilícitas, tendo, por isso, conhecimento

detalhado das ilicitudes cometidas, resolvendo testemunhar por motivos diversos, que

podem variar do simples arrependimento pelos crimes executados ao interesse exclusivo

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de escapar de algumas denúncias, ou mesmo de ver sua pena reduzida a partir da

colaboração prestada à Justiça.

No segundo “grupo” citado, evidenciamos que, não raramente, a questão do uso

de drogas esteve (ou está) presente na vida da testemunha, sendo certo que a simples

compreensão das normas que regem os Programas, a assinatura de um termo de

compromisso e a formalização de ingresso no Provita não irá “apagar” tal histórico, nem

mesmo provocar mudanças drásticas de forma repentina.

Embora façamos referência à freqüência do uso de drogas entre as testemunhas

com histórico de envolvimento criminoso, é importante destacar que também

evidenciamos que, em muitas ocasiões, testemunhas que estavam no lugar errado, na

hora errada, sem nenhum envolvimento com as atividades denunciadas, assim como

seus familiares, também faziam uso de drogas (lícitas e/ou ilícitas) antes do ingresso no

Programa e, ao estarem sob proteção, não conseguem ou não querem interromper tal

prática, sendo necessário que o Programa apresente possibilidades de lidar com esta

questão, pois, no nosso entendimento, uso de drogas por si só não pode ser sinônimo de

exclusão do Provita, nem mesmo de obrigatoriedade de tratamento.

Vale frisar que, conforme destacamos nos capítulos anteriores, compactuamos

com diversos autores citados que apontam para a impossibilidade de efetivarmos um

modelo de sociedade livre do uso de drogas, reiterando inclusive que não há registro de

civilização sem uso delas. Assim, nos parece sensato partirmos do pressuposto que seria

inviável pensarmos que no Programa tal fenômeno não ocorrerá, principalmente quando

lembramos que o Provita já atendeu mais de 2.000 pessoas ao longo da sua existência,

o que significa que os Programas se deparam com público diverso, com características

das mais variadas.

O uso de drogas faz parte desta, como de qualquer outra sociedade e, sendo

assim, nos Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas também iremos

nos deparar com tal questão, afinal, os Programas estão inseridos em um contexto de

sociedade e as situações que evidenciamos fora do Programa se repetem nele, por vezes

até de forma ampliada, em razão das repercussões subjetivas decorrentes da condição de

testemunha protegida.

Com isso, não pretendemos, sob hipótese alguma, naturalizar o uso de droga por

usuários do Provita/Protege, nem mesmo desconsiderar as possíveis repercussões que

ele pode trazer à vida da testemunha sob proteção e ao próprio programa, no entanto,

consideramos que assumimos uma postura de onipotência quando criamos a expectativa

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de que vamos conseguir garantir um funcionamento de programa onde as pessoas não

usem drogas, sobretudo se considerarmos o que significa (“lugar” que ocupa no

psiquismo) a droga para algumas pessoas.

Lembramos que, ao longo do primeiro capítulo, insistimos na importância de

considerarmos não só a droga em si, mas também a influência das características

individuais e o contexto sócio-cultural em que se insere o uso de drogas, pois só assim

teremos condições de entender o sentido da droga na vida do usuário.

Partindo desse entendimento, não devemos desconsiderar o contexto (anterior e

atual) das pessoas que estão nos Programas. As inevitáveis repercussões causadas pelo

ingresso nos Programas de Proteção, assim como a própria situação de violência

sofrida, podem ser, em alguns casos, mobilizadores de angústia exacerbada, o que nos

leva a pensar que o estar no Programa pode terminar sendo um campo fértil para o

surgimento/aumento da demanda interna por usar drogas, pois os efeitos prazerosos

gerados pelo uso podem “ajudar” a suportar a angústia existencial decorrente das

dificuldades de lidar com a condição de testemunha sob proteção.

Identificamos que, ao longo da sua existência, os Programas

encontram/encontraram duas formas distintas de lidar com a questão do uso de drogas

por parte dos seus usuários. Enquanto algumas poucas equipes trabalham tentando

inseri-la em uma perspectiva de saúde, a qual somos favoráveis, outras imprimem um

caráter que denominamos como proibitivo, de “tolerância zero”. Tal diferença pode ser

verificada através da citação de cláusulas constantes nos termos de compromisso de

algumas equipes estaduais, relacionadas ao uso de drogas, como verificamos a seguir:

“Os protegidos se comprometem a discutir com o contratante, no caso o

Programa, as orientações de saúde, envolvendo prevenção de doença, saúde da mulher,

DST’s, alcoolismo, dependência química...”

“O usuário deverá evitar fazer uso de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas de

forma que coloque a sua condição de testemunha protegida em exposição, devendo

comunicar à equipe possíveis dificuldades em controlar tal uso...”.

Nestes dois casos, percebemos que o uso de álcool e outras drogas se inserem

em um rol de questões relacionadas à saúde do usuário. Em nenhum momento

evidenciamos uma tentativa implícita de abolir um possível envolvimento com drogas

lícitas e/ou ilícitas. A idéia é de que o Programa estará aberto para conversar sobre o

assunto, caso necessário, com possibilidades de apresentar encaminhamentos diversos

para as questões apresentadas, que, diga-se de passagem, no nosso entendimento, não

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devem se resumir ao encaminhamento para tratamento que tenha a abstinência como

única possibilidade, principalmente porque nem todas as pessoas que usam droga

devem (do ponto de vista de recomendação técnica) ser tratadas nesta perspectiva.

No entanto, algumas equipes, como citamos anteriormente, trabalham com uma

perspectiva diferente da citada acima, que implicitamente traz a idéia de que é possível

abolir o uso de drogas entre os usuários do Provita. É como se, para o usuário de drogas,

só restasse duas opções – tratamento ou exclusão. Na verdade, tal perspectiva me parece

estar vinculada a uma tentativa de termos um programa livre das drogas, como podemos

verificar a seguir, através da citação de cláusulas que constavam na maioria dos termos

de compromisso dos Programas estaduais:

“Não consumirá bebidas alcoólicas e outras drogas sob hipótese alguma...”

“Não consumirá bebidas alcoólicas, psicotrópicos e drogas afins sob hipótese

alguma...”

Entendemos que o Programa precisa apontar uma linha de trabalho mais clara,

definindo qual perspectiva deseja implementar com relação a esta questão. Nunca é

demais lembrar que o Programa de Proteção está vinculado à Secretaria Especial dos

Direitos Humanos (DH), e, assim sendo, entendemos que as intervenções devem ser

atravessadas por princípios dos DH. Neste sentido, consideramos que o

encaminhamento para tratamento deve ser visto como uma possibilidade, como um

direito, e não como uma obrigatoriedade.

Na medida em que não temos algumas definições, cada Programa Estadual vem

realizando suas intervenções da forma que considera mais apropriada, gerando

diferenças significativas no trato com os usuários, como pôde ser facilmente observado

através das cláusulas constantes nos termos de compromisso de alguns programas

estaduais.

Neste sentido, percebemos que vários usuários foram (estão sendo?) excluídos

dos Programas de Proteção por não conseguirem/não desejarem parar de usar drogas,

enquanto que, em determinados programas, as equipes identificam possibilidades de

permanência, conseguindo “esticar” bem mais o “elástico” da tolerância e da

compreensão com o contexto/processo que envolve uma pessoa que estabelece alguma

relação com determinada droga, o que não significa que isso se dá sem complexidades.

Tal diferença nas intervenções entre os programas estaduais, em certa medida, se traduz

em um grande problema para fortalecermos a atuação dos Programas de Proteção a

Vítimas e testemunhas Ameaçadas, sobretudo se pensamos em inseri-lo dentro de uma

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lógica de funcionamento das Políticas Públicas, que implica em certa “homogeneidade”

no trato com os seus usuários (se possível colocaríamos o termo homogeneidade entre

dez aspas).

Consideramos imprescindível situarmos a intervenção do Programa tomando

como referência concepções atuais relacionadas ao trato com pessoas que fazem uso de

drogas, inclusive buscando avaliar em que medida a proposta da “Redução de Danos”

pode ajudar a garantir proteção a testemunhas e familiares das testemunhas que fazem

uso de drogas lícitas ou ilícitas, assim como buscando identificar o nível de relação

estabelecida entre a pessoa e a droga, pois esta vai nos dizer em que medida e como

devemos realmente intervir, sobretudo considerando a relação deste uso com a questão

da segurança e do sigilo com relação à condição de testemunha protegida.

Trabalhamos com a hipótese de que o uso de drogas, por si só, não

necessariamente implica em exposição da condição de testemunha. Portanto,

consideramos possível trabalhar com outras possibilidades que não se restrinjam à

“tolerância zero” com relação ao uso de drogas por usuários do Provita, inclusive

questionando, sob a ótica do Código de Ética do Psicólogo, a pertinência de

vincularmos a permanência do usuário de drogas no Provita ao tratamento para

dependentes químicos.

O questionamento sobre a pertinência da obrigatoriedade do tratamento para

usuários do Provita que fazem uso de drogas, sob a ótica do Código de Ética do

Psicólogo, não pode ser desprezado nessa discussão.

Há cerca de dez anos, surgia no Brasil a idéia de adoção do modelo de “justiça

terapêutica” para casos de usuários de drogas que fossem detidos portando substâncias

psicoativas para seu próprio consumo. Ainda hoje tal discussão está em evidência,

sobretudo no âmbito dos Tribunais de Justiça.

Por mais questionamentos que tenhamos à proposta, reconhecemos que, em

certo grau, representa um avanço, na medida em que, dentro dela, não cabe mais a

prisão de pessoas que portam drogas comprovadamente para seu consumo próprio,

devendo ser adotadas medidas outras, entre elas o encaminhamento para tratamento.

No entanto, a proposta foi e continua sendo alvo de críticas oriundas de

especialistas na área de drogas, sobretudo por estar implícita no referido modelo a

desconsideração da existência de tipos de usuários, havendo uma completa

generalização, como se todos estabelecessem o mesmo tipo de relação com as drogas e,

portanto, merecedores de tratamento para “livrar-se” delas. Assim, a pessoa poderia ser

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apenas um usuário experimentador, ou um usuário ocasional e seria passível de

tratamento.

Da mesma forma, pouco importa o desejo da pessoa em se tratar. É uma medida

legal (do ponto de vista jurídico), determinada pelo Estado.

Os defensores da proposta alegavam que a pessoa poderia recusar o tratamento,

sendo na verdade uma opção. Mas opção pressupõe a escolha entre duas alternativas, no

mínimo. E qual era a outra opção? A prisão! Ou seja, letra “a”, se tratar; e letra “b” ser

preso. Alguma dúvida sobre a opção que todas as pessoas fariam?

Temos muito receio de que nos Programas de Proteção se adote prática

semelhante, pois quando colocamos no termo de compromisso o tratamento como

condição, como dever, como obrigação e não como direito, indiretamente estamos

impondo ao usuário uma “escolha”, já que todos nós sabemos que, em geral, as pessoas

que buscam proteção nos Programas o fazem por ser a única alternativa, sendo esta,

aliás, uma característica do público atendido. Ou seja, se colocamos para o usuário as

seguintes opções: letra “a” – tratamento; letra “b” – não ingressar no Programa, não

temos dúvidas sobre a “escolha” que será feita.

Mas que tipo de tratamento será feito? Será que acreditamos que um tratamento

para dependência tem alguma chance de êxito quando pautado neste tipo de acordo, sem

que haja de fato um comprometimento com a ação, um desejo, ou, no mínimo, uma

aceitação para iniciar um tratamento.

Um tratamento para dependência está relacionado à possibilidade de realização

de “deslocamentos”, de mudanças de ordem subjetiva. Nós, enquanto psicólogos, bem

sabemos o prognóstico de um acompanhamento psicoterápico, por exemplo, que

começa a partir de um desejo que não é da própria pessoa. A tendência é fracassar!

Vale destacar que não estamos lidando com um tratamento para alguém que

quebra uma perna, por exemplo. Nesta situação, independentemente da vontade do

sujeito de seguir as orientações médicas, existe uma série de procedimentos que, se

adotados, provavelmente irão garantir o “sucesso” da ação, embora não possamos

desconsiderar a importância dos fatores psicológicos em qualquer processo de

recuperação. Ou seja, mesmo que o indivíduo tenha enorme resistência ao tratamento

proposto (imobilização da perna por determinado período, uso de medicação,

fisioterapia, entre outros), existe um “problema” que é de ordem objetiva, que

certamente será sanado/minimizado com o cumprimento das etapas.

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No caso do tratamento relacionado ao uso abusivo de drogas não há nenhuma

ferramenta ou intervenção externa que, por si só, seja capaz de gerar modificações

consistentes e significativas na forma do sujeito se relacionar com as drogas, sendo

imprescindível que haja ao menos uma aceitação ao tratamento, pois só assim será

possível trabalhar com a idéia de possibilidade de reflexão sobre a “qualidade” da

relação com a droga.

Dito de outra forma, o primeiro tratamento citado (da pessoa que quebrou a

perna) pode ser visto como um movimento de fora para dentro, apesar da importância

das questões psicológicas; já no caso da dependência, o movimento deve ser de dentro

para fora.

Entendemos que o desejo/aceitação para um tratamento é pressuposto para

atuação do psicólogo neste sentido, portanto, consideramos indevida a atuação dos

profissionais em ações que visem colocar o outro no lugar de submissão a algo, pois

entendemos que, no momento em que isso se dá, se perde a capacidade de respeito à

singularidade, à individualidade, à autonomia, princípios tão defendidos no âmbito da

nossa profissão e da defesa dos Direitos Humanos.

No intuito de respaldar a argumentação que apresentamos, citamos alguns

trechos do posicionamento formal assumido pelo Conselho Federal de Psicologia, em

2002, quando firmava sua contrariedade com relação ao modelo de justiça terapêutica.

Vejamos:

“Justiça terapêutica

DECLARAÇÃO DE INTENÇÕES:

O CONSELHO FEDERAL E OS CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA,

REUNIDOS NA ASSEMBLÉIA DE POLÍTICAS ADMINISTRATIVAS E

FINANCEIRAS (APAF), ÓRGÃO DELIBERATIVO DO SISTEMA CONSELHOS

DE PSICOLOGIA, TORNAM PÚBLICA A SUA POSIÇÃO ACERCA DO QUE

VEM SENDO DENOMINADO “JUSTIÇA TERAPÊUTICA”, POR MEIO DOS

SEGUINTES CONSIDERANDOS:

...Na prática profissional, tanto no âmbito público, quanto privado, o Psicólogo é

comumente interpelado sobre questões ligadas ao uso, abuso e dependência de

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substâncias psicoativas lícitas e ilícitas...

...A “Justiça Terapêutica”, ao tratar a saúde como um dever e não como um

direito, fere o Código de Ética do Psicólogo no Princípio Fundamental VII, que,

balizado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada 10.12.1948

pela Assembléia Geral das Nações Unidas, prega que o acesso à saúde é um

direito universal e não um dever a ser imposto...

O Código de Ética do Psicólogo dispõe, no seu Princípio Fundamental VI, que

“o Psicólogo colaborará nas condições que visem eliminar a opressão e a

marginalização do ser humano”, e aponta que a sua inserção em um tratamento

compulsório propicia o desenvolvimento de situações que o oprimem e o

marginalizam...

...O modelo de “Justiça Terapêutica” não estabelece distinção entre uso, abuso e

dependência de substâncias psicoativas, bem como não admite a quebra da

abstinência como possibilidade inerente ao tratamento...

...A “Justiça Terapêutica” preconiza a naturalização de tratamentos

compulsórios em conflito com a tendência atual, nas práticas de saúde no âmbito

da dependência química, que definem que a vontade e o desejo de se tratar é

fundamental para a eficácia do tratamento...

O modelo da “Justiça Terapêutica” estabelece uma escolha logicamente

questionável, entre a penalização e uma prática terapêutica clínica compulsória,

colocando o usuário de substâncias psicoativas lícitas ou ilícitas propenso a ser

tratado como ser humano inválido ou incapaz, que perdeu a razão e, por

conseguinte, sua cidadania...

ISTO POSTO, O CONSELHO FEDERAL E OS CONSELHOS REGIONAIS DE

PSICOLOGIA ASSUMEM O COMPROMISSO DE TRABALHAR PARA QUE:

...Os psicólogos atuem segundo os princípios éticos da profissão, notadamente

aqueles que disciplinam a não discriminação...

...Os psicólogos contribuam, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o

preconceito e a discriminação contra as pessoas que usam, abusam ou são

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dependentes de substâncias psicoativas...

...Os psicólogos tratem o abuso e a dependência de substâncias psicoativas como

um problema de saúde e não como uma questão moral...

Os Conselhos de Psicologia se comprometem a promover debates com o objetivo

de conscientizar os psicólogos e a sociedade, buscando parcerias com outras

instituições e organizações sociais, sobre a abordagem e tratamento da

dependência química, explicitando os problemas concernentes ao modelo da

“Justiça Terapêutica” e promovendo uma prática profissional ética e coerente

com os princípios da profissão.

Brasília, 14 de dezembro de 2002.

CONSELHO FEDERAL E CONSELHOS REGIONAIS DE PSICOLOGIA”

Quando falamos em usuários de drogas, logo somos levados a pensar que eles

têm em comum algo que é evidente – o uso de drogas. No entanto, não podemos perder

de vista que as formas de uso, assim como seus significados são distintos e variam de

indivíduo para indivíduo. As drogas não são as mesmas e a relação que cada pessoa

estabelece com ela(s) também não é a mesma.

Embora esta constatação pareça óbvia, há, no senso comum, uma forte tendência

à homogeneização, afinal, são todos usuários de drogas, como se todos os “tipos” de

usuários de drogas fossem iguais, mas não o são. De forma resumida, como colocado

anteriormente, poderíamos falar em três “categorias”, sendo o usuário experimentador,

o usuário social e o dependente. Esta distinção é importantíssima, pois tem relação

direta com as diretrizes que devem pautar a intervenção do Programa junto às pessoas

que fazem uso de álcool e/ou outras drogas.

Consideramos que não há o que se falar em sugestão de tratamento para os dois

primeiros “tipos” citados, pois o uso de drogas para estas pessoas não traz repercussões

negativas significativas e, sendo assim, devemos nos despir dos nossos preconceitos

morais e exageros para aceitar que aquela pessoa faz a opção de, em alguns momentos

pontuais, usar determinada droga e que dificilmente este “padrão” de relação com uma

droga vai acarretar prejuízos à segurança ou à saúde do usuário. Assim, não há motivos

para pensarmos em intervenções mais incisivas e “caberá à equipe técnica entender a

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relação do sujeito com a droga para, então, avaliar os motivos pelos quais ele deve ou

não abandonar o uso. Sem partir, a priori, do fato de que, se é “droga”, então, “não

use”. (Marimpietre, 2008).

Vale destacar que dificilmente uma pessoa vai conseguir estabelecer este tipo de

relação com drogas como crack, sendo mais comum entre estes tipos de usuários

(experimentador, social) o uso de outras drogas, como a maconha e o álcool. Aliás, vale

lembrar que as drogas, assim como os usuários, não são iguais no que se refere aos seus

efeitos e à sua capacidade de provocar danos/dependência. Sem dúvida não podemos

desconsiderar as especificidades de cada droga, embora entenda que o que faz a droga é

a pessoa. Esta posição inverte a lógica pregada há anos que indica que a droga mata,

que a droga é o mal do mundo e que o usuário de droga está fadado, invariavelmente, ao

fracasso.

Certamente, quando as pessoas se posicionam favoráveis ao condicionamento do

tratamento para inclusão/permanência de usuários de drogas nos Programas de Proteção

a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, estão se referindo aquelas pessoas que

estabelecem uma relação de dependência com determinada droga. Com relação a este

“tipo” de usuário de fato devemos nos preocupar, pois certamente ele não conseguirá

apresentar uma postura condizente com a condição de testemunha protegida, sobretudo

em razão das situações de exposição, da dificuldade de administrar os recursos

repassados pelo Programa e até mesmo os bens da sua casa, que são cedidos pelos

Programas. A experiência mostra que vários usuários que apresentam um quadro de

dependência química chegaram a vender objetos do local de proteção, e, por vezes,

todos os móveis da casa, objetivando adquirir aquilo que é seu “combustível” para a

vida, seu “ponto de partida”.

Com relação a esses casos, entendemos que realmente devemos trabalhar na

perspectiva de encaminhamento para tratamento, mas não como obrigatoriedade e sim

como direito, o que não quer dizer que o Programa irá tolerar todo e qualquer tipo de

comportamento de um usuário em razão da sua dependência.

Consideramos que cabe à equipe dialogar com o usuário, quantas vezes for

preciso, no sentido de lhe mostrar que, na sua avaliação (da equipe), ele provavelmente

não conseguirá se manter no Programa caso não modifique sua relação com a droga e

que a manutenção de determinados comportamentos certamente irá gerar a sua exclusão

por “conduta incompatível”, pois entendemos que uma pessoa não deve ser excluída

pelo fato de usar drogas, mas poderá o ser pelas repercussões do uso de drogas

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(exposição, envolvimento com grupos de traficantes, revelação da sua condição de

testemunha, incapacidade de administrar recursos para os fins devidos...). A

dependência não pode servir como manto para encobrir todos os descumprimentos do

usuário, mas também não pode significar um aval para uma exclusão precipitada ou

tratamento compulsório, exceto em situações que justifiquem tal ato (claro risco de

suicídio; nível de agressividade elevado, a ponto de colocar em risco a vida de outras

pessoas...).

Entendemos como imprescindível que as equipes tenham uma postura incisiva

na sua avaliação sobre a necessidade do tratamento, assim como fortaleça a sua

capacidade de compartilhar sua percepção com o usuário, devendo inclusive realizar o

encaminhamento para profissional especializado em lidar com pessoas que

usam/abusam de drogas (psicanalista/ psicólogo/ psiquiatra), para que este também

possa realizar avaliação sobre a modalidade de tratamento a ser implementada,

objetivando construir uma intervenção consistente e pautada em constatações técnicas,

que deixem transparecer a todo tempo que o usuário tem o direito de se tratar, mas não a

obrigação.

A provável apresentação de uma postura não consoante com a condição de

testemunha protegida e a possibilidade concreta de fragilização da segurança em razão

das repercussões do uso abusivo de álcool e outras drogas deve sempre ser discutida

com o usuário.

Entretanto, nessas ocasiões, devemos manter a diretriz do Programa, que tem a

perspectiva de garantia de direitos e de respeito/reforço à autonomia do sujeito atendido

como um dos seus princípios. No caso específico, a autonomia inclusive para não querer

se tratar deve ser preservada.

Neste diálogo com o usuário, todo cuidado é pouco para que o discurso não

produza nele o entendimento de que deve se tratar independentemente da sua disposição

para tal. O limite que separa a pressão que busca a reflexão e aquela que visa transmitir

uma idéia de obrigatoriedade do tratamento é difícil de ser identificado e, exatamente

por esta razão, os técnicos precisam refletir constantemente sobre sua intervenção, pois

aqui estamos falando, no final das contas, de busca por uma postura ética em situações

complexas.

Não devemos perder de vista que o usuário tem a opção de se tratar e deverá

receber toda orientação e apoio caso solicite/deseje/aceite esta possibilidade, no entanto,

também poderá arcar com as possíveis repercussões do não querer se tratar.

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Com isso não queremos dizer que o tratamento para dependência deve ser

realizado apenas a partir de uma solicitação ou demonstração de interesse do usuário de

drogas por modificar o padrão de consumo, até porque sabemos que grande parte das

pessoas que chegam às instituições que dedicam atenção aos usuários apresentam

enorme resistência ao tratamento, inclusive por ser extremamente difícil imaginar a vida

sem a substância e tudo que ela proporciona, apesar das repercussões negativas.

Na verdade, não seria exagero dizer que a maioria desse público só aceita o

tratamento após insistente pressão da família, dos amigos, do ambiente de trabalho...

mas não esqueçamos que pressão/reflexão para mobilizar a aceitação ao tratamento é

bem diferente de obrigatoriedade.

Assim, nos parece sensato afirmar que o Programa pode e deve exercer a função

de “pressionar”/estimular a aceitação do tratamento, a compreensão sobre a sua

necessidade, assim como faz um familiar, uma esposa, um marido, uma chefia na vida

comum (guardando as devidas proporções). Mas é importante ter atenção à forma que

essa “pressão” acontece, sobretudo para que a vinculação do tratamento ao ingresso ou

permanência no Programa não seja utilizada como instrumento para “obrigar” o usuário

a um tratamento que ele não deseja/não aceita/não reconhece como necessário.

Sabemos o quanto é difícil para uma equipe técnica constatar que um usuário do

Programa, que precisa de proteção, está trilhando um caminho que poderá o levar a uma

exclusão e, conseqüentemente, a uma maior exposição ao risco gerado pelas denúncias

que ensejaram o ingresso no Provita/PROTEGE, no entanto, a intervenção técnica tem

limites e o desejo dos profissionais não tem o poder de incidir no desejo da pessoa

atendida. Quem não conhece histórias de pessoas que perderam família, dinheiro,

emprego por não querer/não conseguir se tratar e não conseguir imprimir estratégias de

redução dos danos que de fato incidam na relação que estabelece com a droga? Na vida

é assim, por mais que seja difícil aceitar e lidar com esta realidade.

Consideramos que os princípios da proposta da Redução de Danos devem pautar

as intervenções dos Programas junto aos usuários que fazem uso de drogas (lícitas ou

ilícitas), pois ela imprime uma visão de respeito à liberdade individual que cada sujeito

deve ter para tomar suas decisões, inclusive de continuar usando drogas, assumindo os

riscos das suas escolhas/das suas possibilidades.

Embora tenhamos esta posição, entendemos que não podemos perder de vista a

delicada relação existente entre uso de drogas nos Programas de Proteção e segurança

dos usuários, pois esta não deve ser comprometida.

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Para trabalharmos com os princípios da Redução de Danos junto aos usuários do

Provita que fazem uso de drogas precisamos buscar discutir abertamente sobre formas

de uso que não coloquem a segurança em risco. Enquanto o uso não compromete

significativamente à segurança no que se refere à ameaça que ensejou o ingresso no

Programa, entendemos que a equipe pode e deve continuar apostando na possibilidade

de pequenas conquistas, que nem sempre se dão apenas com a interrupção total do uso.

A vida segue mesmo diante do uso de drogas. Por vezes, com muita dificuldade!

Dizendo de outra forma, o nosso referencial para avaliar e intervir nas questões

do uso de drogas nos Programas deve ser a questão da saúde e da segurança e não as

questões morais que cercam a temática e, por vezes, conduzem as ações dos

profissionais.

Um dos principais avanços que os princípios da Redução de Danos podem trazer

à relação que se estabelece entre equipe técnica dos Programas e usuários de drogas se

situa na possibilidade de uma maior aproximação entre as partes, e, como conseqüência,

uma maior abertura por parte do usuário para conversar sobre suas dificuldades em

controlar o uso, em usar droga de forma mais responsável. Na medida em que o usuário

percebe que o assunto pode ser falado, há a possibilidade de se refletir sobre formas de

“enfrentamento” da questão.

Acreditamos que isso só torna-se possível se o usuário identificar, desde os

primeiros atendimentos, que existe uma abertura dos profissionais para falar sobre o

assunto, sem que tal fato gere “punição” (no caso, exclusão do Programa) ou

internamento obrigatório.

Por isso acreditamos que o termo de compromisso dos Programas não deve

constar cláusulas que coloquem o uso de drogas no rol de “coisas proibidas”, assim

como não deve condicionar a inclusão ou permanência nos Programas a um tratamento,

pois, dessa forma, indiretamente estamos dizendo que não toleramos tal conduta, o que

certamente gera, desde o início da relação, um distanciamento do usuário com relação à

equipe, pois ele percebe que a única forma de ser reconhecido em seu direito a ser

“protegido” é não usando droga. Assim, caso haja dificuldade em interromper o uso,

certamente tentará esconder de todas as maneiras, pois sabe (ou melhor, sente) que tal

conduta não é aceita.

Espinheira (2004) reforça este entendimento destacando a importância de

respeitarmos o sentido/significado que cada pessoa dá ao uso de droga, como podemos

verificar na seguinte afirmação: “A linguagem mais indicada para estabelecer a

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comunicação com o usuário de drogas é aquela que compreende os significados que ele

próprio atribui à sua ação, no conjunto mais amplo de formas como se relaciona com a

sociedade em termos de reconhecimento, negação e rejeição”

Consideramos que um Programa que busca pautar sua intervenção por

princípios dos Direitos Humanos não deve, sob hipótese alguma, abdicar da

possibilidade de acompanhar pessoas que fazem uso de drogas, aceitando outras

possibilidades distintas da abstinência total.

Tal posição nos remete à constatação de que o nosso desejo de ter um programa

livre das drogas, por considerar uma suposta invariável fragilidade à segurança dos

usuários, não é suficiente para interferir no desejo do outro de consumir determinada

substância, até mesmo porque reiteramos que o vínculo que uma pessoa estabelece com

a droga tem relação direta com as possibilidades psíquicas que cada pessoa dispõe para

lidar com a sua própria existência.

Entendemos que o Programa pode ajudar os usuários a ter o mínimo de prejuízos

possíveis em decorrência do uso, assim como podemos, em alguns casos e

preservando/respeitando alguns limites, garantir a sua efetiva proteção sem que

necessariamente o uso de drogas seja interrompido. Portanto, não se trata de pensarmos

em um programa livre das drogas, mas sim em um Programa que consiga encontrar

formas de lidar com usuários de drogas, pois a vida não é novela e, na vida real, a busca

pela droga é apenas uma entre tantas possibilidades do ser humano. No Programa não é

(e não será) diferente, afinal, ele protege a vida, mas não da vida!

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CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Os Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas recebem

sistematicamente (e cada vez mais) pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas.

Tal fato representa dificuldades para as equipes técnicas, sobretudo em razão da relação

entre uso de drogas ilícitas e possível fragilização da segurança do usuário.

De fato, consideramos que em muitos momentos as repercussões do uso de

drogas ilícitas podem comprometer a segurança de determinada pessoa que está sob

proteção, no entanto, mostra-se imprescindível que os Programas busquem compreender

as especificidades de cada usuário no que se refere à relação que estabelece com as

drogas, pois, historicamente, evidenciamos um predomínio de apenas duas propostas

para lidar com a questão, sendo a exclusão do Programa ou a proposição de tratamento

para abandonar o uso de drogas.

Ocorre que nem todas as pessoas que fazem uso de drogas precisam de

tratamento, assim como nem todo uso de droga é sinônimo de fragilização da segurança

dos usuários dos Programas, o que implica em dizer que consideramos inadequado

constar entre as cláusulas dos termos de compromisso dos Programas algo que situe o

uso de álcool e outras drogas como uma “proibição”, como quebra de norma passível de

exclusão.

Os usuários dos Programas de Proteção carregam consigo uma história de vida

que, definitivamente, não será apagada com a simples inclusão em uma nova

comunidade e assinatura do termo de compromisso do Provita/Protege. Por isso, inserir

o uso de drogas entre as “coisas proibidas”, exigindo de todos(as) que são atendidos(as)

pelos Programas a abstinência total, significa desconsiderar a trajetória de vida dessas

pessoas, na medida em que se impõe uma mudança radical a partir da inserção na rede

de proteção, sobretudo daquelas que já faziam uso de determinada droga antes mesmo

de conhecer os Programas. Além disso, poderá favorecer a criação de uma espécie de

abismo entre os usuários que já faziam uso de drogas antes do ingresso nos Programas e

as equipes técnicas, pois logo percebem que não há espaço para falar sobre a sua relação

com determinada substância, sentindo necessidade de omitir o uso, o que impede que o

Programa busque formas de discutir e encaminhar a questão da maneira que traga

menos repercussão à vida daquele sujeito e aos envolvidos na proteção.

Consideramos imprescindível que os Programas busquem favorecer a abertura

de um canal de diálogo franco com o usuário sobre o seu uso de droga, encaminhando-o

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sempre a um profissional especializado no atendimento de usuários de álcool e outras

drogas antes de propor medida mais extrema como a exclusão do Programa ou qualquer

tipo de tratamento. Dessa forma, haverá a possibilidade de considerar as singularidades

de cada pessoa atendida para se avaliar a medida mais adequada para cada situação.

Em casos extremos, onde há uma consistente avaliação que indica para

necessidade/pertinência de encaminhamento para tratamento relacionado ao uso de

álcool e outras drogas, consideramos que o tratamento, seja ele qual for, podendo variar

de uma psicoterapia individual a um internamento, deve ser proposto como um direito

do usuário e não uma obrigação ou condição para permanência nos Programas de

Proteção.

Obviamente temos clareza que a não interrupção do uso abusivo de álcool ou

outras drogas por usuários do Provita/Protege e uma possível recusa ao tratamento

indicado pode acarretar uma série de comportamentos que venham a comprometer, em

curto/médio prazo, a segurança e a própria permanência deles nos referidos Programas,

mas, mesmo diante dessa realidade, entendemos que o usuário deve ter preservado seu

direito de recusar o tratamento, o que não significa que não deverá assumir as

conseqüências do seu uso.

Ao contrário, na medida em que o Programa respeita a autonomia do sujeito

inclusive para continuar usando droga e recusar o tratamento, ele se responsabilizará

pelas possíveis repercussões do seu uso, podendo ser excluído no futuro em razão de

possíveis conseqüências do uso, mas não pelo uso, por si só.

Destacamos a inadequação de considerarmos apenas a busca pela abstinência

total como sinônimo de tratamento, sendo imprescindível que as equipes técnicas

busquem articulação com profissionais/instituições que trabalham com estratégias de

redução de danos junto aos usuários de álcool e outras drogas. No caso específico dos

Programas de Proteção, pensar em propostas de redução de danos talvez signifique não

pensar exclusivamente em eliminar o uso de drogas da vida de determinado sujeito, mas

construir, junto com ele, estratégias que minimizem a possibilidade deste uso trazer

repercussões à sua segurança.

Não há como negar que o uso de drogas por alguns usuários dos Programas tem

representado enorme complexidade ao trabalho das equipes técnicas, no entanto, nos

parece pertinente trabalhar com a idéia de que não devemos lidar com tal complexidade

tentando simplesmente excluí-la dos Programas, sob o velho e seguro argumento da

priorização da segurança e do reforço de idéias cristalizadas/conservadoras/moralistas

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sobre o uso de drogas. É preciso construir, a partir do acompanhamento de cada usuário,

formas menos excludentes de lidar com esta complexidade que o uso de drogas traz à

execução dos Programas, pois este, assim como outros fenômenos da nossa sociedade,

sempre esteve e certamente sempre estará presente no cotidiano dos Programas de

Proteção.

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